Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
53 | 2019
Antropologia dos museus
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/horizontes/2907
ISSN: 1806-9983
Editora
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Edição impressa
Data de publição: 31 Janeiro 2019
Paginação: 107-132
ISSN: 0104-7183
Refêrencia eletrónica
Renata Montechiare, « Colecionando arte e antropologia: controvérsias nos museus de Barcelona »,
Horizontes Antropológicos [Online], 53 | 2019, posto online no dia 18 maio 2019, consultado o 22 maio
2019. URL : http://journals.openedition.org/horizontes/2907
© PPGAS
Artigos Articles
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832019000100005
Renata Montechiare*
* Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
rmontechiare@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-2466-5843
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
108 Renata Montechiare
Resumo
O trabalho aqui apresentado pretende percorrer acontecimentos que circundaram
museólogos, antropólogos e historiadores da arte ao menos desde 2011 em Barcelona.
Trata de acompanhar os desdobramentos da reclassificação da Coleção Folch de “arte
exótica” e as implicações da exibição de seus objetos em dois museus da cidade. Os
relatos sobre fatos, notícias, documentos e decisões aqui expostos foram coletados
prioritariamente a partir de entrevistas com os profissionais envolvidos. Estes narra-
ram a seu modo a sequencia de ocorrências que desencadeou disputas em torno dos
conceitos de “arte” e “antropologia” quando atribuídos às coleções. Propõe-se, portanto,
seguir esses acontecimentos para a partir deles debater as transformações recentes
no campo dos museus etnográficos.
Palavras-chave: museu etnográfico; coleções; arte; antropologia.
Abstract
This work aims to cover events that have surrounded museologists, anthropologists
and art historians at least in the last five years in Barcelona. It tries to follow the after-
-effects of the reclassification of the “exotic art” Folch Collection and the consequen-
ces of its exhibition in two museums in town. The stories, facts, news, documents
and decisions presented here were collected primarily from interviews with the pro-
fessionals involved. They told in their own way the sequence of occurrences that tri-
ggered disputes around the concepts of “art” and “anthropology” when attributed to
collections. We propose, therefore, to follow these events in order to discuss the recent
changes in the field of ethnographic museums.
Keywords: ethnographic museum; collections; art; anthropology.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 109
Introdução1
1 Este texto utiliza trechos reformulados da tese de doutorado da autora (Montechiare, 2017).
Título inspirado no artigo de James Clifford “Colecionando arte e cultura” (Clifford, 1994).
2 “Barcelona e os museus como presépios” (cf. Barcelona…, 2014).
3 Entre setembro de 2015 e março de 2016.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
110 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 111
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
112 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 113
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
114 Renata Montechiare
A coleção e os museus
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 115
de outros colecionadores fora da Europa para o museu e para sua própria cole-
ção, apoiado e influenciado escolhas de seus colegas na composição das coleções.
A origem simultânea de duas coleções, uma privada e outra pública, constituí-
das pelos mesmos personagens aparece como narrativa entre os profissionais
dos museus estudados. Comenta-se que a parceria entre Folch e Serra rendeu
a constituição de um grande acervo para o qual buscavam objetos semelhan-
tes durante as viagens, embora o colecionista tivesse interesse prioritariamente
“artístico”, enquanto seu colega coletava objetos de cunho mais “antropológico”.
Tomo “artístico” e “antropológico” como categorias empregadas por meus
interlocutores, personagens centrais na concepção do Museo de Culturas
del Mundo (MCM) e na reabertura do MEB em 2015, compreendendo trata-
rem-se de classificações que adquirem funções simbólicas que por sua vez
estruturam seu emprego mais pragmático e cotidiano (Gonçalves, 2007). Os
objetos em questão sofrem permanentemente processos de transformação
social que, como analisa Gonçalves (2007), demarcam identidades e não só
separam categorias como as organizam polarizadas, o que nos dá pistas para
compreender as ambiguidades das interpretações que acumulam.
Empregadas de forma a classificar lados opostos da divergência que envol-
veu ambas as instituições, são categorias que definem posicionamento concei-
tual e ideológico na medida em que agrupam profissionais de um ou outro lado
da disputa. Antropólogos, museólogos, historiadores da arte, conservadores e
demais profissionais do mundo dos museus são imbuídos de características
advindas das classificações que recebem a partir do seu posicionamento na
controvérsia. Assim, ainda que determinados pontos de vista sejam exclusi-
vos de antropólogos ou historiadores da arte envolvidos na disputa da Coleção
Folch, são muitas vezes tomados pelos envolvidos como intrínsecos à profissão.
Isso significa que, de certo modo, no decorrer das acusações, todo um campo do
conhecimento passou a ser visto como defensor de conceitos e ideologias de
forma homogênea. Algo como se “antropólogos” interpretassem o mundo sem-
pre da mesma forma como os antropólogos envolvidos na controvérsia interpre-
taram. Embora os campos do conhecimento citados neste trabalho claramente
ultrapassem os posicionamentos assumidos por um ou outro personagem.
Assim são também classificados os dois museus: o primeiro deles como
“mais artístico” (MCM) e o segundo, “mais antropológico” (MEB), sendo que cri-
térios como visibilidade pública e interesse por parte do governo local parecem
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
116 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 117
A partir del vínculo con el Museo Etnológico, y con un interés especial por el arte
y las culturas antiguas, Folch ya no solo viajaba por su cuenta […], sino que tam-
bién trabajó de manera altruista en el proceso de adquisiciones para el Museo,
hasta el punto de ser un expedicionario habitual más, de hacer donaciones
importantísimas y de sufragar parte de los gastos de las expediciones. De hecho,
el nivel de colaboración entre Folch y el Museo Etnológico en muchos de los via-
jes que organizaron juntos fue tal que a veces la línea que separaba dónde empe-
zaban y dónde terminaban las aportaciones de unos y otros era difusa. (Pascual i
Miró; Gabriel y Tomàs; Soriano y Marin, 2015, p. 113).
Para a gestão de seu acervo, Albert Folch constituiu uma fundação privada em
1975 que pudesse dar conta da organização dos objetos, pela qual Stella Folch
tornou-se responsável após sua morte em 1988. Ali receberam classificações
variadas, identificados como “muito bons” e outros não tão antigos ou consi-
derados pelos especialistas em arte como de segunda categoria. No entanto
para a Sra. Folch, que aprendeu a amar cada um dos objetos com seu pai, todos
seriam iguais em termos sentimentais, muito embora os sentimentos também
ordenem e classifiquem as coisas sobre as quais dedicam atenção. Essa foi uma
consideração repetida inúmeras vezes durante sua palestra no MCM,7 onde
hoje a Coleção Folch está exposta. Destacou sua decisão de manter reunidas
as peças “sem valor artístico” ou que não entrariam num “museu de primeira
linha” porque cada conjunto rememorava a trajetória de seu pai e os lugares
por onde passou.
Stella Folch fala a partir de um ponto de vista determinado, como cole-
cionadora ou como guardiã da coleção do pai. Esse lugar permite que ela
7 Em setembro de 2015.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
118 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 119
8 O Museo Etnológico de Barcelona foi inaugurado em 1949 e sempre ocupou o mesmo terreno,
embora o edifício tenha sido reconstruído nos anos 1970.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
120 Renata Montechiare
Da antropologia à arte
9 Em 23 de fevereiro de 2016.
10 Órgão de cultura da prefeitura.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 121
11 Em 30 de novembro de 2015.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
122 Renata Montechiare
12 Suporte de gongo, coleção da Ásia, Birmânia (Myanmar), século XIX, número de inventário MEB
CF 5835.
13 Proas de canoa, dentre elas algumas das culturas Sepik e Iatmul, Indonésia, século XX, coleção
da Oceania.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 123
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
124 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 125
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
126 Renata Montechiare
18 Em 10 de fevereiro de 2016.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 127
Sua percepção do que deve ser um museu que detém coleções etnográficas é
bastante estrita. Considera um insulto a apropriação de objetos extraeuropeus
produzidos em contextos específicos e exibidos em museus ocidentais com
forte tradição colonial, interpretados como arte à moda europeia. Josep Fornés
não está sozinho em seu posicionamento em relação às formas de interpreta-
ção de objetos coletados em tempos coloniais. Grandes museus dentro e fora
da Europa veem-se atualmente cercados de acusações, solicitações de repatria-
mento de patrimônios e questionamentos sobre a legitimidade de deter e expor
coleções (Ames, 1992; Karp; Lavine, 1991; Sleeper-Smith, 2009).
James Clifford nos anos 1980 já apontava para a perspectiva de diálogo
com as populações originárias na recomposição de museus antropológicos,
como as experiências que observou no Canadá (Clifford, 1991). Reclassificados
como “zonas de contato” no sentido de conformarem-se como tempo e espaço
de junção de sujeitos separados geográfica e historicamente (Clifford, 1991),
os museus viram-se tensionados a organizarem-se para redefinir seus rumos
a partir das críticas decorrentes da descolonização. Redes como o Interna-
tional Committee for Museums and Collections of Ethnography (ICME) do
Conselho Internacional de Museus (ICOM), e projetos financiados pela União
Europeia como a Red Internacional de Museos de Etnografia (RIME), que se
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
128 Renata Montechiare
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 129
Considerações finais
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
130 Renata Montechiare
Referências
AMES, M. M. Cannibal tours and glass boxes: the anthropology of museums. Vancou-
ver: The University of British Columbia Press, 1992.
AYUNTAMENT DE BARCELONA. Creació del nou Museu de Cultures del Món. Mesura
de Govern. Consell Plenari Municipal, 26 d’octubre de 2012.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
Colecionando arte e antropologia 131
BARCELONA i els museus com a pessebres. Barcelona, 2014. Disponível em: http://
www.ub.edu/grecs/wp-content/uploads/2014/12/Barcelona-i-els-museus-com-a-
-pessebres.pdf. Acesso em: 3 jan. 2017.
BENNETT, T. The birth of the museum: history, theory, politics. London: Routledge, 1995.
CAMPBELL, S. A estética dos outros. Tradução de Érica Geisbrecht. Proa: Revista de
Antropologia e Arte, v. 1, n. 2, 2010. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ojs/
index.php/proa/article/view/2386. Acesso em: 15 jan. 2018.
CLIFFORD, J. Itinerarios transculturales. Barcelona: Gedisa, 1991.
CLIFFORD, J. Colecionando arte e cultura. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, n. 23, p. 69-89, 1994.
CLIFFORD, J. Sobre a autoridade etnográfica. In: CLIFFORD, J. A experiência etnográfica:
antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. p. 132-178.
CONKLIN, A. In the museum of man: race, anthropology and empire in France, 1850-
1950. Ithaca: Cornell University Press, 2013.
DIAS, N. Le Musée d’Ethnographie du Trocadéro (1878-1908): anthropologie et muséolo-
gie en France. Paris: Éditions du Centre National de la Recherche Scientifique, 1991.
DUARTE, A. O museu como lugar de representação do outro. Antropológicas, Porto,
n. 2, p. 121-140, 1998.
FINDLEN, P. Possessing nature: museums, collecting, and scientific culture in early
modern Italy. Berkeley: University of California Press, 1994.
GODELIER, M. En el mundo de hoy, la antropología es más importante que nunca.
Revista de Antropología Iberoamericana, v. 11, n. 1, p. 59-77, enero/abr. 2016.
GONÇALVES, J. R. S. O templo e o fórum: reflexões sobre museus, antropologia e
cultura. In: CHUVA, M. (org.). A invenção do patrimônio: continuidade e ruptura na
constituição de uma política oficial de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Minis-
tério da Cultura/Iphan, 1995. p. 55-66.
GONÇALVES, J. R. S. Teorias antropológicas e objetos materiais. In: GONÇALVES, J.
R. S. Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Brasília: Ministério da
Cultura/Iphan, 2007. p. 13-42. (Coleção Museu, Memória e Cidadania).
INGOLD, T. 1993 debate Aesthetics is a cross-cultural category. In: INGOLD, T. (ed.).
Key debates in anthropology. London: Routledge, 1996. p. 201-236.
INSTITUT DE CULTURA DE BARCELONA. La Col.lecció Folch formarà part del Museu
Etnològic de Barcelona. Barcelona, 2011.
KARP, I.; LAVINE, S. D. Exhibiting culture: the poetics and politics of museum display.
Washington: Smithsonian Institution, 1991.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019
132 Renata Montechiare
L’ESTOILE, B. de. Le goût des autres: de l’exposition coloniale aux arts premiers. Paris:
Flammarion, 2007.
LATOUR, B. (ed.). Le dialogue des cultures: actes des rencontres inaugurales du Musée
du quai Branly, 21 jun. 2006. Paris: Babel: Musée du quai Branly, 2007.
MONTECHIARE, R. Museus em transformação: antropologia e descolonização nos
museus de Madrid e Barcelona. 2017. Tese (Doutorado em Antropologia Cultural) –
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2017.
PASCUAL I MIRÓ, E.; GABRIEL I TOMÀS, A.; SORIANO I MARIN, M. D. Historia de
las colecciones. In: MUSEO de Culturas del Mundo: guía de visitas. Barcelona: Ayun-
tament de Barcelona, 2015. p. 108-123.
PRICE, S. Paris primitive: Jacques Chirac Museum on the Quai Branly. Chicago: Uni-
versity of Chicago Press, 2007.
ROIGÉ, X.; FERNÁNDEZ DE PAZ, E.; ARRIETA, I. El futuro de los museos etnológicos:
consideraciones introductorias para un debate. In: CONGRESO DE ANTROPOLOGÍA,
11., Donostia, 2008. Actas […] Donostia: Ankulegi Antropologia Elkartea, 2008. p. 9-34.
ROJO DE CASTRO, L. Ceci n’est pas une pipe. Cuadernos de Proyectos Arquitectónicos,
n. 3, p. 73-85, 2012.
ROMA, J.; VALLS, A. El museu de la Fundación Folch. Revista d’etnologia de Catalunya,
n. 13, p. 149-152, 1998.
SAVALL, C. La reducción del Museu Etnològic a lo catalán alarma a los antropó-
logos. El Periódico, Barcelona. 2 dic. 2014. Disponível em: http://www.elperiodico.
com/es/noticias/barcelona/reduccion-museu-etnologic-catalan-alarma-antropo-
logos-3737090. Acesso em: 24 maio 2016.
SLEEPER-SMITH, S. Contesting knowledge: museums and indigenous perspective.
Lincon: University Nebraska Press, 2009.
STOCKING JR., G. W. Objects and others: essays on museums and material culture.
Madison: The University Wisconsin Press, 1985.
WEINER, J. (ed.). Asthetics is a cross-cultural category. Manchester: Group for Debates
in Anthropological Theory, 1994.
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Horiz. antropol., Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 107-132, jan./abr. 2019