Você está na página 1de 7

Muitas vezes ouvimos pessoas dizerem durante um dia ruim que estão se sentindo

“deprimidas”, entretanto a depressão como condição grave de saúde mental não se resume somente
ao sentimento de tristeza ou apatia. A tristeza é passageira, sendo muitas vezes consequência de um
fator adverso da vida, uma perda, um desapontamento, uma lembrança de algo ruim que aconteceu
ou mesmo um pensamento não adequado que ativamos de forma automática.

A depressão é um quadro complexo, que envolve fatores genéticos, psicológicos e ambientais


em sua origem. Uma pessoa que apresenta depressão expressa sensações de abatimento, tristeza,
irritação e/ou vazio, mas não somente isso. Além de afetar o humor, a depressão interfere nos
pensamentos, no comportamento e nas reações físicas. Pode, por exemplo, afetar:

• O sono, com insônia ou sono excessivo;


• A alimentação, com perda ou aumento do apetite, causando ganho ou perda de peso;
• As atividades de rotina, com a perda do interesse ou do prazer nas coisas do dia a dia,
podendo diminuir inclusive o desejo sexual;
• A energia, com cansaço físico e/ou mental;
• A capacidade de concentração e de tomar decisões, diminuindo a atenção e causando
falhas de memória;
• A conteúdo dos pensamentos, com foco exagerado em aspectos negativos, gerando
sensações injustificadas de inutilidade, desvalorização e culpa. Em casos extremos
pode até mesmo desencadear ideias sobre suicídio ou de que seria melhor morrer do
que estar vivo.

A depressão pode:

• Se manifestar em qualquer pessoa, a qualquer hora e em qualquer idade;


• Ter influência direta do momento de vida e contexto no qual a pessoa está inserida;
• Durar semanas, meses ou, em casos menos comuns, mais de um ano;
• Ter intensidade leve, moderada ou grave;
• Ser um único episódio ou um problema recorrente;
• Estar diretamente associada a um evento presente (p. ex.: encerramento de um projeto,
fim de um relacionamento, luto).
A depressão é uma condição psiquiátrica muito frequente. Estudos recentes mostram que 10%
a 25% das pessoas que procuram atendimento médico e psicológico apresentam sintomas depressivos.
Além disso, a depressão causa sérios transtornos à vida da pessoa e daquelas que convivem com ela.

A pessoa com depressão pode muitas vezes ser tratada de forma inadequada/preconceituosa
por pessoas próximas, da família e no ambiente de trabalho, podendo ser julgada inadequadamente
como sendo preguiçosa, desajustada ou irresponsável em função de suas dificuldades. Sofrer de
depressão não é um sinal de fraqueza ou uma condição que se possa facilmente reverter tão somente
pela própria força de vontade. A pessoa com depressão, na maior parte das vezes, precisa de ajuda
para conseguir reagir, enfrentar o problema e ter uma melhora significativa.

Como os meus pensamentos influenciam na depressão?


De acordo com a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), a nossa interpretação sobre uma
situação vivida influencia diretamente no que sentimos, em como agimos e em nossas reações
corporais.

Quando uma pessoa vivência um quadro depressivo, tem uma maior tendência de avaliar as
situações de uma forma negativista e pessimista, em geral irrealista. Nesse caso, vivencia-se emoções
desconfortáveis desnecessariamente e tende-se a expressar comportamentos desadaptativos que
podem trazer prejuízos. Os modos distorcidos de pensar costumam envolver um ou mais dos seguintes
temas:

Interpretações sobre os acontecimentos: É comum que o indivíduo com depressão tenha


reações de irritação diante de uma situação adversa que não o aborreceria caso não estivesse
deprimido. Além disso, quando algo de ruim acontece em um determinado contexto, o indivíduo com
depressão tende a pensar que em situações semelhantes o desfecho seria igualmente ruim. A mesma
lógica não se observa diante de um cenário onde algo bom acontece, pelo contrário, o indivíduo que
sofre com depressão pode ignorar ou minimizar acontecimentos bons.

Interpretações sobre a dimensão tempo: As pessoas com maior tendência à depressão podem
desistir, ou nem tentar enfrentar um desafio, em função de acreditar que as causas dos acontecimentos
indesejáveis serão permanentes e afetarão tudo o que fizerem.

Interpretações negativas sobre a responsabilidade - autoavaliação excessivamente ruim: As


pessoas com depressão costumam atribuir a si mesmas, de forma não adequada, a maior parte da
responsabilidade (culpa) pelas coisas ruins que acontecem. Além disso, tendem a repetir internamente
para si mesmas seus “fracassos”. Veja a seguir alguns exemplos de distorções de pensamento
comumente cometidas por pessoas com depressão.

Conclusão precipitada: Após uma tentativa frustrada de conquistar uma parceira, pensar: “Não vou
conseguir seduzir aquela mulher. Não faço sucesso com as mulheres”.

Generalização: Após ter passado por uma situação de assalto, pensar: “Sair à noite é perigoso,
melhor ficar em casa”.

Menosprezar o positivo: Após ter se dedicado nos estudos e ter conseguido uma excelente nota na
prova de conclusão do curso, pensar: “Tirei uma nota dez porque a prova estava fácil. O professor
facilitou. Qualquer um conseguiria tirar dez nesta prova”.

Exagerando: Ao enfrentar um desconforto em função uma adversidade momentânea, pensar: “Minha


vida é isso. Isso vai durar pra sempre”.

Pensamento tudo ou nada: Após ter tido pouca perda de peso e ter abandonado a dieta, em um
momento no qual não cumpriu com o que havia combinado com a nutricionista, pensar: “Os regimes
alimentares nunca irão funcionar”.

Visão em foco: Após ouvir uma cobrança da mãe, ignorando as várias vezes em que a mãe ficou
quieta ou mesmo elogiou ao ver algo bom acontecendo, pensar: “Minha mãe sempre reclama de
tudo”.

Aprisionado no passado: Repetindo internamente de forma exagerada e inútil pensamentos sobre o


passado e deixando de focar em ações práticas que podem favorecer a resolução de problemas atuais.
Pensando que: “Eu deveria ter me dedicado mais. Deveria ter aceitado ajuda. Deveria ter
aproveitado a oportunidade. Sou todo errado mesmo”
Trazendo para si toda responsabilidade: Após uma interação social que não aconteceu da forma
como gostaria, pensar que: “Ela nunca fala comigo. Eu sou uma pessoa sem atrativos. Não tenho
carisma”. Ou, após o chefe chamar a atenção de forma imperativa sobre uma tarefa que precisa ser
realizada, pensar que: “Tenho um patrão que está sempre de mau humor. Essas coisas só acontecem
comigo. Eu não faço nada direito”.

A TCC pode ajudar na identificação dos pensamentos que geram sentimentos


desconfortáveis e comportamentos prejudiciais consequentes, além de contribuir para o entendimento
das razões pelas quais costumamos pensar da maneira como pensamos. E possível questionar os
pensamentos a ponto de modificá-los, caso estes não se sustentem por argumentos lógicos e fatos
observáveis. Ao conseguir desenvolver pensamentos mais realistas frente às situações vivenciadas, é
possível reduzir a intensidade de sentimentos desconfortáveis, ou mesmo ter sentimentos diferentes
e, por conseguinte, reações comportamentais menos prejudiciais.

Outro ponto importante a considerar é o comprometimento do planejamento de metas futuras


em pessoas com pensamentos negativistas típicos da depressão. Por exemplo, é comum, em um modo
de pensar pessimista/negativista, que a pessoa conclua que está tudo ruim e que as coisas não irão
melhorar. Ou seja, acredita que nem valeria à pena tentar alguma ação, ficando numa condição de
completo desamparo, visto que “não vai dar certo mesmo”.

Quando não se cria expectativas realistas, há uma tendência à apatia, sem que se consiga
mobilizar-se para ações. Pessoas depressivas com tendência à ansiedade podem também visualizar
algo exageradamente ruim que está por vir e, desta forma, ficarem em alerta se preparando para o
pior. Por este caminho, haverá um gasto de tempo e energia para lidar com ameaças imaginadas;
perde-se o foco nas possíveis ações para resolver problemas presentes e é possível até se criar novos
problemas.

Então, o modo de pensar é muito importante em nossas vidas, inclusive no que se refere às
expectativas que temos em relação ao futuro. Expectativas realistas e positivas costumam gerar
motivação para a ação, o que pode favorecer a concretização delas.

Como o meu problema pode estar sendo mantido?


Explicamos como os pensamentos podem influenciar para gerar e intensificar sentimentos
desconfortáveis, mas existem também outras variáveis muito importantes que estão sempre presentes
e interagindo em nossas experiências de vida. Quando estamos vivendo uma situação qualquer,
podemos ativar pensamentos, reações fisiológicas, comportamentos/atitudes e emoções. Mesmo sem
saber ao certo qual será ativado primeiro, quando qualquer um dos quatro aspectos é ativado, os outros
três inevitavelmente também serão.

No caso da depressão podemos apresentar um quadro onde estes aspectos de vida se


apresentem, por exemplo, da seguinte forma:

Sendo assim, é essencial aprender a lidar com todas estas variáveis, não só para haver uma
melhora momentânea, mas também para evitar recaídas no futuro. Se não houver intervenções nestes
aspectos visando a mudança destes fatores mantenedores da depressão, o quadro pode se prolongar e
se agravar. Então, se a ativação de uma das quatro variáveis inevitavelmente ativa as outras três, a
mudança “positiva” de uma delas também afetará “positivamente” as outras três.

Como posso lidar com a depressão?


A depressão é um transtorno no qual há uma baixa de energia/disposição que dificulta a
realização das tarefas, entretanto é justamente a ação que favorece o aumento da motivação para
ativar-se e, assim, se manter. Começar com alguns “pequenos passos”, utilizando a energia e os
recursos que tiver à sua disposição, é essencial. Caso você esteja com depressão, pode não estar com
muita energia, mas provavelmente pode ter o suficiente para fazer, por exemplo, uma pequena
caminhada à volta do seu prédio ou pegar o telefone para falar com um amigo.

No início não exija demasiado de si, possivelmente não fará tudo aquilo a que se propõe.
Mas não tem problema, mantenha o foco nas suas ações, conduza as coisas uma por vez e um dia de
cada vez. Ao realizar uma tarefa, tente se recompensar por cada realização bem-sucedida. Aos poucos,
cada ação concretizada e energia gasta (aquela que parecia não ter) irão aumentar o seu ânimo.

É essencial que uma pessoa que esteja passando por um episódio depressivo busque ajuda de
especialistas na área de saúde mental (psicólogo e/ou médico psiquiatra), pois estes têm conhecimento
para investigar a fundo a questão e orientar ações para superação da depressão. Com o psicólogo
especializado em TCC, é possível que você aprenda, de forma gradual, estratégias para lidar melhor
com os problemas associados à depressão.

Estratégias que auxiliam no questionamento das interpretações distorcidas e favoreçam a


mudança dos pensamentos disfuncionais para mais adaptativos serão essenciais para melhorar a
autoestima, a autoconfiança e aumentar a ativação comportamental. Além disso, conversas sobre
questões existenciais como “quem eu sou?”, “qual o sentido de minha vida?”, “o que eu quero de fato
pra mim?”, “o que eu gostaria de realizar ao longo da vida?” podem ajudar a estabelecer expectativas
futuras coerentes e realistas.

O indivíduo com depressão pode ter a melhora favorecida se houver suporte social. O
terapeuta poderá incentivá-lo a construir relacionamentos íntimos e de confiança. Interações
empáticas são, comprovadamente, um excelente “antidepressivo natural”. Dedicar-se a um treino em
habilidades sociais com o seu terapeuta pode aumentar a probabilidade de haver a expressão mais
adequada do que sente, pensa e gostaria de atingir. Isso, é claro, poderá beneficiar a manutenção de
relações satisfatórias.
A busca por um tratamento farmacológico pode ser necessária em alguns casos. Os
medicamentos antidepressivos podem gerar um efeito benéfico para uma parcela das pessoas que são
acometidas pela depressão, o que, em geral, não elimina a necessidade da psicoterapia. O tratamento
conjunto tende a ser uma boa opção para a superação da depressão.

Além das estratégias citadas, a pessoa com sintomas depressivos pode obter benefícios com a
utilização de algumas práticas. Há estudos recentes que apontam que meditação, yoga, atividade física
regular, prática da religiosidade/espiritualidade podem reduzir sintomas de depressão.

Será que eu posso conseguir?


Foi visto ao longo deste texto que, mesmo que possa parecer difícil lidar com a depressão, há
alternativas viáveis para superar o problema. Os tratamentos existentes têm ajudado muitas pessoas
que sofrem com a depressão. Quanto maior for a adesão ao tratamento, maior será a probabilidade de
reduzir a frequência e intensidade dos sentimentos desconfortáveis, de voltar a viver momentos
agradáveis ao perceber no seu dia a dia os acontecimentos positivos e de aprender a lidar com as
adversidades de modo construtivo

Texto original
Costa, R. T. (2019) Depressão. In Carvalho, M. R., Malagris, L. E. N., Rangé, B. P. (Orgs.),
Psicoeducação em Terapia Cognitivo-Comportamental (pp.110-121). Synopsys.

Você também pode gostar