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●●●●●●●● Envelhecimento e saúde*
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em foco
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●●●●●●●● ANA ALEXANDRE FERNANDES
responsáveis por associações profis- Temos consciência de que o nosso como lema de uma campanha de
sionais e de cidadãos em geral, no paradigma cultural, de matriz cató- envelhecimento activo o seguinte
sentido de encontrar plataformas de lica, não valoriza o trabalho em si, ao slogan:
entendimento sobre os princípios de contrário do dos calvinistas do Norte
equidade e de justiça social indispen- da Europa. Sabemos também que isto «A experiência é uma riqueza nacio-
sáveis ao seu funcionamento. não se muda por decreto e que as nal.»
É necessário perspectivar estas trans- sociedades caminham para padrões
formações resultantes do envelheci- pós-modernos em que impera a rela- É um slogan contracorrente pelas
mento a partir das relações de traba- tividade de valores. Mas as decisões tendências dominantes, mas que tal-
lho, da protecção social como um políticas requerem fundamentação vez também por isso se apresenta
todo e também dos percursos de vida. legítima, que é necessário construir como inovador. Chegámos a uma
No centro do debate está o valor atri- no debate e na reflexão conjunta. etapa do desenvolvimento em que é
buído ao trabalho, à actividade, e a A reforma, tal como está instituída, é necessário afirmar algumas convic-
relação com o desenvolvimento pes- baseada no princípio de repartição, ções fortes sobre as quais não possam
soal e a participação na construção de princípio esse comprometido não só e não devam surgir dúvidas.
uma sociedade melhor, mais rica e pela demografia, como pelas perver-
mais justa. A actividade não tem para sões introduzidas no sistema ao longo O segundo eixo de transformação
todos o mesmo significado nem do tempo. Esta fantástica instituição resultante do envelhecimento diz res-
representa o mesmo. As carreiras são que é a reforma, que tem a sua histó- peito ao alongamento do tempo de
mais diversificadas do que no pas- ria associada aos movimentos operá- vida. A sobrevivência das gerações
sado e os percursos mais individuali- rios do século XIX, precisa de ser mais velhas tem reflexos na morfolo-
zados e heterogéneos. repensada noutro formato, agora gia social e adquire visibilidade não
Há quem viva num universo de pesa- assente na heterogeneidade crescente só nos jardins e parques dos centros
delo porque tem de trabalhar. Estão das carreiras e na diversidade dos das grandes cidades, como nas
ligados a desempenhos pouco com- percursos de vida. Uma reestrutura- aldeias e vilas do interior. É toda uma
pensadores, quer para o desenvolvi- ção das reformas deve ainda ter em paisagem humana que se vem alte-
mento pessoal, quer profissional, mal conta os novos enquadramentos da rando. Desocupados, parados, nos
remunerados, com percursos penosos estrutura demográfica, menos gente a bancos dos jardins, nos cafés, nas
de casa para o trabalho, e vice-versa. contribuir e mais gente a receber, os esquinas, deixam escoar o tempo ao
É legítimo aspirar à reforma… Mas a desafios da economia globalizada e longo do dia, que parece não terminar
reforma não é a solução para estes competitiva, os novos valores da mais. Começa também a adquirir
problemas, ainda que represente, para modernidade e uma trajectória de visibilidade outra categoria de indiví-
algumas destas pessoas, ganhar sem vida mais longa. duos, mais jovens, de outro perfil
precisar de trabalhar. A formação ao Um novo modelo deve adquirir for- social, mas igualmente desocupados.
longo da vida, já praticada pelas gera- mas mais flexíveis de passagem à Esta visibilidade é particularmente
ções mais novas, e o desenvolvimento inactividade. A flexibilidade asso- masculina, mas nestas faixas etárias
pessoal são parte da solução. Sabemos ciada à segurança parece ser a duali- as mulheres são em maior número.
também que, nos últimos anos, a dade indispensável para a reforma A libertação de tempo de inactivi-
segunda metade da carreira tem sido não só das pensões, como da protec- dade remunerada, conjugada com o
em muitos casos de incerteza, turbu- ção social como um todo. prolongamento da trajectória de vida,
lência e desemprego. A reforma não é Não podemos também importar medi- tem tido alguns efeitos imprevisíveis.
também a solução nestas situações. Os das soltas que tiveram sucesso noutros Refiro-me à complexa problemática
programas de formação devem pro- países, mas integrá-las como elemen- da saúde mental. A mente humana é
mover um ingresso mais precoce dos tos importantes de reflexão e dis- traiçoeira e quando desocupada dá
trabalhadores mais velhos desempre- cussão num debate público essencial espaço a ideias mórbidas, como a
gados. para corrigir e definir novos rumos. morte, ou a imagens de sofrimento
Levada à letra, a reforma representa O grande desafio parece estar na relacionadas com a doença e que ten-
segregação social e marginalização. capacidade de podermos atingir ele- dem a deslizar do inconsciente para o
E não tem obrigatoriamente de o ser, vados níveis de emprego e produtivi- consciente. A depressão, associada
uma vez que induz disponibilidade dade e podermos implementar ao envelhecimento, não é um facto
de tempo fundamental para o desen- padrões decentes de protecção social, novo, mas adquiriu uma dimensão
volvimento pessoal e a entreajuda. como distintos direitos de cidadania. preocupante.
Mas quando ocorre muito cedo está a Não podia deixar de recorrer aqui ao Neste domínio, tal como noutros, as
onerar o sistema e a comprometer a exemplo finlandês, que, ao contrário políticas de promoção da saúde deve-
equidade e a justiça social. das tendências dominantes, propôs rão ser encaradas de forma mais
abrangente, tendo em conta o estilo de proximidade cultural, a explicação por indivíduos mais dotados escolar-
vida, o núcleo familiar e de vizinhança pode, em grande parte, ser atribuída mente, vão usufruir de pensões mais
e a integração na comunidade. O iso- às condições de vida, especialmente elevadas e dispor de mais recursos
lamento social e a solidão, factores na velhice, e em particular no que sociais e materiais decorrentes de
determinantes no desenvolvimento de respeita ao nível das pensões, mas capitalizações ao longo da trajectória
certas patologias mentais, devem ser também a outros factores, como de vida. Têm um ou dois filhos, em
contrariados através de medidas de a eficácia dos sistemas de saúde, a alguns casos não chegam a ter filhos,
actividade e integração comunitária. existência de cuidados domiciliários, elevados níveis de consumo e reduzi-
Esta intervenção deve ser territoriali- a implementação de um plano das práticas de poupança. As trajectó-
zada, isto é, as câmaras municipais, as gerontológico, diferenças de estilos rias familiares são mais fragmentadas
associações recreativas e outras, os de vida, e também ao tipo de relações por rupturas matrimoniais cada vez
centros de saúde, as instituições sócio-culturais. mais frequentes e a coesão necessária
sociais, devem actuar conjuntamente, O bem-estar necessário a uma boa na família, nas situações de necessi-
através de parcerias, de modo a conju- saúde mental e física assenta num dade, fica fortemente comprometida
garem esforços no mesmo sentido. sentimento de segurança que advém enquanto suporte fundamental. Ten-
O paradigma proposto pela Organi- de ter recursos materiais para as des- dencialmente, trajectórias profissio-
zação Mundial de Saúde sobre as pesas quotidianas, ter acesso facili- nais mais instáveis e precariedade
vantagens de um envelhecimento tado a cuidados de saúde, caso sejam laboral, como está já a acontecer, vão
activo começa a ter os seus efeitos na necessários, e estar integrado numa repercutir-se nas condições materiais
intervenção pública através de novas rede de relações familiares e sociais do final da carreira.
formas de pensar e encarar a saúde, o activa. Em qualquer destes domínios, Com as tendências do crescimento da
envelhecimento e os estilos de vida. os espanhóis usufruem de mais bene- sobrevivência, estas futuras gerações
Mas o problema da saúde mental fícios. Sobre a integração em redes de idosos serão mais numerosas e
enquadra-se num conjunto mais vasto sociais activas, alguns estudos recen- atingirão também em maior número
de inquietações que se relacionam tes mostram que a sociedade espa- idades mais avançadas.
com o alongamento do tempo de nhola goza de um dos capitais parti- Também por isto é necessário criar
vida. As actuais gerações mais velhas cularmente importantes na velhice, a condições para securizar o futuro de
beneficiam já de um substancial solidariedade entre familiares e vizi- todos nós como cidadãos.
acréscimo de sobrevivência, atin- nhos. A liberalização crescente poderá
gindo, em maior número, escalões Olhando o presente e o futuro do levar-nos novamente ao pé-de-meia
etários superiores. envelhecimento em Portugal, pode- para enfrentarmos os riscos da
Ao longo da última década, a espe- mos constatar algumas importantes velhice?
rança de vida aos 60 anos cresceu diferenças geracionais. As actuais Não creio que seja possível retroce-
mais em Portugal do que na vizinha gerações de idosos usufruem maiori- der e é indesejável como paradigma
Espanha, sinal de que algum esforço tariamente de pensões muito baixas, de sociedade. Mas valorizar e promo-
foi feito em benefício dos mais velhos. hábitos de consumo muito restritos, ver princípios orientadores de actua-
Mas, apesar disso, mulheres e homens praticam naturalmente as suas pou- ção previdencial parece racional e de
espanhóis continuam a ter mais tempo panças preventivas para os riscos da razoável bom senso.
de sobrevivência quando atingem os existência, construíram e mantiveram Com o aumento do tempo de vida
60 anos. As mulheres portuguesas a mesma família e, salvo as situações ficou comprometida a organização do
esperam viver, em média, mais 23 de impossibilidade fisiológica ou ciclo de vida a três tempos, formação,
anos e as espanholas 25 e os homens matrimonial, têm filhos. Retirando o actividade e reforma. A reforma, ins-
portugueses 19 e os espanhóis 20. nível das pensões, que é baixo, as tituída na maioria das sociedades aos
Também o mesmo indicador de espe- restantes condições seriam, à partida, 65 anos, perdeu o sentido como ter-
rança de vida à nascença apresenta favoráveis para encarar o envelheci- ceira idade, a última fase do ciclo de
uma diferença de 3 anos entre as mento. Mas as baixas pensões estão vida. Esta etapa tem crescido quer
mulheres portuguesas e as espanholas. associadas a baixos níveis escolares e pela redução da idade da reforma,
Em Portugal este indicador é de 80 culturais, factores que contribuem quer pelo adiamento da idade da
anos e em Espanha é de 831. desfavoravelmente para uma equili- velhice. Recentemente, a OCDE pro-
Neste tipo de indicador demográfico, brada gestão do envelhecimento. pôs um modelo onde se consideram
que sintetiza o modelo de mortali- Quanto ao futuro, ainda que a curto duas etapas no processo de envelhe-
dade, esta é uma enorme diferença. prazo, as novas gerações de idosos, cimento: a primeira etapa, dos 65 aos
Tratando-se de países com grande actuais gerações de activos, têm um 80 anos, que corresponde à passagem
enquadramento um pouco diferente. à reforma, mas em que persiste auto-
1
Fonte: EUROSTAT. São constituídas maioritariamente nomia. A segunda etapa, a partir dos
80 anos, corresponde a um período Este debate também ainda não che- A prestação de cuidados no domicílio
de maiores riscos e vulnerabilidade. gou a ser feito em Portugal. Há apro- ou em pequenas unidades de interna-
Não devem, no entanto, ser entendi- ximadamente dez a quinze anos mento, menos onerosas e de dimen-
das enquanto categorias etárias bem (1992), a Alemanha instituiu um são mais humanizada, é, sem dúvida,
delimitadas. O envelhecimento é um novo seguro para a dependência. uma alteração a introduzir a nível da
processo diferencial e dinâmico que É pago pelos activos com benefício prestação de cuidados. Também a
requer sempre, ao longo da vida, para os seus ascendentes. Também a nível dos cuidados primários é pre-
algumas adaptações. Inglaterra criou uma comissão de ciso aproximar os prestadores de cui-
Nesta encruzilhada, a família conti- estudo encarregue de encontrar solu- dados dos pacientes, é preciso
nua a desempenhar um importante ções para as situações de dependên- reinventar a figura do médico de
papel enquanto suporte material, psi- cia decorrentes do envelhecimento. cabeceira, é preciso que as pessoas
cológico e social. A família, apesar Temos implementadas algumas boas se sintam mais seguras e menos
das transformações que tem sofrido, práticas, claramente insuficientes. É o inquietas quanto à sua saúde quando
continua a ser o eixo central de caso, por exemplo, da unidade de a saúde já é pouca.
securização quando caminhamos para psicogerontologia criada há alguns Como encarar o futuro? Com opti-
um modelo familiar em que se valo- anos no Hospital Psiquiátrico Maga- mismo, sem dúvida, mas um opti-
riza a autonomia individual e em que, lhães Lemos, no Porto. Teve início mismo consciente das dificuldades
simultaneamente, as trajectórias de apenas com consultas externas e nove por que passamos hoje e que conta-
vida se tornaram mais incertas e tur- anos volvidos é um serviço autó- mos ainda vir a passar.
bulentas. É com a família que todos nomo com várias valências. Entre Neste curto itinerário sobre os proble-
contamos em primeiro lugar para nos elas, consultas, hospital de dia, inter- mas decorrentes do envelhecimento
dar apoio nos momentos difíceis. namento — fundamental em momen- não falei nas pessoas idosas,
As necessidades situam-se entre a tos críticos — e apoio domiciliário. enquanto categoria conceptual, de
protecção social e a saúde. Face a Um outro exemplo de boas práticas é cariz estático, e que considero um
estas, as famílias são chamadas a o da Associação dos Familiares e conceito prejudicial à actuação polí-
desempenharem um papel incompatí- Amigos dos Doentes de Alzheimer tica. É importante compreender que
vel com as suas capacidades e com as (APFADA). Com poucos recursos, criamos as condições do nosso enve-
exigências próprias das necessidades. mas uma grande motivação solidária, lhecimento ao longo da vida toda.
O aumento de situações de demência, esta associação tem sido um suporte É preciso que as políticas sejam esti-
como Alzheimer, Parkinson, entre importante para os familiares cuida- muladas pelos princípios de promo-
outras, incapacidades motoras resul- dores de doentes de Alzheimer. ção de bem-estar ao longo da vida,
tantes de patologias cardiovasculares, Não posso também deixar de referir o enquanto trajectória contínua, porque
doenças crónicas em geral, constitui bom exemplo que foi o PAII, Pro- só assim ficaremos preparados, não
uma responsabilidade demasiado grama de Apoio Integrado a Idosos. para encarar o envelhecimento, mas
pesada para os familiares cuidadores. Era importante, no entanto, avaliar os para saber viver melhor ao longo da
Debatem-se quotidianamente com bons e os maus resultados do pro- vida.
terríveis dificuldades, para as quais grama. Sem qualquer outra intenção que não
não estavam preparados, mas deseja- Finalmente, não posso deixar de evi- seja a de valorizar um exemplo no
riam, em muitos casos, encontrar denciar e aplaudir o esforço já ini- quadro que acabo de traçar, não
algum suporte e cooperação institu- ciado pelo governo socialista no posso deixar de referir o extraordiná-
cional. É necessário que se organi- sentido de procurar soluções que rio simbolismo que teve a candida-
zem respostas, gratuitas e compartici- reduzam os efeitos nefastos do enve- tura de uma pessoa como o Dr. Mário
padas, orientadas para o apoio lhecimento. O aumento das pensões Soares, que é bem um estímulo na
urgente e indispensável às pessoas para 300 euros dos pensionistas mais construção de uma sociedade mais
que envelhecem e se encontram em velhos, seguido faseadamente das adequada aos desafios do envelheci-
situação de autonomia reduzida, tal categorias etárias inferiores, medida mento.
como para os seus familiares. anunciada já no programa eleitoral, As gerações mais velhas são cada vez
Ao Estado deve competir protecção vai ao encontro dos princípios de mais numerosas e a atingirem idades
nos riscos da velhice. equidade e justiça social. mais avançadas. É necessário dar
Mas até onde deve prosseguir? Quais No âmbito da saúde, onde muito mais atenção aos nossos velhos,
são os limites da responsabilidade do parece estar por fazer, por iniciativa conhecer melhor as suas dificuldades
Estado? Qual é a responsabilidade da do ministro da Saúde, foi já elabo- e aspirações para promover mais
família? Deve também o Estado pro- rado um extenso documento de diag- bem-estar. No futuro seremos ainda
mover o encargo familiar com incen- nóstico e implementação de medidas em maior número e é no presente que
tivos nesse sentido? sobre os cuidados continuados. construímos o futuro.