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Resumo— Esse artigo tem como objetivo explorar um conjunto Keywords - component; qualitative methods; historical
de métodos qualitativos e históricos, e mais especificamente methods; organizational studies.
análise documental e entrevista narrativa e de história de vida e
oral, para o estudo do fenômeno organizacional. No cumprimento I. INTRODUÇÃO
desse objetivo, primeiro, são apresentados os conceitos e as Denzin e Lincoln [1, p. 3] definem a pesquisa qualitativa
técnicas de cada um desses métodos, e, segundo, é analisada a como “uma atividade situada que coloca o pesquisador no
aplicação do conjunto desses métodos nos estudos mundo, consistindo num campo de práticas materiais e
organizacionais, isto quanto à finalidade e à operacionalização. A
interpretativas que tornam o mundo visível”.
utilização de forma articulada e complementar de análise
documental, entrevista narrativa, entrevista de história de vida e, Segundo Godoi e Balsini [2], a pesquisa qualitativa
em correlato, entrevista de história oral permite ao pesquisador possibilita compreender o fenômeno social em sua
organizacional a valorização tanto da reconstrução discursiva de complexidade; isto com o menor afastamento possível do
algo que foi vivido pelo sujeito quanto à reconstituição de um cenário no qual esse fenômeno ocorre; ao que complementam:
passado que nem sempre se mantém na memória das pessoas.
[...] nesse cenário não se buscam regularidade, mas a
Palavras Chave – métodos qualitativos; métodos históricos; compreensão dos agentes, daquilo que os levou singularmente a
estudos organizacionais. agir como agiram. Essa empreitada só é possível se os sujeitos
forem ouvidos a partir da sua lógica e exposição de razões. [2, p.
Abstract— This article aims to explore a set of qualitative 91]
and historical methods, and more specifically document
analysis and narrative, and of life and oral history A pesquisa qualitativa permite assim o pesquisador buscar
interview, this to the study of organizational phenomenon. as razões dos sujeitos, seus motivos fortemente ancorados em
suas experiências de vida [2].
In fulfilling this objective, first, the concepts and
techniques for each of these methods are presented, and Mas ao afirmarem que a pesquisa qualitativa possibilita a
second, the application of these methods together in compreensão de processos ou fenômenos complexos, Godoi e
organizational studies is analyzed, this as the purpose and Balsini [2] advertem que a pesquisa qualitativa é uma espécie
operation. The use of coordinated and complementary de conceito “guarda-chuva” por abranger formas variadas de
manner of document analysis, narrative interview, life pesquisa.
history interview and correlative oral history interview in Dentre as diversas formas de pesquisa que se caracterizam
organizational studies allows the organizational researcher como qualitativas, aqui se destacam os métodos históricos e
the appreciation both discursive reconstruction of mais especificamente técnicas de pesquisa que possibilitam a
something that was experienced by the subject, and the compreensão histórica do fenômeno social. Trata-se de análise
reconstitution of a past that does not always hold in documental e entrevista narrativa, de história de vida e oral, o
people's memories. que se constitui um conjunto de métodos qualitativos e
históricos.
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O objetivo desse artigo é explorar esse conjunto de métodos A dimensão do contexto se refere à necessidade do autor
qualitativos e históricos para o estudo de um tipo específico de examinar o contexto social global no qual o documento foi
fenômeno social, qual seja: o fenômeno organizacional. produzido, bem como o contexto no qual o autor e aqueles a
quem o documento foi destinado estavam inseridos. Cellard [5]
A pesquisa qualitativa tem como característica manter o considera que a análise do contexto coloca o pesquisador em
foco nos processos de significado visando à compreensão de condições de compreender as particularidades da forma, da
indivíduos, grupos, organizações e trajetórias [3]. organização e evita a interpretação do documento em função de
A pertinência da pesquisa qualitativa no âmbito dos estudos valores modernos. A segunda dimensão constitui-se como item
organizacionais tem sido destacada por diversos autores, e sua avaliativo porque para o pesquisador interpretar um texto é
utilização tem se tornado crescente visando à compreensão dos importante ter noção da identidade do autor, bem como dos
processos organizacionais formais e informais, que são seus interesses e motivos que levaram a escrever tal
complexos por constituição [4]; [2]. documento.
Esse artigo está estruturado em quatro seções: essa A autenticidade e a confiabilidade do texto é uma dimensão
Introdução, com tema, objetivo e indicação de que permite ao pesquisador a assegurar-se da qualidade da
desenvolvimento; Métodos Qualitativos e Históricos, que trata informação obtida, além de verificar a procedência do
de análise documental e entrevista narrativa, de história de vida documento. A quarta dimensão, natureza do texto, é uma
e oral; Métodos Qualitativos e Históricos em Estudos dimensão da avaliação crítica, porque a depender da natureza
Organizacionais, que explora a aplicação desses métodos na do texto é que o documento adquire sentido para o leitor em
compreensão do fenômeno organizacional; e Conclusão. função do grau de iniciação no contexto.
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entrevista apresenta-se vantajosa por ser um evento dialógico, pesquisadores qualitativos organizacionais podem optar pela
como um encontro interacional, cuja dinâmica que nela se realização de entrevistas temáticas em profundidade.
opera é também determinante da natureza e qualidade do
conhecimento criado. Quanto à entrevista narrativa, pode-se dizer que ela é uma
técnica de coleta da pesquisa qualitativa que se manifesta como
Essa relação interativa e de confiança entre pesquisador e uma forma de entrevista não estruturada e de profundidade que
pesquisado pode ser iniciada a partir da utilização de princípios tem em vista a reconstrução discursiva de algo anteriormente
e estratégias que Poupart [7] considera como subjacentes à arte vivido pelo sujeito. Ela tem em vista “uma situação que
de fazer falar o outro. O primeiro princípio refere-se à encoraje e estimule um entrevistado (que na entrevista
importância de obter a colaboração do entrevistado. Ou seja, narrativa é chamado um ‘informante’) a contar a história sobre
fazer com que ele aceite ser indagado e, vencer as múltiplas algum acontecimento importante de sua vida e do contexto
resistências que ele pode vim a manifestar. Assim, é preciso social” [9, p. 93].
que o pesquisador utilize estratégias e negociações antes e
durante a entrevista a fim de criar laços com o entrevistado A entrevista narrativa tem como foco a reconstrução de
através de atitudes como escuta e empatia. acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes,
tão diretamente quanto possível. Ela estimula e foca no “contar
O segundo princípio refere-se à necessidade de colocar o histórias” pelos sujeitos pesquisados, em que as narrativas
entrevistado à vontade por elementos de encenação a fim de emergem como um esquema autogerador ao estilo quase
que ele se expresse bem e com facilidade ao abordar as literário, porém real, do tipo “era uma vez” [9, p. 94].
questões que lhe são significativas. Dentre as estratégias
utilizadas para alcançar o objetivo desse princípio, Poupart [7] De acordo com Jovchelovitch e Bauer [9], a entrevista
considera as seguintes: (i) a escolha do momento mais propício narrativa possui quatro fases principais, a saber: (i) a iniciação,
à entrevista, no qual ambos sintam-se verdadeiramente (ii) a narração central, (iii) a fase de perguntas e, (iv) fala
disponíveis; (ii) o lugar mais favorável ao adequado conclusiva. Os autores afirmam que preparar uma entrevista
desenvolvimento da entrevista; (iii) as técnicas de registro da narrativa demanda tempo, pois o pesquisador precisa criar
entrevista, onde o pesquisador se esforçará em reduzir o efeito familiaridade com o campo de estudo. Na fase de iniciação, o
possivelmente negativo dos instrumentos de registro; (iv) o pesquisador deve explicar em termos amplos ao informante o
vestuário, utilizando indumentária adequada às circunstâncias contexto da investigação, apresentando assim o interesse do
da entrevista. pesquisador. Uma estratégia que pode ser utilizada é a linha do
tempo, onde o informante é orientado a narrar o começo e o
Ganhar a confiança do entrevistado é o terceiro princípio fim do acontecimento em questão. Na fase da narração central,
apresentado pelo autor. De acordo com Poupart [7], convencer por sua vez, o informante não deve ser interrompido até que o
uma pessoa a participar da pesquisa e criar um contexto que lhe mesmo dê sinais de que a história acabou. Cabe ao pesquisador
permita estar à vontade na situação da entrevista não é se restringir à escuta ativa e no momento que o informante
suficiente. Faz-se necessário ainda, ganhar a confiança do encerrar a história investigar se o mesmo não gostaria de contar
entrevistado. Ou seja, é preciso que o mesmo se sinta confiante mais alguma coisa.
o bastante para realmente aceitar falar.
Em relação à entrevista da história de vida, pode-se afirmar
O último princípio refere-se à importância do pesquisador que é uma técnica que investe na possibilidade do entrevistado
levar o entrevistado a tomar a iniciativa do relato e a se que no momento é o narrador tomar a si mesmo como o
envolver na entrevista. Ou seja, é interessante que o principal personagem [10], em um enredo e contexto que são
pesquisador tente levar o entrevistado a tomar a iniciativa do sempre sociais por expressarem a relação homem-mundo. A
relato a fim de que o discurso seja espontâneo. Outro ponto este respeito, Queiroz [10, p. 36] destaca que a história de vida
relevante é que o pesquisador deve evitar interromper o é uma técnica que “capta o que sucede na encruzilhada da vida
entrevistado enquanto ele fala, bem como respeitar os individual com o social.” Desta forma, na entrevista da história
momentos de silêncio e utilizar técnicas de reformulação com o de vida, o pesquisador não deve procurará ouvir os
objetivo de explicar ou esclarecer os temas abordados [7]. entrevistados como indivíduos isolados em si mesmos, ou
reclusos ao ambiente em questão, mas concebendo esses
Dentre os tipos de entrevista qualitativas existentes e entrevistados como inseridos no contexto.
possíveis, Godoi e Mattos [8] apresentam a entrevista em
profundidade e a focalizada como relevantes. A primeira, eles De acordo com Mageste e Lopes [11], a história de vida se
definem como aquela em que “o objeto investigado é apresenta como relevante na pesquisa qualitativa porque se
constituído pela vida, experiências, idéias, valores e estrutura preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada.
simbólica do entrevistado” [8, p. 303]. Enquanto a segunda Nesse sentido, Becker [12] afirma que a história de vida não é
como aquela em que um tema ou foco de interesse prévio do um dado para a ciência convencional, pois enfatiza a história da
pesquisador orienta tanto a seleção dos entrevistados como a pessoa, conferindo importância às interpretações que as
realização da entrevista. Contudo, os autores advertem que o pessoas fazem de sua própria experiência como explicação para
pesquisador qualitativo organizacional não precisam se deparar os seus comportamentos. Craide [13], por sua vez, afirma que a
com o impasse da tematização versus profundidade, pois no adoção da história de vida nas pesquisas qualitativas é
campo dos estudos organizacionais, especificamente, relevante, por ser uma estratégia que pressupõe forte interação
tematização e profundidade precisam estar juntas. Assim, os entre o pesquisador e o entrevistado, visto que as informações
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coletadas são oriundas do discurso pessoal acerca da vida presente na memória das pessoas que fizeram ou fazem parte
inteira ou parte significativa da vida do informante. da organização estudada. Logo, na fase de campo, o
pesquisador busca coletar informações em documentos oficiais,
Considerando essa forte interação entre pesquisador e tais como: contratos, atas, relatórios, entrevistas concedidas a
entrevistado, Craide [13] diz que cabe ao pesquisador tentar veículos de comunicação, memorandos e artigos desde o
manter o entrevistado o mais à vontade possível para relatar período da criação da organização até os dias atuais.
acerca de sua história e o mais confortável para que possa
imergir na conversa detalhando o maior número possível de Do ponto de vista operacional, todo o material coletado
passagens de sua vida. Contudo, a autora adverte para a para a análise documental deve ser organizado de tal maneira
necessidade do pesquisador manter o respeito pela opinião do que os documentos se tornem de fácil manuseio e façam
entrevistado e ter cuidado para não desvirtuar a história contada sentido para a pesquisa. Logo, as técnicas de fichamentos,
da historia final escrita no trabalho. levantamento quantitivo e qualitativo de termos e assuntos
recorrentes, criação de palavras-chaves e grandes temas
A entrevista de história oral, por sua vez, é uma técnica que tornam-se essenciais para análise de conteúdo. Assim, a análise
permite o resgate histórico de vozes esquecidas pela história documental possibilita o mapeamento da trajetória histórica da
oficial através da narrativa ou história oral dos atores sociais organização estudada, bem como instrumentaliza a análise dos
dando a oportunidade de melhor compreensão do fenômeno conteúdos fundamentais dos documentos.
através da escuta de reivindicações, angústias, sugestões,
críticas e pontos de vistas de um segmento que nem sempre A entrevista, por sua vez, possibilita o entendimento de
tem voz ativa e/ou participativa dentro do ambiente pesquisado. como as pessoas pensam e sentem-se acerca do fenômeno
Ichikawa e Santos [14], consideram essa técnica como uma estudado, e como elas percebem e vivenciam o mesmo. Para a
ferramenta complementar a documentação escrita e oficial. concepção e realização das entrevistas podem ser utilizadas as
Freitas [15], por sua vez, argumenta que essa técnica permite técnicas da entrevista narrativa, da história de vida e história
tanto a integração com outras fontes, quanto à confrontação de oral, sendo que estas duas últimas utilizadas como correlatas.
fontes escritas e orais e sua utilização multidisciplinar. Os instrumentos de campo devem ser elaborados considerando-
se que essas técnicas possuem como aspecto comum a
Em relação à operacionalização da entrevista de história valorização da relação entre o sujeito e sua história como lócus
oral é importante ressaltar alguns pontos essenciais para os propício à construção de conhecimento sobre a realidade social
períodos de pré, durante e pós-entrevista que na opinião de em sua complexidade e dinamicidade.
Ichikawa e Santos [14] são indispensáveis a qualquer
entrevista. No período pré-entrevista, cabe ao pesquisador se Essas entrevistas devem ter como objetivo evocar
apresentar, expor as informações sobre o seu projeto de narrativas ancoradas nas histórias de vida profissional dos
pesquisa e situar a colaboração do entrevistado, agendar local, sujeitos, especialmente em seus contextos espaço-temporal
data e horário para a ação e consultá-lo sobre a concordância de entendendo que narrativas existencialmente circunstanciadas
que seu depoimento seja gravado. Para a entrevista, cabe ao constituem um terreno fértil para socialização dos fenômenos
pesquisador esclarecer ao informante para que e para quem ele estudados.
está registrando suas memórias, assegurar ao entrevistado o
direito de não falar sobre o que não lhe for conveniente, além Quanto ao operacional, as entrevistas devem ser baseadas
de se sentir à vontade para pedir o desligamento do gravador em roteiros concebidos na perspectiva de liberdade do
quando considerar oportuno ou necessário. Outro ponto de entrevistado frente aos estímulos do entrevistador. Assim,
responsabilidade do pesquisador diz respeito ao fator tempo de devem ser elaborados roteiros previamente pensados e
duração por conta da delimitação do foco da entrevista. As formulados que possibilitam o entrevistador durante a
autoras lembram aos pesquisadores o seu papel de facilitar o entrevista ter flexibilidade para ordenar e reordenar as
processo de resgate das marcas deixadas na memória. Além de perguntas, bem como elaborar novas perguntas, cuja
aconselhar a conviver com o silêncio e saber ouvir o pertinência teórico-empírica se desvela no encontro
informante. conversacional que se desenrola.
No caso especifico de pesquisas qualitativas em estudos
III. MÉTODOS QUALITATIVOS E HISTÓRICOS EM ESTUDOS organizacionais, Ichikawa e Santos [14], argumentam que a
ORGANIZACIONAIS entrevista de história oral é vantajosa por que permite que os
A utilização da análise documental e da entrevista narrativa, informantes narrem aspectos de suas experiências, visões,
e de história de vida e oral nos estudos organizacionais interpretações, memórias, opiniões, pensamentos,
possibilita o entendimento da trajetória histórica da comportamentos e práticas que muito tem a revelar sobre o
organização a partir da junção de registros oficiais somados a contexto organizacional no qual ele fez ou faz parte. As autoras
narrativa de pessoas que fizeram ou ainda fazem parte da consideram que a história oral permite, de certo modo,
organização estudada. construir o conhecimento e reconstituir a identidade e a história
recente das organizações, visto que grande parte da vida das
A análise documental pode contribuir para o pessoas acontece dentro das organizações e os relatos pessoais,
desenvolvimento teórico das pesquisas no campo dos estudos permite, de certa maneira, observar como funcionam
organizacionais ao permitir o resgate de informações, concretamente os sistemas normativos das organizações.
principalemente de fonte primária, que ficaram registradas em
documentos oficiais, mas que podem não mais se manter
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