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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE-NORTE

BASES BIOPATOLÓGICAS
PARA CURSOS DE
CIÊNCIAS DA SAÚDE

F. Oliveira Torres

Nuno Sampaio

Luis Monteiro

2012
BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

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BASES BIOPATOLÓGICAS PARA CURSOS DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CAPÍTULO XII

BIOPATOLOGIA DO SISTEMA VASCULAR, GRANDE SISTEMA DE


ASSOCIAÇÃO ORGÂNICO, DE TIPO HOMEOSTÁTICO

O sistema vascular com funções sistémicas, homeostáticas já referidas no capítulo 2, é


um sistema formado por vasos (os vasos sanguíneos e suas variantes estruturais) e pelo
coração. O único elemento comum a todo o sistema é a célula endotelial e sua
membrana basal, célula imprescindível na função normal do sistema. Nos vasos, de
composição variável, segundo se trata de artéria, veia ou capilar, e sempre com células
endoteliais, circula, corre, um fluido espesso, denso, com proteínas e células, o sangue.
O sangue, de densidade superior à da água, transporta para as células, lipídeos, hidratos
de carbono, proteínas, hormonas, vitaminas, iões, etc., e tráz dessas células os produtos
do seu catabolismo. Em sua circulação, o sangue acarreta atrito sobre a parede vascular
e mais propriamente sobre a célula endotelial. O atrito produz calor, desgaste estrutural
e estimula o chamado factor de atrito existente no sangue, a proteína 12 da coagulação,
ou também chamado factor de Hageman (por não existir no senhor Hageman). Esta vai
desencadear a estimulação da cascata proteica da chamada via intrínseca da coagulação,
cujo términus é a transformação da protrombina em trombina, atuando esta sobre outra
proteína plasmática, o fibrinogénio. Este polimerizado forma fibrina, ou seja, o coágulo.
Possui assim o sangue, toda a tendência para coagular, mesmo perante a condição
fisiológica de ter de circular. Com esta tendência natural e estrutural do sangue para
coagular, salvadora em casos de hemorragia, e que nos mata em casos de trombose
(coagulação em vida dentro dos vasos), como conseguimos ter tantos anos o sangue a
circular sem a trombose acontecer, no estado de saúde?

Deve ser acrescentado, ter o sangue, para além das proteínas da coagulação, células
efetoras dessa coagulação, as plaquetas. Estas aderem a tudo que é estranho, aderem
entre si e segregam fatores estimuladores da coagulação. São as grandes responsáveis
pela hemóstase, ou seja, paragem de sangramento após traumatismo. Aderem ao
colagénio e vão constituir o coágulo.

O primeiro grande elemento que contraria a capacidade do sangue para a coagulação é a


presença da célula endotelial e suas propriedades anticoagulantes e fibrinolíticas.

O segundo elemento é o da presença no próprio sangue de um sistema fibrinolítico.


A célula endotelial, pela sua capacidade fibrinolítica, impede que o fibrinogénio,
constantemente a formar-se pelo atrito, polimerize em camada espessa de fibrina e seria
a trombose. Permite apenas a formação de fina película de monómeros de fibrina não
polimerizada, que vai constituir uma ideal camada lubrificante, ao deslizar do cilindro
sanguíneo. Assim a lubrificação é constante e constantemente renovada e o atrito em
grande parte reduzido, como reduzidos os seus efeitos. É a lubrificação ideal, criada
pela natureza. Isto exige porém a presença da célula endotelial.

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São propriedades fibrinolíticas ou anticoagulantes da célula endotelial:

- Formação de trombomodelina, que converte a trombina em um ativador da proteína C


(potente anticoagulante).

- Formação de proteína S, co-fator da proteína C ativada.

- Formação de moléculas de tipo heparínico acentuadoras dos efeitos da antitrombina


III.

- Formação da prostaciclina sintetase, que vai levar à formação da prostaglandina I 2 , a


partir do ácido araquidónico (ver esquema no capítulo 8), prostaglandina repulsora das
plaquetas.

- Ativadora do plasminogénio.

- Inibidora da agregação plaquetária por converter o ADP plaquetário.

Todavia a célula endotelial, o grande fator anticoagulante do sistema, possui também,


para contrariar, propriedades coagulantes:

- Produz tromboplastina tissular (fator de coagulação) por ação da IL-1 e do TNF.

- Segrega o factor de Von Willebrand, cofator de aderência plaquetária.

- Produz inibidor do ativador do plasminogénio.

- Produz endotelinas, vasoconstritoras, modeladoras do tonus vascular, proliferação


celular e produção de hormonas.

As endotelinas desempenham papel na patologia cardiovascular (enfarte miocárdio,


hipertensão sistémica e pulmonar, na asma, isquémia renal pela ciclosporina, alterações
do desenvolvimento, isquémia cerebral e hemorragia subaracnoideia).

O monóxido de azoto (NO) é um vasodilatador produzido por enzima celular própria.


No cilindro sanguíneo temos então o sistema da coagulação, o sistema fibrinolítico, o
sistema das proteínas cininicas e o sistema das proteínas do complemento. Temos
também as plaquetas, com as suas propriedades de aderência, secreção e agregação.

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A aderência plaquetária consta da ligação da plaqueta ao colagéneo exposto, ou ao


estranho circulante como toxinas bacterianas e células neoplásicas.

A secreção plaquetária consta de produtos dos seus grânulos α como o fíbrinogéneo,


fibrinonectina, fator plaquetário 4, ativador do fator plaquetário 3, proteínas catiónicas e
beta-tromboglobulina. Também produtos dos seus grânulos densos (ADP, cálcio,
histamina, epinefrina, serotonina).

A agregação plaquetária, por ação do tromboxano, trombina e ADP. Formação do


coágulo temporário, secundário e definitivo. As plaquetas protegem (defesa contra
agentes e suas toxinas e células neoplásicas) e são prejudiciais por fixarem agentes a
produzirem infeções como nas endocardites e criando um local de fixação de células
neoplásicas, levarem à formação de metástases. Sem plaquetas nunca uma neoplasia
metastizava. Sem plaquetas esvaíamo-nos em sangue.

Falência do Sistema Vascular - Lesão vascular

Há dois grandes tipos de lesão vascular. A da solidificação do conteúdo, acarretando


trombose, embolia e enfarte. A perda da estanqueidade, acarretando desidratação,
edema e hemorragia. Temos a considerar depois os aspetos da aterosclerose e da
hipertensão arterial.

Modo de reação dos vasos sanguíneos a solicitações exógenas e modificações da


parede.

Ação de endotoxinas - acarretam leucopénia e leucocitose de compensação; fragilizam


a membrana do glóbulo rubro, ligando-as, agregam plaquetas, aumentam a
penneabilidade capilar.

As endotoxinas lesam as células endoteliais e são responsáveis pela coagulação vascular


disseminada (DIC) microcirculatória, por lesão das células endoteliais dessa circulação.
Isto leva ao quadro fatal do choque endotoxinico, com hemorragia por gasto dos fatores
da coagulação na microcirculação e insuficiência suprarrenal aguda (síndrome de
Waterhouse-Friderichsen das menigocócémias, já referidas no capítulo 10)

A persistência de toxinas esgota o sistema fagocítico e o sistema fibrinolitico da célula


endotelial e precipita a coagulação vascular disseminada e choque endotoxinico fatal.
Isto é demonstrado experimentalmente no chamado fenómeno de Schwartzman.
Quando o animal ainda a recuperar da inoculação de toxinas, recebe mais toxinas, a
morte é rápida. Os sistemas de compensação fagocítico e fibrinolítico, ainda não tinha
sido restabelecidos após a primeira inoculação.

Ação de imunocomplexos – tratado no capítulo XIV

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Ação do fumo do cigarro na parede vascular, já tratado, mas agora sumarizado:

- Polimerizador da fibrina e hipercoagulabilidade.

- Mutagénio da fibra muscular lisa da parede vascular.

- Deficiência de oxigénio com acumulação de lipoproteínas na parede vascular.

- Vasoconstritor por mecanismo catecolamínico.

- Inativador da αl-antitripsina.

- Inativador do factor XIII da coagulação, impedindo a agregação da fibrina, mas


apenas nas lesões em reparação.

- Possuidor de glicoproteinas anafiláticas, acarretando vasoconstrição brônquica e


coronária.

- Aumenta os níveis plasmáticos do fator de crescimento do endotélio vascular,


acarretando aumento da doença vascular, crescimento tumoral e metastização.

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Alterações de estanqueidade do sistema:

- Desidratação, Edema, Hemorragia e Choque

Em condições normais o sistema vascular é impermeável, salvo na grande área


microcirculatória, onde acontecem trocas entre os meios intra e extravascular,
possibilitando a dinâmica fisiológica do sistema, com a entrega ás células do que elas
precisam e trazendo delas todos os produtos do catabolismo.

A vida desenvolveu-se na água e em água continua a processar-se. 70% do nosso peso


corporal é água. Destes 70%, 50% encontra-se dentro das células e 20% extracelular.
Dos 20% extracelulares, 16% é água intersticial, está entre as células, e 4% está no
sangue.

As grandes trocas acontecem entre os dois componentes dos 20% da água extracelular,
ou seja, entre a água intersticial e a plasmática. Os 50% da água intracelular são
intocáveis, tem de ser constantemente reposta pois a sua baixa é incompatível com a
vida. Assim, em caso de perda de água extracelular em crianças, por temperatura
elevada, vómitos e diarreia, deve haver rápida hidratação para não acontecer
desidratação intracelular, causa de morte.

O jogo de água no organismo faz-se então pelas chamadas leis do equilíbrio


hidroelectrolitico e passam pelos compartimentos intersticial e plasmático. Essas leis,
também chamadas leis de Starling são:

1 - a pressão hidrostática na área venosa sanguínea, quando aumentada faz sair água
para os interstícios. Esta pressão anda pelos 25/30 mm de Hg.
2 - O teor proteico plasmático, ou pressão osmótica do plasma, anda também pelos
25/30 mm de Hg, e retém água dentro dos vasos.
3 - A pressão osmótica do líquido intersticial, relacionada com o teor de sódio, anda
pelos 2/3 mm Hg, e retém água nos espaços extracelulares.
4 - A pressão hidrostática intersticial, à volta de 1/2 mm de Hg, impede a saída de água
do plasma para os interstícios.

São as variações entre estas quatro forças, determinadas por fatores diversos, quem vai
ser causa de desidratação e de edema.

A desidratação é a redução do volume de água intersticial. Acompanha-se também de


redução do volume de água plasmática, não devendo nunca ser acompanhada de perda
de água intracelular.
A desidratação traduz-se por secura da pele e mucosas, olhos encovados, atritos pleurais
por secura pleural, cérebro com redução de peso e com cisuras muito marcadas. Deve-se

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à não ingestão de água, calor intenso, sudação intensa, sem reposição de água, diarreia e
vómitos.

O edema é a presença excessiva de água nos interstícios e nas cavidades (derrames


pericárdico, pleural. O derrame peritoneal chama-se ascite). Em condições normais
sempre que há aumento do volume circulatório, o fator natrodiurético atrial (aurículas)
governa a eliminação de sódio, não o retém. Os edemas podem ser localizados ou
generalizados. Os edemas localizados têm uma causa local. É o caso de uma inflamação
ou de uma trombose venosa, localmente acarretando estase venosa e consequente
aumento da pressão hidrostática. Outra causa local é a obstrução linfática. O sistema
linfático drena todo o excesso de água intersticial, ou subcapsular de órgãos como o
fígado e rins para o sistema venoso, desembocando na veia cava. Se houver obstrução
linfática por disseminação carcinomatosa ou por um parasita, a Filária, vivendo nos
linfáticos, onde provoca fenómenos oclusivos, a estase local linfática acontece. A estase
linfática é mais rica em proteínas do que o edema não linfático e por isso o edema
linfático evolui para a organização e esclerose do local, ou do órgão. O edema não
linfático não tem evolutividade, está o seu prognóstico apenas ligado à sua causa.

Os edemas generalizados possuem uma causa geral única, ou associada a outras causas
gerais.

O aumento da pressão hidrostática, tem na insuficiência cardíaca direita a sua principal


causa. Vai começar por se exprimir nas zonas mais afastadas do coração, nos membros
inferiores. O edema dos membros inferiores é o primeiro sinal da insuficiência cardíaca
direita. A estase vai estender-se ao fígado (fígado cardíaco em noz moscada - capitulo
6) e ao rim, acarretando anóxia nos dois órgãos. A anóxia hepática vai acarretar
incorreto funcionamento hepático e hipoproteinémia, que agrava o edema. A anóxia
renal, leva à libertação de renina e esta de angiotensina e depois aldosterona que retém
sal e logo retém água, contribuindo para o edema.

Temos assim o chamado edema cardíaco, resultado não só do aumento da pressão


hidrostática, como da hipoproteinémia e da retenção de sal.

A redução da pressão osmótica do sangue, ou seja, a hipoproteinémia ou redução de


proteínas. Pode resultar de má nutrição - Já no capitulo 6, foi referido o síndrome de
Kwashiorkor. Pode ser o resultado de cirrose hepática por hipofunção hepática. Neste
caso, à hipoproteinémia junta-se o aumento da pressão hidrostática, no território da veia
porta, por obstáculo ao fluxo deste através do fígado. Pode resultar de um síndrome
nefrótico, ou seja, insuficiência glomerular renal, com grande perda de proteínas para a
urina - proteinúria. No chamado edema renal, a causa primeira é hipoproteica,
associando-se, por mecanismo aldosterónico, a retenção de sal. Na clínica, o edema
renal principia pelas pálperas, dada a mais fácil distribuição da água em tecidos laxos.
Enquanto o edema cardíaco pode sofrer variações com o descanso noturno, de manhã
pode estar atenuado, para ao fim do dia ser mais marcado, por maior incapacidade
cardíaca, o edema renal mantém-se inalterado ao longo do dia.

O edema por retenção de sódio, para além das causas já referidas, cardíacas e renais,
agrava-se com a ingestão excessiva de sal. Este deve ser retirado da alimentação em
qualquer situação de edema.

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Expressão morfológica do edema - Aumento do volume do tecido celular subcutâneo.


Comprimindo a pele contra um osso forma uma depressão - o sinal de godet. Aumento
do volume do fígado com aspeto de nóz moscada, e depois fibrose por estase linfática
sob a cápsula de Glisson, revestindo o órgão. Estase e esclerose renal. Aumento do
volume do cérebro, apagando o desenho das circunvoluções e se acompanha de
hipertensão intracraniana, com cefaleias, náuseas e estase papilar. O edema cerebral em
qualquer circunstância deve ser combatido. O crâneo, não se expandindo pode acarretar
estrangulamento do pedúnculo cerebral e cerebelo no buraco occipital, com morte
súbita. O traumatismo craniano é sempre causa de edema cerebral.

O edema do pulmão tem na insuficiência cardíaca esquerda a principal causa. O pulmão


é pesado, não arejado, acarreta cianose e dispneia. Os alvéolos são preenchidos por
água.

Súmula das causas de edema

1 - Aumento da pressão hidrostática


- Insuficiência cardíaca direita (edema periférico) e esquerda (edema pulmonar).
- Pericardite constrictiva (fibrose pericardica organizada).
- Trombose venosa.
- Cirrose hepática (território da veia porta).

2 - Redução da pressão osmótica - hipoproteinémia


- Má nutrição (Kwashiorkor).
- Síndrome nefrótico.
- Cirrose hepática (hipofunção hepática).

3 - Obstrução linfática
- Carcinomas.
- Cicatrizes inflamatórias.
- Radiações.

4 - Aumento da pressão osmótica do líquido intersticial


- Excesso alimentar em sal.
- Aumento da reabsorção tubular de sódio.
- Redução da perfusão renal (excesso de aldosterona).

5 - Aumento da permeabilidade vascular


- Inflamação - Queimaduras - Trauma - Alergia

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SISTEMA ARTERIAL

TERRITÓRIO
CORAÇÃO
MICROCIRCULATÓRIO

SISTEMA LINFÁTICO

SISTEMA VENOSO

Esquema 10 – Sistema vascular

A Hemorragia é a saída de sangue para fora dos vasos.


Pode ser externa, se para o exterior, ou interna, se para dentro do organismo, em
qualquer cavidade. Pode ser traumática, ou pode ser espontânea. Pode ser capilar,
venosa, arterial ou cardíaca. A hemorragia, segundo o local e seu aspeto morfológico
engloba:

- Petéquias - pequenas hemorragias punctiformes, como cabeça de alfinete.

- Equimose - A vulgar negra ou pisadura. É uma hemorragia cutânea em superfície mais


ou menos extensa.

- Púrpura - Diatese hemorrágica punctiforme, com petéquias e equimoses.

- Hematoma - Colecção tumoriforme de sangue.

- Apoplexia - Hemorragia de um órgão.

- Epistaxis - Hemorragia pelo nariz.

- Hemoptise - Hemorragia pela boca de origem pulmonar. A hemorragia é de sangue


arejado, vermelho vivo, antecedido por tosse.

- Hematemese - Hemorragia pela boca, de origem digestiva. O sangue é escuro, digerido


e sua expulsão antecedida por vómito.

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- Melena - Sangue nas fezes.

- Hemotórax - Hemopericárdio - Hemartrose - Hemorragia respectivamente nas


cavidades toráxica, pericárdica e articular.

- Menorragia - Abundante hemorragia durante o período menstrual.

- Metrorragia - Hemorragia fora do período menstrual.

- Menometrorragia - Hemorragia durante e fora do período menstrual.

- Hematosalpinge - Hemorragia nas trompas uterinas.

Hemóstase é a dinâmica da contenção da hemorragia. Intervém a constrição vascular


por ação serotonínica, a adesão e agregação plaquetária, a ação do ADP plaquetário, os
fatores da coagulação e as endotelinas.

As hemorragias podem ser de causa traumática, doença vascular local, como


arteriosclerose, aneurismas, úlceras ou perfurações, podem ter causa em hipertensão, ou
podem ser lesões de causa sistémica, as chamadas diáteses hemorrágicas.

Tipos de diáteses hemorrágicas ou hemorragias generalizadas:

- Por alterações dos factores plasmáticos da coagulação como é o caso das hemofilías
por deficiência dos factores anti-hemofílicos (factores 8 e 9 da coagulação), ou por
hipoprotrombinemia (deficiência de protrombina), ou por hipofibrinogenémia
(deficiência de fíbrinogénio).

Quer a protrombina quer o fíbrinogénio são proteínas produzidas pelo fígado. Assim em
toda a insuficiência hepática, há tendência para hemorragias, por deficiência dos fatores
de coagulação.

- Deficiência dos factores de coagulação acontece na coagulação vascular disseminada


(DIC) já referida no início deste capítulo. Esgotam-se os factores de coagulação ao
longo de toda a microcirculação, onde toxinas ou a anóxia por insuficiência cardíaca
direita, lesam as células endoteliais e a coagulação disseminada por toda a
microcirculação acontece.

Por deficiência dos factores de coagulação vão haver hemorragias (coagulopatia de


consumo) de tipo petequial, nas mucosas gástrica e intestinal e hemorragias viscerais.

Por redução do número de plaquetas (trombocitopenia), por lesão medular com não
produção de plaquetas, ou por gasto de plaquetas e por alteração de formação
plaquetária (púrpuras). Também pode acontecer aumento de destruição de plaquetas por
causa autoimune, DIC, hiperplenismo primário e por tóxicos.

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A mais frequente manifestação hematológica associada ao HIV é a trombocitopenia


associada ao H I V . Os megacariócitos são infetados e destruídos, não se formam
plaquetas e a sua destruição aumenta.

Diáteses por anormalidades vasculares - Púrpuras, infeções, drogas.

Efeitos das hemorragias:

- Locais, podem ser sensíveis como no cérebro.

- Gerais, dependem principalmente do volume perdido, progressivamente conduzindo a


anemia hipocrómica, ou perda rápida de grande volume de sangue desencadeando uma
reação sistémica adaptativa.

O estado de choque, com anúria, constrição vascular, pele pálida e fria, a suar,
taquicardia e taquipneia, tudo sintomas e sinais da tentativa de suprir a deficiência de
sangue ao cérebro e coronárias.

Fases do estado de choque:

Fase não progressiva - Compensação que perfunde os órgãos vitais.

Fase progressiva - Hiperfunção, acidose, anóxia. Desequilíbrio metabólico.

Fase irreversível - estabelecimento de lesões irreversíveis em diferentes órgãos e


metabolismos.

Choque hipovolémico - perda de sangue, desidratação, queimaduras

Choque cardiogénico - Falência do miocárdio por lesão intrínseca (enfarte), arritmia


ventricular, tamponamento cardíaco, embolia pulmonar.

Choque séptico - Choque endotoxinico, lesão microcirculatória e coagulação vascular


disseminada.

Biopatologia do estado de choque

A anóxia conduz a modificações fisiologicamente apropriadas na expressão génica. Um


factor induzido pela hipoxia (HIF), um complexo de transcrição, controla a expressão
génica e modificações na tensão de oxigénio.

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Em resposta à hipoxia, há um aumento de produção de importantes proteínas:

1 - Aumento da produção de eritropoietina, com aumento do número de células rubras.

2 - Factor de crescimento endotelial vascular (VEGF), chave da angiogénese, com


aumento de vascularização dos tecidos hipóxicos e logo proteção de isquémia.

3 - Tirosina hidroxilase, enzima reguladora da síntese de protamina, que vai regular por
meio de células glómicas do corpo carotideo, a manutenção de um aumento de
ventilação.

4 - Indução de enzimas glicolíticas, que facilitam os níveis intracelulares de moléculas


energéticas de adenosina trifosfato a serem mantidas.

5 - O HIF e seus heterodimeros α e β, podem regular muitas outras proteínas, como


proteínas de fusão, com domínios de ligação do heme e proteínas-cinases.

No choque, em acidentes vasculares cardíacos e cerebrais o VEGF e o HIF podem ser


de grande utilidade. Science 292, 20 Abril 2001-pag.449,451

Morfologia do estado de choque

Já foi referido o estado de pele pálida, fria, pela constrição vascular simpática,
estimuladora das glândulas anexas à pele, aparecendo sudação prejudicial, pela perda de
água que acarreta.

O doente está ansioso, taquicárdico, para haver maior rapidez circulatória do volume de
sangue existente, e taquipneico, ou seja, com aumento do número de movimentos
respiratórios, para ser possível uma maior oxigenação do menor volume de sangue
existente. O suplemento sanguíneo necessário ao cérebro e ao miocárdio acontece, à
custa de redução sanguínea a outros órgãos, como o pulmão pela circulação brônquica e
o rim.

Deste modo, no pulmão vai acontecer anóxia dos pneumócitos de tipo II com
dificuldade na renovação do surfactante pulmonar. O pulmão torna-se pesado e
edemaciado - pulmão de choque, prejudicial à oxigenação do sangue, já que o edema
ocupa os alvéolos e o ar não entra. Por outro lado, edema pulmonar é perda de mais
água, situação prejudicial.
No rim, a isquémia vai lesar muito mais o túbulo renal do que o glomérulo. A anóxia
tubular leva à sua destruição - tubulorrexis, situação de nefrose a dominar o quadro de
irreversibilidade de choque e morte.
O fígado, devido à anóxia, vai apresentar acumulação gorda – fígado gordo.
Na suprarrenal, órgão central na situação geral adaptativa, vai acontecer total depleção
lipídica, por esgotamento dos lipídeos no fabrico das hormonas córticosuprarenais.
No intestino podem aparecer sufusões hemorrágicas generalizadas, dependentes de
fenómenos de coagulação vascular generalizada.

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Alterações na coagulação:

- Trombose, Embolia, Enfarte

Trombose

É a oclusão de um vaso por um trombo. Um trombo é um coágulo em vida dentro de um


vaso. Os trombos aderem à parede vascular e são constituídos pelos elementos do
sangue, todos misturados. Estas características permitem distinguir um trombo de um
coágulo pós-mortem. Na morte, o sangue coagula, não há aderência à parede, e há
separação da parte globular da parte plasmática. A parte globular lembra pela cor, a
groselha, e a parte plasmática, a gordura de galinha. Depois, o coágulo pós-mortem, faz
o molde do vaso onde se encontra.

Os trombos, ricos em fibrina, são brancos. Há os vermelhos e os mistos. Os trombos,


nos grandes vasos, não conseguem ocupar todo o lúmen e ficam encostados e presos à
parede, sendo mais ou menos salientes. São os trombos murais. Os trombos que tapam o
lúmen são os oclusivos e podem aumentar o seu tamanho - trombos de propagação - os
trombos podem ainda ser recentes ou antigos.

Causas de trombose - A mais frequente causa é a lesão da célula endotelial. Esta é


lesada por tudo que aumenta o atrito como seja a hipertensão, estenoses, com a
formação de vórtices e dilatações ou ectasias vasculares, onde se formam redemoinhos.
Outra causa importante de trombose é a alteração da composição do sangue.

É de realçar a possibilidade da existência de uma hipercoagulabilidade herdada, por


mutação do gene do factor V, a chamada mutação de Leiden que pode atingir entre 2 a
15% da população. Consiste esta mutação na substituição da glutamina pela arginina, na
posição 506 do factor V.

Há situações de hipercoagulabilidade adquirida. Nas síndromes de heparina induzindo


trombocitopenia e síndromes de anticorpos antifosfolipídeos. No primeiro, anticorpos
anti-heparina ligam a heparina ao complexo fator plaquetário IV, ativam plaquetas e
lesam o endotélio. Esta alteração acontece em 5% da população. O segundo caso, é uma
situação ligada ao lúpus eiitematoso disseminado (síndrome lúpico anticoagulante).

São factores predisponentes da trombose


Trombose cardíaca - Mural, auricular, valvular, ventricular por lesão da parede por
enfarte ou endocardite e ainda estase.
Trombose arterial - Por ateroma, aneurisma, inflamação, hipertensão.
Trombose venosa - Por imobilização, estase, desidratação, caquexia.
Trombose capilar - Inflamação, coagulação vascular disseminada.
Trombose nas hipereosinofilías - Lesão do endotélio pelos eosinófilos.

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Evolução dos trornbos - Podem propagar-se, dar origem a êmbolos, podem ser
fíbrinolisados, podem sofrer contaminação bacteriana e serem parcialmente digeridos
por enzimas bacterianas (amolecimento puriforme do trombo), podem ser penetrados
por tecido de granulação (organizarem-se), podem endotelizar-se, recanalizar-se e
calcificar.

A trombose, na clínica, pode estar relacionada com a insufuciência cardíaca, lesões


vasculares, doenças malignas (trombose migratória), estados pós-parto, ou pós-
operatórios, imobilizações prolongadas e o uso de certas pílulas anticoncepcionais,
facilitadoras da lesão da célula endotelial. O fumo do cigarro é um factor facilitador do
estabelecimento de trombose.

Embolia

É a obstrução de um vaso por um êmbolo. Um êmbolo é um corpo estranho circulante,


que vai encravar o lúmen de um vaso, dando uma embolia. Há vários tipos de êmbolos
segundo a sua origem.

Êmbolos de origem em trombos - Constituem o chamado tromboembolismo, muito


frequente nas artérias pulmonares e com origem em trombos venosos dos membros
inferiores - tromboflebites em veias varicosas, ou em indivíduos acamados e não
mobilizados. Origina-se também em tromboses peri-uterinas e peri-prostáticas. O
tromboembolismo pulmonar acarreta enfarte pulmonar ou, sendo ocluída uma artéria
pulmonar de grande calibre, pode ocorrer morte por insuficiência cardíaca direita aguda.

Êmbolos gasosos - têm origem em gases do sangue, como o O2, o CO2 e o azoto,
quando submetidos a grandes pressões, como acontece em grandes profundidades ou
em altitudes, se rapidamente despressurisados, se libertam sob a forma de bolhas.

O azoto dificilmente se dissolve e circula, provocando oclusão de vasos pulmonares ou


cerebrais.

Êmbolos amnióticos - são formados por células do liquido amniótico, na altura do parto
introduzido nos vasos abertos pela pressão negativa da expulsão do feto. Localizam-se
preferencialmente no pulmão, podendo acarretar embolismo fetal.

Êmbolos gordos, resultam muitas vezes da fraturas ósseas, mesmo simples, com
veiculação de lipídeos da medula óssea para a corrente sanguínea, não ligados a
proteínas e por isso tóxicos para as células endoteliais microcirculatórias. Pode
acontecer desencadear-se uma situação de coagulação vascular disseminada, muitas
vezes acompanhando o chamado síndrome de embolismo gordo, com lesão pulmonar e
cerebral, e sintomatologia de coagulopatia de consumo. Parece ser todo um cortejo de
alterações ligadas ao stress, à toxidade dos lipídeos e ao DIC, mais do que a embolia em
si, a causa da síndrome.

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Ênbolos ateromatosos - são formados por fragmentos de ateroma, soltos da parede


aórtica e vão dar embolias arteriais.

Êmbolos neoplásicos - são formados por grupos de células neoplásicas, circulando no


sangue e com origem numa neoplasia.

Enfarte

Necrose isquémica de uma estrutura. Podem, segundo o local de obstrução vascular


serem arteriais ou venosos. Podem, pela cor, ser brancos e hemorrágicos. Segundo há ou
não contaminação bacteriana, podem ser sépticos ou brandos, e segundo a idade, podem
ser recentes e antigos.

A morfologia do enfarte vai-se modificando com o tempo. Inicia-se por palidez, rodeada
por hiperémia da resposta inflamatória, evolui para reparação cicatricial, terminando em
tecido de cicatriz.

São factores condicionantes da formação de um enfarte a composição do sangue e o


estado geral do sistema circulatório. Um enfarte pode acontecer sem oclusão vascular
trombótica. Basta o sistema possuir alterações estruturais impeditivas de um órgão ser
devidamente vascularizado. Por vezes o frio, em indivíduos já com o seu sistema
vascular incapaz de cumprir cabalmente a oxigenação, é suficiente, provocando
constrição vascular, para desencadear um enfarte. Da mesma forma em jovens, uma
obstrução vascular embólica dum pulmão pode não ser suficiente para levar a enfarte,
dado existir uma perfeita circulação colateral.

Depois, há tecidos mais vulneráveis à isquémia do que outros. O cérebro e o miocárdio


fazem enfartes com pequenas isquémias. Já o músculo esquelético é muito resistente à
isquémia. Assim, também o significado clínico do enfarte é diverso, segundo o local
onde acontece: coração cérebro, rim, baço, intestino, extremidades.

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ATEROMA - ATEROMATOSE - ARTERIOSCLEROSE

O ateroma será o depósito de produtos, o mais importante, o colesterol, nas paredes das
artérias.

A ateromatose será a multiplicidade dos depósitos de ateroma. Condições levando à


formação de uma placa, levam à formação de diversas placas.

A aterosclerose é a esclerose do vaso, determinada pelo estímulo do depósito nas células


fagocíticas, com libertação de factores do crescimento fibroblástico, logo, células
conjuntivas e produção de colagénio.

A arteriosclerose é a esclerose arterial, em perto de 100% dos casos, é de causa


ateromatosa. Restará um ou outro caso resultante de inflamação ou de calcificação da
túnica média da artéria - Esclerose de Monkeberg.

A arteriosclerose ou aterosclerose - vamos tomar os termos indistintos, é a causa


primeira de morte do organismo humano pelas suas complicações: hipertensão arterial,
enfarte cardíaco, acidente vascular cerebral.

A ateromatose é explicada na base dinâmica fisiológica da parede vascular, no teor de


fatores circulantes de aterogenese e também, e muito importante, numa base genética.

A parede arterial é nutrida pelos vasos adventiciais, os vasa-vasorum, que atingem a


túnica média, irrigando portanto as túnicas, adventícia e média. A túnica interna, sub-
endotelial é nutrida pelo próprio fluxo sanguíneo, ou seja pelo sangue do fluxo da
própria artéria, sobre a superfície endotelial. Esta nutrição da subíntima faz-se por
embebição, e fundamentalmente pela captação de produtos circulantes, por células
musculares lisas da parede, de tipo fagocítico, dendríticas, logo, com prolongamentos
aflorando, entre as células endoteliais, à própria corrente circulatória. Estas células
quando fagocitam, como toda a célula fagocítica, multiplica-se e segrega. Mais células
fagocíticas passaram a existir, e se houver produtos fagocíticos, mais se fagocita. Estas
células depois segregam produtos intervenientes no metabolismo do que foi fagocitado.
Vão ser os nutrientes da parede, mas são também factores de crescimento fibroblástico e
citocinas inflamatórias.

Estas duas últimas características, havendo a circular muitos produtos fagocíticos -


factores circulantes de aterogénese, ultrapassam a sua benéfica função nutricional e
caem na situação patológica de promoverem o desenvolvimento da aterosclerose.

Parece assim existir na dinâmica da aterosclerose, uma dinâmica fisiológica da parede


vascular, utilizando os meios fagocíticos para se nutrir, e haver depois, ou poder haver
depois, um excesso de fatores circulantes de aterogénese, constantemente fagocitados.
A própria dinâmica da célula fagocítica comporta a divisão celular e logo mais
fagocitose. Pode também referir-se ser a libertação de citocinas estimuladora do

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aparecimento de mais células macrofágicas, agora macrófagos que já nada tem a ver,
com a dinâmica fisiológica das células musculares lisas.

São factores circulantes de aterogénese

- O atrito da corrente, arranca células endoteliais, principalmente nos pontos de maior


atrito, como sejam as mudanças de calibre (da aorta para as intercostais, para as renais,
para as íliacas) e imediatamente as plaquetas aderem, segregam e agregam, formando
microtrombos. Isto acontece "normalmente" em todos. Porém as plaquetas são
extraordinariamente ricas em lipídeos e os lipídeos são estimuladores da divisão celular
muscular lisa. Logo, esta sempre existente dinâmica pode ser e é o princípio da
formação de depósitos na parede, pelo depósito plaquetário em si e pela possível
fagocitose subsequente, se existirem a circular, por exemplo excessos lipídicos. Se tal
não acontecer, os microtrombos, constantemente pelo atrito a constituírem-se, são
endotelizados pelas células endoteliais vizinhas das arrancadas. As células vizinhas
imediatamente se estiram, reduzindo a superfície desnudada e nesse estiramento
estimulam a sua divisão, dando novas células endotelizadoras do microtrombo. Este vai
depois ser digerido pela parede vascular. Assim constantemente se formam e
desaparecem.

Esta realidade do atrito e da ação da plaqueta são a base de teorias sobre a formação do
ateroma.
Na sequência da primeira teoria, a metabólica ou da circulação lipidica - a tal nutrição
da íntima pela própria corrente circulatória, surge depois, na base do já referido, as
teorias mecânicas ou hidrodinâmica ou do atrito, e a teoria durante muito tempo em
voga é uma realidade, a teoria da trombose mural infiltrativa de Duguid. Este autor
acentava a sua teoria no já referido e no facto da morfologia do ateroma ser o de uma
meia lua, encrustada na parede e com a convexidade para o lúmen. Referia Duguid ser
este o aspecto, o resultado do "empurrar" pela própria força circulatória, de um trombo
saliente no lúmen vascular. Só se poderia dispor em forma de meia lua, dentro da
parede, perante essa força.

trombo ateroma em meia


lua endotelizado

Esquema 11 – Parede arterial

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Como factor agregador plaquetário, o ácido úrico será mais um factor circulante da
aterogénese.

São importantes factores circulantes de aterogénese todos os factores facilitadores da


multiplicação das células fagocíticas musculares lisas e logo, dos depósitos. É o caso de
vírus como o vírus C, mitogénico e os vírus herpéticos, alterando o metabolismo
lipídico, com agregação lipídica. É o caso da insulina mitogénica celular e favorecedora
da síntese de colesterol.

A hiperglicémia diabética, com hipercolesterolémia e aumento das glicoproteínas


fixadoras lipoproteicas. Também a lesão da célula endotelial, pelos corpos cetónicos, no
estado diabético.
Os complexos imunes poderão também ser facilitadores da aterogénese.
O fumo do cigarro, já por várias vezes referido.

Deixamos para o fim os mais importantes factores da aterogénese.

Os lipídeos e as lipoproteínas plasmáticas. Dos lipídeos, e não vamos rever o seu


metabolismo, o fator mais importante é o das lipoproteínas de baixa densidade, LDL,
transportadoras do colesterol para as células, as lipoproteínas de alta densidade, também
transportadoras do colesterol retirado das células e as HDL. Depois, os quilomicrons,
formados dos ácidos gordos da alimentação e as lipoproteínas de muito baixa densidade
as VLDL, transportadoras dos triglicerideos do fígado para a corrente sanguínea, onde
vão formar as LDL e as HDL. Estas últimas formam também as LDL.

O colesterol, tão acusado e injuriado, é imprescindível à vida. Com ele se formam


hormonas, a vitamina D3, com ele se constituem as membranas celulares
imprescindíveis à normal aderência entre as células e a vida celular. O colesterol é a
molécula mais medalhada do organismo. Já possui dezasseis prémios Nobel e virá ainda
a ter mais.

O colesterol, necessário ás células, entra nas células mercê da existência de um recetor


próprio para as LDL, com 839 aminoácidos e pela primeira vez descrito por Goldstein e
Brow - prémios Nobel. Existem em todas as células, mas só admite o colesterol
necessário para a célula. Satisfeitas as necessidades da célula em colesterol o recetor é
fechado e só volta a ser aberto, quando mais colesterol for preciso.

Proteínas ligam-se ao colesterol e transportam-no. São as apoproteínas, de grande


importância na aterosclerose, pois basta essa proteína transportadora estar
geneticamente errada, para não haver captação pelo receptor celular do colesterol e o
colesterol continuar a circular. Uma das mais importantes apoproteínas é a apo-E, por
ser a que mais vezes sofre modificações.

As LDL constituem o que se chama o mau colesterol. Só são más porque em excesso,
por alimentação excessiva em produtos ricos em colesterol, ou pela sua não utilização
por deficiência das apo-E, ou por deficiência genética celular em recetores para as LDL
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- um dos mais importantes fatores das chamadas hipercolesterolémias familiares (de


tipo vários), mas sempre acompanhados de grave e precoce aterosclerose. Em excesso,
dizíamos, mantêm-se em circulação e vão ser alvo da fagocitose pelas células
fagocíticas das paredes vasculares.

As lipoproteínas HDL, apesar de virem a transformar-se em LDL, são transportadoras


do chamado bom colesterol, e isto por as HDL captarem o colesterol intracelular,
precocemente abrirem os recetores celulares para as LDL, com baixa circulatória das
mais gravosas das lipoproteínas, para as paredes vasculares.
A Apo-E modificada (substituição da arginina pela cisteina no resíduo 168) conduz a
alteração na ligação aos recetores LDL e interfere ainda com o metabolismo do
plasminogénio (proteína geradora da plasmina ou fibrinolisina do sistema fibrinolítico
do sangue).

Os factores circulantes da aterogénese, com ação da proliferação da célula muscular lisa


estruturam as teorias proliferativas da formação do ateroma. O ateroma não existe sem
proliferação da célula fagocítica da parede e três teorias aparecem:

- Teoria proliferativa reacional de Ross, em que a proliferação era policlonal reativa, aos
vários estímulos referidos.

Teoria proliferativa tumoral de Benditt`s que encontrou monoclonalidade na


proliferação celular e assim sendo, a proliferação será tumoral.

Teoria da célula residual de Schwartz, um compromisso entre as duas anteriores. Na


verdade, monoclonalidade foi por vezes encontrada, mas seriam injustificáveis centenas
de tumores numa aorta. A proliferação reativa é real, porém para Schwartz, por vezes
uma proliferação reativa, pode adquirir monoclonalidade.

Todas as teorias têm a sua lógica desde a hidrodinâmica à da célula residual, todas se
completam. Falta porém a mais importante de todas, aquela que vai explicar os
prejuízos da lesão ateromatosa e suas consequências.

As placas ateromatosas, endotelizadas, ocupam algum espaço no lúmen


vascular, reduzem o fluxo sanguíneo, mas a sua função pode ser
compensada pelo desenvolvimento de circulação colateral e anastomoses.
Tudo se complica se a placa perde a sua endotelização e vai ser alvo da
progressão da trombose até à oclusão do vaso e o enfarte se precipita. Isto
constiui a chamada instabilidade da placa ateromatosa, tem na
inflamação a sua principal causa, e como já referimos, as mais graves
consequências.
A inflamação pode ser infeciosa, caso da infecção da placa pela Clamídia pneumoniae,
já muitas vezes descritas na literatura, e pode colocar a utilização de antibióticos na
prevenção do enfarte do miocárdio. Pode ser a dinâmica inflamatória desencadeada pela
libertação de citocinas pelas células macrofágicas e pela intervenção de linfócitos T e
suas citocinas, a outra causa da instabilidade.

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Assim moléculas CD1- proteínas da superfície dos macrófagos apresentam os


antigénios lipídicos ás células linfóides T. Mais células T na placa, mais citocinas, mais
lesão. Refira-se que corações transplantados e em rejeição (linfócitos T) mostram mais
aterosclerose coronária.

Os indivíduos com redução de recetores para as LDL, podem reduzir a aterogénese a


que estão sujeitos, pelo tratamento com anticorpos monoclonais contra CD4 e CD40,
moléculas das superfícies dos linfócitos. Isto anula a atividade dos linfócitos e as suas
citocinas, responsáveis pela progressão a aterogénese.

A prostaglândina E2 - antiagregadora plaquetária é produzida pelos macrófagos, sob a


ação da cicloxigenase 2 (COX2). A prostaglândina I1, também repulsora de plaquetas, é
produzida pela célula endotelial sob a ação da cicloxigenase 1 (COX1). Quer a COX1,
quer a COX2 suprimem metaloproteases cruciais na degradação da placa ateromatosa
(instabilidade). Porém, inibem a produção de macromoléculas da matriz extracelular
como a fibronectina e o colagénio I e II, favorecendo assim agora a fragilidade e
instabilidade da placa ateromatosa. A COX1, produtora da prostaglandina I é mais
protetora. A COX2 facilita a acumulação lipídica e a vascularização da placa - Os anti
COX2 poderão melhorar a aterogénese.

A COX2, aparece na placa, quer no endotélio que a reverte, quer na célula muscular.
Está sempre ligada à libertação de citocinas como a IL1, o TNF, interferon, fatores de
crescimento e regulação de crescimento. A COX2 está hoje também implicada na
neoangiogénese e na apoptose. Os fibroblastos também produzem COX2, bem como os
macrófagos e células da placa. A COX2 apoia a importância da inflamação no ateroma.
Por isso, a inibição da COX2 por anti-inflamatórios anti-COX2, são à partida fatores
protetores da aterogénese. A COX2 é menos sensível à inibição pela aspirina que a
COXl. É de referir contudo que inibindo as COX, se reduz a inflamação da placa, mas
perde-se toda a ação protectora das prostaglandinas na parede vascular.

A apoptose na doença vascular

As células endoteliais e as células musculares lisas das artérias normais são de baixo
turnover. Estão protegidas da apoptose por diferentes mecanismos. Na hipertensão, as
células musculares lisas tem uma replicação aumentada não contrabalançada pelo
aumento da apoptose, resultando em espessamento da túnica média das artérias e das
arteríolas. Quer os macrófagos, quer as células musculares lisas, sofrem apoptose nas
placas ateromatosas. Nos estados precoces da aterosclerose, as células musculares lisas
tornam-se mais suscetíveis à apoptose por diferentes factores pró-apoptóticos.

A perda de células musculares lisas é prejudicial para a estabilidade da placa, por perda
de tensibilidade, elasticidade da camada fibrosa produzida pela célula muscular lisa.

A apoptose dos macrófagos (que fagocitam e destroem células musculares lisas) pode
ser benéfica para a estabilidade da placa, se os corpos apoptóticos forem removidos. Se
tal não acontecer, os corpos apoptóticos ativam a trombina, o que leva à trombose na
placa. Em conclusão, a apoptose é prejudicial por poder levar à rotura e à trombose, e

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portanto, à instabilidade da placa. A apoptose reduz-se com a redução dos lipídeos da


parede.

As LDL oxidadas são mais agressivas para a parede vascular, levam à estimulação de
macrófagos e formação de "foam cells" - células espumosas, macrófagos carregados de
lipídeos. Isto acontece por ação do fumo do cigarro e é prevenido pela vitamina E,
antioxidante. Também os esteróides oxidados como a vitamina D3 podem ser
prejudiciais.

O NO na patologia vascular - O NO é vasodilatador, protetor da agregação plaquetária,


agregação de leucócitos, adesão e proliferação da célula muscular lisa. Regula a pressão
sanguínea.

Em situação de lesão da célula endotelial não se produz a enzima sintetase do NO, e


logo, não se produz NO. Isto acontece na hipercolesterolémia, diabetes mellitus e
hipertensão, com redução da vasodilatação. O stress oxidativo e a inativação do NO, por
aniões superóxidos, são importante causa de lesão. A administração da sintetase do NO
determina melhoria das condições.

Lesões anatómicas da aterosclerose

- Estrias lipídicas em cauda de cometa, traduzem a ação do atrito. Iniciam-se no


princípio da vida e estão constantemente a formar-se e a desaparecerem.

- Placa ateromatosa ou fibrosa - Depósito de colesterol, ferro, cálcio, em células


musculares lisas e macrófagos. É reversível se houver, pela dieta, franca redução da
ingestão de lipídeos saturados animais, ricos em colesterol.

- Lesões remanejadas - Lesões irreversíveis com placas instáveis, trombose, ectasias


e estreitamentos do calibre vascular.

Consequências da arteriosclerose

- Hipertensão arterial é consequência, como pode ser também factor causal.


- Ectasias até à formação de aneurismas.
- Trombose.
- Embolias.
- Enfartes.
Para terminar este assunto vamos esquematizar os factores génicos no ateroma.

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Ação génica e aterosclerose

Já vimos serem os fatores circulantes os principais fatores da aterogénese, e destes, ser o


colesterol dos alimentos como ovos, gorduras animais, queijos, etc., a grande causa da
doença vascular. Todavia muita influência genética pode acontecer na aterosclerose.

Factores relativos à parede vascular

- Deficiência da enzima colesteril esterase da célula muscular lisa e que intervém no


metabolismo do colesterol fagocitado.
- Ação da enzima AHH (aryl-hidrocarboneto hidrolase) que metabolizando substâncias
como benzopirenos os transforma em mutagénios.
- Equilíbrio entre proteoglicanos, condroitino sulfato e dermato sulfato, facilitadores de
deposição de lipoproteínas e heparano sulfato, protetor dessa deposição.
- Deficiência da célula endotelial no sentido fibrinolitico e espástico (endotelinas)

Factores relativos ao sangue

- Hipercoagulabilidade herdada: mutação de Leiden.


- Alterações plaquetárias.

Factores relativos ao metabolismo

- Diabetes mellitus.
- Deficiência de rectores celulares para as LDL e hipercolesterolemias.
- Deficiência nas apoproteínas, principalmente na ApoE e B100. Hipercolesterolémia de
tipo III e defeito da Apo-E.
- Ação da MTP - proteína microssómica de transferência de triglicerídeos, havendo na
sua deficiência, acumulação destes. Os inibidores da MTP baixam o colesterol.
- Metabolismo endógeno e exógeno de lipídeos.

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HIPERTENSÃO ARTERIAL

Fácil saber, grosso modo, porque há hipertensão, difícil dissecar os seus mecanismos.

Há hipertensão porque há aumento de volume circulatório nos vasos sanguíneos, ou


porque há generalizada redução de calibre desses vasos, principalmente na área
microcirculatória, com aumento das resistências à circulação sanguínea.
O problema está no porque acontece, principalmente a segunda causa, a da redução do
calibre dos vasos.

Sistema circulatório, endócrino, nervoso e excretor, com o jogo de múltiplas


interrelações químicas dificultam de tal forma o conhecimento da causa da hipertensão
arterial que, em 90% dos casos, essa causa é desconhecida e a hipertensão diz-se
essencial ou primária. Os 10% de hipertensão de causa conhecida são de origem renal,
devidos a nefrites, glomerulonefrites, amiloidose, diabetes, rim policístico, tumores,
obstrução e doença congénita renal. São de origem suprarrenal como acontece no
hiperaldosteronismo primário, síndrome de Conn, nos feocromocitomas e na síndrome
de Cushing.
Outra causa conhecida de hipertensão é a coartaçào da aorta. A hipertensão volumétrica
pode ser compensada pela restrição de sal na alimentação e pelo uso de diuréticos.

A hipertensão pelo aumento de resistências pode ser dependente da renina que liberta
angiotensinas vasoconstritoras.

A hipertensão pode ser benigna ou maligna. Esta última atinge indivíduos novos e mata
por insuficiência cardíaca ou acidente vascular cerebral. Na hipertensão maligna há
intensa hialinização da parede dos vasos da microcirculação, com aspecto histológico de
"casca de cebola".

O jogo das cininas - vasodilatadoras, que geneticamente podem faltar, o jogo do NO -


vasodilatador, das endotelinas – vasoconstritoras, das angiotensinas - vasoconstritoras,
das prostaglandinas - vasodilatadoras e vasoconstritoras. O jogo da prostaglandina -
renina - angiotensina - aldosterona.

A hipertensão pode ser geneticamente regulada, nos cromossomas 2, 4 e 6. O locus da


interleucina 6, no cromossoma 4, está muito relacionado com a hipertensão sistólica e
diastólica. Variantes alélicas da IL-6 estão relacionadas com hipertensão essencial, em
mulheres japonesas.

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