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Universidade do Sul de Santa Catarina

Filosofia do Direito
Disciplina na modalidade a distância

Palhoça
UnisulVirtual
2011

filosofia_do_direito.indb 1 12/07/12 13:31


Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina – Campus UnisulVirtual – Educação Superior a Distância
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Reitor Unisul Assistente e Auxiliar de Luana Borges da Silva Gerência de Desenho Jeferson Pandolfo
Ailton Nazareno Soares Coordenação Luana Tarsila Hellmann e Desenvolvimento de Karine Augusta Zanoni
Maria de Fátima Martins (Assistente) Luíza Koing Zumblick Materiais Didáticos Marcia Luz de Oliveira
Vice-Reitor Fabiana Lange Patricio Maria José Rossetti Márcia Loch (Gerente)
Tânia Regina Goularte Waltemann Marilene de Fátima Capeleto Assuntos Jurídicos
Sebastião Salésio Heerdt Ana Denise Goularte de Souza Bruno Lucion Roso
Patricia A. Pereira de Carvalho Desenho Educacional
Chefe de Gabinete da Paulo Lisboa Cordeiro Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD) Marketing Estratégico
Coordenadores Graduação Silvana Souza da Cruz (Coord. Pós/Ext.)
Reitoria Adriano Sérgio da Cunha Paulo Mauricio Silveira Bubalo Rafael Bavaresco Bongiolo
Rosângela Mara Siegel Aline Cassol Daga
Willian Máximo Aloísio José Rodrigues Ana Cláudia Taú Portal e Comunicação
Ana Luísa Mülbert Simone Torres de Oliveira
Vanessa Pereira Santos Metzker Carmelita Schulze Catia Melissa Silveira Rodrigues
Pró-Reitora Acadêmica Ana Paula R. Pacheco Carolina Hoeller da Silva Boeing Andreia Drewes
Arthur Beck Neto Vanilda Liordina Heerdt
Miriam de Fátima Bora Rosa Eloísa Machado Seemann Luiz Felipe Buchmann Figueiredo
Bernardino José da Silva Gestão Documental Flavia Lumi Matuzawa Marcelo Barcelos
Pró-Reitor de Administração Catia Melissa S. Rodrigues Lamuniê Souza (Coord.) Gislaine Martins Rafael Pessi
Fabian Martins de Castro Charles Cesconetto Clair Maria Cardoso Isabel Zoldan da Veiga Rambo
Diva Marília Flemming Daniel Lucas de Medeiros Jaqueline de Souza Tartari Gerência de Produção
Pró-Reitor de Ensino Fabiano Ceretta Eduardo Rodrigues João Marcos de Souza Alves Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente)
José Carlos da Silva Junior Guilherme Henrique Koerich Francini Ferreira Dias
Mauri Luiz Heerdt Horácio Dutra Mello Josiane Leal
Leandro Romanó Bamberg
Letícia Laurindo de Bonfim Design Visual
Itamar Pedro Bevilaqua Marília Locks Fernandes
Campus Universitário de Jairo Afonso Henkes
Lygia Pereira Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.)
Tubarão Lis Airê Fogolari Adriana Ferreira dos Santos
Janaína Baeta Neves Gerência Administrativa e Luiz Henrique Milani Queriquelli
Diretora Jardel Mendes Vieira Financeira Alex Sandro Xavier
Milene Pacheco Kindermann Marina Melhado Gomes da Silva Alice Demaria Silva
Joel Irineu Lohn Renato André Luz (Gerente) Marina Cabeda Egger Moellwald
Jorge Alexandre N. Cardoso Ana Luise Wehrle Anne Cristyne Pereira
Campus Universitário da Melina de La Barrera Ayres Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
José Carlos N. Oliveira Anderson Zandré Prudêncio Michele Antunes Corrêa
Grande Florianópolis José Gabriel da Silva Daniel Contessa Lisboa Daiana Ferreira Cassanego
Nágila Hinckel Diogo Rafael da Silva
Diretor José Humberto D. Toledo Naiara Jeremias da Rocha Pâmella Rocha Flores da Silva
Hércules Nunes de Araújo Joseane Borges de Miranda Rafael Bourdot Back Edison Rodrigo Valim
Rafael Araújo Saldanha Frederico Trilha
Luciana Manfroi Thais Helena Bonetti Roberta de Fátima Martins
Campus Universitário Luiz G. Buchmann Figueiredo Valmir Venício Inácio Higor Ghisi Luciano
Roseli Aparecida Rocha Moterle Jordana Paula Schulka
UnisulVirtual Marciel Evangelista Catâneo Sabrina Bleicher
Maria Cristina S. Veit Gerência de Ensino, Pesquisa Marcelo Neri da Silva
Diretora Sabrina Paula Soares Scaranto Nelson Rosa
Maria da Graça Poyer e Extensão Viviane Bastos
Jucimara Roesler Mauro Faccioni Filho Oberdan Porto Leal Piantino
Moacir Heerdt (Gerente) Patrícia Fragnani de Morais
Moacir Fogaça Aracelli Araldi Acessibilidade
Nélio Herzmann Vanessa de Andrade Manoel (Coord.) Multimídia
Equipe UnisulVirtual Onei Tadeu Dutra Elaboração de Projeto e Letícia Regiane Da Silva Tobal
Reconhecimento de Curso Sérgio Giron (Coord.)
Patrícia Fontanella Mariella Gloria Rodrigues Dandara Lemos Reynaldo
Diretora Adjunta Rogério Santos da Costa Diane Dal Mago
Patrícia Alberton Vanderlei Brasil Avaliação da aprendizagem Cleber Magri
Rosa Beatriz M. Pinheiro Fernando Gustav Soares Lima
Tatiana Lee Marques Francielle Arruda Rampelotte Geovania Japiassu Martins (Coord.)
Secretaria Executiva e Cerimonial Gabriella Araújo Souza Esteves
Jackson Schuelter Wiggers (Coord.) Valnei Carlos Denardin Extensão Conferência (e-OLA)
Roberto Iunskovski Jaqueline Cardozo Polla Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.)
Marcelo Fraiberg Machado Maria Cristina Veit (Coord.) Thayanny Aparecida B.da Conceição
Tenille Catarina Rose Clér Beche Bruno Augusto Zunino
Rodrigo Nunes Lunardelli Pesquisa
Assessoria de Assuntos Sergio Sell Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC) Gerência de Logística Produção Industrial
Internacionais Mauro Faccioni Filho(Coord. Nuvem) Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente) Marcelo Bittencourt (Coord.)
Murilo Matos Mendonça Coordenadores Pós-Graduação
Aloisio Rodrigues Pós-Graduação Logísitca de Materiais Gerência Serviço de Atenção
Assessoria de Relação com Poder Bernardino José da Silva Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.) Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.)
Público e Forças Armadas Abraao do Nascimento Germano Integral ao Acadêmico
Carmen Maria Cipriani Pandini Maria Isabel Aragon (Gerente)
Adenir Siqueira Viana Daniela Ernani Monteiro Will Biblioteca Bruna Maciel
Walter Félix Cardoso Junior Salete Cecília e Souza (Coord.) Fernando Sardão da Silva André Luiz Portes
Giovani de Paula Carolina Dias Damasceno
Karla Leonora Nunes Paula Sanhudo da Silva Fylippy Margino dos Santos
Assessoria DAD - Disciplinas a Renan Felipe Cascaes Cleide Inácio Goulart Seeman
Distância Leticia Cristina Barbosa Guilherme Lentz
Marlon Eliseu Pereira Francielle Fernandes
Patrícia da Silva Meneghel (Coord.) Luiz Otávio Botelho Lento Holdrin Milet Brandão
Carlos Alberto Areias Rogério Santos da Costa Gestão Docente e Discente Pablo Varela da Silveira
Enzo de Oliveira Moreira (Coord.) Rubens Amorim Jenniffer Camargo
Cláudia Berh V. da Silva Roberto Iunskovski Juliana Cardoso da Silva
Conceição Aparecida Kindermann Thiago Coelho Soares Yslann David Melo Cordeiro
Capacitação e Assessoria ao Jonatas Collaço de Souza
Luiz Fernando Meneghel Vera Regina N. Schuhmacher Docente Avaliações Presenciais Juliana Elen Tizian
Renata Souza de A. Subtil Simone Zigunovas (Capacitação) Graciele M. Lindenmayr (Coord.) Kamilla Rosa
Gerência Administração Alessandra de Oliveira (Assessoria)
Assessoria de Inovação e Acadêmica Ana Paula de Andrade Maurício dos Santos Augusto
Qualidade de EAD Adriana Silveira Angelica Cristina Gollo Maycon de Sousa Candido
Angelita Marçal Flores (Gerente) Alexandre Wagner da Rocha
Denia Falcão de Bittencourt (Coord) Fernanda Farias Cristilaine Medeiros Monique Napoli Ribeiro
Andrea Ouriques Balbinot Elaine Cristiane Surian Daiana Cristina Bortolotti Nidia de Jesus Moraes
Carmen Maria Cipriani Pandini Secretaria de Ensino a Distância Juliana Cardoso Esmeraldino Delano Pinheiro Gomes Orivaldo Carli da Silva Junior
Iris de Sousa Barros Samara Josten Flores (Secretária de Ensino) Maria Lina Moratelli Prado Edson Martins Rosa Junior Priscilla Geovana Pagani
Giane dos Passos (Secretária Acadêmica) Fabiana Pereira Fernando Steimbach Sabrina Mari Kawano Gonçalves
Assessoria de Tecnologia Adenir Soares Júnior Fernando Oliveira Santos Scheila Cristina Martins
Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coord.) Tutoria e Suporte
Alessandro Alves da Silva Claudia Noemi Nascimento (Líder) Lisdeise Nunes Felipe Taize Muller
Felipe Jacson de Freitas Andréa Luci Mandira Marcelo Ramos Tatiane Crestani Trentin
Jefferson Amorin Oliveira Anderson da Silveira (Líder)
Cristina Mara Schauffert Ednéia Araujo Alberto (Líder) Marcio Ventura Vanessa Trindade
Phelipe Luiz Winter da Silva Djeime Sammer Bortolotti Osni Jose Seidler Junior
Priscila da Silva Maria Eugênia F. Celeghin (Líder)
Douglas Silveira Andreza Talles Cascais Thais Bortolotti
Rodrigo Battistotti Pimpão Evilym Melo Livramento
Tamara Bruna Ferreira da Silva Daniela Cassol Peres
Fabiano Silva Michels Débora Cristina Silveira Gerência de Marketing
Fabricio Botelho Espíndola Francine Cardoso da Silva Fabiano Ceretta (Gerente)
Coordenação Cursos Felipe Wronski Henrique Joice de Castro Peres Relacionamento com o Mercado
Coordenadores de UNA Gisele Terezinha Cardoso Ferreira Karla F. Wisniewski Desengrini
Indyanara Ramos Eliza Bianchini Dallanhol Locks
Diva Marília Flemming Maria Aparecida Teixeira
Marciel Evangelista Catâneo Janaina Conceição Mayara de Oliveira Bastos Relacionamento com Polos
Roberto Iunskovski Jorge Luiz Vilhar Malaquias Patrícia de Souza Amorim Presenciais
Juliana Broering Martins Schenon Souza Preto Alex Fabiano Wehrle (Coord.)

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Leandro Kingeski Pacheco
Carlos Euclides Marques
Samantha Buglione
Sérgio Sell
José Dimas d’Avila Maciel Monteiro

Filosofia do Direito
Livro didático

Revisão de conteúdo
Leandro Kingeski Pacheco

Design instrucional
Ana Cláudia Taú
Roseli Rocha Moterle

1ª edição revista

Palhoça
UnisulVirtual
2011

filosofia_do_direito.indb 3 12/07/12 13:31


Copyright © UnisulVirtual 2011
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professor Conteudista
Leandro Kingeski Pacheco
Carlos Euclides Marques
Samantha Buglione
Sérgio Sell
José Dimas d’Avila Maciel Monteiro

Revisão de conteúdo
Leandro Kingeski Pacheco

Design Instrucional
Ana Cláudia Taú
Roseli Rocha Moterle (1ª ed. rev.)

ISBN
978-85-7817-194-0

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Jordana Paula Schulka
Noemia Mesquita (1ª ed. rev.)

Revisão
Amaline Boulus Issa Mussi

340.1
P11 Filosofia do direito: livro didático / Leandro Kingeski Pacheco ... [et al.]; design
instrucional Ana Cláudia Taú, Roseli Rocha Moterle. – 1. ed. rev. – Palhoça: UnisulVirtual,
2011.
195p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-194-0

1. Direito – Filosofia. I. Pacheco, Leandro Kingeski. II. Taú, Ana Cláudia.


III. Moterle, Roseli Rocha.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

pag_iniciais.indd 4 19/09/12 16:07


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Palavras dos professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 - O que é Filosofia do Direito?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15


UNIDADE 2 - Conhecendo alguns clássicos da Filosofia do Direito. . . . . . . 53
UNIDADE 3 - Filosofia do Direito e suas relações com a Dogmática
Jurídica e a Teoria Geral do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
UNIDADE 4 - Perspectiva humanista: o Direito e o Homem. . . . . . . . . . . . . 149

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179


Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
Sobre os professores conteudistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Respostas e comentários das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . 191
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

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Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Filosofia do Direito.

O material foi elaborado com vista a uma aprendizagem


autônoma e aborda conteúdos especialmente selecionados e
relacionados à sua área de formação. Ao adotar uma linguagem
didática e dialógica, objetivamos facilitar seu estudo a distância,
proporcionando condições favoráveis às múltiplas interações e a
um aprendizado contextualizado e eficaz.

Lembre-se de que sua caminhada, nesta disciplina, será


acompanhada e monitorada constantemente pelo Sistema
Tutorial da UnisulVirtual. Neste sentido, a “distância” fica
caracterizada somente como a modalidade de ensino por que
você optou para a sua formação: na relação de aprendizagem,
professores e instituição estarão sempre conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade entre em contato. Você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso, tais como
telefone, e-mail e o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem,
que é o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e
recebido fica registrado para seu maior controle e comodidade.
Nossa equipe técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe
atender, pois sua aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

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Palavras dos professores

Caro(a) aluno(a),

Parabéns por iniciar, agora, os estudos da disciplina


Filosofia do Direito. A sociedade contemporânea requer,
crescentemente, profissionais com formação sólida e que
sejam capazes de desenvolver reflexões amplas e críticas sobre
a sua atuação, sobre suas práticas e sobre as teorias que as
fundamentam.

Considerando este anseio social, aspiramos a que, de algum


modo, em função das temáticas abordadas neste livro didático,
você possa desenvolver e aprofundar sua compreensão sobre o
Direito.

Atente, por favor, que não temos a mínima pretensão de


esgotar tais temáticas, mesmo porque a tarefa seria impossível
diante do extenso, rico e diverso material disponível a respeito.

Almejamos, porém, incitá-lo(a) a pensar brevemente sobre


questões basilares do Direito, dispostas por meio de quatro
unidades, quatro eixos de conteúdo: O que é Filosofia do
Direito; Conhecendo alguns clássicos da Filosofia do Direito;
Filosofia do Direito e suas relações com a Dogmática Jurídica
e a Teoria Geral do Direito; e, o Direito e o homem: uma
perspectiva humanista.

Ao estudar estes eixos de conteúdos, procure refletir sobre a


teoria e a prática do Direito, sobre a necessidade de aprofundar
a compreensão sobre o Direito e suas questões básicas e vitais
para a harmonia social, muito antes de simplesmente procurar
aplicá-lo.

Bons estudos!

Professores Leandro, Carlos, Samantha, Sérgio e José Dimas

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Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo no desenvolvimento da


disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva


em conta instrumentos que se articulam e se complementam,
portanto, a construção de competências se dá sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ o livro didático;

„„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);

„„ as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de


autoavaliação);

„„ o Sistema Tutorial.

Ementa
Direito e Filosofia do Direito. Filosofia do Direito e seus
campos de abrangência. Filosofia do Direito e suas relações
com a Dogmática Jurídica e a Teoria Geral do Direito. Os
clássicos da Filosofia do Direito (idealistas, materialistas e
críticos). Perspectiva humanista: o Direito e o Homem.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivos da disciplina

Geral:
Identificar algumas das principais questões da Filosofia do Direito.

Específicos:
„„ Identificar o conceito, o objeto de estudo e a concepção
de método da Filosofia do Direito.

„„ Compreender conexões da Filosofia do Direito com


ciências afins.

„„ Identificar algumas teses tradicionais de filósofos do


direito, que marcaram a Filosofia do Direito.

„„ Conhecer a classificação idealista, a classificação


materialista e a concepção crítica da Filosofia do Direito.

„„ Identificar a relação da Filosofia do Direito com a


Dogmática Jurídica e a Teoria Geral do Direito.

„„ Conhecer e compreender a perspectiva humanista como


base para a fundamentação do Direito contemporâneo.

Carga horária
A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula.

Conteúdo programático/objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação

Unidades de estudo: 4

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Nome da disciplina

Unidade 1 – O que é Filosofia do Direito?


Na presente unidade, você estuda o conceito de Filosofia, de
Direito e de Filosofia do Direito. Identifica o objeto de estudo e
a concepção de método da Filosofia do Direito. Neste sentido,
identifica alguns conceitos básicos ‒ como dever, direito, ordem,
justiça, poder, norma, punição, coação, etc. ‒ para refletir
sistematicamente sobre a teoria e a prática do Direito. Também
estuda conexões da Filosofia do Direito com Ciências afins

Unidade 2 – Conhecendo alguns clássicos da Filosofia do Direito


Nesta unidade, você estuda uma breve abordagem, teses
singulares que marcaram a Filosofia do Direito, considerando
alguns filósofos do Direito. Também conhece a classificação
de diferentes correntes da Filosofia do Direito, por exemplo, a
idealista, a materialista, a crítica.

Unidade 3 –Filosofia do Direito e suas relações com a Dogmática


Jurídica e a Teoria Geral do Direito
Nesta etapa, você aprofunda os conhecimentos sobre os
fundamentos do Direito. Identifica a Filosofia do Direito como
saber reflexivo, crítico e criativo, incidente sobre a Dogmática
Jurídica e a Teoria Geral do Direito. Também compreende a
interpretação ou hermenêutica como promotora da produção, da
revisão ou da aplicação do Direito. Estuda, ainda, alguns dilemas
relativos ao Direito brasileiro.

Unidade 4 – O Direito e o homem: uma perspectiva humanista


Nesta unidade, você identifica a perspectiva humanista como base
da constituição do direito humano contemporâneo, contraposta a
outros modos de fundamentação do direito, como a concepção de
direito teocêntrica, por exemplo. Também estuda o surgimento e
desenvolvimento dos Direitos Humanos, pela ótica de diferentes
gerações, considerando os seguintes e respectivos princípios
norteadores: liberdade, igualdade, fraternidade, alteridade, respeito
à BIO (todo tipo de vida, no sentido amplo) existente e futura.

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Agenda de atividades/ Cronograma

„„ Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar


periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da
realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação
com os seus colegas e tutor.

„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço


a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.

„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas


ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

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UNIDADE 1

O que é Filosofia do Direito?


Carlos Euclides Marques

Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar o conceito, o objeto de estudo e a concepção
de método da Filosofia do Direito.

„„ Compreender conexões da Filosofia do Direito com


ciências afins.

Seções de estudo
Seção 1 Filosofia, Direito, Filosofia do Direito e áreas afins

Seção 2 Reflexões sobre a Metodologia e a Epistemologia


da Filosofia do Direito

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Você deve estar perguntando-se: por que mais uma disciplina
de Filosofia? Eis uma pergunta importante, pois ela deve
produzir reflexão sobre o sentido de sua formação acadêmica e
do seu agir profissional, seja hoje ou no futuro. Tal reflexão é,
particularmente, para aqueles que visualizam o exercício de sua
profissão como algo meramente técnico, no sentido de que este é
um paradigma a ser quebrado.

Como você verá em vários momentos deste livro, o exercício


profissional no âmbito do Direito envolve uma série de
questionamentos sobre princípios, deveres, normativas, assim
como, a valoração de ações e a argumentação nos processos. Dito
isto, você já pode perceber que uma reflexão mais apurada acerca
destas e outras noções (ou conceitos) e definições é importante
Embora haja diferenças para seu exercício profissional. O estudo de conceitos, suas
entre os termos conceitos definições e fundamentos últimos e mecanismos mentais do agir
e noções, para evitar, aqui, humano — e teorizar é um modo do agir humano — é tema, por
grandes digressões, tome-os excelência, do exercício filosófico.
como sinônimos. Tais termos
têm, filosoficamente, uma
carga mais absoluta, trata-se Nesta unidade, você terá algumas noções de Filosofia e de
da essência de algo, de seu Direito, recuperando, talvez, parte do que tenha estudado na
interior. O termo definição se disciplina Filosofia da primeira fase. A partir deste estudo, você
refere ao preenchimento dado verá configurar-se a noção de Filosofia do Direito.
a certo conceito (ou noção), ou
seja, é a exteriorização deste.
Nesta medida, o conceito
Então, pronto(a) para começar?
não passa, necessariamente,
por uma verbalização; já a
definição, sim. Pode-se dizer
que a definição recorta, Seção 1 – Filosofia, Direito, Filosofia do Direito e áreas
delimita, determina algo. afins
Você está lembrado(a) dos conteúdos de Filosofia vistos
anteriormente? Antes de iniciar seus estudos sobre Filosofia do
Direito, proponho-lhe o seguinte exercício:

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Filosofia do Direito

Tente recuperar possíveis definições de Filosofia que


você já tenha estudado. Agora, elabore uma definição.

Atente, na sequência, para alguns aspectos que envolvem a


definição de filosofia.

1. A etimologia, ou seja, a origem da palavra: já pensou


de onde ela vem? Provavelmente, você já deve ter lido
ou ouvido falar que a filosofia é grega. Por que isto? Tal
afirmação não deve levar a pensar que a filosofia é algo
difícil, incompreensível para o homem comum, como
verificado na expressão popular: “Para mim, você está
falando grego.” Tal compreensão acerca da Filosofia
é um equívoco. Ela pode exigir um pouco mais de
nosso raciocínio, mas não é algo inalcançável. Se fosse
assim, não estaríamos aqui, certo? Descartada esta
possibilidade, voltemos à razão de ela ser grega. Primeiro,
é importante você saber que a Filosofia nasceu na Grécia
Antiga, por volta do século VI a.C. Logo, trata-se de
um tipo de conhecimento datado em termos de origem.

Unidade 1 17

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Atribui-se a Pitágoras de Samos — conhecido por seu


Teorema de Pitágoras — a cunhagem, ou seja, criação
da palavra. Ela é formada por dois radicais gregos: philos –
amante, amigo; e sophia — sabedoria. Então, em oposição
ao sophés — sábio — que caracterizava uma tradição anterior
ao aparecimento da Filosofia — a tradição mítica, Pitágoras
se diz philosofos, quer dizer, amigo da sabedoria, e não sábio.
Contudo este sentido, tomado em sua plenitude, não resolve
nosso problema, pois qualquer ser humano preocupado
com a busca do conhecimento de forma apaixonada seria
um filósofo. Tal sentido retrata mais uma propensão para
o filosofar, comum a todo ser humano. O que indica, em
princípio, sermos todos filósofos.

2. Há também a noção de que filosofia é uma reflexão.


Mas, o que é refletir? Tal palavra vem do latim re-flectere,
que significa dobrar-se novamente sobre algo, curvar-se
novamente. Esta palavra indica um movimento de olhar
algo posto a nossa frente, de forma a vê-lo com mais
atenção, detalhadamente, digredindo. Ora, você dirá,
mas isto eu também faço, quando analiso um processo!
Correto, então, temos mais uma noção que, por si só, não
dá conta do que seja filosofia.

3. Acompanhando a reflexão, não raramente aparece a


expressão rigoroso, ou seja, ao conceito de Filosofia está
associada a ideia de uma reflexão rigorosa. Você pode
estar perguntando-se: “Mas ser rigoroso não é uma
atributo do conhecimento científico? Filosofia e Ciência
são similares, então?” Esta sua inquietação está correta,
uma vez que o rigor é algo próprio também da ciência e,
mesmo, de outros tipos de conhecimento. Entretanto não
quer dizer que Filosofia e Ciência sejam a mesma coisa.

4. Também é comum ouvirmos que a Filosofia trata-se de


uma reflexão radical. Mas o que significa radical? Você
já pensou nisso? Radical está empregado aqui no sentido
de que vai à raiz do problema. Mas você ainda poderia
dizer que a investigação policial que dá elementos para
o processo de julgamento, é, ou deveria ser, radical e
rigorosa. E você está certo(a)!

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Filosofia do Direito

5. Há quem diga que aquilo que diferencia a Filosofia de


outras formas de conhecimento é trabalhar com conceitos
e definições, construindo-os e fundamentando-os. Eis
algo mais próprio da Filosofia e que envolve todos os
aspectos apresentados anteriormente. Ainda assim,
você dirá, por exemplo: mas, ao tomar uma decisão, o
juiz utiliza-se de conceitos e fundamenta-os. Correto,
contudo a fundamentação deste ou daquele conceito, não
raramente, é tomada desta ou daquela corrente filosófica.

Porém, quando dizemos Filosofia do Direito, temos outro termo


implicado: o Direito. Então o que é Direito? Eis uma questão de
caráter filosófico-ontológico. Você deve estar perguntando-se:
mas o que é isso? Calma, vamos à explicação!

Ontologia é a parte da filosofia que estuda o Ser. Ontos,


em grego, quer dizer ser. Logos quer dizer discurso,
tratado.

Então, a pergunta ontológica, aqui, é: “O que é isto, Direito?”


Certamente, você pode encontrar em algumas doutrinas jurídicas
a resposta a estas perguntas, mas uma discussão rigorosa e
profunda sobre a natureza e os fundamentos do Direito é própria
da Filosofia do Direito.

Unidade 1 19

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Neste sentido, faça uma pesquisa (pode ser na


internet), e liste algumas definições de Direito, antes
de continuar. Você pode usar o espaço abaixo para
fazer suas anotações.

Veja no quadro algumas definições de Direito:

Direito é o conjunto de condições pelas quais o arbítrio de um pode


Emmanuel Kant conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma lei geral de liberdade.

O direito é ordenador e o suporte de qualquer associação humana e, em


Eugen Ehrlich todos os lugares, encontramos comunidades porque organizadas.

[...]o direito se constitui primordialmente como um sistema de normas


coativas, permeado por uma lógica interna de validade que legitima,
Hans Kelsen a partir de uma norma fundamental, todas as outras normas que a
integram[...]

Quadro 1.1 – Definições de Direito


Fonte: Penha (2001).

Fazendo um pequeno desvio quanto à definição, mas não saindo


do dilema que ela envolve, é importante destacar que, no geral,
você verá nos manuais que procuram dar conta da definição
de direito a oposição entre duas vertentes, as quais, em dados
momentos da história, são opostas, mas nem sempre. Trata-se do
debate entre o Direito Natural e Direito Positivo.

20

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Filosofia do Direito

„„ Direito Natural - esta primeira abordagem toma algo


que está para além ou acima da norma escrita.
Podemos tomar, como será
„„ Direito Positivo - pauta-se somente pela norma escrita e trabalhado mais a frente,
procura caracterizar o Direito como uma ciência. respeito irrestrito à norma
escrita como correlata de
legalidade. Assim, o Direito
natural busca, muito
mais, a legitimidade, a
justiça, para além da mera
Há diferentes matizes tanto para o Direito Natural
aplicação da lei.
ou Jusnaturalismo como para o Direito Positivo
ou Juspositivismo. Não entraremos, aqui, nestas
diferenças, que serão apresentadas, direta ou
indiretamente, em outros estudos.

Então, em que bases podemos propor tal debate? Quando se


tenta estabelecer um critério de cientificidade para determinada
área de conhecimento, particularmente para as tendências
positivistas e neopositivistas, procura-se retirar do conhecimento
científico os juízos de valor, ficando-se apenas com os juízos de
fato e o aspecto descritivo e experimental do fenômeno.

Você pode perguntar: qual a distinção entre esses conceitos?


Face ao mundo em que está, o ser humano produz juízos de
realidade. Estes podem ser tanto juízos de fato como juízos de
valor:

„„ Juízos de fato – têm caráter descritivo, objetivo;

„„ Juízos de valor – a subjetividade é a principal


característica.

Leia o texto no quadro a seguir e procure compreender como esta


questão é “resolvida” do ponto de vista do Direito Positivo.

Unidade 1 21

filosofia_do_direito.indb 21 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Juízo de fato e juízo de valor


Segundo Norberto Bobbio, o Positivismo Jurídico é resultado do
esforço de se transformar o estudo do direito numa verdadeira
ciência, que tivesse as mesmas características das ciências
matemáticas. Sua característica fundamental deveria ser então
a avaloratividade, isto é, a separação entre juízos de fato e juízos
de valor, sendo que a ciência trabalha somente com juízos de
fato, excluindo do seu âmbito tudo que se relacione com juízos
de valor. Esta exclusão se deve à natureza distinta destes dois
tipos de juízos. O juízo de fato é uma ponderação sobre algo
real. Ele representa uma tomada de conhecimento da realidade.
Sua formulação tem como finalidade apenas informar, pois se
trata de uma constatação objetiva. O juízo de valor, ao contrário,
é subjetivo, pois os valores são pessoais. A definição de valores,
como o belo, o bom, o justo, difere de pessoa para pessoa, pois
representam uma tomada de posição frente à realidade. Assim,
a formulação de um juízo de valor possui a finalidade não da
informação, mas sim da persuasão. A ciência do direito, então,
na busca pelo conhecimento puro e objetivo, deve afastar
de seu estudo os juízos de valor, pois estes são subjetivos e
pessoais. Segundo Austin, o positivista jurídico estuda o direito
tal qual é, e não tal qual deveria ser. É o direito como fato, e não
como valor, devendo se excluir de suas definições qualquer
tipo de qualificação, do tipo: este direito é justo ou injusto. O
juspositivista estuda o direito real, sem se perguntar se, além
deste, há um direito ideal, e esta atitude é o que caracteriza a
diferença entre o positivismo e o jusnaturalismo. Para que se
torne clara essa distinção, é preciso compreender os conceitos
de validade do direito e de valor do direito. A validade de uma
norma jurídica qualifica esta norma como pertencente ao
ordenamento jurídico, isto é, uma norma válida é aquela que
existe no mundo jurídico. Já o valor de uma norma indica sua
qualidade de ser compatível com o direito ideal, isto é, o valor de
uma norma somente existe, se ela for justa. Para o jusnaturalista,
uma norma somente é válida se for justa. Já, para o juspositivista,
uma norma é justa pelo único fato de ser válida. Porém Norberto
Bobbio afirma que esse tipo de positivista extremo é raro, sendo
que a grande maioria dos positivistas típicos apenas separa
conceito de validade de valor, não negando a existência deste
desvinculada da validade, mas apenas sustentando que tal
questão não deve ser tratada pelo direito, e sim pela filosofia.

Fonte: Santos (2008).

22

filosofia_do_direito.indb 22 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Importante! Muitas das correntes não positivistas, no


entanto, defendem que esta separação entre juízos de
fato e juízos de valor não é tão simples. Isso acontece
porque, de acordo com essa vertente, o Direito não é
uma ciência do ser, mas do ‘dever ser’.

Leia com atenção a tirinha a seguir:

Figura 1.1 – Tirinha Mafalda


Fonte: Quino (1991).

Depois desta digressão, voltemos às definições de direito. No


“Dicionário de Filosofia”, Nicolas Abbagnano (1982, p. 260)
define:

DIREITO (gr. Δίκαιο lat. Jus; ingl. Law; franc. Droit;


al. Recht). Em sentido geral e fundamental, a técnica da
coexistência humana, isto é, a técnica voltada a tornar
possível a coexistência dos homens. Como técnica, o
D. se concretiza em um conjunto de regras (que nesse
caso são leis, ou normas); e tais regras têm por objeto o
comportamento intersubjetivo, isto é, o comportamento
recíproco dos ho­mens entre si. Na história do pensamento
filosófico e jurídico sucederam-se ou entrecruzaram-se
quatro concepções fundamentais quanto à validade do
D.: 1.ª a que considera o D. posi­tivo (isto é, o conjunto
dos D. que as várias sociedades humanas reconhecem)
como fundado em um D. natural eterno, imutável e
necessário; 2.ª a que julga o D. fundado na moral e o
con­sidera, portanto, uma forma diminuída ou imperfeita
de moralidade; 3.ª a que reduz o D. à força, isto é, a uma
realidade histórica poli­ticamente organizada; 4.ª a que
considera o D. como uma técnica social.

Unidade 1 23

filosofia_do_direito.indb 23 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Assim sendo, tomando algo já dito por Demerval Saviani (1996,


p. 16-21) e complementando, “a filosofia é uma reflexão radical,
rigorosa de conjunto e conceitual sobre os problemas que a
realidade apresenta”. Com isto poderemos definir:

Filosofia do Direito é uma reflexão radical, rigorosa


de conjunto e conceitual sobre os problemas que a
realidade do Direito apresenta. Que tipos de problemas
são estes, veremos mais a frente.

Para ilustrar e complementar o que foi dito acima, leia a


passagem do livro “Filosofia do Direito”, de Paulo Nader (2006,
p. 6) e reflita sobre ela:

2.3 Conhecimento Filosófico. O conhecimento


filosófico representa um grau a mais em abstração e em
generalidade. O espírito humano não se satisfaz, em um
plano de existência, com as explicações parciais dadas
pelas diversas ciências isoladas. Os fenômenos científicos
não se dispõem em compartimentos incomunicáveis,
estranhos entre si, e, por isso, o homem quer descobrir a
harmonia, a concatenação lógica, os nexos de adaptação
e de complementação que governam toda a trama do
real. Visando a estabelecer princípios e conclusões, ele
toma por base de análise a universalidade dos fatos e dos
fenômenos e, com fundamental importância, a própria
vida humana. Esse objetivo é alcançado através do saber
filosófico. Spencer, ao comparar este conhecimento
com os de segundo e primeiro graus, considera-o “um
saber totalmente unificado, em contraposição ao saber
parcialmente unificado (científico), e ao saber não
unificado (vulgar).” Na Jurisprudência, o conhecimento
filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do
Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados
básicos, métodos de cognição, teleologia e o estudo
crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais.

Por hora, podemos dizer, resumidamente e parafraseando Nader,


que Filosofia do Direito é uma pesquisa conceito acerca do
que é próprio do âmbito jurídico e de suas implicações lógicas,
buscando seus princípios mais elevados, que se pauta numa
reflexão crítico-valorativa das instituições jurídicas.

24

filosofia_do_direito.indb 24 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

O estudo da definição do Direito, de sua origem, fundamento


e desenvolvimento é o tema da filosofia do Direito, concebida
às vezes como um dos ramos da filosofia e às vezes como a
parte básica de uma ciência autônoma do Direito. (MORA,
2000, p. 750).

Embora seja possível encontrar várias definições prontas, você viu


que definir Direito é uma tarefa complicada. Ao tentar dar conta
de tal definição, o estudioso toma diferentes recortes em conjunto
ou prioriza um em detrimento de outro:

1. Quando o Direito é entendido como ciência, temos


que recorrer à Epistemologia para entendê-lo, pois esta
discute o que fundamenta uma ciência, seus critérios e
avalia seus métodos e resultados.

2. Definindo Direito como conjunto de normas coercitivas


dadas pelo Estado, estabelecemos interseções com a
Filosofia Política, pois temos que dar conta de questões
como: qual a origem do Estado? ; qual a melhor forma de
governo? ; qual a relação entre leis e justiça? Etc.

3. Ao pensar o Direito como algo que implica honestidade,


dever, consciência e liberdade, estamos, também, no
campo da Ética ou Filosofia Moral.

4. Estudando as regras de validade de um raciocínio


jurídico, estamos no campo da Lógica.

Como você pode ver, as contribuições de certas áreas da Filosofia


para o estudo do Direito são de extrema importância. Porém
existem contribuições de outras áreas claramente ligadas ao
estudo do Direito:

5. Para ter uma visão mais ampla do Direito, temos que


compreender que este se trata de um fenômeno histórico
e, como tal, sofreu (e sofre) alterações temporais,
portando, nesta medida, valores ideológicos. Para dar
conta das modificações e aplicações do Direito ao longo
do tempo e das diferentes sociedades, temos que recorrer
à História.

Unidade 1 25

filosofia_do_direito.indb 25 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

6. Se a noção de Direito implica a noção de Estado,


precisamos, também, da Ciência Política, da
Antropologia Social.

7. A Psicologia também contribui com o entendimento


do fenômeno jurídico, na medida em que lida com os
comportamentos humanos.

Para melhor ilustrar tais interseções, de forma breve, apontemos


dois temas centrais neste estudo:

„„ a relação Ética e Direito;

„„ a relação Direito e Justiça.

Veja a seguir a explicação de cada uma dessas relações.

Ética e Direito
Como indica Vázquez (1975, p. 80-84), há entre o Direito e a
Moral muitos aspectos em comum. São eles:

1. ambos constituem normas que regulamentam a vida


humana, postulando, assim, condutas obrigatórias e
devidas;

2. são imperativas, “[...] têm a forma de imperati­vos;


por conseguinte, acarretam a exigência de que se
cumpram, isto é, de que os indivíduos se comportem
necessariamente de uma certa maneira”;

3. respondem a uma mesma necessidade social, a saber,


“regulamentar as relações dos homens visando a garantir
certa coesão social”;

4. mudam historicamente.

Vázquez também aponta algumas diferenças. Acompanhe.

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filosofia_do_direito.indb 26 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

1. Enquanto as normas morais implicam uma adesão


íntima do indivíduo, no sentido de agir conforme sua
consciência e razão, a norma jurídica é exterior ao agente.
Ilustrativamente, quando o indivíduo respeita uma dada
regra por, conscientemente, considerá-la válida, tomando-a
para si como um imperativo de sua ação, dizemos ser esta
uma atitude moralmente boa; já, para o Direito, o que
importa é o cumprimento da norma, não implicando,
necessariamente, a consciência da norma. Assim, se um
indivíduo, mesmo a contragosto, por coação, respeitar as
regras jurídicas postas, age corretamente do ponto de vista
do Direito; “a interiori­zação da norma, essencial no ato
moral, não o é, pelo contrá­rio, no âmbito do direito”.

2. Correlatamente à diferença supracitada, tem-se o papel


da coação: no caso da Moral, trata-se de uma coação
interior; já, no Direito, ela é exterior. “Nada e ninguém
nos pode obrigar internamen­te a cumprir a norma moral.
Isso quer dizer que o cumprimento das normas morais
não é garantido por um dispositivo exterior coercitivo
que possa prescindir da vontade.” Diferente do Direito
que dispõe de um organismo estatal para impor tais
normas.

3. Enquanto as normas jurídicas se encontram, em sua


maioria, codificadas, as normas morais, no geral, não.

4. A moral é mais ampla que o Direito, pois abarca uma


infinidade de relações humanas, enquanto o Direito
se restringe àquelas “mais vitais para o Estado, para as
classes dominantes ou para a sociedade em seu conjunto”.

5. A Moral é anterior ao Direito, pois ela se constitui


antes do advento do Estado, quanto o Direito está
ligado ao aparecimento do Estado. Podemos falar de
sociedades moralmente regradas, mas sem Estado, mas,
dificilmente, podemos falar de Direito sem Estado.

Particularmente nas sociedades contemporâneas, podemos falar


da convivência de múltiplas morais numa mesma sociedade; algo
difícil no campo do Direito, pois:

Unidade 1 27

filosofia_do_direito.indb 27 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

[...] como depende necessariamente do Estado, existe


somente um direito ou sistema jurídico único para toda a
sociedade, ainda que este direito não conte com o apoio
moral de todos os seus membros. Conclui-se, portanto,
que na sociedade dividida em classes anta­gônicas existe
somente um direito – porque existe somente um Estado
–, ao passo que coexistem duas ou mais morais diver­sas
ou opostas. (VÁZQUEZ, 1975, p. 83).

Isto não quer dizer, no entanto, que o Direito não prescreva o


respeito às diferentes morais:
Para entender melhor,
consulte: Art. 5°, Inciso
VI - “É inviolável a liberdade O campo do direito e da moral [...] possuem um caráter
de consciência e de crença, histórico. A es­fera da moral se amplia às custas do
sendo assegurado o livre direito, à medida que os homens observam as regras
exercício dos cultos religiosos fundamentais da convivência voluntariamente, sem
e garantida, na forma da necessidade de coação. Esta ampliação da esfera da
lei, a proteção aos locais moral com a conseqüente redução da do direito é, por
de culto e a suas liturgias”. sua vez, índice de um progresso social. A passagem para
(Constituição Brasileira de uma organização social superior acarreta a substituição
1988). Consulte também: de certo com­portamento jurídico por outro, moral. De
Art. 20 - “Praticar, induzir fato, quando o indi­víduo regula as suas relações com os
ou incitar a iscriminação demais não sob a ameaça de uma pena ou pela pressão da
ou preconceito de raça, coação externa, mas pela íntima convicção de que deve
cor, etnia, religião ou agir assim, pode-se afirmar que nos encontramos diante
procedência nacional”. Pena: de uma forma de comportamento moral mais elevada.
reclusão de um a três anos e Vê-se, assim, que as relações entre o direito e a moral,
multa. (Lei Nº 9.459, de 13 de historicamente mutáveis, revelam num certo momento
Maio de 1997.) tanto o nível alcançado pelo progresso espiritual da
humani­dade, quanto o progresso político-social que o
torna possível. (VÁZQUEZ, 1975, p. 83-84).

Particularmente as semelhanças levaram alguns pensadores a


considerar o Direito como fundado na Moral, sendo uma forma
diminuta da moralidade. Tal tese pode ser fundamentada,
também, na história do Direito ou da constituição de códigos
escritos. Geralmente, os primeiros códigos normativos escritos
carregam consigo preceitos morais.

Algumas constituições de cidades gregas na


Antiguidade, por exemplo, prescreviam o respeito aos
mais velhos e cortar os cabelos de determinada forma,
ou seja, prescrições do âmbito moral ou do trato social,
não jurídicas no sentido mais estrito da palavra.

28

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Filosofia do Direito

Evidentemente, esta é apenas uma das perspectivas filosóficas


acerca do Direito. Mais à frente, você se dará conta de outras.

Justiça, Lei e Direito


Outro debate bastante instigante que tomaremos aqui para ilustração
de temas filosófico-jurídicos, os quais envolvem a interseção de várias
áreas da Filosofia, é o da relação entre Lei e Justiça.

Na antiguidade grega, a Justiça é vista como medida ou ordem


natural das coisas. Partindo desta concepção, podemos entender a
definição de justiça encontrada no diálogo A República, quando
Platão afirma: quando “[...] cada pessoa fizer uma só coisa, de
acordo com a sua natureza e na ocasião propícia deixando em paz
as outras” (PLATAO, 2002, 370e, p. 57), temos a justiça. Ou, mais
claramente, noutra passagem: “[...] a justiça será que cada um exerça
uma só função na sociedade, aquela para a qual, por natureza, foi
mais dotado” (PLATAO, 2002, 433a, p. 128-129). Velhas máximas
da mitologia grega que foram tomadas pelos filósofos desta época
também marcam esta noção. É o caso da seguinte ideia: “Nada
em demasia.” Em certa medida, ainda pensamos assim quando
estabelecemos proximidades entre lei e ordem, ou quando dizemos
que certa ação é justa por ter restabelecido a ordem das coisas.

Você já deve ter ouvido alguém dizer que está devendo um favor
a outro, ou que não pode ir a uma festa de aniversário sem levar
um presente, pois o aniversariante lhe deu um no seu aniversário.
Este costume de retribuir remonta a velhas práticas, que remetem
à recomposição da ordem com justiça natural. Há antigas questões,
retomadas no Direito contemporâneo, que se pautam pela justiça
distributiva e reparatória (retomando Aristóteles), pretendendo
repor diretos a cidadãos que historicamente têm seus direitos
negados e, assim, impossibilitados de ascensão social. É o caso do
debate sobre as cotas e as normas contra os preconceitos étnicos.
Nestas antigas concepções, entretanto, se está pensando a Lei
como modelo universal e, como tal, trata-se de uma idealização
da lei. Tal postura pode facilmente considerar como correlatas Lei
e Justiça, Direito e Justiça, Ordem e Justiça. Contudo, no âmbito
do mundo prático, constata-se que nem toda lei é justa e nem

Unidade 1 29

filosofia_do_direito.indb 29 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para ilustrar tal debate, leia o artigo


Reflexões acerca da legitimidade das todo ato justo é legal. Assim sendo, ao se tomar o Direito como
cláusulas pétreas, de Frederico prescrição coercitiva do Estado, podemos debater a relação entre
Augusto Leopoldino Koehler, leis, estabelecimento da ordem e justiça, legalidade e legitimidade.
professor e Juiz Federal do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, em
Recife-PE, do qual transcrevemos
o Resumo: “O presente ensaio tem Você já pensou sobre isto: será que tudo que é legal é
o intuito de desenvolver reflexões legítimo?
críticas sobre a legitimidade das
cláusulas pétreas nos regimes
democráticos. Para tanto, o autor
inicia o artigo com um breve histórico
das cláusulas pétreas no direito Pense na seguinte situação: dado Estado totalitário, para
estrangeiro. Após, são averiguadas estabelecer a ordem social, impõe leis que proíbem a livre
as razões que comumente motivam associação de trabalhadores ou classes sociais, e dispõem prender
a sua criação. O texto analisa o e torturar com o objetivo de desmontar os movimentos contrários
instituto no ordenamento jurídico
brasileiro e, mais adiante, destaca
à ordem estabelecida. O cumprimento de tais leis por parte dos
os pontos positivos e negativos funcionários do Estado pode ser legal, ou seja, estar dentro das
das limitações materiais ao poder leis estabelecidas. Mas você acha que isso seria justo? Como
de reforma. Aborda então a teoria juridicamente condenar ou absolver um tirano que usou de
da dupla revisão e o paradoxo das tortura e mandou matar muitos cidadãos, se este agia dentro da
cláusulas pétreas. Por fim, questiona
a legitimidade dessa figura jurídica
ordem legal (jurídica) estabelecida? Eis um debate que envolve a
no regime democrático e o papel questão dos Direitos humanos e internacionais.
do Supremo Tribunal Federal como
intérprete central do instituto e Outro dilema: é justo que uma assembleia constituinte estabeleça
definidor do seu sentido e alcance, nas normativas maiores de uma nação cláusulas que proíbam a
apontando as conclusões atingidas.”
gerações futuras reformular ou revogar determinadas cláusulas
Fonte: Koehler (2009).
constitucionais? Este é o caso do debate sobre a legitimidade das
cláusulas pétreas na constituição brasileira.

É importante você compreender que legitimidade


remete a consenso, a uma aceitação pública. Nesta
medida, a imposição de leis não é legítima, pelo menos
num regime democrático, se não passa pela aceitação
e justificação da vontade geral.

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Filosofia do Direito

A passagem abaixo, é bastante esclarecedora:

1. Introdução

“Nem tudo que é ilegal é ilegítimo”. Esta frase,


difundida no senso comum, é de grande importância nos
estudos filosófico-jurídicos. A partir dela, insere-se na
doutrina jurídica um termo bem menos conhecido que a
legalidade: a legitimidade.
A história das instituições jurídicas brasileiras consolidou
a ideologia positivista, sobre a qual a legalidade é o
principal fundamento de validade das condutas dos
indivíduos na sociedade.
O positivismo deu origem à ideologia legalista, ideologia
falsificadora da realidade, estratégia autoritária, que passa
longe dos marcos de justiça. A noção de legitimidade
virá, portanto, para romper com essa ideologia.

2. Definições de legalidade e legitimidade


Wolkmer (1994, p. 180) assinala que “a legalidade
reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura
normativa posta, vigente e positiva”, e que a legitimidade
“incide na esfera da consensualidade dos ideais, dos
fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios
ideológicos”. Sua aplicação envolve, como concepção do
direito, “a transposição da simples detenção do poder e a
conformidade do justo advogados pela coletividade”.
A legalidade está relacionada à forma, enquanto a
legitimidade está relacionada ao conteúdo da norma.

A legalidade, como acatamento a uma ordem normativa


oficial, não possui uma qualidade de justa ou injusta.
A ideologia legalista, por sua vez, parte da noção
de legalidade para distorcê-la e, aí sim, servir como
instrumento de injustiça. (MOREIRA, 2008).

Unidade 1 31

filosofia_do_direito.indb 31 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Nas palavras finais, o mesmo artigo indica uma tendência. Veja:

10. Conclusão

À guisa de conclusão, procurou-se abordar dois


termos essenciais à filosofia jurídica, a legalidade e a
legitimidade, chegando até as distorções de cada um.

Demonstrou-se que não há neutralidade na aplicação do


direito, e que a ideologia legalista está impregnada na
formação do pensamento jurídico brasileiro.

Conclui-se que é preciso verificar a legitimidade do


direito, em vez olhar apenas para sua legalidade. Assim,
encontra-se plenamente aplicável a máxima “nem tudo
que é ilegal, é ilegítimo”.

A ruptura com o legalismo e com a legitimação leva à


afirmação de uma nova legitimidade, como parâmetro
de aplicação do direito, a legitimidade conforme
os interesses e necessidades das classes populares.
(MOREIRA, 2008).

Veja no quadro abaixo uma resposta a respeito deste debate que é


bem esclarecedora:

O Princípio da Legitimidade
A legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta
o problema de fundo, questionando acerca da justificação e dos
valores do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida
de sua valorização. É o critério que se busca menos para
compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação
do poder às situações da vida social que ele é chamado a
disciplinar.
No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada
época, que presidem à manifestação do consentimento e da
obediência.

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filosofia_do_direito.indb 32 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu


enquadramento nos moldes de uma constituição observada e
praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela
constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças,
os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a
ideologia democrática.
Do ponto de vista filosófico, a legitimidade repousa no plano das
crenças pessoais, no terreno das convicções individuais de sabor
ideológico, das valorações subjetivas, dos critérios axiológicos
variáveis segundo as pessoas, tomando os contornos de uma
máxima de caráter absoluto, de princípio inabalável, fundado em
noção puramente metafísica que se venha a eleger por base do
poder.
A legitimidade inquire acerca dos preceitos fundamentais que
justificam ou invalidam a existência do título e do exercício do
poder, da regra moral, mediante a qual se há de mover o poder
dos governantes para receber e merecer o assentimento dos
governados.
Vale ressaltar a importância que tem o entendimento sociológico
da legitimidade, a qual implica sempre uma teoria dominante do
poder.
A legitimidade abrange, por último, duas categorias de
problemas:

1) A necessidade e a finalidade mesma do poder político


que se exerce na sociedade através principalmente
de uma obediência consentida e espontânea, e não
apenas em virtude da compulsão efetiva ou potencial
de que dispõe o Estado (instrumento máximo de
institucionalização de todo o poder político). Vista
debaixo desse aspecto, a legitimidade do poder
só aparece contestada nas doutrinas anárquicas,
nomeadamente no marxismo.
2) Saber se todo poder é legal e legítimo ao mesmo tempo
e quais as hipóteses configurativas de desencontro
desses dois elementos: legalidade e legitimidade.

Fonte: Oliveira (2011).

Unidade 1 33

filosofia_do_direito.indb 33 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 – Reflexões sobre a Metodologia e a


Epistemologia da Filosofia do Direito
Como todo tipo de conhecimento, a Filosofia do Direito
também tem seus métodos. O que a diferencia de outras
Cabe lembrar que estes formas de conhecimento são, em parte, as características destes
esquemas mentais e procedimentos metodológicos. Preste atenção no exemplo a seguir:
metodológicos podem
ser criticados. Você verá
isto mais adiante. Por
Um homem comum, ao fazer seu trabalho, que,
enquanto, fique com ideias
no caso, é capinar o quintal, também tem um
básicas, que você deve
procedimento metódico, aprendido por observação
ter visto na disciplina de
e prática. Desta forma, esse homem sabe que seu
Ciência e Pesquisa.
intento terá maior resultado, caso segure a enxada
de determinada forma, se começar por determinado
ponto e não outro, se medir os gestos e a força dos
movimentos, embora, evidentemente, possa apreender
e executar isto de forma aleatória. Como muitos tipos
de conhecimento, tal processo não se aprende de
imediato, mas, depois de um tempo, dão-se por hábito
e são tomados por naturais.

Algo semelhante poderia ser dito de seu processo de


aprendizagem para exercer certas funções que lhe serão
pertinentes com o título de bacharel em Direito. No começo,
você terá que observar outros profissionais com maior
experiência; com muita frequência, terá de consultar os códigos
e as normativas jurídicos, os pareceres e súmulas de outros
processos para fundamentar suas tratativas. Com o passar do
tempo, suas respostas serão mais rápidas e gastará menos tempo
em pesquisas, pois, na prática, foi adquirindo um repertório
básico necessário para o exercício de sua função. Evidentemente,
isto não quer dizer que, com o tempo, você possa vir a dispensar
a pesquisa, a consulta aos códigos e normativas, mesmo porque,
como já foi dito, o Direito é mutável.

Talvez você esteja a se perguntar:

Então, os métodos do senso comum são similares aos


da Filosofia do Direito ou da Ciência do Direito?

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filosofia_do_direito.indb 34 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Não, o que temos são alguns procedimentos iniciais que


aproximam, ou seja, dão margem a estabelecermos certas
semelhanças entre estes tipos de conhecimento. Os procedimentos
filosóficos e científicos utilizados pelas Ciências Jurídicas são
mais sistemáticos, exigindo outras estratégias que não aparecem,
ao menos sistematicamente, no senso comum. Por outro lado,
a Filosofia trabalha mais com critérios racionais e menos com
procedimentos empírico-experimentais, como é o caso da Ciência.

Para avançarmos nesta questão sobre a metodologia da Filosofia


do Direito, tomemos Nader (2006, p.11):

Como estudo reflexivo, que aspira à compreensão do


Direito dentro de uma visão harmônica da realidade, a
Filosofia Jurídica dispõe de um amplo temário de análise
que se divide em dois grandes planos de reflexão: um de
natureza epistemológica, onde se pesquisa o conceito do
Direito e assuntos afins, e outro de caráter axiológico, no
qual se submetem as instituições jurídicas a um exame
crítico-valorativo.

Nader (2006) indica que a primeira tarefa da Filosofia do Direito


é mais geral e procura esclarecer uma definição de Direito
e seus correlatos. Tal tarefa, evidentemente, não é simples e
depende, também, de posicionamentos e inclinações de natureza
ideológica. Esta posição se contrapõe à noção de neutralidade
defendida por um positivismo jurídico. No dizer do autor, “[...] o
exercício dessa liberdade cultural pressupõe a experiência jurídica
e o conhecimento das alternativas filosóficas.” (NADER, 2006,
p.12). Assim, podemos dizer que:

Uma cultura geral, aliada a um grande conhecimento


da especificidade do saber jurídico, é importante para
formular definições de Direito, em si determinantes,
por vezes, para a fundamentação da tomada de
decisões no campo jurídico.

Unidade 1 35

filosofia_do_direito.indb 35 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

O segundo caráter da Filosofia do Direito é apresentado como


sendo de natureza mais prática, consistindo em valorizar leis e
instituições jurídicas. Aqui, julgamos os valores das leis partindo
de parâmetros maiores: humanos e sociais.

Lembre-se do exemplo hipotético apresentado


anteriormente, quanto à possibilidade de julgar um
ditador que, mesmo diante a legalidade vigente,
poderia ser condenado por certos crimes. Tal
alternativa apenas seria possível, se avaliássemos
a conduta deste governante à luz de princípios
humanísticos, os quais estariam acima da legalidade
circunscrita a determinada constituição.

A investigação epistemológica, por ser mais geral, conceitual e


abstrata, é de maior interesse dos jurisprudentes e dos filósofos
do direito. Já a axiológica “[...] que se concentra em torno do
Axiologia é a parte da Direito como regulamentação concreta de fatos sociais, no
Filosofia que discute propósito de ajustá-lo à natureza positiva das coisas, é matéria
a questão do valor. É de interesse também do homem simples do povo, na qualidade
sinônimo de Filosofia dos
de destinatário do Direito Positivo e como ente capaz de se
Valores.
posicionar valorativamente.”(NADER, 2006, p.13).

Como lembra Nader (2006, p.16), não devemos confundir o


método com a busca da verdade, pois este, geralmente, é um
procedimento que visa “[...] indicar o caminho mais apropriado
para a obtenção de resultados positivos.” Nesta medida, o
procedimento a ser adotado deve levar em conta o objeto de
estudo e inclinações do pesquisador.

Quando o procedimento adotado é mais empirista,


ou seja, considera que a base do conhecimento vem
da experiência, atentará mais para um procedimento
indutivo. Quando for mais racionalista, atentará mais
para um procedimento dedutivo ou aqueles que usam
mais a razão.

36

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Filosofia do Direito

Nader (2006) ainda caracteriza os métodos em discursivos e


intuitivos, dividindo o discursivo em dedutivo e indutivo. Veja
isto com mais atenção a seguir.

„„ Os métodos discursivos se caracterizam, particularmente,


por serem produtores de discursos e, para tanto, passar Basicamente, o
por etapas que vão de um estágio inicial, que consiste procedimento descrito já
em sair de uma inércia quanto ao assunto ou temática, deve ser seu conhecido, se
passando para um desenvolvimento, onde se dá conta do já trabalhou com algum
tipo de pesquisa científica,
objeto em questão e levantam-se as hipóteses de trabalho,
mesmo as mais básicas.
aplicando-se regras e métodos, gerando a conclusão, “[...]
momento culminante do processo, quando se forma o
juízo, afirmando-se ou negando-se algo sobre o objeto
(final).” (NADER, 2006, p. 16).

„„ O procedimento intuitivo se caracteriza por ser


imediato, ou seja, chegamos ao objeto de conhecimento
sem uma mediação - captamos, obtemos conhecimento
do objeto instantaneamente, de modo direto e acrítico:

a) sensível: neste caso, a possibilidade dá-se,


quando o conhecimento é estimulado pela
realidade exterior, material, a partir dos sentidos;

b) espiritual: neste caso, o conhecimento é fruto


do próprio espírito. O conhecimento, por
sua vez, pode ser subdividido em intelectual,
emocional e volitivo, ou seja, conforme sua origem,
respectivamente, a razão, emoção ou vontade.

Unidade 1 37

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A seguinte passagem de Rodrigues (2005) salienta a importância


deste procedimento:

Talvez seja menos comum falar-se em conhecimento


intuitivo, em especial em um trabalho construído na
e para a academia. Mas não se pode omiti­-lo. Estudos
contemporâneos reforçam a existência desse sexto sentido
do ser humano. A intuição faz sentir, perceber que algo
existe ou não existe, é ou não é de uma determinada
forma. Essa percepção não se dá através dos cinco
sentidos; ela aparece como uma sensação. É importante
que se aprenda e escutar essas sensações, pois podem
levar a grandes descobertas. A intuição pode ser o ponto
de partida para a pesquisa, inclusive a científica. Ou
seja, a intuição oferece um determinado caminho; mas a
comprovação da sua autenticidade tem que ser buscada
através de instrumentos técnicos ou científicos.

Para reforçar, no âmbito da prática você pode ter certa intuição


sobre qual o sentido de determinado conjunto de normas legais,
mas, de início, não tem como provar tal intuição-hipotética. Para
efeito de prova, deverá usar os outros procedimentos. Mas, note,
você começou com uma intuição.

Passemos para a diferenciação entre o procedimento dedutivo e o


procedimento indutivo.

1. Procedimento dedutivo - trata-se, basicamente, de um


raciocínio que vai de um enunciado, regra ou princípio
geral ou universal para um particular ou singular,
seguindo o critério da coerência. Para a coerência
deste tipo de procedimento, é importante tomarmos
o enunciado geral, universal como verdadeiro. Caso
contrário, toda a possibilidade de validade lógica fica
anulada. Tomemos um exemplo: partindo do princípio de
que “A justiça se pauta pela igualdade”, podemos verificar
se dada situação é justa ou injusta. Assim, se a igualdade
se estabelece, dando condições mínimas de sobrevivência
e dignidade, o fato de alguns seres humanos passarem
fome é uma injustiça, pois uma desigualdade. Nader
apresenta outro exemplo e esclarece as inferências do
raciocínio. Vejamos:

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Filosofia do Direito

Se afirmamos que a liberdade é um bem do homem,


por inferência, extensão lógica, devemos reconhecer
que a ele deve ser garantido o poder de ir e vir, de
manifestar o seu pensamento. Estes são princípios mais
específicos, revelados dedutivamente de um princípio
geral. Entre o suposto racional e a conseqüência, mais do
que uma relação, deve haver um nexo de subordinação e
dependência, em razão do qual os princípios deduzidos
apresentam o mesmo grau de virtudes e de defeitos que
a máxima geral. A importância da conseqüência decorre
não apenas da coerência que deve haver entre os dois
termos, mas também do valor do suposto. Assim, se
a regra geral for uma conjetura, a conclusão derivada
somente terá valor conjetural. (NADER, 2006, p. 16-17).

No exercício profissional,você se deparará, por diversas


vezes, com tal procedimento, tendo que derivar de
princípios gerais princípios específicos.

2. Procedimento indutivo – opera de forma inversa do


dedutivo, pois parte de enunciados particulares, que
dão conta de situações, fatos, experiências específicas,
e produz conclusões gerais, universais. Quando um
promotor procura na vida do réu outras atitudes
que indiquem índole criminosa, está a juntar fatos
particulares que poderão produzir um juízo geral.

Por exemplo: se o réu é um criminoso compulsivo, só


lhe cabe a exclusão social permanente, ou um atento
tratamento psicológico em instituições prisionais
próprias para tal situação.

Ambos os procedimentos apresentam problemas. No caso do


procedimento dedutivo, o problema já foi indicado: tomar a
premissa — o enunciado geral — como verdadeira. Poderíamos
perguntar: que garantias temos disto? No caso do procedimento
indutivo, temos um problema lógico, a saber, não podemos inferir
verdade de um conjunto de proposições particulares, no máximo
temos uma probabilidade. Mas probabilidade não é verdade.
Assim, por determinados elementos de um dado conjunto terem

Unidade 1 39

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Universidade do Sul de Santa Catarina

certas características, não significa que todos os elementos


tenham as mesmas características. Exemplificando rasteiramente:
se o réu costuma frequentar lugares onde se praticam crimes de
exploração sexual, isto não significa, necessariamente, que ele
seja um criminoso sexual. Em primeira instância, ele é apenas
suspeito. Há mesmo a ideia de que se existem dúvidas quanto ao
fato de ser ou não o réu um criminoso, que ele deva ser absolvido.

É importante salientar que, seja no processo judicial,


seja no estudo teórico do Direito, ambos os raciocínios
são utilizados, pois nossa mente não trabalha apenas
com um ou outro somente. Eles são complementares
na elaboração de conhecimento.

Para ilustrar as etapas de uma pesquisa, tomemos o esquema do


professor Horácio Wanderlei Rodrigues, a seguir:

Escolha
Escolha do
do tema
tema
Especificação
Especificação e
e delimitação
delimitação do
do tema
MOMENTO
MOMENTO PREPARATÓRIO
PREPARATÓRIO tema
Formulação
Formulação dodo problema,
problema, das
das hipóteses
hipóteses e
e das
das
(Planejamento
(Planejamento da
da pesquisa)
pesquisa) variáveis
variáveis (quando
(quando for
for o
o caso)
caso)
Levantamento
Levantamento inicial
inicial de
de dados,
dados, documentos
documentos e
e
bibliografia
bibliografia
Elaboração
Elaboração do
do projeto
projeto de
de pesquisa
pesquisa

Levantamento
Levantamento complementar
complementar de
de dados,
MOMENTO
MOMENTO OPERACIONAL
OPERACIONAL informações,
dados,
informações, documentos
documentos e
e bibliografia
bibliografia
(Execução
(Execução da
da pesquisa
pesquisa ee estruturação
estruturação Análise
Análise de
de dados
dados e
e documentos
documentos e
e leitura
leitura da
da
das idéias)
das idéias)
bibliografia
bibliografia
Crítica
Crítica dos
dos dados,
dados, documentos
documentos e
e bibliografia;
bibliografia;
reflexão
reflexão pessoal
pessoal

Redação
Redação inicial
inicial do
do relatório/trabalho
relatório/trabalho
MOMENTO
MOMENTO REDACIONAL
REDACIONAL E
E Revisão do relatório/trabalho
Revisão do relatório/trabalho
COMUNICATIVO
COMUNICATIVO Redação
Redação definitiva
definitiva do
do relatório/trabalho
relatório/trabalho
(Apresentação
(Apresentação dos
dos resultados
resultados Defesa pública do relatório/trabalho,
da pesquisa) Defesa pública do relatório/trabalho,
da pesquisa) quando
quando for
for o
o caso
caso
Publicação
Publicação dos
dos resultados
resultados da
da pesquisa
pesquisa

Quadro 1.2 – Etapas da pesquisa


Fonte: Rodrigues (2005).

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Filosofia do Direito

Como salienta o professor Wanderlei Rodrigues, há uma prática


formalista dentro do sistema acadêmico contemporâneo, que
privilegia os momentos inicial e final da metodologia da pesquisa,
descaracterizando aquilo que é de mais importante: a pesquisa
em si. Evidentemente, a produção material e formal — aqui,
principalmente os relatórios de pesquisa, os artigos, os pareceres
publicados, etc. — são importantes para o conhecimento e
difusão da pesquisa científica. Entretanto isto não é o essencial
para entendermos o procedimento científico.

Tal alerta do professor Rodrigues serve para chacoalhar nossa


acomodação acadêmica, nossa ideia de que as coisas já estão
prontas e dadas, que as leis e o Direito são imutáveis e seguros.
Muito pelo contrário, tudo isto envolve constante reflexão.

Os procedimentos apresentados acima estão inseridos no debate


epistemológico e remetem ao problema da verdade científica.

Epistemologia e Direito
Ainda é muito comum pensar o conhecimento científico como
verdadeiro em termos absolutos. Poderíamos discutir o que é
verdade e suas diferentes vertentes. Entretanto, para o momento,
vamos pensar nos sentidos contemporâneos de ciência. Tal Para esta temática, leia o
investigação é importante para desfazermos certa compreensão, capítulo 3. A verdade, do livro
ainda muito forte, de que o Direito, como Ciência, é um de Marilena Chaui, Convite à
conhecimento verdadeiro acerca de um objeto, aprendido a partir filosofia.

de um determinado método. Esta compreensão é derivada de uma


forte influência positivista que persiste.

Hoje falamos mais de ‘testabilidade’ como uma das características


principais do conhecimento científico. Assim, como diz
Rodrigues (2005), o conhecimento científico “[...] tem que
ser público quanto aos resultados, às hipóteses testadas e aos
métodos utilizados para sua obtenção, de forma que sua produção
possa ser produzida em qualquer outro lugar por qualquer outro
cientista, sendo então confirmado ou refutado.” Este pensamento,
diz o autor, fundamenta-se na visão de Popper. Acompanhe:

Unidade 1 41

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Ora, eu sustento que as teorias científicas nunca são


inteiramente justificáveis, mas que, não obstante, são
suscetíveis de se verem submetidas a prova. Direi,
consequentemente, que a objetividade dos enunciados
científicos reside na circunstância de eles poderem ser
intersubjetivamente submetidos a teste. (POPPER, 2002, p. 46).

Popper quer significar que a ciência é essencialmente teoria, e as


teorias científicas são construções lógicas que, com maior ou menor
grau, se adéquam àquilo que chamamos realidade. Nesta medida,
se uma teoria resiste às críticas mantém-se como plausível, aceitável.
Mais ainda, para Popper, uma teoria que não pode ser refutada não
é científica, mas dogmática. O que vemos é uma provisoriedade
das teorias científicas e uma crítica severa ao positivismo.

Assim, tomar a Ciência do Direito ou mesmo as Leis


como um conjunto de verdades irrefutáveis não seria,
do ponto de vista popperiano, agir cientificamente,
mas dogmaticamente.

Outro pensador contemporâneo que faz crítica severa à posição


positivista é Thomas S. Kuhn. Ele trabalha com a noção de
paradigma científico. Cada época teria seu paradigma o qual
Veja com Thomas S. sustentaria uma determinada concepção científica. Este paradigma
Kuhn (1975, p.13) define tem aceitabilidade social, o que garante, durante certo tempo,
paradigma: “Considero o desenvolvimento da ciência. Ao longo da história, há certos
‘paradigmas’ as realizações momentos em que o paradigma entra em crise: aqui, temos a
científicas universalmente
reconhecidas que,
ciência revolucionária. Desta forma, um dado modelo científico
durante algum tempo, é posto em xeque. Isto acontece, porque certas observações não
fornecem problemas se encaixam mais no modelo (paradigma) estabelecido. Elas
e soluções modelares produzem anomalias. Num primeiro momento, estas anomalias
para uma comunidade são adaptadas aos paradigmas vigentes, mantendo-os. Contudo,
de participantes de uma
em certo momento — o revolucionário — o número de anomalias
ciência.” (1975, p. 13).
é tão grande que se passa a desconfiar do paradigma, aparecendo,
assim, outras teorias, modelos explicativos.

Estes modelos explicativos vão, aos poucos, tendo uma


aceitabilidade coletiva, passando um deles a se tornar um novo
paradigma, o qual desenvolverá um novo caminhar da ciência.

42

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Filosofia do Direito

Por meio desta perspectiva, visualiza-se o


desenvolvimento científico como descontínuo e não
cumulativo, diferente da visão popperiana que pensa
a ciência como eliminação contínua dos erros do
passado.

Outro aspecto importante refere-se ao fato de Kuhn conceber


a ciência como a tentativa de resolver um quebra-cabeça. Além
disso, ele se questiona sobre o como e o porquê de determinados
cientistas passarem a ver certos fenômenos investigados a partir
de outra perspectiva. Acompanhe:

Cientistas individuais abraçam um novo pa­radigma


por toda uma sorte de razões e normalmente por várias
delas ao mesmo tempo. Algumas dessas razões — por
exemplo, a adoração do Sol que ajudou a fazer de Kepler
um copernicano — encontram-se intei­ramente fora da
esfera aparente da ciência. Outros cien­tistas dependem
de idiossincrasias de natureza autobio­gráfica ou relativas
a sua personalidade. Mesmo a na­cionalidade ou a
reputação prévia do inovador e seus mestres podem
desempenhar algumas vezes um papel significativo. Em
última instância, portanto, precisa­mos aprender a colocar
essa questão de maneira dife­rente. Nossa preocupação
não será com os argumentos que realmente convertem
um ou outro indivíduo, mas com o tipo de comunidade
que cedo ou tarde se re-for­ma como um único grupo.
(KUHN, 1975, p. 193).

Observe que isto implica dizer que há fatores subjetivos ‒


psicológicos e sociológicos ‒ no desenvolvimento da ciência.

Outra concepção contemporânea que serve para desfazer a


noção de que a ciência é algo que produz verdades absolutas é
a Teoria Crítica de base marxista. Para a Teoria Crítica, há um
movimento histórico-dialético entre as “acomodações” do debate
entre Direito Natural ou Jusnaturalismo e Direito Positivo ou
Juspositivismo. Assim sendo, não se trata de dizer que esta ou
aquela estejam erradas, mas sim que são incompletas.

Unidade 1 43

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A Teoria Crítica propõe que o estudo do Direito não


fique apenas na análise interpretativa de enunciados
jurídicos, mas que incorpore os juízos de valores
constitutivos da ideologia social, procurando não,
simplesmente, mantê-la, como também servir-se
destes estudos para fazer uma crítica do sistema, e,
com isto, alargar os horizontes da prática jurídica em
direção à justiça.

Tal perspectiva aborda, também, um pluralismo jurídico e


um Direito que deve ser reconhecido para além das instâncias
jurídicas do Estado. De acordo com Bray (2005):

A Teoria Crítica no Direito, analisada sob este aspecto,


assume a forma de uma Teoria Jurídica Crítica, pois
questiona e rompe com o que está disciplinarmente
ordenado e oficialmente consagrado, opondo-se tanto
em relação ao positivismo jurídico, como em relação ao
jusnaturalismo. No campo das propostas, a teoria jurídica
crítica oferece novos paradigmas, propondo formas
diferenciadas, não repressivas e emancipadoras de prática
jurídica, a exemplo das práticas de natureza comunitário-
participativa-informal, que assumem a forma de
negociação, mediação, conciliação, arbitragem, conselhos
e tribunais populares, e que se desenvolvem em ambiente
plurais e conflitantes. (BRAY, 2005).

Como você pode ver, essas perspectivas teóricas contemporânea


têm aspectos comuns — são contrárias à visão dogmática — e
complementares em certos aspectos, embora possam se contrapor
em outros. Há outras vertentes ou especificidades na tonalidade
desta ou daquelas perspectivas apresentadas. Mas, por hora,
esta introdução cumpre o papel de deixá-lo(a) alerta para a
caminhada que tem a frente, apontando-lhe problemáticas que
despertam para a riqueza e a importância do estudo filosófico-
jurídico que tem pela frente.

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Filosofia do Direito

Síntese

Nesta unidade, você pôde acompanhar uma introdução a noções


de Filosofia, Direito e Filosofia do Direito. Neste sentido, teve
a oportunidade de estudar algumas relações entre a Filosofia
do Direito e outras áreas de conhecimento, particularmente as
filosóficas. As exemplificações são as discussões temáticas em
torno da relação Ética e Direito; Justiça, Lei e Direito, passando
pelas noções de Legalidade e Legitimidade.
Você vislumbrou alguns aspectos metodológicos da Filosofia
do Direito e da pesquisa científica, no geral. Tal apresentação
teve o objetivo de levá-lo(a) a pensar sobre certas correntes
epistemológicas contemporâneas e sobre o debate a respeito dos
fundamentos da Ciência do Direito.

Atividades de autoavaliação

Você realizará atividades de autoavaliação ao final de cada unidade, com o


objetivo de desenvolver a sua aprendizagem. No final do livro didático, há
um gabarito, mas esforce-se para resolver as atividades sem a ajuda deste.

1) Leia atentamente o fragmento abaixo:

“Não há, em suma, um direito justo no céu dos conceitos platônico, e


um direito imperfeito e injusto no nosso pobre e imperfeito mundo
sublunar. O problema do Direito Natural não é descobrir esse celestial
livro de mármore onde, gravadas a caracteres de puro ouro, as
verdadeiras leis estariam escritas, e que, ao longo dos séculos, sábios
legisladores terrenos não conseguiram vislumbrar.”
(CUNHA, Paulo Ferreira da. O ponto de Arquimedes: natureza humana,
direito natural, direitos humanos. Coimbra: Almedina, 2001. p. 94)
Considerando as reflexões contidas no texto, assinale com um “X” a
afirmação correta sobre os direitos humanos na atualidade:

Unidade 1 45

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Universidade do Sul de Santa Catarina

a) ( ) a afirmação histórica dos direitos humanos, desde o


jusnaturalismo, se iniciou apenas muito recentemente, no final
do século XX, por isso ainda são desconhecidos dos juristas.

b) ( ) o grande problema dos direitos humanos é que não estão


positivados, por isso não são efetivados.

c) ( ) o problema atual dos direitos humanos é o de que, apesar de


positivados e constitucionalizados, carecem de ser efetivados.

d) ( ) o problema atual dos direitos humanos é o de sua


fundamentação lógica, na medida em que ainda
são considerados deduções teológicas ou frutos de
conjunturas econômicas.
e) ( ) os direitos humanos são, em todas as suas manifestações,
garantias negativas da cidadania, por isso não carecem
nenhum tipo de prestação econômica por parte do Estado.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006, p. 10).

2) Do trecho abaixo retiramos algumas palavras e as substituímos por


números. Leia o texto e depois enumere a coluna seguinte de acordo
com o texto.
Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um
acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um (1). Se,
porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”,
estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso,
proferimos um (2).

(1) são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por
que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica
e nas ciências, os (1) estão presentes. Diferentemente deles, os
(2), avaliações sobre coisas, pessoas, situações, são proferidos na
moral, nas artes, na política, na religião.
(2) avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos,
sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons
ou maus, desejáveis ou indesejáveis.

Os juízos éticos de valor são também (3), isto é, enunciam normas que
determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos
comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam
intenções e ações segundo o critério do correto e incorreto do (4).
Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade.
Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos
e comportamentos devemos ter ou fazer, para alcançarmos o bem e
a felicidade... Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e
comportamentos são condenáveis ou incorretos.

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Filosofia do Direito

Como se pode observar, (5) e consciência moral são inseparáveis da


vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores
positivos e negativos que devem respeitar ou detestar.

a) ( ) normativos
b) ( ) senso moral

c) ( ) juízo de fato

d) ( ) ponto de vista moral

e) ( ) juízos de valor

Fonte: Adaptado de Chauí (2000, p. 431-432).

3) Pautando-se naquilo que você estudou sobre a diferença entre Moral e


Direito, leia atentamente as afirmações abaixo:
I – A Moral é anterior ao Direito.
II – A Moral visa à abstenção do mal e a prática do bem. O Direito visa
evitar que se lese ou prejudique a outrem.
III – Na Moral a coerção é dada por regras exteriores; no Direito, por
regras interiores.
IV – Ambas regulam atos dos seres livres e têm por finalidade o bem-
estar do ser humano em sociedade.
V – A Moral não comporta sanções internas (arrependimento, remorso)
e externas (isolamento do grupo social).

Agora, assinale a alternativa correta.

a) ( ) Apenas a alternativa I está incorreta.


b) ( ) As alternativas II e V estão corretas.

c) ( ) Apenas a alternativa II é correta.

d) ( ) As alternativas I, II e IV estão corretas.

e) ( ) As alternativas I, II e V são corretas.

Unidade 1 47

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Você quer saber mais sobre os assuntos tratados nesta unidade?


Então consulte as seguintes referências:

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4. ed. Brasília:


Edunb, 1992.

DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de filosofia do direito.


Caxias do Sul, RS: Educs, 2008.

FAGÚNDES, Paulo Roney Ávila. (org.) A crise do


conhecimento jurídico: perspectivas e tendências do direito
contemporâneo. Brasilia: OAB editora, 2004.

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1995.

MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito:


conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo:


Martins Fontes, 1994.

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 15. ed. Rio de Janeiro:


Florense, 2006.

VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 2. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1975.

Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação


Getulio Vargas, 1986.

Você pode complementar os estudos desta unidade assistindo o


seguinte filme:

A Busca pela Justiça (Heavens Fall). Ano 2006 (EUA). Direção:


Terry Green

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Filosofia do Direito

Em seguida veja a análise do filme e sua relação com o conteúdo


desta unidade:

Análise do Filme A Busca Pela Justiça


RESUMO
O filme “A busca pela justiça” se passa na década de 30 e é baseado na
história verídica de nove jovens afro-descendentes, com idade entre 12
e 20 anos, que costumavam viajar clandestinamente em um trem de
carga.
Em uma dessas viagens, também se encontravam a bordo do trem
duas moças brancas e um rapaz. Ao irromper uma briga, o trem para
e os nove jovens afro-descendentes são retirados, presos e acusados
de terem estuprado as duas mulheres brancas. O julgamento dá-se
de forma rápida, e os jovens são condenados à cadeira elétrica. A
notícia dessa condenação gera grande polêmica e faz com que a Corte
Suprema dos Estados Unidos faça um novo julgamento. Um advogado
nova-iorquino, jovem e idealista, acostumado com as vitórias nos
tribunais, é convidado a defender os acusados nesse novo julgamento.
Alguns colegas, amigos e familiares tentam dissuadi-lo da ideia, pois
seu trabalho seria dificultado, dadas as circunstâncias e o local onde
supostamente acontecera o crime.
Nesse intermédio, um jornalista afro-descendente de Chicago, também
decide cobrir o novo julgamento.
O advogado passa a reunir provas que inocentam os acusados, e o
promotor, que dependendo do resultado do julgamento pode ser
indicado a concorrer às eleições para o governo do estado, decide
manter as mesmas testemunhas e provas do julgamento anterior.
O veredicto é dado, e o principal acusado é novamente condenado. O
juiz, achando injusta a condenação em vista das provas apresentadas
pela defesa, resolve anular o julgamento. Um novo julgamento acontece,
e o jovem é novamente condenado.
Aguardando o dia da sua execução em uma penitenciária, o jovem
arquiteta sua fuga e consegue escapar do seu cruel destino.

ANÁLISE
A intolerância racial no sul dos EUA remonta ao período da Guerra de
Secessão ou Guerra Civil Americana, quando os estados do norte obtiveram
sua vitória, resultando na libertação dos escravos afro-descendentes
que trabalhavam na lavoura. Um dos maiores ícones dessa intolerância
foi (ou ainda é) uma organização chamada Ku Klux Klan. Esse grupo foi
formado, inicialmente, por veteranos do exército confederado sulista, os

Unidade 1 49

filosofia_do_direito.indb 49 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

quais pretendiam impedir a integração social dos afro-americanos recém-


libertados, desejavam não permitir que estes pudessem adquirir suas
próprias terras e trabalhar nelas, ou mesmo que tivessem os mesmos direitos
básicos de outros cidadãos, como votar, por exemplo.

Essa intolerância racial no sul dos Estados Unidos pode ser apontada como o
principal fator na condenação dos nove jovens.

A história contada no filme nos mostra de uma maneira bem clara, as


dificuldades enfrentadas pelo advogado de defesa em conseguir o mínimo
de cooperação que assegurasse a realização do seu trabalho e ainda
algumas represálias a que é submetido por estar em defesa de réus afro-
descendentes. Até mesmo um jornalista que pleiteia um lugar no tribunal,
para que possa cobrir a história nos dias do julgamento, tem dificuldades em
colher as assinaturas necessárias: os cidadãos de sua mesma etnia, a quem
recorre num primeiro momento, demonstram certo receio em fornecer tais
assinaturas.

Outro aspecto demonstrado pelo filme e que também pode ser apontado
como responsável pela acusação e consequentemente a condenação
dos jovens, diz respeito à ética e à moral. Duas jovens brancas, viajando
clandestinamente em um trem de carga, acompanhadas de um jovem era
algo considerado amoral naqueles dias. No intuito de não ser acusada de um
crime menor (Vadiagem nos EUA é crime e pode levar o indivíduo a pagar
multa ou à prisão), acusa outros de um crime maior, e tanto as jovens como
seus companheiros sustentam essa versão mesmo em um novo julgamento.

Por parte da acusação, aparentemente, temos a mesma questão ética e


moral. Cabe aqui deixar uma interrogação com relação ao verdadeiro intuito
por trás do ferrenho empenho em acusar os jovens. Seria o verdadeiro
objetivo a intenção de se alcançar a justiça? Seria o objetivo alcançar essa
justiça por questões raciais? Seria o objetivo levar os jovens à mesma
condenação do julgamento anterior, visando assim ser visto com bons
olhos pelo poder político local, e obter a indicação do seu nome para as
eleições estaduais? Mas ambas as questões ética e moral também se fazem
presente de outra maneira nessa triste história. O magistrado que, durante
todo o julgamento, se mostra um homem que faz bom juízo de ponderação,
após um veredicto um tanto obscuro diante das provas e testemunhas
apresentadas decide anular o julgamento, mesmo sabendo que sofreria
sanções tanto por parte do poder da sociedade como do poder judiciário.

“A busca pela justiça” é um título sugestivo que nos leva a ponderar sobre as
condições onde o suposto crime aconteceu, sobre seus supostos envolvidos,
sobre as características da sociedade envolvida nesse julgamento e na busca
por essa justiça. Poderia essa sociedade tão atrelada aos costumes locais,
com raízes fincadas na intolerância racial -- e, como sabemos, o costume
é uma importante fonte do Direito, poderia ela produzir e alcançar a
verdadeira justiça?

50

filosofia_do_direito.indb 50 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A verdadeira justiça não poderia ser alcançada, pois, como apresentado


pela defesa:, segundo a legislação norte-americana, qualquer pessoa que
tenha pelo menos 18 anos de idade, tenha uma reputação idônea, seja
alfabetizada e não tenha sido condenado por nenhum crime, pode ser
membro de um júri, mas um tribunal que, aparentemente, por discriminação
racial, nunca permitiu que cidadãos afro-descendentes ocupassem um lugar
no corpo de jurados, jamais poderia alcançar tal escopo.

Levando em consideração todas as condições mencionadas acima, e que


a credibilidade na sua palavra em relação à palavra dos nove jovens seria
maior, essa jovem, no intuito de não ser acusada de um crime menor acusa
outros de um crime maior.

Uma jovem que, podemos dizer, possui um espírito livre e que está à frente
de seu tempo, sai de casa à procura de trabalho e, como apresentado pela
defesa, vive uma vida liberta e sem preconceitos sexuais, mas que esconde
isso da sociedade em questão e utiliza-se do poder judiciário como uma
espécie de cortina de fumaça para que isso não ganhe relevância em
detrimento da vida e dignidade de jovens trabalhadores. Temos ainda a
condição da sua companheira de viagem que, na mesma situação, corrobora
a versão, mas que decide voltar atrás e revelar a verdadeira versão da
história.

Seria suficiente para a absolvição dos acusados, no que diz respeito ao


crime de estupro, trazer à luz fatos duvidosos e provas forjadas inclusive
por meio de tortura no julgamento anterior, somando-se a isso as provas
apresentadas pela defesa, Mas o veredicto é unânime, e o primeiro réu é
condenado à pena de morte. No ultimo esforço, buscando o último fio de
esperança para que a justiça seja alcançada, o magistrado, fazendo uso de
um incrível e corajoso juízo de ponderação, que leva em consideração os
princípios fundamentais da sociologia jurídica, anula o julgamento, a fim
de conceder uma outra chance ao jovem condenado injustamente pela
segunda vez.

Isso nos leva a refletir como estudantes do Direito, sobre tudo o que está
em jogo quando se trata de vida, dignidade, destino, tanto dos envolvidos
diretamente num caso como esse, quanto dos familiares, amigos e da
sociedade em geral. A sociedade produz muitas vezes homens de caráter
idôneo, cultos, cumpridores de seus deveres cívicos, mas alguns desses
ainda continuam com suas ideias enraizadas em costumes que desfocam
seu discernimento e julgamento, levando assim a uma falsa ideia de justiça.

O jovem condenado à pena de morte acabou por fazer sua própria justiça,
fugindo da prisão, mas como terá sido sua vida, sua sobrevivência depois
de um trauma como esse e sendo fugitivo da justiça. Mesmo livre terá
contribuído para sociedade? E terá a sociedade contribuído com ele?

Fonte: Adaptado de Fredson (2009).

Unidade 1 51

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filosofia_do_direito.indb 52 12/07/12 13:31
2
UNIDADE 2

Conhecendo alguns clássicos


da Filosofia do Direito
Leandro Kingeski Pacheco
Sérgio Sell
José Dimas d’ d’Avila Maciel Monteiro

Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar algumas teses tradicionais de filósofos do
Direito as quais marcaram a Filosofia do Direito.

„„ Conhecer a classificação idealista, materialista e crítica


da Filosofia do Direito.

Seções de estudo
Seção 1 As perspectivas idealista, materialista e crítica
da Filosofia do Direito

Seção 2 Alguns filósofos do Direito

filosofia_do_direito.indb 53 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você estuda, brevemente, algumas teses singulares
que marcaram a Filosofia do Direito. Ao fazê-lo, contata o
pensamento de diferentes filósofos do Direito. Compreenderá,
também, que alguns filósofos, ao pensarem o Direito, o fizeram
de modo único, imprimindo-lhe um acento que pode ser
generalizado como idealista, materialista ou crítico.

Muitos são os filósofos que lidaram com o Direito e que não o


fizeram de modo superficial. Logo, duas limitações se impõem
desde o começo deste estudo, considerando esta pequena unidade
de livro didático: a) é preciso reconhecer que não será viável
lidar com todos os filósofos do Direito; b) é preciso reconhecer
que não será viável aprofundar o entendimento de um filósofo
sobre o Direito, seja pela impossibilidade de lidar com todas suas
teses sobre este tema, seja pela impossibilidade de considerar a
totalidade de sua respectiva filosofia.

Deste modo, para este estudo, arbitrariamente, foram escolhidos


alguns poucos filósofos, assim como poucas teses pertinentes às
reflexões sobre o Direito. Os filósofos escolhidos foram Platão e
Aristóteles (abordados pelo professor Leandro), Thomas Hobbes
(abordado pelo professor José Dimas), Immanuel Kant e John
Rawls (abordados pelo professor Sérgio).

Esperamos que estes conteúdos contribuam para a sua formação.


Bons estudos.

Seção 1 – As perspectivas idealista, materialista e


crítica da Filosofia do Direito
Antes de estudar uma singela exposição acerca da classificação
de Filosofias do Direito, é pertinente considerar que toda
classificação é arbitrária e reducionista, pois nenhuma
classificação é capaz de contemplar a especificidade do
classificado. Por outro lado, todo exercício de classificar contribui,
didaticamente, para reconhecer um conjunto de semelhanças e ou
de diferenças daquilo que é classificado.

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filosofia_do_direito.indb 54 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Para classificar, critérios são necessários.


Tradicionalmente, as Filosofias do Direito são
classificadas por seus fundamentos ou princípios
filosóficos, reconhecendo um ‘tipo’ de escopo
privilegiado para se pensar a justiça, a lei, etc. Tais
fundamentos filosóficos, no ensino de Filosofia do
Direito, são geralmente elencados como idealistas,
materialistas ou críticos.

Grosso modo, Filosofias do Direito classificadas como idealistas


reconhecem a “ideia” como fundamento filosófico. Filosofias
do Direito classificadas como materialistas reconhecem a
“matéria” como seu fundamento filosófico. E Filosofias do
Direito classificadas como críticas reconhecem a “crítica”, o
exame reflexivo e racional, o tribunal da razão, como fundamento
filosófico, como escopo privilegiado para pensar as possibilidades
e os limites da justiça, da lei, do magistrado, etc.

Obviamente, o sentido destes termos (ideia, matéria


e crítica) não é consenso entre os filósofos, mesmo
para os que adotam este fundamento comum. Logo,
correto seria falar de tipos de Filosofias do Direito
idealistas, tipos de Filosofias do Direito materialistas e
tipos de Filosofias do Direito críticas. Ou seja, é no bojo
de uma filosofia específica que o sentido de ‘idealista’,
‘materialista’ ou ‘crítico’ se particulariza. Ainda, muitas
outras categorias poderiam ser exploradas, como
‘realista’, ‘empirista’, ‘estruturalista’, fenomenologista,
etc. – ampliando esta classificação ‘tradicional’.

Geralmente, os fundamentos pertinentes às Filosofias do Direito


confundem-se, fundem-se, diluem-se na respectiva Filosofia
dos filósofos. Assim, é possível, de antemão, falar de Filosofia
do Direito idealista de Platão, Filosofia do Direito crítica de
Kant, Filosofia do Direito materialista de Karl Marx, e assim por
diante.

Unidade 2 55

filosofia_do_direito.indb 55 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Durante o estudo da seção seguinte, após você


identificar teses e conceitos respectivos a alguns
filósofos do Direito, as distintas Filosofias do Direito
serão marcadas com este acento: idealista, materialista
ou crítico.

Seção 2 – Alguns filósofos do Direito


Nesta seção, você acompanha algumas considerações sobre
alguns filósofos do Direito, especificamente, Platão, Aristóteles,
Thomas Hobbes, Immanuel Kant e John Rawls.

Algumas teses acerca da Filosofia do Direito de Platão

[...] à lei não importa que uma classe qualquer da cidade


passe excepcionalmente bem, mas procura que isso
aconteça à totalidade dos cidadãos, harmonizando-os pela
persuasão ou pela coação, e fazendo com que partilhem
uns com os outros do auxílio que cada um deles possa
prestar à comunidade; ao criar homens destes na cidade,
a lei não o faz para deixar que cada um se volte para a
atividade que lhe aprouver, mas tirar partido dele para a
união da cidade. (A República, 2002, VII, 519, p. 215).

Vários textos de Platão (428/27-347 a. C.) permitem


compreender a Filosofia do Direito deste pensador. Nader (2006)
destaca três obras capitais de Platão que abrangem a Filosofia do
Direito: O Político, As Leis e A República. Nader sintetiza que, na
obra A República, o Estado é compreendido como “instrumento
de realização da mais completa justiça [...] criado pelo homem
para suprir suas deficiências [...] prover as suas mais variadas
Figura 2.1 - Platão. necessidades.” (2006, p. 108); e que, nas Leis, ele reverá alguns
Fonte: Franco (2002). dos princípios adotados na República.

Feitas estas considerações preliminares, atente que não nos


aprofundaremos na filosofia de Platão, mas apenas em algumas
teses pertinentes à justiça – tomando como referência a obra A
República. Acompanhe.

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filosofia_do_direito.indb 56 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A justiça identifica-se com a perfeição dos homens. O que isto


quer dizer? O homem tratado com justiça tende a tornar-se justo,
melhor, perfeito; e o homem tratado com injustiça tende a tornar-
se injusto, pior, imperfeito. Assim, tratar a todos com justiça
implica procurar difundir e cultivar a perfeição humana.

A justiça e a injustiça opõem-se. A oposição entre a justiça e


injustiça é evidenciada de muitos modos. A justiça identifica-se
com a virtude e com a sabedoria; é uma virtude da alma; gera a
concórdia e a amizade. Já a injustiça identifica-se com a maldade
e a ignorância; ela é um vício da alma; gera a revolta e o ódio.
Logo, a justiça é sempre mais vantajosa que a injustiça, pois o
homem justo é bom, sábio e feliz – atua com facilidade. Por outro
lado, o homem injusto é mau, ignorante e desgraçado – atua com
dificuldade, principalmente em conjunto.

Aliada a esta concepção de justiça, a obra de todos os poetas e


artistas deve ser abominada, pois estes retratam:

„„ pessoas injustas como felizes ou pessoas justas como


infelizes;

„„ vantagens ao se cometer atos injustos ou prejuízo ao se


cometer atos justos.

Os bons governantes visam cuidar dos governados. O bom


governante, o magistrado, não visa à própria conveniência, mas
a dos governados. O bom governante ocupa a magistratura por
necessidade, por sentir-se castigado ao ser governado por quem é
pior do que ele mesmo. Para tanto, os governantes, magistrados,
formulam leis. Algumas destas são bem formuladas, enquanto
outras, infelizmente, não.

O filósofo deve governar a cidade na qualidade de magistrado.


O filósofo, amigo do aprender, ao considerar a ideia de bem como
princípio fundamental, deve legislar, criar as leis pertinentes à
cidade e obedecer a elas. Para tanto, deve usar o raciocínio como
‘instrumento necessário’. Tanto mais usa a razão, mais próximo o
filósofo, governante e magistrado estará da lei e da ordem.

Unidade 2 57

filosofia_do_direito.indb 57 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Há duas opções para o fim das desgraças e males para o Estado,


para os cidadãos, enfim, para o gênero humano:

„„ que os filósofos tornem-se reis, legisladores, chefes,


governantes da cidade;

„„ que os atuais governantes da cidade (reis, soberanos, etc.)


tornem-se filósofos (de fato).

Saiba mais sobre a natureza do filósofo, governante e


magistrado!
O filósofo, enquanto juiz, não pode ser novo, mas mais idoso
e testado aos limites. Ele precisa atingir pelo menos cinquenta
anos; destacar-se no trabalho e na ciência (saber); destacar-se
na procura pela ideia (forma ou essência) de bem, em si,
A ideia do bem é a considerando esta ideia como paradigma orientador à cidade;
mais elevada de todas, dedicar-se à filosofia – para, então, chefiar a cidade por amor, por
enquanto causa do que é necessidade.
justo. A partir da ideia de
Convém que tal juiz não conviva, desde pequeno, com injustiças
bem, a justiça torna-se
e almas perversas. É preciso que, na condição de aprendiz, ele
útil e valiosa.
seja primeiramente inexperiente e intacto aos maus costumes.
Depois de educado nos bons costumes, pode conhecer
injustiças, não com o intuito de cultuá-las, mas de abominá-las
– seja na infância, na juventude e na maturidade – primando,
sempre, pelo julgamento justo. Ao julgar, o filósofo, governante
precisa evitar que bens alheios sejam detidos ou que bens
próprios sejam privados. Para tanto, a justiça visa garantir ou
restituir a posse do que é de cada um.
Entenda aqui filósofo tanto o homem quanto a mulher, pois
Platão, explicitamente, reconhece que a mulher e o homem são
capazes de bem administrar a cidade e, mesmo, desenvolver
qualquer ocupação – sem preconceitos de gênero. Por outro
lado, Platão expõe que nem todos têm capacidade de ser
filósofo, de governar, e que, portanto, deverão ser governados.
Dito de outro modo: o filósofo deve governar; e os demais, ser
governados. Ainda, ao filósofo compete mentir para benefício
da cidade, embora a mentira seja sempre um erro para os
governados e algo inútil para os deuses.

58

filosofia_do_direito.indb 58 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

As leis visam à harmonia da cidade. Pela lei, é possível


garantir a paz entre os cidadãos da cidade. A lei não deve visar
aos interesses de uma classe, mas à totalidade dos cidadãos.
A lei visa, também, harmonizar as atividades desenvolvidas
por diversos profissionais com o intuito de unir e fortalecer a
cidade. Para tanto, a lei pode fazer-se valer pela persuasão e
pela coação. Ainda, a cidade bem fundada é justa, enquanto a
injustiça representa para ela o maior dos danos.

Para apoiar a tese do filósofo como magistrado e


governante, Platão pressupõe três teses, uma relativa
à origem da cidade (a) e outras duas relativas ao
aperfeiçoamento do ofício dos indivíduos da cidade
(b1 e b2).

Veja a seguir uma breve explicação das três teses sobre a


origem da cidade:

a) A origem da cidade reside na necessidade das pessoas


superarem sua incapacidade de serem autossuficientes.
As pessoas têm inúmeros tipos de necessidades (na
esfera da alimentação, do vestuário, da segurança, etc.)
e beneficiam-se, obviamente, da vida comunitária,
nas cidades, à medida que procuram superar sua
incapacidade de serem autossuficientes.

b.1) Se cada pessoa fizer um só tipo de coisa, então ela


poderá aperfeiçoar tal ofício. A cidade tende a tornar-se
perfeita, modelo, feliz com a exclusividade dos afazeres
de cada cidadão. Logo, tanto quanto possível, as pessoas
precisam descobrir suas ocupações, relativas a uma
determinada classe social, e aperfeiçoarem-se nelas, a
fim de obter o melhor resultado, para si e para a cidade.
Não é dito que a pessoa deve deixar de realizar outras
ocupações, mas que é pertinente exercitar um ofício
coerente com o seu perfil.

Unidade 2 59

filosofia_do_direito.indb 59 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

b.2) A ocupação de um ofício implica o exercício de uma


função justa na cidade. Executar a função que lhe é
própria, conforme a sua natureza mais adequada, tem
a justiça como princípio. A cidade é bem governada,
justa, quando a cada um cabe uma tarefa.

Recorrer à justiça evidencia uma falta. É vergonha e


sinal de falta de educação ter que recorrer à justiça de
outro, uma vez evidenciado que a justiça de si próprio é
insuficiente. Maior vergonha e maior falta de educação
são demonstradas por aquele que vive nos tribunais – na
qualidade de réu ou de acusador – por cometer injustiças
e gabar-se por elas.

Pensar como deve ser a educação dos homens implica


examinar como a justiça e a injustiça ocorrem na
cidade. Nesta linha de raciocínio, educação honesta
contribui para a cidade justa. Aqueles que não recebem
educação jamais serão capazes de se tornarem filósofos,
governantes, magistrados.

Saiba mais sobre a concepção de educação de Platão!


A educação deve ser adequada à natureza do cidadão. Para
entender esta tese, saiba que Platão recorre ao mito para explicar
diferenças entre as classes, reconhecendo diferenças na origem
de cada cidadão. Platão distingue, basicamente, três classes na
República: a dos governantes, a dos guardiães e a dos lavradores
e demais cidadãos. Para Platão, Deus modelou a todos com
ligas diferentes de metal. Em especial, forjou com ouro os aptos
a governar, com prata os guardiães e com ferro e bronze os
lavradores e demais cidadãos. Nada impede, porém, que de uma
classe áurea nasça uma criança de natureza ligada à prata, ao
ferro ou ao bronze. Do mesmo modo, nada impede que, de uma
classe ligada ao bronze, nasça uma criança de natureza ligada ao
ferro, à prata ou ao ouro. Contudo, ao ser identificada a origem
(liga ou natureza) da criança, esta deve ser educada conforme
sua natureza.

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filosofia_do_direito.indb 60 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A (in)justiça existe no indivíduo assim como existe na


cidade. Tanto o indivíduo quanto a cidade são justos quando
há temperança, coragem e sabedoria – executando as tarefas
que lhes são próprias. Por outro lado, a injustiça aflora (tanto no
indivíduo quanto na cidade) por meio da intemperança, covardia
e ignorância. É preciso observar, também, que a pior injustiça é
aquela que parece justa, mas não é.

A Filosofia do Direito de Platão adota um acento na noção


de ideia, no bem em si, entendido como paradigma,
modelo, algo que existe por si. Tal acepção de Platão
sobre ideia não deve ser confundida com pensamento,
reflexão, etc. A noção de ideia não é simples nem de
origem mundana, mas metafísica, pois o filósofo, o
magistrado, precisa procurar, no plano inteligível (e não
no mundo fático) a ideia de justiça capaz de subsidiar leis
coerentes com a cidade ‘ideal’. Neste sentido, a Filosofia
de Direito de Platão pode ser classificada como idealista.

Saiba mais sobre a concepção idealista


Conforme Reale (2002, p. 118-119) “O idealismo de Platão
(247-347 a. C.) poder-se-ia chamar idealismo transcendente,
ou da transcendência, pois para o autor do Fedro as idéias ou
arquétipos ideais representam a realidade verdadeira, da qual
seriam meras cópias imperfeitas as realidades sensíveis, válidas
não em si mesmas, mas enquanto participam do ser essencial
[...] Os idealistas modernos partem da afirmação de que as coisas
não ‘existem’ por si mesmas, mas na medida e enquanto são
representadas ou pensadas, visto como só podemos falar aquilo
que se insere no domínio de nosso espírito e não das coisas como
tais, distintas de como as percebemos. Nada, em suma, pode ser,
sem ser necessariamente percebido ou pensado.”

Algumas teses acerca da Filosofia do Direito de Aristóteles


A justiça é uma espécie de meio-termo, mas não no
mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque ela se
relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária,
ao passo que a injustiça se relaciona com os extremos [...]
Por esta razão a injustiça é excesso e falta [...]. (Ética a
Nicômaco, 2001, V, 5, p. 115).

Unidade 2 61

filosofia_do_direito.indb 61 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Vários textos de Aristóteles (384-322 a.C.) apresentam


contribuições para compreender a Filosofia do Direito deste
pensador. Nader (2006) destaca duas obras capitais de Aristóteles
que abrangem a Filosofia do Direito: Ética a Nicômaco e Política.
Nader também sintetiza que na obra Ética a Nicômaco, “o estagirita
formulou a teorização da justiça e equidade, considerando-as sob o
prisma da lei e do Direito.” (2006, p. 110).
Figura 2.2 - Aristóteles.
Acerca das duas obras de Aristóteles já mencionadas, Ética a
Fonte: O Globo (2006).
Nicômaco e Política, Morris (2002, p. 6) destaca que “A primeira,
considerada a mais madura, desenvolve uma teoria da justiça que
não é tratada pela última.” Destas obras, as principais reflexões
sobre o direito têm abrigo no Livro V da Ética a Nicômaco e nos
Livros I e II da obra Política (Morris, 2006).

Feitas estas considerações introdutórias, atente que não nos


estenderemos na filosofia de Aristóteles, mas apenas em algumas
teses pertinentes à justiça – tomando como referência a obra Ética
a Nicômaco. Acompanhe.

O homem se torna (in)justo por meio da prática de atos (in)


justos. O homem é injusto ao infringir a lei, ao ser ganancioso e
ímprobo, ao ser sem lei. O homem é justo ao ser honesto, probo,
ao cumprir e respeitar a lei.

A lei, sobre todos os assuntos, visa à vantagem comum, o bem


comum, de todos. A lei bem elaborada contribui para produzir
e preservar a felicidade dos cidadãos; contribui para a prática de
atos virtuosos. A lei visa à prática das virtudes e à proibição de
qualquer vício.

O propósito do legislador é, por meio da lei, incutir hábitos


pertinentes ao bom cidadão. Neste sentido, a lei é considerada
boa, ou ruim, à medida que, respectivamente, alcança sua meta,
ou falha.

O juiz, magistrado, intermediador, mediador, é guardião da


justiça, da lei. Por outro lado, o juiz pode decidir injustamente,
por ignorância (no sentido legal), ou por conhecimento de causa
(que evidencia um excesso inadmissível).

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filosofia_do_direito.indb 62 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A justiça, algo essencialmente humano, pode ser considerada


a maior das virtudes. Tal caráter é evidenciado por a justiça
requerer o exercício de outras virtudes e por ela ser aplicável ao
próprio agente e aos demais cidadãos (seja um governante ou um
membro humilde). Nesta perspectiva, a justiça é perfeita, porque
é aplicável a si próprio e aos outros. Por outro lado, a injustiça
identifica-se com o que é contrário à virtude, como um vício.

A justiça é compreendida como meio-termo e a injustiça como


extremos que devem ser evitados. Aristóteles defende a aplicação
da regra do meio-termo para encontrar o ato justo. Dadas duas ações
contrárias, radicais e extremas, marcadas pelo excesso ou pela falta, a
justiça é a escolha deliberada de equilibrá-las. Ou seja, a justiça é um
meio-termo entre estas duas injustiças, entre estes dois vícios.

Por exemplo, após a realização de certo trabalho


é pertinente que o empregado receba uma
compensação justa do empregador. Esta compensação,
por sua vez, não deve ser ínfima (marcada pela falta) e
nem exagerada (marcada pelo excesso).

A distinção entre ação voluntária e ação involuntária é útil


ao legislador para, considerando a justiça, reconhecer a
pertinência de honras ou de castigo. O caráter voluntário ou
involuntário é evidenciado no momento da ação do agente. A
ação voluntária tem o próprio homem como motor, princípio.
Tal ação é contextualizada pela possibilidade de praticar, ou não,
tal ação, com o conhecimento de causa (pessoas afetadas pelo ato;
instrumento usado; o fim a ser alcançado). Já a ação involuntária
ocorre por compulsão ou coação do agente (situação em que o
próprio homem não é seu motor, seu princípio) ou por ignorância
(por desconhecimento do próprio agente).

Um ato de (in)justiça pode ocorrer de modo acidental.


Acidentalmente, é viável participar de um ato (in)justo. Tal
caráter acidental pode estar associado a uma ação ou a uma
inação. Tal caráter acidental é, geralmente, involuntário.

Unidade 2 63

filosofia_do_direito.indb 63 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Existem duas espécies de justiça particular: a justiça distributiva e


a justiça corretiva. Acompanhe.

Justiça Particular Características

A justiça distributiva baseia-se na ideia de proporcionalidade


geométrica, na igualdade de razões, na consideração de, pelo menos,
quatro termos, em que se estabelece uma relação equivalente
Distributiva entre as pessoas e as coisas. Assim, o justo decorre como meio-
termo. Refere-se, por exemplo, à distribuição de bens ou de coisas,
considerando a contribuição de cada um na produção destes.

A justiça corretiva baseia-se na proporcionalidade aritmética.


Considerando um delito praticado, ou seja, uma relação desigual (nas
relações entre indivíduos), a lei visa restabelecer a ‘igualdade’. Para
tanto, o juiz procura igualar o dano em litígio por meio de pena (para
Corretiva o ofensor) ou de ganho (para o ofendido). Neste tipo de justiça, a
igualdade ocorre pelo estabelecimento do meio-termo entre perda e
ganho. A justiça corretiva visa equiparar vantagens e desvantagens,
decorrentes de relações voluntárias e involuntárias.

Quadro 2.1 – Duas espécies de Justiça Particular


Fonte: Pacheco (2010).

A justiça particular corretiva ainda pode ser especificada como


voluntária ou involuntária.

A justiça particular corretiva voluntária abrange atos


de compras e vendas, empréstimos, penhor, depósito,
locação. A justiça particular corretiva involuntária
abrange atos de furto, adultério, envenenamento,
lenocínio, engodo, falso testemunho; agressão,
sequestro, assassinato, roubo, mutilação, injúria e
ultraje.

A justiça política existe para os homens livres e iguais que


são regidos, mutuamente, pela lei. Ela também existe ante a
possibilidade de que ocorra uma injustiça. A justiça política pode
ser distinta como natural e legal.

64

filosofia_do_direito.indb 64 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Justiça Particular Características

A justiça política natural é aquela que apresenta a mesma força em


Natural (por natureza) todos os lugares, independentemente de posições pessoais.

A justiça política legal é determinada, indiferentemente, em alguns


Legal (por convenção) lugares, enquanto que em outros não, e é evidenciada nas leis
promulgadas para casos particulares.

Quadro 2.2 – Duas espécies de Justiça Política


Fonte: Pacheco, (2010).

A equidade é uma espécie de justiça. A equidade


é aplicável quando a lei, por sua generalidade,
universalidade, caráter absoluto, não contempla um caso
particular. Neste sentido, a aplicação da equidade visa à
correção da justiça legal, visa à decisão ‘correta’ para um
caso particular. Ou seja, a equidade apela para a justiça,
com o intuito de corrigir a lei. Aristóteles relaciona a Figura 2.3 - A equidade é tal e qual
noção de equidade a uma régua adaptável, de chumbo, a régua de chumbo de Lesbos.
usada por construtores de Lesbos para ajustar as molduras. Fonte: Pacheco (2010).

A Filosofia do Direito de Aristóteles reconhece na


realidade, nos atos, nos fatos, na esfera do humano,
nas relações estabelecidas entre homens, um escopo
privilegiado para pensar o direito, a lei, etc. Assim,
embora Aristóteles não faça referência conceitual à
‘matéria’, sua Filosofia do Direito pode ser classificada
como materialista. Conforme esta interpretação,
matéria tem o sentido de algo que existe e que está na
base das reflexões sobre o Direito.

Unidade 2 65

filosofia_do_direito.indb 65 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais sobre a concepção de realidade


Conforme Reale (2002, p. 116-117) o realismo “É a orientação ou
atitude espiritual que implica a preeminência do objeto, dada a
sua afirmação fundamental, de que nós conhecemos coisas. Daí
o emprego da palavra ‘realismo’, que diz respeito à ‘coisa’ (res)
reconhecida como independente da consciência. Os idealistas, ao
contrário, não obstante todas as suas variações, apegam-se à tese
fundamental de que não conhecemos coisas, mas sim representações
de coisas ou as coisas enquanto representadas [...] O realismo é a
atitude natural do espírito humano [...] Quando o realismo indaga
de seus fundamentos e procura demonstrar que suas teses são
verdadeiras, é que surge propriamente a atitude filosófica, que não
deixa, porém, de ser ‘atitude natural’, como tendência comum do
espírito humano. Poderíamos denominá-lo realismo tradicional, visto
como a corrente que sustenta tal maneira de ver é aquela que invoca
a tradição clássica, de Aristóteles aos nossos dias.”

Algumas teses acerca da Filosofia do Direito de Hobbes

“[...] os homens não tiram prazer algum da companhia


uns dos outros (e sim, pelo contrário, um enorme
desprazer), quando não existe um poder capaz de manter
a todos em respeito.”. (HOBBES, 2000, p. 108).

Uma das teses centrais do pensamento filosófico de Hobbes


Figura 2.4 – Leviatã. (1588 – 1679), e que possui decisiva influência na construção das
Fonte: E-book-Hobbes (2009). discussões em Filosofia do Direito, versa a respeito da origem do
Estado e/ou da Sociedade Civil.
Como um dos mais importantes
representantes da concepção
contratualista, Hobbes concebia
esta tese a partir da célebre obra Hobbes não admitia que a sociedade possuísse uma
Leviatã . Segundo Abbagnano origem natural, que houvesse no ser humano uma
(1998), “com esse nome, de um disposição natural para viver com os outros, como
monstro bíblico (Jó, 40, 20), compreendia a consolidada tradição aristotélica: o ser
Hobbes denominou ‘o Estado’, humano como zoon politikon (animal social).
a origem da Sociedade Civil
diferentemente da Clássica
(aristotélica)

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Filosofia do Direito

O autor considerava, por outro caminho, a origem da Sociedade


Civil fundada num Contrato, num Pacto, entre os seres
humanos. Porém, para nossos estudos, tal origem somente
pode ser compreendida, ao menos, por meio de dois conceitos:
condição humana e estado de natureza. Desse modo, vamos
investigar alguns aspectos que constituem esses dois conceitos.
Acompanhe.

Você, certamente, reconhece a expressão “o homem é lobo do


homem”. Isso mesmo!! Hobbes usa essa expressão no Leviatã,
não apenas para expressar a miséria da condição humana, mas,
principalmente, para denominar tal condição no estado de
natureza.

Como podemos entender, portanto, a relação entre a


expressão “o homem é lobo do homem” e o estado de
natureza?

Para Hobbes, os seres humanos eram naturalmente iguais nas


capacidades do corpo (física) e do espírito e, por isso, todos
igualmente tinham a esperança de alcançar seus objetivos, seus
desejos. Entretanto, como bem aponta Renato Janine Ribeiro,
Hobbes “não afirma que os homens são absolutamente iguais,
mas que são ‘tão iguais que[...]’: iguais o bastante para que nenhum
possa triunfar de maneira total sobre o outro” (RIBEIRO, 1989,
p.55). Neste sentido, é importante você compreender que dessa
condição derivará um conflito natural. Portanto:

Se havia igual esperança entre os seres humanos


na realização de seus desejos, havia também
limites para tal realização. Hobbes afirmava: “se
dois homens desejam a mesma coisa, da qual não
obstante, ambos não podem desfrutar, eles se tornam
inimigos.”(HOBBES, 1988, p.108).

Unidade 2 67

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Ora, esse é um dos emblemas mais nítidos da relação entre


condição humana e estado de natureza, em Hobbes. Se, para
alcançar seus desejos, o outro era sempre uma ameaça, gerava-se
disso uma desconfiança mútua. A saída mais razoável era, então,
atacar antes de ser atacado. A isso Hobbes chamava antecipação
e serve-nos como indicativo da brutalidade do estado de
natureza: “a guerra de todos contra todos”.

Com medo da morte violenta, preocupado em conservar a própria


vida, o ser humano vivia da imaginação e se lançava a subjugar o
outro, antecipando o ataque: melhor atacar antes, para que outro
não o faça, não é mesmo!!? Nesta situação, pouco sobrava ao ser
humano, como ressaltava Hobbes: “E a vida do homem é solitária,
sórdida, embrutecida e curta.”(HOBBES, 1988, p.109).

É preciso ter cuidado ao interpretar esta situação.


Parece equivocado atribuir ao ser humano uma
natureza má. Cuidado!!!

A miserabilidade da condição humana, em Hobbes, não nos


leva, necessariamente, à consideração de que o ser humano seja
mau por natureza. A afirmação “o homem é o lobo do homem”
não quer dizer que este seja mau. Significa, numa medida, que o
ser humano usará de todos os meios para alcançar o que deseja,
e isso lhe é garantido pelo direito de natureza, conforme afirma
Hobbes: “o direito de natureza é a liberdade que cada homem
tem de usar seu próprio poder, como quiser, para a preservação
de sua própria natureza, o que vale dizer, de sua própria vida.”
(HOBBES, 1988, p.113).

Contudo repare que se levarmos esta afirmação às últimas


consequências, a vida em sociedade não teria sentido, pois o
que imperaria seria o medo e a lei do mais forte. Mas seria uma
vida assim possível? Suportaria o ser humano viver no estado
de natureza? Certamente não, mas, para compreendermos isso,
é importante considerarmos outras características do estado de
natureza hobbesiano.

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Filosofia do Direito

O estado de natureza era, para Hobbes, um estado


hipotético, isto é, não havia comprovação de sua
existência, nem era um estado primitivo, se você
achar que isso se refere à “vida das cavernas” ou coisa
parecida. Não é isso!!

Como você pôde ver anteriormente, o estado de natureza era a


guerra de todos contra todos, e duas consequências, ao menos,
decorriam disso, como precisamente definiu Hobbes:

1. “Nada pode ser injusto. As noções de certo e errado


e, de justiça e injustiça não têm lugar aí. Onde não
há poder comum, não há lei; onde não há lei, não há
injustiça.” (HOBBES, 1988, p.110).

2. “Não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre


o meu e o teu; mas será de cada homem apenas o que ele
puder pegar e durante o tempo que puder conservá-lo.”
(HOBBES, 1988, p.110).

Note que, no estado de natureza, não há lugar para a


legitimidade, nem para a lei, nem para o Direito. Assim, seu
caráter hipotético é secundário para respondermos às questões
anteriormente postas, já que podemos admitir que o ser humano
que vive em sociedade é o mesmo do estado de natureza, como
bem nota Renato Janine Ribeiro (RIBEIRO, 1989). Eis o ser
humano do estado de natureza, segundo Hobbes.

Então poderíamos admitir que as causas dos conflitos


humanos não estariam na sociedade, mas decorreriam
de sua própria condição, como a competição, a
segurança e a glória?

Unidade 2 69

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Hobbes concebia que os conflitos em sociedade eram consequência


da condição humana. Continuando este raciocínio, fica a pergunta:

Isto justificaria, num sentido, a necessidade de um


Contrato que determinasse um poder comum para
regular a vida dos seres humanos em sociedade?
Somente um pacto que administrasse os interesses
individuais resultaria numa vida adequada?

A organização da sociedade se constituía, em Hobbes, em função


da necessidade, como é o caso do medo da morte violenta. Daí a
constituição do Poder Soberano, o Estado, o qual impusesse respeito
pela força legitimada que administrasse as paixões humanas. Segundo
Renato Janine Ribeiro (RIBEIRO, 1989, p. 62), Hobbes desenvolve
a ideia de que, no Estado, deve haver um poder soberano capaz de
resolver todos os conflitos. A sociedade nasce, assim, com o Estado.

O esquema seguinte contempla algumas peculiaridades da


concepção de estado de natureza e de estado civil, segundo
Hobbes:

ESTADO DE SOCIEDADE
NATUREZA CIVIL/ESTADO
Hobbes
Os homens eo
são iguais na
esperança Leviatã Os homens são
iguais na
de alcançar esperança de
alcançar seus
seus desejos desejos

Vida
Compeção, Pazee
sórdida, Paz
embrutecida
segurança e Leis segurança
glória segurança
e solitária

Estado
Não há Lei, Guerra de absoluto Contrato
Jusça e todos contra (Leviatã) Social
Propriedade todos

Figura 2.5 – Esquema ilustrativo da passagem do estado de natureza para a Sociedade Civil
Fonte: Dimas (2010).

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Filosofia do Direito

Ainda, você já pensou no que legitimaria um poder comum?

Falar num poder comum centralizado no poder absoluto do Estado


parece, em princípio, ser paradoxal, pois excluiria a liberdade e a
igualdade. Para Renato Janine Ribeiro (RIBEIRO, 1989), Hobbes
desmontará o valor retórico desses termos, tão caros ao Direito.

Como você viu anteriormente, igualdade entre os seres humanos


é geradora de conflitos constantes; a liberdade, define Hobbes
(HOBBES, 1988, p.113, capítulo XIV), é a “ausência de
impedimentos externos; impedimentos estes que, com freqüência,
tiram parte do poder do homem de fazer o que faria; mas que
não podem impedi-lo de usar o poder que lhe restou, de acordo
com o que seu julgamento e razão lhe ditarem.”

Algumas teses acerca da Filosofia do Direito de Kant

O Direito é o conjunto de condições sob as quais o


arbítrio de um pode ser conciliado com o do outro
segundo uma lei universal de liberdade. (KANT, 1785
apud LOPARIC, 2003, p. 5).

A concepção kantiana de Direito encontra-se formulada nas


obras Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Crítica
da Razão Prática (1788), Sobre a Paz Perpétua (1795), Princípios
metafísicos da Doutrina do Direito (1797) e Metafísica dos Costumes
(1797). No entanto a obra filosófica de Kant é muito mais
abrangente, incluindo uma reflexão profunda sobre os limites do
conhecimento (tema da obra Crítica da Razão Pura, de 1781) e
uma análise dos nossos juízos de valor (tema da obra Crítica do
Juízo, de 1790).

A proposta fundamental de Kant é a de fazer uma avaliação dos


limites e possibilidades do uso da razão. Em particular, Kant
propõe uma averiguação da possibilidade de se usar a razão como
fundamento do Direito. A partir dessa análise, Kant formulou
Figura 2.6 - Kant.
uma das mais influentes concepções teóricas do Direito. Fonte: Schriftman (2008).

Unidade 2 71

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Ainda que de forma breve e resumida, vamos a seguir discutir


as principais teses da Filosofia do Direito de Kant, tomando
como referência a obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes.
Acompanhe.

A razão nos possibilita conhecer aos princípios universais. A razão


é a capacidade humana de conhecer as leis universais que regem os
fenômenos. Neste sentido, ela é diferente da experiência. Enquanto a
experiência nos permite conhecer casos particulares e determinações
arbitrárias, a razão nos permite encontrar os princípios invariáveis os
quais nos ensejam conhecer a realidade e dar sentido a ela.

Perceber que uma pedra, ao cair, se desloca de forma


diferente de uma pena caindo é algo que fazemos
usando a experiência. Identificar que são exatamente
os mesmos fatores que determinam a ocorrência
desses dois fenômenos (força gravitacional, resistência
do ar, atrito, densidade, etc.) é um trabalho da razão.

Portanto:

„„ a experiência nos permite perceber tudo aquilo que


pode variar, que é relativo, que depende do contexto,
que envolve a subjetividade ou que depende de fatores
pessoais, históricos ou culturais;

„„ a razão, ao contrário, nos permite transcender as


variáveis e formular aquilo que é objetivo e necessário em
cada situação.

Distinção entre razão pura, razão teorética e razão prática. A


razão, enquanto faculdade humana, é uma só. No entanto, ela
pode ser aplicada a situações diferentes. Quando nos referimos
à razão independente de qualquer aplicação, podemos chamá-la
de razão pura. Mas há, basicamente, duas aplicações gerais para
a razão: o conhecimento do mundo físico através da ciência (que
Kant chama de uso teorético da razão) e o conhecimento daquilo
que envolve a liberdade humana (uso prático da razão). O uso
prático da razão se realiza na descoberta dos fatores universais
que interferem nas escolhas humanas, tanto por motivos e
condicionamentos internos (subjetivos) quanto por motivos e
condicionamentos externos (em sua relação com outras pessoas).

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Filosofia do Direito

A razão prática lida com valores. Sendo a razão a capacidade


humana de determinar aquilo que é universal, compete à razão
prática identificar o que há de universal nas ações humanas
livres. A liberdade manifesta-se através das escolhas, as quais
são realizadas a partir de critérios e valores – ou seja, a partir
daquilo que, por algum motivo e num determinado contexto,
consideramos ser a melhor opção.

Haveria, no entanto, algo que pudesse ser considerado


incondicionalmente bom?

A “boa vontade” é o princípio fundamental da razão prática.


Quando consideramos aquilo que nos dá prazer, ou que, de
alguma forma, nos satisfaz, percebemos que não é possível chegar
a nenhum consenso. A experiência parece nos mostrar que tudo
aquilo que numa determinada situação representaria um bem,
num outro contexto poderia ser indesejável ou mesmo danoso.
Assim, tem-se a impressão de que todos os bens são relativos. No
entanto Kant identifica na própria vontade do sujeito um valor
capaz de superar esse relativismo: a boa vontade.

A boa vontade é a vontade de fazer a melhor escolha,


é a vontade de agir da melhor forma possível, é a
vontade de fazer o que é certo. Segundo Kant, essa
vontade de agir corretamente é a única coisa que pode
ser considerada incondicionalmente boa. Diz ele na
Fundamentação da Metafísica dos Costumes: “Neste
Mundo, e até mesmo fora dele, nada é possível pensar
que possa ser considerado bom sem limitação a não ser
uma só coisa: uma boa vontade.” (KANT, 1988, p. 21).

A razão prática lida com imperativos. Toda ação livre requer


motivos para se concretizar. Os motivos da ação costumam ser
ou a busca de um prazer ou a tentativa de evitar uma situação
desagradável. No entanto, por decorrerem da experiência, tais
motivos não caracterizam uma escolha racional. A racionalidade
só é alcançada quando o indivíduo percebe a ocorrência de certas
regularidades na forma de agir que é capaz seja de propiciar o
prazer buscado seja de evitar o mal do qual se quer fugir. A partir
do momento em que percebemos que “toda vez que alguém faz

Unidade 2 73

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Universidade do Sul de Santa Catarina

‘x’, consegue ‘y’”, é possível formular uma regra do tipo: “se eu


quero ‘x’, então devo fazer ‘y’”. Esse tipo de proposição usando o
verbo “dever” recebe o nome técnico de ‘imperativo’.

Os imperativos não são, propriamente falando, leis


universais – mas funcionam como se fossem. E é
exatamente essa possibilidade de tratar os imperativos
como se fossem leis universais que assegura o uso
prático da razão.

No nosso dia a dia, a maior parte dos imperativos tem a forma


de um condicional – ou seja, estes sempre partem de um “se”:
“se quero isso, então devo fazer aquilo”. Os imperativos que
começam com “se” são denominados imperativos hipotéticos.
No entanto a razão é capaz também de formular imperativos
incondicionados, os quais se tornam obrigatórios a todo ser
movido pela boa vontade: trata-se dos imperativos categóricos.

Haveria algum imperativo que pudesse ser considerado


incondicionado?

O “imperativo categórico” é o principal resultado da aplicação


da boa vontade. Um imperativo só poderia ser considerado
incondicionado se ele pudesse ter uma validade universal, ou seja,
se pudesse ser válido em toda e qualquer situação. Segundo Kant,
esse requisito pode ser alcançado quando formulamos o seguinte
imperativo: devo agir de tal modo que minha ação possa ser
reconhecida como modelo de correção para toda e qualquer
pessoa movida pela boa vontade.

O imperativo categórico é único. No entanto ele pode


ser formulado de diversas formas, sem alterar o seu
conteúdo.

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Filosofia do Direito

Veja como Kant o formula em diferentes formas na


Fundamentação da Metafísica dos Costumes (KANT, 1988, p.59):

„„ “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao


mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.”

„„ “Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar,


pela tua vontade, em lei universal da natureza.”

As formulações do imperativo categórico partem sempre da


boa vontade e a ela retornam. Ou seja, o imperativo categórico
é fruto da aplicação da boa vontade e propõe, justamente, que a
boa vontade seja o critério de avaliação de todos os nossos atos
livres. Sendo assim, ele pode ser entendido como uma proposta
de universalização da boa vontade. Com o imperativo categórico,
a razão prática, até então meramente formal, passa a ter um
conteúdo.

O imperativo categórico nos permite agir com autonomia.


Algumas das nossas ações não são totalmente livres. Ainda que
sejamos dotados de liberdade, em muitas situações agimos por
obediência a uma determinação alheia. Quando obedecemos a
uma ordem, ou quando fazemos alguma coisa para agradar a
outras pessoas, ou mesmo quando adequamos a nossa vontade
a determinações culturais, estamos de alguma forma sendo
influenciados por uma vontade alheia. A isso, Kant dá o nome
de heteronomia. E, mesmo quando agimos sem uma influência
externa, muitas vezes guiamos as nossas escolhas por elementos
subjetivos que fogem à nossa deliberação. É o que ocorre quando
agimos sob a influência das paixões (amor ou ódio, por exemplo)
ou das necessidades fisiológicas (fome, sono, etc.). Também O conceito de autonomia
nesses casos a nossa ação envolve a heteronomia. remonta a Sócrates e
Platão, que já a definem
como a ação guiada pela
razão, em oposição à ação
A plena liberdade, realização máxima do ser humano, motivada por desejos,
só é alcançada quando agimos com autonomia. A apetites ou sentimentos.
autonomia é a ausência de qualquer determinação
alheia à vontade. É o exercício da escolha puramente
racional.

Unidade 2 75

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Universidade do Sul de Santa Catarina

O conceito de autonomia da vontade permite estabelecer uma


correspondência plena entre liberdade e lei moral. A ideia de
autonomia é princípio fundamental da moralidade. Associada
à noção de imperativo categórico, a ideia de autonomia permite
formular a noção de vontade legisladora universal, que, por sua vez,
pode servir de critério para todos os juízos a respeito da ação correta.

Você já pensou na concepção de Direito em Kant?

A razão prática é a base do direito. Como você viu


anteriormente, a razão prática, ou seja, o uso prático da
razão, envolve tanto o indivíduo em relação aos seus motivos
e condicionamentos internos (subjetivos) quanto os motivos e
condicionamentos externos (em sua relação com outras pessoas).
O uso prático da razão se manifesta na busca dos fatores
universais (subjetivos e intersubjetivos) que interferem nas
escolhas humanas. Tomando o indivíduo isoladamente, a razão
prática possibilita a identificação da boa vontade, fundamento da
ética, e a formulação do imperativo categórico como expressão
máxima da autonomia.

No que diz respeito ao direito propriamente, pode-se


afirmar que este surge quando saímos do plano
individual e levamos em consideração a existência
dos outros seres humanos, igualmente racionais e
autônomos. No entanto essa consideração do “outro”
não provoca nenhuma ruptura no tratamento dado
à identificação do certo e do errado. Ao contrário, o
direito nada mais é do que a ampliação dos princípios
da ética.

Confira a seguir uma breve explanação da concepção kantiana de


Direito, feita por Almeida (2006):

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Filosofia do Direito

A concepção de Direito de Kant


Na concepção de Kant, o Direito baseia-se em dois princípios
[...]: o princípio de avaliação (principium diiudicationis) e o princípio
de execução (principium executionis) das ações conformes ao
direito (recht). O primeiro está formulado da seguinte maneira:
“Toda ação é direita (ou conforme ao direito, recht) se ela, ou a
liberdade do arbítrio segundo a sua máxima, pode coexistir com
a liberdade de todos segundo uma lei universal.”
Kant dá a esse princípio o nome de “princípio universal do Direito”,
presumivelmente porque: 1) estipula um critério para a aplicação
do predicado “direito”, servindo assim de fundamento para
todos os juízos particulares com que avaliamos a conformidade
de nossas ações ao Direito; e também porque: 2) é um princípio
fundamental tanto para o Direito privado quanto para o Direito
público, que são as duas partes em que se divide o Direito.
O segundo princípio, Kant enuncia-o da seguinte maneira: “Age
externamente de tal maneira que o uso livre do teu arbítrio possa
coexistir com a liberdade de todos segundo uma lei universal”.
Kant denomina-o “lei universal do Direito”, certamente porque,
na sua terminologia, as leis (práticas) são proposições que
apresentam uma ação como objetivamente necessária para
todo agente dotado de razão. Além disso, visto que essa ação
é subjetivamente contingente para agentes imperfeitamente
racionais, que nem sempre fazem o que a razão lhes apresenta
como objetivamente necessário, Kant formula essa “lei universal
do Direito” como um imperativo, que é a forma pela qual as leis
práticas se apresentam a um arbítrio imperfeitamente racional.
Fonte: Almeida (2006, p. 210-211).

Vê-se, dessa forma, que o Direito se aplica às ações de cada


indivíduo, na medida em que elas interferem nas ações de outros
indivíduos. Mas é preciso deixar claro aqui que se trata ainda
de uma concepção formal de direito: tal como está formulado, o
direito considera unicamente a forma da relação entre indivíduos
racionais e autônomos e a sua compatibilidade com leis
universais. Estamos ainda no nível do Direito racional.

Unidade 2 77

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Universidade do Sul de Santa Catarina

E sobre o Direito Positivo? O que você sabe a respeito?

A existência do Estado civil é uma necessidade da razão


prática. A única forma de associação humana compatível com
a ideia formal de direito apresentada por Kant é a reunião de
indivíduos submetidos às mesmas leis jurídicas a partir de um
consenso geral. Dessa forma, a Filosofia do Direito de Kant
desemboca numa perspectiva política contratualista. O que dá
legitimidade ao Estado civil é o contrato social. Nesse sentido, a
Lembre-se do que finalidade do Estado e da legislação positiva é a tutela do direito
você estudou sobre (em sua concepção formal) e terá cumprido a sua função quando
o contrato social assegurar a todos o exercício da autonomia.
anteriormente, nesta
mesma seção.
As leis positivas devem ser obedecidas, na medida em que
são decorrentes do contrato social. No entanto essa obrigação
de obediência à lei civil é limitada pela ética. Para que se
garanta a autonomia, é preciso assumir que as leis positivas são
subordinadas aos princípios formais do direito.

A formação de um Estado único é uma meta a ser perseguida.


Segundo Kant, a plena realização do direito, em seu sentido
formal, exige a superação dos limites políticos. A construção de
um Estado único é uma vocação da humanidade, uma meta a
ser buscada. Nesse sentido, as relações internacionais também
A teoria kantiana devem ser regidas pela boa vontade e pelos mesmos princípios do
sobre as relações direito formal.
internacionais é
tratada por Kant, Na medida em que o Estado não é uma propriedade, não pode
fundamentalmente, na
obra A Paz Perpétua.
ser adquirido, vendido, permutado e nem mesmo herdado. E,
mais que isso, não é legítima qualquer intromissão violenta nas
questões internas de outro Estado. E, mesmo no caso de disputas
e conflitos entre Estados, a boa vontade e a ação conforme o
dever não podem ser desconsideradas. Assim, até mesmo na
guerra devem ser respeitados certos limites, tais como a não
violação dos direitos humanos e o respeito aos tratados (como por
exemplo, às tréguas mutuamente acertadas).

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Filosofia do Direito

Herdeiro da tradição moderna (que inclui as


contribuições dos contratualistas e, em especial, de
Rousseau), Kant realizou uma renovação na Filosofia
do Direito que influenciou profundamente as
discussões posteriores. Com Kant, a luta pelos direitos
humanos e pelos ideais republicanos, o combate ao
absolutismo e a defesa do Estado de direito ganham
uma fundamentação mais rigorosa. Com ele, a Escola
do Direito Natural alcança a maturidade e se torna
Escola do Direito Racional.

Portanto a Filosofia do Direito de Kant não parte nem de uma


ideia abstrata de justiça nem do Direito enquanto fato concreto.
O ponto de partida de Kant é a crítica da razão e a análise da
própria noção de direito. Neste sentido, a Filosofia de Direito de
Kant pode ser classificada como crítica.

Algumas teses acerca da Filosofia do Direito de Rawls

A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal


como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma
teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve
ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma
forma, as leis e as instituições, não obstante o serem
eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou
abolidas se forem injustas. (RAWLS, 1993, p. 27).
Figura 2.7 - John Rawls
Fonte: Negron (2009).
Embora ainda não possa ser considerado um clássico, John
Rawls é uma das principais referências da Filosofia do Direito John Rawls (EUA, 1921
contemporânea, e sua obra é fruto de uma análise madura e - 2002) foi professor na
profunda dos ideais e das realizações políticas do século XX. Universidade de Harvard
e escreveu, entre outras
Ao longo de sua formação intelectual, nas décadas de 40, 50 e
obras, Uma Teoria da
60, Rawls acompanhou os debates acerca de qual seria o modelo Justiça (A Theory of Justice,
econômico mais justo (o socialismo, o liberalismo econômico 1971), Liberalismo Político
americano, o wellfare-state britânico, etc.); acompanhou as (Political Liberalism, 1993)
discussões sobre os limites e possibilidades da democracia, bem e O Direito dos Povos (The
Law of Peoples, 1999).
como as críticas aos modelos políticos totalitários, e aprofundou
seus estudos sobre os fundamentos teóricos da política e do direito.

Unidade 2 79

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A importância da sua obra decorre da sua habilidade em formular,


de forma equilibrada e bem fundamentada, uma proposta capaz de
conciliar a tradição iluminista da modernidade europeia e os ideais
democrático-republicanos dos americanos com os clamores por
justiça social que eclodiram ao longo do século XX.

As ideias fundamentais da concepção de justiça de Rawls


encontram-se formuladas na obra Uma Teoria da Justiça (1971).
É fundamentalmente essa obra que servirá de base para a breve
análise que faremos a seguir das principais teses desse autor,
relativas à Filosofia do Direito. Acompanhe.

Três pressupostos fundamentais. A teoria da justiça rawlsiana


parte de três pressupostos fundamentais:

a) escassez moderada dos recursos, que faz com que ocorra


um conflito permanente entre indivíduos. Essa escassez
decorre de uma limitação dos recursos naturais associada
ao desejo ilimitado de posse pelos indivíduos. Uma
teoria da justiça não teria sentido em uma situação de
abundância plena nem em uma situação de escassez
absoluta;

b) reconhecimento do fato do pluralismo, ou seja, a


aceitação de que existe um desacordo irredutível a
respeito da ideia de bem e uma decorrente variedade nos
projetos racionais de vida;

c) racionalidade e razoabilidade de todos os indivíduos. Uma


teoria da justiça só se torna aplicável quando os indivíduos
estão predispostos a cooperar e a fazer concessões
negociadas. Nesse sentido, é necessária a racionalidade
(enquanto capacidade de formular projetos de vida que
levem em consideração adequação de meios a fins) e a
razoabilidade (capacidade de perceber que os meus fins
não são os únicos nem podem ser impostos aos demais).

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Filosofia do Direito

É possível conciliar liberdade e igualdade. A proposta de


Rawls para conciliar a justiça social com os princípios da tradição
política ocidental é a concepção de justiça como equidade. Nessa
proposta, a justiça social decorre de uma conjugação entre dois
valores fundamentais: a liberdade e a igualdade. Apesar da
inegável importância de tais valores para a cultura ocidental, a
maioria das ideologias modernas trataram-nos como se fossem
inconciliáveis na prática, sempre fazendo opção por um em
detrimento do outro.

Igual acesso aos bens primários sociais. Rawls considera a


sociedade como um “esquema de colaboração” mútua entre os
indivíduos. Essa colaboração só é possível a partir de bens sociais
primários, a partir dos quais é possível produzir ou alcançar
novos bens sociais. Segundo Rawls, os bens primários são aquelas
coisas que se supõe todo homem racional desejar, independente
de qualquer outra coisa que ele possa desejar de modo particular.
“Os bens primários [...] são direitos, liberdades e oportunidades,
assim como renda e riqueza”(RAWLS, 1997, p. 98).

O objeto da teoria da justiça é a Estrutura Básica da Sociedade.


Embora o objetivo da teoria da justiça seja a realização de
uma distribuição equitativa dos bens sociais primários, o foco
da análise teórica deve ser direcionado à estrutura básica da
sociedade, ou seja, às instituições que, em última análise,
determinam direitos e deveres e repartem os bens e obrigações
entre todos os cidadãos. Entre essas instituições fundamentais,
Rawls enumera a constituição política, os principais acordos
econômicos e sociais.

Por exemplo, nas sociedades ocidentais, a proteção


legal da liberdade de pensamento e de consciência,
os mercados competitivos, a propriedade particular
no âmbito dos meios de produção e a família
monogâmica.

Unidade 2 81

filosofia_do_direito.indb 81 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Quando as desigualdades sociais atingem a estrutura básica


da sociedade, os seus efeitos são profundos e influenciam os
projetos de vida dos indivíduos. Por isso, uma sociedade justa e
bem ordenada é aquela em que a estrutura básica da sociedade
promove o acesso equitativo aos bens sociais primários.

A justiça como equidade. A proposta de Rawls, com a sua


teoria da justiça, é determinar como os benefícios e encargos da
sociedade podem (e devem) ser distribuídos entre os indivíduos
de uma maneira razoável ou equitativa.
Rawls utiliza os termos
fair e fairness, que são A equidade é alcançada quando se consegue achar um ponto
de difícil tradução para o de equilíbrio razoável entre a igualdade e as diferenças.
Português. Assim, de maneira geral, a teoria de Rawls pode ser resumida
da seguinte forma:

Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade,


renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima –
devem ser distribuídos igualmente a não ser que uma
distribuição desigual de um ou de todos esses valores
traga vantagens para todos. A injustiça, portanto,
se constitui simplesmente de desigualdades que não
beneficiam a todos. (RAWLS, 1997, p. 66).

A partir da concepção de justiça como equidade ( justice as fairness),


Rawls formula dois princípios fundamentais de justiça (RAWLS,
1997, p. 64):

1. cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente


sistema de liberdades básicas iguais, que seja compatível
com um sistema semelhante de liberdades para as outras;

2. as desigualdades sociais e econômicas devem ser


ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: (a)
consideradas como vantajosas para todos dentro dos
limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos
acessíveis a todos.

Veja no texto a seguir a origem dessas duas concepções de Rawls:

82

filosofia_do_direito.indb 82 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

A posição original e o véu da ignorância: situação hipotética e


princípio metodológico
Rawls reivindica para os seus dois princípios de justiça um caráter
de universalidade e generalidade. Segundo ele, tais princípios
seriam aqueles que qualquer indivíduo racional escolheria, se
pudesse fazer uma opção puramente racional.
Se fizéssemos uma avaliação isenta, veríamos que os princípios
de justiça ideais para alcançar a equidade seriam aqueles que
pudessem ser acordados entre indivíduos concebidos como
agentes morais desinteressados e sem conhecimento de suas
respectivas situações reais de vida (incluindo raça, sexo ou
condição econômica).

Sendo assim, note que Rawls propõe uma situação


hipotética, denominada “posição original”, na qual cada
indivíduo desconhecesse totalmente a sua situação
social (véu da ignorância). É essa situação hipotética
– irrealizável, porém imaginável – que possibilita
compreender a racionalidade e a universalidade dos
princípios de justiça.

Rawls procura formular uma teoria política da justiça que seja


aplicável nos dias atuais. Tal como Kant, Rawls parte de um
exame reflexivo e racional da justiça. Neste sentido, a Filosofia
de Direito de Rawls pode ser classificada como crítica.

Síntese
Nesta unidade, você estudou algumas teses acerca da Filosofia
do Direito de Platão. Entre elas, que a justiça identifica-se com
a perfeição dos homens, que a justiça e a injustiça opõem-se,
que os bons governantes visam cuidar dos governados e que o
filósofo deve governar a cidade na qualidade de magistrado.
Para tanto, os filósofos, governantes, magistrados formulam leis,
considerando a ideia de bem como paradigma, como princípio

Unidade 2 83

filosofia_do_direito.indb 83 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

fundamental. O filósofo, enquanto juiz, não pode ser novo, mas


mais idoso e testado aos limites e, ao julgar, precisa evitar que
bens alheios sejam detidos ou que bens próprios sejam privados.

Você também identificou algumas teses acerca da Filosofia


de Direito de Aristóteles. Conheceu, nesta perspectiva, que o
homem se torna (in)justo por meio da prática de atos (in)justos,
e que a lei, sobre todos os assuntos, visa à vantagem comum,
o bem comum. Identificou que o propósito do legislador é,
por meio da lei, incutir hábitos pertinentes ao bom cidadão.
A justiça, por sua vez, algo essencialmente humano, pode ser
compreendida como meio-termo, e a injustiça é um extremo, um
vício, a ser evitado. A justiça pode ser distinta como distributiva
e corretiva, e a equidade procura invocar a justiça para atender as
particularidades não contempladas na generalidade da lei.

Você estudou também que Hobbes contribui para pensar o


Direito, na medida em que aborda a origem do Estado e/ou da
Sociedade Civil a partir de uma concepção contratualista.

Aprendeu que o Direito para Kant pode ser entendido tanto em


seu aspecto puramente formal quanto em sua realização positiva.
O direito formal é uma decorrência do uso da razão prática e
surge como uma extensão da boa vontade e do raciocínio que
levou à formulação do imperativo categórico. Já o Direito positivo
surge a partir da necessidade racional da constituição do Estado
civil e torna-se legítimo, na medida em que possibilita o exercício
da autonomia.

Finalizando esta unidade, você estudou que a teoria da justiça de


Rawls surge de uma tentativa de conciliar igualdade e liberdade
e de construir uma teoria que, mesmo sendo formal e universal,
possa ser aplicada no mundo contemporâneo – marcado pela
diversidade cultural e pelo pluralismo das concepções de bem.
Rawls estabelece em sua teoria aqueles elementos indispensáveis
a uma concepção política de justiça, aplicável a uma sociedade
bem ordenada: dois princípios de justiça (o da igualdade e
o da diferença) que têm por objetivo garantir a equidade na
distribuição dos bem sociais primários.

84

filosofia_do_direito.indb 84 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro-didático. Mas se esforce para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.
1) Leia atentamente o texto a seguir.

Demos ao homem de bem e ao mau o poder de


fazerem o que quiserem. Sigamo-los e vejamos aonde
a paixão os vai conduzir. Vamos surpreender o homem
de bem avançando na mesma estrada que o outro,
conduzido pelo desejo de ter cada vez mais, desejo
que qualquer natureza segue como um bem, mas que
a lei constrange pela força ao respeito pela igualdade.
(Platão. A República).

Tendo como referência o texto acima, analise as asserções abaixo.

O homem de bem não faz o mesmo que o mau


porque
a lei constrange pela força o homem de bem a seguir a
igualdade.

Acerca desse enunciado, assinale a opção correta.

a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a


segunda é uma justificativa correta da primeira.

b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a


segunda não é uma justificativa correta da primeira.

c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a


segunda é uma proposição falsa.

d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é


verdadeira.

e) ( ) As duas asserções são proposições falsas.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2005, p. 8).

Unidade 2 85

filosofia_do_direito.indb 85 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

2) Leia atentamente o texto a seguir.

O princípio que de entrada estabelecemos que devia


observar-se em todas as circunstâncias, quando
fundamos a cidade, esse princípio é, segundo me
parece, ou ele ou uma das suas formas, a justiça. Ora
nós estabelecemos, segundo suponho, e repetimo-lo
muitas vezes, se bem te lembras, que cada um deve
ocupar-se de uma função na cidade, aquela para a qual
a sua natureza é mais adequada. (Platão. A República.
Fundação Calouste Gulbenkian).

No trecho apresentado acima, faz-se referência à justiça, na concepção


platônica. Assinale a opção que contém a proposição verdadeira que
sustenta o argumento usado por Platão para definir e justificar tal concepção:

a) ( ) A igualdade natural predispõe o ser humano para a justiça


e para o bem comum.

b) ( ) Compartilhar tarefas e habilidades com nossos


semelhantes é a base natural de uma cidade justa.

c) ( ) A execução da função própria é uma exigência das


convenções políticas como instrumentos jurídicos para a
fundação das cidades.

d) ( ) O ato de cada um fazer o que lhe é mais adequado por


natureza é necessário para a formação de uma cidade
justa.

e) ( ) O interesse pessoal de cada um conduz naturalmente à


implementação da justiça na cidade.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2008, p. 7).

3) Leia atentamente o texto a seguir.

A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no


mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se
relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária,
enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. E
justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem
justo pratica, por escolha própria, o que é justo [...].

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Filosofia do Direito

Este trecho, extraído de uma obra clássica da filosofia ocidental, trata de


uma discussão da justiça considerada como:

a) ( ) simetria, dentro da filosofia estética de Platão.

b) ( ) valor, no tridimensionalismo de Miguel Reale.


c) ( ) medida, dentro da concepção rigorista e positivista de
Hans Kelsen.

d) ( ) virtude, dentro do pensamento ético de Aristóteles.


e) ( ) contradição, na posição dialética entre justo e injusto, no
pensamento de Karl Marx.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006, p. 9).

4) Identifique as passagens seguintes com ‘P’, os trechos que se referem


à Filosofia de Direito de Platão; ou com ‘A’, os trechos que se referem
à Filosofia de Direito de Aristóteles. Esta atividade visa ampliar sua
compreensão acerca de cada uma destas Filosofias do Direito, a partir
do expresso pelos próprios filósofos.

a) ( ) “Ora o maior dos castigos é ser governado por quem é pior


do que nós, se não quisermos governar nós mesmos. É com
receio disso [...] que os bons ocupam as magistraturas, quando
governam; e vão para o poder, não como quem vai tomar
conta de qualquer benefício, nem para com ele gozar, mas
como quem vai para uma necessidade [...] se houvesse um
Estado de homens de bem, a que houvesse competições para
não governar [...] tornar-se-ia então evidente que o verdadeiro
chefe não nasceu para velar pela sua conveniência, mas pela
dos seus subordinados.” (______, 2002, p. 34).

b) ( ) “[...] os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de


hábitos que lhes incutem. Esse é o propósito de todos os
legisladores, e quem não consegue alcançar tal meta, falha
no desempenho de sua missão, e é exatamente neste ponto
que reside a diferença entre a boa e a má constituição.”
(______, 2001, p. 41).

Unidade 2 87

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Universidade do Sul de Santa Catarina

c) ( ) “E acaso se arranjará prova maior do vício e da educação


vergonhosa numa cidade do que serem necessários médicos
e juízes eminentes, não só para as pessoas de pouca monta e
os artífices, mas também para os que dão ares de terem sido
criados em grande estadão? Ou, não julgas uma vergonha
e um grande sinal de falta de educação ser-se forçado a
recorrer a uma justiça importada de outrem, como se eles
fossem amos e juízes, por fala de justiça própria? [...] vergonha
ainda será maior do que esta, se uma pessoa não só passar
a maior parte da vida nos tribunais, como réu ou como
acusador, mas ainda, pela sua grosseria, for levada a gabar-se
precisamente da sua habilidade de cometer injustiças, e
capaz de arquitetar todas as partidas, de se escapar por
todas as saídas e de se dobrar como uma cana para não
apanhar o castigo, e isso por amor de coisas mesquinhas
e insignificantes, ignorando até que ponto é mais belo e
melhor modelar a sua vida [...].” (______, 2002, p. 98).

d) ( ) “É evidente a maneira como devem ser distinguidos os


significados de ‘justo’ e de ‘injusto’ que lhe correspondem,
pois praticamente a maioria dos atos ordenados pela lei é
constituída por aqueles que são prescritos tendo em vista a
virtude considerada como um todo. De fato, a lei nos manda
praticar todas as virtudes e nos proíbe de praticar qualquer
vício, e o que tende a virtude como um todo são aqueles
atos prescritos pela lei visando à educação para o bem
comum.” (______, 2001, p. 107).

e) ( ) “[...] o juiz [...] governa a alma por meio da alma, à qual não
convém desde nova ser criada no convívio com as almas
perversas nem ter percorrido todas as injustiças, cometendo-as
ela mesma, de modo a poder conjecturar com precisão, pelo
seu próprio exemplo, os crimes dos outros, tal como avaliava
das doenças pelo seu corpo. Deve antes ser inexperiente e estar
intacta dos maus costumes na juventude, se quer tornar-se
perfeita, para julgar corretamente o que é justo. Por esse
motivo é que as pessoas de bem, quando jovens, se mostram
simples e fáceis de ludibriar pelos injustos, por não terem
em si modelos com sentimentos iguais aos dos perversos [...]
Por isso [...] o bom juiz não deve ser novo, mas idoso, tendo
aprendido tarde o que é a injustiça, tendo-se apercebido dela
sem a ter alojado na sua própria alma, mas tendo-a observado
como coisa alheia nos outros, durante muito tempo, para
que, servindo-se do saber, e não da experiência própria,
compreenda o mal que ela é.” (______, 2002, p. 103).

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Filosofia do Direito

f) ( ) “O justo é, por conseguinte, uma espécie de termo


proporcional [...] Efetivamente, a proporção é uma igualdade
de razões, e envolve no mínimo quatro termos [...] O justo
envolve também no mínimo quatro termos, e a razão entre
dois desses termos é a mesma que existe entre o outro
par, pois há uma distinção equivalente entre as pessoas
e as coisas. Desse modo, assim como o termo A está para
B, o termo C está para D; ou alternando, assim como A
está para C, B está para D. Por conseguinte, também o
todo mantém a mesma relação para com o todo; essa
combinação é efetuada pela distribuição, e se os termos
forem combinados da maneira que indicamos, terá sido
efetuado justamente. Temos então que a justiça distributiva
é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o
terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo neste sentido
é o meio-termo, e o injusto é o que viola a proporção, pois
o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional.
Os matemáticos chamam esta espécie de proporção de
geométrica, pois [...] o todo está para o todo assim como
cada parte está para a parte correspondente.

A justiça distributiva não é uma proporção contínua, visto


que o segundo e o terceiro termo correspondem a alguém
que recebe parte de algo e à participação na coisa, e não
podemos obter um termo único que represente uma pessoa
e uma coisa.”. (______, 2001, p. 109).

g) ( ) “Enquanto não forem, ou os filósofos reis nas cidades, ou os


que agora se chamam reis e soberanos filósofos genuínos e
capazes, e se dê esta coalescência do poder político com a
filosofia, enquanto as numerosas naturezas que atualmente
seguem um destes caminhos com a exclusão do outro
não forem impedidas forçosamente de o fazer, não haverá
tréguas dos males [...] para as cidades, nem sequer [...] para
o gênero humano.” (______, 2002, p. 170).

Unidade 2 89

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Universidade do Sul de Santa Catarina

h) ( ) “Outra espécie de justiça é a corretiva, que tanto surge


nas transações voluntárias como nas involuntárias [...]
não de acordo com a espécie de proporção que citamos,
e sim de acordo com uma proporção aritmética. Com
efeito, é indiferente que um homem bom tenha lesado
um homem mau, ou o contrário, e nem se é um homem
bom ou mau que comete adultério; a lei considera apenas
o caráter distintivo do delito e trata as partes como iguais,
perguntando apenas se uma comete e a outra sofre a
injustiça, se uma é autora e a outra é vítima do delito.
Sendo, então, esta espécie de injustiça uma desigualdade,
o juiz tenta restabelecer a igualdade, pois também no
caso em que uma pessoa é ferida e a outra infligiu um
ferimento, ou a matou e a outra foi morta, o sofrimento
e a ação foram desigualmente distribuídos, e o juiz tenta
igualar as coisas por meio da pena, subtraindo uma parte
do ganho do ofensor. O temo ‘ganho’ aplica-se geralmente
a tais casos, embora não seja apropriado a alguns deles
(por exemplo, à pessoa que inflige um ferimento), e ‘perda’
se aplica à vítima. De qualquer forma, uma vez estimado o
dano, um é chamado perda e o outro, ganho. Assim, o igual
é intermediário entre o maior e o menor, mas o ganho e a
perda são respectivamente menores e maiores de modos
contrários: maior quantidade de bem e menor quantidade
do mau são ganho, e o contrário é perda; o meio-termo
entre os dois é, como já vimos, o igual, que chamamos
justo; portanto, a justiça corretiva será o meio-termo entre
perda e ganho. Eis por que, quando ocorrem disputas, as
pessoas recorrem ao juiz.
Recorrer ao juiz é recorrer à justiça, pois a natureza do juiz é
ser uma espécie de justiça animada, e as pessoas procuram
o juiz como um intermediário, e em algumas cidades-
Estado os juízes são chamados mediadores, na convicção
de que, se os litigantes conseguirem o meio-termo,
obterão o que é justo. Portanto, justo é um meio-termo já
que o juiz o é. O juiz, então, restabelece a igualdade. Tudo
ocorre como se houvesse uma linha dividida em partes
desiguais e ele subtraísse a diferença que faz com que
o segmento maior exceda a metade para acrescentá-la
ao menor. E quando o todo foi igualmente dividido, os
litigantes dizem que recebem ‘o que lhes pertence’ – isto é,
obtiveram o que é igual.” (______, 2001, p. 110-111).

90

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Filosofia do Direito

i) ( ) “[...] toda lei é universal, mas não é possível fazer uma


afirmação universal que seja correta em relação a
certos casos particulares [...] o erro não está na lei nem
no legislador, e sim na natureza do caso particular,
já que os assuntos práticos são, por natureza, dessa
espécie [...] Desse modo, a natureza do equitativo é uma
correção da lei quando esta é deficiente em razão da sua
universalidade.”. (______, 2001, p. 125).

Saiba mais
Existem várias obras que podem ajudar a ampliar sua compreensão
sobre a Filosofia do Direito de Platão ou a Filosofia do Direito de
Aristóteles. Por meio das seguintes referências, você pode saber
mais sobre pelo menos um destes dois temas:

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin


Claret, 2001.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa:


Edições 70, 1995.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos


costumes. Lisboa: Edições 70, 1988.

MORA, J. F. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins


Fontes: 2001.

MORRIS, Clarence (Org). Os grandes filósofos do direito:


leituras escolhidas em direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Unidade 2 91

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Universidade do Sul de Santa Catarina

OLIVEIRA, Nythamar. Rawls. [Passo-a-passo]. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2003.

PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2002.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial


Presença, 1993.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.

RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In:


Clássicos da Política. v.1. São Paulo: Ática, 1989.

92

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3
UNIDADE 3

Filosofia do Direito e suas relações


com a Dogmática Jurídica e a Teoria
Geral do Direito
Samantha Buglione

Objetivos de aprendizagem
„„ Identificar a relação da Filosofia do Direito com a
Dogmática Jurídica.

„„ Compreender de forma introdutória a Teoria Geral do


Direito e sua relação com a Filosofia.

„„ Entender qual a relação da hermenêutica com a


linguagem, sobretudo jurídica.

Seções de estudo
Seção 1 Entre criar e explicar: as razões para a Filosofia do
Direito e sua relação com a dogmática e Teoria do
Direito

Seção 2 O Direito como essência e o Direito como


convenção: razões para a polissemia do termo
Direito

Seção 3 Introdução à hermenêutica: o poder da


linguagem

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Há uma estória que conta estar certa vez Sócrates na soleira
de sua casa, quando passou correndo um rapaz e, logo após,
alguns “policiais” dizendo “pega ladrão”. Ao ser questionado
se havia visto o ladrão, Sócrates respondeu “o que é o ladrão?”.
Essa pequena paródia sobre o espírito do filósofo nos ajuda a
entender, inicialmente, as várias facetas do Direito. Uma delas
é a mais conhecida e é a que está mais voltada a executar suas
prescrições, ou seja, diante de determinado fato configura-se
uma norma específica (se x deve ser y), ou seja, “se subtraiu coisa
alheia é furto e se furtou o agente é ladrão”. Já outra parte do
Direito preocupa-se em questionar as razões mesmas de serem
aqueles fatos os condenáveis ou por que determinado princípio
é o aceitável. Em outras palavras, há um Direito voltado a uma
técnica, a uma execução e, ao mesmo tempo, há um Direito
questionador de si próprio. Esse Direito questionador, portanto, é
o que tem no Direito-técnica, ou dogmática jurídica, o seu objeto
de análise.

Neste capítulo, você verá a relação entre Filosofia do Direito,


Teoria do Direito e dogmática jurídica. Na verdade, o objetivo
é você entender um pouco essas diferentes facetas e seu
funcionamento. Para isso, enfrentaremos alguns conceitos-
chaves, como o próprio sentido de Direito e do fazer ciência.

Seção 1 - Entre criar e explicar: as razões para a


Filosofia do Direito e sua relação com a dogmática e
Teoria do Direito
Antes de começar a leitura dessa seção, pense na pergunta que se
apresenta a seguir:

Cria-se o mundo ou explica-se o mundo?

94

filosofia_do_direito.indb 94 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

É importante notar que essa é uma pergunta central para


a ciência, a qual, por diversas maneiras, busca entender se o
valor das coisas e/ou o seu sentido está na coisa em si (valor
objetivo), ou em quem a observa (valor subjetivo), ou, ainda, na
relação entre a coisa e o observador (valor relacional). Diferentes
correntes da filosofia e da ciência vão responder a essas questões
através de paradigmas, postulados e princípios diferentes.
Paradigma é um conjunto
de convicções compartilhadas.
Esse conceito está vinculado
A física quântica, por exemplo, já comprovou que, ao ao pensamento de Thomas
se observar um objeto, aquele que observa o altera, Kuhn (1992). Primeiro, Kuhn
ou seja, a relação altera a natureza do que é a coisa chamou de paradigma,
observada, bem como o próprio observador. depois de matriz disciplinar,
o fato de que a realidade
alcançada seria sempre
relativa ao paradigma com
A partir deste ponto de vista, é possível pensar que o sentido o qual o grupo de cientistas
da coisa em si não está nem na coisa, nem no observador, mas trabalha, ou seja, as suas
na relação que se estabelece entre ambos. Para Bertrand Russel convicções compartilhadas. É
(1966), o conhecimento é algo relacional, algo que decorre de possível, nessa linha, entender
paradigma como uma ‘lente’
relações objetivas, e não exclusivamente mentais. Para ele, a
que orienta a observação e
construção do conhecimento pressupõe duas fontes: as conclusões. Um exemplo
de paradigma era a antiga
1. o conhecimento formal, ou seja, conceitos ou tese do geocentrismo, que
preconceitos; foi, posteriormente, refutada
pelo heliocentrismo. Partir do
paradigma do geocentrismo
2. o conhecimento empírico, a relação propriamente dita.
condicionava não apenas as
análises, mas as conclusões,
Alguns autores, como Holmes Rolston III (1999), vão falar em por isso pensar o paradigma
um valor inerente (valor objetivo) às coisas, e não vinculados a um como uma lente.
observador. Outros, como David Hume (2000), vão dizer que o Fonte: KUHN, Thomas. A
valor é subjetivo, ou seja, é a mente humana que o constrói. estrutura das revoluções
científicas. Tradução Beatriz
Vianna Boeira; Nelson Boeira.
Tom Regan (2001), na linha do valor inerente, advoga que a
São Paulo: Perspectiva, 1992.
preservação de cavernas, animais e ecossistemas naturais não
pode ocorrer por razões de um valor instrumental ou subjetivo,
mas porque as coisas em si têm valor. Ou seja, para ele o valor Diz-se valor
é inerente. Regan (2001) utiliza-se de um postulado: o da instrumental, quando
existência de valor inerente. algo tem um valor
relacionado à sua utilidade
para os seres humanos.

Unidade 3 95

filosofia_do_direito.indb 95 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Você conhece o significado de postulado?


Postulado é uma afirmação sobre a qual não conseguimos
desenvolver qualquer prova ou experimento, por exemplo,
o postulado de que a “vida humana é digna”. A afirmação de
dignidade da vida humana é uma afirmação arbitrária da razão
humana. Grande parte da filosofia se estrutura a partir de
postulados. Os postulados podem decorrer de um fundamento
humano, ou seja, um exercício racional, ou um fundamento
extra-humano, uma razão metafísica, divina, por exemplo.
Em democracias constitucionais, os postulados divinos só fazem
sentido dentro do ciclo de crença privada de determinado grupo
social que compartilha desses postulados, como, por exemplo,
um grupo religioso evangélico. Para além desse ciclo, ou seja,
das experiências pessoais e crenças privadas, os postulados
devem ter como fundamento elementos que possam ser
compartilhados por seres singulares e diferentes.
Dos postulados podem ser extraídos princípios e, em algumas
situações, os postulados tornam-se princípios. Por exemplo,
a afirmação “a vida tem valor” é um postulado, e a afirmação
“preservar a vida humana” é um princípio que decorre do
postulado do valor da vida. Estes princípios, que se tornam
orientações de conduta para um tipo de sociedade, são,
igualmente, prescrições sobre o comportamento humano, são um
“dever ser”.

Filosofia do Direito, dogmática jurídica e Teoria do Direito


A partir daqui, já temos alguns elementos básicos para relacionar
três importantes campos do Direito: Filosofia do Direito,
dogmática jurídica e Teoria do Direito.

Preliminarmente, precisamos entender que o Direito é um campo


de prescrições. Ele não está preocupado sobre o que são as coisas
do mundo, em descrevê-las, mas sobre o que fazer.

96

filosofia_do_direito.indb 96 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Se água é H2O ou H2O2, isso é matéria da Química. Ao


Direito compete, diante de fatos e de premissas, definir a
conduta ideal. Um ideal, via de regra, é algo previamente
estabelecido a partir dos postulados eleitos em determinada
sociedade ou mesmo na sociedade global, a exemplo, o discurso
internacional dos direitos humanos ou da preservação ambiental
são discursos que transcendem regionalidades.

A seguir, alguns campos importantes do Direito que lhe


interessam aqui.

Analise.

„„ Se ao Direito cabem as prescrições, haverá um campo


da sua ciência preocupado com isso: com as prescrições
e com o seu funcionamento. A esse campo denomina-se
dogmática.

„„ Já os questionamentos sobre os postulados do Direito e


sobre a natureza das prescrições eleitas cabem à Filosofia
do Direito, é ela que irá fazer as perguntas.

„„ E, quando se tem o Direito como objeto de análise, se


está no campo da Teoria do Direito, é quando se discute
se o Direito é ou não ciência, se é ou não uma teoria da
justiça, se deve ou não aproximar-se da moral ou se deve
ou não aproximar-se da ética.

Teoria do Direito e Filosofia do Direito são disciplinas


muito próximas, porque ambas olham para o Direito
não em uma perspectiva operacional, mas de
questionamento.

A proposta, agora, é caminhar um pouco entre essas três


diferentes perspectivas, de forma a visualizar suas conexões,
diferenças e, com isso, facilitar a compreensão do Direito, da
Filosofia do Direito e da relação com outras disciplinas.

Unidade 3 97

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Da simbologia à ideia fundamental de Direito


Uma ideia fundamental é aquela que funda, que torna algo
possível e faz com que algo passe a existir no mundo das ideias
e dos fatos. O termo ‘Direito’ é polissêmico, diferentemente de
água, que tem um único significado básico: H2O.

A principal discussão em torno do significado de Direito, via de


regra, é sobre a relação entre ‘direito – ética – moral – justiça’. Ou
seja, se é Direito uma técnica para resolver conflitos e manter a
paz social, ou se é um ramo da Ética Prática, ou se á apenas um
procedimento burocrático, ou expressão da Justiça ou alguma
outra coisa ainda não dita.

Para nos situarmos neste campo, vamos começar pelos símbolos,


especificamente alguns arquétipos próprios do Direito. Carl Gustav
Jung (2000) fala que os arquétipos são um substrato psíquico de
natureza suprapessoal, ou seja, não é algo adquirido voluntariamente
pelo sujeito, mas herdado, eis que consiste de formas preexistentes,
que só se tornam conscientes secundariamente.

Os arquétipos servem para organizar ou canalizar o material


psicológico dos sujeitos, e se parecem com leitos de rio,
que determinam as características do próprio rio; são como
imagens – formas – primordiais, capazes de ser encontradas em
diferentes culturas.

Em outras palavras, os arquétipos são elementos


estruturais e formadores do inconsciente, dão origem
tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de
um povo. A história de Édipo é uma boa ilustração de
um Arquétipo.

Por essa razão, a mitologia da Deusa da Justiça nos servirá como


pressuposto de um arquétipo fundador da cultura ocidental, de
antessala deste conteúdo.

98

filosofia_do_direito.indb 98 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

O Direito contemporâneo ocidental, suas matrizes, institutos,


funcionamento e lógica, em outras palavras, sua fundação, tem
como principal referência duas culturas: a romana e a grega, e
ambas tinham sua Deusa da Justiça e seu sistema jurídico. Os
sentidos agregados às deusas estavam diretamente relacionados às
culturas dessas sociedades.

Para os romanos, Justiça era a Deusa Iustitia, tinha os olhos


vendados e segurava uma balança com as duas mãos. Na cultura
romana, os olhos vendados significavam um ‘saber agir’. Os
romanos estavam mais preocupados com a ação, do que com a
discussão sobre o conceito de justiças (BARZOTTO, 1999). A
função da Justiça, para os romanos, era distribuir a equidade,
por isso a imagem da balança, o Direito era proclamado, ou seja,
se realizava, quando o fiel da balança estivesse reto (Rectum,
Derectum) e essa era uma atividade que deveria ser exercida de Figura 3.1 - Deusa Iustitia.
forma precisa e firme. Fonte: Souza (2008)

Já para os gregos a Justiça era Diké, filha de Zeus e Themis


(SCHULER, 2001). Diké tinha os olhos abertos, o que
evidenciava uma concepção mais abstrata, generalizadora e
Sobre essa relação e
questionadora da Justiça. Possuía uma espada na mão direita
para estudar mais o
simbolizando a relação entre a necessidade de conhecer o sentido de Direito com
Direito e a necessidade de se ter força para executá-lo; e tinha, Prudência, sugiro a
também, uma balança na mão esquerda, que destacava, tal qual leitura do artigo Prudência
os romanos, a equidade como uma função da Justiça. A visão, e Jurisprudência, de Luiz
Fernando Barzotto.
para os gregos, significava conhecimento e prudência, o Direito
era a Ciência da Prudência, a Juris Prudentia. Foram os gregos,
principalmente através dos helênicos e da teoria aristotélica, que
desenvolveram uma concepção de Direito (BARZOTTO, 1999).

A vinculação do Direito com a Justiça dava-se por ser o Direito o


justo materializado, o guardião da Justiça.

Figura 3.2 - Deusa Diké.


Fonte: Melo (2010).

Unidade 3 99

filosofia_do_direito.indb 99 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Aos romanos coube algo mais pragmático, como


a criação das instituições jurídicas, já os gregos
desenvolveram as bases teóricas. Usando uma
metáfora para entender a relação entre gregos e
romanos, no que se refere à construção do Direito
moderno, é como se os gregos fossem matemáticos e
os romanos engenheiros.

Podemos concluir, preliminarmente – na linha do conceito de


Direito como “yu”, do sânscrito, que significa vínculo –, um
sentido fundamental e comum para o Direito: um instrumento
para restabelecer os vínculos.

É possível dizer que, quando a sociedade não está em equilíbrio,


quando as ações humanas não são prudentes, os vínculos se
quebram e precisam ser restabelecidos. Ao Direito cabe essa
responsabilidade a partir da equidade.

Ou seja, o fiel do Direito, sua referência, tanto para os gregos


quanto para os romanos, não é o arbítrio ou a força, mas a ideia
de equidade. O Direito é o Justo, e a Justiça é o bom equitativo
no caso concreto: ars boni et aequi.
Ars foi a tradução dos
latinos para téckhne
do grego, e significa
arte, ofício; o sentido O Objeto da Filosofia do Direito
era o de geração,
criação, produção.
Podemos pensar a Filosofia do Direito como um ramo da
Cabia, portanto, ao
jurisconsulto, ser o
Filosofia que se ocupa do Direito. A Filosofia do Direito traz
artífice do bem e do questões pertinentes à Filosofia, como também para o Direito,
justo, era seu o papel de porém investigando o Direito – seus pressupostos, fundamentos,
produzir a equidade nas prescrições – como principal objeto.
situações reais.

A Filosofia do Direito trata da aplicação da visão


filosófica às coisas do Direito e do Estado como
realidades com as quais o ser humano se preocupa e
não pode deixar de se preocupar.

100

filosofia_do_direito.indb 100 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Nesta perspectiva, o Direito não é uma coisa que esteja “ao lado”
de outras, estranha a nós, mas algo que nós, seres humanos,
fazemos e cuja realidade é produto nosso. Assim, podemos dizer
que a Filosofia do Direito trabalha com quatro problemas básicos:

1. o problema do conhecimento jurídico (como conhecemos


e o que é conhecer), questão gnoseológica;

2. o problema do ser e da realidade jurídica: do Direito e do


Estado nas suas estruturas; e quem somos nós no meio
delas. Este é o problema ontológico;

3. o problema dos valores ou fins valiosos da atividade


jurídica e política do ser humano, o que devemos querer
e para quê; que valor têm os fins da nossa ação. É o
problema axiológico;

4. por fim, o problema da suprema unificação de todas essas


coisas num plano metafísico, como visão total e plena da
realidade, ou seja, o sentido ôntico último da vida e da
atividade humana. É o problema metafísico. Marilena Chauí (2000) explica
que a palavra ontologia
Para pensar essas questões, principalmente o problema deriva do particípio presente
do verbo einai (ser), isto é,
gnoseológico, um bom expediente são os diferentes sentidos do de on (ente) e onta (entes),
Direito ao longo da história: dos quais vem o substantivo
to on: o Ser. Segundo ela, o
filósofo alemão Heidegger
„„ o Direito como Prudência,
propõe distinguir as palavras:
ôntico e ontológico. Ôntico
„„ o Direito como Dogma, se refere à estrutura e à
essência própria de um
„„ o Direito como Ordenação Racional e ente, aquilo que ele é em si
mesmo, sua identidade, sua
diferença em face de outros
„„ o Direito Ético de democracias constitucionais. entes, suas relações com
outros entes. Ontológico se
Transcorrer esse caminho é um meio seguro de perceber a relação refere ao estudo filosófico
dos entes, à investigação dos
entre Filosofia, Dogmática e Teoria do Direito. Acompanhe. conceitos que nos permitam
conhecer e determinar
pelo pensamento em que
consistem as modalidades
ônticas, quais os métodos
adequados para o estudo de
cada uma delas.

Unidade 3 101

filosofia_do_direito.indb 101 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Do Direito como Prudência ao Direito como Dogma


O Direito como Prudência tem base na teoria aristotélica de
Justiça (o Justo é o equitativo) e nas instituições romanas. O
O truísmo é um postulado sobre Direito como equidade vincula-se a uma concepção aristotélica
como são as coisas no mundo. de que tanto a Polis quanto o Direito são os meios para
Para os gregos, havia uma ordem
realizar o fim (a finalidade - telos) humano que é a felicidade.
que deveria ser mantida. Agir
contra essa ordem provaria a
De acordo com esta teoria, a felicidade se encontra na Polis.
tragédia, que é o desequilíbrio, Para Aristóteles (1999), o ser humano só poderá ser feliz na
ou seja, a hybris. As tragédias Polis, pois é onde poderá exercer o seu dever. A justiça como
gregas representam isso muito equidade relaciona-se à ideia de distribuição para cada um, do
bem como na peça de Sófocles, que é preciso, para que os deveres sejam cumpridos ou para
quando Creonte mata Antígona.
restabelecer a ordem do cosmos (truísmo).
A equidade pode ser realizada através da igualdade distributiva e
da igualdade sinalagmática.

Observe.
„„ Igualdade distributiva, que se estabelece na relação
entre a Polis e os indivíduos, na qual a Polis dá a cada um
segundo o seu mérito, ou seja, segundo o necessário para
fazer o que deve ser feito: ao escravo é dado o necessário
para ser escravo, ao herói para ser herói, ao sacerdote
O Império Romano, nesse para ser sacerdote: tudo, para que a ordem do cosmos se
período, estava dividido, mantenha em equilíbrio.
como que uma estratégia
burocrática para manter sua „„ Igualdade sinalagmática, que se estabelece entre os
hegemonia. Mesmo com a indivíduos e que deve ser uma relação equilibrada e
queda do Império Romano
uniforme, ou seja, o que se dá deve ser correspondente à
do Ocidente, a parte oriental
do Império, denominada
medida do que se recebe, nem mais, nem menos.
posteriormente como
Império Bizantino, existiu
até 1453, quando ocorreu a
Você sabia?
Queda de Constantinopla.
A Grécia torna-se parte do Império Romano em torno de 150
a.C., portanto, o período de construção e hegemonia do Direito
como Prudência se localiza, na história de antes de Cristo até a
queda do Império Romano do Ocidente, datada em 476 d.C., com
a tomada de Roma pelos hérulos. O Império Romano teve várias
fases, de que não vamos tratar aqui, porque não é nosso objeto
principal, mas cabe observar os fatores de mudança na forma de
ser daquela sociedade, o que alteraria a formar de ‘dever ser’ das
condutas humanas.

102

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Filosofia do Direito

Com o constante declínio do Império Romano, muito por conta


das invasões, colapsos comerciais e ambientais e alto uso de
mão de obra escrava, a população das cidades caiu por todo o
Império. Os trabalhadores desempregados se fixaram no campo
e tentaram produzir eles mesmos os bens necessários para
sua subsistência. Com isso as cidades se enfraquecem dando
espaço para um novo formato de organização social, o Sistema
Feudal, baseado na autossuficiência de pequenos territórios
economicamente independentes, governados por Senhores
Feudais e Nobres (GIBBON, 1989).

Desde que Constantino se converte ao cristianismo e declarou


a liberdade religiosa em 313 d.C, e que Teodósio proclama o
Cristianismo como religio ufficiale (religião ofical), em 380 d.C
(em parte como estratégia para dar coesão ao Império que se
desintegrava), o cristianismo passa a oferecer postulados diversos
dos da cultura até então vigente (dos estoicos e deuses romanos)
como, por exemplo, a ideia de vida eterna (paraíso cristão) e a
igualdade formal (todos são irmãos diante do Deus Cristão)
passam a ser os hegemônicos. Isso contribui, segundo alguns
autores, para a queda do Império Romano e inaugura um novo
formato, no modo de compor as relações sociais e o próprio Direito.

O Direito como prudência, que tinha na ordem do cosmos, na


physis, o seu fundamento, passa a ter um novo postulado: teo
(deus). Justiniano, ao tentar resgatar a força do Império Romano,
organiza o Corpus Iuris Civile. Essa ação explica a grande
influência do Direito Romano na contemporaneidade, porque
permitiu o acesso às práticas e documentos históricos. O Corpus
era “composto” pelas decisões dos Jurisconsultos, chamadas
Digestos. Os jurisconsultos eram os homens prudentes que diziam
o Direito, eleitos e reconhecidos pelo Povo. Neste período o
Jurisconsulto era um agente político da polis, o Direito era Doxa,
ou seja, opinião; mas não em um sentido de “achômetro”, mas de
verdade contingente, de bem e justo, em um caso concreto.

Além das decisões dos Jurisconsultos, o Corpus Iuris Civile tinha


as Novelas, o Codex e as Institutas, que diziam respeito às decisões
do Chefe do Império e da administração de Roma. Com a queda
do Império e início do Feudalismo, o Corpus Iuris Civile passou

Unidade 3 103

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Universidade do Sul de Santa Catarina

a ser guardado e estudado nos mosteiros e universidades. A


parte do Corpus que chamava mais atenção eram as decisões dos
jurisconsultos, ou seja, o Digesto, que dizia respeito às demandas
julgadas pelos Jurisconsultos no que seria hoje um Poder Judiciário.

A proposta, então, era uniformizar decisões


aparentemente diversas. A lógica da prudência era
substituída pela lógica do dogma. A prescrição da
conduta estava previamente estabelecida e os casos
deveriam ter uma mesma decisão.

Assim, surgem os Glosadores na Universidade de Bologna, em


1108, e, como resultado do seu trabalho, a Littera Bononiensis.
A sistematização feita pelos glosadores era a de assegurar um
nexus veritatum, ou seja, além de agregar, de forma ordenada,
o conteúdo do Corpus Iuris Civille, buscava corrigir o que
consideravam contradições, mas que, na verdade, eram decisões
específicas de casos particulares. Essa correção era feita a partir
de uma dedução formal e de análises semânticas e lógicas.

A Littera Bononiensis passa a ser estudada na universidade,


juntamente com as disciplinas de retórica, teologia, filosofia e
semântica. Estudar o Direito era estudar todas essas disciplinas,
além do Iuris Civile (a Littera), que era conhecido como o
Direito Comum, ou Direito Romano, ou seja, a herança do
Império Romano. A interpretação desses textos tinha um caráter
exegético, vale dizer, literal.

A nova configuração social é marcada pelos feudos, nos quais


incidiam tanto a lei do Senhor Feudal quanto a do Rei e, ainda, a
da Igreja. Isso significa que era possível falar, tranquilamente, na
existência de um pluralismo jurídico.

Nas diferentes fases do feudalismo, não existia cidades (polis)


tampouco o Estados nos moldes conhecidos atualmente,
mas foi neste período que as bases para o Estado moderno se
estruturaram.

104

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Filosofia do Direito

Pensadores como Nicolau Maquiavel (1469-1527), Jean


Bodin (1529-1596), Thomas Hobbes (1588-1679), John
Locke (1632-1704), Charles de Montesquieu (1689-1755)
e Jean-Jacques Rousseau (1712-1788) construíram as
bases teóricas do Estado Moderno, com conceitos de
soberania, divisão de poderes, hierarquia, competência,
sociedade civil, desobediência civil, fontes de direito e
lei, só para citar alguns.

O Estado moderno, a partir destes autores, será pensado como


uma ordem político-jurídica (SCHIERA, 2000). Uma forma de
organizar a sociedade que nasce na Europa, a partir do século
XVII. Ou seja, trata-se de um fenômeno histórico e social; de
embates de interesses e com finalidades próprias. Esse modelo, ou
essa pessoa jurídica fictícia ainda não existia no antigo Império
Romano, tampouco no período feudal, mas será a partir desse
processo histórico que irá formar-se.

O Direito como dogma característico do período feudal é


um Direito cuja aplicabilidade pressupõe uma autoridade
(auctoritas) cuja legitimidade é dada por Deus. Diferentemente
dos jurisconsultos, do tempo da Prudência Jurídica, que
eram autoridade porque possuíam um saber reconhecido na
comunidade, no Direito como Dogma a autoridade é hierárquica
e as prescrições sobre certo, bem e justo se confundem nos
pressupostos da moral cristã.

O Direito como ordenação racional: as contribuições do


positivismo jurídico
A partir do século XI, quando a Europa “passa a ser” cristã e a
Igreja começa a ter atributos de Estado enquanto instituição com
poder, é possível observar algumas formações importantes as
quais caracterizam os Estados modernos (STRAYER, 1997):

„„ as unidades políticas duradouras, impessoais e fixas em


determinado espaço geográfico, por exemplo;

„„ o surgimento de um consenso quanto à necessidade de


uma autoridade suprema.

Unidade 3 105

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Outro elemento importante, decorrente da junção


da Igreja e Estado, foi a estabilidade que adveio da
diminuição das migrações e invasões. Essa estabilidade
possibilitou condições para a implantação de padrões
mais sólidos de segurança, ou seja, instituições
judiciais, policiais, financeiras, burocráticas, etc.

Séculos mais tarde, desafiada especialmente pela Revolução


Para citar alguns exemplos,
destaca-se a Littera Francesa e pelo Constitucionalismo liberal, a Igreja Católica
Bononiensis, o Corpus passará o século XIX e boa parte do século XX, formalmente
Iuris CanonociI (1298) e até o Concílio Vaticano II, rearticulando o substrato teológico
os Tribunais Eclesiásticos da libertas ecclesiae. Contudo terá doado ao Estado moderno
(FERRAZ, 2003).
um ‘aparato burocrático’, o qual teve como referência
instituições do Império Romano, que, junto à Igreja, sofreu um
processo de sistematização permitindo não apenas o registro e
impessoalidade, mas sua permanência na História.

O termo Estado, em associação ao poder político, terá um marco


Essa relação, entretanto, tem histórico, quando surge nos termos da Paz da Westfália (1648).
seu nascimento na Idade
Média. Friedrich Meinecke
(1982) associa a noção de
maquiavelismo à de ‘razão Em certa medida, isso faz com que a palavra
de Estado’ por ter sido se torne parte da semântica da Modernidade.
Maquiavel o primeiro autor Estado, em síntese, refere-se a uma ideia de poder
a usar o termo stato como institucionalizado, porque encarna a ordem; é
poder político, no sentido de soberano e tem o monopólio das normas jurídicas.
domínio sobre um território,
de submissão à autoridade.

É possível observar um consenso na doutrina sobre alguns


elementos básicos que caracterizam o Estado. Os principais são:

„„ instituições;

„„ território geograficamente limitado;

„„ povo;

„„ monopólio da criação das regras.

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Filosofia do Direito

Para caracterizar o Estado, Kelsen (1990) destaca o poder;


Giorgio Del Vecchio (1979), o vínculo jurídico; e Alexandre
Groppali (1962), a finalidade. O ponto é que o Direito como
Dogma do Feudalismo, que tinha como fundamento teo, se
converte em um Direito procedimental, cujo fundamento é a
razão humana, ou seja, os acordos humanos.

O Direito e o Estado são declarações, contratos. Dessa


maneira, depois de institucionalizado (o Estado)
nessa “pessoa”, pela Constituição (através de um
contrato), que seria uma espécie de ‘estatuto do
poder’, esse poder passa a ser exercido em nome de
uma entidade abstrata, o próprio Estado, vinculado a
um código de normas, o Direito. Consequentemente,
no Estado, o poder deixou de ser individualizado e
a sua continuidade passou a ser possível, através da
substituição dos governantes (BUGLIONE, 2008).

Analise na sequência a explicação de cada um dos conceitos que


caracterizam o Estado.

„„ O significado de poder, neste âmbito, não é o de uma


imposição que limita a liberdade do sujeito, mas de
monopólio jurídico e de uma capacidade de ‘poder fazer’,
uma capacidade de ação.

„„ Liberdade é aqui entendida e empregada no mesmo


sentido de Kelsen (1990), cuja inspiração kantiana confere
o seguinte entendimento: a ideia de liberdade vinculada
ao dever e ao poder de um sujeito livre é a mesma que a
de subordinação do sujeito jurisdicionado a uma ordem
jurídica por ele mesmo criada (BUGLIONE, 2008).

„„ A capacidade de ação do Estado, cujo sentido é a eficácia


(e não eficiência), está subordinada às regras postas no
processo de constituição do próprio Estado. É aqui
que a finalidade faz sentido. Mesmo que Kelsen (1990)

Unidade 3 107

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Universidade do Sul de Santa Catarina

tenha negado a importância da finalidade como elemento


constituidor do Estado – por compreendê-la como algo
do campo político – ele contribui, a partir da relação entre
Direito e Estado, para que essa finalidade seja visualizada.

O procedimento que estruturará o Estado e o Direito pode ser


compreendido como o positivismo jurídico.

O Positivismo Jurídico é, portanto, uma mudança de


paradigma na qual a legitimidade da autoridade passa
a estar na legalidade, ou seja, no cumprimento de um
procedimento específico.

O positivismo jurídico nasce de uma necessidade de previsibilidade


para as condutas humanas e responsabilidades, ou seja, de segurança
jurídica e “se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de
qualquer modo, absolutamente prevalente do direito, e seu resultado
último é representado pela codificação” (BOBBIO, 1995, p. 77).

A partir de Norberto Bobbio, é possível destacar sete características


fundamentais do Positivismo Jurídico (BOBBIO, 1995):

1. O Positivismo Jurídico é um modo de abordar o


Direito: ou seja, o Direito é um fato histórico, e não
um valor. O Direito é um fenômeno de fatos. O jurista
deve estudar o Direito sem tecer ou formular juízos de
valor. A validade do direito não está no seu valor [justiça
ou bem], mas no cumprimento de critérios previamente
determinados;

2. É uma definição do Direito: o Direito se define em


função do elemento de coação, da teoria da coatividade
do Direito. O Direito é algo que vige em determinada
sociedade, ou seja, as normas que são feitas valer por
meio da força;

3. Estuda e relaciona-se às fontes do Direito: A legislação


é fonte preeminente do Direito. O costume só é
válido se conforme a lei ou se estiver ao lado da lei.

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Filosofia do Direito

[costume como lei da tradição]. O costume é irracional,


heterônomo, a lei positiva é fruto da vontade e da
racionalidade. [teoria do direito].

4. O Positivismo Jurídico é uma Teoria da norma jurídica:


é a teoria imperativa do Direito, ou seja, estudar a norma
é estudar o direito.

5. O Positivismo Jurídico é uma Teoria do ordenamento


jurídico: trata-se da teoria da coerência [contra antinomias
– normas contrárias ou contraditórias] e completude
[exclui lacunas], ou seja, da análise da norma em uma
estrutura ordenada.

6. É, também, um método da ciência: Uma interpretação


[mecanicista], ou seja, prevalece o caráter declaratório
ao criativo e produtivo. O papel do jurista não é se
posicionar sobre os fatos emitindo juízos de valor, mas
dizer qual a prescrição que se aplica ao fato – o “dever
ser”. Então, a função de interpretação da lei é a de
subsunção: se x, então deve ser y [informar].

7. O Positivismo é uma teoria da obediência: a lei é lei,


e Direito é lei. Esse é o caráter tautológico do Direito:
Direito forma Direito através de um procedimento Legal.

Contribuições para o nascimento do Positivismo Jurídico:


Alemanha, Inglaterra e França

Como um processo histórico que teve várias contribuições, Norberto


Bobbio (1995) destaca a participação de três culturas específicas para
a construção dos pressupostos do positivismo jurídico:

„„ França,

„„ Alemanha,

„„ Inglaterra.

Unidade 3 109

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Universidade do Sul de Santa Catarina

A França, que efetivamente codificou suas condutas


sociais, não desenvolveu uma teoria específica
sobre isso. Alemanha e Inglaterra não possuíram
experiências de codificação, contudo construíram as
bases teóricas do Positivismo Jurídico.

Veja a seguir um quadro explicativo sobre as três diferentes


contribuições:

FRANÇA

Fatos sociais

ƒƒ Revolução Francesa
ƒƒ Ideia de um legislador universal
ƒƒ Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)
ƒƒ Declaração Universal dos Direitos da Mulher e do Cidadão, de Olympe de Gouges (1793)
ƒƒ Inversão do poder: do direito natural para o direito positivo – declarações de direito
ƒƒ Despotismo esclarecido
ƒƒ Código Napoleônico (1804): com o Código de Napoleão, as normas jurídicas são
sistematicamente organizadas e expressamente elaboradas. Qual a diferença para a idade
média? Elas passam a fazer parte de uma única instituição, com poder centralizado e
procedimentos definidos. Napoleão altera o ensino do Direito: não haveria mais,
por exemplo, filosofia ou retórica, apenas o estudo do código a partir de uma
interpretação literal (exegética).
ƒƒ Escola Exegese (século XIX) surge na França (na Alemanha é chamada de Escola Pandectista).
Esta escola parte do pressuposto de que a tarefa do jurista é a teorização e sistematização
da experiência jurídica, em termos de unificação construtiva dos juízos normativos e do
esclarecimento dos seus fundamentos, ou seja, a ele cabe aplicar os dispositivos legais. Em
síntese: 1. a validade das prescrições jurídicas está no Código; 2. o legislador é a
autoridade que faz o direito; 3. há uma onipotência do legislador; 4. há, na França,
a alteração do ensino superior por Napoleão – somente o direito positivo passa a ser
ensinado.

Fundamentos teóricos

ƒƒ Racionalismo universalista: 1. o Estado surge de decisões racionais (projeto iluminista): atos


de vontade – procedimento; 2. Otimismo: razão humana levará ao bem, “tempo das luzes”; 3. A
validade das prescrições sociais está no positivismo, no título jurídico.
ƒƒ Augusto Comte (1789-1857) – positivismo filosófico (é distinto do positivismo jurídico – não
confundir): 1. ordem para o progresso; 2. ciência que explica e intervém na realidade (oposto da
ciência negativa); 3. Racionalidade das ciências naturais substitui a religião.

(continua...)

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Filosofia do Direito

ALEMANHA

Fatos sociais

ƒƒ A desagregação territorial (não havia um Estado unificado) dificultou a codificação na


Alemanha. Porém a Alemanha contribui para o ‘positivismo jurídico’ através da ideia
de sistema jurídico.

Fundamentos teóricos

ƒƒ Escola Histórica (XVIII – XIX)


ƒƒ Fundamento das relações sociais não são acordos racionais, mas as paixões, as guerras, o
confronto de interesses (David Hume).
ƒƒ O ser humano é histórico.
ƒƒ O fundamento da história não é a razão, mas a paixão.
ƒƒ Vigora o pessimismo em relação às ações humanas.
ƒƒ Há um elogio ao passado, à tradição. O fato de haver algo novo não significa que seja bom ou
melhor. O progresso nem sempre é bom ou melhor.
ƒƒ A validade decorre do que é formado no curso da história, e não por declarações (ex:
Declaração de Direitos).
ƒƒ Hugo Grotius (1583-1645) e Friedrich Carl von Savigny (1779- 1861): Não é a lei a principal
expressão do direito, mas o espírito do povo, que é uma convicção comum; é isso que dá sentido
ao direito. Por essa razão o Direito não é fruto da razão, mas produto da história; não é resultado
de um cálculo que nasce de um sentido de justo e injusto, mas depende da história das paixões.
ƒƒ Para Grotius, Samuel Pufendorf (1632-1694) e Locke, o direito natural é genuinamente
social. Ao contrário de Hobbes, Spinoza e Rousseau, que compreendem o direito natural como
originariamente associal, ou seja, individualista.
ƒƒ Escola Histórica: Gustav Hugo (1764– 844) estabelece as bases para uma revisão do
racionalismo histórico do jusnaturalismo, desenvolvendo uma nova sistemática da Ciência do
Direito. Propõe uma divisão do conhecimento científico jurídico: a) dogmática jurídica (o que é);
b) história do direito (por que é) e c) filosofia do direito (como é).
ƒƒ Savigny desenvolve a teoria da Jurisprudência dos Conceitos, ou seja, o Direito é um sistema
fechado. Sem lacunas, com hierarquias, estruturado a partir de um sistema lógico-dedutivo.
ƒƒ E a jurisprudência dos Interesses: que é a preocupação com a finalidade da norma – ou seja,
a finalidade. Isso fortalece a ideia do sistema como um método. Surge, a partir daí, o dogma da
subsunção dos fatos à norma e a lógica do procedimento.
ƒƒ Para Savigny a Alemanha não estava madura para as codificações e, para ele, as codificações
já haviam sido realizadas por Justiniano e, depois, na idade média, com a escolástica, ou seja, a
França não havia feito nada de original.

(continua...)

Unidade 3 111

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Universidade do Sul de Santa Catarina

INGLATERRA

Fatos sociais

ƒƒ Representando a transição política de uma Monarquia Absolutista para uma Monarquia


Parlamentar, a Revolução Gloriosa (1685 a 1689) inaugurava a atual política inglesa onde o poder
do rei está submetido ao Parlamento
ƒƒ A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra na segunda metade do século XVIII e encerrou
a transição entre feudalismo e capitalismo, a fase de acumulação primitiva de capitais e de
preponderância do capital mercantil sobre a produção. Completou ainda o movimento da
revolução burguesa iniciada na Inglaterra no século XVII.

Fundamentos teóricos

ƒƒ Cesari Beccaria (1748-1832): com o princípio do “nullum crime nulla pena sine lege” (não há
crime ou pena sem lei) desenvolve as bases do princípio da legalidade.
ƒƒ John Austin (1790-1859): desenvolve a jurisprudência analítica.
ƒƒ Thomas Hobbes: trabalha com a relação entre leis naturais e positivas, para ele as leis naturais
tornar-se-iam obrigatórias para integrar as lacunas do direito positivo. O conceito de norma
fundamental hobbesiano não era uma hipótese normativa, mas uma lei natural (fonte de
validade do direito).
ƒƒ Os utilitaristas eram contrários ao iluminismo pelo fato deste não ser conciliável com o
empirismo. Jeremy Bentham (1748-1832) faz uma crítica ao sistema Inglês, a Common law. Para
ele, a Common Law:
1. cria incerteza, falta segurança jurídica;
2. não é fundada no princípio da utilidade;
3. tem caráter político, ou seja, não é o povo que produz as leis: juízes não são eleitos; e
4. Quem faz o direito é o juiz, e não o povo.

ƒƒ As críticas de Bentham à Common Law tornaram-se importantes, posto que aclararam os


motivos que impeliam o movimento iluminista a polemizar contra o sistema então vigente,
buscando uma codificação condizente com os princípios do racionalismo. A concepção de
Bentham, de cunho universal, sustenta-se na ética objetiva - fundada em um princípio
objetivamente estabelecido e cientificamente verificado, do qual se podem deduzir todas
as regras para o comportamento humano. Para Bentham, a ética objetiva se funda no que é
empiricamente verificável (cada ser humano busca a própria utilidade). Para os iluministas, as
coisas se fundam na “natureza humana” racional.
ƒƒ De John Austin: Jurisprudência analítica. Além de representar o traço de união entre as várias
correntes do positivismo jurídico, especialmente entre o utilitarismo inglês e a Escola Histórica
Alemã de Direito, Austin lançou as bases da Escola Analítica de Jurisprudência, correspondente à
Escola da Exegese na França. Austin divide o direito entre:
1. Direito dos juristas: trata-se do campo que diz a normatividade certa, a qual vai passar
a ter duração e força (para cumprir a normatividade certa). O juiz aplica o direito; e
2. Direito do legislador: que é a competência do Estado, através do legislador, de olhar
e resolver o conflito; por isso, ao legislador cabe criar o direito; e, ao governo, garantir
(executivo).

Quadro 3.1 – Contribuições para a construção dos pressupostos jurídicos


Fonte: Buglione (2010).

112

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Filosofia do Direito

Veja na sequência quais foram os principais teóricos do


Positivismo Jurídico. Analise.

1. As contribuições de Hans Kelsen para o Positivismo


Jurídico

Hans Kelsen (1881-1979), já na contemporaneidade,


critica a teleologia nas ciências e do direito natural e
desenvolve, a partir das bases de Kant, a Teoria Pura
do Direito e a Teoria Geral do Direito e do Estado.
No século XX, a Ciência do Direito constrói-se como
um processo de subsunção (aplicação e encaixe) do fato
à norma: seu funcionamento dava-se a partir de um
método dedutivo. Como o método dedutivo parte da
ideia de conceitos menos amplos para elaborar conceitos
mais amplos, no âmbito jurídico sua aplicabilidade terá
como ponto de partida as normas menos gerais, que
devem encaixar-se em mais gerais.

Um exemplo é o código civil em relação à Constituição


Federal.

O método dedutivo é o oposto do utilizado na Prudência


Jurídica, que era o indutivo, ou seja, era do e no caso concreto que
o Direito se realizava. Kelsen, contudo, busca criar uma teoria
do Direito livre de subjetividades de interesses, bem como livre
da ideia de justo e de bem. A preocupação dele é fazer do Direito
uma ciência e, para isso, o Direito precisava ter um método, um
objeto e um campo próprio.

O objeto do Direito, segundo Kelsen, não era o justo,


isso cabia à Filosofia, tampouco os fatos sociais, isso
cabia à Sociologia. Para o autor, o objeto do Direito era
a norma jurídica.

Unidade 3 113

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Universidade do Sul de Santa Catarina

O problema da Ciência, para Kelsen (1990), era a representação


da validade do ordenamento jurídico, isso porque, se o
fundamento do Direito era o próprio Direito (a norma jurídica),
ele teria um sistema fechado tautológico que se retroalimenta. Por
isso a validade se sustenta, segundo Kelsen, fora do justo, do bem
ou do fato social, mas no pressuposto lógico-fenomenológico da
Norma Fundamental. De acordo com o autor, o Direito constrói
a sua autolimitação e o seu próprio fundamento último.

Sendo assim, no momento em que há um procedimento padrão


há, consequentemente, uma autolimitaçao da força, no sentido
‘do como fazer as normas’. Ao se cumprir o procedimento –
que também é uma norma – o resultado será valido, mas não
porque é bom ou justo, mas porque cumpriu o procedimento. O
fundamento da norma, portanto, não está fora do Direito, mas
dentro dele, no próprio procedimento. Este sistema fechado,
que se autolimita e produz, ele mesmo, normas validas, é a
razão de se dizer que o Direito é tautológico: porque é a norma
que fundamenta a própria norma, é a norma que faz a norma,
é a norma que dá e tira validade da norma. É necessário,
portanto, vislumbrar o Direito como uma técnica dos efeitos,
e não apenas de fatos. Mas, como também há relação com os
fatos e há interpretação sobre o procedimento e sobre as normas
(que são textos e palavras), diz-se que o Direito é, além de um
sistema fechado, igualmente, um sistema aberto. Aberto, porque
é passível de interpretação, mas uma interpretação que não é
arbitrária, devendo, por certo, para ter validade, respeitar as
normas. Por exemplo, o sentido de dignidade humana, igualdade
ou mesmo a pergunta de Sócrates sobre “o que é o ladrão”.

Para Kelsen (1990), o Direito é:

1. Técnica para pacificação social;

2. Técnica para pacificação dos conflitos e,

3. Autolimitação da força.

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Filosofia do Direito

O Direito aplica-se a si mesmo. O Direito transforma a


instabilidade das relações em algo estável, através de
condicionalização: “se x então deve ser y”. Surge, daí, o
início da normatividade jurídica.

O direito canaliza conflitos que têm natureza social em


conflitos jurídicos. E as partes do conflito social vão fazer parte
do procedimento jurídico previamente conhecido e estabelecido.
Essa técnica não tem nada a ver com resolução dos conflitos no
mundo dos fatos.

O Direito produz Direito (tautológico), portanto o que


caracteriza Direito como Direito positivo é o resultado
de uma decisão jurídica, ou seja, uma decisão dentro
de um procedimento.

Para Kelsen, a Sociologia cuida da conduta das pessoas; a


Política, do dever ser (telos); e o Direito, do dever ser normativo.
O certo e errado, assim, cabem à política. Ao Direito cabe
aplicar à lei: “se x então deve ser y”. Entre o ‘ser’ sociológico e o
‘dever ser’ político está o ‘dever ser’ jurídico. O ‘dever ser’ real do
Direito é a norma jurídica.

O Fundamento do Direito, em Kelsen, que é a sua Norma


Fundamental, é o próprio Direito. A Norma Fundamental é um
postulado, uma hipótese individual de que “se deve obedecer” ao
sistema. A validade do sistema se sustenta no pressuposto lógico
da norma fundamental.

Para Kelsen, a vontade é jurídica, e não psicológica ou axiológica.


Logo, é possível permitir aquilo que não é expressamente
proibido. Observe a figura a seguir:

Unidade 3 115

filosofia_do_direito.indb 115 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Estrutura do Sistema Jurídico de Kelsen: hierárquico-estruturalista

* Norma Fundamental

Constituição Federal

*A Constituição Federal fundamenta o


sistema e a Norma Fundamental
fundamenta a Constituição Federal

Figura 3.3 – Sistema jurídico de Kelsen


Fonte: Buglione (2010).

É importante observar que a Constituição Federal


fundamenta o sistema e a Norma Fundamental
fundamenta a Constituição Federal.

Em Kelsen, a norma jurídica é um comando despersonalizado,


ou seja, mesmo que a vontade psicológica termine, a norma
jurídica se mantém valendo. Se um ladrão exerce uma ação e algo
exterior ocorre, a ação termina ali. Mas a ação será uma violação
ao Direito, porque há uma prescrição sobre a conduta ideal,
uma prescrição que é um comando sem destinatário específico;
mas envolve a todos, porque explicita um ´dever ser´ e um ideal
de sociedade. O comando normal faz com que se dependa do
agente do comando. Já o despersonalizado independe da pessoa,
o comando não morre com o desaparecimento do agente. O
fato criminoso segue existindo. Em outras palavras, o objeto são
as normas e as condutas humanas somente à medida que estão
previstas no ordenamento jurídico.

116

filosofia_do_direito.indb 116 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

As normas serão válidas:

1. se criadas segundo norma definida (geral ou individual);

2. se criadas por ato de vontade, e não por operação


intelectual;

3. se não tiverem sido revogadas ou anuladas por norma


hierarquicamente superior e temporalmente posterior.
Há duas exceções para essa hipótese:

a) Golpe de Estado ou Revolução – que é derrubar


norma antiga de forma não prevista na Norma
Fundamental, passando-se a reconhecer nova ordem;

b) Dessuetude – quando uma norma é anulada,


desligada do sistema pelo costume.

Kelsen também cria a Teoria da Recepção, que ocorre na


hipótese de uma nova ordem jurídica, como ocorreu no Brasil
em 1988. Segundo esta teoria, o sistema recepciona normas que
foram feitas a partir de uma outra hierarquia, ou seja, a partir de
outro procedimento. O que dessas normas anteriores é contra a
nova ordem jurídica é tacitamente revogado.

Síntese da Estrutura do Sistema Jurídico de HansKelsen

* (CF. NORMA FUNDAMENTAL)


O RDEM JURÍDICA O RDENAMENTO JURÍDICO N ORMA N ORMA
(ESTADO)
EFICAZ VÁLIDO VÁLIDA EFICAZ

INEFICAZ – por dessuetude:


INVÁLIDA

INVÁLIDA

INEFICAZ EFICAZ
(Direito Marginal)

Figura 3.4 – Síntese do Sistema Jurídico de Hans Kelsen


Fonte: Buglione (2010).

Unidade 3 117

filosofia_do_direito.indb 117 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Observe que inválida é a norma que não tem validade, ou por


não ter uma norma jurídica que a fundamente ou por haver uma
norma jurídica que lhe tirou a validade.

Portanto uma norma pode ser inválida, porque uma norma outra,
posterior a ela, lhe tira a validade. Ela também pode ser inválida,
porque não tem qualquer efeito no mundo concreto, contudo
essa hipótese é uma exceção, não é o caso do furto, por exemplo.
Nesse caso, a norma ainda é valida, apesar de ela poder não ser
eficiente. Isso significa que o que dá validade (ou tira) para a
norma não é sua eficiência, mas outra norma.

Um exemplo de norma que perde a validade pelo


costume é o caso do antigo crime de adultério ou
da hipótese que havia no direito civil de devolver a
mulher, em caso de casamento, na hipótese de que não
fosse virgem.

O Direito Ético de Democracias Constitucionais: normas de


regra e normas de princípio

Com o fim do feudalismo e apogeu da Revolução Francesa, da


Independência Americana e da Revolução Industrial, novos
contornos sociais para a cultura ocidental se estabelecem. As
cidades se reorganizam e o discurso de direito torna-se instrumento
para os embates de classe e raça/etnia. Este contexto permanece até
que a primeira e segunda guerra ocupam o cenário mundial.

Com as guerras mundiais, principalmente com o advento do


nazismo, percebe-se que o positivismo jurídico, como um
simples procedimento, poderia ser instrumento de atrocidades.
A medicina e a técnica como um todo ofereciam igual risco.
A máxima da ciência e da técnica como expressão ‘do bem’ é
colocada em cheque por conta dos episódios da história humana
marcados pelas guerras mundiais.

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Filosofia do Direito

É importante observar que o ser humano, através do


uso da ciência, pode destruir a própria humanidade
e banalizar o mal. Assim, é necessário reaproximar a
ciência de postulados éticos e de justiça, de um telos,
de princípios, de finalidades como a solidariedade,
dignidade humana, não discriminação.

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos


amplia o próprio sentido de humanidade, reeditando princípios
existentes desde o século XVIII, porém, ampliados agora, ao
menos em tese, para um rol maior da população, como, por
exemplo, mulheres, negros, deficientes. A singularidade torna-se
um valor; a tolerância e a alteridade, elementos necessários para
as práticas políticas e para a própria democracia.

O avanço é a existência de um discurso comum,


conhecido e compreensível; o desafio é a sua
efetivação.

Não podemos ignorar que a América do Sul, como um todo,


viveu um vasto período sombrio de ditaduras. A democracia
só se efetiva no Brasil em 1988, com a “Constituição Cidadã”,
quando se inaugura um novo postulado de sociedade. Somente
em 1988 é possível falar em um Direito próximo da ética e da
Justiça no Brasil.

O Direito “ético” só é possível de ser pensado a partir das


Democracias Constitucionais, por conta da existência dos
direitos fundamentais e declarações de direitos. O Direito não se
confundiria com a moral, mas com a ética, e iria além da ética,
pela possibilidade de exigibilidade. Veja no texto a seguir um
pouco mais sobre o conceito de ética.

Unidade 3 119

filosofia_do_direito.indb 119 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

O sentido da ética
A definição de ética e moral sempre surge como uma exigência
para o desenrolar de estudos de natureza semelhante ao da tese
anterior, referente à relação da ética e da moral com o direito.
Mesmo reconhecendo a ambiguidade de sentidos e conceitos
possíveis dessas duas categorias, já que a categoria moral “não
tem sequer uma variedade de usos bem definidos, mas sim um
espectro muito vago de usos que se obscurecem uns aos outros
e são difíceis de distinguir” (HARE, 1981, p. 54), é necessário
adotar um conceito. No sentido proposto por Peter Singer (2002),
a ética estará a responder às questões ‘como devemos viver’. A
diferença que propomos é que esse ‘dever’ surge de diferentes
fontes:

1. da subjetividade, da tradição, da família, que é o que


chamaremos de moral;

2. de valores comuns, que ultrapassem o ‘eu’ e sejam


universalizáveis, como proteger a vida, respeitar a
dignidade e a liberdade;

3. de normas jurídicas.

Apenas para resgatar os sentidos clássicos e facilitar a


explicação sobre a forma como vamos trabalhar essas
categorias neste estudo: moral, do latim, refere-se
à moralis, cuja raiz é o substantivo mos (mores), que
corresponde ao grego ethos.

Desde os clássicos, a palavra moralis, como substantivo ou


adjetivo, passa a ser a tradução usual do grego ethike. Assim,
tanto a ética como a moral, a partir da origem etimológica, não
denotam nenhuma diferença significativa. Ambas designam
fundamentalmente o mesmo objeto, que é o costume socialmente
considerado, ou seja, o hábito do indivíduo de agir segundo
o costume estabelecido e legitimado pela sociedade. Porém a
tendência recente de atribuir matizes diferentes à ética e à moral
para designar o estudo do agir humano social e individual,

120

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Filosofia do Direito

respectivamente, decorre do crescente teor de complexidade


da sociedade moderna. Enquanto Aristóteles discutia a ética
individual e a ética política, a moral passa, na modernidade, a ser
observada como a práxis individual; e a ética, como a práxis social.

A moral, assim, pode ser compreendida como a


tendência de privilegiar a subjetividade do agir,
enquanto a ética aponta, preferentemente, para a
realidade histórica e social dos costumes.
Assim, o termo moral será compreendido, neste
estudo, como o conjunto de valores e regras de
condutas compartilhadas por determinado grupo e
indivíduos; e ética, como a teoria filosófica.

Richard Hare (1981, p. 55) admite que “a palavra [moral]


é ambígua e mesmo vaga, e definir um uso dela é que irá
demarcar aqueles usos de ‘dever’ e ‘ter que’ nos quais estamos
principalmente interessados. Podemos sugerir como primeira
aproximação que um uso de ‘dever’ e ‘ter que’ é um uso moral,
neste sentido, se o julgamento que o contém é: 1) prescritivo; 2)
universalizável; 3) superveniente”.

A diferença que se adota segue as observações de Hare, ou seja, os


deveres morais estão no âmbito do que é particular, da subjetividade,
enquanto que ética é algo de prescrições universais e supervenientes
que estão no âmbito da coletividade, do interesse e do bem público.

Observe na explicação anterior que o Direito não é caracterizado


pela sanção apenas, por que essa é possível de ser observada em
diferentes normas (morais e éticas), mas sim pela possibilidade
de exigir direitos. A novidade, então, talvez esteja não em
reconhecer o Direito ou discurso dos Direitos Humanos como
mínimos éticos, mas pensá-los como um máximo ético.

- Você sabe o que é o máximo ético? Veja a seguir:

Unidade 3 121

filosofia_do_direito.indb 121 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Máximo ético
O direito como máximo ético é tratado, no Brasil, por alguns
juristas como Joaquim Carlos Salgado e Maria Brochado. A ideia
central compartilhada por eles é que o Direito é um máximo
ético por ser “a forma de universalização dos valores éticos.
Com efeito, enquanto tais valores permanecem regionalizados,
isto é, como valores morais de um grupo e não como valores
de toda a sociedade, e como tais reconhecidos, não podem ser
elevados ao status jurídico [...] Numa sociedade pluralista podem
e devem conviver sistemas éticos dos mais diversos com as
respectivas escalas de valores mais ou menos aproximadas, ou
mesmo distanciadas umas das outras. Somente, porém, quando
há valores éticos comuns a todos esses grupos ou sistemas,
portanto quando se alcançam materialmente à categoria
da universalidade, como valores de todos os membros da
sociedade, e como tais reconhecidos, podem esses valores éticos
ingressar na esfera do direito: primeiro, por serem considerados
como universais na consciência jurídica de um povo, a exemplo
dos Direitos Naturais, assim concebidos antes da Revolução
Francesa; depois, formalmente positivados na Declaração de
Direitos, ato de vontade que os normatiza universalmente,
isto é, como de todos os membros da sociedade e por todos
reconhecidos [...]. O Direito é nesse sentido o maximum
ético de uma cultura, tanto no plano da extensão – universal
(reconhecido por todos) – como no plano axiológico – enquanto
valores mais altos ou de cumeada” (SALGADO, 1999, p. 97).
Maria Brochado afirma que “a noção de Direito como máximo
ético foi enriquecida quando posta em diálogo com categorias
universais de pensabilidade do fenômeno jurídico” (BROCHADO,
2006, p. 203). Para a autora, trata-se “de uma tentativa de
resgate da essência do Direito como um projeto em si mesmo
de Justiça, afastando a compreensão mais do que consolidada
de que o Direito nada mais é que mero meio ou caminho formal
de realização de um ideal não jurídico” (BROCHADO, 2006, p.
205). O argumento utilizado neste estudo para pensar o Direito
como máximo ético é o fato de sua capacidade de efetivação e
expressão da razão pública através dos Direitos Fundamentais
e da ação judicial – mecanismo de exigibilidade de direitos.
Discordamos de Salgado e Brochado em relação à afirmação de
ser a “a Declaração de Direitos toda a verdade do processo ético,
é o termo real da totalidade ética” (BROCHADO, 2006, p. 205),
por compreender que Direito e Ética não se preocupam com a
verdade e, mesmo que assim o fosse, a verdade, em sociedades
contemporâneas, sejam elas modernas ou pós-modernas, será
sempre temporal ou parcial.

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Filosofia do Direito

Para além dos deveres prescritos erga omens (contra todos),


fica resguardada, no Direito, a liberdade privada dos juízos
particulares, bem como suas valorações e prescrições
(BUGLIONE, 2007).

Ronald Dworkin (1999), ao trabalhar a ideia de império do


Direito, acaba por, indiretamente, auxiliar o argumento do
Direito como um máximo, no caso de Dworkin, porém não
como um máximo ético, mas uma referência totalizante para as
liberdades e ações humanas. A ideia de Dworkin é que hoje se
vive no Direito e pelo Direito, que “ele faz de nós o que somos:
cidadãos, empregados, médicos, cônjuges e proprietários. É
espada, escudo e ameaça[...]”

O Direito em Democracias Constitucionais se aproximaria da Ética


e, inclusive, seria expressão dela através do espectro da liberdade
e dos meios de garantia. As proibições não seriam limitadores da
liberdade individual, mas referências para o exercício da alteridade e
da própria liberdade (BUGLIONE, 2007).

O aspecto problemático, entretanto, da expressão


‘império do Direito’ ou ‘era dos Direitos’ é o hiato, ou a
separação existente entre seus planos teórico e prático,
ou, em outras palavras, o ‘direito a ter direitos’ e o
‘direito de fato’, a garantia de direitos (BUGLIONE, 2007).

Cabe ressaltar que Bobbio (1992), na introdução ao seu livro


A Era dos Direitos, referindo-se às sociedades democráticas
modernas e pacíficas, afirma que “os Direitos do homem, por
mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias”, e que, “[n]o que se refere ao
significado da palavra ‘Direito’ na expressão ‘Direitos do homem’,
o debate é permanente e confuso” (BOBBIO, 1992, p. 5-7).

Sendo assim, é importante notar que o discurso da norma agrega


os sujeitos tanto pela inclusão e reconhecimento de diferentes
autores quanto pela exclusão e exceção (AGAMBEN, 2004).

Unidade 3 123

filosofia_do_direito.indb 123 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

A questão é que a eficiência do discurso dos direitos, inclusive


os Direitos Fundamentais, não pode constituir critério para sua
validade. Há dois campos aqui bastante distintos:

„„ o dos direitos como referência para as condutas;

„„ o respeito a essas regras.

Nessa linha, a ideia de um máximo ético não faz referência a


uma proporção quantitativa de valores, direitos exigíveis ou
prescrições, mas qualitativa, um maximum; se fosse algo de
natureza numérica, por certo, não seria possível usar a ideia de
máximo (BUGLIONE, 2008).

Um exemplo é a ideia de justo salário. O valor


pecuniário não pode decorrer nem da proporção
trabalhada nem de um valor fixado, mas de “algo que
mantenha a dignidade humana, ainda que à custa de
mera remuneração capital” (FERRAZ, 2003, p. 309). A
ideia, portanto, não é de um máximo como quantidade
de tutelas, “mas como a tutela mais expressiva e
inafastável, que é a viabilizada pela experiência jurídica
em seu sentido mais amplo” (BROCHADO, 2006, p. 204).

Essa lógica resgata a velha concepção greco-romana do Direito


como guardião da Justiça. Em certa medida, o que surge no
Direito é um resgate da prudência romana do justo meio.

Considerando que o justo meio não é um postulado estático, mas


varia de acordo com o caso concreto por ser um saber prático,
a ciência do Direito readquire sua característica de ciência da
prudência. Esse justo meio, por sua vez, somente ocorre com
a ponderação entre os fatos concretos e os princípios a eles
relacionados. Mas, principalmente, devem estar claros na razão
pública de uma Democracia Constitucional.

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Filosofia do Direito

O Direito, portanto, teria normas de regras e normas de


princípio. Resgataria, com a ética, o telos.

Ronald Dworkin (1999) afirma que os princípios


implicam um padrão que deve ser observado porque é
uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra
dimensão de moralidade. A partir daí, o autor faz uma
diferença entre normas de regra e normas de princípio:
as regras respondem a um critério do “tudo-ou-nada”,
e os princípios referem-se a uma “dimensão de peso
ou importância”.

Robert Alexy (1997) complementa a definição de Dworkin e


discorda dela em alguns pontos. De qualquer forma, considera
Alexy que o ponto essencial para diferenciar normas de regras
de normas de princípios está no fato de que estas são normas
que ordenam “que se realize algo em na maior medida possível,
em relação com as possibilidades jurídicas e fáticas [...] sendo,
portanto, mandatos de otimização. As normas de regra são
normas que exigem um cumprimento pleno e, nesta medida,
podem sempre ser somente ou cumpridas ou não cumpridas.”
(ALEXY, 1997, p. 143-144).

Em síntese, podemos dizer que:

1. Normas de regra são aquelas que: 1. respondem


a um critério do “tudo-ou-nada”; 2. definem um
comportamento; 3. gerenciam condutas; 4. exigem
um cumprimento pleno (apenas podem ser ou não
cumpridas). Por exemplo, furto, roubo.

2. Já as normas de princípio: 1. implicam uma dimensão


de peso ou importância: um valor; 2. orientam a ação;
3. servem de fundamento e finalidade; 4. ordenam que
se realize algo na menor ou maior medida possível. Por
exemplo, dignidade humana, igualdade, liberdade.

Unidade 3 125

filosofia_do_direito.indb 125 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 2 - O Direito como essência e o Direito como


convenção: razões para a polissemia do termo Direito
Você agora estuda, brevemente, duas óticas sobre o Direito, uma
como essência e outra como convenção. Acompanhe:

I - Teoria essencialista
A linguagem é um instrumento para designar as coisas do
mundo. A partir da linguagem, estruturamos conceitos. Os
conceitos são explicações sobre as coisas a partir de códigos
passíveis de serem comungados por diferentes atores sociais.

Um conceito permite discutir algo sem ter a coisa materialmente


diante dos olhos, é uma capacidade de abstração da realidade.
A questão é se esses conceitos refletem a essência das coisas
em si, cumprindo apenas o papel de descrição, de refletirem
uma presumida essência das coisas, ou se os conceitos são uma
construção da própria realidade (FERRAZ, 2003, p. 34-35).

A Teoria essencialista defende a ideia de que deve haver


– a princípio – apenas uma definição válida sobre as
coisas, por essa razão o conceito valido é o conceito que
descreve o que é das coisas. Até poderá haver diferentes
determinações (tipos) sobre as palavras (e uso), mas
haverá apenas um sentido essencial e válido.

Sobre a ideia de essência


Em Aristóteles, na sua metafísica, essência é aquilo que
“verdadeiramente é”. Essência, nessa linha, é algo que se opõe
ao que é acidental (em oposição às modificações que apenas
atingem superficialmente ou temporariamente). Aquilo “que é”
em essência o é de modo necessário e permanente.

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Filosofia do Direito

O conceito sobre mesa é essencial e permanente,


enquanto a mesa e os usos possíveis da mesa (como
altar, para alimentação, para estudo) são contingentes
e maleáveis (FERRAZ, 2003).

Em regra, os juristas têm uma visão conservadora, no sentido


de que as palavras devem, de fato, refletir a essência das coisas.
Porém o relativismo, doutrina que afirma que os valores locais não
apresentam validade universal e absoluta, afirma que ideias são, na
verdade, ideias relativas a determinada cultura (FERRAZ, 2003).

II - Teoria Convencionalista
Nesta perspectiva, o que existe, decorre das relações sociais. A
linguagem, nestes termos, é vista como um sistema de signos
cujo sentido é determinado arbitrariamente pelo ser humano
(filosofia analítica). Dado esse arbítrio, o que deve ser levado
em conta não é uma suposta essência, mas os usos da palavra/
conceito (social e técnico).

A verdade, assim, não é algo que revela uma essência e, dessa


forma, imutável, mas a verdade é fruto de um contexto, de um
método e, por isso, é uma verdade contingente, cuja validade se
manterá até que seja refutável. Essa é a ideia básica de verdade
científica a partir de Popper.

A verdade da ciência só é por se tratar de uma verdade


passível de ser refutável. As verdades que não são
refutáveis são dogmas, como os religiosos.

O pressuposto da Teoria Convencionalista é que as palavras


e a linguagem expressam moralidades, temporalidade e um
contexto complexo de relações sociais. Veja o caso do sentido e
do uso das palavras ‘denegrir’ e ‘ judiar’. Ambas expressam uma
carga moral preconceituosa. As palavras, portanto, expressam
sentidos das culturas.

Unidade 3 127

filosofia_do_direito.indb 127 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Os léxicos, que são repertório de vocábulos de uma língua, terão


seu uso definido como verdadeiro ou falso, correto ou incorreto.
E essas definições sobre o certo e o errado são contextuais,
contingentes e maleáveis.

Ou seja, na perspectiva convencionalista, não se trata


de procurar uma essência, mas de reconhecer um
uso convencionado. Os léxicos são definições que
decorrem de um uso comum, tradicional e constante.
A definição é verdadeira, se corresponde àquele uso.

A partir dessa teoria os conceitos são nominais e não


reais. Nominal é “aquilo existe”, existência a partir da sua
funcionalidade (FERRAZ, 2003).

É importante observar que definir um conceito não é o mesmo


que definir uma realidade. O conceito é pressuposto para
entender a realidade. Logo, não pode ser definido a partir dela.
Para saber se uma situação é justa, devemos primeiro ter uma
ideia sobre justiça.

Nem sempre, porém, uma palavra se presta à definição à qual se


propõe. Ou porque o uso comum é muito impreciso, ou porque é
imprestável. Nesse caso, a definição é especulativa. Por exemplo,
o uso do termo lei remete a vários sentidos e o uso só é verificável
como correto, ou não, dentro de um contexto específico: lei física,
lei social, lei da natureza, lei de deus, lei dos homens.

Quando essa estipulação, às vezes especulativa, escolhe um


dos usos comuns, como é o caso da lei como prescrição de
comportamento ou de uma regra para ação humana, fala-se
em redefinição. Neste sentido, as estipulações não podem ser
julgadas por essências, como critérios de verdade, mas devem ser
julgadas na sua funcionalidade – o que depende, obviamente, dos
objetivos de quem define.

Uma vez sendo definições convencionadas, seus


sentidos ocorrem a partir da persuasão. Assim,
qualquer definição do Direito é sempre uma definição
persuasiva.

128

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Filosofia do Direito

Seção 3 - Introdução à hermenêutica: o poder da


linguagem

Será justo, então, o réu Fernando Cortez, primário,


trabalhador, sofrer pena enorme e ter a sua vida estragada
por causa de um fato sem conseqüências, oriundo de
uma falsa virgem? Afinal de contas, esta vítima, amorosa
com outros rapazes, vai continuar a sê-lo. Com Cortez,
assediou-o até se entregar (fls.) e o que, em retribuição
lhe fez Cortez, uma cortesia. (TJRJ, 10.12.74, RT
481/403)

Definir o verdadeiro e o falso, o correto e o incorreto pressupõe


autoridade; e autoridade relaciona-se a poder. A questão ilustrada,
portanto, versa sobre a legitimidade e validade de quem diz o
Direito. Em outras palavras e, por consequência, sobre o seu
campo interpretativo.

A frase em epígrafe ilustra o quanto o exercício


interpretativo do Direito pode ser arbitrário, ou seja, sem
qualquer base legal, sem qualquer fundamento válido.

A arbitrariedade de uma interpretação, que pode estar expressa


em uma decisão judicial ou na forma de o Executivo aplicar
alguma lei, é aquela que leva em consideração apenas uma razão
intuitiva, ou seja:

„„ elementos pessoais,

„„ interesses privados,

„„ fatos da experiência subjetiva do agente.

Observe que esses elementos são impossíveis de ser compartilhados


e universalizados.

Unidade 3 129

filosofia_do_direito.indb 129 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Uma interpretação jurídica, para ter validade, precisa


ser fundamentada e respeitar pontos de partida muito
claros, em outras palavras, precisa respeitar o princípio
da legalidade.

Vamos ilustrar a questão da interpretação. Veja o exemplo da


figura mítica Hermes:

Na mitologia grega, Hermes é o mensageiro dos deuses,


filho de Zeus e Maya. Como servidor e correio de Zeus,
Hermes teria sandálias aladas e levava um caduceo de
ouro, o equivalente a uma vara mágica, com serpente
enrolada – isso porque guiava as almas dos mortos até o
submundo. Hermes era o deus Mercúrio para os romanos,
Figura 3.5 - Hermes
também responsável pelo comércio.
Fonte: Clipart ETC (2009).

É importante compreender que a hermenêutica inspira-se na


mitologia no sentido de ser um mecanismo, um correio para os
sentidos, um elo. Pode ser compreendida como uma técnica de
leitura, buscando, assim:

a) explicações léxicas;

b) explicações gramaticais;

c) retificação crítica de erros de copistas e tradutores.

Contudo, atualmente, a hermenêutica acaba mais sendo um


elemento de construção do que de reencontro com os sentidos.
Veja a seguir as principais correntes de pensamento que versam
sobre a hermenêutica:

130

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Filosofia do Direito

1. Nas ciências humanas, principalmente a partir do teólogo


protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), a
hermenêutica passa a ampliar a visão, como um campo da
expressão humana, e a observar a necessidade de se dar
atenção não apenas ao texto, mas também ao autor. Com
isso, a ideia de leitura vincula-se à de buscar entender a
intenção do autor.

2. No século passado, com o filósofo alemão Wilhelm


Dilthey (1933-1911), a hermenêutica assume estatuto de
método do conhecimento, apto a dar conta do “facto
humano”. O texto, a interpretação, é a própria realidade
humana no seu desenvolvimento histórico. Assim,
a hermenêutica torna-se um exercício de alteridade.
Para Dilthey (2004), a riqueza da experiência humana
permite imaginar, por uma espécie de transposição, uma
experiência de transposição, uma experiência análoga
exterior ao próprio ser e compreendê-la.

3. Com Heidegger (1889-1976), a hermenêutica passa a ser


vista como algo da condição humana. Heidegger (1989)
critica Dilthey nos seguintes aspectos:

a) compreender não é um processo cognitivo estrito,


compreender é, antes de tudo, um modo de “estar”
antes de ser um método científico; e

b) compreender não está relacionado ao reencontro com


o “outro”, mas com a minha situação no mundo.

4. Hans George Gadamer (1900-2002) trabalha com a


hermenêutica como uma dimensão da existência, como o
“mundo do eu”. Aluno de Husserl e Heidegger, Gadamer
(1997) coloca a existência humana como ponto central da
sua hermenêutica. Para Gadamer (1997), a hermenêutica,
antes de ser um método, é expressão de uma situação
humana, é a relação que o intérprete estabelece com a
tradição de que provém.

Unidade 3 131

filosofia_do_direito.indb 131 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Sobre o estudo Hermenêutico


Interpretar é dizer o que é algo. É uma operação essencialmente
referencial – compreendemos algo quando o comparamos com algo
que já conhecemos – aquilo que compreendemos agrupa-se em
unidades sistemáticas ou círculos compostos de partes. O círculo
como um todo define a parte individual, e as partes, em conjunto,
formam o círculo.

Por exemplo, uma frase como um todo é uma unidade.


Compreendemos o sentido de uma palavra quando a
consideramos na sua referência à totalidade da frase. E a
frase, por sua vez, depende da singularidade do sentido
abstrato de cada palavra: esta é a ideia de círculo.

Para verificar um texto, é preciso observar os vários elementos


envolvidos nesse exercício hermenêutico, ou seja, as três hipóteses
que criam significado:

„„ o autor,

„„ o texto,

„„ o leitor.

a) O AUTOR como determinante de significado


Buscar o sentido do autor, ou, no Direito, a “vontade do
legislador” é o método mais tradicional. O significado do texto
é aquele que o escritor conscientemente quis dizer, ao produzir o
texto. Para isso é importante:

„„ observar a língua falada (inglês, português, espanhol);

„„ o período histórico;

„„ os pressupostos do autor, suas convicções, história,


formação;

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Filosofia do Direito

„„ a intenção do autor, a finalidade exposta através do texto;

„„ a extensão das expressões usadas, por exemplo: “é


proibido se embriagar com vinho”, isso significaria que
com cerveja pode? Ou o vinho deve ser pensado como
exemplificativo de bebidas alcoólicas?

b) O TEXTO como determinante de significado


Neste caso, parte-se da ideia de que o texto tem autonomia
semântica, que há um significado ontológico para além da
intenção do autor. Para auxiliar esse processo de verificação, é útil
efetuar algumas questões:

„„ o que o texto diz sobre “x” assunto?

„„ qual o objetivo do texto?; e

„„ qual a extensão das expressões do texto?

c) O LEITOR como determinante do significado


Segundo esta perspectiva, o que determina o significado é o que
o leitor compreende do texto. O leitor atualiza a interpretação
do texto e, inclusive, amplia o seu sentido. Assim, diferentes
leitores podem acarretar diferentes significados. Porém o ponto
de convergência, na tentativa de compreender o texto e a intenção
do autor, refere-se:

„„ a observar os princípios, os paradigmas previamente


definidos e compreendidos pelos leitores;

„„ a relação lógica entre os paradigmas e os argumentos


compreendidos pelos autores;

„„ as conclusões trazidas pelo autor a partir dos paradigmas


postos e compreendidos pelo leitor.

Unidade 3 133

filosofia_do_direito.indb 133 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

A Interpretação do Direito
O método hermenêutico clássico do Direito tem como parâmetro
quatro elementos já desenvolvidos por Savigny (2004) no século
XIX:

1. análise gramatical ou literal,

2. análise histórica,

3. análise lógica e

4. análise sistemática.

O Direito, como estrutura hierárquica, cujo sentido das normas


está disposto de forma que as normas superiores informam o
sentido das normas inferiores, exige, para que faça sentido, que
seja “lido” de forma sistemática.

Por exemplo: para compreender adequadamente


o sentido da Lei Maria da Penha, é preciso pensá-la
a partir dos dispositivos constitucionais de não
discriminação, igualdade, dignidade humana que estão
previstos na Constituição Federal.

É importante ter claro que um enunciado normativo não é o


mesmo que uma norma jurídica, ou seja, não é o mesmo que
o Direito. O direito subjetivo será o resultado de um processo
interpretativo.

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Filosofia do Direito

Saiba mais sobre o Direito Subjetivo!


Direito subjetivo é o direito que pertence ao sujeito, uma
permissão que se observa na legitimidade da faculdade de agir,
trata-se da potencialidade do ato, da cobrança de ações ou
modificação de situações jurídicas (FERRAZ, 2003). Essa faculdade
está vinculada à norma agendi, ou seja, ao direito objetivo
(ordenamento jurídico). Por exemplo, ‘direito à vida’, ‘direito à
saúde’ são direitos objetivos que se criam ou dão condições de
exigibilidade dos direitos subjetivos. O termo subjetivo, de raiz
latina, provém de subjectum, que designa o que está submetido,
o que é sujeito, o que é de alguma coisa no sentido de pertencer;
ou, no caso especial do direito subjetivo, como em casos
análogos a este, designa o que está colocado dentro. O direito
subjetivo assim o é porque as permissões, que o constituem,
são próprias das pessoas que as possuem. Os direitos subjetivos
podem ser compreendidos em duas grandes categorias:

1. Os direitos potestativos – competem a alguém influir, através


da declaração da vontade sobre situação jurídica. Esse direito
não se confunde com a capacidade jurídica, pois está atrelado
às condições do fato. Por exemplo, somente pessoas casadas
podem pedir separação, somente supostos filhos podem pedir
investigação de paternidade. Esses direitos criam um estado
de sujeição para a outra pessoa. Sujeição é a situação daquele
que, independentemente da sua vontade, ou mesmo contra
sua vontade, sofre uma alteração na sua situação jurídica, por
força do exercício de um daqueles poderes atribuídos a outra
pessoa. A sujeição dispensa o concurso da vontade do sujeito
(CHIOVENDA, 1965). Por exemplo, o poder de um dos cônjuges
de pedir a separação.
2. O direito a uma prestação, ou seja, direitos que têm por
finalidade bens da vida, a conseguir-se mediante uma
prestação, exemplo, uma ação de fazer do Estado, como
serviço de saúde ou uma ação de não fazer do Estado, como
não interferir na liberdade de crença, mas permitir o culto
(CHIOVENDA, 1965).

Unidade 3 135

filosofia_do_direito.indb 135 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para entender melhor o conteúdo, veja a seguir um exemplo de


interpretação de direito. Leia:

“Nenhum brasileiro poderá ser extraditado.”

Veja que este enunciado expressa a norma segundo a qual


está presente a ideia da proibição da extradição de brasileiros.
Portanto:

Uma norma jurídica (que é o Direito) é, dessa forma, o


significado de um enunciado normativo.

Veja outro exemplo:

“Proibido entrar de calção.”

Observe neste enunciado normativo que só será possível


compreender a norma por trás do enunciado, a partir de um
contexto fático. Se este enunciado fica na entrada de um órgão
público, significa que as pessoas devem entrar de calça; se está na
entrada de uma praia de nudismo, significa que as pessoas não
devem usar absolutamente nada.

Por fim, um último exemplo:

”Proibido entrar cachorro.”

Se este enunciado está descrito em uma placa na entrada de uma


estação de trem, significa que cachorros não podem entrar, certo?
Mas, se ao aproximar-se um senhor cego com um cão guia, sua
entrada será vetada? E se um urso tenta entrar na estação de
trem, será uma situação possível?

Para entender a norma por trás do enunciado normativo, é


preciso compreender, portanto:

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Filosofia do Direito

1. as categorias que compõem o texto, como brasileiro e


extradição;

2. o contexto em que a norma está e, principalmente,

3. a finalidade da norma.

O enunciado “Proibido entrar cachorro” visa proteger a integridade


física de seres humanos. Portanto não será a entrada de um cego
com o cão guia que descumprirá a norma.

Atenção! É preciso ter claro que enunciado normativo


não é sinônimo de Direito ou de norma jurídica.

Não estamos mais na era da Escola da Exegese, na qual a


interpretação era literal. O esforço de dar sentido aos enunciados
e compreender o Direito é muito mais complexo. Por isso que,
para compreender o significado do enunciado, é importante
distinguir normas de regra e normas de princípio.

A seguir, veja algumas perguntas que nortearão sua possíveis


dúvidas sobre a questão da interpretação da norma. Analise.

1- Como garantir a validade e legitimidade de uma interpretação ?


O Direito pode ser entendido como uma técnica de decisão,
cuja autonomia decisória está exposta nas previsões legais de
atribuições e competências (FERRAZ, 2003). A decisão jurídica,
portanto, tem alguns critérios, não é arbitrária, e é preciso:

1. conhecer a situação/fato;

2. conhecer a norma e o procedimento/sistema; e

3. ponderar a norma a ser aplicada: necessidade e


adequação.

Unidade 3 137

filosofia_do_direito.indb 137 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para aplicar o direito, é condição identificar a norma, ou seja


– é preciso identificar e expor as premissas que fundamentam
a decisão. Essa premissa é sempre normativa (jurídica) e deve
respeitar a hierarquia do sistema normativo.

2- Como saber qual norma usar?

Para identificar a norma, Tércio Ferraz (2003) propõe o seguinte


exercício:

1. Realizar uma decomposição – significa partir de


um todo (norma e fato) e explicá-lo, conceituá-lo.
Significa estabelecer uma cadeia de proposições – um
procedimento regressivo;

2. Fazer uma diferenciação e ligação – este é recurso


analítico que permite separar o todo e voltar a
relacioná-lo de forma que a totalidade não se perca de
vista. Essa fase permite a subsunção. Após entender o
Subsunçao é a ideia de que ‘diz’ o enunciado e o que é o ‘fato’, pode-se aplicar a
tomar o lugar de. No caso norma.
do Direito, refere-se ao
exercício de adaptar os
fatos sociais às normas Veja um exemplo.
jurídicas válidas, fazendo
com que os fatos sociais se
tornem fatos jurídicos.

Considere o caso da anencefalia. É possível interromper


a gestação? É crime de aborto? Para saber qual norma
se aplica, é condição entender o que é a anencefalia.
Ao compreender o fato, percebe-se qual enunciado,
entre os disponíveis, melhor se aplica. Anencefalia, que
se assemelha faticamente a morte cerebral, permite
uma analogia aos postulados normativos de morte
cerebral. Portanto, para haver crime de aborto, é
preciso a interrupção da gestação de feto vivo, e um
feto anencéfalo tem um encefalograma idêntico ao de
alguém com morte cerebral (BUGLIONE, 2008).

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Filosofia do Direito

3- E quando há duas normas aplicáveis?


O Direito é um sistema ordenado que não admite incoerências
e antinomias: por exemplo, não pode ser uma norma que manda
caminhar e outra que manda ficar parado em um mesmo
contexto. Para entender a aplicação das normas, é preciso
compreender três critérios:

„„ Hierárquico: lex superior derogat inferiori (prevalece


norma superior) – princípio supremacia da CRFB/88;

„„ Cronológico: lex posterior derogat priori (prevalece norma


posterior) – artigo 2º, § 1º, LICC;

„„ Critério da especialidade: lex specialis derogat generali


(prevalece norma específica) – artigo 2º, § 2º, LICC.

Em síntese:

Hierárquico x Cronológico = SEMPRE prevalece Hierárquico


Especialidade x Cronológico = GERALMENTE prevalece
Especificidade
Hierárquico x Especialidade = EM PRINCÍPIO prevalece
Hierárquico

4- E quando há conflito entre normas de mesma hierarquia?


Nessa hipótese, a Teoria da Proporcionalidade o (a) ajudará a
tomar uma decisão.
Para saber mais sobre esse
tema, ver Robert Alexy
(1997).

A teoria da proporcionalidade é composta por três


partes: adequação, necessidade e ponderação; e é
derivada diretamente do conceito de princípio como
mandato de otimização, que deve ser realizado
conforme suas possibilidades fáticas e jurídicas.

Unidade 3 139

filosofia_do_direito.indb 139 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Por essa razão, a teoria da proporcionalidade é usada como modo


de solução de colisões entre princípios. Isso porque os princípios,
nas teorias jurídicas modernas, são direitos válidos e aplicáveis,
com isso a solução para um conflito entre essas esferas se dará
através da utilização de uma ponderação (ALEXY, 1997).

Essa proposta só faz sentido se observarmos que os


direitos, as normas de regra e as normas de princípio,
não são direitos absolutos, mas princípios prima facie.
Princípio deriva do latim
Principium e significa ‘fonte
originária, causa, entidade
básica’; pode ser entendido, Entre os princípios que podem ser tipificados como prima facie, há:
ainda, como uma afirmação
geral sobre aquilo que tem „„ Princípio da Adequação: deve-se questionar se, no caso
valor: vida, saúde, autonomia, concreto, o meio adotado – a norma eleita para ser aplicada
integridade física. E pode ser – oportuniza o alcance da finalidade perseguida;
pensado de duas formas: a)
como princípios absolutos: „„ Princípio da Necessidade: na hipótese de aplicação de
único ou necessário; e/ou
dois meios idôneos, ordena-se a escolha daquele menos
b) princípios prima facie:
primeiro princípio. Na hipótese
gravoso ao exercício do direito fundamental;
de princípios absolutos,
estamos na realidade de „„ Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito:
sistemas estáticos e monistas, os meios eleitos devem manter uma relação razoável
como o das religiões monistas, com o resultado perseguido. Examina a relação de
nos quais a diversidade moral proporcionalidade entre a decisão (os efeitos que ela produz
não é aceita. Já em realidades
sobre o direito fundamental que afeta) e a finalidade
de pluralismo moral
(que não é o mesmo que
perseguida. Deve haver um equilíbrio entre as vantagens e
relativismo moral), nas quais prejuízos que ocorrem quando se limita um direito.
se considera a existência de
uma diversidade de princípios Veja a seguir um exemplo de dois direitos fundamentais em
que podem coexistir, e que conflito:
não podem ser reduzidos
a um princípio primeiro
ou fundamento único, STF – AgRg 2061/DF, rel. Min. Marco Aurélio. direito de
falamos em princípios Prima greve e suspensão de pagamento. Direito à greve e
facie. Esses princípios são autonomia universitária x limites do direito à greve;
orientações para a ação, cujo prejuízo à educação – possibilidade de suspensão
cumprimento deve ser mais de pagamento. “[...] na vigência de toda e qualquer
adequado que sua eventual relação jurídica concernente à prestação de serviços,
violação, por isso que não são é irrecusável o direito à greve. E este, porque ligado à
absolutos e sempre exigem dignidade do homem [...] merece ser enquadrado entre
um raciocínio de ponderação. os direitos naturais.”

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Filosofia do Direito

As referências válidas para a decisão: razão intuitiva e razão


crítica
A razão e os seus diferentes níveis são fontes de motivação dos
sujeitos. Apesar de haver diversas perspectivas teóricas para
desenvolver uma análise sobre as motivações do sujeito, suas bases
e fundamentos: das suas ações e interpretações, neste estudo far-
se-á uso da reflexão ética trazida por Richard Hare (1981, 1996):
razão intuitiva e razão crítica.
Como salienta Hare,
a distinção entre dois
níveis de raciocínio moral
Analisar esses dois níveis da razão é como visitar a não é original. Já está
antessala dos juízos e observar as referências que irão presente em Platão,
impulsionar as avaliações, prescrições e descrições com a distinção entre
(BUGLIONE, 2008). conhecimento e crença,
e em Aristóteles, com a
diferença entre motivação
correta e sabedoria
É preciso ter claro que os níveis crítico e intuitivo da razão prática, virtude do caráter
e do intelecto (o quê e o
observados por Hare não decorrem de pontos de vista rivais ou
por quê). Hare também
opostos. Isso porque ambos compõem, a partir de diferentes acrescenta um terceiro
aportes, uma estrutura mais global do pensamento, no caso, nível ao raciocínio moral
os juízos. São elementos de uma estrutura comum, com papeis que é o metaético, no qual
específicos a desempenhar (HARE, 1981). se deve operar quando
se discute o significado
da linguagem moral e a
lógica da argumentação
moral. A proposta de Hare,
Os diferentes níveis da razão são um meio de identificar
ao utilizar as distinções
as diferentes fontes existentes das faculdades e
de níveis da razão, é para
qualificações dos sujeitos, suas motivações e as bases
esclarecer alguns debates
dos seus juízos.
recentes em metaética. Os
estudos de Hare são úteis
a este estudo para fins
similares, detalhadamente:
Para auxiliar a compreensão dos diferentes níveis da razão, suas 1. o de elucidar conflitos
peculiaridades e diferenças, Hare (1981) trabalha com dois que originalmente não
exemplos quase caricatos. ocorreriam se de posse
dessa distinção e/ou,
2. que a partir dessa
distinção, têm-se melhores
condições de pensar
os juízos e os próprios
conflitos e supostos
dilemas analisados ou em
debate.

Unidade 3 141

filosofia_do_direito.indb 141 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

De um lado, a figura do arcanjo, que apenas utiliza o


raciocínio ético – o nível crítico da razão; seria, assim,
um super-humano, um observador ideal ou “prescribent
ideal” (HARE, 1981, p. 44). O outro personagem utiliza
apenas o nível intuitivo. Diante de uma situação
hipotética, o arcanjo é capaz, de uma só vez, explorar
todas as especificidades da situação e, inclusive, as
consequências de ações alternativas; e, a partir disso,
de “formular um princípio universal que ele possa
aceitar para agir nesta situação, independente do papel
que ele ocupe nela” (HARE, 1981, p. 44).
O texto no original é When
presented with a novel
situation, he will be able at
once to scan all its properties, Pelo fato de o arcanjo não sofrer de problemas como a
including the consequences parcialidade em favor próprio ou em relação a amigos e parentes,
of alternative actions, and
ele não precisa do raciocínio intuitivo ou de princípio prima facie
frame a universal principle
(perhaps a highly specific
para seus juízos ou para resolver questões específicas. Já quem
one (which he can accept for não é arcanjo precisa se apoiar em intuições e princípios gerais.
action in that situation, no
matter what role he himself Nos casos extremos, de pessoas totalmente incapazes de
were to occupy in it (HARE, raciocínio crítico ou de alteridade, será necessário, para que
1981, p. 44).
tenham princípios prima facie, que um terceiro (sujeito ou
sociedade) proporcione essa adesão através do exemplo, da
educação ou da coerção. Algo que será incorporado pelo sujeito,
nem que seja através da simples imitação e repetição – a esses
Hare (1981) chama de proletário.
Proletário vem do latim,
proletarius, que é aquele que
vale apenas por sua prole. O
Para Hare, não é possível todos serem a todo tempo
sentido de proletário mudou
exclusivamente arcanjos ou proletários. O que nos
muito desde a Roma. Na Era
caracteriza como proletários é a necessidade de um
Moderna, a ideia de trabalho
sistema de princípios prima facie.
é absorvida pela de labor.
Surge, aí, o animal laborans.
O ser humano não é nem
mais o animal político, nem
Por sua vez, para a seleção dos princípios e para a resolução de
o trabalhador que produz,
mas passa a ser ‘aquele conflitos entre os princípios, o raciocínio crítico será necessário,
que consome’. O labor, ao pois, caso contrário, corre-se o risco de ficarmos perdidos entre
contrário do trabalho, não interesses particularizados, privilégios e subjetividades. Por
produz bens, mas é a própria isso, também cabe ao nível crítico, o papel de mediador do nível
força que gera o trabalho.
intuitivo, no sentido de ajustar as referências utilizadas pela razão
A ação humana é voltada à
sobrevivência.
intuitiva, responsáveis ou eleitas para os juízos.

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Filosofia do Direito

O nível crítico da razão, como uma esfera de motivação, trata das


referências teóricas, dos princípios lógicos, dos experimentos, das
perspectivas éticas sobre as ações humanas e seus fundamentos.
Dos elementos, que podem advir da ciência, ou de processos de
análise mais pormenorizados, mas essencialmente da ética, da razão
pública e dos direitos fundamentais, mas elementos essenciais para
direcionar ou explicar os juízos, sejam eles de fato, prescritivos ou
de valor. O nível intuitivo ou espontâneo, por sua vez, é o que faz
uso das referências do sujeito, sua educação, seu contexto cultural,
seus registros inconscientes; não busca uma análise mais atenta e,
muitas vezes, apenas reproduz padrões sociais.

A hermenêutica jurídica no Brasil


As obras hermenêuticas que surgem no Brasil começam pelo
tempo do Império, com destaque para Francisco Paula Baptista
(1860), com o Compêndio de hermenêutica jurídica; Joaquim
Ignácio de Ramalho, o Barão de Ramalho, com Cinco lições de
hermenêutica, que entende que a lei deve ser interpretada, tendo
como base as diretrizes de Savigny; Ramalho diz que interpretar
é reconstruir o pensamento de legislador.

No século XX, há a obra de Carlos Maximiliano Pereira dos Santos


(1923), Hermenêutica e aplicação do Direito, que elege a corrente
do evolucionismo teleológico. O pensamento de Maximiliano foi
dominado pelo espírito de justiça, mas não a justiça embutida na
lei. Para o autor, a interpretação é sempre necessária, uma vez que
“saber as leis não é conhecer as palavras, mas sua força e poder”
(Digesto, Livro I, Tìtulo 3 – Celso). Para Maximiliano, o legislador
não faz o Direito, mas o interpreta, ou melhor, o revela. O Direito
é fruto de uma consciência jurídica nacional. Os elementos
históricos não podem ser ignorados, uma vez que o legislador é
um ser histórico, igualmente devem ser preservados os elementos
teleológicos. Isso significa que, para ele, as condições históricas
mudam e a lei foi feita para ser aplicada na realidade.

Miguel Reale (1910-2006), no livro O direito como experiência


(em especial o texto X ‘Problemas de hermenêutica jurídica’)
apresenta a sua Teoria Tridimensional do Direito.

Unidade 3 143

filosofia_do_direito.indb 143 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para Reale, a interpretação se refere diretamente à


tomada de posição do intérprete diante do problema
ontológico do Direito, por isso o Direito parte de três
pilares: fato, valor e norma.

Reale parte desse postulado para compreender o sistema


interpretativo que sugere. Para ele, o legislador está inserido em
um mundo de fatos, diante dos quais é chamado a tomar uma
posição axiológica, a fim de objetivar sua vontade, ou seja, a
sua escolha, criando a norma jurídica. Interpretar, portanto, é
sempre um momento de intersubjetividade – que significa um
ato dirigido a algo em razão de alguém e vinculado às estruturas
inerentes ao objeto interpretável –, assim, o intérprete interpreta
uma “interpretação”.

Por fim, destaca-se a obra de Tércio Ferraz Junior, Introdução ao


Estudo do Direito. Para Tércio, a norma jurídica contém palavras
(aspecto onomasiológico) que devem expressar o sentido daquilo
que ‘deve ser’, ou seja, sua significação normativa (aspecto
semasiológico). Interpretar, para ele, é selecionar possibilidades
comunicativas da complexidade discursiva, ou seja, decodificar
conforme regras de uso. Ferraz (2003) lembra os princípios:

a) da inegabilidade dos pontos de partida;

b) o da proibição do non liquet. Ou seja, determinam-se as


regras iniciais e chega-se a uma conclusão.

O Conselho Nacional de Justiça e as diretrizes para o Poder


Judiciário
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi criado em 31 de
dezembro de 2004 e instalado em junho de 2005; possui 15
conselheiros aprovados pelo Senado e então nomeados pelo
Presidente da República. Sua competência está estabelecida no
artigo 103-B da Constituição Federal e regulamentada no seu
regimento interno. Entre suas competências, destacam-se:

144

filosofia_do_direito.indb 144 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

1. zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo


cumprimento do Estatuto da Magistratura, expedindo
atos normativos e recomendações;

2. definir o planejamento estratégico, os planos de metas


e os programas de avaliação institucional do Poder
Judiciário; receber reclamações contra membros ou
órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços
auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação do poder
público ou oficializados;

3. julgar processos disciplinares, assegurada ampla defesa,


podendo determinar a remoção, a disponibilidade ou a
aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais
ao tempo de serviço, e aplicar outras sanções
administrativas;
Nepotismo é o
4. elaborar e publicar semestralmente relatório estatístico favorecimento dos
sobre movimentação processual e outros indicadores vínculos de parentesco nas
pertinentes à atividade jurisdicional em todo o país. relações de trabalho ou
emprego. As práticas de
nepotismo substituem a
Ou seja, o CNJ é um órgão de cunho administrativo e visa avaliação de mérito para o
à manutenção da qualidade do Poder Judiciário. Não é uma exercício da função pública
instância jurídica decisória de casos civis, mas destina-se ao pela valorização de laços
controle Judiciário no que se refere ao cumprimento da sua de parentesco. Nepotismo
função; julga, portanto, casos pertinentes aos seus membros e é prática que viola as
garantias constitucionais
objetiva sua qualidade. de impessoalidade
administrativa, na medida
Exemplo disso é a Resolução de número 75, de maio de 2009, em que estabelece
que uniformiza a prova para ingresso na carreira da magistratura, privilégios em função de
tornado obrigatórias, inclusive, questões de Filosofia do Direito relações de parentesco e
desconsidera a capacidade
no que tange à interpretação jurídica. Outro exemplo das ações
técnica para o exercício do
do CNJ é a Resolução 07 de outubro de 2005, na qual o órgão cargo público.
baniu a prática de nepotismo no Poder Judiciário.

As práticas do CNJ, em síntese, visam fortalecer a República e garantir


o interesse público através do Poder Judiciário.

Unidade 3 145

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese
Neste capítulo, você pôde estudar a relação entre Filosofia do
Direito, Teoria do Direito e dogmática jurídica. Em outras
palavras, isso significa que, nesta unidade, foi-lhe possível
entender em uma primeira etapa as diferentes facetas do Direito e
seu funcionamento.

Neste mesmo sentido, você estudou alguns conceitos-chaves,


que passam pela análise do próprio sentido de direito, de norma,
de ciência, de postulado, de positivismo jurídico e de prudência.
Além disso, também pôde compreender a interpretação jurídica e
suas implicações.

Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O
gabarito está disponível no final do livro-didático. Mas esforce-se para
resolver as atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará
promovendo (estimulando) a sua aprendizagem.
1) Você viu que o Direito é algo que nós, seres humanos, fazemos e cuja
realidade é produto nosso. Estudou também que o Direito se preocupa
com algumas questões básicas, e que estas podem ser entendidas
a partir dos vários sentidos de Direito obtidos ao longo da história.
Procure discorrer sobre os sentidos de Direito apresentados nesta
unidade, de forma a apontar suas principais características.

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filosofia_do_direito.indb 146 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

2) Explique as duas principais teorias que fundamentam respectivamente


o Direito como essência e o Direito como convenção.

3) Há um único modo de interpretar o Direito? Justifique.

Unidade 3 147

filosofia_do_direito.indb 147 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Você quer saber mais sobre os assuntos tratados nesta unidade?


Então consulte as seguintes referências:

BUGLIONE, Samantha. Direito, ética e bioética: fragmentos


do cotidiano. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009. (Este é um
livro de crônicas, pequenos textos, que abordam vários conceitos
trabalhados nesta disciplina.)

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de


Janeiro: Forense Universitária, 2000. (Arendt permite, com este
livro, ampliar a compreensão sobre a diferença entre natureza
e condição humana, e nos faz perceber que o ser humano, em
realidade, não tem uma natureza, mas uma condição forjada pela
cultura, pela lei, pela vontade e pelo desejo.)

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filosofia_do_direito.indb 148 12/07/12 13:31


4
UNIDADE 4

Perspectiva humanista:
o Direito e o Homem
Leandro Kingeski Pacheco

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender a perspectiva humanista como
importante base de fundamentação do Direito
contemporâneo.

„„ Conhecer a concepção de Direitos Humanos e suas


diferentes gerações.

„„ Conhecer alguns diferentes modos de fundamentar o


Direito, conforme o entendimento de Homem.

Seções de estudo
Seção 1 O Direito e o Homem na contemporaneidade

Seção 2 Os Direitos Humanos e suas gerações

Seção 3 O Homem e alguns diferentes modos de


fundamentar o Direito

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Parabéns por seus estudos realizados até esta unidade. Certamente,
você sistematizou tais estudos: atentou para conceitos e teses
fundamentais; aprofundou seus conhecimentos ao consultar textos
sugeridos; enfim, ampliou sua compreensão sobre o Direito,
refletindo sobre ele.

Nesta unidade, você estudará a perspectiva humanista como um


elemento intrínseco do Direito contemporâneo. Para corroborar
esta tese, você estudará a concepção de Direitos Humanos e
suas gerações; assim também o papel do Homem nos diferentes
modos de fundamentar o Direito.

Bons estudos!

Cultura designa um
Seção 1 – O Direito e o Homem na contemporaneidade
conjunto padrão de
saberes, fazeres e Você é capaz de detectar uma característica da concepção de
discursos cultivados Homem que norteia o Direito, na contemporaneidade?
pelos integrantes de
uma sociedade ou de um
Antes de identificar pelo menos uma resposta para esta pergunta,
grupo.
note que toda cultura, em todas as épocas, apresenta, consciente
ou inconscientemente, uma concepção de Homem.

Ainda, a concepção de Homem jamais deve ser encarada


Compreenda Homem como estanque, dogma, paralisada, mas em constante revisão e
como termo que atualização, como resultado de diferentes momentos da trajetória
designa o conjunto humana, enfim, específica de cada cultura.
dos seres humanos: a
humanidade.

Na contemporaneidade, em nosso mundo, vigem


várias concepções de Homem. Contudo uma
perspectiva que, crescentemente, ganha força, que
pensa o Homem em relação ao Direito, é a de que todo
ser humano deve ser considerado como cidadão.

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Filosofia do Direito

Claro que há vários empecilhos, próprios das mais diversas


culturas, que não consideram todos os indivíduos como cidadãos.
Em função destes empecilhos, discriminam-se mulheres, pessoas
de baixa renda, índios, negros, crianças, idosos, deficientes
físicos, manifestantes políticos que questionam o poder
instituído, etc.

Contudo observe que você está inserido(a) em uma cultura, em


um contexto específico, em uma sociedade que pensa o Homem
como cidadão e que pensa uma concepção específica de Direito.
Veja um exemplo.

Ora, uma das principais características da concepção de


Homem que permeia as atuais leis brasileiras em vigor é
a de que cada indivíduo deve ser considerado cidadão e
que, se não houver impedimentos neste sentido, ele deve
ser respeitado como tal. Existem alguns
A nossa constituição, promulgada no dia 05 de outubro impedimentos, previstos
de 1988, em várias passagens evidencia este anseio de na legislação, para o
reconhecer cada um dos brasileiros como cidadão. Tanto é exercício da cidadania.
assim que muitos denominam tal carta magna de cidadã. Por exemplo, o indivíduo
considerado relativamente
incapaz ou mesmo
incapaz. Nestes aspectos,
Tal como este exemplo brasileiro, relativo ao reconhecimento há impedimentos para o
exercício de alguns direitos
contemporâneo do Homem como cidadão em função de leis já
do cidadão.
instituídas, é muito difundida no Ocidente a ideia de que todo
homem deve ser tratado como cidadão. Como já observado, esta
é uma perspectiva geral, pois há várias exceções.

Outra característica da concepção de Homem que norteia o


Direito na contemporaneidade é a seguinte:

Na contemporaneidade, cada vez mais juristas e não


juristas difundem, promovem, a perspectiva de que a
lei deve ser pensada a partir do próprio Homem e/
ou para o próprio Homem.

Unidade 4 151

filosofia_do_direito.indb 151 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Esta perspectiva humanista de Direito é resultado de um


processo ético, político, econômico, histórico e cultural que não
começou hoje e nem em nossa cultura.

Na sequência, você estudará duas seções que corroboram a


perspectiva humanista como base para a constituição do Direito
contemporâneo: a que aborda os Direitos Humanos e suas
gerações; e a que aborda diferentes modos de fundamentar o
Direito, com destaque para a perspectiva social.

Seção 2 – Os Direitos Humanos e suas gerações


Nesta seção, você estudará os Direitos Humanos e suas diferentes
gerações. Procure observar que as diferentes gerações de Direitos
Humanos são fundamentadas em diferentes valores éticos e
políticos.

Contemporaneamente, muito se ouve sobre os Direitos


Humanos, seja nos noticiários de telejornais, nas revistas, nos
jornais, nas entrevistas, etc. Você já deve ter ouvido várias
referências a este tema, não é mesmo?

Mas por que há tanta menção a este tipo de Direito,


aos Direitos Humanos?

Duas teses básicas muito contribuem para a difusão e propagação


dos Direitos Humanos, na contemporaneidade:

„„ o Homem precisa ser tratado como cidadão;

„„ o Homem precisa ter reconhecidos alguns direitos


fundamentais.

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filosofia_do_direito.indb 152 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

O Homem precisa ser tratado como cidadão


A ideia de Homem – conforme a concepção de Direitos
Humanos – está intimamente relacionada ao reconhecimento
deste como cidadão, que tem direitos, deveres e é partícipe de
uma sociedade politicamente organizada.

Anseia-se, assim, garantir direitos a todos os seres humanos,


sem distinção de classe social, de etnia, de idade, de sexo, de
biótipo, de nacionalidade, etc. Neste sentido, a garantia de direito
é pensada em termos de universalidade, ou seja, deve haver uma
amplitude universal, válida para todos os seres humanos.

Muitos juristas e não


O Homem precisa ter reconhecidos alguns direitos juristas se dedicam a
fundamentais debater, profundamente,
quais direitos devem
O outro propósito relevante dos Direitos Humanos abrange ser considerados como
o estabelecimento de direitos fundamentais, necessários à fundamentais. Certamente,
o direito à saúde é mais
manutenção da vida, do ser humano em geral. relevante que o direito a
férias. Muitos outros direitos
poderiam ser pensados
Lembre-se! Direitos fundamentais são aqueles como fundamentais, tal
considerados básicos, indispensáveis ao homem, ao como o direito à liberdade,
seu convívio em sociedade. ao trabalho, à segurança,
etc. Atente que a discussão
não encontrou um consenso
e que os debates continuam
e continuarão...
Calorosas discussões são realizadas em função do embate sobre
quais devem ser os direitos fundamentais. Contudo a maior parte
das pessoas concordaria que o direito à vida, por exemplo, é um
direito que deve ser garantido a todo ser humano.

Afinal, o que são Direitos Humanos?


Antes de estudar uma definição de Direitos Humanos, como
incitamento ao seu pensar, realize a seguinte tarefa:

Unidade 4 153

filosofia_do_direito.indb 153 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Procure elaborar uma definição sobre Direitos Humanos.


Se desejar, use o espaço abaixo para anotar tal definição:

Compare sua definição com a seguinte definição de Direitos


Humanos, básica para os estudos desta seção, unidade e livro didático:

Os Direitos Humanos se referem à perspectiva de se


pensar a lei em função do Homem, do cidadão, como
base ou como sua finalidade; com o propósito de se
garantirem direitos básicos e fundamentais; conforme
uma amplitude universal, i. e., válida para todos os
seres humanos.

- Você considera que há pontos convergentes entre as duas definições?

154

filosofia_do_direito.indb 154 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

■ Se há pontos convergentes, então concordamos


com algumas características básicas dos Direitos
Humanos, não é mesmo? Ainda assim, com o propósito
de ampliarmos nossa compreensão sobre o assunto,
faça uma pesquisa livre na internet em busca de
outra definição de Direitos Humanos e, depois
de encontrá-la, copie-a e publique-a por meio da
ferramenta Exposição, do EVA. Não se esqueça de
expor o endereço do site fonte de pesquisa assim como
de conhecer as definições publicadas pelos colegas.

■ Se não há pontos convergentes, então não se


preocupe, pois você terá oportunidade de publicar sua
perspectiva sobre a definição, por meio da ferramenta
Exposição, do EVA. Publique (em no máximo cinco
linhas) sua definição de Direitos Humanos e justifique
(em no máximo cinco linhas) por que tal definição
melhor demarca a questão. Não se esqueça de
conhecer as definições publicadas pelos colegas.

Com esta atividade colaborativa, estaremos ampliando nossa


compreensão sobre a definição de Direitos Humanos.

Infelizmente, a maior parte da população, do Brasil e do


mundo, não compreende a amplitude da concepção de
Direitos Humanos, associando tais direitos a injustiças
ou a privilégios descabidos.

Veja que, pela definição anterior, os Direitos Humanos


não se restringem a bandidos, nem estabelecem
a exclusiva proteção a políticos corruptos ou a
empresários inescrupulosos – como grande parte da
população apregoa.

Os Direitos Humanos não constituem privilégios ou


instrumentos de proteção de pessoas de mau caráter,
mas o acatamento e a defesa de que todos os seres
humanos devem ter reconhecido um mínimo de
direitos fundamentais.

Unidade 4 155

filosofia_do_direito.indb 155 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Com o propósito de compreender como os Direitos Humanos


desenvolveram-se, acompanhe, na próxima seção, suas diferentes
gerações.

Gerações de Direitos Humanos


Os Direitos Humanos desenvolveram-se em gerações de direitos,
norteadas por específicos valores éticos e políticos. Veja algumas
observações sobre os termos geração e geração de direito.

Grosso modo, na área da Biologia, o termo geração é compreendido


como a expressão que denota indivíduos pertencentes a uma mesma
família, mas que são específicos conforme diferentes graus de
filiação (filho, pai, avô, bisavô...). Neste contexto, geração implica
uma família e diferentes indivíduos.

- Afinal, o que significa a expressão gerações, relativa a Direitos


Humanos?

Gerações de Direitos Humanos se refere a um conjunto


de direitos que guardam uma relação muito próxima,
como de uma família. Embora possamos dizer que
diferentes gerações de direito guardem uma relação
de família, precisamos atentar que cada uma destas
gerações é fundamentada por um valor ético e
político respectivo, diferente.
Valor ético e político é
um princípio que os seres Ainda, nesta acepção, as gerações de direitos mais
humanos escolhem e novas sucedem as gerações de direitos mais antigas e
adotam como base para “dependem” desta(s) para existirem – tal é o caso da
uma ação moral ou social. existência de um filho (mais novo) em relação ao pai
(mais antigo).

Vários estudos sobre os Direitos Humanos versam sobre o critério


geração. Contudo muitos destes estudos divergem quanto aos valores,
aos princípios que fundamentam tais gerações de Direitos Humanos,
sobre a quantidade de gerações, etc.

156

filosofia_do_direito.indb 156 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Veja, por exemplo e sucintamente, a classificação proposta por Bobbio


e por Ferreira Filho a respeito:

Norberto Bobbio, no livro A Era dos Direitos (1998, p.


1-14), fala sobre quatro gerações de Direitos Humanos:

1ª geração - fundamentada na liberdade;


2ª geração - fundamentada nos direitos sociais;
3ª geração - fundamentada nos problemas difusos,
inclusive movimentos ecológicos;
4ª geração - fundamentada nas pesquisas Figura 4.1 - Norberto Bobbio
biológicas e manipulações genéticas. Fonte: Vitale (2006).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no livro Direitos


Humanos Fundamentais (2003, p. 1-69), aborda três
gerações de Direitos Humanos:

1ª geração - fundamentada em liberdades


públicas;
2ª geração - fundamentada em direitos
econômicos e sociais;
3ª geração - fundamentada na solidariedade. Figura 4.2 - Manoel Gonçalves
Ferreira Filho.
Fonte: Governo do Estado de
São Paulo ([2008?]).

A classificação que lhe propomos aqui aborda cinco gerações,


considerando cinco diferentes valores éticos e políticos que
nortearam o reconhecimento de Direitos Humanos. Acompanhe:

1 - A liberdade como valor ético e político que fundamenta a primeira


geração dos Direitos Humanos

- Você sabe o que é liberdade?

Liberdade pode ser definida como o poder do Homem


fazer ou deixar de fazer algo.

Unidade 4 157

filosofia_do_direito.indb 157 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

As leis do Estado, seja ele qual for, geralmente explicitam os alcances


e os limites da liberdade do cidadão. Em todos os tratados legais da
história da humanidade é possível identificar a preocupação com a
liberdade do cidadão, quer ao restringir quer ao permitir um fazer
do Homem. Contudo a primeira geração dos Direitos Humanos só
surge quando a liberdade foi pensada para todo Homem, como um
direito universal e fundamental, durante a Idade Média.

Acompanhe, por meio do quadro 4.1, exemplos de Direitos


Humanos de primeira geração, fundamentados no valor liberdade.

A liberdade como valor ético e político que fundamenta a primeira geração de DH


Trecho Valor básico Ano Lei ou tratado

Art. 42º. “[...] será lícito a qualquer pessoa sair Liberdade de


do reino e a ele voltar, em paz e segurança, 1215 Magna Carta
locomoção
por terra e por mar [...]”

Art. XVI. “[...] todos os homens têm igual Declaração de


direito ao livre exercício da religião, de acordo Liberdade 1776 Direitos do Bom
com o que dita sua consciência [...]” Povo de Virgínia

Art. 11º. “A livre comunicação das idéias e das Declaração de


Liberdade de
opiniões é um dos mais preciosos direitos do 1789 Direitos do Homem e
expressão
homem.” do Cidadão

Quadro 4.1 – Exemplos da liberdade como valor que fundamenta a primeira geração dos Direitos
Humanos
Fonte: Pacheco (2010).

2 - O valor ético-político igualdade fundamenta a segunda geração dos


Direitos Humanos

- Você sabe que é igualdade ?

Igualdade pode ser definida como a condição em que


o Homem é tratado do mesmo modo que os demais.

158

filosofia_do_direito.indb 158 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

As leis do Estado, seja ele qual for, geralmente explicitam as


condições em que ocorre “igualdade entre os cidadãos”. Em alguns
tratados legais, encontrados no decorrer da história da humanidade,
é possível identificar itens que versam sobre a igualdade do cidadão.
Contudo, só na modernidade, surge a segunda geração dos Direitos
Humanos, à medida que a igualdade é pensada como um direito
universal e fundamental para todo Homem.

Acompanhe, por meio do quadro 4.2, exemplos de Direitos


Humanos de segunda geração, fundamentados na igualdade.

A igualdade como valor ético e político que fundamenta a segunda geração de DH


Trecho Valor básico Ano Lei ou tratado

Igualdade Declaração de
Art. I. “[...] todos os homens são, por natureza, do direito a 1776 Direitos do Bom
igualmente livres e independentes [...]” Liberdade Povo de Virgínia

Declaração de
Art. 1º. “Os homens nascem e são livres e Igualdade 1789 Direitos do Homem
iguais em direitos.” universal e do Cidadão

Art. 22º. “A instrução é necessidade de todos. Igualdade


A sociedade deve favorecer com todo o seu Declaração
de ser 1793
poder os progressos da razão pública e pôr a Francesa
instrução ao alcance de todos [...]” instruído

Quadro 4.2 – Exemplos da igualdade como valor que fundamenta a segunda geração dos Direitos
Humanos
Fonte: Pacheco (2010).

3 - O valor ético-político fraternidade fundamenta a terceira geração dos Direitos


Humanos

- Você sabe o que é fraternidade ?

Fraternidade pode ser definida como a condição em


que o Homem é tratado com solidariedade, carinho,
harmonia, paz.

Unidade 4 159

filosofia_do_direito.indb 159 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

No decorrer da história da humanidade, poucos Estados


propuseram leis que contemplassem a fraternidade. Só no final
da modernidade e no início da contemporaneidade, é possível
identificar o surgimento da terceira geração dos Direitos
Humanos, à medida que a fraternidade é pensada como um
direito universal e fundamental, para todo Homem.

Acompanhe, por meio do quadro 4.3, exemplos de Direitos


Humanos de terceira geração, fundamentados na fraternidade.

A fraternidade como valor ético e político que fundamenta a terceira geração de DH


Trecho Valor básico Ano Lei ou tratado
Art. 21º. “Os socorros públicos são uma dívida
sagrada. A sociedade deve (providenciar) Fraternidade
a subsistência aos cidadãos infelizes, seja por Declaração
1793
procurando-lhes trabalho, seja assegurando assistência Francesa
os meios de existência aos que não têm social
condições de trabalhar.”

Art. 1º. “Todos os homens [...] são dotados de Declaração


Fraternidade
razão e consciência e devem agir em relação 1948 Universal dos
universal
uns aos outros com espírito de fraternidade.” Direitos Humanos

Fraternidade
Art. 23º. “Os povos têm direito à paz e à Carta Africana dos
por meio
segurança tanto no plano nacional como no 1981 Direitos Humanos e
da paz e da
plano internacional.” dos Povos
segurança

Quadro 4.3 – Exemplos da fraternidade como valor que fundamenta a terceira geração dos Direitos
Humanos
Fonte: Pacheco (2010).

4 - O valor ético-político alteridade fundamenta a quarta geração dos


Direitos Humanos

- Você sabe o que é alteridade?

Alteridade pode ser definida como a condição em que


o Homem é tratado em suas especificidades, como
singular, como diferente dos demais.

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filosofia_do_direito.indb 160 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

No decorre da história da humanidade, poucos foram os Estados


os quais propuseram leis que contemplassem a alteridade. É na
contemporaneidade que identificamos o surgimento da quarta
geração dos Direitos Humanos, à medida que a alteridade é pensada
como um direito universal e fundamental, para todo Homem.

Acompanhe, por meio do quadro 4.4, exemplos de Direitos


Humanos de quarta geração, fundamentados na alteridade.

A alteridade como valor ético e político que fundamenta a quarta geração de direito DH
Trecho Valor básico Ano Lei ou tratado

Art. 1º. “[...] toda pessoa humana e todos Declaração Sobre


os povos estão habilitados a participar do Alteridade de 1986 o Direito ao
desenvolvimento econômico, social, cultural desenvolver-se Desenvolvimento
e político [...]”

Art. 1º. “O direito humano ao


Alteridade Declaração Sobre
desenvolvimento também implica a 1986 o Direito ao
plena realização do direito dos povos de de realização Desenvolvimento
autodeterminação [...]”

Art. 5º. “A comunidade internacional deve


tratar os Direitos Humanos globalmente
Alteridade Conferência
de forma justa [...] As particularidades 1993 Mundial de
nacionais e regionais devem ser levadas universal Direitos Humanos
em consideração, assim como os diversos
contextos históricos, culturais e religiosos [...]”

Quadro 4.4 – Exemplos da alteridade como valor que fundamenta a quarta geração dos Direitos
Humanos
Fonte: Pacheco (2010).

5 - O valor ético-político de respeito à vida de todos os seres vivos,


inclusive os futuros, fundamenta a quinta geração dos Direitos Humanos

- Como você entende o respeito à vida de todos os seres vivos?

Respeito precisa ser entendido como a condição em


que o Homem reverencia, valoriza, reconhece a vida
dos outros seres vivos, além da sua própria.

Unidade 4 161

filosofia_do_direito.indb 161 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Na contemporaneidade, o Homem se percebe cada vez mais


menos sozinho e repleto de responsabilidades. O Homem
não está só, pois há uma grande variedade de outros seres que
coabitam o mesmo planeta. As responsabilidades são amplas em
função da consciência que o Homem desenvolveu – neste sentido,
percebe cada vez mais que conservar a própria vida implica
conservar a vida dos demais seres, implica preservar a natureza.

Os homens também se conscientizam sobre sua finitude, seu


papel passageiro, e que seus filhos precisam de um planeta sadio,
harmônico e equilibrado para prosseguir com suas vidas.

Há pouquíssimo tempo, no final do século XX e neste começo do


século XXI, na contemporaneidade, os Estados têm procurado
reconhecer o respeito a todo tipo de vida (animal e vegetal),
inclusive as gerações futuras, promovendo o surgimento e o
desenvolvimento da quinta geração dos Direitos Humanos.
Observe que o respeito à vida é pensado como um direito universal
e fundamental para todo Homem – assim como um direito que
precisa ser estendido aos demais seres vivos, a outras espécies.

Neste respeito à vida, em sentido amplo, o genoma


Genoma se refere à humano também é alvo de discussões e garantias, uma
constituição genética de vez que se refere ao patrimônio de cada um.
um indivíduo.

Acompanhe, por meio do quadro 4.5, exemplos de Direitos


Humanos de quinta geração, fundamentados pelo respeito a todo
tipo de seres vivos, inclusive os futuros.

162

filosofia_do_direito.indb 162 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

O respeito a todo tipo de seres vivos, inclusive futuros,


como valor ético e político que fundamenta a quinta geração de DH
Trecho Valor básico Ano Lei ou tratado

Princípio 1º. “Os seres humanos estão Conferência das


no centro das preocupações com o Direito a viver em Nações Unidas sobre
desenvolvimento sustentável. Têm harmonia com a 1992 Meio Ambiente e
direito a uma vida saudável e produtiva, natureza Desenvolvimento –
em harmonia com a natureza”. ECO 92

Princípio 3º. “O direito ao Direito a um Conferência das


desenvolvimento deve ser exercido de meio-ambiente Nações Unidas sobre
modo a permitir que sejam atendidas preservado – 1992 Meio Ambiente e
equitativamente as necessidades de para gerações Desenvolvimento –
desenvolvimento e de meio ambiente presentes e ECO 92
das gerações presentes e futuras.”. futuras

Garantia
Art. 7º. “Os dados genéticos relativos à universal de Declaração Universal
pessoa identificável, armazenados ou confidência sobre o Genoma
processados para efeitos de pesquisa ou acerca do 1997 Humano e os Direitos
qualquer outro propósito de pesquisa, próprio Humanos
deverão ser mantidos confidenciais [...]”. patrimônio
genético

Quadro 4.5 – Exemplos do respeito a todo tipo de seres vivos, inclusive futuros, como valor que
fundamenta a quinta geração dos Direitos Humanos
Fonte: Pacheco (2010).

Infelizmente, na contemporaneidade, precisamos


admitir que somos nós, os homens, os maiores
destruidores da natureza; os maiores exterminadores
de outras espécies; assim como os maiores algozes
de nós mesmos. Felizmente, ainda podemos mudar
este quadro. Neste sentido, os Direitos Humanos
podem contribuir para esta mudança, pessoal, social e
ambiental.

Unidade 4 163

filosofia_do_direito.indb 163 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

As cinco gerações de Direitos Humanos podem ser


pensadas como uma pirâmide. A base é formada
pela primeira geração dos Direitos Humanos,
fundamentada pela liberdade. Esta base foi condição
para o surgimento da segunda geração dos Direitos
Humanos, fundamentada pela igualdade. Depois,
considerando os dois degraus existentes, foi possível
desenvolver-se a terceira geração de Direitos Humanos,
orientada pela fraternidade. A partir deste contexto, foi
possível pensar Direitos Humanos de quarta geração,
fundamentados agora pela alteridade. Ampliando
ainda mais esta concepção de Direitos Humanos,
surgiram novas leis que procuram garantir a vida de
todos os seres vivos, inclusive os futuros.

Visualize na figura 4.3 uma representação deste entendimento:

Respeito a todos os seres


vivos, inclusive os futuros

Alteridade

Fraternidade

Igualdade

Liberdade

Figura 4.3 – As gerações dos Direitos Humanos


Fonte: Pacheco (2010).

164

filosofia_do_direito.indb 164 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Veja que o Homem destacado parece estar se


posicionando para propor uma nova geração de
Direitos Humanos. Que geração será esta? Ainda é uma
incógnita. Contudo é certo que os Direitos Humanos
estão sujeitos a um aprimoramento e depende de nós
propormos novos degraus nesta pirâmide.Todavia,
na contemporânea história da humanidade, é notório
ser muito mais importante lutar pela efetivação dos
direitos já cunhados do que propor outros.

Ainda, ao se estabelecerem ‘direitos’ para o Homem, é necessário


divulgar, esclarecer que há um dever implícito para cada direito
garantido, pois, ao ter direito à liberdade, devo reconhecer o
direito dos outros de serem livres; ao ter direito à igualdade...

Seção 3 – O homem e alguns diferentes modos de


fundamentar o Direito
Há diversas formas de fundamentar o Direito, de constituir o
Direito, que implicam, por sua vez, considerar o Homem de
modo específico. Estude na sequência alguns destes modos de
Fundamentação – Teológica, Régia, Natural e Social – e a forma
como o Homem é encarado em cada uma delas.

Fundamentação Teológica de Direito

Desde a Antiguidade, há Fundamentações Teológicas de


Direito. Neste tipo de fundamentação, as leis são embasadas
em entidades divinas que, diretamente ou indiretamente,
manifestam suas orientações.

Unidade 4 165

filosofia_do_direito.indb 165 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Os homens, em geral, em função de uma


Fundamentação Teológica de Direito, têm preterido
a perspectiva sobre a lei. Ou seja, há pouco ou
nenhum espaço para os homens se posicionarem
sobre o que deve ser a lei. Dito de outro modo, a lei
é fundamentada de modo independente ou quase
independente da vontade do Homem.

Como exemplo de Fundamentação Teológica de Direito, considere


os dez mandamentos como um código que orienta(va) os judeus
sobre o modo de agir. Ora, os dez mandamentos foram revelados
pelo próprio Deus a Moisés. Este foi o intermediário que anunciou
a lei que, por sua vez, impunha deveres a todos os judeus.

Não é questionado aqui o teor de cada um dos


mandamentos, mas tão somente caracterizado um
modo teológico de fundamentar a lei e o modo como
o Homem é considerado nesta perspectiva.

Ainda, embora as várias Fundamentações Teológicas de Direito


possam atenuar ou ignorar a importância do Homem para propor
a lei, observe que grande parte delas guarda orientações
preciosas sobre como o Homem deve agir. O preceito de não
matar, contido nos 10 mandamentos, por exemplo, é ainda hoje
uma preciosa lição. Na contemporaneidade, esta forma “pura” de
fundamentar o direito está praticamente suprimida.

Fundamentação Régia de Direito

Desde a Antiguidade há, também, Fundamentações Régias de


Direito. Neste tipo de fundamentação, as leis são embasadas em
um(ns) governante(s), como o ‘rei’, por exemplo e as leis impõem-
se para todos os demais. Observe que, neste caso, as leis não são
consequência de uma fundamentação divina, mas da(s) vontade(s)
pessoal(is) daquele(s) que governa(m).

166

filosofia_do_direito.indb 166 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Neste tipo de fundamentação, régia, a importância


do Homem é reconhecida, uma vez que a
lei é desenvolvida a partir dele. Contudo tal
reconhecimento é parcial, pois uma única voz ou
poucas vozes determina(m) o que os demais seres
humanos devem/podem fazer, ou não devem/podem
fazer. Assim, neste modo de fundamentar o direito, o
reconhecimento da importância do Homem, enquanto
origem e finalidade da lei, ainda é débil.

Platão, na República, propõe um tipo de Fundamentação Régia


de Direito, por meio de uma cidade ideal, utópica. Nesta cidade,
as leis seriam determinadas pelos poucos filósofos/magistrados/
reis que comporiam a classe dos governantes. Os indivíduos
das demais classes, pertencentes à classe militar ou à classe
econômica (a grande maioria), deveriam obedecer às leis com
vistas ao bem público, à harmonia da cidade.

Obviamente, um ser humano maravilhoso pode


propor leis maravilhosas. Certamente alguns reis
foram generosos, reinando com o ‘coração’. Contudo a
concepção de rei está associada à concepção de súdito,
i. e., aquele que deve obediência ao seu senhor. Logo,
há aqui, sempre, uma relação assimétrica de poder. Em
um regime régio de direito, o rei não necessariamente
tem obrigações, compromissos, comprometimentos
com a isonomia, com o reconhecimento de
outros. Se tivesse, não proporia leis a partir única e
Isonomia se refere à lei
exclusivamente de si mesmo.
que é imposta de modo
igual para todos.

Embora possamos sonhar com cidades ideais, não é por acaso que
os regimes régios estão, cada vez mais, com baixa popularidade e
aceitação social.

Unidade 4 167

filosofia_do_direito.indb 167 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Fundamentação Natural de Direito


A Fundamentação Natural de Direito inaugura um modo de
pensar a lei a partir da natureza do Homem.

Natureza do Homem se refere à perspectiva peculiar,


própria, inata, que é inerente ao Homem. Equivale a
dizer que todo Homem nasce com uma mesma marca,
um mesmo conjunto de características básicas, i. e.,
uma natureza comum.

Observe que, neste tipo de Fundamentação de Direito, Natural,


as leis não são consequência de uma fundamentação divina, nem
da(s) vontade(s) pessoal(is) daquele(s) que governa(m) – mas da
concepção de natureza de Homem.

A questão que surge, por consequência, é: mas qual é a


natureza do Homem?

Não há uma única resposta para esta questão. Aliás, como você
deve estar pensando, agora há muitas respostas para esta
pergunta. Veja dois exemplos.

Na Antiguidade, Aristóteles afirma que o homem é, por


natureza, político. Na Modernidade, Rousseau afirma
que o Homem é, por natureza, feliz, igual e livre.

Outros exemplos poderiam ser evocados. Observe que, tanto para


Aristóteles quanto para Rousseau, a natureza do Homem é uma
condição básica, mesmo moral, para se pensarem as leis.

168

filosofia_do_direito.indb 168 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

O Homem, conforme a Fundamentação Natural


de Direito, tem seu papel ampliado em relação à
Fundamentação Teológica e à Fundamentação Régia.
Ora, ao se admitir uma natureza do ser humano como
base para a constituição de leis, decorre a necessidade
de se admitir que “todos” os seres humanos devem ser
contemplados por estas leis.

Veja que a Fundamentação Natural de Direito implica uma


“universalização” de direitos, conforme a natureza de Homem.
Conforme Lafer (2003,
p. 35) “Aristóteles, numa
Fundamentação Social de Direito conhecida passagem da
Retórica, estabelece a
distinção dicotômica entre
A Fundamentação Social de Direito representa um modo de
lei particular e lei comum.
fundamentar a lei diferente dos três modos já estudados. Nesta Lei particular é aquela que
perspectiva, as relações sociais que o Homem estabelece formam cada povo dá a si mesmo,
a base para se pensar a lei. podendo as normas dessa
lei particular ser escrita ou
É no final da Modernidade e durante a Contemporaneidade não-escrita. Lei comum
é aquela conforme à
que as relações sociais são reconhecidas como chaves para se
natureza, pois existe algo
compreender o Homem e a lei. que todos, de certo modo,
advínhamos sobre o que
por natureza é justo ou
injusto em comum, ainda
De que modo este tipo de fundamentação difere das que não haja nenhuma
demais? comunidade ou acordo.”

A Fundamentação Social de Direito difere da Fundamentação


Natural porque não pressupõe uma condição natural e igual para
todos. Conforme a Fundamentação Social de Direito, é preciso
reconhecer que uma natureza comum, para todos os homens, é
questionável, uma vez que mascara as desigualdades existentes
entre grupos sociais diferentes.

Estas diferenças estão presentes de muitos modos. A relação de


poder, por exemplo, nos permite compreender tais diferenças.
Veja um exemplo.

Unidade 4 169

filosofia_do_direito.indb 169 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Patrão e empregado, professor e aluno, pai e filho,


delegado e cidadão, inquilino e locador, vendedor
e comprador implicam diferentes relações sociais,
conforme diferentes exercícios de poder.

Grosso modo, a Fundamentação Social de Direito procura


superar a Fundamentação Natural de Direitos. Se esta última
fundamentação se baseia em uma visão “otimista”, ideal,
romântica, utópica, de Homem, a primeira procura reconhecer o
Homem como ele é, de fato, real, com suas virtudes e defeitos –
como a origem legítima das leis e fim último destas mesmas.

A Fundamentação Social de Direito difere da Fundamentação


Régia, porque propõe que a lei deve ser o resultado de um
consenso social, com o ônus e o bônus que advier deste consenso.
Neste sentido, a lei não é pensada a partir de um homem ou de
um pequeno grupo, mas da totalidade dos homens que compõem
a sociedade; enfim, pelo Homem.

A Fundamentação Social de Direito difere da Fundamentação


Teológica, porque propõe pensar a lei, primordialmente, em
função do Homem. Não se pretende desmerecer crenças, mas
enfatizar que a lei deve resultar do livre-arbítrio e da vontade do
Homem.

O Homem, conforme a Fundamentação Social de


Direito, tem seu papel reavaliado em relação à
Fundamentação Teológica, Régia e Natural.

A Fundamentação Social de Direito implica uma revisão de


direitos, conforme as reais condições que o Homem vive. Assim,
a constituição das leis procura, agora, considerar as mais variadas
relações sociais, contemporâneas, estabelecidas pelo Homem.

170

filosofia_do_direito.indb 170 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Saiba mais sobre as fontes do Direito, considerando a


perspectiva de Kelsen!
O pensamento de Kelsen evidencia uma critica a todas as formas
anteriores de pensar a fundamentação do Direito (teológica,
régia, natural e social), pois visa uma Teoria Pura do Direito (2003)
isenta, tanto quanto possível, de perspectivas metafísicas,
ideológicas, sociológicas, psicológicas etc. Neste sentido, a
norma positivada é objeto primeiro de estudo em detrimento
do homem e seus valores. Dentre as normas destaca-se a
‘fundamental’ que, por sua vez, valida hierarquicamente as
demais normas positivadas. Afirma Kelsen (2003, p. 258) que:
“Fontes de Direito é uma expressão figurativa que tem mais
do que uma significação. Esta designação cabe [...] a todos
os métodos de criação jurídica em geral, ou a toda norma
superior em relação à norma inferior cuja produção ela regula.
Por isso, pode por fonte de Direito entender-se também o
fundamento de validade de uma ordem jurídica, especialmente
o último fundamento de validade, a norma fundamental. No
entanto, efetivamente, só costuma designar-se como ‘fonte’
o fundamento da validade jurídico-positivo de uma norma
jurídica, quer dizer, a norma jurídica positiva do escalão superior
que regula a sua produção. Neste sentido, a Constituição é
a fonte das normas gerais produzidas por via legislativa ou
consuetudinária; e uma norma geral é a fonte de decisão judicial
que a aplica e que é representada por uma norma individual. Mas
a decisão judicial também pode ser considerada como fonte dos
deveres ou direitos das partes litigantes por ela estatuídos, ou da
atribuição de competência ao órgão que tem de executar esta
decisão. Num sentido jurídico-positivo, fonte do Direito só pode
ser o Direito. Mas a expressão é também usada num sentido não
jurídico quando com ela designamos todas as representações
que, de fato, influenciam a função criadora e a função aplicadora
do Direito, tais como, especialmente, os princípios morais e
políticos, as teorias jurídicas, pareceres de especialistas e outros.
Estas fontes devem, no entanto, ser claramente distinguidas das
fontes do Direito positivo. A distinção reside em que estas são
juridicamente vinculantes e aquelas não o são enquanto uma
norma jurídica positiva não delegue nelas como fonte de Direito,
isto é, as torne vinculantes.”

Unidade 4 171

filosofia_do_direito.indb 171 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você estudou a perspectiva humanista como


importante base de fundamentação do Direito contemporâneo.
Identificou que a concepção de Homem que predomina na sociedade
ocidental contemporânea implica reconhecê-lo como cidadão.
Também conheceu que as leis, na contemporaneidade, geralmente,
procuram considerar o Homem como princípio ou como fim.

Para corroborar a importância elementar do Homem para a


constituição contemporânea de leis, você estudou a concepção
de Direitos Humanos e alguns diferentes tipos de fundamentar
o Direito.

Ao conhecer a concepção de Direitos Humanos, você identificou


que esta procura considerar todo homem como ser que
precisa ter garantido um conjunto de direitos fundamentais.
Especificamente, você conheceu cinco distintas gerações dos
Direitos Humanos e como cada uma delas é orientada por
um valor ético e político: liberdade, igualdade, fraternidade,
alteridade e respeito a todo tipo de vida, inclusive de seres
futuros. Enfim, você identificou que diferentes garantias legais
foram promovidas e conquistadas para o Homem à medida que
se desenvolviam gerações de Direitos Humanos.

Você também conheceu alguns diferentes modos de fundamentar


o Direito, conforme o entendimento de Homem. Nesta
perspectiva, você conheceu a Fundamentação Teológica, Régia,
Natural e Social de Direito. Você identificou que os homens
exercem diferentes papéis conforme a fundamentação de direito
preponderante e vigente.

Você identificou que o papel do Homem, para a proposição da


lei, na Fundamentação Teológica de Direito é praticamente
inexistente. O papel do Homem para a proposição da lei
conforme a Fundamentação Régia de Direito é ampliado, em
relação à Fundamentação Teológica, embora a maior parte dos
homens tenha que se curvar diante da vontade de um soberano.
Em função da Fundamentação Natural de Direito, o papel do
Homem para a proposição da lei deve ser universalizado, em

172

filosofia_do_direito.indb 172 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

função de uma natureza comum, existente em todos os seres


humanos. Com a Fundamentação Social de Direito, o papel
do Homem é repensado em função da perspectiva social. As
relações sociais que o Homem estabelece representam uma linha
interpretativa chave e pertinente à proposição de leis – mesmo
que isso implique reconhecer desigualdades existentes.

Atividades de autoavaliação
Você realizará atividades de autoavaliação ao final de cada unidade, com o
objetivo de desenvolver a sua aprendizagem. No final do livro didático, há
um gabarito, mas esforce-se para resolver as atividades sem a ajuda deste.

1) Complete as palavras cruzadas. Esta atividade visa exercitar sua


capacidade de identificação e compreensão dos conceitos estudados
nesta unidade.

I) Área do Direito que procura garantir direitos universais e


fundamentais, considerando o Homem como base e finalidade da lei.
II) Valor ético e político que fundamenta a primeira geração dos Direitos
Humanos.
III) Valor ético e político que fundamenta a segunda geração dos
Direitos Humanos.
IV) Valor ético e político que fundamenta a terceira geração dos Direitos
Humanos.
V) Valor ético e político que fundamenta a quarta geração dos Direitos
Humanos.
VI) Valor ético e político que fundamenta a quinta geração dos Direitos
Humanos, referente à vida de todo tipo de ser vivo, inclusive futuro.
VII) Perspectiva que reconhece os deuses ou seres divinos como base
para a fundamentação do Direito.
VIII) Perspectiva que reconhece um monarca como base para a
fundamentação do Direito.
IX) Perspectiva que reconhece a natureza do homem como base para a
fundamentação do Direito.
X) Perspectiva que reconhece as relações sociais como base para a
fundamentação do Direito.

Unidade 4 173

filosofia_do_direito.indb 173 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

X IV

IX

VI

II VIII

III

VII

2) Identifique duas perspectivas humanistas que contribuem para a


fundamentação do Direito contemporâneo.

174

filosofia_do_direito.indb 174 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

3) Identifique, por meio do seguinte quadro, a importância do Homem,


conforme os seguintes e diferentes modos de fundamentar o Direito.

Fundamentação
Papel do Homem na Fundamentação de Direito
de Direito

Teológica

Régia

Natural

Social

Quadro 4.6: Fundamentação de Direito e papel do Homem


Fonte: Elaboração dos autores (2010).

4) Leia atentamente o texto a seguir.


Cidadãs de segunda classe? As melhores leis a favor das mulheres
de cada país-membro da União Europeia estão sendo reunidas por
especialistas. O objetivo é compor uma legislação continental capaz
de contemplar temas que vão da contracepção à equidade salarial, da
prostituição à aposentadoria. Contudo uma legislação que assegure
a inclusão social das cidadãs deve contemplar outros temas, além dos
citados.

São dois os temas mais específicos para essa legislação:

a) ( ) aborto e violência doméstica.

b) ( ) cotas raciais e assédio moral.

c) ( ) educação moral e trabalho.

d) ( ) estupro e imigração clandestina.


e) ( ) liberdade de expressão e divórcio.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2008, p. 2).

Unidade 4 175

filosofia_do_direito.indb 175 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

5) Leia atentamente o texto a seguir

O caráter universalizante dos direitos do homem [...]


não é da ordem do saber teórico, mas do operatório ou
prático: eles são invocados para agir, desde o princípio,
em qualquer situação dada.
(François JULIEN, filósofo e sociólogo.)

Neste ano [2008], em que são comemorados os 60 anos da Declaração


Universal dos Direitos Humanos, novas perspectivas e concepções
incorporam-se à agenda pública brasileira. Uma das novas perspectivas
em foco é a visão mais integrada dos direitos econômicos, sociais,
civis, políticos e, mais recentemente, ambientais, ou seja, trata-se da
integralidade ou indivisibilidade dos direitos humanos.
Dentre as novas concepções de direitos, destacam-se:

„„ a habitação como moradia digna e não apenas como


necessidade de abrigo e proteção;
„„ a segurança como bem-estar e não apenas como necessidade
de vigilância e punição;
„„ o trabalho como ação para a vida e não apenas como
necessidade de emprego e renda.

Tendo em vista o exposto acima, selecione uma das concepções


destacadas e esclareça por que ela representa um avanço para o
exercício pleno da cidadania, na perspectiva da integralidade dos
direitos humanos.
Seu texto deve ter entre 8 e 10 linhas.

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2008, p. 5).

176

filosofia_do_direito.indb 176 12/07/12 13:31


Filosofia do Direito

Saiba mais
Você quer saber mais sobre os assuntos tratados nesta unidade?
Então consulte as seguintes referências:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,


1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 9.


ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos


fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2003.

LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1995.

Você conhece a distinção entre os termos Acordo, Tratado,


Convenção, Protocolo, Resolução, Estatuto – muito usados no
âmbito do ordenamento pertinente aos direitos humanos? Leia as
seguintes explicações, disponíveis no site da ONU / Brasil.

No âmbito das Nações Unidas, são produzidos vários


documentos jurídicos, sobre os mais diversos temas – de direitos
políticos da mulher até escravatura, de direito penal internacional
à preservação da diversidade biológica, de proibição de
armas químicas a direitos das crianças. Os instrumentos mais
comuns para expressar a concordância dos Estados-membros
sobre temas de interesse internacional são acordos, tratados,
convenções, protocolos, resoluções e estatutos.
O termo acordo é usado, geralmente, para caracterizar
negociações bilaterais de natureza política, econômica,
comercial, cultural, científica e técnica. Acordos podem ser
firmados entre países ou entre um país e uma organização
internacional.

Unidade 4 177

filosofia_do_direito.indb 177 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

Tratados são atos bilaterais ou multilaterais aos quais se deseja


atribuir especial relevância política.
A palavra convenção costuma ser empregada para designar
atos multilaterais, oriundos de conferências internacionais e que
abordem assunto de interesse geral.
Protocolo designa acordos menos formais que os tratados.
O termo é utilizado, ainda, para designar a ata final de uma
conferência internacional.
Resoluções são deliberações, seja no âmbito nacional ou
internacional.
Estatuto é um tipo de leis que expressa os princípios que regem
a organização de um Estado, sociedade ou associação.

Fonte: Nações Unidas no Brasil (2004).

178

filosofia_do_direito.indb 178 12/07/12 13:31


Para concluir o estudo

Caríssimo(a),

Parabéns por todo o esforço, disciplina e


comprometimento que você investiu para compreender
os conteúdos reunidos neste livro didático e relativos à
Filosofia do Direito.

Ao final deste livro didático, esperamos que você tenha


percebido que o Direito é complexo, que há inúmeras
perspectivas sobre este e, assim, que não podemos nos
posicionar de modo absoluto sobre o mesmo.

Atente que todas as perspectivas aqui abordadas são


merecedoras de maior aprofundamento, o que, quando
efetivado, permite evidenciar, ainda mais, que as
discussões, práticas e teorizações sobre o Direito não
se esgotam, mas estão em fase de construção e revisão
contínua, seguem em busca de uma resposta mais
satisfatória que a anterior...

Tal procura contínua é própria do operador do direito


que pensa, age e vive como filósofo, que não se contenta
com o já dado, que procura inquirir os conteúdos
inerentes a sua especialidade, que exerce sua condição de
homem, na sua plenitude...

Esperamos que você tenha apreciado a aprendizagem


relativa às diversas perspectivas estudadas. Sucesso em
sua caminhada acadêmica.

Professores Leandro, Carlos, Samantha, Sérgio e José


Dimas

filosofia_do_direito.indb 179 12/07/12 13:31


filosofia_do_direito.indb 180 12/07/12 13:31
Referências

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CEC, 1997.
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direito em Kant. In: Kriterion. Belo Horizonte: Fafich/UFMG, nº
114, Dez/2006, p. 209-222. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/kr/v47n114/a0247114.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2009.
ARENDT, Hannah. La condición humana. Barcelona: Paidos
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução Mário da Gama Kury.
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BARZOTTO, Luis Fernando. Prudência e jurisprudência – uma
reflexão epistemológica sobre a jurisprudência romana a partir
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BIBLIOTECA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS DA USP. Disponível
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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,
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BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4. Ed. Brasília: Edunb,
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São Paulo: Ícone, 1995.

filosofia_do_direito.indb 181 12/07/12 13:31


Universidade do Sul de Santa Catarina

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BROCHADO, Maria. Direito & ética. A eticidade do fenômeno jurídico. São
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BUGLIONE, Samantha. A bússola e a balança em tempos de
democracias constitucionais: os dilemas e o paradoxo da proteção
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CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1996.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Vol. I.
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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais.
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182

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Filosofia do Direito

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GROPPALI, Alexandre. Doutrina do estado. Tradução da 8. ed. italiana por
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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA. Prova ENADE 2005 do curso de Filosofia. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br/download/enade/2005/provas/FILOSOFIA.pdf>.
Acesso em: 15 set. 2009.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA. Prova ENADE 2008 do curso de Filosofia. Disponível em:
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Acesso em: 15 set. 2009.
JUNG, Carl Gustav. O arquétipos e inconsciente coletivo. Tradução de
Maria Luíza Appy; Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Petrópolis: Editora
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KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa:
Edições 70, 1988.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Tradução Luís
Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes; Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1990.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
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MEINECKE, Friederich. El Historicismo y su génesis. 2. ed. México: Fondo
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VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
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186

filosofia_do_direito.indb 186 12/07/12 13:31


Sobre os professores conteudistas

Carlos Euclides Marques é formado em Filosofia


(Bacharel e Licenciado) e mestre em Literatura, na
área de Teoria Literária pela UFSC. Já foi professor
da Univali e, atualmente, trabalha na Unisul e na
UFSC (professor substituto). Já participou de várias
bancas de TCC e publicou alguns artigos nas áreas de
crítica literária e estética. Escreveu, em parceria com
a professora Maria Juliani Nesi, os Livros Didáticos
Antropologia Filosófica e História da Filosofia II, além de
contribuir com a revisão de outros.

Leandro Kingeski Pacheco é bacharel (1994),


licenciado (1997) e mestre (2005) em Filosofia, pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Junto ao Centro de Educação a Distância (CEAD) da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC),
atuou (2001-2005) como professor de Filosofia, de
Direitos Humanos e Cidadania, de Educação e Meio
Ambiente, de Tecnologia, Educação e Aprendizagem e
de Metodologia da Educação a Distância, assim como
desenvolveu atividades de Supervisor Pedagógico.
Também lecionou Filosofia da Educação pela Faculdade
de Educação (FAED) da UDESC. Por esta universidade
é co-autor dos seguintes livros didáticos: Filosofia
Moderna e Contemporânea; Direitos Humanos e Cidadania;
Globalização e Cidadania. Pela Universidade do Sul de
Santa Catarina (UNISUL), atuou de 2005 a 2008 como
designer instrucional, no setor de Desenho Educacional
do Campus UnisulVirtual e atua como docente em
algumas disciplinas deste campus. Pela UNISUL
é co-autor dos seguintes livros didáticos: Filosofia;
Fundamentos Filosóficos, Sociológicos e Antropológicos

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Universidade do Sul de Santa Catarina

da Educação da Infância; Ética no Poder Judiciário; Lógica I;


Fundamentos da Educação a Distância – e autor do livro didático
Ontologia I. Atualmente exerce a função de assistente pedagógico,
na educação presencial, vinculado à Gerência de Ensino,
Pesquisa e Extensão do Campus Norte da UNISUL.

Seu currículo lattes está disponível para consulta on-line no


site do CNPq, por meio do endereço: <http://lattes.cnpq.
br/1051742419851088>.

José Dimas d’Avila Maciel Monteiro é bacharel em Filosofia e


Mestre em Letras (Teoria Literária) pela Universidade Federal
de Santa Catarina, desenvolvendo pesquisas em Filosofia Grega
(Aristóteles) e em Estética (Schiller). Na Universidade do Sul
de Santa Catarina, é professor de Filosofia no curso de Direito.
Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia,
atuando principalmente nos seguintes temas: Ética, Bioética e
Filosofia do Direito.

Samantha Buglione é doutora em Ciências Humanas pela


UFSC, Mestre e Bacharel em Direito pela PUCRS. Professora
de Direito, Bioética e do Mestrado em Gestão de Políticas
Publicas da Univali/SC. Autora do livro “Direito, Ética e
Bioética: Fragmentos do Cotidiano” da Editora Lumen,
2009. Coordenadora do CLADEM - Brasil (www.cladem.org) e
da ONG Antigona (www.antigona.org.br).

Samanthabuglione.blogspot.com/buglione@antigona.org.br

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Filosofia do Direito

Sérgio Sell é bacharel e Licenciado em Filosofia e Mestre em


Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Atuou como professor substituto do Departamento de Filosofia


da UFSC (1998-1999). Foi professor de Filosofia da Educação
e de Epistemologia no Curso de Pedagogia da Universidade do
Vale do Itajaí (2000-2004). Desde 2007, vem atuando também
como professor do ensino médio, na rede pública da Santa
Catarina, lotado na Escola de Educação Básica Irmã Maria
Teresa, em Palhoça.

Desde 2000, está vinculado à UNISUL, onde atuou no curso


de Filosofia, ministrando, entre outras, as disciplinas de Lógica
I e Lógica II, além de atuar como professor de Filosofia em
diversos cursos da Universidade. Desde 2005, é também tutor da
UnisulVirtual.

É autor dos seguintes livros didáticos usados no curso de Filosofia


da UnisulVirtual: História da Filosofia I, Discurso Filosófico II (guia
de leitura do Novum Organum, de F. Bacon), Lógica I

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Respostas e comentários das
atividades de autoavaliação

Unidade 1
1) Letra c: “o problema atual dos direitos humanos é o de que,
apesar de positivados e constitucionalizados, carecem de ser
efetivados”.

2) Sequência correta:
a) ( 3 ) normativos
b) ( 5 ) senso moral
c) ( 1 ) juízo de fato
d) ( 4 ) vista moral
e) ( 2 ) juízos de valor

3) Letra d: As alternativas I, II e IV estão corretas.

Unidade 2
1) Letra ‘a’.
2) Letra ‘d’
3) Letra ‘d’
4) a) Letra ‘P’
b) Letra ‘A’
c) Letra ‘P’
d) Letra ‘A’
e) Letra ‘P
f) Letra ‘A’
g) Letra ‘P’
h) Letra ‘A’
i) Letra ‘A’

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Universidade do Sul de Santa Catarina

Unidade 3
1) O Direito como Prudência – tem base na teoria aristotélica de Justiça
(o Justo é o equitativo) e nas instituições romanas. O Direito como
equidade vincula-se a uma concepção aristotélica de que tanto a Polis
quanto o Direito são os meios para realizar o fim (a finalidade – telos)
humano, que é a felicidade.

O Direito como Dogma – é característico do período feudal. A sua


aplicabilidade pressupõe uma autoridade cuja legitimidade é dada
por Deus. No Direito como Dogma, a autoridade é hierárquica e as
prescrições sobre certo, bem e justo se confundem nos pressupostos da
moral cristã.

O Direito como Ordenação Racional – é caracterizado pelos Estados


modernos, os quais são formados por unidades políticas duradouras,
impessoais e fixas. Os estados modernos surgem de um consenso
quanto à necessidade de uma autoridade suprema. Portanto as
principais características do Estado são: instituições; território
geograficamente limitado; povo; monopólio da criação das regras.

O Direito Ético de Democracias Constitucionais – as democracias


constitucionais têm a ética como sua maior expressão dada,
principalmente pelo espectro da liberdade e dos meios de garantia
desta. Os Direitos Fundamentais são a principal garantia de sua
manutenção.

2) a) A Teoria Essencialista defende a ideia de que deve haver – a princípio


– apenas uma definição válida sobre as coisas, por essa razão o conceito
válido é o conceito que descreve o que é das coisas.
b) Na perspectiva da Teoria Convencionalista, o que existe, decorre das
relações sociais. A linguagem, nestes termos, é vista como um sistema
de signos cujo sentido é determinado arbitrariamente pelo ser humano
(filosofia analítica). Dado esse arbítrio, o que deve ser levado em conta
não é uma suposta essência, mas os usos da palavra/conceito (social e
técnico). A verdade, assim, não é algo que revela uma essência e, dessa
forma, imutável, mas a verdade é fruto de um contexto, de um método
e, por isso, é uma verdade contingente, cuja validade se manterá até
que seja refutável.

3) Não, pois há uma série de fatores que permitem relativizar a


interpretação do Direito. Entre tais fatores, são destacáveis o
autor, o texto e o leitor. O autor, o texto e leitor podem contribuir
substancialmente para a interpretação e intensidade do significado.
Conforme Savigny, quatro aspectos podem ser analisados na
interpretação: gramática, história, lógica e sistemática.

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Filosofia do Direito

É preciso, porém, preocupar-se a validade e a legitimidade da


interpretação, qualquer que seja, delimitando as normas usadas,
conflitos e complementaridade com normas de mesma ou de
diferentes hierarquias. Destaca-se na atividade de interpretação a
importância da justificação racional da argumentação

Unidade 4
1) X IV
S F
O R
C IX N A T U R A L
I T
V A L T E R I D A D E
L R
N
VI R E S P E I T O
D
II VIII R É G I A
L D
III I G U A L D A D E
B
E
I D I R E I T O S H U M A N O S
D
A
D
VII T E O L Ó G I C A

Gabarito
I) Direitos II) Liberdade III) Igualdade IV) Fraternidade V) Alteridade
Humanos
VI) Respeito VII) Teológica VIII) Régia IX) Natural X) Social

2) As duas seguintes perspectivas humanistas contribuem para a


fundamentação do Direito contemporâneo:

• o surgimento, o desenvolvimento e o atual estágio dos Direitos


Humanos, reunidos em função de cinco distintas gerações.
Por meio desta perspectiva, cada vez mais todo homem é
considerado como cidadão assim como tem reconhecido direitos
fundamentais;

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Universidade do Sul de Santa Catarina

• a Fundamentação Social de Direito, que elege o Homem – real e


social, em sua diversidade e pluralidade, que vive relações sociais
assimétricas – como fonte e finalidade da lei, com todo ônus e
bônus inerentes a esta perspectiva.
3)

Fundamentação
Papel do Homem na Fundamentação de Direito
de Direito

Nesta perspectiva, o papel do Homem é subestimado ou


mesmo inexistente. A lei é fundamentada a partir de “vontades
Teológica divinas”. A vontade e o arbítrio do Homem não têm o mesmo
reconhecimento e peso que as orientações provenientes do
plano divino.

Nesta perspectiva, o papel do homem para a fundamentação


da lei é “reconhecido”. Contudo a lei fundamenta-se na vontade
Régia restrita de um governante ou de poucos governantes. Aqui,
grosso modo, não há ainda o reconhecimento da amplitude do
termo Homem.

Nesta perspectiva, o papel do Homem é ampliado, considerando


uma “natureza” comum. Tal natureza tem o mérito de
Natural universalizar a importância de todos os homens para a
proposição de direitos. Tal natureza geralmente está ligada a
um caráter idealizado de Homem.

Nesta perspectiva, é revisto o papel do Homem diante das


fundamentações teológicas, régias e naturais. Pensa-se o
Homem real, com suas virtudes e defeitos, que vive relações
Social sociais específicas e desiguais. O papel do Homem, relativo
à proposição de leis, é repensado em função de tais relações
sociais.

Quadro 4.6: Fundamentação de Direito e papel do Homem


Fonte: Elaboração dos autores (2010).

4) Letra ‘a’.
5) Após escolher uma entre as novas concepções de direito abordadas
na questão (a habitação como moradia digna, e não apenas como
necessidade de abrigo e proteção; a segurança como bem-estar, e
não apenas como necessidade de vigilância e punição; o trabalho
como ação para a vida, e não apenas como necessidade de emprego
e renda), é preciso dissertar sobre como tal concepção contribui para
a promoção e consolidação da cidadania, considerando o caráter
da integralidade/indivisibilidade dos direitos humanos. Ao fazê-lo, é
pertinente também explorar alguns indicativos da própria questão,
como o caráter universalizante dos direito humanos ou a figura da mão
chamuscada que segura um papel amassado.

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