Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Estudos de Caso
Estudo de Caso I
Identificação
Situação clínica
sinais e sintomas que ocorrem mais frequentemente num dos membros, normalmente após o
complexo nervoso que desencadeou uma das variantes desta síndrome dolorosa.
das dificuldades de comunicação, memória, atenção, do seu isolamento, sendo a música uma
das antigas relações do utente, suspensa desde a sua fobia social e adição associada.
25
Nome fictício
mesmo sucedia com a sua expressão facial, apática. Mantinha contacto ocular, mas
aparentemente a sua atenção não se estabelecia no mundo externo. Respondia ao que lhe era
perguntado com respostas curtas, sem iniciar interações. Tinha dificuldade em lembrar-se,
história de dor.
embora não se lembrasse de como tocar ou das músicas de que gostava. A sua guitarra estava
guardada no sótão, ele não tocava há muito tempo. O irmão mais novo também tocava
embora não interagisse através deles. Não aderia, nem iniciava contacto relacional. Envolvia-
se na experiência musical sozinho, não havendo reciprocidade. Tocava num tempo próprio e
comentários. Parava de tocar e ficava apático e quase imóvel, com uma expressão de
esquizoide); 2) ausência de construção de uma identidade adulta, forte dependência aos pais;
Plano terapêutico
repertório, que pudessem estar na base de uma relação terapêutica focada na melhoria das
em que o Afonso se encontrava, definiu-se o objetivo de criar novos laços afetivos através de
atenção à sua prática de guitarra no passado. Para dar resposta a um pedido do próprio
Processo terapêutico
Ao iniciar a musicoterapia, o Afonso disse ter dor no pé esquerdo e parecia não ter
mais nada a dizer. A sua expressão era gélida, o olhar ausente e o corpo quase estático.
respondendo com respostas muito breves ao que lhe era perguntado. No decorrer desta
interação, revelou o seu gosto pela música e que em tempos tocou guitarra. A sua guitarra
estava guardada no sótão há muito tempo e o Afonso dizia já não saber tocar.
No início da nossa atividade musical, foi proposto ao Afonso que expressasse o ritmo
pegou no reco-reco e tocou-o com uma atitude exploratória. Então, o musicoterapeuta sugeriu
nas suas explorações e não havia espaço para uma interação recíproca na improvisação. A
ritmicamente. Por fim escolheu a guitarra, onde queria lembrar-se de uma sequência de
acordes específica. O Afonso parecia ter uma música que fazia parte da sua história, queria
Pedir ao Afonso que resgatasse a sua guitarra do sótão foi, metaforicamente, também
um resgate do próprio Afonso. Isto foi ficando mais claro à medida que o Afonso vinha, e
trazia sempre a sua guitarra, para todos os nossos encontros musicais. A guitarra era azul-
marinho, suntuosa e com bom som. O musicoterapeuta tecia elogios à guitarra e ao som que o
da sequência de acordes da música que o Afonso quis voltar a tocar. A sequência harmónica
acordes maiores que se dirigem sempre a uma tónica menor, ajudava a criar uma ambiência
O Afonso tocava debruçado, ou mesmo enrolado sobre a sua guitarra, numa postura
física de isolamento. Tocava como que mergulhado num loop de acordes, aparentemente
desligado dos sons externos, fazendo depender o ajuste de tempo da atuação do terapeuta. As
improvisações eram intercaladas com curtos diálogos, essencialmente sobre a sua frustração
de se enganar, de não se lembrar e de não tocar como gostaria. As paragens eram repentinas,
quase sempre após pequenos enganos, ficando o Afonso em silêncio a olhar espantado e
dois e a beleza das produções musicais que surgiam nas improvisações. Foi tentando
estabelecer pontos de contacto verbal, sem grandes respostas por parte do Afonso, que
voltava a tocar, sem quaisquer comentários. As tentativas de reflexão final por parte do
palavras
26
Acordes do sexto e sétimo graus na tonalidade de Lá menor, ocasionalmente com o segundo grau também
maior, respetivamente fá maior, sol maior e dó maior.
dificuldades de contacto inicial, as improvisações com o Afonso foram ficando mais fluidas.
Conjuntamente, ele foi-se tornando mais produtivo do ponto de vista verbal, expressando
ideais próprias sobre os sons dos instrumentos e abrindo espaço para um, cada vez mais
recíproco, diálogo verbal. Na sexta sessão, o Afonso manifestou espontaneamente o seu gosto
produção musical do Afonso. De facto, era agora notório que o Afonso tentava sincronizar-se
com a pulsação do musicoterapeuta. Iniciou-se assim uma nova fase no processo terapêutico,
caracterizada por uma relação musical e verbal mais fluída, com mais dinâmicas de som,
ajustes de tempo e base harmónica, trocas de papéis entre solista e acompanhante, denotando
enganasse muito menos. O diálogo musical começou a durar frequentemente mais de vinte
minutos ininterruptos de improvisação, por vezes quase a sessão toda. Apesar da aparente
indiferença do Afonso, era agora claro que ele estava a desfrutar dos momentos musicais, da
interação e da relação afetiva através da música. Estas sessões, ocupadas com improvisações
longas, também abriram espaço para outro tipo de diálogo. O musicoterapeuta começou a
perguntar em que é que o Afonso pensava enquanto tocava, ao que ele respondia com
música.
insatisfação do Afonso perante a sua prestação. O terapeuta foi tentando minimizar estas
ocorrências e encorajá-lo a tocar na sessão e fora dela. O Afonso começa a queixar-se de dor
disponível para as vontades musicais do Afonso, trabalhando junto dele o tema Hey Hey My
musicoterapeuta perguntou se ele se recordaria de algum outro tema, instaurando desta forma
um espaço de sessão que fosse convidativo à descoberta de novas experiências. Face a esta
proposta, o Afonso trouxe para a sessão um tema instrumental de sua autoria. Ele revela
abertura para a expressão emocional e uma evolução nas suas capacidades musicais e
criativas. Desde então, iniciou-se uma nova fase do processo terapêutico, caracterizada pela
vontade do Afonso em criar um projeto musical, pela recriação de novos temas, pela intensão
do seu olhar e postura em comunicar na produção musical, e por vezes, já também nos
diálogos verbais.
O terceiro tema trazido pelo Afonso foi Ziggie Stardust de David Bowie e o quarto
tema de Tinder Sticks. Ao trazer este último, ele disse ter escolhido especificamente para
Surge a possibilidade do Afonso tocar para a equipa multidisciplinar de dor numa das
Afonso e a equipa responsável pelo seu tratamento. O Afonso concorda sem hesitar,
mostrando-se confiante com as suas capacidades. Foram então dedicadas duas sessões de
certamente também para a equipa multidisciplinar de dor. A equipa levantou-se para a sua
guitarra. O Afonso disse ter-se sentido muito bem, apesar de estar inicialmente um pouco
nervoso.
fase do processo terapêutico do Afonso, caracterizada pela criação e ensaios de uma canção
Olhar o espaço
E ver a ponte, que nos leva
Para a outra margem
Vou ganhar coragem de avançar
Vou-me encontrar de novo
Na minha cidade natal
Escolhi a noite para abraçar-te.
Esta sua canção foi tocada e melhorada nas últimas sessões do Afonso. Por fim, foi
escolhida, com o Afonso, uma última sessão dedicada à gravação dos seus temas na
musicoterapia.
Resultados
pedidos.
mobilização através da música, assim como a sua utilização como estratégia de coping com a
equipa e reforço na adesão terapêutica. O Afonso finalizou o tratamento da dor crónica com
Conclusão
primeira fase de reencontro com a guitarra, caracterizada pela exploração e lembrança. Uma
na fluidez da interação. Uma terceira fase caracterizada por uma maior abertura para a
evento musical. Uma quinta fase de finalização e criação de um último tema original do
Afonso.
música que lhe era familiar. O acompanhamento dado pelo musicoterapeuta forneceu uma
base estável que atuou como âncora para a exploração do Afonso, apoiando a tonalidade
musical conjunta.
Partindo das suas capacidades prévias foi possível explorar, a seu tempo, padrões de
interação e do encontro que ajudaram a criar um laço afetivo. Apesar das ferramentas do
Afonso para interagir serem escassas, foram ainda potenciais de desenvolvimento para
estabelecer canais de comunicação com o exterior e para criar laços afetivos. Esta primeira
violino nas sessões. O acompanhamento com violino foi um fator motivador das interações
entre os dois, musical e verbal. Nesta segunda fase, as fluidas e longas improvisações abriram
espaço para o diálogo sobre em que é que o Afonso pensava enquanto tocava e sobre os seus
violino foram permitindo maior abertura para a partilha de experiências do passado, até ao
Afonso se lem
Ao iniciar as sessões de recriação instrumental com o tema Hey Hey My My, passou a
enganos e a imperfeições, que não estivessem de acordo com as ideias do Afonso, foram um
motivo para a ocupação e para o treino. Nesta terceira fase, apesar da sua dificuldade perante
para aceder a memórias relacionadas com a música e, por fim, desenvolvendo e iniciando de
diálogos e realizando pedidos. Altera-se a qualidade do seu olhar, menos distante e mais
interessado.
com o rock enquanto género musical, mas agora mostrava disponibilidade para explorar
outras sonoridades, como o blues e combinações com elementos da música clássica e pop.
comunicação com o Afonso, a performance musical para a equipa teve impacto no seu
da dor.
atenção a construção de pontes, ligações e laços. Esta composição foi ensaiada e gravada para
encontrava. Apesar das dificuldades em mobilizar a pessoa com DC, o Afonso não faltou às
sessões de musicoterapia. O controlo da dor do Afonso e os resultados obtidos não podem ser
crónica.
Discussão
da música (Chanda & Levitin, 2013) ativada pelo musicoterapeuta. Tem sido descrita como
uma função que mobiliza para a coesão social (Sacks, 2008), que facilita a interação, a
social contact to social cohesion The 7 Cs, 2013). No tratamento da dor crónica, é referida a
familiaridade através das suas preferências musicais (Bruscia, 2014)(Wigram, Pedersen, &
Bonde, 2002). A autoexpressão pela música é descrita como fator de alívio da dor (Bailey,
1986), sendo a música um fenómeno relacional que permite estruturar tempo expressivo em
No caso do Afonso, também se verificou uma melhoria nas funções cognitivas. Foi
repertório musical, tendo inclusive melhorado no domínio verbal. A musicoterapia tem sido
A prática musical realizada pelo Afonso resultou na sua mobilização, fator importante
na reversão dos círculos viciosos da dor, sendo que envolve ação intencional e planeamento
do comportamento motor (Thaut & Hoember, 2014). Simultaneamente a música foi utilizada
como estratégia de coping com a dor e de relaxamento, efeito que está bem documentado
(Cepeda, Carr, Lau, & Alvarez, 2010) (Beaulieu-Boire, 2013) (Melzack, Weisz, & Spraguei,
1963).
Estudo de Caso II
Identificação
Joana27, mulher de 47 anos, casada, mora com o marido e três filhos (2 raparigas de 8
uma universidade.
27
Nome fictício
Situação clínica
A Joana foi diagnosticada com uma neoplasia maligna da mama, tendo feito
oncológica, também tem uma dor lombar baixa associada ao diagnóstico de sacroileíte. Estes
quimioterapia.
personalidade mais rígida e isolamento socio-afetivo devido a falta de partilha das suas
dificuldades.
Consulta de Psicologia da Dor. O encaminhamento foi sustentado pelo seu isolamento socio-
membros. Observou-se uma mulher comunicativa e com uma aparência investida. Sorridente
rigidamente reta.
A Joana contou as dificuldades da sua história e falava de uma leve dificuldade nos
apenas os seus medos e angústias no CMD. Dizia ter medo do lado mais triste e melancólico