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Diabetes

Mellitus
SUMÁRIO
1. Introdução e Epidemiologia................................................................................... 3

2. Fisiologia.............................................................................................................. 4

3. Fisiopatologia e Classificação............................................................................... 8

4. Fatores de Risco.................................................................................................. 11

5. Quadro Clínico..................................................................................................... 12

6. Complicações...................................................................................................... 15

7. Diagnóstico........................................................................................................ .16

8. Tratamento.......................................................................................................... 19

9. Decisão Terapêutica............................................................................................ 30

10. Controle Glicêmico.............................................................................................. 33

11. Emergências hiperglicêmicas............................................................................. 35

Referências.........................................................................................................................41
1. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

A diabetes mellitus, ou simplesmente DM, é uma das principais doenças da


prática médica e a sua prevalência vem aumentando com o tempo, de modo que
estima-se que ela acometa mais de 415 milhões de pessoas em todo o mundo.
Desses, cerca de 80% se encontram em países ainda em desenvolvimento, como
é o caso do Brasil, onde a estimativa é de que haja mais de 12 milhões de pessoas
acometidas.
Fora isso, estima-se que a diabetes seja capaz de aumentar em 30-50% o risco do
paciente desenvolver outras doenças, o que explica o fato de ela ser hoje a 6ª maior
causa de internações hospitalares e a principal causa de cegueira adquirida e de
amputações de MMII, além de ser responsável por cerca de 26% da diálises.
Mas então, do que se trata a diabetes mellitus? Bem… conceitualmente, a DM é
definida como sendo um distúrbio de metabolismo intermediário caracterizado por
hiperglicemia persistente decorrente de deficiência na produção de insulina ou na
sua ação, ou em ambos os mecanismos. O nome diabetes vem do grego e significa
passar através, dando ideia de fluido. Já mellitus vem do latim, daquilo que contém
mel. O termo diabetes mellitus então significa a glicosúria que ocorre, principalmente
nos quadros de diabetes importantes descompensada.
Quando a gente lê tudo isso, é bem provável que a primeira pergunta que venha na
nossa cabeça seja: o que é esse tal de metabolismo intermediário?

Conceito: A diabetes mellitus é um distúrbio de metabolismo in-


termediário caracterizado por hiperglicemia persistente decorrente de deficiên-
cia na produção de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos.

Então, esse metabolismo é ao qual serão submetidas todas as substâncias dige-


ridas e absorvidas por nosso sistema digestório e ele é composto por uma série de
reações de anabolismo (síntese) e catabolismo (degradação) de macromoléculas,
no caso: proteínas, carboidratos e lipídios. E quem faz a regulação desse metabo-
lismo são os hormônios, que nós podemos dividir em dois grupos: um da insulina e
outro dos hormônios contrainsulínicos.

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MAPA MENTAL INTRODUÇÃO

12 milhões no
brasil

Mais de 400 6º maior causa


milhões de de internações
pessoas no hospitalres
mundo

Distúrbio do
“Perda de mel DIABETES
metabolismo
na urina” MELLITUS
intermediário

Hiperglicemia
persistente
causada por um
ou ambos:

↓ Ação da ↓ Produção
insulina insulina

Fonte: Elaborado pelo autor.

2. FISIOLOGIA

Insulina e Estado Pós-Prandial


A insulina é um hormônio produzido nas células beta das ilhotas pancreáticas e
parte da sua produção é liberada constantemente (em níveis basais) na circulação
sanguínea, no entanto, sempre que a gente faz uma refeição, a taxa desse hormônio
no sangue aumenta muito, formando um pico de insulina (estado pós-prandial).
Isso acontece porque a glicose consegue entrar nas células beta do pâncreas
através de uma proteína conhecida como GLUT-2 e, daí, estimula a secreção de insu-
lina. Junto a isso, também se descobriu que toda vez que a gente se alimenta nosso
corpo produz as chamadas incretinas, que são dois peptídeos gastrointestinais, o

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GLP-1 (Glucose-Like Peptide 1) e o GIP (Glucose-dependent Insulinotropic Peptide),
que são capazes de aumentar a resposta pancreática à glicose, liberando mais
insulina.

Figura 1. Liberação de insulina plasmatica de acordo com o ciclo circadiano.


Fonte: Acervo Sanar.

A partir disso o que a insulina faz é se ligar ao seu receptor nas células do corpo
e induzir a translocação de vesículas contendo a proteína GLUT- 4 para a membrana
plasmática e o que essa proteína faz é justamente servir de canal para que a glicose
adentre na célula.

Conceito: Principal canal de translocação para a glicose adentrar


a célula é a proteína GLUT-4.

Mas, no final das contas, por que é tão importante a glicose entrar na célula? Por
dois motivos principais: a) é isso que permite a ocorrência da glicólise (principal-
mente nos hepatócitos e miócitos), que é o processo através do qual esse substrato
é utilizado como principal fonte de energia para as atividades celulares; e b) porque é
através disso que os hepatócitos conseguem pegar o excesso de glicose e armaze-
ná-lo sob a forma de glicogênio (glicogenogênese).
Por outro lado, a insulina também estimula que parte desse excedente de glicose
passe por um processo conhecido como lipogênese, que consiste em transformá-la
em ácido graxo para que esse seja direcionado aos adipócitos, onde serão transfor-
mados em triglicérides.

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Contrainsulínicos e Estado de Jejum
Já os hormônios contrainsulínicos são quatro:

GLUCAGON

(produção: células
alfa do pâncreas);
ADRENALINA

(produção: medula
suprarrenal);

CORTISOL

(produção: córtex
suprarrenal);
GH

(produção:
adenohipófise).

Fonte: Elaborado pelo autor.

Desses, o glucagon é o mais relevante no que tange à ação contrainsulínica, que


basicamente consiste em se opor à insulina.
Ou seja, enquanto a insulina é estimulada pela hiperglicemia a retirar glicose do
sangue, o glucagon é estimulado pela hipoglicemia (jejum) a aumentar os níveis
de glicose no sangue - é justamente por isso que ele é tido como um hormônio
hiperglicemiante!

Conceito: Glucagon é estimulado pelo jejum, hipoglicemia, para


aumentar os níveis de glicose no sangue.
Insulina é estimulada pela alimentação, hiperglicemia, para aumentar os níveis
de glicose intracelular.

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GLICOGENÓLISE GLICONEOGÊNESE

Quebra das reservas hepáti- Síntese de glicose a partir de molécular não


cas de glicogênio em glicose glicídicas

Fonte: Elaborado pelo autor.

Beleza, mas como ele consegue fazer isso? Basicamente através de dois proces-
sos: a glicogenólise e a gliconeogênese.
Além disso, os hormônios contrainsulínicos também atuam sobre os lipídios esti-
mulando o processo de lipólise, que consiste em quebrar os triglicérides para liberar
ácido graxo e esses, então, poderem ser utilizados pelas células como fonte de ener-
gia através da beta-oxidação.

Se liga! Caso a liberação de ácidos graxos seja exagerada, o fígado


vai utilizar o excesso para produzir corpos cetônicos e isso leva a um quadro de
cetoacidose, um tipo de acidose metabólica.

Perceba que, no final das contas, o grande objetivo tanto do glucagon quanto da
insulina é manter constante o nível de glicose no sangue. E por que isso é tão impor-
tante? Por conta dos neurônios! O que acontece é que essas células não conseguem
utilizar outros elementos como fonte de energia, então o corpo precisa dar um jeito
de sempre ter glicose disponível no sangue. Contudo, outra característica importante
dessas células é que elas não precisam da insulina para absorver a glicose (elas o
fazem de forma independente), de modo que tanto uma hiper quanto uma hipoglice-
mia acaba afetando o funcionamento dos neurônios e é justamente por isso que a
gente precisa tentar manter nosso nível glicêmico constante.

Se liga! Uma fonte alternativa de energia para os neurônios seria o


corpo cetônico produzido pelo fígado a partir do excesso de ácido graxo, mas,
como vimos, isso pode levar à cetoacidose. Então, garantir a disponibilidade de
glicose acaba sendo a única saída.

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3. FISIOPATOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO

Quando a gente entende toda essa fisiologia por trás do metabolismo intermedi-
ário e lembra que o problema da diabetes mellitus está na ação insulínica, a gente
consegue concluir que o organismo do paciente diabético vai se comportar o tempo
inteiro como se ele estivesse no estado de jejum. Calma. Vamos organizar isso direi-
to na nossa cabeça.
Lá no começo a gente definiu que a DM é decorrente de um problema na produção
ou na ação da insulina. Beleza, só que no final das contas tudo vai levar a uma mes-
ma situação: a glicose não vai entrar na célula. Dessa forma, independentemente do
nível glicêmico que estiver no sangue, como a célula não está tendo substrato para
produzir energia, o corpo entende que a pessoa está em jejum e aí aumenta a ativida-
de dos hormônios contrainsulínicos, estimulando a glicogenólise, a gliconeogênese e
a lipólise.
Contudo, existem vários mecanismos que podem levar a um quadro como esses
e é justamente em cima dessa diferença que a gente consegue classificar a diabetes
em vários tipos.

DM tipo 1
No Brasil, diabetes tipo 1 corresponde a cerca de 5-10% dos casos, o que repre-
senta uma média de 30.000 brasileiros acometidos - fazendo com que nós sejamos
o 3º país no mundo em prevalência de DM tipo 1.
A DM tipo 1 é uma doença autoimune e poligênica na qual os linfócitos T CD8+
invadem as ilhotas pancreáticas e atacam seletivamente as células beta, destruindo­
‑as. O que leva, então, a uma produção insuficiente ou nula de insulina.
A base patológica dessa doença parece estar em questões genéticas, uma vez
que cerca de 90% dos diabéticos tipo I apresentam alterações nos genes do HLA
(Antígeno Leucocitário Humano) - o MHC do homem - podendo ser o HLA-DR3 ou
HLA-DR4. No entanto, vale comentar que nem todos os indivíduos com essas alte-
rações desenvolveram DM, o que sustenta a ideia de que, além de fatores genéticos,
há também fatores ambientais (ainda não dominados) que influenciam os rumos da
doença.
A DM tipo 1 ainda pode ser subdividida em A e B, sendo que a diferença entre elas
em que na 1A são detectados autoanticorpos no sangue, enquanto na 1B, por sua
vez, essa detecção não é possível e ela é tida como idiopática.

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DM tipo 2
A DM tipo 2, por sua vez, é a forma mais comum da doença, correspondendo a
cerca de 90-95% dos casos. Mas aí, diferente do que vimos na 1, a DM tipo 2 não é
uma doença autoimune. Na verdade, ela se trata de um problema de bases genéticas
que é precipitado por fatores ambientais e que pode se caracterizar por uma defi­
ciência de secreção ou pela resistência insulínica (principal).
Ainda não se sabe ao certo o que provoca essa resistência nas células, no entan-
to, ela costuma estar associada a alguns fatores de risco - especialmente a obesida-
de visceral (central), uma vez que a gordura abdominal gera citocinas inflamatórias
que dificultam a ação da insulina sobre os tecidos.
Mas independente disso, a questão toda é que, como a insulina não está atuando
de forma eficiente, o corpo responde provocando hiperplasia e hipertrofia nas células
beta, no intuito de aumentar muito a oferta de insulina e, assim, compensar a sua
ineficiência e colocar a glicose para dentro da célula.
Em uma fase inicial, isso até que dá certo e o paciente consegue manter seu nível
glicêmico normal. Contudo, esse estado de hiperprodução acaba levando as células
beta a entrarem em exaustão e com o tempo elas vão parando de funcionar - é jus-
tamente por isso que, nos estágios mais avançados, a DM 2 começa a se asseme-
lhar com a DM 1, afinal elas se igualam no que tange à quantidade de células beta
funcionantes.

DM Gestacional
Obviamente, a DM gestacional é aquela que se desenvolve durante o período da
gravidez, mas o que não é tão óbvio assim é o porquê disso ser uma questão.
Bem… o que acontece é que na gravidez ocorre o desenvolvimento da placenta,
que é um órgão capaz de produzir uma série de hormônios com efeito hiperglice-
miante. Então, por si só, a gravidez já é uma condição potencialmente diabetogênica
e isso, quando se associa com outros fatores de risco, acaba levando à diabetes.

FATORES DE RISCO PARA DM GESTACIONAL

Idade materna avançada Sobrepeso/obesidade

História familiar de DM Crescimento fetal excessivo

História de abortamento Hipertensão/Eclâmpsia

Ovários policísticos Baixa estatura (< 1,5 m)

Fonte: Elaborado pelo autor.

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Outros tipos de DM
Já entre as outras causas de DM (menos frequentes) estão os defeitos genéticos,
as doenças pancreáticas, infecções, entre outros. Desses, o mais comum (e o único
que iremos abordar aqui) é o MODY (Maturity-Onset Diabetes of the Young), que con-
siste em uma doença genética de herança autossômica dominante, mas que não é
autoimune. Na verdade, a DM MODY altera a produção de alguns fatores que interfe-
rem na regulação da glicose e é justamente em cima disso que eles são classifica-
dos em seis grupos:

CLASSIFICAÇÃO GENE

Mody 1 HNF4A

Mody 2 (2º mais comum) GCK

Mody 3 (mais comum) HNF1A

Mody 4 IPF1

Mody 5 HNF1B

Mody 6 NEUROD1

Fonte: Elaborado pelo autor.

FISIOPATOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO

Seletivo
células Beta.
Diminui produção
insulina

Invasão
linfocitca das Alterações nos
Obesidade Histórico familiar
ilhotas genes do HLA
pancreáticas
Mais comum
Doença Caráter Resistência Fatores de risco
(90-95%
autoimune genético insulínica associados
dos casos)
Evolui a longo
5-10% Tipo II
Tipo I prazo com
dos casos
componentes
da DM I

Alteração
MODY Outros tipos Gestacional apenas durante
gravidez
Tende a Efeito do
LADA resolver após lactogênio
gestação placentário
Fonte: Elaborado pelo autor.

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4. FATORES DE RISCO

NÃO MODIFICÁVEIS MODIFICÁVEIS

Não caucasiano/Asiático IMC ≥ 25

Idade ≥ 45 anos Obesidade central

Parente (1º grau) com DM Sedetarismo

OUTRAS DOENÇAS

HAS Ovários policísticos

Doença cardiovascular HDL < 35 ou TG > 250

RESISTÊNCIA INSULÍNICA

Acantose nigricans Pré-diabetes

Fonte: Elaborado pelo autor.

Conceito: A acantose nigricans é uma lesão de pele hiperpigmen-


tada decorrente de hiperinsulinemia e que normalmente aparece nas regiões de
dobras (axila, pescoço, virilha, entre outros locais).

Figura 1. Imagem ilustrando acantose nigricans na região do pescoço.


Fonte: Dermatology11/Shutterstock.com

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5. QUADRO CLÍNICO

Bem, agora que a gente já entendeu muito do que é e de como se desenvolve a


diabetes mellitus, a gente pode, então, aprender como o paciente vai se apresentar
ao chegar no consultório e aí uma coisa nós já precisamos ter em mente: o quadro
clínica varia de acordo com o tipo da DM.

DM tipo 1
Por conta da própria fisiopatologia de ser uma doença autoimune, a DM tipo I aca-
ba se manifestando mais cedo, de modo que a grande maioria dos pacientes com
essa condição é diagnosticada ainda criança ou adolescente (geralmente entre os
10-15 anos).

Se liga! Há casos em que a DM1 evolui de forma mais insidiosa e aí


o paciente só abre o quadro quando adulto. A esses casos nós damos o nome
de LADA (Late-Onset Autoimmune Diabetes of Adulthood).

E normalmente eles são magros (lembre que a obesidade está relacionada com a
resistência insulínica da DM 2) e vão desenvolver um quadro agudo e clássico, apre-
sentando os típicos quatro Ps da diabetes:

Poliúria (aumento do volume urinário);


Polidipsia (aumento da sede);
4Ps Polifagia (aumento da fome);
Perda ponderal.

Então, vamos entender cada um deles. Pensa: se o paciente é diabético, ele tem
uma hiperglicemia, daí, com mais glicose no sangue, mais glicose é excretada atra-
vés da urina. E como ela é uma substância osmoticamente ativa, o paciente acaba
perdendo mais água através do trato urinário (poliúria). A partir daí, ele começa a de-
sidratar e é isso que explica o aumento da sensação de sede (polidipsia).
Por outro lado, o fato de as células não estarem recebendo glicose para produzir
energia é interpretado pelo corpo como sendo um estado de jejum, levando, então,
ao aumento da sensação de fome (polifagia). Além disso, esse mesmo estado de
jejum também acaba estimulando os hormônios contrainsulínicos que, entre outras
coisas, promovem a lipólise, levando à perda ponderal.

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É importante nos atentarmos também que por vezes o paciente DM 1 vai ter uma
destruição grande e rápida das células beta, de modo que 1/3 deles podem iniciar o
quadro já com cetoacidose diabética.

Saiba mais! CETOACIDOSE DIABÉTICA


Como já vimos lá no começo, os hormônios contrainsulínicos vão estimular
lipólise, que é o processo pelo qual ocorre a quebra de triglicérides para liberar
ácidos graxos, os quais podem ser utilizados como fonte de energia.
No entanto, como nós também já vimos, a partir do momento em que essa libe-
ração se dá de forma exagerada, o fígado começa a fazer cetogênese, que é a
produção de corpos cetônicos a partir desses ácidos.
É justamente em cima disso que ocorre a cetoacidose diabética. O que acon-
tece é mais ou menos o seguinte: como o paciente DM 1 tem níveis de insulina
muito baixos, o estado de jejum que ele desenvolve acaba sendo muito intenso,
bem como a ação dos contrainsulínicos. A partir daí, a produção de ácidos gra-
xos aumenta e o fígado inicia a cetogênese. O problema é que dos três corpos
cetônicos produzidos, dois são ácidos (acetoacético e beta-hidroxibutírico).
Dessa maneira, aumenta-se a quantidade de íons H+ no sangue, levando a um
ânion-gap elevado (diferença entre as quantidades de íons positivos e negati-
vos no sangue) e manifestações, por exemplo:
• Hipocalemia: Vai haver troca de íons através das bombas H+/K+ presentes
nas células;
• Hálito de acetona: O 3º corpo cetônico é a acetona, que é inócua ao organis-
mo, promovendo apenas alterações no hálito;
• Respiratórias: Kussmaul (uma tentativa do pulmão de eliminar o H+ através
da respiração);
• Gastrointestinal: Dor abdominal (pelo atrito entre os folhetos abdominais
desidratados); náuseas e vômitos.

Por fim, temos que essas pacientes costumam apresentar uma glicemia > 200
mg/dl com presença de autoanticorpos (ICA, IAA, Anti­‑GAD65, Anticorpo Antitirosina­
‑Fosfatase IA­‑2 e IA­‑B2, Znt8…) e também não respondem bem aos antidiabéticos
orais e sem insulina vão acabar desenvolvendo cetoacidose.
Além disso, uma última característica da DM 1 é o peptídeo C < 0,1 ng/dl ou au-
sente. Só para a gente entender melhor isso, o peptídeo C é um componente da pró­
‑insulina que é liberado quando ocorre a quebra dessa molécula. No entanto, como
aqui praticamente não há produção do hormônio, os níveis de peptídeo C são geral-
mente indetectáveis.

Diabetes Mellitus 13
DM tipo 2
A primeira grande diferença entre a DM 1 e a DM 2 é o estereótipo do paciente.
Aqui, cerca de 80% dos pacientes são obesos pois, como vimos, a obesidade está
relacionada à resistência insulínica. Mas, além disso, como essa condição costu-
ma ocorrer de forma mais progressiva e assintomática, o diagnóstico acaba sendo
tardio, por volta dos 45 anos - que é quando o paciente começa a apresentar os sin-
tomas clássicos (4 Ps) e também as complicações (sendo a principal, o estado hipe-
rosmolar não cetótico).
Nesses pacientes normalmente nós vamos encontrar uma glicemia < 200 mg/dl,
sem autoanticorpos, mas com peptídeo C (> 0,1 ng/dl). Além disso, esses pacientes
ainda costumam responder bem a antidiabéticos orais e dificilmente evoluem para
uma cetoacidose.

Saiba mais! ESTADO HIPERGLICÊMICO HIPEROSMOLAR NÃO


CETÓTICO (EHHNC)
Como na DM 2, o paciente ainda apresenta uma certa quantidade de insulina
circulando pelo sangue, acaba sendo mais raro ele desenvolver cetoacidose
diabética como no tipo 1. No entanto, ele costuma apresentar outra complica-
ção da diabetes, que é o EHHNC.
O que acontece nesses casos é o seguinte: como a glicose é uma molécula os-
moticamente ativa, a sua alta concentração no sangue acaba fazendo com que
a água retida nas células se desloque para o plasma, levando à desidratação
- inclusive dos neurônios. É por isso que pacientes nesse estado costumam se
apresentar com rebaixamento do nível de consciência, além de uma espoliação
hidroeletrolítica devido ao aumento do volume urinário. Perceba, então, que a
grande diferença é que aqui nós não vamos encontrar sintomas gastrointesti-
nais ou respiratórios e nem mesmo hálito cetônico.

DM tipo MODY
Só a título de curiosidade já que esses são casos mais raros: a DM tipo MODY
costuma se apresentar como uma mistura entre os tipos 1 e 2. Do tipo 1 ela traz a
ausência de autoanticorpos e o estereótipo do paciente jovem e magro. Já da DM 2
ela traz o quadro de manifestações. É por isso que é muito difícil identificar uma DM
MODY e, por vezes, o paciente acaba recendo o diagnóstico errado.

Diabetes Mellitus 14
6. COMPLICAÇÕES

As principais complicações da diabetes costumam ser divididas em dois grupos:


agudas ou crônicas. As agudas, como já é de se esperar, são questões mais emer-
genciais, então vamos falar delas depois. Por agora, vamos só conhecer as crônicas,
pois são as mais comumente encontradas na prática clínica ambulatorial e, portanto,
precisam fazer parte da nossa investigação para todo e qualquer paciente com sus-
peita ou diagnóstico de diabetes.
Pois bem… uma coisa que a gente precisa ter em mente é que altos níveis glicê-
micos acabam comprometendo a estrutura vascular e por isso que é comum ouvir
que “diabetes causa doença de vaso!”. Mas a questão é que é justamente essa lesão
vascular crônica que acaba levando a uma série de complicações, que nós podemos
classificar em dois grupos:
1. Microvascular: O diabetes provoca lesão endotelial através do aumento da in-
flamação na parede vascular através do estresse oxidativo. O processo de for-
ma crônica leva a alterações da vasodilatação e lesões graves como trombose
e leitos vasculares incompetentes.
• Retinopatia Diabética;
• Nefropatia Diabética;
• Neuropatia Diabética;
• Pé Diabético.
2. Macrovasculares: O processo macrovascular é semelhante ao microvascular,
já que a diabetes também gera inflamação endotelial. A inflamação, juntamen-
te com a glicolisação de proteínas e aceleração do processo ateroesclerótico,
propicia o aceleramento do processo aterotrombótico, gerando a longo prazo
obstruções que levam à insuficiência sanguínea e comprometimento do leito
vascular.
• Doença Arterial Coronariana (DAC);
• Doenças Cerebrovasculares;
• Arteriopatia Periférica.
Olhando pra essa lista, fica fácil concluir que as complicações macrovasculares
são mais relevantes do ponto de vista de mortalidade e por isso a gente deve in-
vestigar na anamnese do paciente a presença dos sintomas característicos dessas
doenças. Já com relação às complicações microvasculares, a apresentação clínica
é mais discreta e aí é importante que, além das queixas, a gente investigue mais a
fundo e faça uma avaliação também na hora do exame físico, principalmente com
relação aos olhos e pés.

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OLHOS (FUNDOSCOPIA)

DM está associada a erros de refração, catarata, glaucoma e retinopatia diabética

Aumenta em 25x os riscos de perda visual

Parente (1º grau) com DM

PÉS

Unhas Infecção fúngica


Inspeção
Barotrauma Calos

Pulsos Pedioso dorsal Tibial posterior

Teste do monofilamento

+1
Sensibilidade Reflexo
Vibração (com
diapasão ou (tornozelo)
biotensiômetro) Dolorosa

Fonte: Elaborado pelo autor.

7. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de diabetes requer uma anamnese buscando os 4 Ps caracterís-


ticos, mas também a presença de eventuais complicações e de fatores de risco,
como erro alimentar e sedentarismo, por exemplo. Por outro lado, se o paciente já
tiver sido diagnosticado, é imprescindível que a gente o questione sobre o início da
doença, episódios de hipoglicemia e também sobre o atual tratamento que ele vem
realizando.
Contudo, para fechar o diagnóstico são necessários exames laboratoriais, são
eles:
• Glicemia de Jejum
• Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG)
• Hemoglobina Glicada (HbA1c)

Glicemia de Jejum
Nesse exame, basta o paciente ficar em jejum por oito horas e depois será colhida
uma amostra de seu sangue para avaliar o nível glicêmico.

Diabetes Mellitus 16
IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES

< 100 mg/dl 100-125 mg/dl ≥ 126 mg/dl

Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG)


O TOTG, também chamado de TTGO, é um exame realizado em três etapas:
• Realização de um glicemia em jejum;
• Ingestão oral de 75 g de glicose;
• Coleta de amostra após duas horas para medir glicemia.

IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES

< 140 mg/dl 140-199 mg/dl ≥ 200 mg/dl

Hemoglobina Glicada (HbA1c)


Por fim, a HbA1c é um exame com menor sensibilidade, mas que reflete o controle
glicêmico do paciente nos últimos dois a quatro meses. Como é que pode isso?
É o seguinte: parte da glicose circulante tende a se associar com a hemoglobina
do sangue, tornando-a glicada. Assim, quanto maior for o nível glicêmico, mais desse
composto haverá no sangue. E por que dois a quatro meses? Porque é o tempo da
meia-vida das hemácias!

IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES

< 5,7% 5,7-6,4% ≥ 6,5%

A partir disso tudo, a gente acaba se perguntando: e qual exame devo pedir?
Bem… a primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que para podermos
fechar o diagnóstico de DM é necessário a gente obter dois exames laboratoriais
alterados e aí, de maneira prática, a gente pode escolher qualquer um dos três que
vimos, pois eles têm poder diagnóstico muito semelhante - no entanto, como a gli-
cemia em jejum é mais barata e mais fácil de ser realizada, ela acaba sendo a nossa
primeira opção. E aí, na segunda vez, a gente pode repetir o mesmo exame já solici-
tado ou então pedir para que seja feito um dos outros dois.

Diabetes Mellitus 17
Caso o primeiro exame indique um quadro de pré-diabetes, o recomendado é
que o segundo exame solicitado seja um TTGO, pois aí nós vamos sobrecarre-
gar o pâncreas para ver se ele realmente está funcionando bem.

A partir disso, nós poderemos cair em três situações diferentes:

2 Exames 2 Exames
normais alterados

No máximo é Diagnóstico de
Pré-Diabético Diabetes

1 Exame normal e outro alterado

Repete o exame alterado ou


pede um diferente dos
2 anteriores

Fonte: Elaborado pelo autor.

Se liga! DESCOMPENSAÇÃO FRANCA


Caso o paciente chegue no consultório com um quadro clássico de DM (vulgo
4 Ps) e glicemia aleatória (daquelas colhidas com glicosímetro) ≥ 200 mg/dl
a gente já pode fechar o diagnóstico de DM sem precisar de nenhum exame
laboratorial

Glicemia
4Ps + aleatória ≥
200 mg/dl
= Diagnóstico
de DM

Pode acontecer de não encontrarmos nada nessa avaliação do paciente, mas,


mesmo assim, continuar acreditando que ele tem predisposição para DM. E aí? O
que fazer?
Bem… existe um exame conhecido como HOMA-R que vai fazer a dosagem da gli-
cemia e dos níveis séricos de insulina no paciente e, daí, associar esses dois valores

Diabetes Mellitus 18
em uma fórmula específica. Contudo, apesar de muito bom para detectar a predispo-
sição, é um exame bem caro e que não está disponível no SUS.

Rastreio
Chegado até aqui a gente já aprendeu como diagnosticar um paciente quando a
gente suspeita de DM, no entanto, como nós vimos, parte deles podem ficar assinto-
máticos por muitos anos. E aí? Como a gente para rastrear os pacientes com a doen-
ça? Inicia aquele esquema de diagnóstico com todo mundo? Não!
De acordo com as diretrizes mais atuais, a gente só deve fazer o rastreio de DM
em pacientes que tenham ao menos um desses dois critérios:

Obesidade +1
Idade ≥ 45
fator de risco
anos
(mínimo)

8. TRATAMENTO

E para fechar tudo sobre a diabetes, nós precisamos aprender como tratar o nos-
so paciente e isso envolve a adoção de uma terapia não medicamentosa e também a
administração de drogas orais e/ou até mesmo insulina.
Mas vamos com calma entender cada uma dessas nossas opções.

Tratamento Não Farmacológico


O tratamento não farmacológico corresponde àquela velha mudança do estilo de
vida (MEV).
Ele está indicado para todos os pacientes diabéticos ou pré-diabéticos e envolve:
a) adequação alimentar através de dietas com baixo nível calórico; b) atividade físi-
ca (150min/semana); e também c) cessação do tabagismo, já que essa prática pode
aumentar muitos os riscos DM.

Tratamento Farmacológico
O tratamento farmacológico, por sua vez, consiste na administração de drogas
antidiabéticas e ele ganha bastante espaço quando a MEV sozinha não é suficiente
para dar conta de controlar a DM e também para manter a estabilização clínica após
o controle com a insulina.

Diabetes Mellitus 19
Com isso em mente, então, temos que existem oito principais classes de medica-
mentos disponíveis para o tratamento da diabetes e, para ficar didático, vamos dividi­
‑los em quatro grupos com base na ação que exercem no corpo:

Sensibilizadores à Biguanidas
insulina Glitazonas

Secretagogos de insulina Biguanidas


independentes da glicose Glitazonas

Secretagogos de insulina Inibidores de DPP-IV


dependentes de glicose Análogos da GLP-1

Inibidores de DPP-IV
Outros
Análogos da GLP-1

Fonte: Elaborado pelo autor.

1. Sensibilizadores à Insulina
Compondo esse grupo estão duas classes de drogas que atuam promovendo a
diminuição da resistência insulínica (dentre outras coisas).

Biguanidas
A única representante dessa classe é a metformina, que, aliás, é o medicamento
mais utilizado no tratamento de pacientes diabéticos, uma vez que ela está indicada
para todos os pacientes DM 2 que não tenham contraindicação.

Obs. Inclusive, a metformina pode ser prescrita para os pré-diabéticos que tenham pelo me-
nos dois fatores de risco para DM. Por que isso? Para que ele tenha mais tempo para esperar
os efeitos da MEV.

Mas beleza. E qual é o efeito dessa medicamento? O principal de todos é sobre o


fígado, reduzindo a gliconeogênese hepática, que é a maior responsável pelos altos
níveis glicêmicos no paciente diabético.
Além disso, em menor escala, ela também retarda a absorção intestinal de carboi-
dratos e aumenta a translocação de GLUT-4 na periferia (especialmente em células
musculares), o que diminui a resistência insulínica.
No entanto, é importante a gente se atentar de que seu uso é contraindicado
quando o paciente apresenta:
• Alguma insuficiência (renal, cardíaca…)
• Acidose grave
• Gravidez
Efeitos Adversos
• Gastrointestinais
• Dor abdominal

Diabetes Mellitus 20
• Diarreia
• Empachamento

Obs. Podem ser resolvidos com a utilização de comprimidos de liberação lenta.

Glitazonas
Também conhecida como tiazolidinadiona (TZD), essa classe de fármacos tem
como principal representante a poliglitazona, que é a nossa segunda opção de droga
quando o paciente tem contraindicação ou não respondeu bem à metformina.
Já com relação à sua ação, temos que essa droga possui um efeito genômico
(ou seja, vai demorar semanas para agir): ela vai atuar sobre um receptor nuclear
conhecido como PPAR-γ (peroxisome proliferator-activated receptor-γ), que está re-
lacionado aos tecidos adiposo e muscular, promovendo o metabolismo da glicose e
também a produção de adipócitos.
Em cima disso, a gente percebe que a ação do fármaco sobre esse receptor, além
de diminuir a resistência insulínica nos tecidos adiposo e muscular, também está
relacionada a uma maior formação de adipócitos (e, por isso, ganho de peso) nas
regiões periféricas do corpo.
Visto isso, temos que as principais contraindicações para seu uso são:
• Insuficiência cardíaca (NYHA III ou IV)
• Insuficiência hepática
• Gravidez
Efeitos Adversos
• Edema (por isso a contraindicação para IC)
• Insuficiência cardíaca
• Ganho de peso (piora adesão ao tratamento)
• Infecção em trato respiratório alto
• Sinusite/faringite

2. Secretagogos independentes da glicose


Como o nome já indica, aqui nesse grupo foram reunidas as drogas que atuam
favorecendo a secreção de insulina, independentemente da presença de glicose.

Sulfonilureias
Essa classe de drogas, juntamente com a das biguanidas, é uma das mais utiliza-
das no tratamento de pacientes diabéticos e as suas principais representantes são:
Primeira geração

Tolbutamida

Diabetes Mellitus 21
Segunda Geração

Gliclazida
Glibenclamida

Terceira geração

Glimepirida

O efeito desses medicamentos é sobre as células beta do pâncreas. Basicamente,


o que eles fazem é bloquear os canais de K+, o que leva a uma despolarização da
membrana plasmática e consequente abertura dos canais de Ca+2. O influxo de cál-
cio, então, favorece a degranulação das vesículas com insulina, liberando o hormônio
no meio externo.
Quando a gente entende todo esse mecanismo, fica fácil convir de que as sulfo-
nilureias só terão efeito nos pacientes que ainda tiverem células beta preservadas -
aqueles em estágio mais avançado não se beneficiam.
Como contraindicações, temos:
• Insuficiência renal;
• Insuficiência hepática;
• Gravidez.
Efeitos Adversos
• Hipoglicemia (pelo aumento de insulina - inclusive é por isso que devemos ter
cuidado ao indicar esses medicamentos para idosos);
• Ganho de peso (já que há um aumento do efeito insulínico).

Glinidas
Sendo representada principalmente pela repaglinida e pela nateglinida, essa clas-
se de medicamentos atua de forma muito semelhante às sulfonilureias: promovem a
secreção de insulina pelo mesmo mecanismo de ação.
A diferença entre elas é apenas o tempo de meia vida das drogas, que é bem menor
no caso das glinidas. Dessa forma, o seu uso deve ser sempre antes de alguma refei-
ção, para que ela consiga reduzir a glicemia pós-prandial - é por isso que a sua princi-
pal indicação é em casos de pacientes que não têm horário fixo para as refeições.
Diante disso, conseguimos perceber que as glinidas atuam apenas sobre os mo-
mentos de pico de insulina, mas não sobre o nível basal desse hormônio, de modo
que essas drogas não podem ser utilizadas isoladamente.

Obs. Além disso, também não podem ser prescritas juntamente com uma sulfonilureia, afi-
nal o mecanismo de ação das duas é o mesmo.

Diabetes Mellitus 22
No que tange às contraindicações, tem-se apenas uma: gravidez.
Efeitos Adversos
• Hipoglicemia (em menor intensidade do que nas sulfonilureias)
• Ganho de peso

3. Secretagogos dependentes da glicose


Lembra das incretinas que comentamos lá no início? Pois bem… é sobre elas que
as drogas desse grupo vão atuar.

Inibidores de DPP-IV
Essa classe é representada principalmente por três fármacos: vildagliptina, sita-
gliptina e saxagliptina e ação deles se baseia em inibir a enzima DPP-IV, cuja função
é degradar as incretinas que foram liberadas após a alimentação.
A partir disso, sem sofrer degradação, as incretinas têm o seu efeito prolongado, ou se-
ja: há um maior estímulo à liberação de insulina (mas dependente da presença de glicose).
Por conta desse seu mecanismo, esses medicamentos estão pouco relacionados
à hipoglicemia e também não possuem muitas contraindicações, no máximo aler-
gias - mas, no geral, são bem tolerados.
Contudo, é importante destacar que eles são bem caros e não estão disponíveis
no SUS, de modo que acabam não sendo utilizados na prática - exceto se a gente
considerar que a prática é a clínica particular, obviamente.
Efeitos Adversos
• Nasofaringite
• Cefaleia e/ou tontura
• Diarreia

Análogos da GLP-1
Sendo representada pela exenatida e pela liraglutida, principalmente, essa classe
de medicamentos atua mimetizando uma das incretinas (no caso: o GLP-1) e, assim,
estimulando a liberação de insulina.
A sua administração deve ser subcutânea - diferente de todas as outras drogas
que vimos até aqui (que são orais) - e o seu efeito depende dos níveis de glicose, ou
seja: se a glicemia estiver baixa, elas não atuam, o que implica dizer que o risco de
hipoglicemia é muito baixo! Além disso, uma outra vantagem dessa classe é que os
medicamentos conseguem reduzir bastante o peso e inclusive são usados no trata-
mento de obesidade, até porque praticamente não há contraindicações para seu uso
- de novo: no máximo alergias (mas também são bem tolerados).
Efeitos Adversos
• Náuseas
• Possibilidade de pancreatite aguda injetável

Diabetes Mellitus 23
TRATAMENTO

Ação Ação prolongada/ Mudança estilo


Ultrarrápida Metformina Poliglitazona
intermediária (NPH) lenta de vida

Não
Rápida (regular) Prandial Insulinoterapia Biguanidas Glitazonas
farmacológico

Inibidores de Sensibilizadores
Acarbose Outros TRATAMENTO Tobutamida Gliclazida
a-glicosidases à Insulina

Secretagogos Secretagogos
Inibidores de
Dapaglifozina dependentes independentes Sulfoniureias Glibenclamida
SGLT-2
da glicose da glicose

Análogos da Inibiores de
Liraglutida Glinidas Glimepirida
GLP-1 DDP-IV

Exenatida Saxagliptina Sitagliptina Vildagliptina TRATAMENTO Repaglinida

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diabetes Mellitus 24
4. Outros

Inibidores de SGLT-2
Essa classe é representada pela dapaglifozina, um medicamento que atua inibin-
do uma proteína renal conhecida como SGLT-2 e o que essa proteína faz é reabsorver
a glicose do filtrado. Ou seja, inibindo a sua ação, a gente aumenta a glicosúria e,
consequentemente, reduz os níveis glicêmicos do paciente - o que também favorece
a perda de peso. Como contraindicações, temos:
• Candidíase recorrente
• Comprometimento renal severo (o rim já não está funcionando muito bem, en-
tão o medicamento não terá qualquer efeito)
Efeitos Adversos
• Glicosúria
• Maior risco de ITU (já que haverá uma maior concentração de glicose no trato
urinário)

Inibidores de α-Glicosidases
Tendo como único represente a acarbose, essa classe de medicamentos atua
impedindo a ação da enzima α-glicosidase, que atua no intestino quebrando as
moléculas de carboidrato para facilitar a sua absorção. Assim, sem o efeito dessas
enzimas, a absorção de açúcar é retardada e a glicemia, ao invés de fazer um pico
pós-prandial, vai se alargar e aí esse padrão se aproxima da capacidade de secreção
de insulina dos pacientes diabéticos (que é mais tardia e menos intensa) - ou seja:
diferente do que vimos até agora, o que esse medicamento faz não é adaptar a insu-
lina do paciente aos níveis de glicose, mas adaptar a absorção de glicose aos níveis
de insulina que ele pode oferecer!
Como contraindicação, temos apenas:
• Gravidez
• Doença inflamatória intestinal
Efeitos Adversos
• Flatulência (o aumento de glicose no intestino favorece a ação de bactérias, de
modo a produzir gases)
• Distensão abdominal
• Dor abdominal

Diabetes Mellitus 25
5. Insulinoterapia
A nossa outra opção de tratamento é a administração de insulina no subcutâneo,
mas, para a gente entender melhor essa terapêutica, precisamos relembrar aquele
gráfico de insulina que vimos lá no início.

Gráfico1. Liberação de insulina de acordo com o ciclo circadiano.


Fonte: Acervo Sanar.

Bem… nesse gráfico a gente consegue ver que a insulina tem uma concentração
basal que se mantém ao longo de todo o dia, porém, apresenta picos após as princi-
pais refeições do dia e a gente precisa ter isso em nossa cabeça porque na insulino-
terapia o objetivo é criar uma associação quemimetize esse gráfico.
Dessa forma, há dois grupos de insulina:
• Basal
• Prandial

Insulina Basal
Fisiologicamente falando, a insulina basal é aquela que se mantém em níveis
constantes ao longo de todo o dia e aí, para mimetizar o seu efeito, nós podemos uti-
lizar insulinas de:
Ação prolongada/lenta

Glargina

Diabetes Mellitus 26
Detemir
Degludeca

Ação intermediária

NPH

Glargina, Detemir e Degludeca


São as nossas melhores opções de insulina basal, uma vez que elas conseguem
se manter por um período médio de 24h (ou seja, o paciente só precisará fazer uma
aplicação ao dia) e, além disso, ainda não apresentam picos significantes, o que é
um fator importante, pois diminui os riscos de hipoglicemia.
Só para a gente entender melhor isso, pensa o seguinte: se a insulina basal fizes-
se um pico, a gente não teria como saber o horário exato em que isso aconteceria
e aí, caso nesse momento o paciente não estivesse se alimentando, o que tives-
se de glicose no sangue seria colocado para dentro da célula e aí ele entraria em
hipoglicemia.

Obs. A degludeca tem efeito durante mais de 24 horas e o maior benefício disso é que se
cria um intervalo de proteção em relação ao horário da tomada do medicamento, de modo que
o paciente pode se atrasar um pouco e ainda assim terá seu nível de insulina basal garantido.

NPH
Diferente das opções anteriores, a NPH é uma insulina de ação intermediária,
tendo efeito por apenas 12 horas (ou seja, serão necessárias, no mínimo, duas apli-
cações por dia: uma de manhã e outra de noite) e ela também possui um pico signi-
ficante, o que a afasta do que seria considerado fisiológico. Contudo, essa é a única
opção de insulina basal disponibilizada pelo SUS, de modo que acaba sendo mais
frequentemente utilizada do que as demais.

Insulina Prandial
Já a insulina prandial, por sua vez, é a responsável por fazer o pico após as refei-
ções e depois ceder para voltar aos níveis basais. Então, nesse caso, o paciente pre-
cisa fazer uso dessas insulinas antes de cada refeição principal.
Ação ultrarrápida

Lispro
Aspart
Glulisina

Diabetes Mellitus 27
Ação rápida

Regular

Lispro, Aspart e Glulisina


As insulinas de ação ultrarrápida são aquelas que começam a fazer efeito de for-
ma mais imediata (só precisam ser aplicadas 15 minutos antes da refeição) e cujo
tempo de ação é mais curto, o que propicia que ela forme um pico muito semelhante
ao fisiológico.

Regular
Já a insulina regular, que possui ação rápida, é aquela que demora um pouco para
surtir efeito (então precisa ser aplicada 45 minutos antes da refeição) e ainda tem
um tempo de ação mais longo, formando picos mais alargados e diferentes do que
considerado fisiológico.
Contudo, essa é a única insulina prandial que está disponível pelo SUS e, portanto,
acaba sendo a mais utilizada no cenário brasileiro.
Só para a gente terminar de organizar as coisas na nossa cabeça: o tratamento
ideal através da insulinoterapia é aquele que melhor se aproxima do que é conside-
rado fisiológico. Em cima disso, o melhor seria associar uma insulina basal de ação
prolongada (como a glargina) com uma insulina prandial ultrarrápida. Perceba que
nessa terapia o gráfico de insulina formado seria bem semelhante ao fisiológico que
já vimos:

Gráfico 2. Comparação da ação das insulinas, ultrarápidas e prolongada, durante o dia.


Fonte: Acervo Sanar.

Diabetes Mellitus 28
No entanto, em se tratando de SUS, a única opção de tratamento com insulina que
está disponível é a associação entre uma insulina basal de ação intermediária (NPH)
com uma insulina prandial de ação rápida (regular). Como podemos ver abaixo, o
gráfico final acaba diferindo um pouco do fisiológico, no entanto, ainda assim é um
tratamento eficaz no controle da DM.

Gráfico 3. Comparação da ação das insulinas, rápida e intermediária, durante o dia.


Fonte: Acervo Sanar.

DURAÇÃO DO
INSULINA INÍCIO DE AÇÃO PICO DE AÇÃO EFEITO
TERAPÊUTICO

Longa Duração

Glargina 100 UI/ml


2-4 h Não apresenta 20-24h
(Lantus®, Basaglar®)

Detemir (Levemir®) 1-3 h 6-8 h 18-22 h

Ação ultralonga

Glargina 300 UI/ml


6h Não apresenta 36 h
(Toujeo®)

Degludeca (Tresiba®) 21-41 min Não apresenta 42 h

Ação intermediária

Insulina NPH 2-4 h 4-10 h 10-18 h

Ação rápida

Insulina regular 0,5-1 h 2-3 h 5-8 h

Ação ultrarrápida

Asparte (Novorapid®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h

Lispro (Humalog®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h

Gluisilina (Apidara®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h

Fonte: Adaptado de Rang et al (2012).

Diabetes Mellitus 29
9. DECISÃO TERAPÊUTICA

Beleza, a gente viu um monte de opção e um monte de fármacos que podem ser
empregados no controle da DM. Mas no final das contas, o que é mesmo que a gen-
te usa?
Vamos com calma porque a escolha do tratamento depende do tipo de diabetes!

Pré-Diabetes
Caso a gente identifique que o paciente está em um quadro de pré-diabetes, a
principal medida a ser adotada é a orientação quanto à MEV. É preciso orientar o
paciente não só no que tange à realização de atividades físicas, mas também com
relação a importância de se ter uma alimentação saudável, evitando, em especial, o
consumo de carboidratos.
E já dá para entrar com medicamentos aqui? Então…de todos os medicamentos
disponíveis para controle da DM, apenas a metformina mostrou conseguir reduzir o
desenvolvimento de diabetes - e só em pacientes com menos de 60 anos! Isso quer
dizer que a gente vai prescrever metformina para todos os pré-diabéticos? Não! A
indicação fica restrita a casos específicos como:
• Obesidade grau II (IMC > 35)
• História de DM gestacional
• HbA1c aumentada > 6% (mesmo com MEV) DM tipo 2
Bem…toda vez que a gente for pensar na terapia de uma paciente com DM 2, é im-
portante levar em consideração 4 perguntas-chave:

1 – Tem insulinopenia?

2 – Tem resistência insulínica?

3 – Há maior risco de hipoglicemia?

4 – Consegue se tratar fora do SUS?

Fonte: Elaborado pelo autor.

Caso o paciente tenha insulinopenia (4 Ps), nós precisaremos passar para ele
um secretagogo ou então iniciar uma insulinoterapia - mas essa última só pode ser
considerada caso o paciente se enquadre em pelo menos das seguintes indicações
específicas:
Falência terapêutica Glicemia > 300 mg/dl

Gestante Estresse agudo (IAM, AVC)

Emagrecimento progressivo (por conta da DM)

Diabetes Mellitus 30
Agora, se o paciente estiver com uma resistência insulínica, aí vamos precisar
passar a metformina e/ou a poliglitazona.
De maneira prática, então, se o paciente DM 2 for assintomático ou tiver apenas
sintomas leves e uma glicemia < 200 mg/dl, provavelmente ele só tem a resistência
insulínica, mas ainda consegue compensar isso através do aumento da secreção
desse hormônio, então para eles a gente pode começar com uma monoterapia usan-
do metformina ou poliglitazona.
Por outro lado, se ele já chegar com uma glicemia entre 200-300 mg/dl e com
manifestações (só que não graves), aí é porque, além da resistência, ele também já
deve estar começando a reduzir produção de insulina, então junto com metformina/
poliglitazona, a gente deve indicar o uso de um secretagogo - que na maioria das ve-
zes será uma sulfonilureia ou uma glinida, exceto se o paciente tiver acima do peso.
Mas e se o paciente estiver com glicemia > 300 mg/dl e com manifestações gra-
ves? Bem, aí ele já entra naquela indicação para insulinoterapia que vimos lá em
cima!
Por fim, as duas últimas perguntas não são para definir qual classe será usada,
e sim para ajudar a escolher qual é a melhor droga em cada situação. No caso de
pacientes com um maior risco de hipoglicemia, como é o caso dos idosos e dos pa-
cientes com demência ou algum acometimento cardiovascular, é importante a gente
avaliar bem se vamos passar uma sulfonilureia ou uma glinida, por exemplo.

Manifestações Manifestações
leves moderadas
Glicemia < 200 mg/dl Glicemia 200-300 mg/dl

Metformina ou
Metformina ou
poliglitazona +
poliglitazona
Secretagogo

Manifestações graves
Glicemia > 300 mg/dl

Insulinoterapia

Fonte: Elaborado pelo autor.

Já no que tange ao SUS, a grande questão é que de todas as drogas antidiabéti-


cas que vimos, as únicas disponíveis são a metformina e duas sulfonilureias: gliben-
clamida e gliclazida, o que limita nossa decisão terapêutica.
No entanto, algumas das outras opções que aprendemos aqui são bastante caras,
um análogo de GLP-1, por exemplo, pode chegar a custar cerca de R$ 400,00, então a

Diabetes Mellitus 31
gente precisa saber o quanto o paciente pode pagar no seu tratamento para não aca-
bar indicando algo que ele não consegue bancar e aí não aderir ao tratamento.
Beleza, mas e se a gente iniciar a terapia do paciente e ele não responder e conti-
nuar descompensado? Bem…aí a gente vai associando outras drogas pra ver se regu-
la, sendo que quando atingirmos a marca de três fármacos hipoglicemiantes, a gente
já deve começar a refletir sobre a necessidade de introduzir insulina.

Insulinoterapia no DM2
Uma vez tendo definido que nosso paciente precisa ser insulinizado, o ideal é que
a gente vá introduzindo essa terapia de forma gradual e aí o preconizado nas diretri-
zes é que isso seja feito em quatro etapas.

Etapa 1: Insulina Basal + Hipoglicemiante oral


Nesse primeiro esquema nós deveremos manter o tratamento com os fármacos
hipoglicemiantes orais e associar apenas uma dose de insulina basal que deve ser
de 0,2-0,3 UI/kg/dia. Daí, as nossas opções são:
• NPH bed time
• Detemir à noite
• Glargina/Degluteca de manhã/à noite

Etapa 2: Insulina Basal-Plus


Se o paciente ainda se mantiver descompensado depois de ter sido introduzida a
primeira etapa da insulinoterapia, aí nós seguimos para o segundo passo, que con-
siste em associar uma insulina prandial à basal que já estava em uso, sendo que nós
podemos optar por manter ou não os hipoglicemiantes orais.
Além disso, caso a gente tenha feito NPH bed time na primeira etapa do tratamen-
to, uma opção aqui pode ser aumentar a sua dose para fazer com que ela cubra o dia
inteiro antes de associar a prandial. No entanto, o paciente precisa cooperar com a
MEV e ter uma alimentação sem muito carboidrato para evitar picos glicêmicos, já
que ele não estará coberto para tal.

Etapa 3: Insulina Basal-Plus ampliada


Caso não compense, a gente só vai manter tudo que já estava sendo feito na 2ª
etapa e só adicionar mais uma dose de insulina prandial à terapia do paciente.

Etapa 4: Insulina Basal-Bolus


Por fim, se depois disso tudo o paciente ainda continuar descompensado, o jeito
é partir para uma insulinização plena, que é quando a gente tenta simular todo o
gráfico da insulina através da manutenção da insulina basal ao longo de todo o dia e
ainda associa três ou quatro doses de alguma insulina prandial.

Diabetes Mellitus 32
DM tipo 1
E no caso dos pacientes com DM 1? O que vamos fazer? Aí é bem mais fácil.
Lembra que nesse tipo da doença o problema todo é que a insulina não vai ser pro-
duzida por conta da destruição das células beta. Ou seja: não vai adiantar nada dar
um secretagogo ou alguma droga para diminuir resistência. O jeito então é seguir pe-
la insulinoterapia em esquema pleno - no caso, insulina basal-bolus.

10. CONTROLE GLICÊMICO

Uma vez tendo escolhida a terapia apropriada para o paciente, aí a gente só preci-
sa monitorar a glicemia para ver se ela vai ficar controlada ou não. Nesse cenário en-
tram em cenas duas ferramentas bem importantes: o glicosímetro e o exame HbA1c
(novamente).
O automonitoramento da glicemia capilar (AMGC) através do glicosímetro está
indicado para todos os portadores de DM, uma vez que possibilita que o paciente
acompanhe os seus níveis glicêmicos ao longo do dia e, com isso, consiga preve-
nir com mais eficiência os episódios de hipo ou hiperglicemia. Já a HbA1c, por sua
vez, ainda continua sendo o método padrão-ouro para acompanhar os pacientes
diabéticos e por isso que ele deve ser repetido a cada três meses até que o pa-
ciente esteja compensado e, a partir daí, o acompanhamento passa a ser apenas
semestralmente!
Nesse contexto, o que nos norteia com relação ao manejo dos pacientes são as
metas glicêmicas preconizadas pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) ou pela
American Diabetes Association (ADA). Importante, no entanto, sempre levar em con-
sideração de que paciente nós estamos falando. Isso porque é necessário ser mais
rígido quando se trata de pacientes jovens - até por conta da memória metabólica -,
mas quando o paciente já é idoso, aí a gente pode ser um pouco mais flexível e acei-
tar valores acima do indicado pelas sociedades.

SBD

Meta glicêmica

Hemoglobina glicada < 7%

Glicemia em jejum < 100 mg/dl

TTGO < 160 mg/dl

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diabetes Mellitus 33
ADA

Meta glicêmica

Hemoglobina glicada < 7%

Glicemia em jejum 80-130 mg/dl

TTGO < 180 mg/dl

Fonte: Elaborado pelo autor.

MAPA MENTAL CONTROLE GLICÊMICO

Mudança hábitos de vida Obs. Memória metabólica é a ideia de


Orientação nutricional que manter a diabetes controlada desde
Prática de atividade física o início diminui bastante os riscos de
complicações no futuro.

DM tipo 1 Controle glicêmico DM tipo 2


• Pré-prandial
• Pós-prandial
• Demandas extras
Insulinoterapia
Antidiabéticos
orais

Modificar esquema
Manhã-Noite
terapêutico de
OU Metformina ou
acordo a resposta
Múltiplas doses combinações
ao tratamento
OU
Infusão contínua

Rastreio de Insulinoterapia:
complicações crônicas Quadro grave e
• Retinopatia difícil controle
Complicações agudas
• Nefropatia (HbA1c > 9%)
• Hipoglicemia
• Cetoacidose • Neuropatia
diabética periférica
Complicação
• Lipohipertrofia • DAC e
aguda: Estado
cerebrovascular
hiperosmolar não
cetótico

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diabetes Mellitus 34
11. EMERGÊNCIAS HIPERGLICÊMICAS

Para finalizar, agora que a gente já aprendeu tudo do manejo clínico do paciente
com diabetes, é importante saber também que em determinadas situações esses
pacientes podem chegar para nós não em um consultório, mas no serviço de emer-
gência e aí é fundamental dominar a abordagem também nesses casos. Então lem-
bra que lá em cima a gente disse que ia deixar para abordar as complicações agudas
depois? Pois é chegado esse momento!
A principal complicação aguda da DM no serviço de emergência é a hiperglicemia,
que pode ser justificada por dois quadros: uma cetoacidose diabética (CAD) ou um
estado hiper-osmolar hiperglicêmico (EHH).
Ambos os quadros se devem a uma redução dos níveis de insulina, no entanto,
a CAD é bem mais frequente em pacientes com DM1 (o que implica dizer que são
indivíduos mais jovens) enquanto o EHH é uma complicação mais associada com
a DM2 (sendo, portanto, pessoas mais velhas as mais comumente afetadas). Isso
quer dizer que a gente sempre vai definir o diagnóstico com base do tipo de DM que
o paciente refere ter? Claro que não! A gente precisa avaliar em conjunto as manifes-
tações clínicas e o resultado de uma série de exames complementares.

Quadro Clínico

Cetoacidose Diabética
Nos casos de CAD, como a gente já viu, os pacientes costumam ser mais jovens
(normalmente entre 20-29 anos) e eles abrem o quadro de forma abrupta com hi-
potensão, taquicardia e taquipneia - podendo apresentar um padrão respiratório de
Kussmaul -, hálito cetônico e, em cerca de 20% dos casos, há ainda algum rebaixa-
mento do nível de consciência.
Além disso, outro sintoma muito frequente nos casos de CAD é a dor abdominal
muitas vezes associada com náuseas e vômito, sendo que isso acontece devido
ao atrito das lâminas desidratadas do peritônio na cavidade. Inclusive, ter isso em
mente é muito importante para que a gente sempre se lembre de que para todos os
pacientes jovens com quadro clínico de abdome agudo, é fundamental levantar a
suspeita de CAD!
Beleza. Mas, além desse quadro abrupto que acabamos de ver, é comum que mui-
tos pacientes apresentem um período prévio (de alguns dias) já um pouco sintomáti-
co com aquelas manifestações típicas da DM como polifagia, polidipsia e poliúria.

Diabetes Mellitus 35
Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico
Já com relação ao EHH, os pacientes são frequentemente mais velhos (> 40
anos) e o quadro clínico típico aqui é mais arrastado, então o paciente já vinha há
vários dias apresentando os 4 Ps da diabetes, até o momento em que atinge uma
desidratação bem acentuada e sofre um rebaixamento de consciência.
Além disso, outro ponto comum entre esses pacientes é que muitos também rela-
tam uma dificuldade de ter acesso a água (seja por limitação física, idade avançada,
acometimento neurológico etc.), o que contribui e justifica o quadro de desidratação
severa que é a marca do EHH.
CAD EHH

Crianças e adultos jovens > 40 anos

Abrupto (instala em horas) Arrastado (instala em dias)

4Ps + alerta 4Ps+ rebaixamento

Hálito cetônico + Kusmaull Desidratação profunda

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diagnóstico
Uma vez tendo levantado a suspeita de hiperglicemia, deve ser solicitado:
• Glicemia
• Gasometria Arterial
• Eletrólitos (Na, K, Cl, Mg, P)
• Hemograma
• Exame de Urina
• ECG
• Radiografia de Tórax
A partir disso, a gente vai fazer o diagnóstico se o paciente preencher critérios
específicos para alguma das duas complicações (ou CAD ou EHH), sendo que esses
critérios são:

Diabetes Mellitus 36
CAD
EHH
Leve Moderada Grave

Glicemia > 250 > 250 > 250 > 600

pH 7,25 – 7,3 7 – 7,24 <7 >7,3

HCO3- 15-18 10-14,9 <10 >15

Cetonúria + + + Pouco +

Cetonemia + + + Pouco +

Posm Variável Variável Variável >320

Ânion gap >10 >12 >12 Variável

Estado Alerta Sonolento Estupor/Coma Estupor/Coma

Obs. Posm é Osmolalidade Plasmática e pode ser obtido pela seguinte fórmula:
2 x [Na (mEq/L)] + [Glicose (mg/dL)]/18
Fonte: Adaptado de Martins et al (2016).

Simplificando…em ambos os quadros a glicemia estará aumentada, mas isso aca-


ba não sendo muito valoroso para nós, pois uma glicemia de 700 mg/dl, por exem-
plo, é maior do que 250 e do que 600, então o paciente estará preenchendo critério
para as duas condições. A partir disso, qual é o grande diferencial? A gasometria
arterial e a osmolalidade plasmática (Posm)!
No caso de uma cetoACIDOSE, a gasometria vai apresentar uma acidose do tipo
metabólica por ânion gap aumentado e isso é lógico, já que o motivo de o sangue
estar ficando acidificado é a maior produção de H+ na forma de corpos cetônicos. Já
no estado hiperOSMOLAR, esse achado da gasometria não aparece, uma vez que no
EHH ainda há uma produção de insulina suficiente para inibir a liberação de glucagon
- que é quem induz a produção dos compostos ácidos. Mas, em contrapartida, o pa-
ciente aqui apresenta uma Posm acima de 320 mOsm/kg. Resumindo:

CETOACIDOSE DIABÉTICA

Glicemia > 250 mg/dl pH < 7,3

Cetonemia e/ou cetonúria HCO3- < 15

ESTADO HIPEROSMOLAR HIPERGLICÊMICO

Glicemia > 600 mg/dl pH > 7,3

Osmolaridade > 320 mOsm/Kg HCO3- > 15

Fonte: Elaborado pelo autor.

Diabetes Mellitus 37
Uma vez tendo definido qual é a condição em que o paciente se encontra, também
é importante tentar identificar qual foi o fator desencadeante da complicação. Em boa
parte das vezes (30-50%) isso se deve a processos infecciosos como pneumonia, ITU,
sepse etc., no entanto a hiperglicemia pode ser por conta de uma falha no tratamento,
doenças do aparelho digestório, doenças vasculares, gestação e cirurgia, sendo que
até 10% dos casos não é possível identificar nenhuma justificativa plausível.

Manejo
Agora que nós já entendemos a identificar e diagnosticar um quadro de emergên-
cia hiperglicêmica, podemos começar a falar do manejo dos pacientes e aí, de forma
prática, a CAD e o EHH vão ser abordados de forma bastante semelhante: através de
reposição volêmica e insulinização.

Reposição Volêmica
Inicialmente, a reposição volêmica deve ser feita com solução salina isotônica
(0,9%) e aí nós vamos administrar 1litro em 1h. A ideia aqui é repor água no pacien-
te para, com isso, manter a pressão arterial e os níveis glicêmicos normais, além de
melhorar a perfusão tecidual.

Obs. Em crianças e adolescentes, a reposição inicial deve ser de 20 ml/kg.

Feito isso, ao final dessa primeira hora a gente vai reajustar a velocidade de infu-
são para 4-14 ml/kg/h e dosar o sódio sérico, pois é esse valor que vai definir nosso
próximo passo:
A partir daí, quando a glicemia do paciente atingir 250 mg/dl, a gente deve iniciar
reposição com solução glicosada (5%) e com NaCl (0,45%) para evitar hipoglicemia
e prevenir de edema cerebral. Essa administração deve ser controlada para manter a
glicemia do paciente entre 150-200 mg/dl.

Sódio normal/
Sódio baixo
elevado
(<150 mEq/l)
(> 150 mEq/l)

Continua reposição Continua reposição


com solução salina com solução salina
(0,45%) (0,9%)

Insulinoterapia
Primeira coisa de todas: ela não deve ser realizada quando o paciente está em
hipocalemia (K < 3,3)!
Com isso em mente, a gente deve começar a insulinoterapia administrando uma
dose de ataque de insulina regular por via intravenosa que deve ser de 0,1- 0,15 U/kg

Diabetes Mellitus 38
para sensibilizar os receptores. Depois disso, vamos fazer uma infusão intravenosa
contínua de 0,1 U/kg/h.
Dessa forma, quando a glicemia atinge valores ≤ 200-250 mg/dl, aí vamos dimi-
nuir a infusão para 0,02-0,05 U/kg/h e associar com a administração de solução
glicosada (5%).

Se liga! No caso da CAD, a insulinoterapia feita sem uma adequa-


da reposição volêmica será ineficaz no tratamento do paciente. Já no EHH, a
administração da insulina sem reposição é extremamente deletéria, pois fará
com as células absorvam a água do sangue, reduzindo ainda mais a volemia do
paciente.

Reposição de Potássio e Fosfato


A reposição de potássio deve ser iniciada caso o paciente apresente níveis < 5
mEq/l na presença de fluxo urinário adequado. E aí, para tal, nós seguimos a siste-
matização abaixo:

K < 3,3 3,3 ≤ K < 5 K≥5

Repor Não repor


Repor
20-30 mEq (reavaliar de
40 mEq
por soro 2/2h)

Já com relação ao fósforo, ele deve ser administrado na forma de fosfato de po-
tássio (20-30 mEq/l) a uma velocidade > 3-4 mEq/h. No entanto, sua reposição só
está indicada em condições específicas como:
Disfunção cardíaca Anemia

Depressão respiratória Fosfato < 0,1mg/dL

Critérios de Resolução
E no final das contas, como vamos definir se o paciente melhorou do quadro? É
simples… se ele estiver em CAD, nós assumimos que houve uma resolução se, além da
glicemia < 200, ele também não apresentar mais indicativos de acidose metabólica por
ânion gap aumentado na gasometria arterial. Já no caso do EHH, nós vamos ter uma
resolução do quadro quando o paciente reduzir os níveis glicêmicos e, associado a is-
so, melhorar o valor da sua Posm e também o seu nível de consciência.

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MAPA MENTAL RESUMO

Defeitos ação/
Sind. Metabólica
secreção insulina

Outros Tipo 2 Hiperglicemia Polifagia Poliúria

Gestacional Classificação Clínica Polidipsia

Idiopática Tipo 1 Emagrecimento

Autoimune Arteriopatia
Retinopatia Nefropatia
e LADA periférica

Glicemia de 2h
após TOTG-75g Diagnóstico Complicações Crônicas Cerebrovascular
≥ 200mg/dL

Glicemia de jejum
Laboratoriais Agudas Hipoglicemia DAC Nefropatia
≥ 126mg/dL

Glicemia aleatória Estado Cetoacidose


HbA1c ≥ 6,5% ≥ 200mg/dL hiperglicêmico diabética
+ sintomas de hiperosmolar não
hiperglicemia cetótico

Fonte: Elaborado pelo autor.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Diabetes Association. Standarts of Medical Care in Diabetes - 2019.
CLARK, Michelle; et al. Farmacologia Ilustrada.5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina. 25ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2018.
KUMAR, Vinay; et al. Robbins e Contran: Patologia, Bases Patológicas das Doenças.
8ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
MARTINS, Herlon S.; et al. Medicina de Emergência: Abordagem Prática. 11ª ed.
Barueri - SP: Manole, 2016.
MARTINS, Milton A.; et al. Clínica Médica. 2ª ed. Vol. 1. Barueri – SP: Manole, 2016.
RANG, H.P.; DALE, M.M.; et al. Farmacologia. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes 2017-2018.
Sociedade Brasileira de Diabetes. Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2:
Algoritmo SBD 2017. Posicionamento Oficial SBD nº 02/2017.
Sociedade Brasileira de Diabetes. Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2: Algoritmo
SBD 2019. Posicionamento Oficial SBD nº 01/2019.
www.diabetes.org.br/publico/notas-e
- informacoes/1244-limitacoes-na- -interpretacao-da-hemoglobina-glicada-hba1c

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