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NA BORDA DA VIDA:

RELATO DE CASO
SOBRE UMA PACIENTE
BODERLINE SOB O
OLHAR DA PSICOLOGIA
JUNGUIANA
Ludmila Maia Pinheiro
L é advogada trabalha na área criminal, tem 33
anos, um histórico de tentativas de suicídio. L tem
APRESENTAÇÃO um comportamento de alternar a presença em
DO CASO uma sessão e faltar na seguinte, no prontuário foi
percebido que essa conduta se repetia à algum
tempo, o que dificultava as intervenções
necessárias no seu caso. Cito abaixo alguns fatos
importantes sobre a paciente:
L se diz religiosa e que por isso carrega uma
culpa devido ao aborto que fez;
L foi vítima de violência e estupro pelo
namorado que era policial ela o denunciou e
ele chegou a ser preso,
Relação de dependência emocional com a mãe;
Comportamento manipulador com a mãe;
Episódios de agressividade e ameaças com as
pessoas do seu convívio;
Possui acompanhamento psiquiátrico;
Não se responsabiliza pelas suas atitudes.
As tentativas de suicídio de L aparecem como
PROCESSO fraqueza, em compensação as atitudes de força e
busca incessante por justiça. Essa busca por
TERAPÊUTICO justiça está na escolha profissional, no concurso
dos sonhos de ser delegada e nas relações
amorosas com pessoas vinculadas a setores da
segurança pública. Existe uma necessidade de
autoafirmação dessa força.

Quando compreendemos o caráter


compensatório da relação consciente e
inconsciente apontados por Jung (2009),
observamos como as tentativas de suicídio,
trazem à tona a sua fragilidade e atuam em
caráter compensatório ao comportamento de
força e auto afirmação que ela incorpora. Uma
atitude aparece como princípio regulador da
outra.
No decorrer dos atendimentos os episódios e insatisfação e tristeza,
intercalava com momentos de alegria e planejamento principalmente em
relação as datas comemorativas do semestre.

Na sessão que antecedeu o dia das mães L estava triste e sem animo, na
sessão seguinte ao enviar o link de acesso para a sala, L respondeu dizendo
que me agradecia, mas estava desistindo da vida e que iria deixar uma carta
de despedida. Entrei em contato com a mãe de L e avisei da possibilidade da
tentativa de suicídio, a mãe de L relatou que ela tinha sim tentado e que
estava se recuperando devido a ingestão de medicamentos, a mãe relatou por
mensagem que apanhava com frequência de L, e que nos períodos de crise
era bem difícil lidar com ela, entrei em contato com o psiquiatra que
acompanha L e foi colocado a possibilidade de não se tratar de uma
depressão e sim de um transtorno de personalidade limítrofe ou
borderline, L tem comportamentos onde a impulsividade e a
imprevisibilidade aparecem de forma constante, possui uma raiva intensa e
injustificada e uma instabilidade afetiva nas relações.
O TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE TEM
POR CARACTERÍSTICA UM PADRÃO DE INSTABILIDADE
NOS RELACIONAMENTOS, EM SUA AUTO-IMAGEM E NOS
AFETOS. APRESENTA UM ALTO GRAU DE IMPULSIVIDADE
EM PELO MENOS DUAS DAS SEGUINTES ÁREAS, AS QUAIS
SÃO POTENCIALMENTE PREJUDICIAIS A SI MESMO:
JOGOS, GASTOS IRRESPONSÁVEIS, COMIDA EM EXCESSO,
ABUSO DE SUBSTÂNCIAS, SEXO INSEGURO E DIREÇÃO
IMPRUDENTE. OS PORTADORES DO TRANSTORNO
REVELAM DESCONTROLE EMOCIONAL COM TENDÊNCIA
PARA QUE AS EMOÇÕES FUJAM DO CONTROLE,
APRESENTANDO TAMBÉM TENDÊNCIA DE TORNAREM-SE
IRRACIONAIS EM MOMENTOS DE GRANDE ESTRESSE E
UMA DEPENDÊNCIA DOS OUTROS PARA REGULAREM AS
EMOÇÕES (AAP, 1994).
Os pacientes diagnosticados com esse transtorno são muito sensíveis às
condições ambientais. Fazem grandes esforços na tentativa de evitarem um
abandono real ou imaginado. A simples percepção da possibilidade de uma
perda ou de um abandono provoca profundas alterações em seus
comportamentos. Para eles, o “abandono” significa desintegração, não existência,
pois precisam do outro para se perceber.

Exige que o analista esteja atento para esses comportamentos de manipulação


do paciente, como também a percepções dos possíveis gatilhos, assim como é
necessário um canal de comunicação com a rede de apoio desse paciente.

Na tentativa de aplacar essa ansiedade avassaladora, para


evitar o “abandono” e consequentemente a dor da solidão,
da não existência e do vazio, eles podem se utilizar de
comportamentos impulsivos de automutilação recorrentes
ou de tentativas de suicídio. Aproximadamente 75% desses
pacientes fazem pelo menos uma tentativa de suicídio e
estima-se que 10% conseguem concretizar esse ato.
(MINTO, 2013).
Para Schwartz-Salant (1989), a personalidade limítrofe possui uma sombra que
abriga conteúdos destrutivos disposta a destruir o que for positivo no individuo,
podendo também através da experiência de união desses aspectos causar também
uma destruição psíquica e um grande sofrimento, mas é pelo o enfrentamento
promovido por essa junção é que finalmente o paciente limítrofe pode estabelecer
um elo positivo com o numinoso, isso acontece devido uma deficiência na função
transcendente e a pouca capacidade para atuar com o inconsciente.

A função psicológica e "transcendente" resulta da união dos conteúdos conscientes


e inconscientes. A experiência no campo da psicologia analítica nos tem mostrado
abundantemente que o consciente e o inconsciente raramente estão de acordo no
que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta falta de paralelismo, como nos
ensina a experiência, não é meramente acidental ou sem propósito, mas se deve ao
fato de que o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou
complementar em relação à consciência. (Jung, OC 8/02, § 132)

Por isto, na prática é o médico adequadamente treinado que faz de função


transcendente para o paciente, isto é, ajuda o paciente a unir a consciência e o
inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. (Jung, OC 8/02, § 145)
A maioria dos pacientes limítrofes vive de maneira a
evitar o intenso sofrimento psíquico do abandono e,
para isso, se serve de mecanismos psicóticos de defesa,
tais como a idealização, a cisão, a negação e de
comportamentos obsessivo-compulsivos de fazer, ou o
oposto, a inércia. Estes mecanismos psíquicos existem
no lugar de um self funcionalmente sadio, que é o
organizador básico da vida psíquica (SCHWARTZ-
SALANT,1989).

Neumann conceituou o termo “eixo ego-Si-mesmo”


para mostrar a ligação existente entre esses dois
centros reguladores da psique e a importância desse
vínculo para a integridade do ego.

EGO: Centro da consciência


SI- MESMO (SELF): Centro orientador da psique e
potencial de integração da personalidade inteira.
O eixo ego-Si mesmo representa a conexão vital entre o ego e o Si-mesmo, a
qual deve ficar relativamente intacta se se pretende que o ego suporte as
tensões e cresça. Esse eixo é uma passagem ou canal de comunicação entre a
personalidade consciente e a psique arquetípica. A danificação do eixo Ego-Si
Mesmo impede ou destrói a conexão entre consciente e inconsciente e provoca
a alienação do ego com relação à sua origem e fundamento (EDINGER,1996).

O desafio do analista está em promover essa conexão entre essas duas


instâncias psíquicas.
Não há luz sem sombra
nem totalidade
psíquica isenta de
imperfeição. A vida não
exige que sejamos
perfeitos mas sim
completos.

Carl Gustav Jung


REFERÊNCIAS: ASSOCIAÇÃO AMERICANA de PSIQUIATRIA. DSM – IV. Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Ed.
Artes Médicas sul, 1994.
EDINGER, F.E. Ego e arquétipo. São Paulo: Cultrix, 1996
JUNG, Carl Gustav. Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes, 2018, vol. 8/1.
JUNG, Carl Gustav. Natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2018, vol.
8/2
JUNG, Carl Gustav, O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira. 1977.
Schwartz-Salant, N. (1997). O corpo sutil e as experiências
imaginais no campo interativo. In A personalidade limítrofe: visão e
cura. São Paulo: Cultrix.
SILVEIRA, Nise, 2003. Jung, vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e terra.

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