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CHOQUE

Dr.Six
DEFINIÇÃO
❑ Designa-se por choque uma situação de insuficiência circulatória
periférica generalizada, de instalação aguda, que se acompanha de
hipotensão marcada (pressão arterial sistólica inferior a 90 mmHg).
Esta situação vai condicionar um desequilíbrio entre o transporte e
as necessidades de oxigénio e de substratos energéticos, gerando
sofrimento e morte celulares. A própria lesão celular daí resultante
induz uma resposta inflamatória que, alterando as características
funcionais e estruturais da microcirculação, agrava a hipoperfusão.
Produz-se um ciclo vicioso que, se não for interrompido, pode levar
à falência multiorgânica e depois à morte.
FISIOPATOLOGIA
❑ A manutenção da vitalidade dos tecidos é determinada pelo seu
aporte sanguíneo e este só será assegurado se se mantiver a
integridade estrutural e funcional dos três constituintes básicos do
sistema cardiovascular: coração, vasos e sangue.

❑ Alterações num ou mais destes elementos representam, por um lado,


as possíveis causas de choque e, por outro, a resposta do organismo
ao mesmo.
❑ A fisiopatologia do choque pode considerar-se escalonada em quatro
fases:
1. Alterações hemodinâmicas (da macrocirculação e da
microcirculação)
2. Alterações metabólicas;
3. Lesão celular;
4. Alterações funcionais e estruturais de órgãos ou sistemas.
ALTERAÇÕES
HEMODINÂMICAS
❑ Na macrocirculação - a instalação de hipotensão arterial e pulso
fraco, resultantes da diminuição do débito cardíaco, com consequente
hipoperfusão geral do organismo, desencadeia mecanismos de
compensação:

a) Ativação simpática, rápida, desencadeada quando os


barorreceptores detectam um baixo débito cardíaco e os
quimiorreceptores a hipoxemia. Há estimulação do sistema nervoso
simpático (SNS), que determina a libertação de catecolaminas para a
circulação, o que promove a vasoconstrição vascular e faz aumentar a
contractilidade (efeito inotrópico positivo) e a frequência (efeito
cronotrópico positivo) cardíacas;
b) Ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (sistema
RAA), desencadeada por estimulação do sistema adrenérgico e do
aparelho justaglomerular renal, em resposta à hipoperfusão e à hipóxia
a qual promove a vasoconstrição, o inotropismo positivo, a libertação
de aldosterona pela suprarrenal, da hormona antidiurética pela neuro-
hipófise e a reabsorção de sódio, o que aumenta a volemia;

c) Secreção de ADH (hormona antidiurética) ou vasopressina,


estimulada pelo sistema RAA, pela hiperosmolaridade
(quimiorreceptores) e pela hipotensão (barorreceptores), o que
desencadeia a retenção de sódio ou de água, aumentando a volemia e
tem também efeito vasoconstritor;
d) Secreção de aldosterona, estimulada pela angiotensina II e pela
hiponatremia, promove a reabsorção de sódio e, indiretamente, através
dele, a reabsorção de água, o que aumenta a volemia;
e) Ativação do córtex da suprarrenal, desencadeada pelo stress, com
libertação de cortisol, o qual tem uma ação sinérgica com o sistema
adrenérgico - (inotropismo positivo e vasoconstrição), diminui a
libertação de prostaglandinas vasodilatadoras e a permeabilidade
vascular.
❑ Como consequência destes mecanismos ocorre: aumento da
resistência vascular periférica (RVP) por constrição arteriolar;
venoconstrição; retenção de líquidos e de sal; aumento do débito
cardíaco (DC) (devido à taquicardia e ao aumento de volume
sanguíneo) e da pressão arterial, e redistribuição do fluxo sanguíneo,
que passa dos tecidos locais de baixa prioridade (territórios muscular,
cutâneo e esplâncnico) para órgãos nobres como o coração, o
cérebro e o rim.
❑ Na microcirculação - a hipoperfusão geral que se estabelece
inicialmente desencadeia uma reação vasoconstritora, com
encerramento dos esfíncteres pré e pós-capilar, como resposta às
catecolaminas e à angiotensina II. Em consequência gera-se maior
hipoperfusão e anoxia capilar e tecidular, o que favorece o metabolismo
anaeróbio com acidose metabólica.

❑ A anoxia e a acidose resultantes do metabolismo anaeróbio instalado,


alteram o tónus pré e pós-capilar, relaxando o esfíncter pré-capilar,
enquanto o pós-capilar, mais resistente a esta ação, se mantém
contraído, o que faz aumentar a pressão hidróstática nos capilares e
determina a passagem de plasma para o espaço intersticial.
❑ O aumento de líquido intersticial isola as células dos tecidos e dificulta
a sua oxigenação. Nos vasos sanguíneos, a diminuição da volemia
favorece a hemoconcentração, ocorrendo a formação de agregados de
plaquetas e eritrócitos, e a aderência de leucócitos ao endotélio, o que,
por sua vez, faz aumentar a viscosidade do sangue e lentifica o fluxo
sanguíneo.

❑ No choque séptico, a endotoxina libertada estimula a coagulação, por


ação direta ou indireta sobre o endotélio vascular, formando-se
trombos no lúmen dos pequenos vasos, que desencadeiam um
processo de CID.
ALTERAÇÕES
METABÓLICAS
❑ Sob a influência do sistema adrenérgico são estimuladas a
glicogenólise, a gliconeogénese, a lipólise e a cetogénese; é inibida a
utilização periférica de glicose, estimulada a produção de glucagon e
inibida a de insulina. Tais alterações fazem aumentar a disponibilidade de
substratos energéticos: (glicose, ácidos gordos, corpos cetónicos) e
aumentam a osmolaridade plasmática, o que Jaz aumentar a volemia.

❑ O cortisol estimula a proteólise e a gliconeogénese, facilitando a


conversão de proteínas em glicogénio e causando um balanço
nitrogenado negativo. Devido à ação das catecolaminas, a glicemia está
inicialmente elevado, mas com o decorrer do choque as reservas de
glicogénio esgotam-se, surgindo hipoglicemia.
❑ Entretanto, a hipoxia/anoxia tecidular instaladas, vão estimular o
recurso ao metabolismo anaeróbio que provoca acidose metabólica
láctica, a qual se agrava por insuficiência hepática (diminuição da
eliminação).
LESÃO CELULAR
❑ A hipoperfusão e hipóxia resultantes do choque causam lesão celular, o
que leva à acumulação na circulação de um variado número de
mediadores que funcionam como tóxicos celulares: citocinas (TNF -
fator de necrose tumoral -, interleucinas - IL-1, 2 e 6), metabólitos do
ciclo araquidónico (PG, tromboxano, prostaciclinas), substâncias
vasoativas (óxido nítrico, endotelina, histamina, bradicinina, serotonina,
calicreína), substâncias depressoras do miocárdio e factores agregantes
das plaquetas.

❑ Se o choque for anafilático, ocorre ativação do complemento (C2-C3-


C5) e se for séptico acumular-se-ão também endotoxinas e exotoxinas.
❑ Todos estes fatores conjugados promovem vasodilatação, aumento da
permeabilidade vascular e recrutamento de células inflamatórias
(neutrófilos, macrófagos e plaquetas), o que favorece a hipovolemia, o
aumento do volume intersticial, a agregação plaquetária e o
agravamento da lesão celular.

❑ Esta lesão celular traduz-se essencialmente na libertação das


substâncias tóxicas já referidas, no desacoplamento da fosforilação
oxidativa e na lesão membranar. A redução da formação de ATP
(adenosina trifosfato) nas mitocôndrias leva à falência da bomba de
sódio/potássio e à estimulação da glicólise anaeróbia, o que provoca
acumulação intracelular de sódio, perda de potássio, hiperpolarização
membranar, edema celular e acidose metabólica.
❑ Ocorre também aumento do cálcio intracelular e libertação de radicais
livres de oxigénio. Se a hipoperfusão persistir, há perda da integridade
morfofuncional da membrana celular e se a lesão celular for extensa
pode determinar a perda de função de todo o órgão, sendo alguns
órgãos mais suscetíveis do que outros.
ALTERAÇÕES FUNCIONAIS E
ESTRUTURAIS DE ÓRGÃOS
OU SISTEMAS
❑ As alterações fisiopatológicas do choque atrás descritas vão
condicionar quadros orgânicos característicos:

1. Aparelho respiratório - surge taquipneia, inicialmente como


resposta inespecífica ao stress, mas posteriormente como reação ao
estímulo exercido pela acidose sobre o centro respiratório. Em
consequência da hipoxia tecidular o pulmão torna-se congestivo,
edematoso, com rutura de capilares, altera-se a hematose pulmonar
(diminuem as trocas gasosas, com diminuição da pressão parcial de
oxigénio, do pH e aumento da pressão parcial de dióxido de carbono)
e a produção de surfatante, o que provoca atelectasias difusas, diminui
as áreas ventiladas e cria shunts arteriovenosos que levam à
constituição do pulmão de choque (síndrome de dificuldade
respiratória aguda – SDRA).
2. Aparelho digestivo - há passagem de bactérias e endotoxinas para a
circulação sanguínea determinada pela necrose isquémica da mucosa
intestinal, o que favorece a ocorrência de sepses. Em fases posteriores
altera-se a absorção e a secreção, surgem úlceras de stress e erosões
mucosas que facilitam as hemorragias digestivas. Pode também surgir"
íleo paralítico. A nível hepático, determinada pela hipoxia, ocorre
falência hepatocelular, com necrose dos hepatócitos centro-lobulares, o
que vai diminuir a capacidade de eliminação de tóxicos pelo fígado,
aumentam a bilirrubina (pode surgir icterícia) e os níveis de
transaminases.
❑ Surge ainda hipoglicemia, hipoalbuminemia, diminuição dos fatores de
coagulação e aumento da amoniemia (a síntese no fígado diminui, mas
aumenta a formação no intestino).

❑ A isquemia pancreática promove a hiperamilasemia e a libertação do


fator depressor do miocárdio, que tem uma ação inotrópica negativa.

3. Aparelho urinário - inicialmente ocorre lesão funcional relacionada


com a hipotensão. A diminuição da pressão hidrostática nos capilares
glomerulares, em consequência da hipotensão diminui o filtrado
glomerular e surge oligúria.
❑ Aumenta a reabsorção tubular de sódio e água, aumentando a natremia
e a volemia; o sódio urinário é inferior ·a 15 mEq/L e a osmolaridade
urinária é superior a 400 mOsm. Os níveis de ureia e creatinina no
sangue elevam-se.

❑ Se a isquemia for intensa e prolongada ocorre necrose das células


tubulares, passando as lesões de funcionais a orgânicas, surgindo, então,
oligúria ou oligoanúria, e na urina o sódi0 é superior a 40 mEq/L e a
osmolaridade urinária é próxima da plasmática (< 350 mOsm).
4. Sistema nervoso - as alterações são provocadas pela hipoperfusão,
por lesões isquémicas e pelo edema, a que se juntam fatores
metabólicos como a hipoglicemia e a acumulação de substâncias
tóxicas a nível central. Pode surgir agitação, confusão, sonolência, apatia
e coma. O SNC toma-se incapaz de autorregular o fluxo sanguíneo
quando a pressão arterial média é inferior a 60 mmHg.

5. Miocárdio - podem surgir arritmias ou paragem cardíaca,


condicionadas pela hipoxia, acidose, hipercaliemia e pelas substâncias
tóxicas libertadas (fator depressor do miocárdio).
6. Sistema imunitário - por disfunção dos linfócitos T, B e macrófagos,
todas as suas funções estão deprimidas, nomeadamente a defesa contra
infeções e a eliminação de fatores nocivos circulantes. Há uma
imunossupressão humoral e celular.

7. Aparelho musculosquelético - a hipoperfusão e as citocinas


condicionam o aparecimento de artralgias, mialgias e dores ósseas.
Aumentam os níveis plasmáticos da isoenzima MM da creatina cinase
(CKMM) e da mioglobina. A mioglobina em excesso pode ocluir os
túbulos renais e favorecer o desenvolvimento de insuficiência renal. A
libertação de ácido láctico pelos músculos contribui para a acidose
metabólica e é um marcador de prognóstico do choque.
8. Sangue - por acção das lesões endoteliais vasculares, da estase
sanguínea e dos fluxos não laminares, ocorrem traumatismos das
plaquetas com libertação de tromboplastina, o que vai ativar a
coagulação com formação de trombos vasculares disseminados (CID),
que causam isquemia vascular.

❑ Paralelamente ocorre uma resposta fibrinolítica maciça que não só


remove os trombos como consome plaquetas e fatores de coagulação,
favorecendo ias hemorragias. Por sua vez, as hemácias ao circularem em
vasos com fibrina depositada desagregam-se e originam esquizócitos
(células fragmentadas), ocorrendo anemia hemolítica microangiopática.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
❑ As manifestações clínicas do choque resultam da resposta
neuroendócrina à hipoperfusão e da disfunção orgânica induzida pela
lesão celular.

❑ A pele apresenta-se pálida, devido à vasoconstrição periférica,


cianótica e com sudorese. No aparelho; circulatório surge
taquicardia, hipotensão; (pressão sistólica inferior a 90
mmHg) e puIso fraco. No aparelho respiratório ocorre
taquipneia.
❑ No rim ocorre oligúria, devido à diminuição do filtrado glomerular e
ao aumento da reabsorção tubular de sódio e de água. No sistema
nervoso, nas fases avançadas de choque, a perfusão cerebral diminui,
levando à progressiva degradação do estado de consciência, que
culmina no coma. A febre pode aparecer no choque séptico,
anafilático ou por insuficiência córtico-suprarrenal. Em termos
bioquímicos, surge azotemia pré-renal, acidose metabólica e/ou
alcalose respiratória.
CHOQUE
HIPOVOLÊMICO
❑ Caracteriza-se pela diminuição do volume de sangue de tal modo que
torne insuficiente o enchimento do compartimento vascular (ver a
Figura 34.8). Isso ocorre quando existe uma perda aguda de 15 a 20%
do volume de sangue em circulação. A redução pode ser causada por
uma perda externa de sangue total (p. ex., hemorragia), de plasma (p.
ex., queimaduras graves) ou de líquido extracelular (p. ex., desidratação
ou perda de líquidos gastrintestinais, devido a vômitos ou diarreia).

❑ O choque hipovolêmico também pode ser o resultado de uma


hemorragia interna ou de perdas do terceiro espaço, quando o líquido
extracelular é deslocado do compartimento vascular para o espaço ou
compartimento intersticial.
FISIOPATOLOGIA
❑ O choque hipovolêmico, que tem sido o tipo de choque mais
amplamente estudado, é usado frequentemente como protótipo em
discussões sobre as manifestações de choque. A Figura 34.10 mostra
o efeito da remoção de sangue do sistema circulatório durante
aproximadamente 30 min.

❑ Cerca de 10% do volume total de sangue pode ser removido sem


alterar o débito cardíaco ou a pressão arterial. O doador médio de
sangue perde aproximadamente 500 mℓ (ou 10% do seu sangue) sem
sofrer efeitos adversos.
❑ À medida que quantidades maiores (10 a 25%) são removidas, o volume
sistólico cai, mas a pressão arterial é mantida devido ao aumento na
frequência cardíaca e na vasoconstrição mediada pelo sistema nervoso
simpático. A vasoconstrição resulta em uma elevação da pressão
diastólica e na estreita pressão diferencial. A pressão arterial é o
produto do débito cardíaco e da resistência vascular sistêmica (pressão
arterial = débito cardíaco × resistência vascular sistêmica). Uma
intensificação da resistência vascular sistêmica mantém a pressão
arterial média durante um curto período de tempo, apesar da redução
do débito cardíaco. O débito cardíaco e a perfusão tissular diminuem
antes do aparecimento de sinais de hipotensão. O débito cardíaco e a
pressão arterial caem a zero quando aproximadamente de 30 a 40% do
volume total de sangue foi retirado.
MECANISMOS
COMPENSATÓRIOS
❑ Sem mecanismos compensatórios para manter o débito cardíaco e a
pressão arterial, a perda de volume vascular resultaria em uma
progressão rápida dos estágios iniciais para os estágios progressivos e
irreversíveis de choque. O mecanismo compensatório mais imediato é
a resposta com mediação simpática concebida para manter o débito
cardíaco e a pressão arterial (Figura 34.10).

❑ Em poucos segundos após o início de uma hemorragia ou da perda de


volume de sangue, aparecem sinais de taquicardia, aumento da
contratilidade cardíaca, vasoconstrição e outros sinais de atividade
simpática e da medula suprarrenal.
❑ A resposta vasoconstritora simpática também mobiliza o sangue que
tenha sido armazenado no lado venoso da circulação, como um meio
de aumentar o retorno venoso para o coração.

❑ Existe uma considerável capacidade de armazenamento de sangue nas


grandes veias do abdome, e aproximadamente 350 mℓ de sangue que
podem ser mobilizados em casos de estado de choque são
armazenados no fígado. Inicialmente, a estimulação simpática não
provoca a constrição dos vasos coronários e cerebrais, e o fluxo
sanguíneo para o coração e o encéfalo é mantido em níveis
essencialmente normais, enquanto a pressão arterial média permanece
acima 70 mmHg.
❑ Os mecanismos compensatórios destinados a restaurar o volume
sanguíneo incluem a absorção de líquido dos espaços intersticiais,
retenção de sódio e água pelos rins e sede. O líquido extracelular fica
distribuído entre os espaços intersticiais e o compartimento vascular.
Quando ocorre uma perda de volume vascular, as pressões capilares
diminuem e a água é drenada para o compartimento vascular a partir
dos espaços intersticiais. A manutenção do volume vascular é reforçada
por mecanismos renais de retenção de líquido.

❑ Uma redução no fluxo sanguíneo renal e na taxa de filtração glomerular


resulta na ativação do mecanismo renina-angiotensina-aldosterona,
que produz um aumento na reabsorção de sódio pelos rins.
❑ A diminuição do volume sanguíneo também estimula os centros do
hipotálamo que regulam a liberação de ADH e a sede. O ADH, também
conhecido como vasopressina, contrai as artérias e veias periféricas,
bem como aumenta a retenção de água pelos rins. Embora o
mecanismo de liberação de ADH seja mais sensível a alterações na
pressão osmótica do plasma, uma redução de 10 a 15% no volume
sanguíneo funciona como um forte estímulo para a sede.

❑ Durante as fases iniciais do choque hipovolêmico, a vasoconstrição


diminui o tamanho do compartimento vascular e aumenta a resistência
vascular sistêmica. Esta resposta geralmente é tudo o que é necessário
quando a lesão é leve e a perda de sangue é mínima.
❑ À medida que o choque hipovolêmico progride, a vasoconstrição dos
vasos sanguíneos que abastecem a pele, músculos esqueléticos, rins e
órgãos abdominais se agrava, com redução ainda maior no fluxo
sanguíneo e conversão para o metabolismo anaeróbico, o que resulta
em lesão celular.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
❑ Os sinais e sintomas de choque hipovolêmico dependem da
gravidade e estão intimamente relacionados com baixo fluxo
sanguíneo periférico e excesso de estimulação simpática. Podem
incluir sede, aumento da frequência cardíaca, pele fria e
úmida, diminuição da pressão arterial, redução do débito
urinário e alterações na atividade mental. Os testes
laboratoriais para medir os níveis de hemoglobina e hematócrito
fornecem informações sobre a gravidade da perda de sangue ou
hemoconcentração devido à desidratação.
❑ O nível sérico de lactato e o pH arterial fornecem informações sobre a
gravidade da acidose devido ao metabolismo anaeróbico. A acidose
metabólica revelada por gasometria arterial é o padrão-ouro dos
exames complementares. Um choque hemorrágico agudo fatal se
caracteriza por acidose metabólica, coagulopatia e hipotermia, seguida
de insuficiência circulatória.

❑ O aumento na frequência cardíaca é um sinal precoce de choque


hipovolêmico, à medida que o organismo tenta manter o débito
cardíaco, apesar da queda do volume sistólico. Conforme o choque
progride, o pulso se torna fraco e filiforme, indicando vasoconstrição e
redução no enchimento do compartimento vascular. A sede é um
sintoma precoce de choque hipovolêmico.
❑ Embora a causa não seja totalmente compreendida, provavelmente está
relacionada com a diminuição do volume sanguíneo e o aumento da
osmolalidade sérica.

❑ Nos casos de choque moderado a grave, a pressão arterial sofre uma


queda. No entanto, há controvérsia sobre o valor das medições da
pressão arterial no diagnóstico precoce e no tratamento do choque.
Isso porque os mecanismos compensatórios tendem a preservar a
pressão arterial até que o choque esteja relativamente muito avançado.
Além disso, uma pressão arterial normal não assegura a perfusão
adequada e a oxigenação de órgãos vitais no nível celular.
❑ Isso não quer dizer que a pressão arterial não deva ser cuidadosamente
monitorada em pessoas com risco para o desenvolvimento de choque,
mas indica a necessidade de outras medidas de avaliação.

❑ À medida que o choque progride, a respiração se torna rápida e


profunda, para compensar o aumento da produção de ácido e a
redução da disponibilidade de oxigênio. A redução do volume
intravascular resulta na diminuição do retorno venoso para o coração e
na diminuição da PVC. Quando o choque se torna grave, as veias
periféricas podem entrar em colapso. A estimulação simpática conduz a
uma intensa vasoconstrição dos vasos cutâneos, deixando a pele fria e
com manchas. No choque hemorrágico, a perda de hemácias causa
palidez da pele e das mucosas.
❑ O débito urinário diminui muito rapidamente nos casos de choque
hipovolêmico. Os mecanismos compensatórios reduzem o fluxo
sanguíneo renal como um meio de desviar o fluxo de sangue para o
coração e para o encéfalo. A verificação de oligúria de 20 mℓ por hora
ou menos indica perfusão renal inadequada. É essencial a verificação
contínua do débito urinário para avaliar o estado circulatório e de
volume da pessoa em estado de choque.

❑ Inquietação, agitação e apreensão são sintomas precoces comuns no


estado de choque devido ao aumento do fluxo simpático e dos níveis
de epinefrina.
❑ À medida que o choque progride e o fluxo sanguíneo para o encéfalo
diminui, a inquietação é substituída por excitação e alteração da
atividade mental. Caso a pessoa não receba ou não responda ao
tratamento, podem se desenvolver perda de consciência e coma.
TRATAMENTO
❑ A duração e o volume de líquido perdido estão diretamente
relacionados com a mortalidade. Portanto, o tratamento de choque
hipovolêmico deve ser dirigido para corrigir ou controlar a causa
subjacente e melhorar a perfusão tissular.

❑ A perda contínua de sangue deve ser corrigida, e deve ser


administrado oxigênio para aumentar o abastecimento dos tecidos.
Os medicamentos geralmente são administrados por via intravenosa.
❑ Devem ser realizadas medições frequentes da frequência cardíaca e do
ritmo cardíaco, pressão arterial e débito urinário, que são utilizadas
para avaliar a gravidade do comprometimento circulatório e para
monitorar o tratamento.

❑ Nos casos de choque hipovolêmico, o objetivo do tratamento é


restaurar o volume vascular. Isto pode ser conseguido por meio da
administração intravenosa de líquido e de sangue. Os cristaloides (p. ex.,
solução salina isotônica e lactato de Ringer) estão prontamente
disponíveis e são efetivos, pelo menos temporariamente.
❑ Expansores do volume plasmático (p. ex., amido hidroxietílico e
albumina coloidal) têm um peso molecular elevado, não necessitam de
tipagem sanguínea e permanecem no espaço vascular por períodos
mais longos do que os cristaloides, como glicose e soro fisiológico.

❑ O uso de cristaloides em relação ao uso de coloides não foi pesquisado


em grandes estudos clínicos. Portanto, ainda não foi estabelecida a
utilização de um contra o outro para diminuir a morbidade. Sangue e
derivados sanguíneos (concentrado de hemácias ou hemácias
congeladas) são administrados com base no resultado do hematócrito
e de estudos hemodinâmicos. Líquido e sangue são mais bem
administrados com base em indicadores de volume, como PVC e
débito urinário.
❑ Medicamentos vasoativos são agentes capazes de provocar a
constrição ou a dilatação dos vasos sanguíneos. Existe uma considerável
controvérsia sobre as vantagens ou desvantagens relacionadas com a
utilização deste tipo de medicamento. Como regra geral, os agentes
vasoconstritores não devem ser empregados como agentes primários
da terapia em caso de choque hipovolêmico e seu uso pode, inclusive,
ser prejudicial. Estes agentes são indicados apenas quando o déficit de
volume foi corrigido, mas a hipotensão persiste.
CHOQUE
DISTRIBUTIVO
❑ O choque distributivo ou vasodilatador se caracteriza pela perda do
tônus do vaso sanguíneo, dilatação do compartimento vascular e
deslocamento do volume vascular para fora do coração e da circulação
central.

❑ No choque distributivo, a capacidade do compartimento vascular se


expande até o ponto em que um volume normal de sangue não é capaz
de preencher o sistema circulatório (ver a Figura 34.8), portanto este
tipo de choque também é conhecido como choque normovolêmico.
❑ Duas causas principais resultam na perda do tônus vascular: a
diminuição do controle simpático do tônus vasomotor ou o excesso de
liberação de substâncias vasodilatadoras. Também pode ocorrer como
uma complicação de uma lesão vascular resultante de hipotensão
prolongada e grave devido à hemorragia, o que é conhecido como
choque hemorrágico irreversível ou choque hemorrágico de fase tardia.

❑ Existem três estados de choque que compartilham o padrão


circulatório básico do choque distributivo: choque neurogênico,
choque anafilático e choque séptico.
CHOQUE
NEUROGÊNICO
❑ É causado pela redução do controle simpático sobre o tônus dos vasos
sanguíneos devido a um defeito no centro vasomotor localizado no
tronco encefálico ou no fluxo simpático para os vasos sanguíneos. O
termo choque medular descreve o choque neurogênico que ocorre em
pessoas com lesão na medula espinal.

❑ O fluxo do centro vasomotor pode ser interrompido por uma lesão


cerebral, ação depressora de substâncias, anestesia geral, hipoxia ou
falta de glicose (p. ex., reação à insulina).
❑ Um desmaio devido a causas emocionais é uma forma transitória de
comprometimento do fluxo simpático. Muitos agentes utilizados na
anestesia geral podem causar uma reação semelhante ao choque
neurogênico, especialmente durante a indução, devido à interferência
com a função do sistema nervoso simpático. A anestesia espinal ou uma
lesão raquimedular acima da região média do tórax pode interromper a
transmissão do fluxo do centro vasomotor.

❑ Em contraste com outros estados de choque devido à perda do volume


sanguíneo ou ao comprometimento da função cardíaca, a frequência
cardíaca no choque neurogênico muitas vezes é mais lenta do que o
normal, e a pele se apresenta seca e quente. Este tipo de choque
distributivo é raro e geralmente transitório.
CHOQUE
ANAFILÁTICO
❑ A anafilaxia é uma síndrome clínica que representa a reação alérgica
sistêmica mais grave. O choque anafilático é o resultado de uma reação
imunológica, em que substâncias vasodilatadoras como a histamina são
liberadas no sangue. Estas substâncias causam dilatação das arteríolas e
vênulas, juntamente com um aumento acentuado na permeabilidade
capilar.

❑ A resposta vascular na anafilaxia muitas vezes é acompanhada por


condições potencialmente fatais como edema de laringe e
broncospasmo, colapso circulatório, contração da musculatura lisa
gastrintestinal e uterina, assim como urticária ou angioedema.
❑ Etiologia. Entre as causas mais frequentes, destacamse reações a
medicamentos, como a penicilina; alimentos, como nozes e frutos do
mar; e toxinas no veneno de insetos. A causa mais comum são picadas
de insetos da ordem Hymenoptera (i. e., abelhas, vespas e formigas). A
alergia ao látex provoca uma anafilaxia potencialmente fatal em um
segmento crescente da população.

❑ Profissionais de saúde e trabalhadores de outras áreas quando


expostos desenvolvem sensibilidade ao látex, que varia desde uma
urticária leve, dermatite de contato e desconforto respiratório leve, até
um choque anafilático. O aparecimento e gravidade dos sintomas de
anafilaxia dependem da sensibilidade da pessoa e da taxa e quantidade
de exposição ao antígeno.
❑ Manifestações clínicas. Os sinais e sintomas associados ao choque
anafilático iminente incluem:
1. Cólicas abdominais;
2. Apreensão;
3. Sensação de calor ou queimação na pele;
4. Prurido;
5. Urticária;
6. Tosse;
7. Sensação de sufocamento;
8. Sibilos,
9. Sensação de pressão torácica,
10. Dificuldade para respirar.
❑ Depois que o sangue começa a se acumular perifericamente, ocorre
uma queda abrupta da pressão arterial e o pulso se torna tão fraco que
é difícil de detectar. Pode se desenvolver uma obstrução
potencialmente fatal das vias respiratórias, como resultado de
angioedema da laringe ou broncospasmo.

❑ O choque anafilático frequentemente se desenvolve de repente; a


morte pode ocorrer no intervalo de minutos a não ser que seja
prontamente instituída uma intervenção apropriada.
❑ Tratamento. O tratamento inclui a interrupção imediata do agente
agressor ou a instituição de medidas para diminuir sua absorção (p. ex.,
aplicação de gelo no local de uma picada de inseto); cuidadoso
monitoramento da função cardiovascular e respiratória; e manutenção
das trocas gasosas respiratórias, débito cardíaco e perfusão tissular.

❑ Deve ser administrada epinefrina em casos de reação anafilática, pois


contrai os vasos sanguíneos e relaxa a musculatura lisa dos bronquíolos,
restaurando a função cardiorrespiratória. Outras medidas de
tratamento incluem a administração de oxigênio, anti-histamínicos e
corticosteroides.
❑ O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal. Isso é
extremamente importante porque o retorno venoso pode ser
severamente comprometido se o paciente é mantido sentado. Isto por
sua vez produz uma contração mecânica sem pulso do coração e
predispõe a arritmias. Em vários casos, o paciente morre imediatamente
depois de assumir a posição sentada.

❑ Prevenção. É melhor evitar um choque anafilático do que tratá-lo.


Uma vez que a pessoa se torna sensível a um determinado antígeno, é
alto o risco de reações anafiláticas repetidas com exposição posterior.
Todos os profissionais de saúde devem questionar o paciente sobre
reações anteriores e informa-lo quanto ao nome do medicamento que
está prestes a receber antes que este seja administrado ou prescrito.
CHOQUE
SÉPTICO/SEPTICEMIA
❑ O choque séptico, que é o tipo mais comum de choque vasodilatador,
está associado a um processo infeccioso grave e à resposta sistêmica a
uma infecção (Figura 34.11). Atualmente, septicemia é definida como a
suspeita ou confirmação de infecção, além de uma síndrome de
resposta inflamatória sistêmica (p. ex., febre, taquicardia, taquipneia,
contagem elevada leucócitos, alteração do estado mental e
hiperglicemia sem diabetes).

❑ A septicemia grave é definida como um tipo de septicemia com


disfunção de órgãos (p. ex., hipotensão, hipoxemia, oligúria, acidose
metabólica, trombocitopenia ou embotamento). O choque séptico é
definido como um tipo de septicemia grave com hipotensão,
independentemente da reposição volêmica.
❑ Estima-se que septicemia ocorra em 500 pessoas por dia nos EUA. A
incidência crescente tem sido atribuída a maior conscientização sobre
o diagnóstico, aumento do número de organismos resistentes, número
crescente de adultos imunocomprometidos e idosos, assim como maior
utilização de procedimentos invasivos.

❑ Com a intervenção precoce e os avanços nos métodos de tratamento,


a taxa de mortalidade diminuiu. No entanto, o número de óbitos
cresceu devido ao aumento da prevalência.
❑ Fisiopatologia. A patogênese da septicemia envolve um complexo
processo de ativação celular que resulta na liberação de mediadores
pró inflamatórios, como as citocinas; recrutamento de neutrófilos e
monócitos; envolvimento de reflexos neuroendócrinos; e ativação do
sistema complemento, de coagulação e fibrinolítico.

❑ A manifestação da resposta começa com a ativação do sistema


imunológico inato por receptores de reconhecimento de padrões (p.
ex., receptores toll-like) que interagem com moléculas específicas nos
microrganismos.
❑ A ligação de receptores toll-like aos epítopos de microrganismos
estimula a transcrição e a liberação de uma série de mediadores pró
inflamatórios e anti-inflamatórios. Dois destes mediadores, o TNFα e a
interleucina 1 estão envolvidos com o processo de adesão de
leucócitos, inflamação local, ativação de neutrófilos, supressão da
eritropoese, desenvolvimento de febre, taquicardia, acidose láctica,
anormalidades da ventilação-perfusão, e outros sinais de septicemia,
como discutido anteriormente.

❑ Embora neutrófilos ativados possam matar os microrganismos, eles


também causam lesões ao endotélio, liberando mediadores que
aumentam a permeabilidade vascular.
❑ Além disso, as células endoteliais ativadas liberam óxido nítrico, um
potente vasodilatador que age como um importante mediador do
choque séptico. Outro aspecto importante da septicemia é uma
alteração do equilíbrio entre pró-coagulação e anti-coagulação, com um
aumento dos fatores pró-coagulação e diminuição dos fatores de anti-
coagulação.

❑ Lipopolissacarídios na superfície de microrganismos estimulam as


células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos a aumentar sua
produção de fator tissular, ativando assim o processo de coagulação.
❑ O fibrinogênio é então convertido em fibrina, o que conduz à formação
de trombos microvasculares que amplificam ainda mais a lesão dos
tecidos. Além disso, a septicemia reduz os níveis de proteína C, proteína
S, antitrombina III e do inibidor da via do fator tissular, substâncias que
modulam e inibem a coagulação.

❑ Os lipopolissacarídios e o TNFα também diminuem a síntese de


trombomodulina e do receptor de proteína C endotelial, prejudicando
a ativação da proteína C; eles também aumentam a síntese do inibidor
1 do ativador de plasminogênio, prejudicando a fibrinólise.
❑ Manifestações clínicas. Septicemia e choque séptico geralmente se
manifestam com hipotensão e calor e rubor cutâneo. Enquanto outras
formas de choque (i. e., cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo) se
caracterizam por um aumento compensatório da resistência vascular
sistêmica, o choque séptico muitas vezes se apresenta com uma
diminuição da resistência vascular sistêmica.

❑ Ocorre hipovolemia devido à dilatação venosa e arterial, além da fuga


de plasma para os espaços intersticiais. Alterações abruptas na cognição
ou no comportamento devem-se à redução do fluxo sanguíneo
cerebral e podem ser os primeiros indícios de choque séptico.
Independentemente da causa subjacente, ocorrem febre e aumento de
leucócitos.
❑ Um nível sérico elevado de lactato ou acidose metabólica indica
metabolismo anaeróbio devido a hipoxia tissular ou disfunção celular e
metabolismo celular alterado. A hipoxia tissular resulta em produção
contínua e ativação de mediadores inflamatórios, que suscita novos
aumentos da permeabilidade vascular, comprometimento da regulação
vascular e alteração da hemostasia.

❑ Tratamento. O tratamento do choque séptico e da septicemia deve


se concentrar no controle do agente causal e no suporte circulatório.
O uso precoce de antibióticos é essencial, seguido por terapia com
antibióticos específicos para o agente infeccioso. No entanto, os
antibióticos não tratam a resposta inflamatória à infecção.
❑ Desse modo, o estado cardiovascular da pessoa deve ter suporte para
aumentar a oferta de oxigênio para as células e evitar maior prejuízo
celular. A administração rápida e agressiva de líquido é necessária para
compensar o terceiro espaço.

❑ Da mesma maneira é necessário o uso agressivo de agentes


vasoconstritores, como a vasopressina, norepinefrina e fenilefrina para
neutralizar a vasodilatação causada pelos mediadores inflamatórios. Um
agente inotrópico positivo, como dobutamina e milrinona, pode ser
usado para aumentar o débito cardíaco.
❑ Deve ser feita uma avaliação contínua do nível de oxigênio, PVC,
saturação de oxigênio venoso central ou misto, pressão arterial média e
débito urinário e medições laboratoriais de hemoculturas, lactato,
déficit basal e pH para verificar a progressão da septicemia e a
adequação do tratamento instituído.

❑ Entre os progressos mais recentes no tratamento da septicemia


destacam-se o uso da terapia intensiva com insulina para hiperglicemia
e a administração de proteína C ativada recombinante humana.
❑ Foi demonstrado que a terapia intensiva com insulina, que mantinha os
níveis de glicose no sangue entre 80 e 110 mg/dℓ (4,4 a 6,1 mmol/ ℓ)
resultou mortalidade e morbidade menores do que a terapia
convencional que mantém os níveis de glicose no sangue entre 180 e
200 mg/dℓ (10 a 11 mmol/ℓ).

❑ A hiperglicemia é potencialmente prejudicial, porque atua como um


pró-coagulante, induz a apoptose, compromete a função dos
neutrófilos, aumenta o risco de infecção e prejudica a cicatrização de
feridas. A proteína C ativada recombinante humana (drotrecogina α),
um fator anticoagulante que existe naturalmente e atua por meio da
inativação dos fatores de coagulação Va e VIII, é o primeiro agente que
tem eficácia demonstrada no tratamento de septicemia.
❑ Além de sua ação anticoagulante, a proteína C ativada tem
propriedades anti-inflamatórias diretas, incluindo o bloqueio da
produção de citocinas por monócitos e o bloqueio da adesão celular.

❑ A proteína C ativada também tem ação antiapoptótica, o que pode


contribuir para a sua eficácia. O uso de corticosteroides, que já foi
considerado um dos pilares no tratamento da septicemia, permanece
controverso. Existe pouca ou nenhuma evidência de que seu uso possa
melhorar o resultado. Esta terapia deve ser considerada apenas quando
a terapia com líquido e o suporte vasoativo não apresentaram nenhuma
melhora no estado do paciente com septicemia.
CHOQUE
OBSTRUTIVO
❑ O termo choque obstrutivo descreve o choque circulatório que resulta
da obstrução mecânica do fluxo sanguíneo através da circulação central
(grandes veias, coração ou pulmões, ver Figura 34.8). O choque
obstrutivo pode ser causado por uma série de condições, incluindo
aneurisma dissecante da aorta, tamponamento, pneumotórax, mixoma
atrial e evisceração do conteúdo abdominal para o interior da cavidade
torácica devido ao rompimento da cúpula diafragmática. A causa mais
frequente de choque obstrutivo é a embolia pulmonar.
❑ O resultado fisiológico primário do choque obstrutivo é a elevação da
pressão cardíaca direita devido ao comprometimento da função do
ventrículo direito. As pressões se apresentam elevadas,
independentemente do comprometimento do retorno venoso ao
coração.
❑ Manifestam-se sinais de insuficiência cardíaca direita, incluindo a
elevação da PVC e distensão da veia jugular. O tratamento deve focar
em corrigir a causa da doença, e é frequentemente realizado por meio
de uma intervenção cirúrgica, como a embolectomia pulmonar,
pericardiocentese (i. e., remoção de líquido do saco pericárdico) para
tamponamento cardíaco, ou a inserção de um tubo torácico para a
correção de um pneumotórax de tensão ou hemotórax. Nos casos de
embolia pulmonar grave ou maciça podem ser usados agentes
fibrinolíticos para dissolver os coágulos que causam a obstrução.
CHOQUE
CARDIOGÊNICO
❑ Ocorre choque cardiogênico quando o coração não consegue bombear
sangue suficiente para atender às demandas orgânicas (ver a Figura
34.8). Clinicamente, é definido como uma diminuição do débito
cardíaco, hipotensão, hipoperfusão e indicações de hipoxia tissular,
apesar do volume intravascular adequado.

❑ O choque cardiogênico pode ocorrer de repente por diversas causas,


incluindo infarto do miocárdio, contusão miocárdica, arritmias
sustentadas e cirurgia cardíaca. Também pode surgir como uma
condição de estágio final de doença arterial coronariana ou
miocardiopatia.
FISIOPATOLOGIA
❑ A causa mais comum de choque cardiogênico é o infarto do
miocárdio. A maioria das pessoas que entra em óbito por choque
cardiogênico apresenta grandes danos ao músculo em contração do
ventrículo esquerdo, devido a um infarto recente ou uma
combinação de infartos recentes e anteriores. Esse quadro pode
ocorrer com outros tipos de choque como resultado da
inadequação do fluxo sanguíneo coronariano.
❑ Independentemente da causa, pessoas em choque cardiogênico
apresentam uma diminuição no volume sistólico e no débito cardíaco, o
que causa perfusão insuficiente para atender às demandas de oxigênio
das células. O comprometimento do débito cardíaco resulta da
diminuição da contratilidade miocárdica, aumento da pós-carga e pré-
carga excessiva.

❑ Os mediadores e neurotransmissores, incluindo a norepinefrina,


produzem um aumento da resistência vascular sistêmica, o que
aumenta a pós-carga e contribui para a deterioração da função cardíaca.
❑ A pré-carga, ou a pressão de enchimento do coração, é aumentada
quando o sangue que retorna ao coração é adicionado ao sangue que
anteriormente não pode ser bombeado para frente, provocando um
aumento do volume sistólico final do ventrículo esquerdo.

❑ A ativação do mecanismo de renina-angiotensina-aldosterona piora


tanto a pré-carga quanto a pós-carga, produzindo um aumento mediado
por aldosterona na retenção de líquido e uma elevação da
vasoconstrição mediada pela angiotensina II.
❑ O aumento da resistência (i. e., pós-carga) para a ejeção do sangue do
ventrículo esquerdo, em combinação com uma redução na
contratilidade do miocárdio, provoca uma expansão do volume sistólico
final e da pré-carga ventricular, o que prejudica ainda mais a capacidade
do coração de bombear de maneira efetiva.

❑ Eventualmente, a perfusão da artéria coronária é prejudicada devido à


elevação da pré-carga e da pós-carga, e a função cardíaca diminui
devido ao comprometimento do suprimento de oxigênio ao miocárdio.
Ocorre um aumento das pressões intra-cardíacas, devido a sobrecarga
de volume e tensão da parede ventricular tanto na diástole quanto na
sístole.
❑ As pressões excessivas diminuem a perfusão coronária durante a
diástole, e a intensificação da tensão da parede diminui a perfusão
coronária durante a sístole. Se o tratamento não for bem-sucedido, o
choque cardiogênico pode resultar em uma síndrome de resposta
inflamatória sistêmica. Isso é evidenciado pela multiplicação da
contagem de leucócitos, aumento da temperatura e liberação de
marcadores inflamatórios como a PCR.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
❑ Os sinais e sintomas de choque cardiogênico incluem indicações de
hipoperfusão com hipotensão, embora possa ocorrer um estado de
pré-choque de hipoperfusão com pressão arterial normal.

❑ Os lábios, leitos das unhas e pele podem se tornar cianóticos por


causa da estagnação do fluxo sanguíneo e do aumento da extração
de oxigênio da molécula de hemoglobina à medida que passa pelo
leito capilar.
❑ A pressão arterial média e a pressão sistólica diminuem devido ao
baixo volume sistólico, e verifica-se uma pressão diferencial estreita e
pressão diastólica quase normal por causa da vasoconstrição arterial.

❑ O débito urinário diminui por causa das baixas pressões de perfusão


renal e do aumento da liberação de aldosterona. A pré-carga elevada se
reflete em um aumento de PVC e POAP. Podem ocorrer alterações
neurológicas, como alterações na cognição ou no nível de consciência,
devido ao baixo débito cardíaco e ao comprometimento da perfusão
cerebral.
TRATAMENTO
❑ O tratamento do choque cardiogênico exige alcançar um precário
equilíbrio entre melhorar o débito cardíaco, reduzir a carga de
trabalho e as necessidades de oxigênio do miocárdio e aumentar a
perfusão coronária. O volume de líquido deve ser regulado em um
nível que mantenha a pressão de enchimento e otimize o volume
sistólico em pessoas sem sobrecarga de líquido. O desenvolvimento
de edema pulmonar e arritmias deve ser monitorado e corrigido, ou
impedido de aumentar o volume de ejeção e diminuir as exigências
de oxigênio do coração.
❑ A perfusão coronariana aumenta, promovendo vasodilatação das
artérias coronárias, aumentando a pressão arterial, diminuindo a tensão
da parede ventricular e diminuindo as pressões intra-cardíacas. O
tratamento farmacológico inclui o uso de vasodilatadores, como
nitroglicerina e nitroprussiato.

❑ Tanto o nitroprussiato como a nitroglicerina causam dilatação da


artéria coronária, o que amplia a oferta de oxigênio para o miocárdio.
O nitroprussiato provoca dilatação venosa e arterial, produzindo uma
diminuição do retorno venoso para o coração e uma redução da
resistência arterial contra a qual o coração esquerdo tem que bombear.
❑ Em doses mais baixas, os principais efeitos da nitroglicerina se
manifestam sobre os leitos vasculares venosos e as artérias coronárias.
Em doses elevadas, também dilata os leitos arteriais.

❑ A administração de ambos os medicamentos pode resultar na


diminuição da pressão arterial diastólica, que resulta em menor
resistência vascular sistêmica (pós-carga). A pressão arterial sistólica é
mantida por um aumento do volume sistólico do ventrículo, que é
ejetado contra a resistência vascular sistêmica diminuída. A melhora na
função cardíaca aumenta o volume sistólico e torna possível que o
sangue seja redistribuído a partir do leito vascular pulmonar para a
circulação sistêmica.
❑ Agentes inotrópicos positivos são utilizados para melhorar a
contratilidade cardíaca. Tanto a dobutamina quanto a milrinona são
medicamentos efetivos, na medida em que resultam na elevação da
contratilidade e na vasodilatação arterial. A dobutamina é um agente
sintético constituído por dois isômeros, um sendo um potente agonista
dos receptores adrenérgicos β1 e antagonista do receptor adrenérgico
α1, e o outro um agonista leve do receptor adrenérgico β2 e agonista
do receptor adrenérgico α1.

❑ A combinação tende a produzir vasodilatação e uma ação inotrópica


positiva. A milrinona aumenta a contratilidade miocárdica, aumentando
o movimento de Ca ++ para o interior das células do miocárdio
durante um potencial de ação.
❑ A elevação do volume sistólico resulta na diminuição do volume
sistólico final e em redução na pré-carga. Com a diminuição das
pressões de pré-carga, a perfusão da artéria coronária melhora durante
a diástole. Desse modo, o volume de ejeção e a oferta de oxigênio para
o miocárdio também melhoram com um aumento mínimo na demanda
de oxigênio pelo miocárdio.

❑ As catecolaminas aumentam a contratilidade cardíaca, mas devem ser


usadas com extrema cautela, porque também resultam em constrição
arterial e aumento da frequência cardíaca, o que agrava o desequilíbrio
entre a oferta e a demanda de oxigênio para o miocárdio.
❑ O balão intra-aórtico, também conhecido como contra-pulsação,
aumenta a perfusão coronária e sistêmica, e diminui a pós-carga e a
demanda de oxigênio do miocárdio. O dispositivo, que bombeia em
sincronia com o coração, é constituído por um balão de 25 cm que é
inserido através de um cateter na aorta descendente (Figura abaixo).
❑ O balão é programado para inflar durante a diástole ventricular e
desinflar pouco antes da sístole ventricular. A inflação diastólica cria
uma onda de pressão na aorta ascendente, que aumenta o fluxo
sanguíneo da artéria coronária, e uma onda menos intensa na aorta
descendente, que melhora a perfusão dos órgãos.

❑ O esvaziamento abrupto do balão no início da sístole resulta em um


deslocamento de volume de sangue que reduz a resistência à ejeção do
sangue do ventrículo esquerdo. Desse modo, a eficiência de
bombeamento do coração é reforçada, o suprimento de oxigênio para
o miocárdio é maior e o consumo de oxigênio do miocárdio é
diminuído.
COMPLICAÇÕES
DO CHOQUE
❑ Muitos sistemas orgânicos podem ser destruídos pelo choque. As cinco
grandes complicações do choque grave são:

1. Lesão pulmonar
2. Insuficiência renal aguda
3. Ulceração gastrintestinal
4. Coagulação intravascular disseminada (CID)
5. Síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO).

❑ Estas complicações são graves e muitas vezes fatais


BIBLIOGRAFIA
❑ Pinto,Anabela, Fisiopatologia-Fundamentos e Aplicação, LIDEL, Lisboa,
2ªed, 2013

❑ Fisiopatologia/Sheila C. Grossman, Carol Mattson Porth; [tradução Carlos


Henrique de Araújo Cosendey, Maiza Ritomy Ide, Mariângela Vital Sampaio
Fernandes e Sylvia Werdmuller VonElgg Robert] – 9º ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2016

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