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Métodos Qualitativos e Históricos


Aplicação de Análise Documental e Entrevista Narrativa e de História de Vida e Oral em
Estudos Organizacionais

Qualitative and Historical Methods


Application of Document Analysis and Narrative, and Life and Oral History Interview in
Organizational Studies

Rísia Kaliane Santana de Souza Ferraz


Mônica de Aguiar Mac-Allister da Silva
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano,
Universidade Federal da Bahia, UFBA
IFBAIANO
Salvador, Brasil
Uruçuca, Brasil
monica.macallister@ufba.br
Universidade Federal da Bahia, UFBA
Salvador, Brasil
risia.souza@urucuca.ifbaiano.edu.br

Resumo— Esse artigo tem como objetivo explorar um conjunto Keywords - component; qualitative methods; historical
de métodos qualitativos e históricos, e mais especificamente methods; organizational studies.
análise documental e entrevista narrativa e de história de vida e
oral, para o estudo do fenômeno organizacional. No cumprimento I. INTRODUÇÃO
desse objetivo, primeiro, são apresentados os conceitos e as Denzin e Lincoln [1, p. 3] definem a pesquisa qualitativa
técnicas de cada um desses métodos, e, segundo, é analisada a como “uma atividade situada que coloca o pesquisador no
aplicação do conjunto desses métodos nos estudos mundo, consistindo num campo de práticas materiais e
organizacionais, isto quanto à finalidade e à operacionalização. A
interpretativas que tornam o mundo visível”.
utilização de forma articulada e complementar de análise
documental, entrevista narrativa, entrevista de história de vida e, Segundo Godoi e Balsini [2], a pesquisa qualitativa
em correlato, entrevista de história oral permite ao pesquisador possibilita compreender o fenômeno social em sua
organizacional a valorização tanto da reconstrução discursiva de complexidade; isto com o menor afastamento possível do
algo que foi vivido pelo sujeito quanto à reconstituição de um cenário no qual esse fenômeno ocorre; ao que complementam:
passado que nem sempre se mantém na memória das pessoas.
[...] nesse cenário não se buscam regularidade, mas a
Palavras Chave – métodos qualitativos; métodos históricos; compreensão dos agentes, daquilo que os levou singularmente a
estudos organizacionais. agir como agiram. Essa empreitada só é possível se os sujeitos
forem ouvidos a partir da sua lógica e exposição de razões. [2, p.
Abstract— This article aims to explore a set of qualitative 91]
and historical methods, and more specifically document
analysis and narrative, and of life and oral history A pesquisa qualitativa permite assim o pesquisador buscar
interview, this to the study of organizational phenomenon. as razões dos sujeitos, seus motivos fortemente ancorados em
suas experiências de vida [2].
In fulfilling this objective, first, the concepts and
techniques for each of these methods are presented, and Mas ao afirmarem que a pesquisa qualitativa possibilita a
second, the application of these methods together in compreensão de processos ou fenômenos complexos, Godoi e
organizational studies is analyzed, this as the purpose and Balsini [2] advertem que a pesquisa qualitativa é uma espécie
operation. The use of coordinated and complementary de conceito “guarda-chuva” por abranger formas variadas de
manner of document analysis, narrative interview, life pesquisa.
history interview and correlative oral history interview in Dentre as diversas formas de pesquisa que se caracterizam
organizational studies allows the organizational researcher como qualitativas, aqui se destacam os métodos históricos e
the appreciation both discursive reconstruction of mais especificamente técnicas de pesquisa que possibilitam a
something that was experienced by the subject, and the compreensão histórica do fenômeno social. Trata-se de análise
reconstitution of a past that does not always hold in documental e entrevista narrativa, de história de vida e oral, o
people's memories. que se constitui um conjunto de métodos qualitativos e
históricos.

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O objetivo desse artigo é explorar esse conjunto de métodos A dimensão do contexto se refere à necessidade do autor
qualitativos e históricos para o estudo de um tipo específico de examinar o contexto social global no qual o documento foi
fenômeno social, qual seja: o fenômeno organizacional. produzido, bem como o contexto no qual o autor e aqueles a
quem o documento foi destinado estavam inseridos. Cellard [5]
A pesquisa qualitativa tem como característica manter o considera que a análise do contexto coloca o pesquisador em
foco nos processos de significado visando à compreensão de condições de compreender as particularidades da forma, da
indivíduos, grupos, organizações e trajetórias [3]. organização e evita a interpretação do documento em função de
A pertinência da pesquisa qualitativa no âmbito dos estudos valores modernos. A segunda dimensão constitui-se como item
organizacionais tem sido destacada por diversos autores, e sua avaliativo porque para o pesquisador interpretar um texto é
utilização tem se tornado crescente visando à compreensão dos importante ter noção da identidade do autor, bem como dos
processos organizacionais formais e informais, que são seus interesses e motivos que levaram a escrever tal
complexos por constituição [4]; [2]. documento.
Esse artigo está estruturado em quatro seções: essa A autenticidade e a confiabilidade do texto é uma dimensão
Introdução, com tema, objetivo e indicação de que permite ao pesquisador a assegurar-se da qualidade da
desenvolvimento; Métodos Qualitativos e Históricos, que trata informação obtida, além de verificar a procedência do
de análise documental e entrevista narrativa, de história de vida documento. A quarta dimensão, natureza do texto, é uma
e oral; Métodos Qualitativos e Históricos em Estudos dimensão da avaliação crítica, porque a depender da natureza
Organizacionais, que explora a aplicação desses métodos na do texto é que o documento adquire sentido para o leitor em
compreensão do fenômeno organizacional; e Conclusão. função do grau de iniciação no contexto.

II. MÉTODOS QUALITATIVOS E HISTÓRICOS B. Entrevista: narrativa e de história de vida e oral


Os métodos de coleta de dados da pesquisa qualitativa Nas pesquisas qualitativas, a utilização das entrevistas
permitem ao pesquisador coletar informações tanto através de mostra-se pertinente porque permite ao pesquisador apreender
documentos escritos quanto através da fala de atores sociais. e compreender tanto as condutas sociais quanto os dilemas e
Os documentos escritos oferecem ao pesquisador a questões enfrentadas pelos atores sociais a partir do acesso à
possibilidade de resgatar informações do passado registradas experiência desses atores através da fala dos mesmos [7].
em relatórios, entrevistas, memorandos, atas, contratos e Assim, considera-se a entrevista como um método de fazer o
documentos gerais que podem auxiliar na compreensão do outro falar, pois de acordo com Poupart [7, p. 227] a entrevista
fenômeno estudado [5]. Enquanto a fala permite o pesquisador “[...] sempre foi considerada como um meio adequado para
entender como as pessoas pensam e sentem acerca do tema levar uma pessoa a dizer o que pensa, a descrever o que viveu
pesquisado [6]. Assim, a análise documental e a entrevista são ou o que viu, ou aquilo de que foi testemunha”.
métodos qualitativos, que quando utilizados de forma Epistemologicamente falando, a entrevista pode ser
conjunta, por isso, considerada neste artigo como “conjunto” considerada como um método para apreender a experiência dos
de pressupostos, possibilita o pesquisador organizacional atores sociais e como um instrumento que permite explicar a
compreender historicamente o contexto organizacional conduta deles a partir da perspectiva deles próprios. Enquanto
estudado de forma mais aprofundada. metodologicamente, a entrevista pode ser considerada tanto
A. Análise Documental como uma ferramenta de informação sobre as entidades sociais
quanto como um instrumento privilegiado de exploração do
A análise documental é utilizada para oportunizar a coleta vivido dos atores sociais [7].
de informações através de documentos escritos e para
possibilitar a reconstituição de um passado que nem sempre se A entrevista oportuniza a coleta de informações através da
mantém na memória das pessoas. De acordo com Cellard [5, p. fala dos atores sociais e possibilita o pesquisador entender o
295] “a memória pode também alterar lembranças, esquecer que e como os atores pensam e sentem acerca do tema
fatos importantes, ou deformar acontecimentos”. Esse método pesquisado. De acordo com Minayo [6], a entrevista é o
apresenta-se como vantajoso porque elimina em partes a método mais utilizado no trabalho qualitativo de campo, pois
dimensão da influência do pesquisador sobre o sujeito no ela oportuniza a coleta de informações através da fala dos
registro dos acontecimentos pesquisados. Porém, é necessário atores. A fala apresenta-se como indispensável na entrevista
que o pesquisador lembre-se que o documento constitui-se um por ser:
instrumento que o pesquisador não domina e não permite ao reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores,
mesmo exigir precisões suplementares. Logo, é importante que normas e símbolos e ao mesmo tempo tem a magia de transmitir,
o pesquisador aceite os documentos da forma que eles se através de um porta-voz, as representações de grupos
encontram – completos ou incompletos, parciais ou imprecisos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e
-, sem tentar transformá-lo. culturais específicas. [6, p. 109-110].
Cellard [5] apresenta cinco dimensões de avaliação crítica A entrevista pode ser considerada uma vantagem na
de todo e qualquer documento, a saber: o contexto, o (s) autor pesquisa qualitativa por possibilitar o estabelecimento de uma
(es), a autenticidade e a confiabilidade do texto, a natureza do relação interativa e de confiança entre pesquisador e
texto, e os conceitos-chaves e a lógica interna do texto. pesquisado que favorece uma coleta de dados eficaz [3]; [6].
Em relação à interatividade, Godoi e Mattos [8] afirmam que a

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entrevista apresenta-se vantajosa por ser um evento dialógico, pesquisadores qualitativos organizacionais podem optar pela
como um encontro interacional, cuja dinâmica que nela se realização de entrevistas temáticas em profundidade.
opera é também determinante da natureza e qualidade do
conhecimento criado. Quanto à entrevista narrativa, pode-se dizer que ela é uma
técnica de coleta da pesquisa qualitativa que se manifesta como
Essa relação interativa e de confiança entre pesquisador e uma forma de entrevista não estruturada e de profundidade que
pesquisado pode ser iniciada a partir da utilização de princípios tem em vista a reconstrução discursiva de algo anteriormente
e estratégias que Poupart [7] considera como subjacentes à arte vivido pelo sujeito. Ela tem em vista “uma situação que
de fazer falar o outro. O primeiro princípio refere-se à encoraje e estimule um entrevistado (que na entrevista
importância de obter a colaboração do entrevistado. Ou seja, narrativa é chamado um ‘informante’) a contar a história sobre
fazer com que ele aceite ser indagado e, vencer as múltiplas algum acontecimento importante de sua vida e do contexto
resistências que ele pode vim a manifestar. Assim, é preciso social” [9, p. 93].
que o pesquisador utilize estratégias e negociações antes e
durante a entrevista a fim de criar laços com o entrevistado A entrevista narrativa tem como foco a reconstrução de
através de atitudes como escuta e empatia. acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes,
tão diretamente quanto possível. Ela estimula e foca no “contar
O segundo princípio refere-se à necessidade de colocar o histórias” pelos sujeitos pesquisados, em que as narrativas
entrevistado à vontade por elementos de encenação a fim de emergem como um esquema autogerador ao estilo quase
que ele se expresse bem e com facilidade ao abordar as literário, porém real, do tipo “era uma vez” [9, p. 94].
questões que lhe são significativas. Dentre as estratégias
utilizadas para alcançar o objetivo desse princípio, Poupart [7] De acordo com Jovchelovitch e Bauer [9], a entrevista
considera as seguintes: (i) a escolha do momento mais propício narrativa possui quatro fases principais, a saber: (i) a iniciação,
à entrevista, no qual ambos sintam-se verdadeiramente (ii) a narração central, (iii) a fase de perguntas e, (iv) fala
disponíveis; (ii) o lugar mais favorável ao adequado conclusiva. Os autores afirmam que preparar uma entrevista
desenvolvimento da entrevista; (iii) as técnicas de registro da narrativa demanda tempo, pois o pesquisador precisa criar
entrevista, onde o pesquisador se esforçará em reduzir o efeito familiaridade com o campo de estudo. Na fase de iniciação, o
possivelmente negativo dos instrumentos de registro; (iv) o pesquisador deve explicar em termos amplos ao informante o
vestuário, utilizando indumentária adequada às circunstâncias contexto da investigação, apresentando assim o interesse do
da entrevista. pesquisador. Uma estratégia que pode ser utilizada é a linha do
tempo, onde o informante é orientado a narrar o começo e o
Ganhar a confiança do entrevistado é o terceiro princípio fim do acontecimento em questão. Na fase da narração central,
apresentado pelo autor. De acordo com Poupart [7], convencer por sua vez, o informante não deve ser interrompido até que o
uma pessoa a participar da pesquisa e criar um contexto que lhe mesmo dê sinais de que a história acabou. Cabe ao pesquisador
permita estar à vontade na situação da entrevista não é se restringir à escuta ativa e no momento que o informante
suficiente. Faz-se necessário ainda, ganhar a confiança do encerrar a história investigar se o mesmo não gostaria de contar
entrevistado. Ou seja, é preciso que o mesmo se sinta confiante mais alguma coisa.
o bastante para realmente aceitar falar.
Em relação à entrevista da história de vida, pode-se afirmar
O último princípio refere-se à importância do pesquisador que é uma técnica que investe na possibilidade do entrevistado
levar o entrevistado a tomar a iniciativa do relato e a se que no momento é o narrador tomar a si mesmo como o
envolver na entrevista. Ou seja, é interessante que o principal personagem [10], em um enredo e contexto que são
pesquisador tente levar o entrevistado a tomar a iniciativa do sempre sociais por expressarem a relação homem-mundo. A
relato a fim de que o discurso seja espontâneo. Outro ponto este respeito, Queiroz [10, p. 36] destaca que a história de vida
relevante é que o pesquisador deve evitar interromper o é uma técnica que “capta o que sucede na encruzilhada da vida
entrevistado enquanto ele fala, bem como respeitar os individual com o social.” Desta forma, na entrevista da história
momentos de silêncio e utilizar técnicas de reformulação com o de vida, o pesquisador não deve procurará ouvir os
objetivo de explicar ou esclarecer os temas abordados [7]. entrevistados como indivíduos isolados em si mesmos, ou
reclusos ao ambiente em questão, mas concebendo esses
Dentre os tipos de entrevista qualitativas existentes e entrevistados como inseridos no contexto.
possíveis, Godoi e Mattos [8] apresentam a entrevista em
profundidade e a focalizada como relevantes. A primeira, eles De acordo com Mageste e Lopes [11], a história de vida se
definem como aquela em que “o objeto investigado é apresenta como relevante na pesquisa qualitativa porque se
constituído pela vida, experiências, idéias, valores e estrutura preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada.
simbólica do entrevistado” [8, p. 303]. Enquanto a segunda Nesse sentido, Becker [12] afirma que a história de vida não é
como aquela em que um tema ou foco de interesse prévio do um dado para a ciência convencional, pois enfatiza a história da
pesquisador orienta tanto a seleção dos entrevistados como a pessoa, conferindo importância às interpretações que as
realização da entrevista. Contudo, os autores advertem que o pessoas fazem de sua própria experiência como explicação para
pesquisador qualitativo organizacional não precisam se deparar os seus comportamentos. Craide [13], por sua vez, afirma que a
com o impasse da tematização versus profundidade, pois no adoção da história de vida nas pesquisas qualitativas é
campo dos estudos organizacionais, especificamente, relevante, por ser uma estratégia que pressupõe forte interação
tematização e profundidade precisam estar juntas. Assim, os entre o pesquisador e o entrevistado, visto que as informações

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coletadas são oriundas do discurso pessoal acerca da vida presente na memória das pessoas que fizeram ou fazem parte
inteira ou parte significativa da vida do informante. da organização estudada. Logo, na fase de campo, o
pesquisador busca coletar informações em documentos oficiais,
Considerando essa forte interação entre pesquisador e tais como: contratos, atas, relatórios, entrevistas concedidas a
entrevistado, Craide [13] diz que cabe ao pesquisador tentar veículos de comunicação, memorandos e artigos desde o
manter o entrevistado o mais à vontade possível para relatar período da criação da organização até os dias atuais.
acerca de sua história e o mais confortável para que possa
imergir na conversa detalhando o maior número possível de Do ponto de vista operacional, todo o material coletado
passagens de sua vida. Contudo, a autora adverte para a para a análise documental deve ser organizado de tal maneira
necessidade do pesquisador manter o respeito pela opinião do que os documentos se tornem de fácil manuseio e façam
entrevistado e ter cuidado para não desvirtuar a história contada sentido para a pesquisa. Logo, as técnicas de fichamentos,
da historia final escrita no trabalho. levantamento quantitivo e qualitativo de termos e assuntos
recorrentes, criação de palavras-chaves e grandes temas
A entrevista de história oral, por sua vez, é uma técnica que tornam-se essenciais para análise de conteúdo. Assim, a análise
permite o resgate histórico de vozes esquecidas pela história documental possibilita o mapeamento da trajetória histórica da
oficial através da narrativa ou história oral dos atores sociais organização estudada, bem como instrumentaliza a análise dos
dando a oportunidade de melhor compreensão do fenômeno conteúdos fundamentais dos documentos.
através da escuta de reivindicações, angústias, sugestões,
críticas e pontos de vistas de um segmento que nem sempre A entrevista, por sua vez, possibilita o entendimento de
tem voz ativa e/ou participativa dentro do ambiente pesquisado. como as pessoas pensam e sentem-se acerca do fenômeno
Ichikawa e Santos [14], consideram essa técnica como uma estudado, e como elas percebem e vivenciam o mesmo. Para a
ferramenta complementar a documentação escrita e oficial. concepção e realização das entrevistas podem ser utilizadas as
Freitas [15], por sua vez, argumenta que essa técnica permite técnicas da entrevista narrativa, da história de vida e história
tanto a integração com outras fontes, quanto à confrontação de oral, sendo que estas duas últimas utilizadas como correlatas.
fontes escritas e orais e sua utilização multidisciplinar. Os instrumentos de campo devem ser elaborados considerando-
se que essas técnicas possuem como aspecto comum a
Em relação à operacionalização da entrevista de história valorização da relação entre o sujeito e sua história como lócus
oral é importante ressaltar alguns pontos essenciais para os propício à construção de conhecimento sobre a realidade social
períodos de pré, durante e pós-entrevista que na opinião de em sua complexidade e dinamicidade.
Ichikawa e Santos [14] são indispensáveis a qualquer
entrevista. No período pré-entrevista, cabe ao pesquisador se Essas entrevistas devem ter como objetivo evocar
apresentar, expor as informações sobre o seu projeto de narrativas ancoradas nas histórias de vida profissional dos
pesquisa e situar a colaboração do entrevistado, agendar local, sujeitos, especialmente em seus contextos espaço-temporal
data e horário para a ação e consultá-lo sobre a concordância de entendendo que narrativas existencialmente circunstanciadas
que seu depoimento seja gravado. Para a entrevista, cabe ao constituem um terreno fértil para socialização dos fenômenos
pesquisador esclarecer ao informante para que e para quem ele estudados.
está registrando suas memórias, assegurar ao entrevistado o
direito de não falar sobre o que não lhe for conveniente, além Quanto ao operacional, as entrevistas devem ser baseadas
de se sentir à vontade para pedir o desligamento do gravador em roteiros concebidos na perspectiva de liberdade do
quando considerar oportuno ou necessário. Outro ponto de entrevistado frente aos estímulos do entrevistador. Assim,
responsabilidade do pesquisador diz respeito ao fator tempo de devem ser elaborados roteiros previamente pensados e
duração por conta da delimitação do foco da entrevista. As formulados que possibilitam o entrevistador durante a
autoras lembram aos pesquisadores o seu papel de facilitar o entrevista ter flexibilidade para ordenar e reordenar as
processo de resgate das marcas deixadas na memória. Além de perguntas, bem como elaborar novas perguntas, cuja
aconselhar a conviver com o silêncio e saber ouvir o pertinência teórico-empírica se desvela no encontro
informante. conversacional que se desenrola.
No caso especifico de pesquisas qualitativas em estudos
III. MÉTODOS QUALITATIVOS E HISTÓRICOS EM ESTUDOS organizacionais, Ichikawa e Santos [14], argumentam que a
ORGANIZACIONAIS entrevista de história oral é vantajosa por que permite que os
A utilização da análise documental e da entrevista narrativa, informantes narrem aspectos de suas experiências, visões,
e de história de vida e oral nos estudos organizacionais interpretações, memórias, opiniões, pensamentos,
possibilita o entendimento da trajetória histórica da comportamentos e práticas que muito tem a revelar sobre o
organização a partir da junção de registros oficiais somados a contexto organizacional no qual ele fez ou faz parte. As autoras
narrativa de pessoas que fizeram ou ainda fazem parte da consideram que a história oral permite, de certo modo,
organização estudada. construir o conhecimento e reconstituir a identidade e a história
recente das organizações, visto que grande parte da vida das
A análise documental pode contribuir para o pessoas acontece dentro das organizações e os relatos pessoais,
desenvolvimento teórico das pesquisas no campo dos estudos permite, de certa maneira, observar como funcionam
organizacionais ao permitir o resgate de informações, concretamente os sistemas normativos das organizações.
principalemente de fonte primária, que ficaram registradas em
documentos oficiais, mas que podem não mais se manter

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IV. CONCLUSÃO [4] J-P Deslauriers, M. Kérisit, “O delineamento da pesquisa qualitativa”.


In: Poupart et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e
Nesse artigo foi explorado um conjunto de métodos metodológicos. Rio de Janeiro: Vozes, p. 127-153, 2008.
qualitativos e históricos, e mais especificamente análise [5] A. Cellard, “A análise documental”. In: POUPART et al. A pesquisa
documental e entrevista narrativa e de história de vida e oral, qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Rio de Janeiro:
para o estudo do fenômeno organizacional. Vozes, p. 295-316, 2008.
[6] M. C. de S. Mynayo, O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa
No cumprimento desse objetivo, primeiro, foram em saúde. São Paulo: Hucitec, 8° ed., 2004.
apresentados os conceitos e as técnicas de cada um desses [7] J. Poupart, “A entrevista de tipo qualitativo: considerações
métodos, e, segundo, foi analisada a aplicação do conjunto epistemológicas, teóricas e metodológicas”. In: Poupart et al. A
desses métodos nos estudos organizacionais, isto quanto à pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Rio de
finalidade e à operacionalização. Janeiro: Vozes, pp. 215-253, 2008.
[8] C. K. Godoi, P. L. C. L. Mattos, “Entrevista qualitativa: instrumento de
A utilização de forma articulada e complementar de análise pesquisa e evento dialógico”. In: GODOI, C. K.; Bandeira-De-Melo, R.;
documental, entrevista narrativa, entrevista de história de vida Silva, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais:
paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, pp. 301-323,
e, em correlato, entrevista de história oral permite ao 2010.
pesquisador organizacional a valorização tanto da reconstrução
[9] S. Jovchelovitch, M. W. Bauer, “Entrevista Narrativa”. In: BAUER, M.
discursiva de algo que foi vivido pelo sujeito quanto à W.; Gaskell, G. A pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
reconstituição de um passado que nem sempre se mantém na manual prático. Rio de Janeiro: Vozes, pp. 90-113, 2002.
memória das pessoas. [10] M. I. P. Queiroz, “Relatos Orais: do ‘indizível’ ao ‘dizível’”. In: Von
Simson, O.M. Experimentos com histórias de vida. São Paulo: Vértice,
Em adendo, observa-se que o conjunto dos referidos 1988.
métodos qualitativos e históricos podem contribuir para a [11] G. de S. Mageste, F. T. Lopes, “O uso da história de vida nos estudos
compreensão processual e em sua complexidade de uma série organizacionais”. I Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e
de aspectos organizacionais frequentemente abordados de Contabilidade. Recife Anais EnPQ, 2007.
forma estática e simplificada. [12] H. S. Becker, Metódos de pesquisa em ciências sociais. 4. Ed. São
Paulo: Editora Hucitec, 1999.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [13] A. Craide, “A adoção da história de vida em pesquisas sobre a
[1] N. K. Denzin, Y. S. Lincoln, “Introduction: the Discipline and Practice interculturalidade: uma nova possibilidade de aplicação no campo da
of Qualitative Research”. In: Denzin, N.K.; Lincoln, Y.S. (org.) Administração”. III Encontro de Ensino e Pesquisa em Administração e
Handbook of Qualitative Research. 2 ed. London: Sage Publications, Contabilidade. João Pessoa Anais EnEPQ, 2011.
Inc. 2000, pp. 1-28. [14] E. Y. Ichikawa, L. W. Santos, “Contribuições da história oral à pesquisa
[2] C. K. Godoi, C. P. V. Balsini, “A pesquisa qualitativa nos estudos organizacional”. In: GODOI, C. K; Bandeira-De-Melo, R.; Silva, A.B.
organizacionais brasileiros: uma análise bibliométrica”. In: GODOI, C. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias
K.; Bandeira-De-Melo, R.; Silva, A. B. Pesquisa qualitativa em estudos e métodos. São Paulo: Saraiva, pp. 181-205, 2010.
organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, [15] S. Freitas, História oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
pp. 89-112, 2010. Humanitas, I.O.E., 2002.
[3] M. Goldenberg, A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em
ciências sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997.

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