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I
Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e S.E.I. pela Universidade de York
(Canadá)
II
Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
ABSTRACT
Of the eating disorders, Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa are the ones that have
made adolescent (mainly female) patients seek help. This help comes through the
treatment provided by a multidisciplinary team consisting of psychologists,
psychiatrists, and nutritionists. Cognitive-constructivist psychotherapy is being used in
a pilot project at AMBULIM, and has shown to be a powerful component of the
improvement seen in this population. Thus, this article has the goal of discussing: (a)
the main characteristics and diagnosis criteria of Anorexia Nervosa and Bulimia
Nervosa; (b) some principles involving the theoretical-practical bases of the cognitive-
constructivist approaches; (c) the most commonly seen psychological characteristics
of patients with Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa, as well as their respective
service programs (protocols) developed by the author; and (d) the general conclusions
from the clinical practice and some additional considerations.
Anorexia Nervosa
O diagnóstico das pacientes com anorexia nervosa pode ser divido em dois subtipos: o
restritivo (no qual a paciente restringe a alimentação) e o purgativo (no qual a
paciente apresenta episódios bulímicos como prática de purgação, vômitos, ingestão
de diuréticos e laxantes). As pacientes incluídas no subtipo purgativo apresentam
maiores traços de impulsividade e maior co-morbidade psiquiátrica (Garner, Garner &
Rosen, 1993). Em outra pesquisa Eddy, Keel, Dorer, Delinsky & Herzog (2002)
evidenciaram que apenas 12% das pacientes com anorexia nervosa restritiva nunca
haviam apresentado episódios bulímicos ou purgação. O seguimento de pelo menos
oito anos de pacientes com anorexia nervosa restritiva mostrou que 62% passaram a
ser classificados como anorexias purgativas pela mudança das características clínicas
manifestadas ao longo do tempo. Van der Ham, Meulmann, Van Strien, & Van
Engeland (1997), após quatro anos de seguimento de um grupo de anoréxicas, não
conseguiam diferenciar claramente o subgrupo que, no início do projeto, preenchia
critérios para um dos dois subtipos. Desta forma, a questão que se coloca hoje é:
seriam esses subtipos apenas estágios evolutivos de uma mesma doença?
Bulimia Nervosa
A bulimia nervosa, por sua vez, caracteriza-se por grande ingestão de alimentos de
maneira muito rápida e intensa associada a uma sensação de perda de controle – os
chamados episódios bulímicos (Fairburn, 1995). Estes, quando ocorrem, são
acompanhados de métodos compensatórios para que o controle de peso seja mantido,
isto é, após a ingestão de grandes quantidades de alimento (ao redor de 3.000-4.000
Kcal em um único episódio compulsivo, já tendo sido encontrados episódios com uma
ingestão de até 20.000 Kcal – Mitchell, Crow, Peterson, Wonderlic & Crosby, 1998), as
pacientes se engajam em comportamentos de purgação como vômitos auto-induzidos
(em mais de 90% dos casos) ou fazendo uso de grandes quantidades de
medicamentos (diuréticos, laxantes, inibidores de apetite), dietas e exercícios físicos,
abuso de cafeína ou mesmo uso de cocaína como forma de compensação. No que
tange a estes comportamentos, os indicadores são assustadores: em relação ao
vômito, há registros de pacientes que chegam a provocar mais de 15 vômitos por dia;
aqueles que tomam laxantes chegam a fazê-lo em doses que atingem 40 vezes o
recomendado em prescrição médica e, no caso dos exercícios físicos, engajam-se em
práticas intensas que podem chegar a 8 horas diárias de atividades – tudo com um
único propósito: compensar a quantidade de calorias ingeridas na compulsão.
A bulimia nervosa foi descrita por Russell (1979) ao relatar sobre trinta pacientes com
peso normal, mas que apresentavam um verdadeiro “pavor de engordar” e, para se
protegerem disto, tinham episódios bulímicos e vômitos auto-induzidos. Como essas
pacientes apresentavam quadros de anorexia nervosa em sua história pregressa,
Russel considerou que a bulimia pudesse ser uma seqüela ou mesmo uma estranha
variação da anorexia nervosa (Russell, 1979). Mais tarde, porém, Russel e outros
autores apontaram a bulimia nervosa como um quadro distinto da anorexia nervosa,
uma vez que apenas 20% a 30% das pacientes bulímicas apresentavam história
pregressa de anorexia nervosa (e em geral com curta duração) (Fairburn, 1991).
O funcionamento cognitivo desta nova concepção difere dos modelos propostos por
Beck ao postular que os significados não são originados dos padrões do pensamento já
tão elucidados através da máxima de Epicteto de que o mundo não é movido pelas
coisas, mas pela visão que se tem delas. Nos modelos tradicionais da terapia
cognitiva, ao pensamento foi atribuído um caráter determinante e, à sua disfunção,
toda uma variedade de psicopatologias. Desta forma, a razão e sua precisão deram-
nos a chave para o comando de uma boa saúde mental, originando a máxima de que
viver bem é o resultado de um pensar bem (ou corretamente) (Mahoney, 1998).
Embora retornemos a este tema mais adiante, vale ressaltar rapidamente que o
trabalho com as pacientes anoréxicas e bulímicas nesta nova concepção visa, desde o
princípio, criar intervenções focadas na vida emocional e não apenas intervir em suas
crenças irracionais, conforme propõe a literatura cognitiva (Garner & Garfinkel, 1997).
As emoções não serão mais vistas como racionais ou irracionais, mas sim como
adaptativas por natureza, não devendo, portanto, ser domesticadas. Seguindo estas
mesmas premissas, não são nossos problemas afetivos que conturbam a existência
destas pacientes, mas sua dificuldade de compreendê-los emocionalmente – e aqui é
que reside o foco do trabalho cognitivo-construtivista.
Para que se torne mais clara a concepção acima descrita, vale a pena entendermos
um pouco melhor o que se entende por trabalhar com as emoções em psicoterapia.
Estamos longe de propor aqui qualquer forma de catarse, considerando ser esta uma
conduta já superada do ponto de vista terapêutico (por ser insuficiente) ou mesmo
sugerindo que trabalhar com as emoções envolveria estar atento (empático) às
manifestações emocionais – neste sentido, vale dizer que nossa concepção vai um
pouco mais além. Segundo Greenberg (2002), as emoções podem ser descritas como
pertencentes a três categorias distintas, a saber: emoções primárias, emoções
secundárias e emoções instrumentais. Isto nos aponta para o fato de que as emoções
como um todo raramente serão as mesmas e, portanto, possuem propósitos distintos;
não são entidades singulares que podem ser trabalhadas de uma única maneira. Cada
uma, de acordo com sua natureza e característica, carrega uma forma e uma função
diferente, por isso é que se torna imperativo fazermos uma diferenciação mais
refinada.
É por esta razão que as pessoas podem desenvolver uma variada gama de
possibilidades ao sentir emoções, como, por exemplo, desenvolver medo de sua raiva,
vergonha de seus medos ou mesmo raiva de suas tristezas. Quando uma pessoa não
se sente à vontade para expressar determinadas emoções, ela não vivencia a emoção
em si, mas a conseqüência de não saber lidar com esta emoção. Portanto, as emoções
secundárias tornam-se então uma categoria de emoções usadas pelo indivíduo para se
proteger das primárias que muitas vezes são vergonhosas, ameaçadoras,
embaraçosas ou dolorosas por natureza. Por exemplo: uma pessoa pode estar se
sentindo deprimida, mas sua depressão pode estar encobrindo um sentimento
primário de raiva. Tal categoria de emoções normalmente ilustra uma quantidade de
reações que foram ensinadas a respeito de outras emoções e retratam a forma mais
trivial de uma pessoa lidar com seus sentimentos. Uma mulher que cresceu sendo
ensinada que deveria sempre agir de maneira submissa, em uma situação de
frustração muito provavelmente chorará ao invés de mostrar sua raiva. Outro
exemplo: um homem pode estar sentindo primariamente medo, mas por isso não ser
uma atitude muito máscula socialmente falando, torna-se agressivo secundariamente.
Quando uma pessoa está obviamente sentindo uma emoção e a interrompe ou evita
intelectualizando-a ou ainda distraindo–se dela é que as emoções se tornarão
secundárias. Quando as emoções primárias (que são necessidades básicas) não são
rapidamente percebidas e/ou mesmo atendidas, imediatamente transformam-se em
outras emoções, confundindo ainda mais o seu reconhecimento. É como um envelope
que deve ser aberto.
d) Emoções Instrumentais: Estas emoções refletem muito mais o estilo geral do que a
reação emocional (momentânea) propriamente dita. São reações exibidas pelas
pessoas na tentativa de evocar reações específicas de seus pares. Por exemplo, uma
esposa pode “mostrar” ao marido que está triste na tentativa de obter mais atenção
ou uma criança expressa desamparo na tentativa de obter algo desejado. Como são
emoções de natureza mais interpessoal, esta categoria de emoção não reflete as
emoções sentidas, mas aquelas expressas como forma de manipular e obter o que se
deseja.
O fato do incomodo emocional pode ser facilmente percebido, pois as crenças que
sustentam estas práticas não resistem a um questionamento mais estruturado, ou
seja, muito embora persigam e atinjam uma magreza ou uma beleza física, raramente
conseguem sentir-se bem.
Podemos compreender então que “apenas” uma desorganização de crenças não seria
tão forte para ser considerada o epicentro dos transtornos alimentares, mas
comportamentos que são reflexos de sistemas emocionais desordenados nos quais as
pacientes se tornam cativas e sem ferramentas de mudança. Por esta razão, o
protocolo cognitivo-construtivista ao qual as pacientes anoréxicas e bulímicas são
submetidas caminha na direção de facilitar a aprendizagem de um processo de
diferenciação das emoções e da criação de alternativas de resposta frente a estas
mesmas emoções. Esta modalidade de intervenção faz com que as pacientes
progressivamente evitem esquivar-se daquilo que sentem e comecem a criar
respostas mais adaptativas que não os transtornos alimentares, conforme as várias
técnicas sugeridas pelo modelo teórico construtivista utilizadas por nós em nossos
trabalhos.
O tratamento desenvolvido por um dos autores deste artigo (Abreu, 2002) compõe-se
atualmente de 18 semanas iniciais, seguidas por 18 semanas de manutenção e
baseando-se no modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia, tem como um dos
focos clínicos a alteração dos padrões emocionais. Em cada encontro, um eixo
temático é abordado, fazendo com que as pacientes consigam progressivamente se
re-apropriar do controle e do manejo de sua vida emocional e, conseqüentemente,
reorganizar seus hábitos alimentares. A seqüência dos eixos temáticos do programa
de psicoterapia é abaixo descrita:
Em um olhar mais amplo a mais de cem estudos, somente cerca de 50% das
pacientes se “recuperam totalmente” (e isto quer dizer o restabelecimento do peso, a
normalização dos comportamentos alimentares e o retorno da menstruação regular).
Outros 30% experienciam uma recuperação parcial caracterizada por algum tipo de
resíduo ou distúrbio no comportamento alimentar e pela falta de habilidade para
manter o peso normal. E finalmente, nos 20% restantes, a doença assume uma forma
crônica, não apresentando qualquer sinal de remissão.
Em um outro estudo mais recente com cento e noventa e três pacientes anoréxicas
em um tratamento de curto prazo, a maioria recobrou o peso alvo com um único
propósito: deixar a internação. Portanto, pode-se facilmente perceber que estamos
diante de uma das populações mais refratárias a qualquer forma de ajuda clínica.
Nesse sentido, o que se procura alcançar com as pacientes com anorexia nervosa é o
(a) restabelecimento dos padrões normais de alimentação (pois 50% das anoréxicas
apresentam compulsão alimentar, portanto esta é uma das principais metas de
intervenção do tratamento), (b) promover uma auto-regulação do peso corporal, (c)
reduzir (eliminando) atitudes purgativas ou mesmos restritivas para, finalmente, (d)
criar a motivação para a mudança (Bell, 1983).
Por mais polêmico que possa parecer, duas razões fundamentais são apontadas para
justificar tais ocorrências. As pacientes “sabem” (racionalmente) de sua necessidade
de ajuda, mas têm medo do que a mudança corporal possa trazer a elas e suas vidas.
É este aspecto que na realidade cria uma barreira, pois mudar a rotina alimentar
implica não somente retomar as refeições adequadamente, mas estabelecer contato
com uma série de emoções que estão obscurecendo as emoções primárias através dos
sentimentos de falta de valia e de segurança. Desta forma, ao procurar “não sentir” as
emoções primárias, confundem-se ainda mais e ficam transitando somente entre as
emoções desadaptativas. Neste sentido, as anoréxicas muito comumente evitam
sentir sua raiva ou tristeza primária e mantêm as sensações secundárias de
resignação e medo – foco de trabalho de muitos terapeutas desavisados. Como
dissemos anteriormente, quando não é reconhecida, uma emoção primária
rapidamente torna-se outra emoção, confundindo ainda mais sua leitura. No caso da
anorexia, as pacientes negam tanto suas sensações que entram em um quadro
semelhante àqueles vividos na alexitimia, no qual pouca coisa encontra ressonância,
tornando-se assim como se fosse pasteurizada e “surda” a si mesma e a seu meio. Por
se esquivarem tanto daquilo que sentem, resistem mais à mudança pessoal do que as
próprias bulímicas. É muito comum escutarmos queixas do tipo: “não quero nunca
mais sentir nada daquilo que sempre senti” (evitação da emoção primária) ou mesmo
“olhar para a magreza e para meus ossos me faz sentir que serei aceita” (tentativa de
controle a emoção secundária de medo).
Assim, estamos envolvidos no tratamento de uma doença que gera limitações físicas,
emocionais e sociais (Abreu, 2002). Claramente percebemos, portanto, que a anorexia
nervosa é uma doença complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do
tratamento e que, na melhor das hipóteses, os indivíduos estão continuamente
ambivalentes na busca de tratamento. Permanecem resistentes e blindadas a qualquer
tipo de intervenção externa, o que contribui para a criação de um dos mais altos
índices de recusa e desistência prematura do tratamento. E aquelas que permanecem
em tratamento, freqüentemente não aderem às orientações e, quando aderem às
primeiras intervenções, correm grande risco de recaída (Cordás, Guimarães & Abreu,
2003).
Conclusão
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