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Escolas | João de Araújo Correia

Prova Escrita de Português


12.º Ano – Turma F ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- maio/2021
Versão B

I
Educação Literária
Leia, com atenção, os textos a seguir transcritos e responda, de forma bem
estruturada e completa, às questões que se seguem.
A
Estava Baltasar há pouco tempo nesta sua nova vida, quando houve notícia de que era preciso ir a
Pêro Pinheiro buscar uma pedra muito grande que lá estava, destinada à varanda que ficará sobre o pórtico da
igreja tão excessiva a tal pedra que foram calculadas em duzentas as juntas de bois necessárias para trazê-la, e
muitos os homens que tinham de ir também para as ajudas. Em Pêro Pinheiro se construíra o carro que haveria
5 de carregar o calhau, espécie de nau da Índia com rodas, isto dizia quem já o tinha visto em acabamentos e
igualmente pusera os olhos, alguma vez na nau da comparação. Exagero será, decerto, melhor é julgarmos
pelos nossos próprios olhos, com todos estes homens que se estão levantando noite ainda e vão partir para Pêro
Pinheiro, eles e os quatrocentos bois, e mais de vinte carros que levam os petrechos para a condução, convém a
saber, cordas e calabres, cunhas, alavancas, rodas sobressalentes feitas pela medida das outras, eixos para o
1 caso de se partirem alguns dos primitivos, escoras de vário tamanho, martelos, torqueses, chapas de ferro,
0
gadanhas para quando for preciso cortar o feno dos animais, e vão também os mantimentos que os homens hão
de comer, fora o que puder ser comprado nos lugares, um tão numeroso mundo de coisas carregando os carros,
que quem julgou fazer a cavalo a viagem para baixo, vai ter de fazê-la por seu pé, nem é muito, três léguas para
lá, três para cá, é certo que os caminhos não são bons, mas tantas vezes já fizeram os bois e os homens esta
jornada com outros carregos, que só de pôr no chão a pata e a sola logo veem que estão em terra conhecida,
1 ainda que custosa de subir e perigosa de descer. Daqueles homens que conhecemos no outro dia, vão na
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viagem José Pequeno e Baltasar, conduzindo cada qual sua junta, e, entre o pessoal peão, só para as forças
chamado, vai o de Cheleiros, aquele que lá tem a mulher e os filhos, Francisco Marques é o nome dele, e
também vai o Manuel Milho, o das ideias que lhe vêm e não sabe donde. Vão outros Josés, e Franciscos, e
Manuéis, serão menos os Baltasares, e haverá Joões, Álvaros, Antónios e Joaquins, talvez Bartolomeus, mas
2
nenhum o tal, e Pedros, e Vicentes, e Bentos, Bernardos e Caetanos, tudo quanto é nome de homem vai aqui,
0 tudo quanto é vida também, sobretudo se atribulada, principalmente se miserável, já que não podemos falar-
lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso
escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino; Brás, Cristóvão, Daniel, Egas,
Firmino, Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nicanor, Onofre, Paulo, Quitério, Rufino,
Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Valério, Xavier, Zacarias, uma letra de cada um para ficarem todos representados,
2 porventura nem todos estes nomes serão os próprios do tempo e do lugar, menos ainda da gente, mas, enquanto
5 não se acabar quem trabalhe, não se acabarão os trabalhos, e alguns destes estarão no futuro de alguns
daqueles, à espera de quem vier a ter o nome e a profissão. De quantos pertencem ao alfabeto da amostra e vão
a Pêro Pinheiro, pese-nos deixar ir sem vida contada aquele Brás que é ruivo e camões do olho direito, não
tardaria que se começasse a dizer que isto é uma terra de defeituosos, um marreco, um maneta, um zarolho, e
que estamos a exagerar a cor da tinta, que para heróis se deverão escolher os belos e formosos, os esbeltos e
3 escorreitos, os inteiros e completos, assim o tínhamos querido, porém, verdades são verdades…
0
José Saramago, Memorial do Convento, Lisboa, Editorial Caminho, 1994, 41.ª Ed., p. 249-251 [com supressões]

1. Localize o excerto no plano narrativo e na fase da ação em que se insere.


2. Identifique e explique, exemplificando, três estratégias adotadas pelo narrador para que a
narração tenha credibilidade.
3. Comente a referência a tantos nomes de homens nesta passagem da narração, assim como a
alusão às deficiências de alguns.
Versão B
B
Meu amigo cantava. Dizem que cantava.
E de repente
Quebraram-se nas veias os relógios onde
Os ponteiros marcavam vinte e cinco anos.
5 Vinte e cinco navios vinte e cinco mapas
Vinte e cinco viagens para sempre adiadas.
Meu amigo quebrou-se como se fosse de vidro.
Ficaram vinte e cinco pedaços de um homem.
Manuel Alegre, 30 Anos de Poesia, Lisboa, Dom Quixote, 1995, p. 258

1. Descubra o tema e o assunto do poema


2. Na expressão “quebrou-se como se fosse de vidro” (v. 7), identifique a figura de estilo
presente e refira a sua expressividade.
II
Leitura | Gramática
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Leia atentamente o texto seguinte.
Carta ao aluno que não lê Os Maias
O calhamaço que te obrigam a ler na escola está velho. Foi escrito há 130 anos, é, pois, natural que te
pareça demasiado pesado, um cadáver de papel do qual queres livrar-te o mais rapidamente possível.
Só o facto de te meterem o livro à frente, de o analisarem contigo, pior, de o limitarem àquele tipo de
estudo muito vazio que visa o exame, só isso já te estraga a vontade. A mim também estragou. Mas repara: o
5 Eça não tem culpa de o submeterem à burocracia do ensino, de o terem posto nessa camisa de forças, e de te
obrigarem a ti, que tens mais que fazer, a acatar ordens.
Talvez por te sentires encurralado, preferes trocar apontamentos nos corredores, pedir os esquemas ao
idiota útil que até conseguiu ler a obra toda, ou, mais simples, talvez te decidas pelos primeiros cinco
resultados no Google. Estes falam das características físicas e psicológicas das personagens, dão-te resumos
1 de cada capítulo, expõem a biografia do Eça – esse escanzelado de monóculo –, explicam a analepse inicial,
0
sempre gigantesca, mostram laivos da vida do século XIX, e descrevem o virar do Romantismo para o
Realismo. Mas que te interessa a ti como viviam as pessoas daquela época? De facto, concluis tu, só um
parvo pode achar que este livro tem qualquer interesse.
Os bons professores libertam-se dos formalismos do ensino burocrático e são generosos a ponto de te
mostrarem Os Maias a outra luz, apesar de perceberem que tentas ignorá-los. Querem mostrar-to não como
1
5
livro-montanha, uma seca difícil de escalar, mas sim como porta para a descoberta.
Se te mantiveres na tua, até podes acabar o ano letivo com uma nota decente no exame e a consciência
tranquila. Mas confessa lá, sê honesto. Apesar dos muitos preconceitos, aposto que algures entre os teus
afazeres já surgiu uma suspeita inquietante.
Por isso levantas-te, resgatas o livro e passas além de “A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa
2 no outono de 1875, era conhecida na rua de São Francisco de Paula e em todo o bairro das janelas verdes,
0 pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.”
Quando dás por ti, estás em pleno ritual de passagem, cativado por essa coisa maravilhosa e produtiva
chamada curiosidade; quando chegas a meio, percebes que o medo do desconhecido, que até então te
constrangia, caracteriza quem evita crescer; e ao acabares, até sorris.
Descobriste que a ironia é uma forma de realçar incongruências, que a cultura é insignificante se não
2 entrarmos a fundo na vida (Carlos da Maia, a quem tudo foi dado, nada fez), que o humor ilumina os
5
momentos mais tensos (Vilaça a buscar o chapéu em plena conversa difícil), e que a procura de projeção
social sem substância é ridícula (quantos Dâmasos Salcede não existem no Instagram?), entre tantos outros
exemplos.
Tal como te avisaram, percebes que ainda hoje muitas das pessoas que ali encontras se repetem, não
porque a nossa sociedade seja igual à do século XIX, mas porque o ser humano continua o mesmo, e o Eça
3
0
conseguiu captá-lo na sua universalidade.
Se ainda não estiveres convencido, asseguro que este livro, embora calhamaço, te vai dar simplesmente
o prazer único e memorável de uma boa história.
Enquanto tens esse prazer, usas o melhor dos músculos. O mais potente. Exercitas o cérebro contra a
superficialidade, conheces os fios que cosem o dia a dia, enriqueces o raciocínio – vais ganhando
3 experiência. Na verdade, precisas de muitas vidas para viver a tua vida, e podes encontrá-las nos livros.
5 A tua obrigação não é para com a escola, os professores, a nota. A tua única obrigação é para contigo,
para com o teu próprio crescimento, e obras como Os Maias e escritores como o Eça de Queiroz dão-te
armas para o futuro.
Se suspeitares disto e mesmo assim decidires não ler, preferindo resumos que esquecerás logo depois
do exame, paciência. Tu é que ficas a perder.
4 Afonso Reis Cabral, Visão, n.º 1.342, 22/11/2018 (com supressões)
0

1. A expressão “camisa de forças” (l. 5), no contexto em que é usada, transmite a ideia de que o
estudo da obra Os Maias, nas escolas, é frequentemente…
A. desatualizado e redutor. B. rigoroso, mas enriquecedor.
C. limitado, mas interessante. D. condicionado e desmotivante.
2. Na opinião de Afonso Reis Cabral, a leitura de Os Maias permite…
A. perceber melhor o mundo atual e ter uma boa nota no exame.
B. desenvolver o raciocínio e melhorar o vocabulário.
C. exercitar o cérebro e experienciar vivências enriquecedoras para o futuro.
D. conhecer uma intriga interessante, o Romantismo e o Realismo.
Versão B
3. No segmento “um cadáver de papel do qual queres livrar-te o mais rapidamente possível.” (l.
2) está presente…
A. uma ironia. B. uma metáfora. C. um oxímoro. D. uma anástrofe.
4. O elemento sublinhado no segmento textual “apesar de perceberem que tentas ignorá-
-los.” (l. 15) assegura a coesão…
A. gramatical interfrásica. B. gramatical frásica. C. gramatical referencial. D. lexical por reiteração.
5. Em “percebes que o medo do desconhecido, que até então te constrangia” (ll. 24-25), os
elementos sublinhados correspondem a…
A. um pronome relativo e a uma conjunção, respetivamente.
B. dois pronomes relativos.
C. uma conjunção e a um pronome relativo, respetivamente.
D. duas conjunções subordinativas.
6. Indique a função sintática desempenhada pelo pronome pessoal nas seguintes frases:
a) “que até então te constrangia” (ll. 24-25).
b) “escritores como o Eça de Queiroz dão-te armas para o futuro.” (ll. 40-41).
7. Classifique a oração subordinada “que a cultura é insignificante” (l. 26).
8. Refira o valor aspetual do verbo na frase: “o Eça conseguiu captá-lo na sua universalidade.”
(ll. 32-33).
9. Indique a função sintática desempenhada por “dos músculos”, na linha 36.
10. Identifique o valor modal do verbo na frase “sê honesto”, na linha 18.
III
Escrita
Hoje em dia, a preocupação das pessoas centra-se muito nas novas tecnologias,
esquecendo-se que o amor é fundamental para se viver em harmonia, connosco e com
os outros.
Num texto de opinião bem estruturado, com as habituais três partes lógicas e o mínimo
de duzentas e o máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal
sobre os comportamentos atuais e as consequências que podem advir da indiferença pelo
“outro”.
Explicite um ponto de vista, faça uso de clareza e pertinência na apresentação dos dois
argumentos e da respetiva exemplificação e sirva-se de um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou
implícito).
________________________
Observações:
1. Considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo que esta integre elementos hifenizados,
como “dir-se-ia”. Um número conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o constituam, como “2021”.
2. Um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização até 5 pontos.
3. Um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

Cotações da Prova
ITEM
GRUPO
Cotação (em pontos)

A B

I 1. 2. 3. 1. 2.
20 20 20 20 24
104
(12+8) (12+8) (12+8) (12+8) (16+8)
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.
II
6 6 5 6 5 6 4 6 6 6 56

III Item único


40
TOTAL 200

O Professor: Paulo António Messias Pereira Guedes – P. Q. E. – Grupo 300


Versão B

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