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A abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia no

tratamento da anorexia nervosa e bulimia nervosa

Cognitive-constructivist approach in psychotherapy for the


treatment of anorexia nervosa an bulimia nervosa

Cristiano Nabuco de AbreuI; Raphael Cangelli Filho II

I
Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho (Portugal), Mestre pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e S.E.I. pela Universidade de York
(Canadá)
II
Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

RESUMO

Dos Transtornos Alimentares, a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa são os que


mais têm levado pacientes adolescentes, geralmente do sexo feminino, a buscarem
auxilio. Tal ajuda ocorre através do tratamento fornecido por uma equipe
multidisciplinar consistindo de psicólogos, psiquiatras e nutricionistas. A psicoterapia
cognitivo-construtivista está sendo utilizada em um projeto-piloto no AMBULIM e tem
se mostrado um poderoso componente da melhora desta população. Desta forma, o
objetivo do texto será discutir: (a) as principais características e os critérios
diagnósticos da Anorexia Nervosa e da Bulimia Nervosa; (b) alguns preceitos
envolvendo as bases teórico-práticas das abordagens cognitivo-construtivistas; (c) as
características psicológicas mais comuns dos pacientes com Anorexia Nervosa e
Bulimia Nervosa, bem como os respectivos programas de atendimento (protocolos)
desenvolvidos pelo autor; e (d) as conclusões gerais da prática clínica e algumas
outras considerações.

Palavras-chave: Cognitivo-construtivista, Anorexia, Bulimia.

ABSTRACT

Of the eating disorders, Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa are the ones that have
made adolescent (mainly female) patients seek help. This help comes through the
treatment provided by a multidisciplinary team consisting of psychologists,
psychiatrists, and nutritionists. Cognitive-constructivist psychotherapy is being used in
a pilot project at AMBULIM, and has shown to be a powerful component of the
improvement seen in this population. Thus, this article has the goal of discussing: (a)
the main characteristics and diagnosis criteria of Anorexia Nervosa and Bulimia
Nervosa; (b) some principles involving the theoretical-practical bases of the cognitive-
constructivist approaches; (c) the most commonly seen psychological characteristics
of patients with Anorexia Nervosa and Bulimia Nervosa, as well as their respective
service programs (protocols) developed by the author; and (d) the general conclusions
from the clinical practice and some additional considerations.

Keywords: Cognitive-constructivist, Anorexia, Bulimia.

Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa é caracterizada pela perda intensa de peso às custas de dietas


rígidas que são auto-impostas visando uma busca desenfreada para se atingir a
condição de magreza, acompanhada por uma distorção significativa da imagem
corporal e com manifestação de amenorréia. Uma das primeiras citações advém de
William Gull em 1874, que apontou três pacientes com quadro anoréxico restritivo e
criou o termo “apepsia histérica”. Suas observações mencionavam emagrecimento
proeminente, bradicardia, baixa temperatura corporal, edema nos membros inferiores,
amenorréia e obstipação (Abreu & Cordás, no prelo). Já o primeiro autor a mencionar
a distorção da imagem corporal foi Brunch em 1962.

A partir da década de 70, as pacientes avaliadas clinicamente demonstravam um


receio mais consistente de ganhar peso, sendo este o primeiro passo para incorporar o
“medo mórbido de engordar” como característica psicopatológica da anorexia nervosa,
juntamente com o emagrecimento, a distorção da imagem corporal e a amenorréia.

Os principais componentes apontados na literatura que reforçam a busca por um


emagrecimento incessante são a baixa auto-estima e a distorção da imagem corporal,
levando as pacientes a uma prática exagerada de exercícios físicos compulsivos, jejum
prolongado ou mesmo o uso de laxantes e diuréticos como uma forma auxiliar para a
perda do peso (Bell, 1985; Garfinkel & Garner, 1982; Casper, 1983).

O diagnóstico das pacientes com anorexia nervosa pode ser divido em dois subtipos: o
restritivo (no qual a paciente restringe a alimentação) e o purgativo (no qual a
paciente apresenta episódios bulímicos como prática de purgação, vômitos, ingestão
de diuréticos e laxantes). As pacientes incluídas no subtipo purgativo apresentam
maiores traços de impulsividade e maior co-morbidade psiquiátrica (Garner, Garner &
Rosen, 1993). Em outra pesquisa Eddy, Keel, Dorer, Delinsky & Herzog (2002)
evidenciaram que apenas 12% das pacientes com anorexia nervosa restritiva nunca
haviam apresentado episódios bulímicos ou purgação. O seguimento de pelo menos
oito anos de pacientes com anorexia nervosa restritiva mostrou que 62% passaram a
ser classificados como anorexias purgativas pela mudança das características clínicas
manifestadas ao longo do tempo. Van der Ham, Meulmann, Van Strien, & Van
Engeland (1997), após quatro anos de seguimento de um grupo de anoréxicas, não
conseguiam diferenciar claramente o subgrupo que, no início do projeto, preenchia
critérios para um dos dois subtipos. Desta forma, a questão que se coloca hoje é:
seriam esses subtipos apenas estágios evolutivos de uma mesma doença?
Bulimia Nervosa

A bulimia nervosa, por sua vez, caracteriza-se por grande ingestão de alimentos de
maneira muito rápida e intensa associada a uma sensação de perda de controle – os
chamados episódios bulímicos (Fairburn, 1995). Estes, quando ocorrem, são
acompanhados de métodos compensatórios para que o controle de peso seja mantido,
isto é, após a ingestão de grandes quantidades de alimento (ao redor de 3.000-4.000
Kcal em um único episódio compulsivo, já tendo sido encontrados episódios com uma
ingestão de até 20.000 Kcal – Mitchell, Crow, Peterson, Wonderlic & Crosby, 1998), as
pacientes se engajam em comportamentos de purgação como vômitos auto-induzidos
(em mais de 90% dos casos) ou fazendo uso de grandes quantidades de
medicamentos (diuréticos, laxantes, inibidores de apetite), dietas e exercícios físicos,
abuso de cafeína ou mesmo uso de cocaína como forma de compensação. No que
tange a estes comportamentos, os indicadores são assustadores: em relação ao
vômito, há registros de pacientes que chegam a provocar mais de 15 vômitos por dia;
aqueles que tomam laxantes chegam a fazê-lo em doses que atingem 40 vezes o
recomendado em prescrição médica e, no caso dos exercícios físicos, engajam-se em
práticas intensas que podem chegar a 8 horas diárias de atividades – tudo com um
único propósito: compensar a quantidade de calorias ingeridas na compulsão.

A bulimia nervosa foi descrita por Russell (1979) ao relatar sobre trinta pacientes com
peso normal, mas que apresentavam um verdadeiro “pavor de engordar” e, para se
protegerem disto, tinham episódios bulímicos e vômitos auto-induzidos. Como essas
pacientes apresentavam quadros de anorexia nervosa em sua história pregressa,
Russel considerou que a bulimia pudesse ser uma seqüela ou mesmo uma estranha
variação da anorexia nervosa (Russell, 1979). Mais tarde, porém, Russel e outros
autores apontaram a bulimia nervosa como um quadro distinto da anorexia nervosa,
uma vez que apenas 20% a 30% das pacientes bulímicas apresentavam história
pregressa de anorexia nervosa (e em geral com curta duração) (Fairburn, 1991).

Modelo Cognitivo-Construtivista de Psicoterapia

Assim como a revolução cognitiva na década de 60 alterou as bases das psicoterapias


comportamentais, a chegada dos paradigmas construtivistas causou uma outra grande
revolução na história das abordagens cognitivas clássicas (Abreu & Shinohara, 1998;
Mahoney, 1998).

O funcionamento cognitivo desta nova concepção difere dos modelos propostos por
Beck ao postular que os significados não são originados dos padrões do pensamento já
tão elucidados através da máxima de Epicteto de que o mundo não é movido pelas
coisas, mas pela visão que se tem delas. Nos modelos tradicionais da terapia
cognitiva, ao pensamento foi atribuído um caráter determinante e, à sua disfunção,
toda uma variedade de psicopatologias. Desta forma, a razão e sua precisão deram-
nos a chave para o comando de uma boa saúde mental, originando a máxima de que
viver bem é o resultado de um pensar bem (ou corretamente) (Mahoney, 1998).

Desta forma, as concepções cognitivistas desenvolveram as mais variadas propostas e


criaram ferramentas de ajuste cognitivo, como por exemplo: os Registros de
Pensamentos Disfuncionais (J. Beck, 1997), as técnicas de Reestruturação Cognitiva
(Beck & Freeman, 1993), o processo de Identificação de Crenças Irracionais (Ellis,
1988) e toda uma variedade de técnicas que sustentaram (e ainda sustentam) a
prática da correção ou substituição dos padrões disfuncionais de pensamento por
padrões mais funcionais e adaptativos (Abreu & Guilhardi, 2004). Portanto, torna-se
fundamental para as referências cognitivistas tradicionais (ou objetivistas) que as
distorções cognitivas do significado não se tornem desadaptativas ao gerar emoções
incontroláveis e perturbadoras (Abreu, 2004).

Todavia, ao observar as novas propostas das abordagens cognitivo-construtivistas, o


pensamento perde seu caráter de determinação de significado, pois as emoções (com
suas recentes descobertas da neurociência – Damásio, 2004) alteram o conceito
tradicional de intervenção terapêutica.

Na concepção cognitivo-construtivista, há dois tipos globais e complexos de geração


de significados que retratam a maneira pela qual nosso organismo se organiza em
suas trocas com o mundo. A primeira modalidade é aquela já descrita pela terapia
cognitiva tradicional e aqui denominada de processamento conceitual – tal
processamento descreve as bases nas quais o pensamento cria os significados
pessoais (através das crenças, do viés confirmatório e de todo o funcionamento dos
esquemas) ao criar os padrões de interpretação. É por esta razão que atribuímos a
denominação de processamento conceitual a toda atividade que reflete à maneira pela
qual o conhecimento proveniente dos estímulos é processado em nossa consciência ao
obedecer às regras formais do raciocínio analítico. É desta maneira que nosso
pensamento proporciona, portanto, um tipo de conhecimento a respeito da natureza
das situações que, via de regra, é reflexivo, abstrato e intelectual por natureza
(Abreu, 2001) – é neste segmento que as abordagens cognitivas tradicionais centram
o seu trabalho, ou seja, buscam corrigir as distorções cognitivas que são reflexos das
crenças irracionais.

Nos modelos cognitivo-construtivistas, porém, considera-se a existência de uma


segunda modalidade chamada de processamento vivencial. Aqui, os significados
gerados em nossa consciência advêm não das bases lógicas do raciocínio, mas da
atividade emocional que retrata todos os conteúdos tácitos ou corporificados da
experiência – ou seja, o que “sentimos” das situações é o resultado de como nosso
corpo reage às mudanças imediatas do mundo circundante, ou seja, é como se
fossemos guiados por um barômetro emocional (corporal) direto e vulnerável às
flutuações emocionais dos acontecimentos. Um exemplo disso é a grande maioria das
queixas apresentadas pelos pacientes quando dizem que estão sentindo-se sufocados,
com aperto ou desconforto no peito ou mesmo sentindo-se como se estivessem
carregando o mundo nas costas. Assim, muitas das traduções que fazemos dos
eventos provêm inicialmente dos sinais corporais (também chamados de sensoriais)
resultantes da experiência para, posteriormente, podermos integrá-los e explicá-los
através do pensamento analítico. Este nível experiencial processa informações que
fogem dos princípios lógicos por responderem de maneira mais rápida e imediata,
garantindo, assim, a nossa sobrevivência.

Considerando então os dois níveis de processamento descritos – o vivencial (que é


emocional e instantâneo) e o conceitual (que é lógico, reflexivo e mais vagaroso) –
podemos compreender que os significados pessoais finais que na terapia cognitiva de
Beck derivavam apenas do raciocínio lógico (por esta razão se buscava controlar os
pensamentos automáticos irracionais), no modelo cognitivo-construtivista surgem
sempre da soma das impressões corporais (sensoriais) associadas às opiniões
desenvolvidas pelo nosso raciocínio. Assim, primeiramente sentimos algo para, em
seguida, podermos pensar alguma coisa a esse respeito (Greenberg & Safran, 1987).
É desta forma que nossa consciência será sempre a arena ou o resultado do encontro
destes dois níveis: coração + cabeça. Vale ressaltar que tais premissas colocam os
níveis emocionais em grande destaque, pois toda emoção passa a ser vista nesta
referência como basicamente adaptativa e, portanto, não necessitando ser extinta por
estar equivocada. Se houver algo ambíguo ou confuso nesse processo, não serão as
emoções, mas os pensamentos que desenvolvemos a seu respeito.
Portanto, as disfunções e os distúrbios emocionais surgem quando não nos
consideramos autorizados a sentir determinadas emoções, isto é, quando nosso
pensamento não se torna flexível o suficiente para explicar aquilo que estamos
vivenciando (Greenberg & Pascual-Leone, 1997). É quando a síntese dialética (a
arena) destas duas fontes de informações (coração e cabeça) apresenta-se de forma
contraditória ou descompassada que estará aberta a possibilidade de os quadros de
psicopatologia iniciarem-se, pois neste momento nos tornaremos desorientados. Se
nossas construções de significado não contarem com a experiência corporal imediata
sendo vivida, muito provavelmente nos tornaremos confusos e desnorteados, não
sabendo a qual fonte de estímulos seguir. Por isso, embora muitas vezes tenhamos
“consciência” de que nossas crenças estão erradas, há pouco ou nenhum efeito sobre
nossas emoções, ou seja, de nada adianta mudar os padrões de pensamento se este
trabalho não atingir ou provocar uma ampliação da estrutura emocional do indivíduo.
É desta forma que acreditamos ser inócua a criação de novas bases conceituais (isto
é, o desenvolvimento de novas crenças), pois a emoção, ao anteceder o pensamento,
controla-o, deixando-o refém da neurobiologia emocional (Damásio, 2004).

Em uma concepção cognitivo-construtivista, a exploração e a mudança psicológica


acontecem, em primeiro lugar, por meio de uma ampliação do processo dialético ao
criar novas sínteses das contradições entre o conceito (cabeça) e a experiência
(coração), para que então seja construído um novo significado global. É desta maneira
que criamos um sentido ampliado de nós ao simbolizar o que descobrimos em nós
mesmos (Greenberg, Rice & Elliott, 1996).

Embora retornemos a este tema mais adiante, vale ressaltar rapidamente que o
trabalho com as pacientes anoréxicas e bulímicas nesta nova concepção visa, desde o
princípio, criar intervenções focadas na vida emocional e não apenas intervir em suas
crenças irracionais, conforme propõe a literatura cognitiva (Garner & Garfinkel, 1997).
As emoções não serão mais vistas como racionais ou irracionais, mas sim como
adaptativas por natureza, não devendo, portanto, ser domesticadas. Seguindo estas
mesmas premissas, não são nossos problemas afetivos que conturbam a existência
destas pacientes, mas sua dificuldade de compreendê-los emocionalmente – e aqui é
que reside o foco do trabalho cognitivo-construtivista.

A Classificação das Emoções

Para que se torne mais clara a concepção acima descrita, vale a pena entendermos
um pouco melhor o que se entende por trabalhar com as emoções em psicoterapia.
Estamos longe de propor aqui qualquer forma de catarse, considerando ser esta uma
conduta já superada do ponto de vista terapêutico (por ser insuficiente) ou mesmo
sugerindo que trabalhar com as emoções envolveria estar atento (empático) às
manifestações emocionais – neste sentido, vale dizer que nossa concepção vai um
pouco mais além. Segundo Greenberg (2002), as emoções podem ser descritas como
pertencentes a três categorias distintas, a saber: emoções primárias, emoções
secundárias e emoções instrumentais. Isto nos aponta para o fato de que as emoções
como um todo raramente serão as mesmas e, portanto, possuem propósitos distintos;
não são entidades singulares que podem ser trabalhadas de uma única maneira. Cada
uma, de acordo com sua natureza e característica, carrega uma forma e uma função
diferente, por isso é que se torna imperativo fazermos uma diferenciação mais
refinada.

a) Emoções Primárias Adaptativas: Três são descritas, dividindo-se em: raiva na


violação, tristeza frente à perda e medo perante a ameaça. Tais emoções possuem um
claro valor associado à sobrevivência e ao bem-estar psicológico. São aquelas rápidas
ao aparecer e mais velozes ainda ao partir – são a base da conhecida inteligência
emocional.

b) Emoções Primárias Desadaptativas: São as emoções das quais as pessoas


freqüentemente se arrependem ou as quais lamentam ter expressado de maneira tão
intensa ou tão equivocada – são emoções baseadas nas histórias de aprendizado. As
pessoas sentem-se tão presas a elas que, mesmo tendo passado a situação,
continuam sentindo-se como se ainda estivessem com a experiência em curso e, por
fim, sentem-se como se estivessem se consumindo nestas sensações. Quando
finalmente conseguem se livrar delas, prometem a si mesmas que esta será a última
vez que reagirão desta maneira – são as conhecidas “feridas”, descritas pelos
pacientes como sua “parte ruim”, pois refletem toda a gama de sentimentos
envolvendo a falta de valor pessoal, tristeza, sensações de vazio e desesperança.
Revelando muito mais a respeito das pessoas do que a respeito das situações, tais
emoções fazem com que os pacientes tentem desesperadamente escapar, mas
efetivamente nunca acabam conseguindo, ou seja, se consomem demasiadamente por
sentir isso tudo.

c) Emoções Secundárias Desadaptativas: As emoções secundárias são aquelas que, ao


atingirem a amídala e produzirem uma emoção, sofrem a influência e o possível
domínio do córtex cerebral, mudando sua natureza primária. Neste sentido, estas
emoções tornam-se respostas ou evitações (intelectualizadas) às emoções primárias.

É por esta razão que as pessoas podem desenvolver uma variada gama de
possibilidades ao sentir emoções, como, por exemplo, desenvolver medo de sua raiva,
vergonha de seus medos ou mesmo raiva de suas tristezas. Quando uma pessoa não
se sente à vontade para expressar determinadas emoções, ela não vivencia a emoção
em si, mas a conseqüência de não saber lidar com esta emoção. Portanto, as emoções
secundárias tornam-se então uma categoria de emoções usadas pelo indivíduo para se
proteger das primárias que muitas vezes são vergonhosas, ameaçadoras,
embaraçosas ou dolorosas por natureza. Por exemplo: uma pessoa pode estar se
sentindo deprimida, mas sua depressão pode estar encobrindo um sentimento
primário de raiva. Tal categoria de emoções normalmente ilustra uma quantidade de
reações que foram ensinadas a respeito de outras emoções e retratam a forma mais
trivial de uma pessoa lidar com seus sentimentos. Uma mulher que cresceu sendo
ensinada que deveria sempre agir de maneira submissa, em uma situação de
frustração muito provavelmente chorará ao invés de mostrar sua raiva. Outro
exemplo: um homem pode estar sentindo primariamente medo, mas por isso não ser
uma atitude muito máscula socialmente falando, torna-se agressivo secundariamente.
Quando uma pessoa está obviamente sentindo uma emoção e a interrompe ou evita
intelectualizando-a ou ainda distraindo–se dela é que as emoções se tornarão
secundárias. Quando as emoções primárias (que são necessidades básicas) não são
rapidamente percebidas e/ou mesmo atendidas, imediatamente transformam-se em
outras emoções, confundindo ainda mais o seu reconhecimento. É como um envelope
que deve ser aberto.

Portanto, as emoções secundárias freqüentemente aparecem quando ocorrem as


tentativas (fracassadas) de controle ou julgamento das emoções primárias – ou seja,
quando se procura evitar ou negar aquilo que se está sentido, acaba-se por sentir-se
mais mal ainda. É assim que se tornam desadaptativas, pois levam o indivíduo a se
autodesorganizar. É exatamente desta categoria de emoções que os clientes tentam
se livrar, normalmente fazendo-os buscar ajuda na terapia1.

d) Emoções Instrumentais: Estas emoções refletem muito mais o estilo geral do que a
reação emocional (momentânea) propriamente dita. São reações exibidas pelas
pessoas na tentativa de evocar reações específicas de seus pares. Por exemplo, uma
esposa pode “mostrar” ao marido que está triste na tentativa de obter mais atenção
ou uma criança expressa desamparo na tentativa de obter algo desejado. Como são
emoções de natureza mais interpessoal, esta categoria de emoção não reflete as
emoções sentidas, mas aquelas expressas como forma de manipular e obter o que se
deseja.

Figura 1 – Taxonomia das emoções

A partir do que foi exposto, entende-se que o trabalho do terapeuta cognitivo-


construtivista é o de transformar as emoções desadaptativas e ajudar o paciente a
desenvolver respostas mais adaptativas, auxiliando-o a (1) perceber, (2) acessar e (3)
transformar suas emoções e (4) criar, assim, um novo significado de seu
comportamento.

Um homem agressivo que consegue reconhecer seus sentimentos primários de dor ou


solidão terá, seguramente, mais habilidade para se mover em direção ao conforto ao
invés de afastar as pessoas com seu comportamento ofensivo. Um cliente sofrendo de
pânico conseguirá reconhecer que sua tristeza momentânea em estar sozinho dispara
a cadeia de experiências fóbicas e tentará buscar situações ou pessoas acolhedoras,
satisfazendo assim sua necessidade de amparo e proteção e diminuindo seus medos
de abandono. Portanto, usa-se a emoção como elemento de partida e de chegada,
evitando-se controlá-la através de premissas de irracionalidade do pensamento. É
evidente que usamos a lógica neste processo, pois as emoções são sempre rápidas e
pouco precisas; elas refletem tendências de ação. Neste sentido, usa-se da lógica do
pensamento para polir um sentimento ainda pouco claro e de difícil compreensão para
o indivíduo. Assim, “cabeça” e “coração” formam uma parceria que ajudará o cliente a
ir à busca de suas necessidades mais básicas (que ainda não foram atingidas).

O Trabalho com as Emoções nos Transtornos Alimentares

Muitos pacientes com diagnóstico de transtornos alimentares freqüentemente se


engajam em comportamentos de purgação (vômitos ou laxantes) ou mesmo em
quadros de comer compulsivo (binge-eating). Qual seria a relação deste
funcionamento com a arquitetura das emoções? Como somos aquilo que sentimos que
somos, muitos destes episódios agudos nada mais são do que formas alternativas
desenvolvidas por tais pacientes para tentar se esquivar ou abafar as emoções
desadaptativas (desconfortáveis, e não ruins) que surgem e os incomodam, pois
quando aparecem, manifestam-se de uma maneira tão intensa e descontrolada que
uma forma de distanciar-se destes sentimentos e evitar o mal-estar provocado é
engajar-se em outras condutas (no caso de purgação ou restrição alimentar) para se
produzir alguma forma de alívio. Tais práticas, todavia, afastam as pacientes daquilo
que estão primariamente sentindo, colocando-as em face de outras demandas
emocionais alternativas (emoções secundárias) e mais passíveis de serem manejadas.
Desta forma, as restrições ou purgações tomam lugar, isto é, tornam-se tarefas mais
fáceis, embora não menos comprometedoras: “vomitar até que o mal-estar passe” –
na anorexia nervosa – ou “comer para esquecer daquele corpo que não consigo atingir
com meu regime” – na bulimia nervosa.

O fato do incomodo emocional pode ser facilmente percebido, pois as crenças que
sustentam estas práticas não resistem a um questionamento mais estruturado, ou
seja, muito embora persigam e atinjam uma magreza ou uma beleza física, raramente
conseguem sentir-se bem.

Podemos compreender então que “apenas” uma desorganização de crenças não seria
tão forte para ser considerada o epicentro dos transtornos alimentares, mas
comportamentos que são reflexos de sistemas emocionais desordenados nos quais as
pacientes se tornam cativas e sem ferramentas de mudança. Por esta razão, o
protocolo cognitivo-construtivista ao qual as pacientes anoréxicas e bulímicas são
submetidas caminha na direção de facilitar a aprendizagem de um processo de
diferenciação das emoções e da criação de alternativas de resposta frente a estas
mesmas emoções. Esta modalidade de intervenção faz com que as pacientes
progressivamente evitem esquivar-se daquilo que sentem e comecem a criar
respostas mais adaptativas que não os transtornos alimentares, conforme as várias
técnicas sugeridas pelo modelo teórico construtivista utilizadas por nós em nossos
trabalhos.

Bulimia Nervosa – Aspectos Psicológicos e Tratamento em


Psicoterapia

Pacientes com bulimia nervosa apresentam uma série de pensamentos e emoções


desadaptativas a respeito de seus hábitos alimentares e seu peso corporal. Com uma
auto-estima inconstante, o que as faz pensar ser uma das maneiras mais adequadas
de resolver seus problemas a obtenção de um corpo bem delineado para alcançar este
objetivo acaba por levá-las a desenvolver dietas impossíveis de serem seguidas. Dito
de outra forma, procuram inadvertidamente “compensar” um problema através da
adoção de estratégias imperativas de emagrecimento, resultando em um estado
contínuo que chamamos de “montanha russa emocional” (Abreu, 2002) com todas as
suas tentativas de controle desta oscilação. Como é difícil lidar com esta
emocionalidade descontrolada, tais pacientes agarram-se a algo mais concreto e,
assim, desenvolvem a idéia de que estar magra é um dos caminhos mais curtos para
obter alguma forma de estabilidade e o controle do que estão sentindo. Crêem, assim,
que uma das formas mais rápidas de aquietar seus sentimentos pendulares é atingir
uma boa condição corporal.

Vamos compreender a lógica deste comportamento: manter-se em privação de


alimentos calóricos por muito tempo não é uma tarefa das mais fáceis para ninguém,
portanto, imagine o leitor cada vez que uma paciente bulímica inicia um período de
restrição, uma verdadeira batalha pessoal tem início. Como seria possível manter-se
sob uma dieta drástica de regime por um longo período (tornando a redução calórica
um processo ainda mais severo)? Desta forma, as descompensações alimentares são
inevitáveis e acontecem após os longos períodos de jejum, colocando a perder tudo
aquilo que foi obtido (perda de peso). E a paciente, frente à fome intensa, literalmente
“perde o controle” (sic) e passa a comer compulsivamente. Somente as purgações
(vômitos, laxantes, etc) acabam tendo o poder de limpar o ganho calórico obtido na
compulsão. Como essas pacientes tem um baixo grau de manejo emocional, ou seja,
“funcionam” de maneira pendular (tudo ou nada), não percebem quando estão
saciadas e comem até ultrapassar seus limites. Desta forma, acabam por compensar a
ingestão excessiva com a purgação até se sentirem melhor e recomeçarem a dieta
severa (e acabarem se descontrolando e reiniciando o ciclo restringir-comer-purgar)
em algum momento mais adiante.

De forma semelhante ao processo pendular (extremos emocionais), é fácil concluir


que as pacientes bulímicas exibem atitudes caóticas, não somente em relação a seus
hábitos alimentares, mas também quanto ao seu estilo de vida, sua relação com o
trabalho e os estudos e suas relações afetivas e pessoais. Nos relacionamentos
amorosos normalmente afirmam não saber como se posicionar, intercalando períodos
de condutas afetivas extremamente intensas com períodos nos quais a falta de
parceiros ideais as priva de uma boa relação. Com tudo o que foi descrito até o
momento, não é de espantar que tais pacientes busquem algo que nem elas próprias
saberiam especificar.

O tratamento desenvolvido por um dos autores deste artigo (Abreu, 2002) compõe-se
atualmente de 18 semanas iniciais, seguidas por 18 semanas de manutenção e
baseando-se no modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia, tem como um dos
focos clínicos a alteração dos padrões emocionais. Em cada encontro, um eixo
temático é abordado, fazendo com que as pacientes consigam progressivamente se
re-apropriar do controle e do manejo de sua vida emocional e, conseqüentemente,
reorganizar seus hábitos alimentares. A seqüência dos eixos temáticos do programa
de psicoterapia é abaixo descrita:

Ao final do programa é realizada uma avaliação multidisciplinar seguindo os critérios


estabelecidos pelo AMBULIM e envolvendo nutricionistas, psiquiatras e os psicólogos.
A partir da avaliação em conjunto, as pacientes podem: (a) receber alta, (b) seguir
para um programa de manutenção de outras 18 semanas com outros temas ou,
finalmente, (c) no caso de um baixo nível de aderência, reiniciar o programa.

Anorexia Nervosa: Aspectos Psicológicos e Tratamento em


Psicoterapia

A Anorexia Nervosa (AN) é um outro tipo de transtorno alimentar que, se comparado


à bulimia nervosa, apresenta dimensões que requerem uma maior seriedade no
tratamento em virtude do alto índice de gravidade. Com uma prevalência de 0,5 a 1%
na população adolescente e juvenil, as publicações científicas mais antigas em revistas
especializadas, chegando até aquelas encontradas nos dias de hoje (que, por sinal,
são bem poucas), o prognóstico de melhora e os índices de recuperação apresentam,
na grande maioria, resultados desalentadores e contraditórios. Enquanto na maioria
dos transtornos psiquiátricos o início precoce é indicativo de prognóstico ruim, na
anorexia nervosa quanto mais cedo a doença se manifestar, maiores serão as chances
de sucesso terapêutico. Por outro lado, quanto mais tarde ocorrer o aparecimento,
menores serão as chances de recuperação. Isto sem falar na escassez de pesquisas
em função de: (a) baixa incidência do transtorno se comparado a outros transtornos
psiquiátricos, (b) dificuldade de recrutar pacientes que admitam ter um problema
significativo, (c) severidade do transtorno e (d) alto índice de desistência da terapia
ambulatorial.

Em um olhar mais amplo a mais de cem estudos, somente cerca de 50% das
pacientes se “recuperam totalmente” (e isto quer dizer o restabelecimento do peso, a
normalização dos comportamentos alimentares e o retorno da menstruação regular).
Outros 30% experienciam uma recuperação parcial caracterizada por algum tipo de
resíduo ou distúrbio no comportamento alimentar e pela falta de habilidade para
manter o peso normal. E finalmente, nos 20% restantes, a doença assume uma forma
crônica, não apresentando qualquer sinal de remissão.

Tabela 1 – Programas inicial e de manutenção em psicoterapia cognitivo-


construtivista para o tratamento da bulimia nervosa

Em um outro estudo mais recente com cento e noventa e três pacientes anoréxicas
em um tratamento de curto prazo, a maioria recobrou o peso alvo com um único
propósito: deixar a internação. Portanto, pode-se facilmente perceber que estamos
diante de uma das populações mais refratárias a qualquer forma de ajuda clínica.
Nesse sentido, o que se procura alcançar com as pacientes com anorexia nervosa é o
(a) restabelecimento dos padrões normais de alimentação (pois 50% das anoréxicas
apresentam compulsão alimentar, portanto esta é uma das principais metas de
intervenção do tratamento), (b) promover uma auto-regulação do peso corporal, (c)
reduzir (eliminando) atitudes purgativas ou mesmos restritivas para, finalmente, (d)
criar a motivação para a mudança (Bell, 1983).

A seqüência dos temas do programa de psicoterapia também desenvolvido por um dos


autores deste artigo (Abreu, 2002) baseia-se nos seguintes tópicos:

Tabela 2 – Programa de 42 semanas em psicoterapia cognitivo-construtivista


para o tratamento da anorexia nervosa

Uma das perguntas mais comumente abordadas na literatura em relação às pacientes


anoréxicas é porque se torna tão difícil mobilizá-las para a mudança pessoal. Se nos
casos de bulimia nervosa inicia-se o tratamento com um desejo claro e anuência em
obter a mudança, nos casos de anorexia nervosa esta cooperação não pode ser
esperada pelo profissional. Enquanto no tratamento da bulimia nervosa podemos
assegurar ao paciente que a melhora de seu quadro praticamente não tem maiores
efeitos sobre o peso corporal, nos quadros de anorexia nervosa não é possível
oferecer tal garantia, pois é exatamente isso que está para acontecer, ou seja, este é
um dos objetivos do tratamento (colocando-as face àquilo que mais temem – o ganho
de peso) – esta é a razão pela qual devemos esperar os maiores níveis de abandono.
Assim, não é de se estranhar que as pacientes comecem o tratamento com pouca ou
quase nenhuma intenção de “progredir” e cooperar. Portanto, os profissionais devem
ficar surpresos se não houver alguma forma de esquiva ou sabotagem aos protocolos
aos quais as pacientes são submetidas.

Por mais polêmico que possa parecer, duas razões fundamentais são apontadas para
justificar tais ocorrências. As pacientes “sabem” (racionalmente) de sua necessidade
de ajuda, mas têm medo do que a mudança corporal possa trazer a elas e suas vidas.
É este aspecto que na realidade cria uma barreira, pois mudar a rotina alimentar
implica não somente retomar as refeições adequadamente, mas estabelecer contato
com uma série de emoções que estão obscurecendo as emoções primárias através dos
sentimentos de falta de valia e de segurança. Desta forma, ao procurar “não sentir” as
emoções primárias, confundem-se ainda mais e ficam transitando somente entre as
emoções desadaptativas. Neste sentido, as anoréxicas muito comumente evitam
sentir sua raiva ou tristeza primária e mantêm as sensações secundárias de
resignação e medo – foco de trabalho de muitos terapeutas desavisados. Como
dissemos anteriormente, quando não é reconhecida, uma emoção primária
rapidamente torna-se outra emoção, confundindo ainda mais sua leitura. No caso da
anorexia, as pacientes negam tanto suas sensações que entram em um quadro
semelhante àqueles vividos na alexitimia, no qual pouca coisa encontra ressonância,
tornando-se assim como se fosse pasteurizada e “surda” a si mesma e a seu meio. Por
se esquivarem tanto daquilo que sentem, resistem mais à mudança pessoal do que as
próprias bulímicas. É muito comum escutarmos queixas do tipo: “não quero nunca
mais sentir nada daquilo que sempre senti” (evitação da emoção primária) ou mesmo
“olhar para a magreza e para meus ossos me faz sentir que serei aceita” (tentativa de
controle a emoção secundária de medo).

A confusão nos casos de transtornos alimentares (bem como na dependência química,


promiscuidade ou mesmo nas automutilações), ocorre em função destas pessoas
possuírem seus sistemas fisiológicos (seus corpos) mandando uma informação
específica, enquanto seus pensamentos mandam outra informação e suas emoções
mandam outros sinais ainda mais diferentes, ou seja, uma verdadeira confusão toma
lugar e a pessoa não consegue funcionar de maneira integrada. Ao não saberem a
qual fonte responder, buscam o alívio desta complexidade na total abstinência
alimentar; é como se tentassem fazer “parar a banda” de suas reações. Esta é a razão
pela qual tais pacientes apresentam uma verdadeira fixação na magreza como uma
forma de colocar ordem (ou fazer silêncio) em suas vidas pessoais e responderem às
pressões emocionais (medo de abandono e de rejeição). Na anorexia purgativa, por
outro lado, a estrutura e o funcionamento emocional se assemelham aos das bulímicas
(ao exibir modalidades oscilantes de reações). Nas anoréxicas restritivas, a
emocionalidade quase nunca aparece; ela está extremamente controlada, gerando
dificuldades ainda maiores de reconhecimento, identidade e respostas às demandas
pessoais.

A outra causa da dificuldade de mudança é o fato de as restrições alimentares


criarem, com o passar do tempo, quadros de subnutrição que progressivamente levam
a inevitáveis déficits cognitivos, privando-as de uma capacidade normal de
entendimento e de alteração do curso de resolução de seus problemas.

Assim, estamos envolvidos no tratamento de uma doença que gera limitações físicas,
emocionais e sociais (Abreu, 2002). Claramente percebemos, portanto, que a anorexia
nervosa é uma doença complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do
tratamento e que, na melhor das hipóteses, os indivíduos estão continuamente
ambivalentes na busca de tratamento. Permanecem resistentes e blindadas a qualquer
tipo de intervenção externa, o que contribui para a criação de um dos mais altos
índices de recusa e desistência prematura do tratamento. E aquelas que permanecem
em tratamento, freqüentemente não aderem às orientações e, quando aderem às
primeiras intervenções, correm grande risco de recaída (Cordás, Guimarães & Abreu,
2003).

Conclusão

A exploração e a mudança psicológica não acontecem apenas pela substituição de


esquemas disfuncionais de pensamento por esquemas mais funcionais, mas
acontecem, em primeiro lugar, por meio da exploração do processo dialético das
prováveis contradições existentes entre a experiência (emoção) e o conceito
(pensamento). Desta forma, sempre se buscará partir das emoções secundárias para
podermos, ao se atingir as emoções primárias, conduzir as pacientes a uma mudança
terapêutica mais efetiva – sem isso, nenhuma modificação substancial poderá ser
considerada como permanente.

A concepção cognitivo-construtivista entende que não são os pensamentos e nem


mesmo as emoções disfuncionais per se que devem ser eliminadas ou corrigidas, mas
a leitura feita pelos clientes destas mesmas emoções. Ter consciência emocional não é
pensar a respeito das emoções, mas experiencia-la emocionalmente. Ou seja, ao se
facilitar o trânsito emocional, mudamos a relação destas pessoas com suas próprias
emoções (as quais passam a ser expandidas, ampliadas e mais refinadas). Portanto,
quando os pacientes com anorexia nervosa ou bulimia nervosa apresentam medos ou
angústias, uma postura interessante é permitir que a expressão emocional exista,
pois, sem desqualificá-la ou alterá-la ao utilizar premissas de irracionalidade ou
disfuncionalidade, aumentamos a possibilidade de atingirmos as emoções mais
importantes para se atingir o bem-estar. “Não sofremos pelas nossas emoções”,
afirma Guidano (1991, p. 34), “mas pelo não entendimento destas emoções”.
Inclusive, a própria terapia cognitiva tradicional dá sinais de que começa a reconhecer
a importância deste aspecto ao mencionar a importância de trabalhar com os níveis
experienciais durante as sessões. Em certos casos, afirmam os autores, alguns
pacientes não teriam alcançado um “grau de ‘insight emocional’ (grifo dos autores)
simplesmente fazendo comparações verbais entre suas experiências passadas e
presentes (...)” (Beck, Freeman, Davis et al., 2005, p. 89). Portanto, está mais do que
claro de que não se deve jamais perder de vista a emoção.

No construtivismo, a “aceitação” do outro com todas as suas particularidades e


idiossincrasias é o coração de todo o processo de mudança (Safran, 2002). O
procedimento da psicoterapia de base construtivista, segundo Mahoney (no prelo),
realiza o trabalho dos três “Ps”, isto é, nos momentos iniciais de ambos os protocolos
(BN e AN) do processo clínico de mudança, objetiva-se enfocar o Problema com todas
as suas peculiaridades e variações. Em um segundo momento, dá-se o
aprofundamento da análise dos Padrões gerais de expressão da experiência – aqueles
que mantêm o aparecimento dos problemas e são compostos pelas repetições das
dificuldades em questão. Finalmente, desenvolve-se uma análise mais aprofundada
dos Processos pelos quais tais padrões e problemas foram sendo construídos e se
manifestam ao longo da vida do indivíduo. Portanto, neste último nível do trabalho,
busca-se compreender as ‘marés de ordem’, alternadas com as ‘marés de desordem’
que constituem a história de flutuações emocionais na vida daqueles que buscam
ajuda (Mahoney, 1998).

A psicoterapia cognitivo-construtivista parte do pressuposto de que “a experiência


humana não é uma busca pela verdade, mas, ao invés disto, uma infinita construção
de significados” (Gonçalves, 1998, p. 108). Como as reações emocionais são as
companheiras mais antigas presentes na vida humana (afetando a memória, o humor
e a habilidade para resolver tarefas), sua compreensão e regulação torna-se um dos
objetivos mais desejados (Abreu & Roso, 2003). Portanto, como terapeutas, devemos
desenvolver a habilidade de saber quando a emoção deve mudar o paciente e quando
o paciente deve mudar a emoção.

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