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RESENHA DOR

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Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila

Tradução livre: Thaís B. Bueno

Comentários: Leonardo Avila

#julho2

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Neurocognitive aspects of pain perception

Revista científica publicada: Cell Press

Ano de publicação do artigo: 2008

Percepção sobre os mecanismos neurais subjacentes à dor


Aspectos
nas costas neurocognitivos da percepção da dor
discogênica
Nota do editor - Leonardo Avila:

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do editor” (quando necessário).
Na segunda edição de julho do resenhado conto com a colaboração especial de
uma grande amigo e companheira de profissão, Thaís B. Bueno. Agradeço sua
participação sempre impecável.

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

2
A percepção da dor é sensível a vários processos mentais como os sentimentos
e crenças que alguém tem sobre dor. Desta forma, ela não é exclusivamente
guiada por inputs (entradas sensoriais) nocivos. Modulação de atenção
envolvendo o sistema modulatório descendente de dor foi examinada
extensivamente em estudos de neuroimagem. No entanto, a investigação de
mecanismos neurais básicos de modulação cognitiva complexa é um campo
emergente em pesquisa de dor. Descobertas recentes indicam um engajamento
do córtex pré-frontal ventrolateral durante a modulação mais complexa, levando
a uma mudança ou reavaliação do significado emocional da dor. Tendo a
analgesia induzida por placebo como exemplo, discutimos a contribuição de
atenção, expectativa e reavaliação como três mecanismos básicos que são
importantes para a modulação cognitiva da dor.

O impacto dos processos cognitivos na percepção de dor

A dor é uma sensação altamente subjetiva com um relacionamento complexo e


muitas vezes não linear entre input nociceptivo e percepção da dor (isto é, sentir dor
não é sinônimo de estar machucado). Uma variedade de processos cognitivos foi
mostrada para influenciar a percepção da dor e o viés do processamento nociceptivo
no cérebro humano. Um exemplo claro é como a experiência da dor depende do foco
da atenção: é percebido como menos intenso quando alguém está distraído da dor [1],
e aumenta quando a atenção é focada na dor [2]. Entre as variáveis cognitivas que
influenciam a dor, mecanismos cerebrais básicos de controle atencional têm sido
provavelmente os mais extensamente estudados [3-9].
No entanto, os processos de atenção não estão sozinhos. Eles interagem com
mecanismos de suporte à formação de expectativas sobre a dor e reavaliação da
experiência ou significado da dor, e estes, por sua vez, são influenciados por
experiência(s) prévia(s) (exemplo: temo flexionar minha coluna devido a uma
experiência prévia onde fiz esse movimento e doeu). Por exemplo, pacientes cuja dor
é resistente a medicação podem parecer desamparados e, como consequência,
alocam mais atenção à dor do que outros pacientes. Além disso, experiências prévias
nos permitem interpretar sinais de que apontam o surgimento ou o desaparecimento

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da dor. Pacientes que respondem bem ao tratamento analgésico podem, por exemplo,
já se livrarem da dor quando sabem que a medicação é acessível. Aqui, o medicamento
age de forma sugestiva para alívio da dor. Este conhecimento é usado na analgesia
placebo, em que o alívio da dor é induzido pela suposição de que alguém recebeu um
potente analgésico [10]. De forma similar, no entanto, a dor pode alocar mais atenção
se a medicação foi acidentalmente deixada em casa. Baseado no conhecimento
derivado de experiências anteriores de dor e estímulos associados a ele, um modelo
esquemático de dor nos permite fazer previsões sobre futuros eventos de dor.
Mecanismos neurais essenciais à aprendizagem e expectativas sobre a dor e seu efeito
resultante na percepção de dor têm sido investigados em numerosos estudos [11-13].
A pesquisa psicológica da dor, no entanto, enfatiza que o modelo esquemático
da dor é ainda mais influenciado por cognições mais complexas, particularmente
aquelas relacionadas à percepção de ameaça de dor [14-16]. Este tipo de cognição
centra-se no significado subjetivo que a dor tem para o indivíduo. Por exemplo, a dor
pode ser percebida como mais ameaçadora se alguém acredita que ela sinaliza um
processo patológico de risco que terá um impacto a longo prazo em sua vida. Assim
como processos de atenção e expectativa, cognições podem amplificar, mas também
atenuar a dor. Um aumento da percepção do valor de ameaça da dor está associado
com um ajuste psicológico negativo como reflexo, por exemplo, de um pensamento
catastrófico e aumento dos graus de ansiedade [16], consequentemente produzindo
níveis mais elevados de dor [17]. É importante ressaltar que níveis mais altos de
ameaça também têm sido associados ao enfrentamento mal adaptativo e maior
intensidade da dor em pacientes com dor crônica [14]. Por outro lado, reavaliação da
dor faz com que a dor seja menos ameaçadora, leva a uma diminuição dos níveis de
dor (por exemplo, Ref. [18]), um aspecto que só recentemente se tornou foco de
estudos de neuroimagem na dor (ver Quadro 1 para diferenciação do controle
atencional e mudança cognitiva).
Nesta revisão, resumimos as descobertas recentes sobre (i) os mecanismos
neurais subjacentes ao controle atencional da dor, (ii) a influência das expectativas, e
(iii) reavaliação e discussão sobre o envolvimento desses processos na analgesia
induzida por placebo como um exemplo clínico a modulação cognitiva da dor. Embora
este artigo se concentre nos aspectos cognitivos da modulação da dor, deve-se notar

4
que os processos descritos aqui estão intimamente relacionados com fatores
emocionais [19] e seu impacto na experiência de dor, que são revisados adiante [20].

Mecanismos neurais da modulação cognitiva da dor

Atenção
A atenção modula a percepção e a cognição alocando recursos de
processamento para eventos externos e internos relevantes. Com isso, amplifica
respostas comportamentais e fisiológicas a eventos relevantes e atenua as respostas
aos eventos irrelevantes [21]. A alta subjetividade e relevância comportamental da
experiência de dor é particularmente suscetível a estas modulações de atenção.
Estudos psicofísicos indicam que a atenção pode modular aspectos sensoriais e
afetivos da dor, possivelmente mediados por uma modulação da integração espacial
da dor [2,22,23]. Pesquisas durante as últimas décadas começaram a desvendar os
substratos neurais específicos. Estudos de imagem funcional mostraram que a
distração da dor reduz as ativações relacionadas à dor na maioria áreas do cérebro
que estão relacionadas com aspectos sensoriais, cognitivos e afetivos da dor, incluindo
os córtex somatossensoriais primário e secundário (SI e SII), tálamo, ínsula e córtex
cingulado anterior (do inglês, anterior cingulate córtex - ACC) [3-5,7,24,25]. Os
resultados de estudos eletrofisiológicos forneceram informação adicional de que a
atenção afeta as respostas tardias mais do que precoces [26]. Além disso, a atenção
gera um aumento no acoplamento funcional entre as principais regiões do cérebro
envolvidas no processamento da dor [9,27], implicando que a modulação atencional
não resulta apenas em ativação local alterada, mas também afeta a integração
funcional da ativação. Estes moduladores de atenção se correlacionam
satisfatoriamente com os efeitos perceptivos e correspondem bem às modulações de
atenção e processamento sensorial em outras modalidades [28].

Quadro 1. Regulação emocional


O termo "regulação emocional" refere-se ao aumento ou diminuição consciente ou inconsciente de
emoções [63]. Mais comumente, a regulação emocional é estudada pela apresentação de material
emocionalmente relevante (por exemplo, imagens aversivas) a um sujeito que é instruído a usar uma
certa estratégia de regulação (por exemplo, distração do conteúdo negativo). Para categorizar as
estratégias de regulação, Ochsner e Gross [64] sugeriram que cada estratégia pudesse ser descrita por
seu parente confiança em (i) controle de atenção e (ii) mudança cognitiva. A distração de um estímulo

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desagradável, por exemplo, é fortemente impulsionada por processos atencionais e envolve apenas
pouca (se houver) mudança cognitiva. Em contraste, a reinterpretação aflitiva de material de estímulo
negativo (por exemplo, por distanciamento emocional) predominantemente depende de mudanças
cognitivas envolvendo a reavaliação do valor da ameaça do estímulo. Achados em estudos de
neuroimagem indicam que a reavaliação envolve crucialmente a ativação de áreas do córtex pré-frontal
lateral (direita) [65,66]. Essas regiões do cérebro são para inibir a atividade límbica (por exemplo, na
amígdala) ou gerar conteúdos alternativos para substituir as emoções [64,66].

Uma questão crucial para entender modulações atencionais de dor é onde e


como esses efeitos são exercidos. Numerosos estudos em outras modalidades
compararam níveis de controle atencional e identificaram circuitos de áreas frontais e
parietais de ordem superior, que se presumem como mediadoras top-down das
influências atencionais no processamento sensorial (para revisões, consulte
referências [21,28-30]). Não há razões para duvidar de que essas áreas do cérebro
também estão envolvidas no controle atencional da dor. No entanto, evidências diretas
para isso estão faltando, presumivelmente por causa da inerente dificuldade em
graduar a atenção à dor (Figura 1). Dor atrai a atenção por si só, e raramente pode ser
ignorada. Pesquisadores tentaram contornar esse problema aplicando paradigmas nos
quais os sujeitos se envolvem ativamente em tarefas de distração e compararam essas
condições de distração às condições em que os sujeitos sentiam dor. Esse contraste
compara diferentes focos de atenção e desvenda os efeitos esperados de atenção no
processamento da dor. No entanto, o nível de atenção pode ser semelhante para
condições de atenção e distração (Figura 1), de modo que a comparação de condições
não permite identificação de áreas do cérebro que influenciam especificamente no
processamento da dor via mecanismos de atenção. Além disso, até mesmo
paradigmas de distração não podem garantir que a atenção seja efetivamente desviada
da dor.

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Figura 1. Investigando a modulação atencional da dor. Para investigar o efeito da atenção na dor, idealmente, a percepção e o
processamento neural de um estímulo nocivo quando os sujeitos focalizam toda a sua atenção no estímulo (Ador) seria comparada
com uma condição pela qual nenhuma atenção é dada ao input nocivo (Aneutro). A diferença entre as condições fornece uma
estimativa para a influência que a amplitude ou a quantidade de atenção tem na dor (amplitude de atenção em ∆). Na maioria dos
estudos sobre modulação atencional da dor, os indivíduos são instruídos a executar uma tarefa de discriminação na estimulação
nociva ou contar os estímulos dolorosos para manter o foco de atenção na dor, enquanto, tipicamente, nenhuma instrução
específica é dada na tarefa de controle. No entanto, porque a dor automaticamente atrai a atenção (particularmente na ausência
de outra entrada sensorial), a validade da condição de controle "sem atenção à dor" é limitada. Alternativamente, a atenção à dor
(Ador) foi comparada com uma condição que é igualmente exigente de atenção, mas não focado na dor (Aoutro que não dor). Como
exemplo, os sujeitos foram instruídos a contar estímulos dolorosos desviantes no "Ador" (ou seja, aumento da temperatura de curta
duração) e estímulos acústicos desviantes na condição "Aoutro que não dor" [24]. Embora essa comparação (foco de atenção em ∆)
forneça informações sobre processos atencionais específicos para dor, não identifica áreas cerebrais com nível de ativação que
co-variam com a quantidade de atenção à dor. Note que a linha quebrada representa uma relação hipotética invertida em forma
de U entre amplitude e foco de atenção.

Até agora, as modulações de atenção da dor provavelmente compartilham os


mecanismos gerais e substratos da atenção e modulações do processamento
sensorial. No entanto, a interação excepcionalmente próxima entre atenção e dor
parece envolver características específicas da dor que não são necessariamente
conhecidas de outras modalidades. Análises de interação durante a distração da dor
revelou áreas cerebrais que foram mais fortemente ativadas do que o esperado da
soma simples de tarefas de distração e dor [4-6]. Essas áreas incluíam particularmente
o córtex pré-frontal, ACC e a substância cinzenta periaquedutal (do inglês, brainsteim
periaquedutal gray - PAG). Curiosamente, estas estruturas têm sido associadas com
modulação descendente da dor como caracterizada em animais [31] (Caixa 2). Esta
rede auxilia a analgesia mediada por opióides e atua principalmente no nível do corno
posterior da medula. Os resultados dos estudos de imagem funcional indicam que a

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distração pode, pelo menos em parte, agir através da ativação deste sistema
modulatório descendente da dor (ver referência [32] para um panorama geral). Isto é
ainda corroborado por um estudo mostrando como essa distração aumenta a
conectividade funcional dentro desta rede [6] e as vias corticais descendente
específicas - vias do tronco cerebral em humanos são confirmadas in vivo por imagem
por tensor de difusão [33]. Juntos, atenção pode modular a percepção da dor pelo
menos parcialmente por uma via modulatória descendente específica da dor sensível
à opiáceos que regula o processamento nociceptivo em grande parte no nível do corno
posterior da medula. Esse sistema modulatório de dor pode complementar, interagir e
se sobrepor a um sistema mais geral de controle de atenção, que tem sido bem
caracterizado em outras modalidades. Funcionalmente, ambas as redes podem
permitir flexibilidade comportamental, que é limitada pelas demandas involuntárias de
atenção da dor.

Quadro 2. O sistema modulatório descendente de dor


As redes moduladoras provavelmente controlam o processamento nociceptivo no sistema nervoso
central. O sistema modulatório descendente de dor provavelmente não é a única rede, mas é certamente
a mais extensivamente estudada dentre as redes moduladoras da dor. Essencialmente compreende
estruturas corticais, hipotalâmicas e do tronco cerebral, controla os neurônios nociceptivos do corno
posterior da medula e é sensível aos opioides. Sua descrição é originalmente baseada na observação
de que, em ratos, a estimulação elétrica do tronco cerebral pode produzir analgesia. Um estudo posterior
mostrou que estes efeitos são, pelo menos parcialmente, mediados por modulação da transmissão
nociceptiva no corno posterior da medula e que modulações semelhantes podem ser observadas em
humanos. Panoramas atuais do sistema modulatório descendente de dor incluem essencialmente
hipotálamo e estruturas do tronco cerebral, como o PAG e medula ventromedial rostral, controladas
pelos córtex pré-frontal, cingulado anterior e insular. As principais partes do sistema são sensíveis aos
opioides e acredita-se que contribuam crucialmente para a analgesia induzida por opioides. No entanto,
os caminhos descendentes não só inibem, mas também pode facilitar a transmissão medular
nociceptiva, embora estes efeitos facilitadores sejam menos estudados. No entanto, eles podem formar
a base de como as modulações cognitivas amplificam uma experiência de dor (por exemplo,
hipervigilância). Evidências recentes mostram que o sistema modulatório descendente de dor tem um
papel crucial em uma ampla variedade de modulações adaptativas e mal adaptativas da experiência de
dor. (Para uma revisão abrangente sobre o sistema modulatório descendente de dor, ver referências
[31,32].)

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Expectativa
Expectativas sobre eventos futuros permitem que um organismo ajuste os
sistemas sensorial, cognitivo e motor para respostas neurais e comportamentais
adequadas. Quando um estímulo nocivo é sinalizado por uma sugestão, o período de
expectativa entre sugestão e estímulo é caracterizado por um aumento de sinal dentro
ou adjacente às áreas do cérebro que são subsequentemente ativadas pela própria
dor, isto é, regiões como SI, ACC, ínsula, tálamo, PAG, cerebelo e putâmen [34-37].
Crucialmente, a expectativa de dor de alta intensidade [37–39] e, consequentemente,
aumento da ativação antecipatória no SI contralateral, ACC bilateral, ínsula anterior e
córtex pré-frontal medial [35] foram relacionados com intensidade mais alta da dor
subsequente.
Durante qualquer processo perceptivo, as expectativas são comparadas a
informação sensorial bottom-up. Essas expectativas são confirmadas ou violadas pelos
inputs nociceptivos (Figura 2). Dois estudos recentes de ressonância magnética
funcional (do inglês, functional magnetic resonance imaging - fMRI) examinaram a força
relativa de expectativas que tendenciam a percepção quando essas expectativas são
violadas [38,39]. Para identificar áreas cerebrais sensíveis a expectativa de diminuição
da intensidade, estímulos de dor de alta intensidade incorretamente sinalizados foram
comparados com estímulos sugestionados da forma correta de mesma intensidade.
Avaliações de intensidade da dor mostraram que os mesmos estímulos foram
classificados como menos intensos quando os sujeitos esperavam uma intensidade
menor. No nível neural, essa expectativa de um estímulo leve, mas a aplicação de um
estímulo de alta intensidade, foi refletida por menos ativação em muitas áreas do
cérebro relacionadas ao processamento da dor em comparação com a condição
combinada de "alta sugestão, alta intensidade de dor". Esse achado indica que o
processamento neural durante aplicação de um estímulo é crucialmente determinado
por conhecimento prévio do estímulo. Curiosamente, uma tendência para aumento da
dor (ou seja, expectativa de um estímulo de dor alta que é seguido por baixo nível
estimulação; Figura 2d) não foi observado na classificação da intensidade da dor,
tampouco a nível neuronal.
Se as expectativas permitem que um organismo se prepare para o próximo input
sensorial, é vital detectar discrepâncias entre as características esperadas e
percebidas, para que as expectativas possam ser atualizadas, se necessário. Ploghaus

9
et al [11] foram os primeiros a identificar a ativação cerebral consistente esta violação
de expectativas. Usando um modelo de abordagem baseada em imagem, eles
mostraram ativação no sistema do hipocampo, giro frontal superior, córtex parietal
posterior e cerebelo. O objetivo dessa abordagem era fornecer esclarecimentos sobre
"como" o cérebro aprende sobre a dor ao longo do tempo considerando a história de
sucesso (isto é, confirmações) e tentativas de aprendizagem malsucedidas (ou seja,
violações) [40]. Estudos subsequentes usaram algoritmos mais complexos para moldar
o aprendizado sobre a dor com uma maior resolução temporal, permitindo a
identificação das regiões do cérebro envolvidas na aprendizagem de ordem superior e
na predição de alívio da dor [12,13]. Essa abordagem computacional promissora não
só ajudará a elucidação dos mecanismos neurais essenciais a influência das
expectativas sobre a dor, mas também irá evidenciar diferenças individuais e vieses no
aprendizado relacionado à dor.

Figura 2. Violação de expectativas e possíveis consequências. Em um cenário experimental, as expectativas relacionadas à


intensidade da dor podem ser induzidas apresentando ao sujeito sugestões que sinalizam o nível de intensidade do próximo
estímulo ("expectativa"). No exemplo descrito aqui, assumimos que apenas duas intensidades de estimulação são aplicadas:
estímulo térmico de alto nível (vermelho) ou de baixo nível (laranja) [38]. A estimulação subsequentemente aplicada (entrada
nociceptiva) pode violar a expectativa induzida em ambas as direções: pode ser menos intensa – sujeitos sugestionados a uma
dor de alto nível, mas que receberam apenas estimulação em um nível inferior ao esperado (a, b); ou mais intenso - sujeitos
sugestionados a uma dor de baixo nível, mas que receberam estimulação em um nível mais alto do que o esperado (c, d). Em

10
ambos os casos, a expectativa pode tendenciar a percepção de modo que a classificação subjetiva da intensidade do estímulo
("percepção") segue o nível de intensidade indicado e é classificada como maior (b) ou menor (c) do que a entrada nociceptiva
real. Alternativamente, a entrada nociceptiva pode influenciar a expectativa induzida: um estímulo de baixo nível é percebido como
tal, apesar de uma sugestão de alto nível (a) e, da mesma forma, o estímulo de alto nível é apropriadamente classificado, embora
os sujeitos esperassem uma estimulação de baixo nível (d). Como exemplo, uma resposta placebo positiva segue o cenário (c),
ao passo que, em indivíduos que não apresentam analgesia induzida por placebo, o input nociceptivo tem um impacto mais forte
na percepção do que na expectativa (d). Da mesma forma, a expectativa de dor de alto nível (por exemplo, pela administração de
uma substância inerte juntamente com a sugestão de que a dor pode piorar como no efeito nocebo) pode levar a um aumento na
intensidade da percepção de dor (b) ou não (a). (Para uma excelente revisão sobre hiperalgesia nocebo, ver referência [62]).

Reavaliação

Embora a dor seja comumente percebida como ameaçadora devido a seu


caráter de alarme, o grau de ameaça depende da crença dos indivíduos em seus
próprios recursos de enfrentamento [41]. Dado que se acredita que os recursos de
enfrentamento são suficientes, a dor pode, pelo menos em certa medida, ser percebida
como controlável - uma crença que tem amplas repercussões positivas: pessoas que
percebem um alto grau de controle empenham-se fortemente em iniciar a ação e
persistir diante do fracasso. Por outro lado, as pessoas que percebem um baixo grau
de controle se afastam e mostram mais enfrentamento passivo em resposta a
estressores como dor (para uma visão geral, ver referência [42]). Curiosamente, os
efeitos benéficos da percepção de controle são observados se a resposta de controle
não for usada ou apenas ilusória, indicando que o mecanismo essencial é uma
mudança no significado ou reavaliação de um evento aversivo, de modo que se torne
menos ameaçador porque o controle é possível [43]. Assim, acredita-se que a
percepção do controle desencadeie processos de reavaliação que podem mudar a
experiência da dor.
A percepção do controle pode ser experimentalmente induzida ao permitir que
os participantes interrompam uma estimulação nociva. Autocontrole (ou controle
interno) em oposição ao controle externo da dor demonstrou reduzir a intensidade da
dor [43]. De maneira semelhante, usando fMRI, Salomons et al [44] mostrou que a
percepção de controle sobre a dor diminuiu respostas de dor no ACC, insula e SII.
Usando uma configuração similar experimental, outro estudo mostrou uma possível
fonte pré-frontal de modulações da dor relacionadas à percepção de controle [45]. Dor
controlável versus incontrolável foi caracterizado por um aumento da atividade na
região direita do córtex pré-frontal ventrolateral (do inglês, ventrolateral prefrontal

11
córtex - VLPFC). O nível de sinal nesta região do cérebro foi correlacionado
negativamente com a intensidade subjetiva da dor, indicando que é diretamente
envolvido na regulação descendente da dor. Além disso, em estudos de neuroimagem
sobre regulação emocional, ativação do VLPFC direito foi consistentemente observada
quando os participantes foram instruídos a usar uma estratégia de reavaliação para se
desligarem emocionalmente de um estímulo ameaçador, como um estímulo nocivo
imediato (Caixa 1). O VLPFC direito pode, portanto, ter um papel fundamental na
modulação de estímulos aversivos baseada em reavaliação. Além disso, a ativação do
VLPFC direito antes e durante a dor demonstrou depender da crença geral de ter
controle sobre a própria vida [45] e a forma como o indivíduo lida com a dor [46]. O
envolvimento de áreas do cérebro pré-frontal na reavaliação é, portanto, não apenas
guiada pelo contexto atual, mas também depende crucialmente dos traços de
personalidade. No entanto, locais de ativações pré-frontais em estudos sobre
reavaliação divergiram consideravelmente. Se, e como esses diferentes locais dentro
do VLPFC facilitam funções diferentes, são questões que precisam de mais
investigação.

O efeito placebo como exemplo de modulação cognitiva da dor

O efeito placebo diminui a intensidade da dor e respostas à dor em áreas do


cérebro, como o ACC, insula e tálamo [47-49]. Recentemente foi enfatizado que,
obviamente, não é placebo em si que causa analgesia, mas o significado real que
atribuímos a ele [50] As pílulas placebo vermelhas, por exemplo, são mais propensas
a agir como estimulantes em comparação com pílulas placebo azuis, simplesmente
porque a cor vermelha geralmente tem o significado de “alto”, "quente" e "perigo".
Assim, o placebo induz expectativas específicas, dependendo de sua aparência,
aprendizado prévio e informação sobre o efeito que ele deveria ter [51]. Em um nível
mais abstrato, isso também pode envolver mecanismos de reavaliação ao longo das
linhas de percepção de controle sobre a dor, dado que o placebo transporta a
informação de que efetivamente reduzirá a dor. A dor pode, assim, ser experimentada
como mais controlável e menos ameaçadora. Um envolvimento de mecanismos de
reavaliação na mediação do efeito placebo também é indicado por estudos de
neuroimagem que mostraram consistentemente ativação no VLPFC [47,48]

12
correlacionado com a redução da dor durante placebo [52]. Essas ativações pré-
frontais também foram observadas antes do estímulo nocivo [48], indicando uma
interação entre expectativas e reavaliação no efeito placebo. Portanto, pode-se
especular que a expectativa de alívio da dor já envolve mecanismos de mudança
cognitiva que levam a uma redução na percepção de ameaça.
Entretanto, o controle atencional e o sistema modulatório descendente de dor
também estão provavelmente envolvidos na analgesia. Benedetti et al [10] sugeriram
que as avaliações de segurança podem promover estratégias de auto distração,
ligando processos de reavaliação com controle atencional. Da mesma maneira,
estudos de imagem funcional mostraram ativações associadas ao placebo não apenas
em áreas relacionadas a processos de reavaliação, mas também em áreas
relacionadas ao controle da atenção e ao sistema modulatório descendente de dor,
como o córtex pré-frontal dorsolateral (do inglês, dorsolateral prefrontal córtex -
DLPFC), ACC rostral (rACC) e PAG [47,48,53,54]. Estudos recentes elucidaram a
interação dessas estruturas. Ativações induzidas por placebo no rACC co-variam com
atividade neural na PAG [47-49], indicando uma modulação direta na PAG pelo rACC.
Além disso, a conectividade funcional entre rACC e PAG, e também a amígdala,
aumentaram significativamente durante a analgesia por placebo [48,49]. Um estudo
recente usando imagens por tensor de difusão confirmou conexões diretas entre rACC
e PAG em humanos [33]. Ativação do rACC, portanto, provavelmente recruta o sistema
modulatório descendente de dor dependente de opioides para ligar o efeito placebo
com controle endógeno da dor [49]. Por contraste, vias neurais envolvidas com
mecanismos de controle não-opioidérgico que têm sido consistentemente mostrados
em estudos comportamentais [51] são menos claras. Estes resultados combinados
indicam que o efeito placebo envolve atenção, expectativa e reavaliação como
mecanismos básicos de modulação cognitiva da dor. Em um nível neural, isso é
refletido pelo recrutamento de áreas cerebrais relacionadas a todos esses mecanismos
e, particularmente, pela ativação do sistema modulatório descendente de dor. Ainda
não está estabelecido se o sistema modulatório descendente da dor representa a via
final comum de todos os mecanismos que modulam cognitivamente dor para produzir
analgesia (inibição descendente) ou aumento da dor (por exemplo, hiperalgesia e
placebo) via facilitação descendente. Claramente, interações adicionais córtico-cortical

13
diretas estão envolvidas tanto no efeito placebo quanto no efeito nocebo em adição a
outros efeitos modulatórios que permanecem a serem demonstrados.

Caixa 3. O córtex pré-frontal na dor crônica


A atividade do córtex pré-frontal é consistentemente vista em estudos que empregam modelos
experimentais de dor crônica [67–71]. Mais comumente, sensibilização foi associada a um aumento de
sinal no DLPFC [68–71]. O significado funcional desta ativação está, no entanto, ainda em debate: uma
correlação positiva com o desagrado da dor indica que a ativação do DLPFC reflete alterações no
processamento cognitivo-afetivo no estado patológico da dor [56]. Além disso, ativações aumentadas de
DLPFC podem refletir o recrutamento de mecanismos endógenos de controle da dor.
Correspondentemente, pacientes com dor crônica mostram diminuição da densidade de substância
cinzenta no DLPFC em comparação com controles saudáveis [72], indicando que seu papel de "manter
a dor fora da mente” [56] é substancialmente prejudicado em condições clínicas.

Fontes potenciais de modulação

Embora áreas do cérebro, como o rACC ou a PAG, mostrem ativações


substanciais durante modulações cognitivas da dor, parece improvável que sejam
cruciais para iniciar a modulação da dor. A atividade da PAG não pode explicar a
variação adicional em um modelo de regressão sobre diferenças na percepção da
intensidade da dor após a ativação pré-frontal ser considerada [46]. Assim, é mais
provável que o córtex pré-frontal represente uma fonte essencial de modulação.
Anatomicamente, o córtex pré-frontal é adequado a essa função: ele recebe
informações sensoriais de todas as modalidades e está associado a estruturas límbicas
que são cruciais para o afeto e a motivação, bem como o (para)hipocampo e a
amígdala. Além disso, possui conexões com estruturas do sistema motor, permitindo
uma tradução direta do resultado do PFC (córtex pré-frontal) em comportamento.
Ademais, as regiões pré-frontais são altamente interconectadas.
Como discutido, ativações no DLPFC (incluindo áreas 8, 9 e 46 de Brodman)
foram encontradas em estudos de analgesia induzida por placebo [47,55],
particularmente durante o período prévio ao estímulo nocivo [48]. De acordo com esses
achados, tem-se a hipótese de que o DLPFC esteja crucialmente envolvido em "manter
a dor longe da mente" [56], particularmente nos estados de dor crônica (Quadro 3).
Esta interpretação é apoiada por resultados de uma análise da eficácia da
conectividade desta região com outras áreas cerebrais, mostrando uma influência

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modulatória sobre as conexões córtico-cortical e córtico-subcortical (ou seja,
acoplamento talâmico-mesencefálico). No entanto, estudos sobre o uso de
expectativas relacionadas ao placebo [47,48] e percepção de controle da dor [45,46]
fornecem evidências de que o VLPFC também está envolvido na modulação cognitiva
da dor, refletindo a reavaliação do significado emocional de um estímulo, resultando
em uma diminuição da intensidade subjetiva da dor. Ainda não está claro se esse
processo é iniciado pelo VLPFC ou pelo DLPFC, e como estas duas regiões estão
altamente interconectadas, o que implica que talvez exista uma hierarquia através da
qual um pode influenciar o outro para efetuar um output (saída sensorial) (Figura 3).
Mais estudos são necessários para esclarecer como essas regiões pré-frontais
sinalizam as necessidades, esforços e eficácia das modulações cognitivas da dor.

15
Figura 3. Possíveis vias neurais da modulação cognitiva da dor. Modulações cognitivas da dor estão relacionadas à ativação de
áreas cerebrais pré-frontais (DLPFC, VLPFC e ACC; mostrado em laranja), as quais modulam as regiões associadas a dor no
córtex (ACC, SI, SII / ínsula e tálamo), tronco cerebral e corno dorsal da medula (por exemplo, o PAG e o corno dorsal; mostrados
em azul). Atenção tem demonstrado principalmente engajar o DLPFC e o ACC, enquanto a reavaliação se relaciona
particularmente com o VLPFC. A expectativa tem sido associada a ambos os sistemas pré-frontais densamente interconectados.
O DLPFC é conectado ao ACC, que, por sua vez, se projeta para o tálamo e o PAG, um componente central do sistema modulatório
descendente da dor. Este sistema eventualmente facilita e / ou inibe o processamento da dor ao nível corno posterior da medula.
Modulações córtico-corticais diretas de VLPFC e DLPFC para áreas corticais associadas à dor são prováveis, mas não foram
diretamente mostradas ainda (linhas tracejadas). Áreas mais intimamente associadas à dor (SI, ACC, SII / insula e tálamo) estão
densamente interligados, como indicado pelo círculo verde. Por uma questão de clareza, as projeções ascendentes não são
totalmente mostradas. Abreviações: ACC, córtex cingulado anterior; DLPFC, córtex pré-frontal dorsolateral; PAG, substância
cinzenta periaqueductual; SI, córtex primário somatossensorial; SII córtex secundário somatossensorial; VLPFC, córtex pré-frontal
ventrolateral.

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Conclusões e futuras direções de pesquisa

Nesta revisão, propomos que atenção, expectativa e reavaliação representam


três mecanismos-chave do processo cognitivo de modulação da dor e mostramos como
esses processos contribuem para a analgesia induzida por placebo como um exemplo
de modulação da dor. A Figura 3 resume nossa compreensão atual de vias
potencialmente específicas, mas que também são comuns a atenção, expectativa e
reavaliação. Deve-se notar que esta abordagem conceitual para diferenciar esses
mecanismos não impede de forma alguma outros mecanismos de modulações
cognitivas da dor. Contudo, é provável que outros mecanismos impliquem em um ou
mais desses mecanismos básicos dentre atenção como parcialmente automática,
processo simples e reavaliação como um esforço, além do processo complexo. Mais
pesquisas são necessárias para caracterizar interações entre esses mecanismos em
situações de vida real, como a analgesia induzida por placebo. Estudos sobre
catastrofização (ou seja, a tendência de se concentrar na dor e avaliar negativamente
a capacidade de lidar com a dor; veja referência [57] para uma visão geral) ou
hiperalgesia induzida por estresse e analgesia [58] podem fornecer uma base profunda
para estudos de neuroimagem orientados por hipóteses. Outros, como modulação da
dor baseada na religião, só recentemente tornaram-se um foco de pesquisa psicológica
em dor [59].
Estudos sobre modulação cognitiva da dor podem claramente se beneficiar do
trabalho neurocientífico nos tópicos relacionados. Dado que a dor pode ser conceituada
como uma emoção, estudos sobre a regulação emocional estão provavelmente mais
próximos da modulação cognitiva da dor (Caixa 1). No entanto, também há
considerável sobreposição conceitual com a pesquisa sobre ansiedade e
processamento sensorial baseado em ameaças, com particular significado para
modulação cognitiva na dor crônica (para uma visão geral, ver referência [60]). Estes
estudos indicam que a atividade da amígdala aumentada e diminuição do recrutamento
pré-frontal é uma tendência do organismo à respostas relacionadas com as ameaças.
Em um nível cognitivo, isso pode refletir tanto a ativação aumentada de representações
de ameaça como em uma falha na ativação alternativa de representações não
relacionadas a ameaças.

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Embora exista evidência irrelevante de que processos cognitivos podem
modular drasticamente a percepção da dor, o efeito modulador é geralmente muito
mais limitado e difere consideravelmente entre os sujeitos. Estudos de placebo, por
exemplo, nos ensinaram que a magnitude do efeito de modulação varia
consideravelmente entre os indivíduos. Existe agora um crescente interesse nas
diferenças biológicas, psicológicas e sociais em respondedores e não respondedores
que fornecerá mais informações sobre os mecanismos essenciais da modulação da
dor [51,61].
Estudos futuros (Quadro 4) devem usar a ampla gama de ferramentas
psicológicas e neurocientíficas e integrar conhecimento já disponível de outros
domínios da neurociência cognitiva, como controle cognitivo, aprendizagem, tomada
de decisão ou interações sociais. Estas direções podem fornecer uma base biológica
para um modelo de modulação cognitiva da dor, que pode fazer previsões sobre
diferenças interindividuais no comportamento de enfrentamento e sua manipulação por
intervenções farmacológicas e psicológicas.

Caixa 4. Questões pendentes


• Quais áreas cerebrais relacionadas à dor são particularmente sensíveis a influências descendentes?
Quais não são e podem, consequentemente, ser conduzidas principalmente por entrada periférica?
• Em que nível do processamento da dor neural as modulações cognitivas tomam lugar?
• Qual é o papel diferencial dos córtex pré-frontais dorsolateral e do ventrolateral na modulação da
dor?
• Como diferentes mecanismos de modulação cognitiva da dor interagem na saúde e na doença?
• Quais são as contribuições diferenciais do sistema modulatório descendente da dor e das interações
córtico-corticais diretas em modulações cognitivas da dor?

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