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Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Processo: 111662/12.0YIPRT-B.L1-2
Relator: TIBÉRIO SILVA
Descritores: HONORÁRIOS
PERITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09-03-2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário: 1.–Com o recurso da decisão que ponha termo a um incidente, como seja o da fixação de
remuneração a peritos, podem ser impugnadas eventuais decisões interlocutórias
respeitantes a esse incidente, de acordo com o nº3 do art. 644º do CPC.
2.–Numa perícia com interesse para ambas as partes, ainda que desencadeada por
requerimento de uma delas e que o tribunal determinou fosse colegial, deve, por referência
ao art. 532º, nº3, do CPC, o pagamento dos encargos recair sobre as duas.
3.–O Ac. do Tr. Constitucional nº 33/2017, datado de 01-02-1017, declarou, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de
perito em montante superior ao limite de 10 UC, interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do
artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV.
4.–A adequada remuneração não deve, no entanto, olvidar todos os interesses em jogo,
designadamente o facto de se estar perante um «caso de prestação de serviços em
colaboração com a justiça» e não em mercado livre.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório:

1.–Por despacho proferido no Proc. 111662/12.0YPRT[1], em que é Autora T…, SRL e


Ré/Reconvinte M…, LDA., com os sinais dos autos, em 15-04-2013, foi, além de outros
aspectos, decidido o seguinte:
«Ao abrigo dos Artigos 265º, nº3 e 568º, nº1, do Código de Processo Civil, determino se
proceda à realização de prova pericial por perito único para responder à matéria dos artigos
2, 5, 8, 9, 43, 56, 57, 65, 71, 72, 75 a 79, 82, 88, 91, 102, 103, 105, 106, 112 a 114, 123, 127, 138,
139, 140, 151 a 155, 162 a 169, 174 a 177, 181 e 183 da BI.
Notifique as partes a fim de se pronunciarem sobre a nomeação do perito (Artigo 568º, nº2,
do Código de Processo Civil).
À cautela, desde já, solicite à Ordem dos TOC a designação de dois peritos.
Envie cópia deste despacho e da BI.
*
Notifique as partes nos termos e para os efeitos do Artigo 20-1 do Regulamento das Custas
Processuais ex vi Artigo 447º-C, nº3, do Código de Processo Civil.».
2.–A Ré veio, face ao teor do relatório pericial apresentado, requerer a realização de uma
segunda perícia por um revisor oficial de contas com formação e experiência que assegurasse
uma maior idoneidade na resposta aos quesitos.
3.–Foi proferido despacho, em 13-11-2013, no qual, além do mais, se ponderou e se
determinou o seguinte:
« Requerimento da Ré de 3.10.2013 (fls. 6470-6476) em que a Ré requere a realização de
segunda perícia:
[…]
No caso, a Ré aponta algumas inexatidões ao relatório pericial que têm pertinência. A título
exemplificativo, referimos as seguintes:
- No que tange à existência de uma conta corrente, respondeu o Sr. Perito que “Não pode
responder com base nos elementos disponíveis. Se existia de facto esse encontro de contas, o
mesmo não se encontra vertido oficialmente” (fls. 6450). A resposta é insatisfatória
porquanto cabia, de facto, ao Sr. Perito analisar a contabilidade das partes, cruzar dados,
para daí formular conclusões. Obviamente que se o encontro de contas estivesse “vertido
oficialmente”, a questão nem seria objeto de controvérsia, sendo – pelo contrário – facto
assente;
- No que tange às respostas aos quesitos 102º e 155º, o Sr. Perito respondeu que não tem como
saber quais os clientes que foram angariados pela M…, “sendo certo que a T… não
reconhece que tenha sido a M… a angaria as grandes superfícies”. Ora, também aqui, a
resposta é insatisfatória e inexata. Cabia ao Sr. Perito, a partir da contabilidade, ver quais
eram os clientes da M… e identificá-los, mesmo que não conseguisse daí saber quem os
angariou. Por outro lado, o laudo pericial não está condicionado – nem pode estar- pela
posição das partes expressa nos articulados.
Estando patentes várias inexatidões no laudo pericial, e face ao requerimento da Ré, há que
ordenar a realização de segunda perícia.
Pese embora o atual regime do Artigo 488º do Código de Processo Civil, pode o juiz – ao
abrigo dos Artigos 468-1-a e 547º do Código de Processo Civil – ordenar a realização da
segunda perícia em moldes colegiais – cf. PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA
LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, I Vol., 2013, p.
378.
*
Pelo exposto:
a)-Ordeno a realização de segunda perícia, na sequência de requerimento da ré, a qual será
colegial;
b)-Solicite à OTOC a designação de novo perito para ser nomeado por parte do Tribunal.
Prazo: dez dias.
c)-Os encargos da realização da segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a
Ré que requereu a realização de segunda perícia (Artigos 532-2 do Código de Processo Civil
e 20-1 do Regulamento das Custas Processuais);
d)-Notifique a Ré nos termos do Artigo 20-1 do Regulamento das Custas Processuais, sendo
certo que o valor de referência dos honorários dos Srs. Peritos ainda está por fixar nos
termos do despacho supra.
e)-Notifique também o Sr. Perito deste despacho.»
4.–Em 06-12-2013, foi proferido o seguinte despacho:
«Nestes autos foram juntos documentos de fls. 29 v a 155, 175 a 231, 271 a 307, 328 a 420, 617
a 6.339, 6385 a 6420, num total de 6.067 folhas de documentos.
A Base Instrutória tem duzentos artigos (fls. 517-537).
Por despacho de 15.4.2013, foi determinada – oficiosamente - a realização de prova pericial
sobre quarenta e oito artigos da BI (fls. 581).
O Sr. Perito apresentou relatório pericial composto de 29 páginas (fls. 6436-6464).
Apresentou nota de despesas e honorários, discriminando 51 horas de trabalho, ao valor de
€50 por hora, reclamando o pagamento de € 2.550 de honorários e €89,8 de despesas (fls.
6465-6466). Por requerimento de fls. 6481-6482,veio o Sr. Perito esclarecer que a realização
da perícia implica conhecimentos especiais na área contabilístico-financeira, devendo a
retribuição ser proporcional aos conhecimentos, ao tempo despendido e ao trabalho
realizado. Mais invoca que o artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais não
quantifica, de forma justa e correta, o trabalho despendido e realizado.
O Sr. Perito prestou esclarecimentos, na sequência de reclamação ao relatório pericial,
reclamando o pagamento de mais e 300 (fls. 6484 a 6487).
Por despachos de 15.10 (fls. 6483) e de 12.11. (fls. 6508) foi afirmado que a perícia deve ser
remunerada por valor/hora não inferior a €40, sendo que o valor final excederá o limite legal
do Artigo 17º do Regulamento das Custas Processuais. Foi ordenada a notificação das partes
a fim de pronunciarem (Artigos 6º, nº2, 547º, 630º, nº2, do Código de Processo Civil).
A Ré opõe-se a que o tribunal fixe honorários acima do limite legal do Artigo 17º do
Regulamento das Custas Processuais (fls. 6501-6504).
Cumpre apreciar e decidir sobre a fixação dos honorários ao Sr. Perito.
No regime de pretérito, a remuneração dos Srs. Peritos decorria do Artigo 34º, nº1, alínea b)
e nº3 do Código das Custas Judiciais e da Portaria nº 1178-D/2000, de 15.12.
Esta Portaria atualizou os valores estabelecidos nas alíneas a) e b) do nº1 do Artigo 34º do
Código das Custas Judiciais sem que, todavia, tenha revogado o nº2 do Artigo 34º - cf.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.11.2005, Sousa Lameira, CJ 2005 – V, pp..
178- 180.
Assim, no caso da diligência implicar mais do que um dia de trabalho, o tribunal podia fixar
os dias a pagar de acordo com a informação prestada por quem a realizar, reduzindo-os se
lhe parecesse que podia ser realizada em menos tempo ou aumentando-os quando a
dificuldade, relevo ou qualidade do serviço o justificasse. Daqui decorria que o juiz podia,
em função do grau de dificuldade e exigência e segundo juízos de equidade e razoabilidade,
fixar os dias de trabalho que deviam ser remunerados.
No atual Regulamento das Custas Processuais, o legislador não conferiu ao juiz uma válvula
de segurança que permita ajustar o valor dos honorários em função da dificuldade,
qualidade do serviço prestado e – sobretudo- do tempo requerido para a realização da
perícia. Com efeito, nos termos do Artigo 17º, nos. 1, 2, 3 e 4, a remuneração dos Srs. Peritos
não pode ultrapassar os limites impostos pela Tabela IV, os quais são de dez UCs por
peritagem, ou seja, €1.020. Nos termos de tal dispositivo, o juiz pode fixar o valor da
remuneração do perito entre € 102 e € 1020, não podendo exceder os € 1.020 , os quais
funcionam como limite inultrapassável.
Se é certo que, na maioria das perícias (v.g., médico-legal, sobre o estado da estrutura de um
edifício, etc.), o limite superior é apropriado, o mesmo não acontece noutras perícias como a
dos autos. Com efeito, a análise das 6.067 folhas de documentos do processo e as deslocações
do Sr. Perito importaram um tempo de trabalho de cinquenta e uma horas. E, por força do
limite legal referido, o Sr. Perito não poderá receber mais de € 1.020.
Esta solução é altamente censurável, desproporcional e inconstitucional.
Conforme se referia já em 2005, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.11.2005,
Sousa Lameira, 5521/05, www.colectaneadejurisprudencia.com,
«Acresce ainda realçar que estamos a falar de peritos qualificados, que devem ser
remunerados condignamente.
A título meramente exemplificativo, a Ordem dos Engenheiros, não utilizando o termo
"diligência", vem fixando, anualmente, os honorários dos engenheiros nomeados. No caso de
"Honorários calculados pelo tempo gasto na execução dos trabalhos", estabelece um
montante que designa por "jornal", este fixado em 2002, como variando entre 224,46 euros e
299,28 euros líquidos).
E, por exemplo, em qualquer oficina automóvel o custo da mão-de-obra é de 35 euros/hora
acrescido do respetivo IVA.
Importa ainda ter em consideração que os montantes pagos pelo tribunal aos Srs. Peritos a
título de remuneração (despesas e honorários) se encontram sujeitos à liquidação de IVA à
taxa de legal em vigor. Ou seja, por cada 100 euros que o tribunal entrega ao perito, este
devolve 21 ao Estado a título de IVA.”
Revertendo ao caso em apreço, a observância do limite legal significa que o trabalho do Sr.
Perito, em última instância, terá de ser remunerado por €20 por hora.
Aqui chegados, cabe perguntar: Quem está disponível para colaborar com a Justiça? Como
podem os tribunais esperar que os profissionais mais qualificados e isentos (como a inscrição
na
na respetiva Ordem atesta, sendo que foi a Ordem que indicou o Sr. Perito) aceitem auxiliá-
los nas questões técnicas em julgamento, pagando-lhe por dia ou por vários dias de trabalho,
montantes iguais ou muito inferiores aos auferidos por trabalhadores indiferenciados?
O limite legal, aplicado ao caso em apreço e a outros similares, tem como consequência
necessária uma de duas situações:
(i)-Ou a pretexto da colaboração com a Justiça, o Estado está a expropriar o trabalho do Sr.
Perito ou a impor-lhe uma espécie de sanção civil, obrigando-o a trabalhar por períodos de
tempo que não são efetivamente remunerados;
(ii)-Ou o Sr. Perito está a ser remunerado por valores indignos, bastantes inferiores aos
valores de mercado e à prestação de serviços especializados. Neste contexto, não é expectável
que os bons profissionais de cada especialidade se disponham a colaborar com a Justiça. Os
Srs. Peritos tenderão a ser os profissionais que, por pouco mérito, não encontrem melhor
ocupação profissional.
Ora, a Constituição Portuguesa funda-se na dignidade da pessoa humana como seu valor
fundamental, sendo que o direito à retribuição dos trabalhadores tem natureza análoga aos
direitos, liberdades e garantias (cf. Artigo 17º da Constituição) – cf. GOMES CANOTILHO,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed., p. 318. Assim, o limite legal do Artigo
17º do Regulamento das Custas Processuais - interpretado no sentido de que não é exigível o
pagamento do serviço do perito na parte em que exceda os € 1.020 – integra uma norma
materialmente inconstitucional porque viola o princípio constitucional da retribuição do
trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, conforme Artigo 59º, nº1, alínea a) da
Constituição. Na verdade, o trabalho deve ser remunerado de forma a prover às
necessidades da vida, sendo que a retribuição deve garantir uma existência condigna. Não é
aceitável num estado de direito assente sobre o conceito da dignidade da pessoa humana a
manutenção de uma norma que permita a realização de trabalho sem que o trabalhador veja
remunerado o seu esforço.
Por outro lado, o referido limite legal contende também com o direito à prova e a um
processo equitativo.
O direito à prova está constitucionalmente consagrado no artigo 20º, nº1, da Constituição,
como princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais, que a todos é assegurado para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (sobre o direito à prova, cf. o nosso
Prova Testemunhal, Almedina, 2013, pp. 236-238). Por sua vez, a exigência de um processo
equitativo, constante do Artigo 20º, nº4 da Constituição, impõe que as normas processuais
proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no
processo. “Um processo equitativo postura, por isso, a efetividade do direito de defesa no
processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.” – JORGE
MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora,
2005, p. 192.
O limite absoluto à remuneração dos peritos contende com o direito à produção efetiva de
prova pelas partes na medida em que não assegura que a perícia seja realizada por perito
qualificado, que analise a situação de forma cabal, competente e esclarecedora para o
tribunal. A operância de tal limite conduz à degradação da qualidade da prestação dos
peritos. Fica- de igual modo - posta em causa a garantia de um processo equitativo
porquanto a efetividade do direito de defesa e/ou de ação fica questionada com o recurso a
colaboradores do tribunal que tenderão a não ser qualificados, idóneos e isentos.
Flui do exposto que o referido limite é materialmente inconstitucional.
Ao abrigo dos princípios de gestão processual (6-1 do Código de Processo Civil) e da
adequação formal (547º do Código de Processo Civil), entendemos que a remuneração do Sr.
Perito deverá ser fixada pelo valor referência de € 40 à hora.
Atento o tempo já decorrido desde que o Sr. Perito prestou os serviços que lhe foram
solicitados e não sendo previsível quanto demorará a conclusão deste processo (facto alheio
ao Perito e que se poderá alongar por anos, designadamente em função do número de
recursos que as partes interporão), afigura-se-nos que deverá ser dado pagamento imediato
dos serviços já prestados. Solução esta que é mesmo expressamente propugnada pelo
legislador para os peritos em processo de expropriação (cf. Artigo 20º do Decreto-lei nº
125/2002, de 10.5.), fazendo todo o sentido a sua aplicação analógica 1 ao processo civil em
geral.
*
Pelo exposto:
a)-Declaro inconstitucional a norma decorrente do Artigo 17º, nos. 1 a 4 do Regulamento das
Custas Processuais (conjugada com a Tabela IV do mesmo Regulamento) quando
interpretada no sentido de que o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação
de remuneração do Perito em montante superior num processo como o presente em que o
perito teve como base de trabalho a análise de pelo menos seis mil folhas de documentos,
despendeu 51 horas de trabalho, apresentou um relatório de 29 páginas e ainda
esclarecimentos, por violação dos princípios de justiça, da proporcionalidade ínsitos na ideia
de Estado de Direito e da remuneração condigna, que decorrem dos artigos 2º, 18º, nº2, e 59º,
nº1, alínea a), da Constituição, bem como por violação do direito de acesso à justiça e a um
processo equitativo, que decorrem do Artigo 20º, nº1 e nº4 da Constituição, recusando a
aplicação do Artigo 17º, nº1 a nº4 do Regulamento das Custas Processuais com tais
fundamentos;
b)-fixo a remuneração do Sr. Perito em € 2.160, acrescendo € 67,30 a título de despesas de
transporte;
c)-ordeno se proceda ao pagamento imediato do Sr. Perito com a quantia já disponível para o
efeito (cf. Artigo 20-1 do Regulamento das Custas Processuais);
d)-quanto à quantia em falta, ordeno se notifiquem as partes para - em dez dias e na mesma
proporção – procederem ao pagamento da quantia em falta (cf. Artigo 532-3 do Código de
Processo Civil).».
5.–Em 09-10-2015, foi proferido despacho, no qual se fixaram honorários aos Exmºs Peritos,
referindo-se, entre o mais, o seguinte:
«Honorários dos Srs. Peritos (requerimentos dos Srs. Peritos de fls. 6680-6683, 6790-6791 e
requerimentos da Ré de fls.6758-6761 e de fls. 6793-6797):
No que tange à inexistência de teto para a fixação da remuneração dos Srs. Peritos, a
argumentação do Acórdão nº 656/2014 do Tribunal Constitucional foi retomada no Acórdão
do mesmo Tribunal nº 16/2015, Pedro Machete, de 14.1.2015 […].
Na jurisprudência, já em 2005 no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7.11.2005,
Sousa Lameira,5521/05, www.colectaneadejurisprudencia.com, se afirmava que:
«Acresce ainda realçar que estamos a falar de peritos qualificados, que devem ser
remunerados condignamente.
A título meramente exemplificativo, a Ordem dos Engenheiros, não utilizando o termo
"diligência", vem fixando, anualmente, os honorários dos engenheiros nomeados. No caso de
"Honorários calculados pelo tempo gasto na execução dos trabalhos", estabelece um
montante que designa por "jornal", este fixado em 2002, como variando entre 224,46 euros e
299,28 euros líquidos).
E, por exemplo, em qualquer oficina automóvel o custo da mão-de-obra é de 35 euros/hora
acrescido do respectivo IVA.
Importa ainda ter em consideração que os montantes pagos pelo tribunal aos Srs. Peritos a
título de remuneração (despesas e honorários) se encontram sujeitos à liquidação de IVA à
taxa de legal em vigor. Ou seja, por cada 100 euros que o tribunal entrega ao perito, este
devolve 21 ao Estado a título de IVA.»
Atualizando tal raciocínio, hoje em dia qualquer oficina automóvel de uma marca não
premium cobra cerca de € 50 pelo valor mão-de-obra/hora.
No caso em apreço, pelo trabalho desenvolvido até 27.5.2015, os Srs. Peritos indicam 111
horas de trabalho, o que se afigura totalmente verosímil atentos os mais de 6.067 folhas de
documentos junto aos autos, fora os documentos que os Srs. Peritos tiveram que consultar e
que não se mostram juntos aos autos.
Nos esclarecimentos prestados a fls. 6784-6789 e nos esclarecimentos presenciais que
prestarão em audiência, os Srs. Peritos despenderam e despenderão pelo menos mais oito
horas de trabalho.
Somando tudo, temos - pelo menos – 119 horas de trabalho.
Peticionando € 8.874, estão os Srs. Peritos a reclamar o valor de € 74.57 /hora. Noutros
processos que temos pendentes e com perícias complexas, temos partido de um valor-base
não inferior a € 50/hora (v.g. Ação Ordinária nº2242/11.4TVLSB), a ajustar em função das
circunstâncias concretas do processo.
O valor de € 74,57/hora aproxima-se mais de um valor de prestação de serviços em mercado
totalmente livre, não sendo esse o caso da prestação de serviços em colaboração com a
Justiça. Porém, há que não esquecer que os Srs. Peritos são profissionais qualificados com
habilitações académicas e técnicas não inferiores aos demais intervenientes no processo.
Nota-se também maior cuidado na realização desta segunda perícia face aos termos da
primeira.
Ponderando todo o exposto, entendemos que o valor dos honorários deverá ser objeto de um
ligeiro ajustamento para o valor hora de € 70.
No que tange às despesas de deslocação, nos termos da Tabela IV do Regulamento das Custas
Judiciais, podiam os Srs. Peritos reclamar até € 0,40 por cada quilómetro de deslocação, só
reclamando € 0,36. Assim sendo, nada há a censurar aos valores reclamados.
Atento o tempo já decorrido desde que os Srs. Peritos prestaram os serviços que lhe foram
solicitados e não sendo previsível quanto demorará a conclusão deste processo (facto alheio
aos Srs. Peritos e que se poderá alongar por anos, designadamente em função do número de
recursos que as partes interporão e que o nível de litigância já demonstrado indicia), afigura-
se-nos que deverá ser dado pagamento imediato dos serviços já prestados.
Esta solução é expressamente propugnada pelo legislador para os peritos em processo de
expropriação (cf. Artigo 20º do Decreto-lei nº 12/2007, de 19.1. : «O pagamentos dos
honorários apresentados pelos peritos não aguarda o termo do processo») , fazendo todo o
sentido a sua aplicação analógica 1 ao processo civil em geral.
Acresce que a norma do artigo 20º, nº4, do Regulamento das Custas Processuais, constitui
afloramento desta regra de que o pagamento dos honorários dos peritos não tem que
aguardar a conclusão do processo.
*
Pelo exposto:
a)-Fixo os honorários de cada um dos Srs. Peritos em € 8.330, ajustando-se em conformidade
o IVA e a Retenção na fonte aplicáveis;
b)-Mais ordeno se proceda ao pagamento dos valores das despesas de deslocação
apresentadas pelos Srs. Peritos a fls. 6681 a 6683;
c)-Ordeno se proceda ao pagamento imediato dos valores indicados em a) e b), notificando-se
as partes nos termos dos Arts. 20.1 do RCP e 532.3. do Código de Processo Civil , se
necessário for. »
6.–A A. veio, a fls. 6815 e segs., apresentar requerimento, chamando a atenção para a
existência de duas decisões contraditórias e solicitando que a guia que lhe foi passada fosse
considerada sem efeito e fosse a R. notificada para, em cumprimento do despacho de 13-11-
2013, suportar integralmente os encargos da segunda perícia.
A R. veio exercer o contraditório relativamente a este requerimento, pugnando por que se
mantivessem as guias emitidas em 15-10-2015, devendo os encargos com a segunda perícia
ser pagos por ambas as partes, por ambas terem tirado igual proveito da diligência
probatória.
Na sequência, foi, em 26-10-2015, proferido despacho deste teor:
«Requerimentos da Autora de fls. 6815-6817 (16.10.2015) e da M... de fls. 6820-6825
(20.10.2015):
Por requerimento de fls. 6470-6476, de 3.10.2013, a Ré requereu a realização de segunda
perícia.
Tal requerimento foi deferido por despacho de 13.11.2013 (fls. 6509 v), que ordenou a
realização da segunda perícia em moldes colegiais, mais aí se consignando que «Os encargos
da realização da segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a
realização da segunda perícia (Artigos 535-2 do Código de Processo Civil e 20-1 do
Regulamento das Custas Processuais)»
O despacho em causa, na medida em que admitiu um meio de prova, estava sujeito a
apelação autónoma imediata (Artigo 644.2.d) do Código de Processo Civil), não tendo sido
interposto recurso do mesmo.
No segmento em que ordenou a realização de perícia colegial, e não singular, tal despacho
integra um ato jurisdicional praticado no uso de um poder discricionário – cf. FRANCISCO
FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, II Vol., 2015, p. 421. Tal despacho
estava sujeito a recurso, não quanto ao conteúdo, mas quanto à legalidade do uso do poder
discricionário – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.1.2005, Pelayo Gonçalves,
0530002. Não tendo sido interposto recurso com tal fundamento, também nesse segmento o
despacho transitou.
O despacho proferido em 9.10.2015 não atentou no trânsito em julgado do despacho de
13.11.2013, tendo determinado que «Ordeno se proceda ao pagamento imediato dos valores
indicados em a) e b), notificando-se as partes nos termos dos Arts. 20.1 do RCP e 532.3. do
Código de Processo Civil, se necessário for.» Ou seja, mandou-se pagar os encargos da perícia
de forma repartida entre as partes, quando anteriormente se havia ordenado que o
pagamento seria apenas feito pela Ré.
O princípio da prioridade do trânsito em julgado consignado no Artigo 625°, n° 1 e n°2, do
Código de Processo Civil, tem inteira aplicação à situação em apreço, contendo um critério
decisório claro: cumpre-se a decisão que transitou em julgado em primeiro lugar. Assim,
tendo transitado em julgado o despacho de 13.11.2013 em primeiro lugar, há que cumpri-lo.
*
Pelo exposto, consigna-se que o pagamento dos honorários ordenado a fls. 6804, alíneas a) e
b), deve ser feito apenas pela Ré, emitindo-se guias em conformidade.».
7.–Inconformada, veio a R. interpor recurso.
O recurso interposto pela Ré não foi admitido, concluindo-se que o despacho apenas seria
susceptível de impugnação autónoma nos termos do art. 644º, nº3, do CPC, não
comportando apelação imediata.
Foi deduzida reclamação, ao abrigo do disposto no art. 643º do CPC, tendo nesta Relação
sido proferida decisão, por força da qual se admitiu o recurso, exarando-se, entre o mais, o
seguinte:
«Concorda-se, assim, com o despacho no que respeita à rejeição do enquadramento do caso
na al. h) do nº2 do art. 644º do CPC, pelas razões nele desenvolvidamente expressas.
Contudo, entende-se, com todo o respeito por opinião diversa, que será de incluir a apelação
interposta no art. 644º, nº1, a), do CPC, por se tratar de um incidente processado
autononamente.
Conforme refere Abrantes Geraldes, os incidentes processados autonomamente, a que esta
previsão se reporta, não se circunscrevem àqueles que são processados por apenso, como
ocorre com a habilitação, abarcando outros incidentes tramitados no âmbito da própria
acção, desde que sejam dotados de autonomia, implicando trâmites específicos que não se
confundem com os da acção em que estão integrados (Recursos no Novo Código de Processo
Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p.p. 151-152).
Parece-nos patente que, no que tange à atribuição da remuneração aos Srs. Peritos, estamos
perante um incidente (assim o qualificou, por exemplo, o Ac. da Rel. de Guimarães de 24-04-
2009 (Rel. António Gonçalves), publicado em www.dgsi.pt) que tem um processado que não
se confunde com o da acção.
Tendo sido fixado o pagamento imediato, configura-se até uma situação similar à da al. e) do
nº2, do art. 644º do CPC.
Importa ponderar em que, nalguns casos, são os próprios peritos a recorrer, inconformados
com a remuneração fixada (vide, por exemplo, o acórdão acabado de citar), não parecendo
que, numa tal situação, se justifique esperar pela decisão final do processo, por nela não
terem os peritos interesse, o que reforça a ideia da autonomia do incidente.
Com o recurso da decisão que ponha termo ao incidente poderão, conforme assinala
Abrantes Geraldes (op. cit., p. 152), ser impugnadas eventuais decisões interlocutórias
respeitantes a esse incidente, de acordo com o nº3 do art. 644º. Ora, a Recorrente referiu
pretender impugnar não só o despacho de 26-10-2015, como o de 09-10-2015.
Considera-se, pelo exposto, que, embora por fundamento diverso do invocado, procede a
reclamação, admitindo-se, assim, o recurso interposto, que, fixado que seja o efeito, deve
subir em separado (art. 645º, nº2, do CPC), devidamente instruído».
8.–A Apelante concluiu as suas alegações pela seguinte forma:
« (i) Admissibilidade e efeito suspensivo do recurso
1.–O presente recurso autónomo de apelação funda-se no risco de o imediato cumprimento
dos despachos recorridos, que condenam a Recorrente no pagamento integral dos honorários
e despesas do colégio pericial e os fixam na quantia de €28.413,24, significar, para a
Recorrente, a incapacidade de honrar os seus compromissos com fornecedores,
trabalhadores e entidades financeiras parceiras, o que irremediavelmente reconduzirá a uma
dificuldade de manutenção do negócio da Recorrente, pelo que é necessária a sua
impugnação imediata ao abrigo do disposto na alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do CPC.
II.–Com efeito, a situação financeira da Recorrente permite antecipar que, em caso de
cumprimento imediato dos despachos recorridos (conforme determinado pelo Tribunal a
quo), "o eventual provimento do recurso não passará de uma "vitória de Pirro", sem qualquer
reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado" (ABRANTES
GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil..., p. 165), pois mesmo uma decisão
final nos presentes autos favorável à Recorrente não será proferida em tempo útil para evitar o
seu colapso financeiro e incapacidade de honrar os compromissos essenciais à manutenção da
sua actividade comercial.
III.–Pelos mesmos motivos a Recorrente requer que seja conferido efeito suspensivo ao
presente recurso, pois apenas a suspensão da eficácia dos despachos recorridos eximirá a
Recorrente da obrigação do pagamento imediato dos referidos encargos, garantindo assim a
utilidade à sua apelação.
IV.–Para garantir o efeito suspensivo da presente apelação a Recorrente oferece-se para
prestar caução através de garantia bancária, no prazo que o ilustre Tribunal ad quem
doutamente fixar, pelo valor de €28.413,24 e respectivos juros moratórios contabilizados por
um ano, em cumprimento do disposto no artigo 647.°, n.° 4 do CPC e no artigo 913.°,
aplicável ex vi artigo 915.°, n.° 1 do CPC.
(ii)–Fundamento de recurso.
a)- Inexistência de caso julgado formal
V.–Por despacho de 13.11.2013, na sequência de requerimento da Ré e verificando existirem
diversas irregularidades no laudo pericial da primeira perícia singular, o Tribunal a quo
ordenou a realização de segunda perícia colegial e determinou que "os encargos da realização
da segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a realização de
segunda perícia".
VI.–Mas uma vez realizada a prova pericial, apresentado o respectivo relatório, e solicitados
esclarecimentos de ambas as partes, por despacho de 09.10.2015, ordenou o Tribunal a quo o
pagamento imediato dos encargos inerentes a tal diligência, "notificando-se as partes nos
termos dos Arts. 20.1 do RCP e 532.3 do Código de Processo Civil".
VII.–Proferidos dois despachos em sentido divergente, por despacho de 26.10.2015, o
Tribunal a quo considerou que o despacho de 13.11.2013 transitara em julgado em primeiro
lugar, pois, por respeitar a decisão sobre a admissão de um meio de prova era susceptível de
recurso autónomo e o mesmo não foi interposto.
VIII.–No entanto, a Recorrente entende que o que se discute não é uma decisão de
(in)admissibilidade de segunda perícia e rejeição desse meio de prova – pois não foi sequer
indeferido o pedido da Ré de realização de segunda perícia, situação essa que, conforme
referiu o próprio Tribunal a quo, consubstanciaria fundamento para interposição de recurso
autónomo nos termos do artigo 644.°, n.° 2, alinea d) do CPC.
IX.–Em causa está o segmento decisório que (i) ordena a realização de segunda perícia de
forma colegial, e (ii) aqueloutro que imputa à Recorrente a responsabilidade integral e
exclusiva pelos encargos decorrentes dessa mesma diligência que foi admitida.
X.–Quanto ao primeiro, é de salientar que tal decisão foi proferida pelo Tribunal a quo no
uso de um poder discricionário, pois a diligência probatória cuja realização foi ordenada não
corresponde àquela que a Recorrente solicitou – uma segunda perícia singular e o Tribunal a
quo entendeu que, por revestir especial complexidade ou exigir o conhecimento de distintas
matérias, a perícia deveria ser colegial, lançando mão das prerrogativas que a lei processual
lhe confere - designadamente o disposto no artigo 468.°, n.° 1, alínea a), corolário do
princípio do inquisitório previsto no artigo 419.° do CPC - para oficiosamente garantir o
cabal esclarecimento da verdade material, indo para além do(s) requerimento(s) probatório
das partes.
XI.–A fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido demonstra que o mesmo
ordenou, por sua iniciativa e no uso de poderes inquisitórios, a realização de segunda perícia
colegial, por considerar que tal seria essencial ao apuramento da verdade e relevante para
todos os intervenientes na causa e, tendo sido proferido no uso de um poder discricionário,
tal segmento decisório não é, sequer, susceptível de recurso pela Ré.
XII.–Ao determinar, no mesmo despacho de 13.11.2013 que "os encargos da realização da
segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a realização de
segunda perícia" o Tribunal a quo ignorou, por completo, o teor da sua própria decisão de
ordenar perícia colegial, ao invés de perícia singular, conforme requerido pela Ré, e não
ponderou, sequer, que tal significaria, para a Ré, o triplo dos encargos que a mesma teria
legitimamente equacionado aquando do seu pedido de realização de segunda perícia.
XIII.–No entanto, tal segmento da decisão do Tribunal a quo ("os encargos da realização da
segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a realização da
segunda perícia”), também não pode considerar-se transitado em julgado, nem susceptível de
produzir efeito de caso julgado formal dentro do processo, pois qualquer decisão judicial só
se considera "transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de
reclamação" (cfr. artigo 628.° do CPC), e certo é que a decisão em causa nunca seria
recorrível autonomamente por via de qualquer das alíneas do n.° 2 do artigo 644.° do CPC,
mas apenas aquando da interposição de recurso ou reclamação da sentença - nem mesmo
por via da alínea h), na qual a Recorrente fundamenta a presente apelação.
XIV.–À data do despacho de 13.11.2013, não só a perícia colegial se encontrava por realizar
(sendo, por isso, totalmente imprevisível o número e o valor de horas de trabalho a dispender
pelos peritos na sua realização), como a Recorrente confiava que o valor de tal perícia
sempre rondaria, necessariamente, os €2.160,00 por cada perito, pois tal foi o valor de
honorários fixado pelo próprio Tribunal a quo ao perito único que realizou a primeira
perícia, a qual incidiu sobre as mesmas matérias e visou dar resposta aos mesmos quesitos
que a segunda perícia colegial.
XV.–O objecto das decisões vertidas nos despachos de 13.11.2013 e 09.10.2015 é de tal ordem
diferente que torna, por si só, inadmissível a formação de caso julgado do primeiro
relativamente ao segundo dos despachos: naquele o Tribunal a quo limitou-se a referir que a
Ré seria responsável pelos encargos inerentes à segunda perícia, quando tais encargos não
eram determinados ou determináveis; neste veio fixar pela primeira vez o valor dos encargos
efectivamente devidos pela realização de segunda perícia e repartiu a responsabilidade por
tais encargos – €28.413,24 – por ambas as partes.
b)-Remuneração dos peritos que realizaram segunda perícia colegial
XVI.–Por despacho de 09.10.2015 o Tribunal a quo fixou o montante de honorários de cada
um dos três peritos que compuseram o colégio pericial em €8.330,00 e manteve o valor de
despesas de deslocação tal como peticionado pelos técnicos e acima descrito, alegando a
inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional no acórdão 16/2015 para
fundamentar "a inexistência de teto para a fixação da remuneração dos Srs. Peritos".
XVII.–Não é conforme à Constituição uma decisão como a do Tribunal a quo, que fixa os
honorários de cada perito de um colégio pericial em €8.330,00, - valor correspondente a
€70,00/hora e ao qual acresce ainda IVA à taxa de 23% -, especialmente quando na primeira
perícia singular realizada nos autos, com o mesmo objecto que a segunda, a remuneração do
perito único foi fixada pelo mesmo Tribunal em €2.160,00, o correspondente a menos de
€43,00/hora.
XVIII.–Conforme salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 16/2015, a
compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de
mercado, pois que o direito de propriedade privada deve ser restringido quando conflitue
com valores constitucionais preponderantes; desde logo, o interesse público num sistema
judicial orientado para a descoberta da verdade material e a tutela efectiva dos direitos
subjectivos dos cidadãos.
XIX.–Pelo contrário, uma vez reconhecida a manifesta insuficiência do limite constante da
Tabela IV do Regulamento das Custas para a fixação de um valor que permita
compatibilizar o direito à justa compensação do perito pelo trabalho prestado e o direito de
acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos, urge recorrer aos
princípios constitucionais da proporcionalidade e da segurança jurídica no arbitramento de
determinado montante de honorários a peritos que colaborem com os tribunais, princípios
esses que vinculam e orientam toda a actividade dos Tribunais.
XX.–Não é possível alcançar qual o critério utilizado pelo Tribunal a quo na fixação da
remuneração dos peritos em questão, pois a fundamentação aduzida é manifestamente
incongruente face à decisão proferida no âmbito da primeira perícia (o primeiro perito
também era TOC e com formação académica para o efeito, o relatório pericial contém
opiniões desnecessárias face ao objecto da perícia, e ainda diversas páginas em branco), nem
as despesas apresentadas correspondem, com toda a certeza, a deslocações exclusivamente
necessárias à realização da diligência pericial.
XXI.–A decisão do Tribunal a quo ao fixar a remuneração dos peritos num total de
€28.413,24 (incluindo IVA) é, pois, desproporcional e imprevisível, consubstanciando uma
forma de denegar à Recorrente o seu direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional
efectiva, pelo que a Recorrente alega a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios
da proporcionalidade, da segurança jurídica, e do disposto no artigo 20.° da Constituição.
c)-Responsabilidade de ambas as partes pelos encargos decorrentes da segunda perícia colegial
XXII.–Bem andou o Tribunal a quo quando, por despacho de 09.10.2015, ao determinar
efectivamente qual o valor de encargos incorridos pela realização de segunda perícia colegial,
repartiu a responsabilidade de tais encargos (ainda que excessivos, como se viu) por ambas as
partes do processo, por via do disposto no artigo 532.°, n.° 3 do CPC.
XXIII.–Apesar de o artigo 488.°, alínea b) do CPC determinar que a segunda perícia só pode
ser colegial quando a primeira também o tenha sido, a Recorrente admite que a norma em
questão possa ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de apenas ser aplicável à
segunda perícia quando requerida por qualquer das partes. Compreende-se que assim seja,
pois que o legislador pretende obviar a que as partes requeiram diligências meramente
dilatórias.
XXIV.–Para além da segunda perícia colegial ter sido ordenada pelo Tribunal — facto que,
por si só, demonstra a pertinência da diligência na descoberta da verdade e o interesse de
ambas as partes na sua realização -, o relatório pericial não permite determinar qual a parte
que mais beneficiou deste meio de prova: na verdade, todos os sujeitos (também o Tribunal a
quo) tiraram proveito da mesma, e não apenas a Recorrente, pois inclusivamente a Autora
nomeou o seu perito (que, como vimos, teceu longas considerações pessoais ao longo do
relatório) e requereu diversos esclarecimentos.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido e julgado
procedente. Em consequência, devem ser anulados os despachos recorridos e substituídos
por outra decisão que determine:
a)-Um valor justo de remuneração do colégio pericial, proporcional à complexidade e
qualidade do trabalho realizado, coerente com o valor fixado na primeira perícia singular e
com o valor da causa;
b)-A responsabilidade de ambas as partes pelo pagamento dos encargos inerentes à segunda
perícia colegial.».
8.–Contra-alegou a A., concluindo o seguinte:
«A.-A Recorrente funda o recurso por si apresentado na alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do
CPC, a qual estabelece que cabe recurso de apelação de decisão do tribunal de primeira
instância cuja impugnação com o recurso final seria absolutamente inútil.
B.-Sucede que o recurso que a Recorrente interpôs não se enquadra na referida previsão
legal, porquanto esta não visa permitir às partes que interponham recursos de decisões no
sentido de prevenir o seu colapso financeiro, nem adiar através da interposição de um
recurso, o cumprimento de decisões judiciais — já transitadas em julgado - que determinem
o pagamento de encargos.
C.-A alínea h) do n.° 2 do artigo 644.° do CPC visa consagrar uma hipótese de interposição
de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral importe a absoluta inutilidade de
uma decisão favorável que eventualmente venha a ser obtida em sede de recurso (in
Recursos do Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 159).
D.-Ora, o recurso apresentado pela Recorrente não configura um caso destes, uma vez que
caso o mesmo fosse admitido e considerado procedente conjuntamente com o recurso da
decisão final, tal não teria qualquer impacto no andamento do processo, não importando a
inutilização de uma parte do processo.
E.-Por outro lado, o presente recurso deve ainda ser julgado inadmissível, dado que aquilo
que a Recorrente pretende obviar com a interposição do mesmo (i.e. a repartição pelas
partes dos encargos com a segunda perícia e a redução dos honorários dos peritos) já não é
legalmente possível.
F.-O despacho de 13.11.2013 – o qual, há muito transitou em julgado – determinou
definitivamente que a Recorrente suportaria os encargos com a segunda perícia por a mesma
ter sido ordenada na sequência de um requerimento por esta apresentado, não sendo possível
reverter esta decisão sob pena de violação do caso julgado formal.
G.-Acresce que o Tribunal já se pronunciou definitivamente sobre a questão de fixação dos
honorários dos peritos no despacho proferido em 09.10.2015, o qual também já tinha
transitado em julgado aquando da interposição do presente recurso.
H.-O presente recurso deve, por isso, ser julgado inadmissível por não se enquadrar em
nenhuma das possibilidades previstas no artigo 644.° do CPC.
I.-Caso assim não se entenda – o que não se concede -, deve o mesmo ser considerado
totalmente improcedente.
J.-O despacho de 13.11.2013 que determinou que a Ré ora Recorrente deveria suportar os
encargos com a realização da segunda perícia era recorrível nos termos do artigo 644.°, n.° 2,
al. d), uma vez que o mesmo admitiu o meio de prova requerido pela Ré, ou seja, uma
segunda perícia.
K.-O despacho de 13.11.2013 não consistiu no exercício de um poder discricionário do juiz,
mas sim numa decisão proferida após um requerimento apresentado pela Ré ora Recorrente
nos termos de uma norma legal – in casu, o artigo 487.° n.° 1 do CPC -, pelo que o juiz não
podia discricionariamente decidir se realizava a perícia, tendo sim de atender se estavam
reunidos os pressupostos para dar provimento à pretensão da Ré.
L.-O facto de o Tribunal ter ordenado que a segunda perícia se realizasse em moldes
colegiais não torna o despacho de 13.11.2013 numa decisão proferida no uso de um poder
discricionário.
M.-De todo o modo, ainda que se entendesse que a decisão de ordenar uma perícia colegial
em vez de uma perícia singular se enquadra no poder discricionário do juiz, tal não
impediria que o mesmo fosse objeto de recurso, uma vez que o mesmo se debruçou sobre a
admissão de um meio de prova, na sequência de um pedido apresentado pela Ré.
N.-Tal é o que resulta dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30.10.2014 e de
07.10.2013, os quais conheceram de recursos de decisões judiciais que, na sequência de
requerimentos de realização de segunda perícia em moldes colegiais, as deferiram,
cometendo-as, no entanto, a um perito singular […].
O.-Acresce que se a Ré tivesse querido pôr em causa a decisão de realização da segunda
perícia em moldes colegiais, sempre o poderia ter feito ao abrigo da alínea h) do n.° 2 do
artigo 644.° do CPC.
P.-Na verdade, seria absolutamente inútil a Ré recorrer dessa decisão com o recurso da
decisão final, pois esta seria sempre proferida após a realização da perícia.
Q.-Portanto, não subsistem dúvidas de que o despacho de 13.11.2013 era recorrível no
momento em que a Ré dele foi notificada.
R.-Não tendo sido objeto de recurso, o referido despacho transitou em julgado, formando-se
caso julgado formal sobre a matéria da responsabilidade com os encargos da segunda
perícia.
S.-Existindo duas decisões diretamente antagónicas relativamente à mesma concreta questão
processual, cumpre-se aquela que transitou em julgado em primeiro lugar.
T.-Tal é o que decorre do artigo 625.° do CPC que consagra o princípio da prioridade do
trânsito em julgado.»
ii –objecto do recurso.
Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que
for de conhecimento oficioso, decidida que foi, por via da reclamação, a problemática da
admissibilidade do recurso, assumem-se como questões a tratar as de saber:
- se há caso julgado formal relativamente ao despacho de 13-11-2013, no segmento em que se
determinou que os encargos da realização da segunda perícia ficavam a cargo da Ré, na
medida em que foi ela que a requereu;
- se o montante de honorários fixado pelo Tribunal a quo é o adequado;
- se a responsabilidade pela perícia colegial deve recair sobre ambas as partes.
III –apreciação.
Os elementos a considerar são os que decorrem do ponto antecedente.
Passa a apreciar-se:
III.1–Vejamos, em primeiro lugar, a questão do caso julgado formal.
Tendo sido realizada uma primeira perícia, oficiosamente determinada, em singular, veio a
Ré requerer a realização de uma segunda perícia, também em singular.
O Tribunal a quo, em 13-11-2013, deferiu a realização da perícia, mas determinou que esta,
em vez de ser em singular, conforme requerida pela Ré, fosse colegial (Cf. ponto 3 do
relatório deste acórdão).
No que se refere aos encargos com a realização da segunda perícia, decidiu-se, na mesma
ocasião, que seriam a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a realização de
segunda perícia (Artigos 532-2 do Código de Processo Civil e 20-1 do Regulamento das Custas
Processuais).
Ordenou-se a notificação da Ré nos termos do Artigo 20-1 do Regulamento das Custas
Processuais, registando-se, no entanto, que o valor de referência dos honorários dos Srs.
Peritos ainda estava por fixar nos termos do despacho supra.
Os honorários vieram a ser fixados em 09-10-2015, decidindo-se, desta vez, que se procedesse
ao pagamento imediato dos valores indicados, notificando-se as partes (não apenas a Ré) nos
termos do art. 20, nº1, do RCP e 532, nº3 do CPC.
Na sequência de requerimento da A., chamando a atenção para decisões contraditórias, veio
o Tribunal a quo ponderar em que o despacho de 09-10-2015 não atentara no trânsito em
julgado do despacho 13-11-2013 e, assim, mandou-se cumprir essa decisão ordenando-se que
fosse apenas notificada a Ré para o pagamento dos honorários (ponto 5 do relatório).
Considerou-se, no despacho datado de 26-10-2015 (ponto 6 do relatório), que o despacho de
13-11-2013, na medida em que admitiu um meio de prova, estava sujeito a apelação
autónoma imediata, nos termos do art. 644º, nº2, al. d), do CPC, sendo que, no segmento em
que se ordenou a realização de perícia colegial, se tratou de um acto jurisdicional no uso de
um poder discricionário.
A Apelante assinala que o que se discute «não é uma decisão de (in)admissibilidade de
segunda perícia e rejeição desse meio de prova – pois não foi sequer indeferido o pedido da
Ré de realização de segunda perícia, situação essa que, conforme referiu o próprio Tribunal
a quo, consubstanciaria fundamento para interposição de recurso autónomo nos termos do
artigo 644.°, n.° 2, alínea d) do CPC», estando em causa, sim, «o segmento decisório que (i)
ordena a realização de segunda perícia de forma colegial, e (ii) aqueloutro que imputa à
Recorrente a responsabilidade integral e exclusiva pelos encargos decorrentes dessa mesma
diligência que foi admitida». Quanto ao primeiro – diz – a «decisão foi proferida pelo
Tribunal a quo no uso de um poder discricionário, pois a diligência probatória cuja
realização foi ordenada não corresponde àquela que a Recorrente solicitou – uma segunda
perícia singular e o Tribunal a quo entendeu que, por revestir especial complexidade ou
exigir o conhecimento de distintas matérias, a perícia deveria ser colegial, lançando mão das
prerrogativas que a lei processual lhe confere - designadamente o disposto no artigo 468.°, n.
° 1, alínea a), corolário do princípio do inquisitório previsto no artigo 419.° do CPC - para
oficiosamente garantir o cabal esclarecimento da verdade material, indo para além do(s)
requerimento(s) probatório das partes.»
Refere a Apelante que a fundamentação apresentada pelo Tribunal recorrido demonstra que
o mesmo ordenou, por sua iniciativa e no uso de poderes inquisitórios, a realização de
segunda perícia colegial, por considerar que tal seria essencial ao apuramento da verdade e
relevante para todos os intervenientes na causa e, tendo sido proferido no uso de um poder
discricionário, tal segmento decisório não é, sequer, susceptível de recurso pela Ré.
Considera que, ao determinar, no mesmo despacho de 13.11.2013 que "os encargos da
realização da segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a
realização de segunda perícia"o Tribunal a quo ignorou, por completo, o teor da sua própria
decisão de ordenar perícia colegial, ao invés de perícia singular, conforme requerido pela Ré,
e não ponderou, sequer, que tal significaria, para a Ré, o triplo dos encargos que a mesma
teria legitimamente equacionado aquando do seu pedido de realização de segunda perícia.
Defende que «tal segmento da decisão do Tribunal a quo ("os encargos da realização da
segunda perícia são a cargo da Ré na medida em que foi a Ré que requereu a realização da
segunda perícia”), também não pode considerar-se transitado em julgado, nem susceptível de
produzir efeito de caso julgado formal dentro do processo, pois qualquer decisão judicial só
se considera "transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de
reclamação" (cfr. artigo 628.° do CPC), e certo é que a decisão em causa nunca seria
recorrível autonomamente por via de qualquer das alíneas do n.° 2 do artigo 644.° do CPC,
mas apenas aquando da interposição de recurso ou reclamação da sentença - nem mesmo
por via da alínea h), na qual a Recorrente fundamenta a presente apelação.»
Vinca, ainda, que, à data do despacho de 13.11.2013, a perícia colegial se encontrava por
realizar, sendo, por isso, totalmente imprevisível o número e o valor de horas de trabalho a
despender pelos peritos na sua realização, e que o objecto das decisões vertidas nos
despachos de 13.11.2013 e 09.10.2015 é de tal ordem diferente que torna, por si só,
inadmissível a formação de caso julgado do primeiro relativamente ao segundo dos
despachos, pois naquele o Tribunal a quo limitou-se a referir que a Ré seria responsável pelos
encargos inerentes à segunda perícia, quando tais encargos não eram determinados ou
determináveis; neste veio fixar pela primeira vez o valor dos encargos efectivamente devidos
pela realização de segunda perícia e repartiu a responsabilidade por tais encargos –
€28.413,24 – por ambas as partes.
Vejamos:
O despacho datado de 13-11-2013, tem dois segmentos: um, em que se defere a realização da
perícia, requerida pela Ré, e acrescentando-se, oficiosamente, à luz dos arts. 468º, nº1, a) e
477º do CPC, no uso de um poder discricionário, que a perícia seria colegial; outro, em que
se atribui a responsabilidade pelos encargos à Ré.
No que tange ao primeiro aspecto, o despacho transitou, tendo-se realizado a perícia. A Ré
tinha interesse nela, como decorre da sua iniciativa e, por certo, a realização em moldes
colegiais, porque o Tribunal assim o entendeu, ofereceria, naturalmente, ainda mais
garantias de correcção das deficiências da primeira perícia, tendo o Tribunal reconhecido
serem «patentes várias inexatidões no laudo pericial». Nestas circunstâncias, não teria a Ré
interesse ou fundamento em recorrer de uma decisão que lhe deferiu a pretensão e ainda a
reforçou com a determinação da colegialidade.
No que concerne ao segundo segmento, importa ter em atenção que estamos perante uma
decisão que se pauta pela incompletude (aliás, referida no próprio despacho, no qual se
escreveu: «sendo certo que o valor de referência dos honorários dos Srs. Peritos ainda está
por fixar»), já que, no que tange aos honorários dos Exmºs Peritos, que é o que está aqui em
causa, desconhecia-se, então, que tempo demoraria a perícia e que montante seria atribuído,
a final, a cada perito. Só no momento, posterior, em que se determinou qual era esse
montante, ordenando-se, agora, sim, o pagamento imediato dos honorários (€8.330,00 a cada
um dos Peritos, mais as despesas de deslocação), se completaram os elementos essenciais à
ponderação da interposição de recurso.
Como se deixou adiantado na decisão da reclamação, com o recurso da decisão que ponha
termo ao incidente podem, conforme assinala Abrantes Geraldes (op. cit., p. 152), ser
impugnadas eventuais decisões interlocutórias respeitantes a esse incidente, de acordo com o
nº3 do art. 644º do CPC.
Ora, salvo melhor opinião, aquela decisão de 13-11-2013 tem, no que tange à problemática
dos honorários dos Exmºs Peritos, cujo montante só se conheceu efectivamente na decisão de
09-10-2015, a natureza de decisão interlocutória, podendo, por isso, ser impugnada, como o
é, dado que, no recurso, a Apelante vem questionar a sua responsabilidade exclusiva no
pagamento dos encargos, entendendo que eles devem também recair sobre a outra parte. E
crê-se, até, que, neste aspecto dos honorários, e com todo o respeito, se divisa alguma
contradição no facto de o Tribunal a quo não ter admitido o presente recurso (que se ergue
contra a determinação do pagamento, imediato, apenas pela R., do montante – que é muito
substancial – dos honorários em causa), por entender não ser susceptível de impugnação
autónoma, nos termos do art. 644º, nº3 do CPC, considerando não comportar apelação
imediata, e ter entendido estar transitado o aludido despacho no que tange à
responsabilização pelo pagamento de honorários, cujo montante era então desconhecido, ou
seja, não admitindo que esta questão pudesse ser impugnada no recurso da decisão final.
Porque consideramos que, pela sua natureza interlocutória, pode a questão ser discutida no
recurso da decisão que põe fim ao incidente, isto é, no presente recurso, há que referir –
desde já – que, a nosso ver, estamos perante uma perícia com interesse para ambas as partes,
como, aliás, se entendeu no despacho de 09-10-2015, por referência aos arts. 20º, nº1, do RCP
e do art. 532º, nº3, do CPC, com a acrescida sustentação de se tratar de decisão tomada após
a realização da perícia.
Aliás, importará, quanto a isso, não olvidar que a primeira perícia foi determinada
oficiosamente, incidindo sobre um largo espectro de artigos da base instrutória, e a segunda
perícia, embora desencadeada por requerimento da R., nasceu de incorrecções da primeira,
reconhecendo o Tribunal a quo, como se disse, serem «patentes várias inexatidões no laudo
pericial» e o mesmo Tribunal determinou, uma vez mais oficiosamente (no que isso
representa quanto à preocupação da adequada decisão do pleito), que a perícia fosse colegial.
Considera-se, por isso, que o pagamento dos encargos teria de recair sobre ambas as partes.
III.2.
No que tange à remuneração atribuída aos Exmºs Peritos que realizaram a segunda perícia,
alega a Apelante que:
Não é conforme à Constituição uma decisão como a do Tribunal a quo, que fixa os
honorários de cada perito de um colégio pericial em €8.330,00, - valor correspondente a
€70,00/hora e ao qual acresce ainda IVA à taxa de 23% -, especialmente quando na primeira
perícia singular realizada nos autos, com o mesmo objecto que a segunda, a remuneração do
perito único foi fixada pelo mesmo Tribunal em €2.160,00, o correspondente a menos de
€43,00/hora, pois, conforme salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 16/2015, a
compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de
mercado, pois que o direito de propriedade privada deve ser restringido quando conflitue
com valores constitucionais preponderantes, desde logo, o interesse público num sistema
judicial orientado para a descoberta da verdade material e a tutela efectiva dos direitos
subjectivos dos cidadãos.
Acrescenta ainda que, uma vez reconhecida a manifesta insuficiência do limite constante da
Tabela IV do Regulamento das Custas para a fixação de um valor que permita
compatibilizar o direito à justa compensação do perito pelo trabalho prestado e o direito de
acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos, urge recorrer aos
princípios constitucionais da proporcionalidade e da segurança jurídica no arbitramento de
determinado montante de honorários a peritos que colaborem com os tribunais, princípios
esses que vinculam e orientam toda a actividade dos Tribunais.
Entende que não é possível alcançar qual o critério utilizado pelo Tribunal a quo na fixação
da remuneração dos peritos em questão, pois a fundamentação aduzida é manifestamente
incongruente face à decisão proferida no âmbito da primeira perícia (o primeiro perito
também era TOC e com formação académica para o efeito, o relatório pericial contém
opiniões desnecessárias face ao objecto da perícia, e ainda diversas páginas em branco), nem
as despesas apresentadas correspondem, com toda a certeza, a deslocações exclusivamente
necessárias à realização da diligência pericial.
Considera que a decisão do Tribunal a quo ao fixar a remuneração dos peritos num total de
€28.413,24 (incluindo IVA) é, pois, desproporcional e imprevisível, consubstanciando uma
forma de denegar à Recorrente o seu direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional
efectiva, pelo que alega a sua inconstitucionalidade por violação dos princípios da
proporcionalidade, da segurança jurídica, e do disposto no artigo 20.° da Constituição.
Importa apreciar.
Dispõe o art. 17º, nºs 1 a 4, do Regulamento das Custas Processuais (RCP):
«1–As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências,
salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no
presente Regulamento.
2–A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatários,
administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é
efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante
do presente Regulamento.
3–Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades,
tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:
a)-Remuneração em função do serviço ou deslocação;
b)-Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de
peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.
4–A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que
se contenha dentro dos limites impostos pela tabela iv, à qual acrescem as despesas de
transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos
termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas
partes ou pelo tribunal.»
A tabela IV estabelece o limite máximo de 10 UC para a remuneração aos peritos.
O Tribunal a quo estribou-se nos Acs. do Tribunal Constitucional nºs 656/2014, de 14-10-
2014 e de 16/2015, de 14-01-2015, citando passagens deste, os quais, entre outros arestos do
TC, foram concluindo pela inconstitucionalidade do “tecto” estabelecido naquela tabela.
Ora, sucede que acaba de ser publicado – no DR, Série I, de 08-03-2017 – o Ac. do Tr.
Constitucional nº 33/2017, datado de 01-02-1017 (Rel. Fátima Mata-Mouros) que:
«Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a
fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UC,
interpretativamente extraída dos n.os 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas
Processuais em conjugação com a sua tabela IV».
O Tribunal a quo entendeu, e bem, na linha da Jurisprudência constitucional, que teve este
epílogo, não dever a fixação da remuneração estar limitada pelo dito “tecto”.
A Apelante defende, como se viu, que não é conforme à Constituição uma decisão como a do
Tribunal a quo, que fixa os honorários de cada perito de um colégio pericial em €8.330,00,
corespondente a 70,00/h, especialmente quando na primeira perícia singular realizada nos
autos, com o mesmo objecto que a segunda, a remuneração do perito único foi fixada pelo
mesmo Tribunal em €2.160,00, o correspondente a menos de €43,00/hora, considerando que a
compensação de um perito que colabora com a Justiça não pode ser fixada a preço de
mercado, estando em causa o interesse público num sistema judicial orientado para a
descoberta da verdade material e a tutela efectiva dos direitos subjectivos dos cidadãos (art.
20º da CRP).
Essa preocupação tem surgido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional que incidem sobre
esta problemática e, naturalmente, é também reflectida no Ac. nº 33/2017, no qual se elencam
e sopesam todos os interesses em jogo, como se extrai da seguinte passagem:
«Deve começar por se referir que é possível identificar o interesse público que fundamenta a
atuação do legislador ao introduzir este limite. Como referido no Acórdão n.º 656/2014:
«18–O motivo apresentado para a limitação referida passa pela necessidade de controlo das
[custas] a ser pagas pelas partes litigantes, de forma a não restringir excessivamente o direito
de acesso à justiça.
Trata-se de uma preocupação constitucionalmente válida. De facto, a preocupação de evitar
que as partes litigantes sejam oneradas com [custas] excessivamente elevadas, tendo em vista
não frustrar o direito de acesso aos tribunais garantido no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição,
encontra-se bem patente na jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas.
Como salientado no Acórdão n.º 467/91, 'o asseguramento da garantia do acesso aos
tribunais subentende uma programação racional e constitucionalmente adequada dos custos
da justiça: o legislador não pode adotar soluções de tal modo onerosas que impeçam o
cidadão médio de aceder à justiça'.»
No entanto, apesar de o legislador ter «mandato constitucional para implementar medidas
que promovam e garantam o acesso à justiça de todos os cidadãos [...] esse mandato não lhe
confere legitimidade para o garantir à custa da imposição de um sacrifício excessivo aos
agentes que colaboram na administração da justiça» (Acórdão n.º 656/2014, ponto 20.).
Efetivamente, «o Tribunal tem afirmado que a liberdade de conformação do legislador,
designadamente em matéria de definição do montante de taxas integradoras das custas
judiciais, 'não implica que as normas definidoras dos critérios de cálculo sejam imunes a um
controlo de constitucionalidade, quer no que toca à sua aferição segundo regras de
proporcionalidade, decorrentes do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da
Constituição), quer no que respeita à sua apreciação à luz da tutela constitucional do direito
de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição); em qualquer dos casos, sob cominação de
inconstitucionalidade material (cf. Acórdãos n.os 1182/96 ou 352/91) [...]. E proferiu, mesmo,
alguns julgamentos de inconstitucionalidade por violação combinada de ambos os princípios
(por exemplo, nos Acórdãos n.os 1182/96 e 521/99' (Acórdão n.º 227/07)» (Acórdão n.º
656/2014, ponto 18.). Como refere o Acórdão n.º 16/2015, ponto 7., in fine:
«O dever de agir do legislador em vista da garantia da compensação dos sacrifícios
legitimamente impostos em benefício do interesse público não prejudica que o mesmo goze
de uma ampla liberdade de conformação. Por isso, não podem excluir-se soluções legais
diferenciadas. Mas, por outro lado, cada uma das soluções estabelecidas pelo legislador não
pode contrariar o sentido teleológico fundamental da compensação, ou seja, a satisfação de
exigências de justiça distributiva. Em especial, a compensação tem de ser proporcional ao
sacrifício».
E remata-se do seguinte modo:
«Assim, na articulação dos vários interesses que se jogam na delimitação do valor da justa
remuneração devida ao perito pela sua atividade de colaboração com a justiça, como
compensação legalmente devida pelo seu sacrifício, a norma em apreciação no presente
processo não assegura «que aquela compensação satisfaça as exigências de justiça
distributiva que constituem o seu fundamento, de acordo com o princípio do Estado de
direito democrático», sendo, por isso, «excessivamente limitadora» dessa compensação
(Acórdão n.º 16/2015, ponto 9.). A fixação de um limite inultrapassável, por isso, «não
satisfaz as exigências de proporcionalidade impostas pela Constituição (artigo 18.º, n.º 2)»
(Acórdão n.º 656/2014, ponto 20. in fine) e configura uma «violação do princípio da proibição
do excesso ínsito no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da
Constituição» (Acórdão n.º 16/2015, ponto 9.).
17 –É, assim, de concluir que a fixação de um limite máximo de 10 UCs, previsto no artigo
17.º, n.os 2 e 4, do Regulamento das Custas Processuais em articulação com a sua tabela IV,
que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior, sem a previsão da
possibilidade da sua flexibilização, é excessivamente limitadora da justa compensação devida
aos peritos pelo sacrifício que o exercício da perícia lhes impôs, devendo ser, por isso,
declarada inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, ancorado no
princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2.º da Constituição com
concretização no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.»
Como se vê, a preocupação da garantia do acesso à justiça não impede que se considere que a
fixação de um limite máximo de 10 UCs, impedindo a fixação de remuneração de perito em
montante superior, sem a previsão da possibilidade da sua flexibilização, é excessivamente
limitadora da justa compensação devida aos peritos pelo sacrifício que o exercício da perícia
lhes impôs.
Foi de acordo com esta jurisprudência, que vinha ganhando assento, que o Tribunal a quo
atribuiu a remuneração para além do aludido limite máximo. Não se vê que se tenha, com
esta decisão, aplicado alguma norma inconstitucional, como parece defender a Apelante
(sem, no entanto, identificar a norma). O que se fez foi, pelo contrário, desaplicar a dita
norma, que acaba de ser declarada inconstitucional com força obrigatória geral.
O problema que se põe, em concreto, agora, é o de saber se a remuneração encontrada é a
adequada ao caso, não olvidando todos os interesses em jogo, designadamente o facto de
estarmos perante um «caso de prestação de serviços em colaboração com a justiça» e não em
mercado livre (tal como ponderou o Tribunal a quo).
Considera a Apelante que não é possível alcançar qual o critério utilizado pelo Tribunal
recorrido na fixação da remuneração dos peritos em questão, pois a fundamentação aduzida
é manifestamente incongruente, face à decisão proferida no âmbito da primeira perícia.
Ora, resulta da decisão recorrida que houve um maior cuidado na segunda perícia cotejada
com os termos da primeira, em relação à qual a própria R./Apelante apontou deficiências e
daí ter requerido a segunda perícia, pedindo maior idoneidade nas respostas aos quesitos.
Importa ter em conta que, entretanto, decorreram quase dois anos entre as duas fixações de
honorários, o que não poderá deixar de apontar para uma actualização, marcada, ademais,
por uma maior abertura de critérios, de acordo com o que a jurisprudência constitucional foi
delineando.
Entende-se, contudo, porque estamos no âmbito do mesmo processo, ou seja, da mesma
problemática, que, tendo sido fixada uma remuneração ao Exmº Perito que realizou a
primeira perícia tendo como base um valor que não chegava a 43/hora, a fixação agora de
€70,00 (uma diferença de quase €30,00/h) nos parece excessiva, parecendo-nos mais
adequado um valor de €55,00/h, o que representará, considerando às 119 horas tidas em
conta na decisão, a remuneração de €6545,00 para cada Perito.
No que se refere às despesas apresentadas, refere a Apelante, nas conclusões, que não
correspondem, com toda a certeza, a deslocações exclusivamente necessárias à realização da
diligência pericial.
Na decisão recorrida, considerou-se o seguinte:
«No que tange às despesas de deslocação, nos termos da Tabela IV do Regulamento das
Custas Judiciais, podiam os Srs. Peritos reclamar até €0,40 por cada quilómetro de
deslocação, só reclamando €0,36. Assim sendo, nada há a censurar aos valores reclamados.».
O Tribunal a quo não viu motivos para não aceitar como boas as notas de despesas de
deslocação apresentadas e não vê este Tribunal também razão para que elas sejam colocadas
em causa, designadamente pela circunstância de haver um dos Peritos que indica o percurso
Estoril-Lisboa-Estoril, quando tem domicílio profissional em Lisboa (não se extrai
necessariamente daí que não tenha feito as deslocações, em viatura própria, motivadas pelas
reuniões destinadas à efectivação da perícia, desconhecendo-se, inclusive, as horas em que
tais reuniões tiveram lugar), ou porque dois Exmºs Peritos reclamam o mesmo montante
(€496,80). Ora, os dois indicam o percurso de Sintra-Lisboa-Sintra (com a mesma
quilometragem entre essas localidades: 30 Km para cada lado), pelo mesmo número de
deslocações, o que não é de estranhar, tendo em conta as reuniões assinaladas no quadro
subscrito pelos três Peritos em 26-05-2015 (fls. 6680 do processo; 13 deste traslado).
Não há, pois, razões para alterar o montante atribuído a título de despesas de deslocação, a
acrescer à remuneração.
IV–Decisão:
Pelo que se deixou exposto, na procedência parcial do recurso:
- Altera-se a remuneração atribuída a cada um das Exmºs Peritos, em 09-10-2015,
substituindo-se o montante de “€8.330,00” pelo de €6.545,00, com manutenção do mais que
aí se decidiu quanto a pagamentos, designadamente quanto às despesas de deslocação
reconhecidas pelo Tribunal a quo, que acrescem àquele quantitativo;
- Determina-se que os encargos em apreço, atinentes à segunda perícia, são suportados, de
imediato, em partes iguais, por A. e R., alterando-se a decisão que os fez recair apenas sobre
a Ré.
*
Custas por A. e R. conforme decaimento final.
*

Lisboa, 9 de Março de 2017

(Tibério Silva)
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)

[1]Foi solicitada autorização para consulta do processo principal, através do Citius, para
acesso a elementos que não constavam do
presente recurso em separado.

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