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Ps ic o pa t o l o g ia
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Roberto Alves Banaco ■Denis Roberto Zamignani ■


Ricardo Correa M arione ■Joana Singer Vermes Roberta Kovac

Ao se 1er qualquer m anual de psicopatologia, é possível A Análise do Com portam ento deparou-se com diver-
que se sinta um grande desconforto. Quase a totalidade gências perante o modelo médico ao abordar os comporta-
de descrições de com portam entos envolvidos nas psico- m entos psicopatológicos. As principais divergências advi-
patologias será reconhecida como fazendo parte daquilo nham dos seguintes aspectos:
que você próprio faz. E com um alunos de Psicologia e • O m odelo m édico descrevia a fenom enologia da
Psiquiatria entrarem em crise quando começam a estudar psicopatologia, ou seja, descrevia m inuciosam ente
a psicopatologia e tentam identificar como separar o que com o funcionavam os com portam entos psicopa-
é normal do que é anormal. tológicos. Para a Análise do C o m portam ento, essa
E assim é... E bem capaz de você fazer virtualm ente tudo form a do com portam ento não é a inform ação mais
o que está descrito ali no manual de psicopatologia. O que importante; o im portante é a função que o com por-
vai separar o seu com portam ento do com portam ento de tam ento adquire na relação do indivíduo com seu
um portador de um transtorno psicopatológico é somente am biente
alguma dimensão do comportamento tal qual a frequência, • A M edicina procurava a etiologia da doença, em
a intensidade, a duração etc. com a qual você o emite. geral em anorm alidades do organism o, e a Análise
Cientificam ente, a psicopatologia foi prim eiram ente do C o m p o rta m e n to se p ro p u n h a a explicar e
abordada pela M edicina, que tem um m odelo bastante descrever a p robabilidade, a frequência, a inten-
peculiar para estudar os eventos que “saem de um curso sidade com a qual todo e qualquer com portam ento
norm al”: conform e já visto no capítulo sobre personali- se apresenta
dade, esse m odelo procura fazer um a descrição detalhada • A Psiquiatria se esforça para descrever o curso (ou
do fenômeno em foco (denom inada pelos médicos “feno- o desenvolvim ento) de um a doença m ental, já a
menologia”), tenta atribuir um a causa para o fenômeno Análise do C om portam ento tenta desvendar quais
(chamada de “etiologia” ou origem do desvio da norm a- são as condições que m antêm um com portam ento
lidade) e faz um esforço para descrever o curso do desen- ao ser emitido
volvimento do desvio (ou da “doença”). Esse modelo foi • Com o se não bastassem essas diferenças, o modelo
utilizado tam bém para descrever o desenvolvimento das m édico batizou os problem as de com portam ento
personalidades, especialmente quando as personalidades como “doenças m entais”, e a Análise do C om por-
apresentavam manifestações “fora do normal”, ou seja, que tam ento considera que os com portam entos sejam
chamavam a atenção por causarem problemas para quem fruto de uma seleção pelas consequências, semelhan-
os apresentava ou para os outros. Daí a origem do termo tem ente à seleção natural que opera sobre os orga-
psicopatologia, ou seja, o estudo das doenças da mente. nismos: o com portam ento que, de alguma m aneira
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“funciona” para um indivíduo será mais provável do A IN D A H Á M U IT O O Q U E SER


que aquele que “nao funciona”. Essa concepção difi-
culta o entendim ento do problem a de com porta-
____________ EXPLICADO____________
m ento como fruto de um a “doença m ental” Você deve estar se perguntando: a Análise do C om por-
• E n q ua n to se ten ta descrever o que é o co m p o r- tam en to tem a pretensão de explicar tod o e qualquer
tam en to norm al para se identificar o anorm al na co m portam en to psicopatológico? A resposta para essa
Psiquiatria, a Análise do C o m p o rta m e n to ten ta questão é: não! Especialmente no que tange à etiologia e
descrever as leis gerais do c o m p o rtam e nto , seja manutenção do comportam ento psicopatológico, há ainda
ele qual for. algumas observações a serem feitas.
Foi apon tado que a Psiquiatria e a M edicina procu-
Assim, a Análise do C o m p o rta m e n to considera que
raram em estruturas físicas e mentais as explicações para os
a “psicopatologia” seja apenas um problem a de excesso
desvios de personalidade e de conduta, e que era pretensão
ou déficit com portam ental. O u seja, o com portam ento
da Análise do C om portam ento explicar o aparecim ento
psicopatológico pode ser descrito com o um a série de
de qualquer com portam ento, norm al ou patológico, de
com portam entos excessivos ou a falta de alguns deles.
um a única m aneira ou, em outras palavras, encontrar
Em sua m aioria, os com portam ento s que com põem os
um conjunto de leis que explicasse todas as instâncias do
quadros psicopatológicos não são m ais que co m p o r-
com portam ento.
tam entos típicos que ocorrem em um a frequência ou
No entanto, mais modernam ente, alguns autores têm
intensidade que causam desconforto ou que acontecem
em um contexto inapro priado. E p o r esta razão que, sugerido que se faça um a distinção im portante: deve-se
com o citam os no início do capítulo, você verá carac- perguntar se o com portam ento transtornado é prim aria-
terísticas de seu com p o rtam ento em quase tu do o que m ente um a resposta anormal para um a situação normal ou
com põe a psicopatologia. N o entan to , os excessos ou se ele é um a resposta norm al para um a situação extrema
déficits com portam entais encontrados nos transtornos ou desordenada (Falk, Kupfer, 1998). O u seja, admite-se
psicopatológicos foram selecionados n a relação que aqui que alguns comportamentos psicopatológicos podem,
determ in ad o ind ivíduo estabelece com seu am biente de fato, ter sua origem em algumas estruturas físicas que
(é, p o rta n to , um a relação adaptativa), que leva a sofri- variaram de tal maneira durante a evolução da espécie que
m ento em algum grau e que apresenta reações em ocio- tais variações poderiam explicar a raridade do fenôm eno
nais bastante intensas (Ferster, 1973; Sidm an, 1960; observado. Nesses casos, o comportam ento poderia indicar
Skinner, 1959a; 1959b). um problem a orgânico que deveria ser explicado pelas
H á um a crença entre os analistas do com portam ento Ciências Médicas e pela Biologia (aí inserida obviamente
de que a Genética em estudos sobre as mutações, com o ocorre
“(...) o com portam ento m al adaptado pode ser em casos de autismo, por exemplo).
resultado de combinações quantitativas e qualita- Por outro lado, vários autores têm estudado, por meio
tivas de processos que são, eles próprios, intrinse- de m odelos experim entais de psicopatologia, arranjos
camente ordenados, absolutamente determinados, am bientais que podem pro du zir com portam entos que
e normais em sua origem” (Sidman, 1960). seriam classificados com o psicopato lógicos, e estes
seriam do âm b ito de estudo da Análise do C o m p o r-
A p artir dessa concepção, Ferster sugere que, para tam en to . Esses am bientes in dicam que m u ito s orga-
identificar um com portam ento psicopatológico, deve-se nismos “sadios” submetidos a essas situações extremadas
inicialmente olhar para categorias específicas do com por- poderiam apresentar um co m p o rtam en to que produz
tam ento cujas frequências devem ser analisadas, e que problem as.
podem facilmente ser encontradas na literatura clínica ou Essa é outra preocupação dos investigadores da psico-
deduzidas da experiência com um . Assim, por exemplo, patologia pelo enfoque da Análise do C om portam ento:
na depressão, observa-se um excesso de alguns com porta- se um com portam ento produz problemas, não seria de se
m entos (choro, reclamações, declarações verbais de nu li- esperar que ele deixasse de existir? Mais um a vez, analistas
dade etc.) e déficit de outros (rir, brincar, fazer atividades do com portam ento fazem essa pergunta, mas, em vez de
físicas, nam orar etc.). atribuir a resposta ao problem a à noção de anormalidade,
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procuram as variáveis que tornam esse problema mais ou eventos assustadores, como visões, ilusões ou percepções
menos provável, e o que o m antém , mesmo sendo subme- distorcidas, ocorrem na vida de todos, mas por curto inter-
tido a certa aversividade. valo de tem po. Às vezes, surgem em um átim o (p. ex.,
quando parece que vimos alguém que não está presente ou
ouvimos um a voz estando sozinhos em um lugar), outras
D E F IN IÇ Ã O ESPECIAL DE vezes, por ação de drogas etc., mas esses fenômenos deixam
PSIC O PA TO LO G IA : C O M O F U G IR de acontecer, voltando “ao norm al”. O com portam ento
D O E STU D O DA A N O RM A LID AD E considerado psicopatológico dem ora a passar; é perm a-
nente, por exemplo, quando um a pessoa conversa sempre
Já foi abordado neste capítulo um conjunto de premissas com alguém que não existe. Este critério também é questio-
que tiveram que ser discutidas e adequadas à Análise do nado pela Análise do Com portam ento, que tentará encon-
C om portam ento. A psicopatologia tem sido vista como trar quais são os acontecim entos que sustentam a m anu-
um com p ortam ento ou conjunto de com portam entos tenção desses com portam entos, novamente identificando
que seriam disfuncionais, prejudiciais, anormais. Por esta as mudanças de probabilidade de que eles ocorram.
razão, o conceito de norm alidade teve tam bém que ser Por fim, h á o critério do sofrim ento. U m a das defi-
discutido e adequado aos estudos dos analistas do com por- nições encontradas na literatura para a psicopatologia
tam ento. ou para problemas graves de com portam ento é: “... [um
H á quatro critérios para que se classifique um evento comportamento que] resulta em autolesão, lesão de outros,
(especialmente um evento comportamental) como normal prejuízo significativo em propriedades, e aprendizagem
ou anormal. danosa que cria obstáculo para viver em com unidade”
U m deles é o critério da estatística. N orm al é tudo o (Pagel, W hitling, 1978, a p u d Sprague, H orner, 1999).
que a m aior parte das pessoas faz, e anormal é o que só se O u seja, assume-se que tal tipo de com portam ento seja
observa em apenas um a pequena parcela da população. envolvido com controle aversivo, o qual acaba sendo um
Este critério não faz sentido para a Análise do C om por- critério respeitado pela Análise do Com portamento, já que
tam ento, já que esta explica as diferenças individuais pela vários processos com portam entais que envolvem controle
própria história de interações ocorridas na vida de cada aversivo do com portam ento produzem comportam entos
indivíduo com seu am biente físico e social. Com o cada patológicos.
um de nós tem um a história absolutamente particular, o
com portam ento não deveria ser normalizado pelo critério
estatístico. O PAPEL D O C O N TR O LE
Outro critério utilizado na literatura é de que o compor- AVERSIVO NA D ETER M IN A Ç Ã O
tam ento anorm al não obedece a leis, é caótico, não é
passível de ordenação. Novamente a Análise do C om por-
DE C O M PO R TA M E N TO S
tam ento procura leis gerais que expliquem todo e qual- PSIC O PA T O L Ó G IC O S
quer com portam ento, assumindo que, se um evento não
O controle aversivo do com portam ento foi um tema
obedece a um a lei científica, esta deve ser descartada bastante estudado entre os anos 1950 e 1970 do século 20,
como insuficiente, e não o evento ser classificado como
e depois disso teve um a limitação em seu estudo (Todorov,
anormal. O u seja, a lei é que ainda é, até onde o conheci- 2001). Vários questionam entos éticos e científicos foram
m ento progrediu, insuficiente para dar conta do evento. O levantados e as pesquisas, em bora não tenham deixado
mesmo seria aplicado se o evento for um comportam ento. de existir, foram m inguando em núm ero (Andery, 2004,
Um comportam ento não explicado pela lei demonstra que comunicação pessoal). N o entanto, os processos com por-
ela deve ser reformulada. tam entais envolvidos nesse tipo de controle continuam
Um terceiro critério é o da reversibilidade,1 que se rela- sendo de grande esclarecimento para a compreensão da
ciona tam bém com o incôm odo ao qual nos referimos psicopatologia.
quando da leitura de m anuais de Psiquiatria. M esm o Um dos questionamentos científicos foi levantado por
Michael (1993), quando afirmou que “punição tem sido
'O s autores gostariam de agradecer a Isaías Pessotti por ter nos lembrado
[um processo] mais difícil de estudar porque não pode ser
apropriadamente deste critério, em comunicação pessoal no ano de 2006. estudada por si só. Q uando se tem um com portam ento
Psicopatologia 157

para ser punido, significa que esse com portam ento tenha espécie. Esses aspectos do m undo são im portantes para a
sido ou ainda esteja sendo reforçado” (p. 35). sobrevivência e produzem reações nos organismos quando
Esta pode ser exatamente a pista que nos faltava para estão presentes. São chamados tecnicamente de estímulos.
explicar por que o comportamento psicopatológico, embora Encontram-se dentre esses estímulos para hum anos, por
passível de punição de várias maneiras, continua aconte- exemplo, sal, luz do sol, alimentos doces, contato físico etc.
cendo (o que lhe dá um “ar” ainda mais estranho). (Skinner, 1974). Esses são considerados estímulos incondi-
Assume-se que, para que se estude um comportamento cionados, ou seja, todos os membros da espécie que sobre-
qualquer que vá ser punido depois, este precisa, prim ei- viveram são sensíveis a ele, e não precisam de nenhum a
ramente, ser m antido por consequências que sustentem a (in) condição (condicionados) especial para que exerçam
sua emissão (que sejam reforçadoras). Assim, assumem-se controle sobre os seres hum anos.
contingências conflitantes que competem na determinação N o entanto, dada a variabilidade da espécie expressa
da probabilidade de que um com portam ento ocorra: as em cada ser hum ano (p. ex., características morfológicas
reforçadoras aumentariam a probabilidade e as punitivas com o altura, cor dos olhos, form ato das orelhas etc.),
dim inuiriam essa probabilidade. C onsequentem ente, a pode-se adm itir que cada um de nós tem um a sensibili-
maior parte dos com portam entos punidos deixa de acon- dade diferente a esses (e a outros) aspectos do ambiente.
tecer, mas apenas quando as contingências reforçadoras são Tome como exemplo o órgão da visão e sua sensibilidade
de baixa magnitude e as punitivas de alta intensidade no a um aspecto do am biente im portante para nós: a luz.
controle do com portam ento, ou quando há alternativas de Algumas pessoas têm os olhos bem sensíveis e um a “capa-
respostas sem punição para a obtenção dos reforçadores. cidade” (que chamamos com um ente de acuidade visual)
Q uando essas condições não puderem ser satisfeitas, e as de enxergar bem, tanto de perto, quanto de longe. Outras
operações estabelecedoras determ inarem a obtenção de pessoas podem enxergar tão mal que precisam de óculos
um estímulo importante, o comportam ento será mantido, logo cedo em suas vidas; outras, um pouco mais tarde, e
apesar do sofrimento causado pelas contingências aversivas. podem , inclusive, nascer pessoas cegas. Essa é um a das
Sidman (1989) apresentou um texto brilhante para hipo- dimensões nas quais a nossa sensibilidade à luz varia entre
tetizar como essas contingências poderiam com petir entre os indivíduos.
si e produzir com portam entos psicopatológicos. E do nosso conhecimento, portanto, que alguns indi-
Por essa e outras razões, assume-se que o estudo sobre o víduos possam ter sensibilidade aum entada a gosto doce,
controle aversivo do com portam ento deva ser continuado, podendo determ inar um a série de com portam entos
em bora as questões éticas envolvidas nesse estudo devam problemáticos, que podem chegar a produzir obesidade
nesses indivíduos. O u tam anha sensibilidade a sal que
ser refletidas e aprofundadas (Todorov, 2001).
pode determ inar problemas de hipertensão por excesso de
consumo desse tempero. O u ainda um a extrema sensibili-
FO N TES D O C O M P O R T A M E N T O dade a contato físico que determinaria um comportamento
_______ PSIC O PA T O L Ó G IC O _______ sexual considerado socialmente como excessivo, tal qual o
encontrado em quadros de “ninfom aniá” ou “taras”.
Assim como já apontado no capítulo sobre personali- C o m efeito, Sturmey, W ard-H orner, M arroquin e
dade, enquanto um padrão de com portam ento pode ser D oran (2007) afirmaram que tanto a evolução biológica
analisado pelos três níveis de seleção, os comportam entos quanto a cultural são im portantes na determ inação do
psicopatológicos tam bém serão abordados aqui dessa com portam ento, seja ele considerado normal ou psicopa-
maneira, sempre lembrando que agora estaremos falando de tológico. N o entanto, afirmam esses autores, infelizmente
comportam entos importantes para a vida em grupo social, essas variáveis não são facilmente identificáveis e suas rela-
e que determinam, de algum modo, um prejuízo para pelo ções com a psicopatologia não podem ser acessadas direta-
menos uma das pessoas envolvidas nos episódios sociais. m ente. Com o se não bastasse, elas não podem ser m ani-
puladas durante a terapia. Talvez, por isso, Skinner (1953)
tenha afirmado que, sob seleção natural, a aprendizagem
O comportamento reflexo patológico reflexa apresenta aspectos do am biente que não m udam
Os organismos, humanos ou não, herdaram certa sensi- de geração a geração, tais como gravidade ou ameaças à
bilidade a aspectos do m u n d o na história evolutiva da integridade física do organismo.
158 Temas Clássicos da Psicologia sob a Ótica da Análise do Comportamento

Seria necessário, então, acrescentar à nossa análise um a Interações entre processos


sensibilidade a estímulos adquiridos na história pessoal
respondentes e operantes
e social dos indivíduos, com o, por exemplo, um a série
de drogas: tabaco, álcool, derivados de ópio etc. O reco- Vamos voltar, então, ao exemplo de pessoas que se
nhecim ento de sensibilidades diferentes neste nível pode submetem voluntariam ente à dor, ou a histórias de pessoas
auxiliar no entendim ento e enfrentamento dos problemas, que aceitam que outros lhe inflijam dores físicas ou psico-
bem como iniciar um a explicação dos motivos de alguns lógicas.
indivíduos (mesmo da m esm a família) apresentarem Para um a abordagem explicativa dessa “psicopato-
reações mais agressivas que outros, ou suportarem dores logia”, podem os nos basear em um experimento bastante
que causam estranhamento, ou mesmo apresentarem uma engenhoso de Azrin (1959). Nesse experimento, o autor
adicção a determinadas drogas e outros não. utilizou um pom bo que ficava confinado em um a caixa
Portanto, acrescentam-se à sensibilidade inata, já experimental, alimentando-se apenas dentro dessa caixa.
descrita, algumas histórias de pareamento entre estímulos Inicialmente, o animal deveria bicar um a chave iluminada
que tornarão estímulos neutros para a espécie bastante na parede para obter um a m istura de grãos quando preci-
controladores dos com portam entos de alguns indivíduos. sasse. Cada bicada nessa chave liberava um a quantidade
Ninguém estranharia (e sequer pensaria em tratam ento) de grãos que ficava disponível por alguns segundos.
alguém que fuja de estímulos dolorosos. A m aior parte Em seguida, nem todas as bicadas do pombo produziam
dos indivíduos faz isso. No entanto, estranho é o caso das grãos: gradativamente, era exigido que o pom bo bicasse
pessoas que provocam dores ou autolesões. Esse estranha- mais e mais vezes para obter seu alimento. Então, quando
m ento levou alguns autores a criar, em laboratório, sensibi- o pom bo já “trabalhava bastante” para comer, a bicada
lidades específicas a estímulos originalm ente neutros para que antecedia a liberação do alim ento era seguida por
os membros das espécies. um choque elétrico de pequena intensidade. O pom bo,
Já havia a descrição de um exemplo clássico, bastante obviamente, estranhava um pouco, mas, em seguida ao
conhecido, sobre a sensibilidade adquirida a um tom sonoro choque, o alimento era liberado e ficava disponível. Então,
sobre o salivar de um cachorro. A partir de 1889, Ivan o pom bo comia.
Pavlov desenvolveu um a série de experimentos dem ons- O experim entador observou o com p ortam ento do
trando que, por um procedim ento denom inado “empare- pom bo e quando não identificava mais o estranham ento
lhamento de estímulos”, poder-se-ia criar essa sensibilidade do choque (um fenôm eno denom inado “habituação” a
a um tom sobre a resposta de salivar dos cachorros subme- estímulos) aum entava mais um pouco a intensidade do
tidos a ele. O u seja, a partir desse conjunto de experimentos choque. Assim que ocorria novo período de habituação,
liderados por Pavlov, podem-se considerar ainda melhor o choque ficava ainda mais forte.
as diferenças individuais observadas entre os membros de Com esse procedimento, o experimentador conseguiu
um a espécie: aqueles submetidos a determ inados proce- criar um a história de vida na qual o animal passou a traba-
dimentos de pareamento podem apresentar sensibilidade lhar “para produzir choque”, ou seja, o estímulo que sina-
bastante idiossincrática a alguns estímulos específicos. Esses lizava que ele seria alimentado. Essa história ficou tão forte
estímulos, que originalmente eram neutros para a resposta que, mesm o quando o alim ento foi suspenso, o animal
do organismo, passam a ser chamados de condicionados continuou trabalhando para produzir choques elétricos, o
(porque passaram por uma condição especial para adquirir que confundiu alguns observadores convidados a explicar
controle sobre as ações reflexas dos organismos). o estranho com portam ento do animal: bicar para receber
A descrição desse processo revela m ais um a caracte- choques elétricos tão fortes que produziam espasmos. Esses
rística im portante na evolução das espécies e, por conse- observadores, que não haviam acompanhado a história do
guinte, da especificidade da atuação do m undo nas relações pom bo com os choques associados à liberação do alimento,
de cada indivíduo: a sensibilidade ao paream ento entre só encontraram explicação na psicopatologia: esse pom bo
estímulos (Cunninghan, 1998); um a adaptação às condi- era, para eles, com certeza, masoquista.
ções ambientais que m udam rapidamente, diria Skinner Esses elementos podem se com binar de um a maneira
(1953). Elas m udam , agora, durante a história de vida de bastante similar e cruel em um a história hum ana. Imagi-
um indivíduo, sendo passíveis de estudo e m anipulação nemos a história de um casal que tenha como elemento
experimental. inicial que um agrade ao outro. Os dois trabalharão para a
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m anutenção da relação com bastante afinco, e um e outro Mas um a abordagem intrigante dentro dessa linha de
p odem liberar afeto em todas as ocasiões de encontro. pesquisa é a que se utiliza dos mesmos processos respon-
No entanto, a vida não suporta um a relação de paixão e, dentes, mas de maneira bastante peculiar: a adicção a drogas.
algumas vezes, um dos parceiros, por exemplo, o hom em , Nesse caso, os pesquisadores acabaram por encontrar um
não responde mais com tanta frequência às buscas de afeto processo intrigante: ao serem introduzidas no organismo,
pela mulher, mas, ao fim de alguma insistência dela, acaba várias substâncias (p. ex., epinefrina, glicose, insulina, nico-
dando-lhe afeto e aceita sua aproximação. tina, anfetamina, histamina, m orfina etc.) produzem dois
Essa situação repete-se, e a cada dia fica mais escassa tipos de respostas, antagônicas, em tempos diferentes.
a liberação de afeto para a m ulher por parte do homem . Vamos analisar o caso da nicotina. Ela produz, em
E ela, assim com o o pom b o do experim ento, continua prim eiro tem po, um a resposta de hiperglicem ia e, em
seguida, hipoglicemia, m uito possivelmente para que o
“cuidando” da relação e trabalhando para que ela sobreviva,
corpo volte à homeostase. Considere, no entanto, que a
até que se iniciem pequenas rejeições por parte do homem,
ingestão da nicotina ocorra em determinados ambientes,
às quais a mulher se “habitua”, assim como o pom bo habi-
compostos por vários estímulos, os quais inicialmente são
tuou-se a pequenas intensidades do choque. Em seguida,
neutros para as respostas de hipo ou hiperglicemia do orga-
culpado por tê-la agredido, ainda que levemente, o hom em
nismo que ingere a nicotina. Entretanto, pelo processo de
passa a liberar afeto naquela oportunidade.
condicionam ento já com entado, esses estímulos passam
Essa busca pelo afeto por parte da m ulher se intensifica,
a produzir, com antecedência, as respostas que levariam
e a agressividade por parte do hom em pode aumentar, e
o corpo à homeostase: eles produzem hipoglicemia. Com
o processo passa a ser m uito semelhante àquele descrito esse efeito, o que ocorre é que, mesmo antes de o indivíduo
para o pom bo: a m ulher produz um a briga na qual ela ingerir nicotina, que produzirá hiperglicemia, os estímulos
seja agredida (choque) e em seguida obtém o afeto preten- condicionados do ambiente estarão determ inando que a
dido (como o alimento do pom bo). N ão será difícil várias resposta de hipoglicemia ocorra.
pessoas que não observaram a história de vida do casal estra- Esse processo explicará vários fenôm enos que obser-
nharem o comportam ento da mulher, e inclusive o classifi- vamos na ingestão de nicotina:
carem como comportamento de “mulher de malandro”, de • O indivíduo apresenta o que se chama de “tolerância”
alguém que gosta de apanhar ou, enfim, masoquista. à substância, ou seja, para ter os m esm os efeitos
iniciais, ele precisa de quantidades maiores
• Explica por que algumas vezes pessoas que ingerem
PS IC O PA T O L O G IA A PA R T IR DA nicotina têm um a “vontade irresistível” de ingeri-la
ANÁLISE D O C O M P O R T A M E N T O (o que se cham a “abstinência”), dado que os estí-
mulos condicionados criam um a situação de hipo-
Toda um a área de estudos experimentais debruçou-se
glicemia que exige que a glicemia seja aum entada
sobre o que se denom inou “M odelos experimentais de
(ou seja, que se ingira alguma “coisa” para que ela
problemas psicopatológicos”, e desenvolveu-se o conheci-
retorne aos níveis de homeostase)
m ento de contingências extremadas que podem produzir • Por fim, explica as recaídas... M esmo tendo parado
um com portam ento classificável como psicopatológico. A por muitos e muitos anos de ingerir nicotina, ao serem
maior parte dos modelos experimentais de psicopatologia expostos a estímulos anteriormente associados à sua
é de cunho fisio/farmacológico, mas tam bém podem ser ingestão, os indivíduos poderão voltar a usá-la.
encontrados modelos comportamentais para a determinação
de comportam entos que seriam considerados problemas. Até aqui, foram apresentados parcialmente os processos
Alguns desses estudos observaram explicações para conhecidos com o “respondentes” da psicopatologia.
problemas apresentados em quadros de fobias e ansiedade, Existem ainda outros processos, chamados de operantes,
transtorno do estresse pós-traumático, problemas psicosso- que serão apresentados a seguir.
máticos (asma, alergias), náuseas causadas por quimioterapia
(Sturmey, Ward-Horner, Marroquin, Doran, 2007) e esqui-
zofrenia. Todos esses estudos basearam-se na capacidade de
O comportamento operante patológico
estímulos condicionados adquirirem a mesma função que T rabalhando com o condicionam ento respondente,
os estímulos incondicionados teriam sobre os organismos. alguns autores deram-se conta de que ele não explicava

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