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 Anorexia nervosa e bulimia nervosa – abordagem cognitivo-construtivista de


psicoterapia
Cristiano Nabuco de Abreu1 
Raphael Cangelli Filho2

 
1
Psicólogo clínico, mestre e doutor em Psicologia Clínica.Coordenador da equipe de
Psicologia do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo - HCFMUSP. Diretor do Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de
São Paulo.
2
Psicólogo Clínico, mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica -
PUCSP. Coordenador do Hospital Dia do Ambulatório de Bulimia e Transtornos
Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP. Professor-supervisor
do Curso de Psicologia da Universidade São Judas Tadeu.

Endereço para correspondência:

AMBULIM – Rua Dr. Ovideo Pires de Campos, 785 – 2º andar – 05403-010 – São
Paulo – SP – e-mail:ambulim@hcnet.usp.br – Fone: (11) 3069-6975.

 
 Resumo

 
Dos transtornos alimentares, a anorexia nervosa e a bulimia nervosa são os que mais
têm levado pacientes adolescentes, geralmente do sexo feminino e cada vez mais
jovens, a buscar ajuda. Essa ajuda se dá através de um tratamento multidisciplinar
envolvendo médicos psiquiatras, psicólogos e nutricionistas. A psicoterapia tem se
mostrado um componente eficaz para a melhora dessas pacientes. O presente artigo
tem por objetivo expor uma proposta de tratamento psicoterápico a partir da
abordagem cognitivo-construtivista.

Palavras-chave: Anorexia nervosa, bulimia nervosa, abordagem


cognitivoconstrutivista.

 
 Abstract

 
Among the eating disorders, anorexia nervosa and bulimia nervosa are the ones that
have made adolescent patients – often females and aged younger and younger – seek
for help. This help is provided through a multidisciplinary treatment involving
psychiatrists, psychologists and dietists. Psychotherapy has shown to be an efficient
component for these patients’ improvement. The present article aims at presenting a
proposal of psychotherapeutic treatment based on a cognitive-constructivist approach.

Keywords: Anorexia nervosa, bulimia nervosa, cognitive-constructivist approach.

 
 Anorexia nervosa

  
 
Os transtornos alimentares (anorexia nervosa, bulimia nervosa e suas variantes) são
quadros psiquiátricos que afetam principalmente adolescentes e adultos jovens
(embora uma procura maior de crianças se faça notar recentemente) do sexo
feminino, levando a grandes prejuízos biopsicossociais com elevada morbidade e
mortalidade (Doyle e Bryant-Waugh, 2000).

A anorexia nervosa caracteriza-se por perda de peso intensa à custa de dietas rígidas
auto-impostas em busca desenfreada da magreza, distorção da imagem corporal e
amenorréia. William Gull, no ano de 1874, descreve três pacientes com quadro
anoréxico restritivo, cunhando o termo “apepsia histérica”. O quadro clínico incluía
emagrecimento, amenorréia, bradicardia, baixa temperatura corporal, edema nos
membros inferiores, obstipação e cianose periférica (Abreu e Cordás, no prelo).

Brunch (1962), nos anos 1960 e 1970, foi o primeiro autor a mencionar a distorção da
imagem corporal vista como um distúrbio da paciente com anorexia nervosa na
percepção de seu corpo.

A partir de 1970, pacientes avaliadas clinicamente demonstravam um receio


exagerado de ganhar peso, sendo este o primeiro passo para incorporar o “medo
mórbido de engordar” como característica psicopatológica da anorexia nervosa,
juntamente com o emagrecimento, a distorção da imagem corporal e a amenorréia
(Russell, 1970).

A baixa auto-estima bem como a distorção da imagem corporal são os principais


componentes que reforçam a busca de um emagrecimento incessante, levando à
prática de exercícios físicos, jejum e uso de laxantes ou diuréticos de uma forma
ainda mais intensa (Garfinkel e Garner, 1982, Holden, 1990).

Pacientes com anorexia nervosa do subtipo purgativo, ou seja, que apresentam


episódios bulímicos e alguma prática de purgação (vômitos, diuréticos, enemas e
laxantes), são mais impulsivas e apresentam aspectos de personalidade diferentes de
pacientes que usam apenas práticas restritivas e são mais perfeccionistas e
obsessivas (Garner et al., 1993; Wonderlich e Mitchell, 2001).

 
 Bulimia nervosa
  
 
A bulimia nervosa (BN), por sua vez, caracteriza-se por grande ingestão de alimentos
de uma maneira muito rápida e com a sensação de perda de controle, os chamados
episódios bulímicos. Estes são acompanhados de métodos compensatórios
inadequados para o controle de peso, como vômitos auto-induzidos (em mais de 90%
dos casos), uso de medicamentos (diuréticos, laxantes, inibidores de apetite), dietas e
exercícios físicos, abuso de cafeína ou uso de cocaína (Fairburn, 1995).

A descrição de BN, tal como a conhecemos hoje, foi elaborada por Russell em 1979,
quando descreveu trinta pacientes com peso normal, pavor de engordar, episódios
bulímicos e vômitos auto-induzidos. Como essas pacientes haviam apresentado
anorexia nervosa no passado, Russel considerou inicialmente que a bulimia seria uma
seqüela, uma “estranha” variação da anorexia nervosa (Russell, 1979).

Fairburn (1991) e outros autores, entre eles o próprio Russell, descreveram


posteriormente o caráter autônomo do quadro, uma vez que apenas de 20% a 30%
das pacientes bulímicas apresentaram uma história pregressa de anorexia nervosa,
em geral de curta duração.

Como descrito inicialmente, a BN caracteriza-se por grande e rápida ingestão de


alimentos com sensação de perda de controle – os episódios bulímicos normalmente
são acompanhados de métodos compensatórios inadequados (Hethrington e Rolls,
2001).

O aspecto principal da BN é a presença de episódios bulímicos com relatos de ingestão


média de três a quatro mil calorias por episódio, mas já foram descritos episódios com
uma ingestão de até 20 mil calorias (Mitchell et al., 1998).

 
 Modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia

  
 
O modelo cognitivo entende que há, entre o mundo e o indivíduo, uma intermediação
da atividade do pensamento, ou seja, o modo como as pessoas se sentem e
conseqüentemente se comportam é fruto de uma atividade cognitiva contínua,
atribuidora de significados aos eventos do mundo externo. Assim, o modelo
cognitivoconstrutivista questiona a superioridade do pensar sobre o sentir e agir e
propõe um sentido inverso, segundo o qual nossas construções cognitivas são fruto de
uma organização emocional, desenvolvida de uma forma tácita sobre a realidade
(Abreu e Shinohara, 1998).

Na concepção construtivista, os significados são construídos obedecendo às regras do


processamento conceitual (pensamento) e do processamento vivencial (emoções).
Neste último, os significados gerados em nossa consciência advêm da atividade de
percepção dos conteúdos que estão tácitos (ou corpóreos), estando em uma condição
pré-conceitual e implícita. Neste nível, não interpretamos as situações sob o ponto de
vista lógico, mas sob a ótica emocional, ou seja, o significado produzido por um
evento fundamenta-se nos princípios experienciais das situações. Assim, uma vez
“sentida” a informação, este conteúdo será traduzido em aspectos relativos ao
“conforto ou desconforto” e à “segurança ou ameaça” de uma situação. Um exemplo
disso, são as queixas mais rotineiramente ouvidas nos consultórios. Em diversas
situações, é freqüente escutarmos comentários do tipo: “estou me sentindo
sufocado(a)”, “aquela situação me causa um aperto no peito”, “sinto que estou
carregando o mundo em minhas costas” etc. Portanto, muitas interpretações que
fazemos a respeito dos eventos partem inicialmente das impressões corporais
(também chamadas “tácitas” ou “sensoriais”), para posteriormente serem integradas
e explicadas pelo nosso raciocínio (Abreu, 2001).

Para cada pessoa, a construção que ela faz da realidade dá conta de organizar as suas
experiências (processamento conceitual e processamento vivencial) de modo a torná-
la um sistema em equilíbrio. Estar em equilíbrio significa manter coerentes a
percepção de mundo, do outro e do próprio eu.

Para o construtivismo, o desenvolvimento humano é contínuo. Este desenvolvimento,


por sua vez, dá-se a partir da contínua reorganização do sistema. Os transtornos são
episódios agudos ou crônicos de
desorganização, mas sem serem os inimigos da saúde mental e do bem-estar geral
(Mahoney, 1998). 

Desta maneira, podemos compreender que os transtornos alimentares são


decorrentes de uma desorganização na maneira como as pacientes constroem a
realidade. Porém, uma desorganização necessária para manter o equilíbrio, enfim,
manter coerentes a maneira de pensar, sentir e agir.

 
 Bulimia nervosa – Aspectos psicológicos e tratamento em psicoterapia

  
 
Pacientes com bulimia nervosa (BN) apresentam uma série de pensamentos e
emoções desadaptativas a respeito de seus hábitos alimentares e seu peso corporal.
De maneira geral, podemos afirmar que as pacientes com BN apresentam uma auto-
estima flutuante, fazendo-as acreditar que uma das maneiras de resolver os
problemas de insegurança pessoal é através de um corpo bem delineado e, para
alcançar seu objetivo, acabam por desenvolver dietas impossíveis de serem seguidas.
Em outras palavras, procuram “sanar” um problema emocional através da adoção de
estratégias imperativas de emagrecimento e, neste sentido, desenvolvem atitudes
radicais baseadas na idéia de que estar magra é um dos caminhos mais curtos para
se obter a felicidade. Crêem, erroneamente, que ter o controle de suas medidas lhes
proporcionará uma condição de segurança emocional.

Vale lembrar que se manter privado de alimentos calóricos por muito tempo não é
uma tarefa das mais fáceis, portanto,cada vez que as bulímicas iniciam um período de
restrição, uma verdadeira batalha toma lugar. Como é impossível manter-se sob uma
condição drástica de regime por longos períodos (tornando a redução calórica um
processo ainda mais severo), os desequilíbrios alimentares acontecem após períodos
de longo jejum, resultando em quadros de um comer compulsivo (bingeeating)
caracterizado por um descontrole total e que só pode ser compensado, na opinião
destas pacientes, pelo uso de laxantes, diuréticos, prática excessiva de exercícios ou
mesmo vômitos auto-induzidos.

Não conseguindo perceberem-se saciadas, ingerem alimentos até sentirem-se


empanturradas. Esta sensação de desconforto leva essas pacientes a algum tipo de
purgação. Após estes períodos de “purgação”, a retomada da condição de restrição
calórica é iniciada. O resultado, inevitavelmente, é uma nova queda marcada pelo
descontrole e um sucessivo período de purgação. Portanto, esta oscilação emocional é
um dos fatores que caracteriza os quadros de BN.

As premissas psicológicas envolvidas nestas práticas de comportamento baseiam-se


na idéia de que “ser magra é o mesmo que ser atraente, ter sucesso ou ser feliz”.
Ocorre que esta busca não se dá apenas pela causa corporal. É comum encontrar
pacientes com BN exibindo atitudes caóticas, não somente em relação a seus hábitos
alimentares, mas também um estilo de vida desorganizado.

Imagina-se, portanto, que uma das possíveis causas envolvidas na etiologia deste
quadro é a própria desorganização pessoal. Alguns clínicos chegam a suspeitar que a
tentativa de regulação e controle da alimentação seja uma tentativa (ainda que
fracassada) de ordenação e estabilidade. É por essa razão que muitas das
intervenções de tratamento psicológico baseiamse, dentre os vários aspectos, no
oferecimento de estratégias “estruturadas” de resolução dos problemas, ou seja,
transmitem a idéia de solo firme para mudança.

Se fossemos descrever de maneira metafórica esses comportamentos, utilizaríamos a


idéia da montanha russa (emocional). Neste sentido, a falta de ordem é extensiva a
vários outros aspectos e não somente àqueles descritos acima. Facilmente
encontraremos pessoas fadadas a se privarem de relacionamentos amorosos por
longos períodos (em função de não se sentirem suficientemente atraentes, ou melhor
dizendo, “gordas”), intercalando outros períodos, nos quais, as condutas afetivas são
completamente intensas e a falta de parâmetros ou bom senso torna-se uma das
marcas registradas. As relações familiares também não ficam atrás ao exibir as
mesmas premissas de relação, ou seja, as trocas parentais são, na maioria das vezes,
marcadas por baixos níveis de cumplicidade e respeito interpessoal.
As famílias das pacientes com BN são descritas nas pesquisas como perturbadas, mal
organizadas, com dificuldade de expressão de afeto e cuidado (Lask, 2000). No
trabalho, as mesmas queixas são encontradas – muitas pacientes não sentem ter
encontrado ainda “a atividade de suas vidas”, engajando-se em rotinas que muitas
vezes as privam do interesse e do prazer.

Com tudo o que foi descrito, não é de espantar que tais pacientes busquem algo que
nem elas próprias sabem especificar. A busca pela perfeição (autoexigência) é, assim,
uma das características dessas pacientes, pois, na medida em que a instabilidade
ambiental torna-se uma companheira sempre presente, a falta de um parâmetro fixo
ou de um valor mais solidificado torna o esmero pessoal (embora sazonal) um
elemento primordial na definição dessa identidade incompleta (filha, mulher,
profissional etc).

Uma vez que estamos brevemente mencionando alguns fatores ligados à arquitetura
emocional das pessoas com BN, alguns aspectos psicológicos são dignos de nota: a)
baixa auto-estima; b) pensamento do tipo “tudo ou nada” (ou seja, funciona através
dos valores opostos); c) ansiedade alta; d) perfeccionismo; e) incapacidade de
encontrar formas de prazer e satisfação; f) busca de problemas nas coisas; g)
exigência alta; e h) incapacidade de “ser feliz”.

O tratamento desenvolvido por C.N. Abreu (um dos autores deste texto), compõe-se,
atualmente, de
18 semanas e é baseado no modelo cognitivo-construtivista de psicoterapia. Em cada
encontro, um eixo temático é abordado, fazendo com que as pacientes consigam
progressivamente reapropriar-se do controle e do manejo de sua vida emocional e,
conseqüentemente, reorganizar seus hábitos alimentares. Desse modo, um plano de
trabalho é estabelecido, e as pacientes convidadas a participar são avaliadas
semanalmente. A seqüência dos eixos temáticos do programa de psicoterapia é o
seguinte:
Ao final do programa, é realizada uma avaliação multidisciplinar seguindo os critérios
estabelecidos pelo AMBULIM e envolvendo nutricionistas, psiquiatras e os psicólogos.
A partir da avaliação em conjunto, as pacientes podem: a) receber alta; b) seguir
para um programa de manutenção de 18 semanas envolvendo outros temas; ou,
finalmente, no caso de um baixo nível de aderência, c) reiniciar o programa.

 Anorexia nervosa – Aspectos psicológicos e tratamento em psicoterapia

 
A anorexia nervosa (AN) é um outro tipo de transtorno alimentar que, se comparado
à bulimia nervosa, apresenta dimensões que requerem seriedade maior no
tratamento. Desde as publicações mais antigas em revistas especializadas até os dias
de hoje, os artigos existentes – que são poucos – e que por ventura contenham sua
descrição, prognóstico de melhora ou mesmo os índices de recuperação, apresentam,
na grande maioria, resultados desalentadores.

As razões para a escassez de pesquisas dos resultados de tratamentos incluem: a)


baixa incidência do transtorno; b) dificuldade de recrutar pacientes que se percebam
como tendo um problema significativo; c) severidade do transtorno; e d) alto índice
de desistência da terapia ambulatorial. Assim, a pesquisa disponível a respeito da AN
ainda apresenta dados muito contraditórios, embora a maioria dos estudos de
resultado em longo-prazo apontem para um sucesso bem mais limitado. Somente
para citar um exemplo, em um olhar mais amplo em mais de cem estudos, somente
cerca de 50% das pacientes se “recuperam totalmente” (e isto quer dizer o
restabelecimento do peso, a normalização dos comportamentos alimentares e o
retorno da menstruação regular). Outros 30% experienciam uma recuperação parcial
caracterizada por algum tipo de resíduo ou distúrbio no comportamento alimentar e
pela falta de habilidade para manter o peso normal. E, finalmente, nos 20%
restantes, a doença assume uma forma crônica, não apresentando qualquer sinal de
remissão.

Um outro estudo mais recente com 193 anoréxicas sugeriu que, em tratamento de
curto prazo, a maioria recobrou o peso com um único propósito: deixar a internação.
Portanto, pode-se facilmente perceber que estamos diante de uma das populações
mais refratárias a qualquer forma de ajuda. Nesse sentido, o que se procura alcançar
com as pacientes com AN é: a) o restabelecimento dos padrões normais de
alimentação (pois 50% das anoréxicas apresentam compulsão alimentar, portanto,
esta é uma das principais metas de intervenção do tratamento); b) promover uma
autoregulação do peso corporal; c) reduzir (eliminando) atitudes purgativas ou
mesmos restritivas para, finalmente, d) criar a motivação para a mudança (Wilson,
1993).

Uma das perguntas mais usuais no trabalho com as pacientes anoréxicas é: por que é
tão difícil criar motivação para a mudança? Como tais pacientes desenvolvem atitudes
negativas em relação à comida durante longos períodos, tais “hábitos” vêm a
interferir de tal forma no processo de recuperação que, em qualquer situação futura
que leve a paciente a viver qualquer forma de crise, a doença rapidamente reaparece,
ou seja, estamos frente a uma verdadeira fixação corporal. Enquanto podemos
assegurar à paciente, no tratamento da BN, que a melhora de seu quadro
praticamente não tem maiores efeitos sobre o peso corporal, nos quadros de NA, não
é possível oferecer tal garantia, pois este é um dos objetivos do tratamento, ao
mesmo tempo em que coloca tais pacientes face àquilo que mais temem.

Assim, não é de se estranhar que as pacientes comecem o tratamento com pouca ou


quase nenhuma intenção de “progredir”. Portanto, os profissionais devem ficar
surpresos se não houver alguma forma de sabotagem ao tratamento. Talvez possa
parecer estranho utilizarmos aqui uma expressão tão pesada, mas vale ressaltar que
tal comportamento tem base no fato de, contrariamente ao que ocorre na BN, as
pacientes anoréxicas descreverem um aumento da auto-estima a cada quilo perdido.
Concluindo, não é de surpreender que sejam descritas na literatura como
“resistentes”, “desafiantes” ou “intratáveis”.

Por mais polêmico que possa parecer, duas razões fundamentais são apontadas para
justificar tais ocorrências: a) as pacientes “sabem” de sua necessidade de ajuda, mas
têm medo do que a mudança corporal possa trazer e b) as restrições alimentares a
que são submetidas criam, com o passar do tempo, quadros de subnutrição que
começam, progressivamente, a gerar inevitáveis deficits cognitivos, privando-as de
uma capacidade normal de entendimento de seus problemas. Assim, estamos
envolvidos no tratamento de uma doença que gera limitações físicas, emocionais e
sociais (Abreu, 2002).

Como descrição das características psicológicas mais freqüentes, citaríamos: a) baixa


auto-estima; b)
sentimento de desesperança; c) desenvolvimento insatisfatório da identidade; d)
tendência a buscar aprovação externa; e) extrema sensibilidade a críticas; e,
finalmente, f) conflitos relativos aos temas autonomia versus dependência.
Ironicamente, quando questionadas a respeito de seu quadro e de sua resistência à
mudança, as anoréxicas rapidamente descrevem uma série de justificativas para seu
comportamento, a saber: “Gosto do jeito que me sinto quando estou magra”, “sou
mais respeitada e recebo mais elogios”, “o que todos tentam fazer, eu mostro que
posso fazer melhor”, “gosto da atenção que recebo”, “gosto das roupas que
posso/consigo usar”, “fico melhor desse jeito”, “é realmente nojento ter gordura em
meu corpo e agora não tenho mais este problema”, “minha família e meu médico se
preocupam comigo”, “posso manter as pessoas a distância”, “não preciso ficar
menstruada”, “sinto como se estivesse em contato com o sofrimento do mundo”, “me
sinto mais saudável e com mais energia quando estou com pouco peso”, “me sinto
mais confiante e capaz quando estou magra”, “gosto do sentimento de autocontrole”,
“me sinto mais poderosa quando não como”, “quando estou magra, percebo melhor
as coisas” e “me sinto especial, pura e diferenciada”. Ou seja, para as pacientes, as
desvantagens são claras, como por exemplo: “Ficar magra consome muito tempo e
energia, as pessoas me enchem por causa disto”, “detesto pensar em comida o tempo
todo”. Nas fases mais agudas, tais pessoas ainda estão tentando perseguir sua
doença, e a meta é tornar-se uma pessoa mais magra ainda, podendo assim exibir
seu sucesso (Abreu, 2002).

Considerando tudo isso, pode-se claramente perceber que a AN é uma doença


complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do tratamento e que, na melhor
das hipóteses, os indivíduos com anorexia nervosa são continuamente ambivalentes
na busca de tratamento. Permanecem resistentes a qualquer tipo de intervenção
externa, o que contribui para um dos mais altos índices de recusa e desistência
prematura do tratamento. Aqueles que permanecem em tratamento, freqüentemente,
não aderem às orientações e, quando aderem às primeiras intervenções, correm
grande risco de recaída (Cordás, Guimaraes e Abreu, 2003).

Os resultados indicaram que 70% dos pacientes tratados com terapia cognitiva não
mais satisfaziam aos critérios de diagnóstico para anorexia nervosa no sexto mês,
embora tenham mantido, em média, um peso significativamente baixo (Fairburn,
Marcus e Wilson, 1993). Entretanto, em uma comparação entre a terapia familiar e a
psicoterapia individual de apoio de 57 pacientes (que haviam recebido terapia em
sistema de internação de um ano), para aqueles com uma idade de início precoce
(com menos de 18 anos) associada à curta duração do transtorno (menos de três
anos), a terapia familiar foi significativamente mais eficaz do que a psicoterapia
individual, o mesmo ocorrendo no pós-tratamento (acompanhamento de cinco anos).
Já para os pacientes com idade de início mais tardia ou duração mais prolongada,
ambos os tratamentos foram comparáveis (Wilson, 1993).

 Conclusão

 
A exploração e a mudança psicológica não acontecem apenas pela substituição de
esquemas disfuncionais de pensamento por esquemas mais funcionais, mas
acontecem, em primeiro lugar, por meio da exploração do processo dialético das
prováveis contradições existentes entre a experiência (do sujeito) e o conceito
(desenvolvido pelo indivíduo após ter vivido a “experiência”). Ao se integrarem estas
duas instâncias, favorece-se a (re)construção de um significado global. Sempre
vivenciamos algo primeiramente para que posteriormente possamos falar algo a
respeito. Por isso é que, dificilmente, um argumento lógico demonstrase eficaz no
processo de mudança. Portanto, se desejarmos produzir qualquer tipo de alteração
mais efetiva, devemos partir sempre dos níveis emocionais (e vivenciais) das
situações (Abreu e Roso, 2003).

Neste sentido, os objetivos da terapia cognitivoconstrutivista junto aos transtornos


alimentares são o desenvolvimento gradual, pelo cliente, da habilidade de mais bem
responder às pressões ambientais desafiadoras e a modificação dos padrões
emocionais (e não somente o pensamento negativo) quanto ao comer e à forma e
peso do corpo. Como as reações emocionais são as companheiras mais antigas
presentes na vida humana (afetando a memória, o humor e a habilidade em resolver
tarefas), sua compreensão e regulação torna-se um dos objetivos mais desejados
nesta forma de psicoterapia (Abreu e Roso, 2003). As disfunções e os distúrbios
emocionais surgem quando as pessoas não estão autorizadas a reconhecer, sentir ou
até mesmo validar determinadas emoções contribuindo para o aparecimento dos
transtornos alimentares.

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Intervenção Comportamental em Casos de Bulimia Nervosa
Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos
Carina Paula Costelini
Bruna Troia Pitelli
A literatura acerca do tema bulimia nervosa apresenta, desde 1979, uma
grande quantidade de pesquisas e estudos controlados que visam descrever,
avaliar e sistematizar tratamentos para o transtorno em questão (Bacaltchuk e
Hay, 1999). Esses estudos foram estruturados tendo como base diversas
abordagens, tais como terapia cognitivo-comportamental, terapia interpessoal,
psicoterapia de orientação psicanalítica, terapia psicodinâmica, abordagem
familiar, farmacoterapia, entre outras. Entretanto, artigos fundamentados na
teoria da análise do comportamento são escassos na literatura.
Caracterização da Bulimia Nervosa
A preocupação e a insatisfação com as formas do corpo são traços
característicos da cultura ocidental contemporânea. Nesse contexto está
inserido o “padrão de magreza” imposto pela sociedade, que tem contribuído
para que muitas pessoas – a maioria, mulheres – se engajem em dietas rígidas
– as quais, muitas vezes, não trazem o resultado esperado. A bulimia nervosa,
bem como outros transtornos alimentares, está intimamente ligada a esse
contexto.
De acordo com os critérios do DSM-IV (TR), a bulimia nervosa é um transtorno
alimentar caracterizado pela repetição de episódios de compulsão alimentar –
em que há ingestão de grande quantidade de alimento em um período limitado
de tempo –, seguida de sentimento de falta de controle e de envolvimento em
comportamentos compensatórios inadequados, como indução de vômito,
longos períodos de jejum, entre outros. De acordo com o método
compensatório utilizado, a bulimia pode ser classificada em dois tipos: tipo
purgativo – em que há indução de vômito, uso de laxante, diurético e enema –
e tipo sem purgação – em que há a utilização exclusiva de jejuns e exercícios
físicos exagerados. A compulsão alimentar e os comportamentos
compensatórios devem ocorrer, pelo menos, duas vezes por semana, durante
três meses. As crises bulímicas ocorrem, praticamente em todos os casos,
após um período de dieta rigorosa.
Segundo Azevedo e Abuchaim (1998), a bulimia tem predominância no sexo
feminino (cerca de 90%) e a média de idade em que os sintomas bulímicos se
iniciam é de 18 anos. Fonseca e Rena (2008) ressaltam que essa é uma fase
marcada por inevitáveis mudanças, biológicas, físicas, psíquicas e sociais.
Todas essas alterações, que ocorrem simultaneamente, somadas à valorização
do corpo imposta pela cultura, contribuem para o desenvolvimento de
transtornos alimentares, tais como a bulimia (Vilela, Lamounier, Filho, Neto e
Horta, 2004).
A prevalência da bulimia nervosa é estimada em aproximadamente 1% a 3%
da população e raramente ocorre em homens, de acordo com Wilson e Pike
(1999). No entanto apenas uma pequena parcela dessa população – cerca de
10% – recebe algum tipo de tratamento (Bacaltchuk e Hay, 1999).
Pacientes bulímicos tendem a dar demasiada importância às formas do corpo e
atribuem a elas o sucesso – ou insucesso – de qualquer área de suas vidas.
Pesquisas evidenciam que algum(ns) dos familiares desses pacientes,
geralmente, mantêm esse mesmo padrão de idolatria ao corpo, além de atrelar
erroneamente as variáveis corpo e sucesso (Heller, 2003).
Os bulímicos também apresentam um padrão de baixa auto-estima,
dificuldades em se socializar e interagir com outras pessoas, tendência em se
auto-avaliar segundo opiniões alheias e sentimentos de falta de controle. Além
disso, ao entrarem nesse ciclo de compulsão alimentar seguida de
comportamento compensatório inadequado, os bulímicos, em grande parte dos
casos, passam a evitar ambientes sociais, já que se sentem incapazes de se
controlar, o que contribui ainda mais para a manutenção das dificuldades
listadas acima (Azevedo e Abuchaim, 1998).
Segundo a visão da análise do comportamento, quaisquer comportamentos do
indivíduo (incluindo, portanto, comportamentos apresentados pelos clientes
com diagnóstico de bulimia nervosa) devem ser analisados através dos três
níveis de seleção propostos por Skinner (1953): filogenético, ontogenético e
cultural. Assim, de acordo com Banaco (1997), o papel do analista do
comportamento é o de descobrir, junto do cliente, quais contingências mantêm
a sua queixa e modificá-las nas relações que o cliente estabelece com o
ambiente, de forma a minimizar seu sofrimento.
Este capítulo tem como objetivo apresentar algumas possibilidades de
intervenção que podem ser úteis no tratamento da bulimia nervosa, sendo
estas fundamentadas nos princípios da análise do comportamento.
Experiências clínicas têm mostrado eficácia no uso das mesmas, desde que
aplicadas após uma cuidadosa análise funcional.
Nos tópicos a seguir, serão abordados alguns comportamentos relevantes a
serem desenvolvidos no repertório do cliente, os quais contribuem para um
resultado favorável no tratamento da bulimia nervosa. São esses: autocontrole,
autoconhecimento, autoconfiança, auto-estima e habilidades sociais.
Autoconhecimento
Em casos de bulimia nervosa, assim como em todos os outros casos, a terapia
comportamental busca, antes de implementar qualquer outra estratégia
terapêutica, identificar os eventos antecedentes e conseqüentes dos
comportamentos em questão através da análise funcional.
A análise funcional permite um entendimento das dificuldades que o cliente
apresenta, correlacionando todas as queixas apresentadas entre si, e
evidenciando os fatores de desenvolvimento e manutenção dos
comportamentos em questão (Duchesne, 1998).
Uma análise funcional ainda envolve o conhecimento da história de vida, a
identificação de padrões de comportamento que se repetem, o contexto em
que tal comportamento ocorre, a identificação da sensibilidade às
contingências e de possíveis regras que governem o comportamento, além da
identificação da classe de resposta mais ampla da qual o comportamento em
questão é uma subclasse. Como afirma Lettner (1995), “a terapia
comportamental eficaz depende claramente da especificação precisa das
variáveis funcionais de desenvolvimento e manutenção uma vez que o
procedimento de modificação é ditado por tal análise” (p. 30). É somente a
partir da análise funcional que o terapeuta pode, com clareza, selecionar e
utilizar estratégias alternativas.
Sendo assim, é importante que o cliente desenvolva autoconhecimento para
que, compreendendo as causas de seus comportamentos, ele possa se
esforçar para empreender mudanças comportamentais e buscar interferir nas
contingências externas das quais seus comportamentos são função.
Autocontrole
Outro fator importante no processo terapêutico é trabalhar com o cliente o
autocontrole e as estratégias para a solução de problemas.
Inicialmente orienta-se o cliente a registrar suas refeições diárias, de alimentos
e líquidos, em um “diário alimentar”. Aconselha-se que o registro seja feito logo
depois da ingestão para maior precisão dos dados. O cliente deve registrar
horário, situação em que se encontrava, pensamentos e sentimentos presentes
no momento. A utilização deste diário é importante para detectar horários e
momentos que aumentam a suscetibilidade do cliente aos ataques bulímicos e
identificar a relação destes episódios com contingências atuais em operação,
colaborando para a elaboração de estratégias de intervenção para mudanças
de comportamento (Wilson e Pike, 1999).
Identificadas as contingências atuantes, é o momento de se elaborar
estratégias de atuação, dentre elas, trabalhar autocontrole com o cliente. O
treino de solução de problemas pode ser muito efetivo. É importante identificar
com o cliente quais são os sinais indicadores de uma situação-problema, qual é
o problema em si, as possíveis alternativas e viabilidade de cada uma delas.
Assim, escolhida uma alternativa, deve-se identificar quais os passos
necessários para sua execução e avaliar as conseqüências, (depois de
colocada em prática), para verificar a eficácia da escolha realizada.
Quando identificadas as contingências que tornam o indivíduo mais susceptível
ao episódio, outra alternativa de autocontrole é tentar retardar o episódio de
compulsão,: envolver-se em atividades prazerosas, telefonar para algum
amigo, comer acompanhado, tentar relaxar ou ouvir música quando estiver
ansioso, engajar-se em atividades incompatíveis com o comportamento
compulsivo e compensatório. Neste caso, o cliente pode elaborar uma lista de
comportamentos (Duchesne e Appolinário, 2001 ).
Assim, mudanças de hábitos e rotinas podem levar a uma exposição maior a
reforçadores sociais e diminuir o engajamento em episódios de comer
compulsivo, vômitos e em atividades físicas exageradas compensatórias
(Duchesne e Appolinário, 2001). A dieta alimentar também precisa ser
reestruturada, de forma gradual. O cliente deve receber
informações sobre nutrição para que ele possa fazer escolhas adequadas de
alimentos (Duchesne e Almeida, 2002).
Aceitação e Compromisso
Pessoas acreditam que seus sentimentos dolorosos são as causas de seus
problemas e que, por esse motivo, precisam evitar eventos que os provoquem.
Essas auto-regras são organizadas a partir de um contexto sócio-verbal e, por
isso, aprendidas. Assim, demonstram expectativas no sentido de ficarem livres
de sentimentos julgados por elas como “ruins” como, por exemplo, decepção,
vergonha, rejeição, medo, comportando-se, então, no sentido de evitá-los. De
acordo com Hayes (1987), perceber os sentimentos como problema é, em si, o
problema.
Na opinião de Sidman (1995), o problema real não é um controle fraco pelo
“self”, mas um controle fraco pelo ambiente. O que a pessoa precisa não é
fortalecer a vontade interior, mas rearranjar o ambiente externo, enfraquecendo
as contingências de esquiva ou promovendo outros reforçadores para o
comportamento que se deseja ter.
Segundo Hayes (1987), a comunidade sócio-verbal transmite a idéia de que se
deve controlar pensamentos e sentimentos. Aprende-se que sentimentos
negativos são problemas e que é preciso modificá-los, controlá-los ou eliminá-
los. Essa perspectiva reforça e mantém auto-regras disfuncionais, tais como
“sinto-me triste e como para aliviar minha tristeza ou ansiedade”, ou ainda,
“sinto-me culpado por ter comido e vomito para aliviar a culpa”.
Cabe ao terapeuta quebrar o contexto sócio-verbal de que o cliente não pode
sentir, ou que precisa se comportar de maneira a evitar sentimentos e
pensamentos ruins, e ajudá-lo a discriminar que os sentimentos servem para
mostrar quais contingências estão atuando em sua vida, e que ele é capaz de
suportá-los, de tolerá-los e de se comportar mesmo na presença deles.
Habilidades Sociais
Ao descrever o padrão familiar tipicamente encontrado em casos de bulimia,
Hodes, Eisler e Dare (1991) citam que os membros da família costumam
apresentar dificuldade de comunicação e de expressão de sentimentos. Assim,
percebe-se que não só o bulímico, como outras pessoas de seu contexto
familiar, tendem a apresentar déficit no repertório de habilidades sociais.
Bolsoni-Silva e Marturano (2002) colocam que o modo como os pais interagem
e educam seus filhos é crucial à promoção de comportamentos socialmente
adequados. Verifica-se que a família do paciente bulímico não fornece um
modelo socialmente habilidoso e, provavelmente, não reforça comportamentos
desse tipo, dificultando o desenvolvimento de habilidades sociais nos filhos.
Dessa forma, cabe ao terapeuta incentivar e favorecer o desenvolvimento de
tais habilidades no cliente.
Uma alternativa nesta direção é a Psicoterapia Analítico – Funcional (FAP), a
qual propõe que a condução do processo terapêutico seja através de uma
relação envolvente, sensível, genuína e de cuidado com o
cliente, enquanto se beneficia das definições lógicas e precisas do
Behaviorismo Radical (Kohlenberg e Tsai, 2001).
A FAP utiliza a relação terapêutica como meio para modificar os
comportamentos clinicamente relevantes do cliente. O entendimento central da
FAP é de que o cliente se comporta em relação ao terapeuta de forma
semelhante ao modo como se comporta em outros contextos de sua vida
(Kohlenberg e Tsai, 2004).
Baseados na proposta da FAP, Vermes e Zamignani (2002) citam, como uma
das estratégias possíveis para o desenvolvimento do repertório social, a
modelagem a partir da própria interação terapêutica. Assim, experiências
clínicas têm mostrado que as mudanças de comportamento trabalhadas
durante a própria sessão terapêutica têm grande probabilidade de ser
generalizadas para outras situações sociais, contribuindo efetivamente para a
ampliação do repertório de habilidades sociais.
Autoconhecimento, autoconfiança e auto-estima
Considerando que Skinner (1991) afirma ser o autoconhecimento de origem
social, a relação terapêutica, como uma interação social, pode favorecer o
cliente a desenvolver tal habilidade.
Além disso, estabelecer confiança com o cliente e demonstrar empatia é
fundamental para o processo terapêutico. Compreender e mostrar para o
cliente que o compreende, sem qualquer julgamento, é o primeiro passo.
Geralmente, indivíduos com bulimia nervosa apresentam um nível de exigência
muito alto, são muito autocríticos e perfeccionistas, valorizando apenas o que
fazem de errado e condenando-se excessivamente pelos seus erros. Também
é comum que associem a imagem de sucesso e valor pessoal ao peso corporal
(Duchesne e Appolinário, 2001).
Portanto cabe ao terapeuta, através da relação terapêutica, ajudar o cliente a
diminuir seu nível de exigência e valorizar sucessos, valorizar características
pessoais e valores que o cliente apresenta, sem relação com aparência ou
imagem corporal, colaborando no desenvolvimento da auto-estima do cliente e
na dissociação de valores das características físicas.
Assim como há a crença de valor pessoal associado à imagem corporal, é
importante atentar-se para outras crenças que podem estar presentes na
história do cliente (como pensamento dicotômico do tudo ou nada;
pensamentos supersticiosos; impressões pessoais como fatos reais;
supervalorização de dificuldades e conseqüências indesejáveis de seu
comportamento) e ajudá-lo a analisar as evidências que confirmem ou refutem
a crença (Duchesne e Almeida, 2002). O cliente tende a atentar seletivamente
para as informações que confirmam suas crenças, ignorando ou distorcendo os
dados que poderiam questioná-las, por isso é preciso estar atento ao que é
dito.
Skinner (1991) propõe que o modo mais efetivo de restaurar a crença em si
mesmo é restabelecer os sucessos, simplificando contingências de reforço.
Acredita-se que o ponto crítico, neste caso, seria a disponibilidade de repertório
adequado para obter fontes de reforçamento social. Assim, o cultivo de uma
variedade de fontes de reforçamento seria uma boa alternativa para a
ocorrência de experiências bem sucedidas.
Considerando a relevância dos aspectos anteriormente citados, serão
apresentados dois importantes passos, que contribuem para o
desenvolvimento das habilidades acima citadas: a sessão educativa e a
orientação à família.
Sessão Educativa
Inicialmente, é importante que o terapeuta forneça informações e explicações
acerca do transtorno (descrições e aspectos psicológicos), dos métodos
compensatórios e da ocorrência dos episódios. Além disso, é importante que o
cliente esteja informado das possíveis complicações, clínicas e psicológicas,
associadas aos comportamentos purgativos e da baixa eficiência desse
procedimento na redução do peso corporal (Duchesne e Almeida, 2002).
O que se observa frequentemente na prática clínica é que os clientes
desconhecem as complicações clínicas que essas práticas podem causar.
Normalmente ficam sensíveis apenas às conseqüências imediatas de seus
comportamentos, como o alívio após um ato purgativo, já que consideram que
este é um método eficiente para evitar ganho de peso. Esclarecimentos claros
precisam ser dados e mitos precisam ser desfeitos.
Dessa forma, o cliente precisa ser informado de que as complicações clínicas
relacionadas à Bulimia Nervosa vão além de conseqüências decorrentes da
desnutrição (como ressecamento e problemas de pele, queda do cabelo, unhas
quebradiças, diminuição do peristaltismo intestinal, entre outras). Outras
complicações características da bulimia nervosa são: machucados nas mãos,
causados pelos dentes ao tentar induzir o vômito; desgaste do esmalte dentário
e conseqüente aparecimento de cáries, decorrentes da acidez do vômito; dores
abdominais; gastrite; esofagite; sangramento, podendo ocorrer até uma
perfuração esofágica (Borges, Sicchieri, Ribeiro, Marchini e Santos, 2006).
Problemas metabólicos, irregularidade menstrual (nas mulheres), desidratação,
problemas no sistema gastrointestinal (pelo uso de laxantes) e problemas
cardiovasculares, que podem resultar em uma parada cardíaca, também fazem
parte das conseqüências decorrentes das práticas associadas à bulimia
(Borges, Sicchieri, Ribeiro, Marchini e Santos, 2006).
É importante, também, informar o cliente de que o uso de laxantes e diuréticos
não são eficazes para o emagrecimento. Tais métodos apenas eliminam líquido
do organismo. Assim, com o compromisso de evitar o uso de tais
medicamentos, o cliente precisa ser alertado sobre possível aumento de peso,
devido à retenção de líquidos, o que não corresponde com ganho de gordura
corporal (Duchesne e Appolinário, 2001).
Essas orientações podem ser dadas no início do tratamento, mas é possível
que precisem ser retomadas em momentos mais avançados do processo
terapêutico, quando o cliente demonstra que está retomando essas práticas.
Enfim, é extremamente importante dar informações sobre riscos e
conseqüências envolvidos na bulimia nervosa, para que o cliente esteja ciente
de que estas decorrências estão associadas ao transtorno alimentar.
O objetivo desta sessão é levar o cliente a entrar em contato com as
conseqüências reais de seus comportamentos, para discriminar os efeitos que
estes podem gerar no seu organismo, podendo alterá-lo
drasticamente e até adoecê-lo. É importante ajudar o cliente a reestrutar regras
a respeito de suas práticas.
Orientações para a família
Hodes, Eisler e Dare (1991) descrevem algumas características comuns
encontradas em famílias de pacientes bulímicos. Segundo os autores, a família
costuma dar demasiada importância para a opinião dos outros, característica
que vem acompanhada de um alto nível de exigência. Os membros da família,
geralmente, apresentam dificuldade de comunicação e de expressão clara de
sentimentos, dificultando a solução de conflitos. Além disso, os pais (ou um
deles) costumam fazer muito pelo filho, buscando sempre estar no controle da
situação. Heller (2003) acrescenta que é comum que um dos pais esteja
envolvido em dietas, prática exacerbada de atividades físicas e/ou cirurgias
plásticas, ou seja, apresentam preocupação exagerada com peso e corpo.
Tendo em vista esse padrão descrito, as sessões de orientação com a família
visam possibilitar que os membros familiares, aliados ao cliente e ao terapeuta,
se tornem colaboradores e facilitadores das mudanças desejadas. Assim, o
objetivo das sessões é aumentar a capacidade de comunicação entre os
membros da família, melhorar as estratégias para solução de conflitos e fazê-
los estabelecer, juntos, novos limites entre si. Para isso, é fundamental discutir
as percepções e regras distorcidas, transmitir informações sobre o transtorno e
passar orientações sobre a importância da empatia, da valorização e da
aceitação (Hodes, Eisler e Dare, 1991)
Nem sempre a família é colaborativa. Algumas vezes, a família é resistente às
mudanças necessárias e, em alguns casos, chega até a se recusar a participar
do atendimento. Nessas situações, deve-se trabalhar com o cliente a aceitação
e diminuição da expectativa em relação à família, além de estimular
comportamentos mais independentes e autônomos (Duchesne e Appolinário,
2001).
Considerações Finais
O processo terapêutico tem como objetivo identificar os eventos antecedentes
e conseqüentes dos comportamentos em questão através da análise funcional,
seja em casos de bulimia ou em qualquer outro caso, para compreender as
dificuldades que o cliente apresenta.
É somente a partir disso que o terapeuta pode, baseado na análise de
antecedentes e mantenedores do comportamento, selecionar e utilizar
estratégias alternativas, tendo assim condições de trazer resultados benéficos
para o cliente.

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