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Sumário

01 - O desenvolvimento de uma criança (1921) ........................................................................... 2


02 - Inibições e dificuldades na puberdade (1922) ..................................................................... 33
03 - O papel da escola no desenvolvimento libidinal da criança (1) (1923) ............................... 37
04 - Análise infantil (1923) .......................................................................................................... 50
05 - UMA CONTRIBUIÇÃO A PSICOGÊNESES DOS CACOETES ¹ (1925) ........................................ 72
06 - PRINCÍPIOS PSICOLÓGICOS DA ANÁLISE INFANTIL (1926) ................................................... 87
7. SIMPÓSIO SOBRE ANÁLISE INFANTIL1 (1927) ......................................................................... 95
8. TENDÊNCIAS CRIMINOSAS EM MENINOS NORMAIS (1927) ................................................. 117
9. ESTÁGIOS TEMPORÕES DO CONFLITO EDÍPICO (1928) ........................................................ 128
10. A PERSONIFICAÇÃO NO JOGO DOS MENINOS (1929) ......................................................... 136
11 - SITUAÇÕES INFANTIS DE ANGÚSTIA REFLETIDAS NUMA OBRA DE ARTE E NO IMPULSO
CRIADOR (1929) ........................................................................................................................ 144
12. A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS NO DESENVOLVIMENTO DO ID (1930) ... 150
13. A PSICOTERAPIA DAS PSICOSES (1930) ............................................................................... 161
14. UMA CONTRIBUIÇÃO À TEORIA DA INIBIÇÃO INTELECTUAL (1931) ................................... 163
15. O DESENVOLVIMENTO TEMPORÃO DA CONSCIÊNCIA NO MENINO (1933) ....................... 172
16. SOBRE A CRIMINALIDADE (1934) ........................................................................................ 179
17. CONTRIBUIÇÃO A PSICOGÊNESE DOS ESTADOS MANÍACO-DEPRESSIVOS (1935) ............. 182
18 - O DESMAME (1936) ........................................................................................................... 203
19. AMOR CULPA E REPARAÇÃO (1937) ................................................................................... 213
20. O LUTO E SUA RELAÇÃO COM OS ESTADOS MANÍACO-DEPRESSIVOS (1940) .................... 239

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Biblioteca Melanie Klein

01 - O desenvolvimento de uma criança (1921)

A INFLUÊNCIA DO ESCLARECIMENTO SEXUAL E A DIMINUIÇÃO


DA AUTORIDADE SOBRE O DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL
DOS MENINOS
Introdução

A ideia de explicar aos meninos temas sexuais está ganhando terreno progressivamente.
A instrução que se dá nas escolas em muitos lugares tem por objeto proteger aos meninos durante
a época da puberdade dos perigos cada vez maiores da ignorância, e é desde este ponto de vista
que a ideia conseguiu maior simpatia e apoio. No entanto, o conhecimento obtido graças à
psicanálise indica a necessidade, se não de "esclarecer, pelo menos de criar aos meninos desde os
anos mais temporões em forma tal, que converta em desnecessário qualquer esclarecimento
especial, já que aponta ao esclarecimento mais completo, mais natural, compatível com o grau de
maturidade do menino. As conclusões irrefutáveis a extrair-se da experiência psicanalítica
requerem que os meninos sejam protegidos, sempre que seja possível, de qualquer repressão
demasiado forte, e deste modo da doença ou de um desenvolvimento desvantajoso do caráter.
Portanto, junto à intenção realmente prudente de contrariar com a informação os perigos reais e
visíveis, a análise tenta evitar perigos igualmente reais, ainda que não sejam visíveis (porque não
eram reconhecidos como tais), mas bem mais comuns e profundos, e que, portanto, exigem ser
observados bem mais urgentemente. Os resultados da psicanálise -que sempre em todo caso
individual retrocede às repressões da sexualidade infantil como causa da doença posterior, ou aos
elementos mais ou menos mórbidos atuante ou a inibições presentes inclusive em qualquer mente
normal-, indicam claramente o caminho a seguir. Podemos evitar ao menino uma repressão
desnecessária liberando -primeiro e principalmente em nós mesmos- a inteira e ampla esfera da
sexualidade dos densos véus de segredo, falsidade e perigo, tecidos por uma civilização hipócrita
sobre uma base afetiva e mal informada. Deixaremos ao menino adquirir tanta informação sexual
como exija o desenvolvimento de seu desejo de saber, despojando assim à sexualidade de uma
vez de seu mistério e de grande parte de seu perigo. Isto assegurará que os desejos, pensamentos
e sentimentos não sejam em parte reprimidos e em parte, na medida em que falha a repressão,
tolerados sob um ônus de falsa vergonha e sofrimento nervoso, como nos passou a nós. Ademais
ao impedir esta repressão, este ônus de sofrimento supérfluo, estamos sentando as bases para a
saúde, o equilíbrio mental e o desenvolvimento positivo do caráter. No entanto, este resultado
incalculavelmente valioso não é a única vantagem que podemos esperar para o indivíduo e para
a evolução da humanidade, de uma criação fundada numa franqueza sem limites. Tem outra

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conseqüência não menos importante: uma influência decisiva sobre o desenvolvimento da
capacidade intelectual.
A verdade desta conclusão extraída das experiências e ensinos da psicanálise ficou
confirmada em forma clara e irrefutável pelo desenvolvimento de um menino do que tenho
ocasião de ocupar-me com frequencia.

História prévia

O menino em questão é o pequeno Fritz, filho de conhecidos que vivem cerca de minha
casa. Isto me deu oportunidade de estar com frequencia em companhia do menino, sem nenhuma
restrição. Ademais, como a mãe segue todas minhas recomendações podem exercer ampla
influência em sua criação. O menino, que tem agora cinco anos, é forte e são, de desenvolvimento
mental normal, mas lento. Começou a falar aos dois anos, e tinha mais de três e médio quando se
pôde expressar com fluidez. Inclusive então não se observaram essas frases especialmente
atraentes, como as que se ouvem ocasionalmente a idade muito tardia em meninos bem dotados.
Apesar disto, dava a impressão, tanto por seu aspecto como por sua conduta, de ser um menino
inteligente e desperto. Conseguiu adquirir muito lentamente umas poucas ideias próprias. Já tinha
mais de quatro anos quando aprendeu a distinguir as cores, e quase quatro anos e médio quando
se familiarizou com as noções de ontem, hoje e manhã. Em coisas práticas estava evidentemente
mais atrasado do que outros meninos de sua idade. Apesar de que, com frequencia o levavam as
compras, parecia (por suas perguntas) lhe ser incompreensível a aquisição de seus pertences, já
que todos tinham muitas coisas, e era muito difícil fazer-lhe compreender que devia pagar-se por
elas, e a diferentes preços segundo seu valor.
Por outra parte, sua memória era notável. Lembra, e ainda recorda coisas relativamente
remotas com todo detalhe, e domina completamente as ideias ou fatos que alguma vez
compreendeu. Em geral, fez poucas perguntas. Quando tinha ao redor de quatro anos e meio se
iniciou um desenvolvimento mental mais rápido e também um impulso mais poderoso a fazer
perguntas. Também nesta época o sentimento de onipotência (o que Freud chamou "a crença na
onipotência do pensamento") voltou-se muito marcado. Qualquer coisa de que se falasse -
qualquer habilidade ou ofício- Fritz dizia que podia fazê-lo perfeitamente, inclusive quando lhe
provava o contrário. Em outros casos, quando como réplica as suas perguntas lhe dizia que o papai
e a mamãe também desconheciam muitas coisas, isto não parecia quebrantar sua crença em sua
própria onipotência e na de seu ambiente. Quando não podia defender-se de nenhuma outra
maneira, inclusive sob a pressão das provas na contramão, costumava afirmar: "Uma vez que me
mostrem, poderei fazê-lo muito bem!" De maneira que, apesar de toda demonstração caso
contrário, estava convencido de que podia cozinhar, ler, escrever e falar francês perfeitamente.

Inicio do período de perguntas sobre o nascimento

À idade de quatro anos e nove meses apareceram perguntas referentes ao nascimento. Um


se via obrigado a reconhecer que coincidia com isto um notável incremento de sua necessidade
de fazer perguntas em geral.
Quero assinalar aqui que as perguntas propostas pelo pequeno (que em geral dirigia a sua
mãe ou a mim) eram sempre contestadas com a verdade absoluta, e, quando era necessário, com
uma explicação científica adaptada o seu entendimento, mas tão breve como fosse possível.
Nunca se faziam referências às perguntas que já lhe tivessem contestado, nem também não se
introduzia um novo tema, a não ser que ele o repetisse ou começasse espontaneamente uma nova
pergunta.
Depois que teve perguntado (2) "Onde estava eu antes de nascer?", a pergunta surgiu
novamente na forma de "Como se faz uma pessoa?" e se repetiu quase diariamente nesta forma
estereotipada. Era evidente que a constante recorrência desta pergunta não se devia a falta de
inteligência, porque era óbvio que compreendia totalmente as explicações que lhe davam sobre o
crescimento no corpo da mãe (a parte representada pelo pai não lhe tinha explicado porque ainda
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não tinha perguntado sobre ela). Que uma verdade "desprazer", uma falta de desejo de aceitar a
resposta (contra o que lutava seu anseio para valer) era o fator determinante de sua freqüente
repetição da pergunta, demonstrava-o sua conduta, seu comportamento distraído, incômodo,
quando a conversa mal tinha começado, e suas visíveis tentativas de abandonar o tema que ele
mesmo tinha iniciado. (Por um breve período deixou de perguntar-nos isto a sua mãe e a mim, e
se dirigiu a sua filha que pouco depois se foi da casa) e o seu irmão maior. Suas respostas, que a
cegonha trazia aos bebês e que Deus fazia à gente, satisfizeram-no entanto só por poucos dias, e
quando depois voltou a sua mãe outra vez com a mesma pergunta "Como se faz uma pessoa?",
parecia ao final mais disposto a aceitar a resposta da mãe como a verdade (3). À pergunta "Como
se faz uma pessoa?" sua mãe lhe repetiu uma vez mais a explicação que já lhe tinha dado com
frequencia. Esta vez o menino falou mais e contou do que a governanta lhe tinha dito (parece ter
ouvido isto antes também, de alguma outra pessoa), que a cegonha trazia os bebês. "Isso é um
conto", disse a mãe. -"Os meninos L. disseram-me que a lebre de Páscoa não veio na Páscoa senão
que foi a menina quem escondeu as coisas no jardim." (4) "Tinham razão", contestou a mãe. -
"Não há lebre de Páscoa, não é verdade, é um conto?" -"Por suposto." -"E também não existe
Papai Noel?" -"Não, também não existe." -"E quem traz a árvore e o arruma?" -"Os pais." -"E
também não há anjos, isso também é um conto?" -"Não, não há anjos, isso também é um conto."
Evidentemente estes conhecimentos não foram facilmente assimilados, porque ao final desta
conversa perguntou depois de uma breve pausa, "Mas há chaveiros, não? São reais? Porque se
não, quem faria as fechaduras?" Dois dias depois ensaiou mudar de pais; anunciando que ia adotar
à senhora L. como mãe e a seus filhos como irmãos e irmãs, e ficou em casa deles durante toda
uma tarde. Ao entardecer voltou à casa arrependido (5). Sua pergunta ao dia seguinte, feita a sua
mãe imediatamente depois do beijo da manhã, "Mamãe, Diz-me, como vieste tu ao mundo?",
mostrava que ali tinha uma conexão causal entre sua mudança deliberada de pais e o prévio
esclarecimento que tinha sido tão difícil de assimilar.
Depois disto também mostrou bem mais prazer em entender realmente o tema, ao que
retornava repetidamente. Perguntou como sucedia nos cachorros depois me disse que
recentemente ele "tinha espionado dentro de um ovo rompido", mas não tinha conseguido ver um
pintinho dentro. Quando lhe expliquei a diferença entre um pintinho e um menino, e que este
último permanece dentro do calor do corpo materno até que está o bastante forte como para sair
afora, sentiu-se evidentemente satisfeito. "Mas, então, quem está dentro da mãe para dar-lhe de
comer ao garoto?", perguntou.
Ao dia seguinte me perguntou "Como cresce a gente?" Quando tomei como exemplo um
menino que ele conhecia, e como exemplos de diferentes estágios do desenvolvimento a ele
mesmo, a seu irmão e a seu papai, disse "Eu sê tudo isso, mas como se cresce?"
Durante a tarde o tinham xingado por desobedecer. Estava perturbado por isso e tratava
de fazer as pazes com sua mãe. Disse-lhe "Serei obediente amanhã e ao outro dia e o outro dia...";
e detendo-se subitamente pensou por um instante e perguntou "Diz-me, mamãe, quanto falta para
que chegue o amanhã?" E quando ela lhe perguntou que queria dizer exatamente, repetiu: "Quanto
tempo demora em vir um novo dia?" e imediatamente depois: "Mamãe a noite pertence sempre
ao dia anterior, e tarde à manhã é outra vez um novo dia?" (6). A mãe foi procurar algo e quando
retomou à habitação ele estava cantando para si. Quando ela entrou deixou de cantar, olhou-a
fixamente e disse: "Se tivesses dito agora que eu não tinha que cantar, eu teria que deixar de
cantar?" Quando ela lhe explicou que nunca lhe diria uma coisa assim, porque sempre ele poderia
fazer o que quero exceto quando tinha alguma razão para impedir-se, e lhe deu exemplos, pareceu
satisfeito.

Conversa sobre a existência de Deus

No dia seguinte choveu. Fritz se lamentava disto porque queria jogar no jardim, e
perguntou a sua mãe: "Sabe Deus quanto tempo deixará que chova?" Ela contestou que Deus não
fazia a chuva, senão que a chuva vinha das nuvens, e lhe explicou o assunto. Ao dia seguinte a
recebeu novamente com uma pergunta longo tempo abandonada: "Como se faz uma pessoa?" A
mãe tratou de descobrir o que era exatamente que ele não entendia de suas explicações prévias, e
o menino disse: "Sobre crescer." Quando tratou de explicar-lhe uma vez mais como cresciam a
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cabeça e os membros, disse: "Diz-me, mamãe, mas como, de onde vêm a cabeça, e a barriga, e
todo o resto?" Ao replicar-lhe ela que já estão presentes muito pequenas, dentro do pequeno ovo,
como a flor no botão, não perguntou mais. Pouco depois perguntou: "Como se faz uma cadeira?"
(7). Enquanto sua mãe o tinha vestido; perguntou então espontaneamente: "Não é Deus quem faz
chover? Toni (a mucama) disse que Deus faz chover". Depois da resposta da mãe perguntou: "É
um conto que Deus faz chover?" Ao replicar ela que sim, perguntou: "Mas há realmente Deus?"
A mãe lhe replicou algo evasivamente que ela nunca o tinha visto. "Um não o vê, mas está
realmente no céu?" -"No céu só há ar e nuvens" "Mas existe realmente Deus?", perguntou outra
vez. Não tinha escapatória, de maneira que a mãe tomou uma decisão e disse: "Não, filho, não
existe". -"Mas, mamãe, se uma pessoa grande diz que Deus existe e vive no céu, também não é
verdade, então?" A resposta da mãe foi que muitos adultos não sabiam a verdade sobre as coisas
e não podiam falar delas corretamente. Tinha agora terminado seu café da manhã e se deteve ante
a porta que dava ao jardim, olhando para afora. Estava pensativo. De repente disse: "Mamãe, vejo
o que existe, e o que eu vejo está realmente ali, não? Vejo o sol e o jardim, mas não vejo a casa
de tia Maria, e, no entanto está aí também, não?" A mãe lhe explicou por que não podia ver a casa
de sua tia Maria e ele perguntou: "Mamãe, tu também não podes ver sua casa?" E demonstrou sua
satisfação quando ela replicou que não. Imediatamente depois; no entanto, perguntou algo mais:
"Mamãe, como chegou o sol até aí?" E quando ela disse algo pensativamente, "Sabes, tem estado
lá desde faz muito, muito tempo...”,ele disse "Se, mas muito, muito antes, como chegou até ali?"
Devo explicar aqui a conduta algo insegura da mãe para com o menino na questão da
existência de Deus. A mãe é atéia, mas ao criar aos maiores não tinha posto em prática suas
convicções. É verdade que os meninos se criaram com bastante independência da religião, e que
se lhes tinha falado pouco sobre Deus, mas o Deus que seu ambiente (escola, etc.) apresentava-
lhes já fato, nunca foi negado pela mãe; de maneira que ainda que se falasse pouco dele igual
estava implicitamente presente para os meninos e ocupava um lugar entre as concepções
fundamentais de sua mente. O marido, que sustentava uma concepção panteísta da deidade,
aprovava a introdução da ideia de Deus na educação dos meninos, mas os pais não tinham
decidido nada preciso sobre este ponto. Acidentalmente sucedeu que esse dia a mãe não teve
oportunidade de discutir a situação com o marido, de maneira que quando à tarde o pequeno
perguntou repentinamente a seu pai: "Papai, há realmente um Deus?", o pai contestou
simplesmente: "Sim." Fritz exclamou: "Mas mamãe disse que em realidade não há Deus!" Justo
nesse momento a mãe entrou na habitação, e ele lhe perguntou de imediato: "Mamãe, papai diz
que há realmente um Deus. Existe Deus realmente?" Ela, logicamente, turvou-se bastante e
contestou: "Eu nunca o vi e também não creio que Deus exista." Neste transe o marido veio em
sua ajuda e salvou a situação dizendo: "Olha, Fritz, ninguém viu nunca a Deus e alguns crêem
que Deus existe e outros crêem que não existe. Eu creio que existe, mas tua mãe crê que não
existe." Fritz, que durante o tempo todo tinha olhado de um a outro com grande ansiedade, pôs-
se bastante contente e expressou: "Eu também creio que não há Deus." No entanto, depois de um
intervalo igual parecia ter dúvidas, e perguntou: "Diz-me, mamãe, se Deus existe ,vive no céu?"
Ela repetiu que só tinha ar e nuvens no céu, ao que ele repetiu com alegria e muito decidido: "Eu
também creio que não há Deus." Imediatamente depois disse: "Mas os carros elétricos são reais,
e também há trens; eu estive duas vezes num, uma vez quando fui no da avó e outra vez quando
fui a E.".
Esta solução imprevista e improvisada da questão teve quem sabe a vantagem de que
contribuiu a diminuir a excessiva autoridade dos pais e debilitar a ideia de sua onipotência e
onisciência, já que permitiu ao menino pensar-coisa que não tinha ocorrido antes- que sua mãe e
seu pai sustentavam opiniões diferentes sobre uma questão importante. Este debilitamento da
autoridade podia possivelmente provocar certa sensação de insegurança no menino; mas segundo
crio superou isto com bastante facilidade porque ainda ficava um grau suficiente de autoridade
para tentar-lhe uma sensação de apoio; e de qualquer modo não observei em sua conduta geral
nenhum rasgo de semelhante efeito, já seja sensação de insegurança ou diminuição da confiança
em algum dos pais.
De qualquer modo, uma pequena observação feita ao redor de duas semanas depois pôde
ter tido alguma conexão com isto. Durante um passeio sua irmã lhe tinha pedido que perguntasse
a alguém a hora. "A um senhor ou a uma senhora?" perguntou ele. Disse-lhe que isso não tinha
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importância. "Mas se o senhor diz que são as doze e a senhora diz que são doze e quinze?"
perguntou pensativamente. Parece-me que as seis semanas seguintes a esta conversa sobre a
existência de Deus constituem em certa medida a conclusão e clímax de um período definido.
Encontro que seu desenvolvimento intelectual durante e desde este período se estimulou e mudou
tanto em intensidade, direção e tipo de desenvolvimento (comparado com seu estado anterior)
como para permitir-me distinguir três períodos até aqui em seu desenvolvimento mental, que
datam desde que pôde expressar-se com fluidez: o período anterior às perguntas sobre o
nascimento, o segundo período começando com estas perguntas e finalizando com a elaboração
da ideia da divindade, e o período terceiro que acaba de começar.

Terceiro período

A necessidade de formular perguntas, que foi tão marcada no segundo período, não
diminuiu, senão que tomou um caminho algo diferente. Por verdade que com frequencia volta ao
tema do nascimento, mas numa forma que demonstra que já incorporou este conhecimento ao
conjunto de seus pensamentos. Seu interesse pela origem dos meninos e temas conectados com
isto é ainda intenso, mas decididamente menos ardente, como o demonstra o que pergunte menos,
mas do que esteja mais seguro. Pergunta, por exemplo, "Também o cachorro cresce dentro de sua
mamãe?" ou "Como cresce um veado? Igual que uma pessoa?" Ao receber uma resposta
afirmativa, "Também cresce dentro de sua mãe?"

Existência

Da pergunta "Como se faz uma pessoa?", que já não formula mais nesta forma
desenvolveu-se uma indagação sobre a existência em geral. Dou uma seleção das abundantes
perguntas deste tipo formuladas nestas semanas. Como crescem os dentes, como ficam os olhos
dentro (nas órbitas , como se formam as linhas da mão, como crescem as árvores, as flores, os
bosques, etc., se o talho da cereja cresce com a fruta desde o começo, se as cerejas verdes
maduram dentro do estômago, se as flores que se tiram da planta se pode voltar a plantar, se a
semente que se recolhe imatura madura depois, como se faz uma fonte, como se faz um rio, como
vão os botes ao Danúbio, como se faz o pó; ademais, sobre a fabricação dos mais variados artigos
e materiais.

Interesse pelas fezes e a urina

Em suas perguntas mais especializadas ("Como pode mover-se uma pessoa, mover seus
pés, tocar algo? Como entra o sangue na pessoa? Como surge a pele de uma pessoa? Como
crescem as coisas, como pode uma pessoa trabalhar e fazer coisas?", etc.) e também na forma em
que continua com estas investigações, bem como na necessidade constantemente expressada de
ver como se fazem as coisas, de conhecer o mecanismo interno (do inodoro, sistema de água,
tubulação, revólver) em toda esta curiosidade me pareceu que se encontrava já a necessidade de
examinar o que no fundo lhe interessava, isto é, penetrar nas profundidades. A curiosidade
inconsciente relativa à participação do pai no nascimento do menino (à qual não tinha dado até
então expressão direta alguma) pôde talvez ter sido responsável em parte desta intensidade e
profundidade. Isto também se manifestou em outro tipo de pergunta que durante um tempo se
manteve em primeiro plano, e que sem ter falado antes sobre isso, era em realidade uma
investigação sobre as diferenças sexuais. Por esta época repetia com frequencia a pergunta de se
sua mãe, eu e suas irmãs tínhamos sido sempre meninos, se toda mulher quando era pequena era
uma menina (8)-se ele nunca tinha sido uma menina- e também se seu papai tinha sido varão
quando garoto, se todos, se todos os papais tinham sido primeiro meninos; uma vez, também,
quando a questão do nascimento se estava fazendo mais real para ele, perguntou a seu pai se ele
também tinha crescido dentro de sua mamãe, usando a expressão "no estômago" de sua mamãe,
expressão que usava algumas vezes ainda que lhe tivesse corrigido esse erro. O afetuoso interesse
pelas fezes, a urina e tudo o relacionado com elas que sempre revelou, permaneceu muito ativo e
seu prazer por eles se põe, em ocasiões, abertamente de manifesto Por um tempo deu a seu pipi
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(pênis) -ao qual tem muito afeto- um apelido, chamava-o "pipatsh", mas outras vezes o
denominava "pipi" (9). Uma vez também disse a seu pai enquanto sustentava a bengala deste
último entre suas pernas. "Olha, papai, que enorme pipi tenho". Durante um tempo falou de suas
formosas "cocos" (fezes) e em ocasiões contemplava sua forma, cor e quantidade.
Uma vez, por causa de uma indisposição, teve que lhe aplicar um enema, procedimento
muito pouco usado com ele, ao que sempre se resiste intensamente; também tomar os
medicamentos com grande dificuldade, especialmente às pílulas. Surpreenderam-se muito quando
viu que as deposições eram líquidas e não sólidas. Perguntou se o “coco” saía da frente agora, ou
se isso era água de "pipi". Ao explicar-se que era o de sempre só que fluido, perguntou: "Passa o
mesmo com as meninas? A ti também te passa isso?"
Outra vez se referiu ao processo intestinal que sua mãe lhe tinha explicado em conexão
com o enema, e perguntou sobre o buraco por onde sai o "coco". Enquanto formulava a pergunta
me disse que recentemente tinha olhado ou tinha querido olhar esse buraco. Perguntou se o papel
higiênico era também para os outros. "Então... mamãe, tua também fazes coco, não?" Quando ela
contestou afirmativamente, observou, "porque se tu não fizesses 'coco' ninguém no mundo faria,
não é verdade?" Em relação com isto falou sobre o tamanho e cor dos excrementos do cachorro,
dos outros animais e os comparou com os seus. Estava ajudando a descascar cerejas e disse que
ia dar-lhe um enema, abriria o "popo" e sairia o coco.

O sentido da realidade

Com o começo do período de interrogações, seu sentido prático (que como já assinalei se
tinha desenvolvido muito pobremente antes das perguntas sobre o nascimento, o que fazia que
Fritz estivesse atrasado em comparação com outros meninos de sua idade) apresentou um grande
progresso. Ainda que continuasse a luta contra sua tendência à repressão pôde, com dificuldade,
mas vividamente, reconhecer várias ideias como irreais em contraste com as reais. Agora, no
entanto, manifestava a necessidade de examinar tudo desde aspecto. Desde a terminação do
segundo período isto se tinha posto de manifesto em primeiro plano, particularmente em seus
esforços por pesquisar a realidade e evidência de coisas que fazia tempo lhe eram familiares, de
atividades que tinha praticado e observado repetidas vezes, e de coisas que tinha conhecido há
anos. Nesta forma adquire um juízo independente próprio do que pode extrair suas próprias
conclusões.

Perguntas e certezas óbvias

Por exemplo, comia um pedaço de pão duro e dizia: "O pão está muito duro"; depois de
comê-lo: "Eu também posso comer pão muito duro." Me perguntou como se chamava isso que se
usava para cozinhar e que estava na cozinha (lhe tinha escapado a palavra). Quando se o disse,
manifestou: "Se chama fogão porque é um fogão. Eu me chamo Fritz porque sou Fritz. A ti te
chamam tia porque é tia." Durante uma das comidas não tinha mastigado convenientemente um
bocado de alimento e por esta razão não pôde erguê-lo. Continuando sua comida, disse: "Não
baixará porque não o mastiguei." Imediatamente depois: "Uma pessoa pode comer porque
mastiga." Depois do café da manhã disse: "Quando mexo o açúcar no chá sei vai a meu estômago."
Disse: "É verdade isso?" "Sim, porque não fica na xícara e vai a minha boca".
As certezas e realidades adquiridas nesta forma lhe serviram evidentemente como padrão
de comparação para novos fenômenos e ideias que requeriam elaboração. Enquanto seu intelecto
lutava com a elaboração dos conceitos recentemente adquiridos e se esforçava por valorizar os já
conhecidos, e por apoderar-se de outros para fazer comparações, dedicava-se a escrutinar e
registrar os que já tinham adquirido, bem como à formação de ideias novas. "Real", "irreal" -
palavras que já se tinha acostumado a usar- adquiria agora um significado completamente
diferente pela forma em que as usava. Imediatamente depois de admitir que a cegonha, a lebre de
Páscoa, etc., eram contos de fadas, e que tinha decidido que o nascimento desde o interior da mãe
era algo menos belo, mas mais plausível e real, disse, "mas os chaveiros são reais, porque se não
quem faria as fechaduras, então?" E depois que se viu aliviado da obrigação de acreditar em um
ser para ele incompreensível, incrível, invisível, onipotente e onisciente, perguntou: "Vejo o que
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existe, não?... E o que um vê é real. Vejo o sol e o jardim", etc. Assim, estas coisas "reais" tinham
adquirido para ele um significado fundamental, que lhe permitia distinguir tudo o visível e
verdade daquilo (formoso, mas desgraçadamente falso, não "real") que sucede só nos desejos e
fantasias.
O "princípio de realidade" (10) tinha-se estabelecido nele. Quando depois da conversa
com seu pai e com sua mãe se pôs do lado da mãe compartilhando sua incredulidade, disse: "Os
carros elétricos são reais e os trens também, porque eu andei neles." Tinha encontrado nas coisas
tangíveis a norma com que podia medir também as coisas vadias e duvidosas que seu anseio para
valer lhe fazia recusar. Para começar, comparava-as só com objetos físicos tangíveis, mas já
quando disse: "Vejo o sol e o jardim, mas não vejo a casa de tia Maria e, no entanto existe, não é
verdade?", tinha ido um passo além no caminho que transforma a presença do que só é visto na
presença do que é pensado. Fez isto estabelecendo como "real" algo que sobre a base de seu
desenvolvimento intelectual do momento parecia esclarecedor -e só algo adquirido desta forma-
e adotando-o então.
A poderosa estimulação e desenvolvimento do sentido da realidade que surgiu no segundo
período manteve-se sem diminuição no terceiro, mas, sem dúvida como resultado da grande massa
de fatos recentemente adquiridos, tomou principalmente a forma de revisão de aquisições
anteriores e ao mesmo tempo de desenvolvimento de novas aquisições; ou seja, que se elaboraram
em forma de conhecimentos. Os seguintes exemplos estão tomados de perguntas e observações
que fez nesta época. Pouco depois da conversa sobre Deus, informou a sua mãe uma vez, quando
ela o acordou, que uma das meninas L. tinha-lhe dito que ela tinha visto um menino feito de
porcelana que podia caminhar. Quando a mãe lhe perguntou como se denominava esse tipo de
informação, ele se riu e disse "um conto". Quando imediatamente depois ela lhe trouxe o café da
manhã, o menino observou, "mas o café da manhã é algo real, não é verdade? O jantar também é
algo real?" Quando lhe proibiu que comesse cerejas porque ainda estavam verdes, perguntou:
"Não é verão agora? Mas as cerejas estão maduras no verão!" durante o dia lhe disse que ele
devia devolver o golpe quando outros meninos lhe colassem (era tão amável e pouco agressivo
que seu irmão pensou que era necessário dar-lhe este conselho), e pela tarde perguntou: "Diz-me,
mamãe, se um cachorro me morde, posso devolver-lhe a mordida?" O irmão tinha enchido de
água um copo e o tinha posto em forma tal que extravasou. Fritz disse: "O copo não se mantém
bem sobre essa borda" (chama a todo limite preciso, a todos os limites em geral, por exemplo, a
conexão do joelho, uma "borda"). "Mamãe, se eu quero parar o copo sobre sua borda, quereria
derramá-lo, não é verdade?" Um desejo fervente e freqüentemente expressado por ele era que lhe
permitisse sacarem-se os calções que é a única roupa que usa no jardim quando faz muito calor,
e fica nu. Como sua mãe realmente não podia proporcionar nenhuma razão convincente pela que
não pudesse fazê-lo, disse-lhe que só os meninos muito pequenos vão nus, que seus colegas de
jogo os meninos L., não iam nus, porque isso não se faz. Ao que ele pediu: "Por favor, deixa-me
estar nu, então os meninos L. dirão que eu estou nu e a eles os deixarão e então eu também estarei
nu." Também agora mostrava, por fim, não só entendimento senão também interesse por questões
de dinheiro (11). Dizia repetidamente que um consegue dinheiro pelo que trabalha e pelo que
vende em lojas, que o papai obtém dinheiro de seu trabalho, mas que deve pagar pelo que se faz
para ele. Também perguntou a sua mãe se ela obtinha dinheiro pelo trabalho que fazia na casa
(tarefas domésticas). Quando outra vez pediu algo que não podia obter-se nesse momento,
perguntou: "Há guerra ainda?" Quando lhe explicou que ainda tinha escassez de certas coisas e
que eram caras e, portanto difíceis de comprar, perguntou: "São caras porque há poucas?" Depois
quis saber que coisas, por exemplo, são baratas e quais coisas são caras. Uma vez perguntou:
"Quando alguém dá um presente não obtém nada por ele, não é verdade?"

Delimitação de seus direitos. Querer, dever, poder

Também demonstrou claramente sua necessidade de que se definissem em forma precisa


as limitações de seus direitos e poderes. Começou isto à tarde em que propôs a pergunta: "Quanto
tempo demora para que chegue um novo dia?", quando perguntou à mãe se devia deixar de cantar
se ela lhe proibia fazê-lo. Nessa época demonstrou ao princípio vívida satisfação quando a mãe
lhe assegurou que na medida do possível lhe deixaria fazer o que ele quer, e ele tratou de
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compreender por meio de exemplos quando isto seria possível e quando não o seria. Poucos dias
depois recebeu um brinquedo de seu pai e disse que lhe pertencia quando ele era bom. Contou-
me isto e me perguntou: "Ninguém pode tirar-me o que me pertence, não é verdade? Nem sequer
mamãe ou papai?" e se sentiu muito contente quando estive de acordo com ele. O mesmo dia lhe
perguntou à mãe: "Mamãe, tu não me proíbes fazer coisas só por uma razão" (usando
aproximadamente as palavras que ela tinha empregado). Uma vez disse a sua irmã: "Eu posso
fazer tudo o que sou capaz de fazer, o que sou bastante pronto para fazer e se me permite". Outra
vez disse: "Posso fazer tudo o que quero, não é verdade? Só não ser travesso". Depois perguntou
uma vez na mesa: "Então nunca posso comer mal?" E quando se consolou dizendo-lhe que já
bastante com frequencia tinha comido mal, observou: "E agora não posso comer mal nunca mais?"
(12) Freqüentemente diz, quando joga ou em outras oportunidades, referindo-se às coisas que lhe
agrada fazer: "Faço isto, não é verdade?, porque quero." É então evidente que durante essas
semanas dominavam completamente as ideias de querer, dever e poder. Disse a propósito de um
brinquedo mecânico no que um galo salta de uma caixa quando se abre a porta que o mantém
dentro: "O galo sai porque deve sair." Quando se falava da destreza dos gatos e se observava que
um gato pode subir ao teto, agregou: "Quando quer". Viu um pato e perguntou se podia correr.
Justamente nesse momento o pato começou a correr Perguntou: "Está correndo porque eu o
disse?" Quando se negou isto, prosseguiu: "Porque ele queria fazê-lo?"

Sentimento de onipotência

Creio que a declinação de seu “sentimento de onipotência", que tinha sido tão evidente
alguns meses antes, estava intimamente associada com o importante desenvolvimento de seu
sentido da realidade, que já se tinha estabelecido durante o segundo período, mas que tinha feito
progressos ainda mais notáveis desde então. Em diferentes ocasiões demonstrou e demonstra
conhecimento das limitações de seus próprios poderes, do mesmo modo que não exige agora tanto
de seu ambiente como antes. De qualquer modo, suas perguntas e observações demonstram uma
e outra vez que só ocorreu uma diminuição; que ainda há lutas entre seu sentido da realidade em
desenvolvimento e seu sentimento de onipotência profundamente enraizado -isto é, entre o
princípio de realidade e o princípio de prazer- que levam freqüentemente a formações de
compromisso com frequencias decididas em favor do princípio do prazer. Apresento como prova
algumas perguntas e observações das que extraí estas inferências. Um dia depois de propor a
questão da lebre de Páscoa, etc., perguntou-me como arrumam os pais a árvore de Natal e se o
fabricam ou cresce realmente. Depois perguntou se seus pais não poderiam decorar um bosque de
árvores de Natal e dar-se quando chegassem as festas. O mesmo dia lhe pediu à mãe que lhe desse
o lugar B. (aonde irá ao verão) para poder tê-lo imediatamente (13). Uma manhã lhe disse que
fazia muito frio e que tinha que o abrigar mais. Depois lhe disse ao irmão: "Faz frio, então é
inverno. É inverno, então é Natal. Hoje é véspera de Natal, pegaremos chocolates e nozes da
árvore."

Desejo

Em geral, deseja e pede com frequencia fervente e persistentemente coisas possíveis e


impossíveis, manifestando grande emoção e também impaciência, que de outro modo não se
manifesta muito, já que é um menino calmo, nada agressivo (14). Por exemplo, quando se falava
de América: "Mamãe, por favor, quero ver América, mas não quando fora grande, quero vê-la
agora mesmo." Com frequencia usa este "não quando fora grande: quero agora mesmo" como
apêndices de desejos que supõe encontrarão o consolo de uma promessa de satisfação. Mas agora
mostra geralmente adaptação à possibilidade e à realidade, inclusive na expressão de desejos que
antes, na época em que sua crença na onipotência era tão evidente, pareciam indiferentes à
discriminação entre o realizável e o irrealizável.
Ao pedir que lhe desse um bosque de árvores de Natal e o lugar B, como fez ao dia
seguinte da conversa que tanto o desiludiu (a lebre de Páscoa, a cegonha, etc.),quem sabe estava
tratando de descobrir até onde se estendia ainda a onipotência dos pais, que seguro ficou muito
menoscabada pela perda destas ilusões. Por outra parte, quando me conta agora que lindas coisas
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me trarão de B., agrega sempre: "Se posso" ou "O que possa", enquanto antes de jeito nenhum
demonstrava estar influído pela distinção entre possibilidade e impossibilidade quando formulava
desejos ou promessas (de todas as coisas que ia dar, e de outras mais quando fosse grande). Agora,
quando se fala de realizações ou ofícios que ele desconhece (por exemplo, encadernação de livros)
diz que não pode fazê-lo e pede que lhe permita aprender. Mas com frequencia, só é necessário
um pequeno incidente o seu favor para voltar novamente ativa sua crença em sua onipotência; por
exemplo, quando anunciou que poderia trabalhar com máquinas como um engenheiro porque se
tinha familiarizado com uma pequena maquina de brinquedo na casa de um amigo, ou quando
costuma agregar a sua admissão que não conhece algo: "Se me ensinam bem, saberei". Nesses
casos pergunta freqüentemente se seu papai também não o conhece. Isto demonstra evidentemente
uma atitude ambivalente. Em tanto que às vezes a resposta de que papai e mamãe também não
conhecem algo parece contentá-lo, outras vezes lhe desagrada saber isto e trata de demonstrar o
contrário. A mucama uma vez lhe contestou "Sim" quando lhe perguntou se ela sabia tudo. Ainda
que depois ela retirasse esta afirmação, inclusive durante um tempo costumava dirigir-lhe a
mesma pergunta, elogiando suas habilidades, dizendo-lhe que ela sabia evidentemente de tudo, e
tratando com isto de que ela voltasse a sua asseveração original de "onisciência". Recorreu uma
ou duas vezes à afirmação de que "Toni sabe tudo" (ainda que o tempo todo estivesse convencido
seguramente de que sabia muito menos do que seus próprios pais), quando lhe disse que também
não seu papai ou sua mamãe podiam fazer algo, e isto lhe era desagradável. Uma vez me pediu
que levantasse o esgoto na rua porque queria vê-la por dentro. Quando lhe contestei que não podia
fazer isso nem colocá-la bem depois, tratou de eliminar a objeção dizendo que quem faria essas
coisas se a família L. e ele e seus próprios pais estivessem sós no mundo. Uma vez lhe contou à
mãe que tinha caçado uma borboleta e agregou: "Aprendi a caçar borboletas". Ela lhe perguntou
como tinha aprendido a fazê-lo. "Tratei de caçar uma e me as arrumei para fazê-lo, e agora já sei
como". Como perguntou imediatamente depois se ela tinha aprendido "a ser uma mamãe", creio
que não estou equivocada ao pensar que -quem sabe não do tudo conscientemente- se estava
burlando dela.
Esta atitude ambivalente que se explica pelo fato de que o menino se coloca no lugar do
pai poderoso (que espera ocupar alguma vez), identifica-se com ele, e por outra parte estaria
disposto a deixar de lado o poder que restringe seu eu- é seguramente também responsável de sua
conduta em relação com a onisciência dos pais.

A luta entre o princípio de realidade e o princípio do prazer

No entanto, pela forma em que seu crescente sentido da realidade contribui


evidentemente à declinação de seu sentimento de onipotência, e pela forma em que o menino goza
deste último lutando contra a pressão de seu impulso a pesquisar, parece-me que este conflito
entre o sentido de realidade e o sentimento de onipotência influi também em sua atitude
ambivalente.
Quando o princípio de realidade consegue dominar nesta luta e estabelece a necessidade
de limitar o próprio e ilimitado sentimento de onipotência, surge a necessidade paralela de mitigar
esta dolorosa compulsão que vai a detrimento da onipotência paterna. Mas, se vence o princípio
do prazer, encontra na perfeição paterna um apoio que trata de defender. Quem sabe isto explica
por que o menino, sempre que lhe é possível, tenta recobrar sua crença tanto na onipotência de
seus pais como na sua própria.
Quando, mobilizado pelo princípio de realidade, trata de fazer um doloroso
renunciamento a seu próprio sentimento de onipotência ilimitada, surge provavelmente em
conexão com isto a necessidade, tão evidente no menino, de definir os limites de seus próprios
poderes e os de seus pais.
Parece-me que neste caso a necessidade de conhecer de Fritz, precoce e fortemente
desenvolvida, tinha estimulado seu débil sentido da realidade e o tinha compelido, ao superar sua
tendência à repressão, a assegurar-se aquisições novas e importantes para ele. Esta aquisição, e
especialmente a debilitação da autoridade que a acompanhou, teria renovado e fortificado o
princípio de realidade como para permitir-lhe prosseguir exitosamente seus progressos em
pensamentos e conhecimentos, que começaram simultaneamente com a influência e superação do
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sentimento de onipotência. Esta declinação do sentimento de onipotência, que surge pelo impulso
a diminuir a perfeição paterna (e que seguramente ajuda ao estabelecimento dos limites de seus
próprios poderes e dos de seus pais) influi a sua vez na diminuição da autoridade de maneira que
existiria uma interação, um reforço recíproco entre a diminuição de autoridade e o debilitamento
do sentimento de onipotência.

Otimismo. Tendências agressivas

Seu otimismo está fortemente desenvolvido, sócio por suposto com um pouco
menoscabado sentimento de onipotência; antes era especialmente notável, e inclusive agora
aparece em diversas ocasiões. Paralelamente à diminuição de seu sentimento de onipotência, fez
grandes progressos na adaptação à realidade, mas muito com frequencia seu otimismo é maior
que qualquer realidade. Isto foi particularmente evidente com motivo de uma desilusão muito
dolorosa, provavelmente, imagino-me, a mais grave até agora em sua vida. Seus colegas de jogo,
cujas agradáveis relações com ele se tinham perturbado por causas externas, manifestaram uma
atitude completamente diferente para com ele em vez do amor e o afeto até então demonstrado.
Como eles são variados e maiores do que ele fazia-lhe sentir seu poder de todas as formas e se
burlavam e o falavam mal. Sendo como era amável e nada agressiva, tratou persistentemente de
reconquistá-los com amabilidade e súplicas, e durante um tempo não pareceu admitir nem sequer
ante si mesmo a aspereza dos outros meninos. Por exemplo, ainda que não pudesse menos do que
reconhecer o fato, de nenhum modo queria reconhecer que lhe diziam mentiras, e quando uma
vez mais seu irmão teve oportunidade de prová-lo e lhe advertiu do que não acreditasse em seus
amigos, Fritz exclamou: "Mas eles não mentem sempre". Mas, queixas ocasionais ainda que
infreqüentes demonstrassem que tinha decidido reconhecer as crueldades de que era objeto.
Apareceram agora bastante abertamente tendências agressivas; falou de disparar-lhes com seu
revólver de brinquedo até que se morressem realmente, de disparar-lhes no olho; outra vez
também falou de colar-lhes até que se morressem, quando os outros meninos lhe tinham colado,
e mostrou seus desejos de matar nestas e outras observações, tanto como em seu jogo (15). No
entanto, ao mesmo tempo, não abandonou suas tentativas de reconquistá-los Sempre que voltam
a jogar com ele parece ter esquecido tudo o sucedido e parece bastante contente, ainda que
observações ocasionais mostrem que adverte perfeitamente a mudança de relação. Como está
particularmente apegado com uma das meninas, sofreu visivelmente por este assunto, mas o
sobrelevo com acalma e grande otimismo. Uma vez, quando ouviu falar de morrer-se, e lhe
explicou em resposta a suas perguntas, que todos devem morrer quando envelhecem, disse a sua
mãe: "Então eu também morrerei, e tu também, e os meninos L . também. E depois todos
voltaremos outra vez e eles serão bons outra vez. Pode ser; quem sabe". Quando encontrou outros
colegas de jogo -meninos- pareceu ter superado todo o assunto e agora declara repetidamente que
já não lhe agradam mais os meninos L.

A questão da existência de Deus. A morte

Desde a conversa sobre a inexistência de Deus, só rara vez e em forma superficial


mencionou este assunto, e em geral não voltou a referirem-se à lebre de Páscoa, Papai Noel, os
anjos, etc. Voltou, sim, a mencionar ao diabo. Perguntou à irmã que tinha na enciclopédia.
Quando ela lhe disse que se podiam procurar ali tudo o que não sabia, o menino perguntou:
"Há algo ali sobre o diabo?" Depois de sua resposta: "Sim, diz que não há diabo", não fez nenhum
outro comentário. Parece ter-se construído ele só uma teoria sobre a morte, como apareceu
primeiro em suas observações sobre os meninos L. "Quando voltemos outra vez." Em outra
ocasião disse: "Me agradaria ter asas e poder voar. Têm asas os pássaros quando estão quietos e
mortos? Um já está morto, não é verdade, quando um não está ainda ali?" Neste caso também não
esperou resposta e passou diretamente a outro tema. Depois, às vezes, fazia fantasias sobre voar
e ter asas. Quando numa dessas ocasiões sua irmã lhe falou dos aviões que para os seres humanos
ocupam o lugar de asas, não pareceu comprazido com isto. Nesta época, o tema de "morrer" o
preocupava muito. Uma vez perguntou a seu pai quando morreria; também lhe disse à mucama
que ela morreria alguma vez, mas só quando fosse muito velha, agregou para consolá-la. Em
11
conexão com isto me disse que quando se morresse se moveria muito lentamente, assim (movendo
seu dedo índice muito lentamente e muito pouco)- e que eu também quando morrer poderia
mover-me assim, lentamente. Outra vez me perguntou se um não se move nada quando está
dormindo, e depois disse: "Não é que algumas pessoas se movem e outras não?" Viu um retrato
de Carlos V num livro e aprendeu que tinha morto faz muito tempo. Então perguntou: "E se eu
fora o Imperador Carlos, estaria morto já desde faz muito tempo?" Também perguntou se ele não
comesse por muito tempo teria que morrer, e quanto tempo demorariam em morrer.

Perspectivas pedagógicas e psicológicas

Novas perspectivas se abrem para mim quando comparo minhas observações sobre os
poderes mentais tão estimulados neste menino sob a influência de seu conhecimento recentemente
adquirido, com observações prévias e experiências em casos de desenvolvimento mais ou menos
desfavorável. A honestidade com os meninos, uma resposta franca a todas suas perguntas e a
liberdade interna que isto tenta, influem profunda e beneficiosamente em seu desenvolvimento
mental. Isto salva o pensamento da tendência à repressão que é o perigo maior que o afeto, ou
seja, do retiro de energia instintiva com a que vai parte da sublimação, e da concorrente repressão
de associações conectadas com os complexos reprimidos, com o que fica destruída a seqüência
do pensamento. Em seu artigo "Symbolische Darstellung dês Lust-und Realitäsprinzips OEdipus-
Mythos" (16) diz Ferenczi: "Estas tendências que, devido à aculturação da raça e do indivíduo,
tornaram-se muito dolorosas para a consciência e por isso se reprimem, arrastam à repressão
grande número de outras ideias e tendências associadas com estes complexos e as dissociam do
livre intercâmbio de pensamentos ou pelo menos lhes impedem ser manejadas com realismo
científico".
Creio que neste prejuízo principal -fato à capacidade intelectual, ao fechar às associações
o livre intercâmbio de pensamentos- também deve tomar-se em conta o tipo de prejuízo infligido:
em que dimensões foram afetadas os processos de pensamento, em que medida ficou
definitivamente influída a direção do pensamento, isto é, se em amplitude ou em profundidade.
A classe de prejuízo responsável, neste período em que acorda o intelecto, da aceitação das ideias
pela consciência ou de sua rejeição por resultar intolerável, seria de importância porque este
processo persiste como protótipo durante toda a vida. O prejuízo poderia ocorrer em tal forma,
que tanto a "penetração em profundidade como a "quantidade" em extensão poderiam ficar
menoscabadas até certo ponto independentemente a uma da outra (17). Provavelmente em
nenhum dos casos o resultado seria uma simples mudança de direção, nem a força extraída de
uma direção beneficiaria à outra. Como pode inferir-se de todas as outras formas do
desenvolvimento mental que resultam da repressão, a energia que sofre a repressão permanece
"unida". Se há oposição à curiosidade natural e ao impulso a indagar sobre o desconhecido e sobre
dados e fenômenos previamente supostos, então também se reprimem as indagações mais
profundas (nas que o menino teme inconscientemente do que pode encontrar-se com coisas
proibidas ou pecaminosas).
No entanto, também ficam reprimidos simultaneamente todos os impulsos a pesquisar
problemas profundos em geral. Estabelece-se assim uma rejeição pela investigação minuciosa em
e por si mesma e, em conseqüência, abre-se o caminho para que o prazer inato e indomável de
formular perguntas só atue em superfície e leve só a uma curiosidade superficial ou, por outra
parte, pode aparecer o tipo de pessoa talentosa, tão freqüente na vida diária e na ciência, que,
ainda que possuidora de uma grande riqueza de ideias, no entanto fracassa-nos mais profundos
problemas de sua execução. Também este pertence ao tipo de pessoa prática, adaptável e
inteligente que pode apreciar as realidades superficiais, mas é cega para as mais profundas e do
que em questões intelectuais não pode distinguir o verdade do dogmático. O medo a ter que
reconhecer como falsas as ideias que a autoridade lhe impõe como verdadeiras, o medo a ter que
sustentar desapaixonadamente que coisas repudiadas e ignoradas, conduziram-o a evitar penetrar
mais profundamente em suas dúvidas, e em geral a fugir da profundidade. Nestes casos creio que
o dano pode ter influído o desenvolvimento do instinto de conhecer e daí também o
desenvolvimento do sentido da realidade, devido à repressão na dimensão de profundidade. No
entanto, se a repressão afeta o impulso para o conhecimento em forma tal que fica "unido" à
12
aversão a coisas ocultas e repudiadas o prazer não inibido de inquirir sobre estas coisas proibidas
(e com isso o prazer de interrogar em geral, a quantidade de impulso investigador), ou seja, que
fica afetado em sua dimensão de amplitude se daria então a precondição para uma subseqüente
falta de interesses. Se o menino superou uma verdade período inibidor de seu impulso a pesquisar
e este permaneceu ativo ou retornou, pode posto obstáculos agora pela aversão a atacar perguntas
novas, dirigir todo o remanente de energia livre em profundidade, a uns poucos problemas
especiais. Assim se desenvolveria o tipo "investigador" que, atraído por certo problema, pode
dedicar-se toda sua vida ao mesmo sem desenvolver nenhum interesse particular fora da esfera
limitada que elegeu. Outro tipo de homem cultivado é o pesquisador que, penetrando
profundamente, é capaz de adquirir verdades conhecimentos e de descobrir novas e importantes
verdades, mas fracassa rotundamente no que respeita às realidades maiores ou menores da vida
diária, pois carece em absoluto de sentido prático. Dizer que por estar absorto em grandes tarefas
não honra com seu atendimento às pequenas não serve para explicar isto. Segundo o demonstrou
Freud em sua investigação da parapraxia, o retiro do atendimento é só um fenômeno lateral. Não
atua como a causa fundamental, como mecanismo pelo que se produziu a parapraxia; o mais do
que pode fazer é exercer uma influência predisponente. Inclusive ainda que possam supor que um
pensador ocupado em grandes pensamentos tem pouco interesse pelos assuntos da vida diária,
vemo-lo falhar em situações nas que por mera necessidade estaria obrigado a ter o interesse
necessário, mas nas que fracassa porque não pode enfrentarias praticamente. O que se tenha
desenvolvido deste modo se deve, segundo crio, a que no momento em que deveu ter reconhecido
como reais coisas e ideias de todos os dias, tangíveis, simples, algo estorvou em certa forma a
aquisição destes conhecimentos; uma condição que neste estagio seguramente não seria retiro do
atendimento por falta de interesse no simples e imediato, senão que só podia ser a repressão. Pode
supor-se que numa época anterior, tendo-se formado nele uma inibição para conhecer outras
coisas primitivas e repudiadas, reconhecidas por ele como reais, o conhecimento de coisas da vida
diária, das coisas tangíveis originais que lhe apresentavam, também foi arrastado a esta inibição
e repressão. Portanto ficaria só aberto -seja que se volte de imediato para ele ou quem sabe só
depois de superar certo período de inibição- o caminho para as profundidades; de acordo com os
processos da infância que constituem o protótipo, evitaria a amplitude e a superfície. Em
conseqüência, não se terá familiarizado com um caminho que é agora ínvio para ele, e pelo que
inclusive numa etapa posterior não pode andar simples e naturalmente, como pode fazê-lo sem
interessarem-se especialmente quem o conhece e está familiarizado com ele desde épocas tardias.
Passou-se por alto este estagio, que está fechado por repressão bem como, contrariamente, o outro,
a pessoa "eminentemente prática" só era capaz de atingir este último estagio, mas reprimia todo
acesso aos estágios que levam ao mais profundo.
Sucede com frequencia que meninos que manifestam em suas observações (geralmente
ao começo do período de latência) uma capacidade mental extraordinária, e parecem justificar
grandes esperanças para o futuro, mais tarde ficam atrasados e depois, ainda que provavelmente
sejam adultos bastante inteligentes, não dão provas de possuir um intelecto superior ao meio-
termo. As causas deste fracasso poderiam envolver um dano maior ou menor numa ou outra
dimensão da mente. Isto se confirmaria pelo fato de que tantos meninos que por seu extraordinário
prazer em fazer perguntas, e pela quantidade de perguntas que fazem -ou por suas constantes
investigações do "como" e "por que" de tudo- fatigam aos adultos, no entanto depois de algum
tempo renunciam a elas e finalmente manifestam pouco interesse ou superficialidade de
pensamento. O fato de que o pensar -afetado ao todo ou numa ou outra dimensão- não pôde neles
estender-se em toda direção, impediu o grande desenvolvimento intelectual ao que quando
meninos pareciam destinados. O repúdio e a negação do sexual e primitivo são as causas
principais do dano ocasionado ao impulso a conhecer e ao sentido da realidade, e põem em marcha
a repressão por dissociação Mas ao mesmo tempo, o impulso para o conhecimento e o sentido da
realidade está ameaçado por outro perigo iminente, não um retiro senão uma imposição, a de
forçar-lhes a ideias já confeccionadas apresentadas em tal forma que o conhecimento da realidade
que tem o menino não se atreve a rebelar-se e nunca tenta sacar conclusões ou deduções, pelo que
se vê permanentemente afetado e danado. Temos tendência a sublinhar a "coragem" do pensador
que em oposição ao costume e à autoridade, consegue levar a cabo investigações completamente
original. Não teria tanta necessidade de "coragem" se não fora que os meninos precisam um
13
espírito especial para pensar por si mesmos, em oposição às mais altas autoridades, as questões
delicadas que em parte são negadas e em parte proibidas. Ainda que se observe com frequencia
que a oposição desenvolve os poderes que surgem para superá-la, isto não se aplica ao
desenvolvimento mental ou intelectual dos meninos. O desenvolver-se em oposição a todos não
significa menos dependência do que a submissão incondicional à autoridade; a verdadeira
independência intelectual se desenvolve entre ambos extremos. O conflito que o nascente sentido
da realidade tem que empreender contra a inata tendência à repressão, o processo que faz que o
conhecimento (ao igual que as aquisições da ciência e a cultura na história da humanidade)
também no indivíduo deva ser adquirido com dor, junto com os inevitáveis obstáculos
encontrados no mundo externo, são todos substitutos mais do que suficientes da oposição, que se
supõe que atua como incitante do desenvolvimento, sem pôr em perigou sua independência. Tudo
o demais que tenha que ser superado na infância -já seja oposição ou submissão, toda resistência
externa adicional, é pelo menos supérflua mas muito freqüentemente prejudicial porque atua
como restrição e barreira (18). Ainda que se possa encontrar com frequencia grandes capacidades
intelectuais junto com inibições claramente reconhecíveis, ainda então as primeiras deveram
sentir-se afetadas por influências prejudiciais e restritivas ao começo de suas atividades. Quanto
da equipe intelectual do indivíduo é só aparentemente próprio, quanto é dogmático, teórico e
devido à autoridade, não conseguido por si mesmo, por seu próprio pensamento livre e sem
entraves! Ainda que a experiência adulta e o insight tenham encontrado a solução para alguns dos
interrogantes proibidos e aparentemente incontestáveis da infância -interrogantes que estão,
portanto destinados à repressão- isto, no entanto, não anula o obstáculo ao pensamento infantil
nem o transforma em banal. Porque se mais tarde o indivíduo adulto é aparentemente capaz de
superar as barreiras erigidas frente a seu pensamento infantil, qualquer que seja a forma utilizada
para enfrentar suas limitações intelectuais seja desafio ou temor, esta forma segue sendo a base
para a total orientação e modo de seu pensamento, sem que a afetem seus conhecimentos
posteriores. A submissão permanente ao princípio de autoridade, a maior ou menor limitação e
dependência intelectual permanente, estão baseada nesta primeira e importantíssima experiência
da autoridade, na relação entre os pais e o menino pequeno. Seu efeito se vê reforçado e apoiado
pelo cúmulo de ideias éticas e morais que lhe apresentam ao menino devidamente completadas e
que formam outras tantas barreiras à liberdade de seu pensamento. No entanto -ainda que estas
lhe sejam apresentadas como infalíveis- um intelecto infantil mais dotado, cuja capacidade de
resistência foi menos lesada, pode com frequencia empreender uma batalha mais ou menos
exitosa contra elas. Porque ainda que as proteja a forma autoritária em que foram apresentadas,
estas ideias devem dar ocasionalmente provas de sua realidade, e nessas ocasiões não lhe escapa
ao menino observador que tudo aquilo que se espera dele como natural, bom, correto e adequado,
não é sempre considerado do mesmo modo, e em referência a eles mesmos, pelos adultos que o
exigem do menino. Assim estas ideias sempre apresentam pontos de ataque contra os quais pode
empreender-se uma ofensiva, pelo menos em forma de duvidas. Mas quando as primeiras
inibições fundamentais foram mais ou menos superadas, a introdução de ideias sobrenaturais não
verificáveis apresenta um novo perigo para o pensamento. A ideia de uma deidade invisível,
onipotente e onisciente é devastadora para o menino, tanto mais devido a do que duas coisas
favorecem marcadamente sua força efetiva. Uma é uma necessidade inata de autoridade. Freud
diz disto em Leonardo da Vinci: Estudo psicosexual de uma recordação infantil (Londres, 1922):
"A religiosidade pode retroceder biologicamente ao prolongado período de desamparo e
necessidade de ajuda do menino pequeno. Quando o menino cresce e se dá conta de sua solidão
e debilidade ante as grandes forças da vida, percebe esta situação como a de sua infância e trata
de negar sua desolação com uma revivicação regressiva das forças protetoras da infância". Como
o menino repete o desenvolvimento da humanidade, sustenta sua necessidade de autoridade nesta
ideia da deidade. Mas também o inato sentimento de onipotência, "a crença na onipotência do
pensamento", que como aprendemos de Freud e das "Etapas no desenvolvimento do sentido da
realidade de Ferenczi (19), estão tão profundamente enraizadas e, portanto são permanentes no
homem, o sentimento da própria onipotência acolhe a aceitação da ideia de Deus. Seu próprio
sentimento de onipotência conduz ao menino a atribuí-la também a seu ambiente. Portanto , a
ideia de Deus, que equipara à autoridade com a mais completa onipotência, encontra-se a metade
de caminho com o sentimento de onipotência do menino, ajudando-o a estabelecer este último e
14
contribuindo também a impedir sua declinação. Sabemos que também a este respeito é importante
o complexo paterno, e que a forma em que fica fortificado ou destruído o sentimento de
onipotência pela primeira desilusão séria do menino, determina seu desenvolvimento como
otimista ou pessimista, e também seu viveza e espírito de empresa, ou um cepticismo espantoso.
Para que o resultado deste desenvolvimento não seja a utopia e a fantasia ilimitadas, senão o
otimismo, o pensamento deve proporcionar uma oportuna correção. A "poderosa inibição
religiosa do pensamento" como a chama Freud, estorva a oportuna correção fundamental do
sentimento de onipotência pelo pensamento. Faço porque constrange ao pensamento com a
introdução dogmática de uma autoridade poderosa e insuperável; e se interfere também a
declinação do sentimento de onipotência, que só pode ter lugar cedo e por etapas, com ajuda do
pensamento. Mas o desenvolvimento completo do princípio de realidade, até chegar ao
pensamento científico, depende estreitamente de que o menino se arrisque cedo a realizar o ajuste
que deve fazer por si mesmo entre os princípios de prazer e realidade. Se este ajuste se faz
felizmente, então o sentimento de onipotência ficará colocado sobre certa formação de
compromisso com respeito ao pensamento, e se reconhecerá ao desejo e a fantasia como
pertencentes ao primeiro, enquanto o princípio de realidade regerá na esfera do pensamento e dos
fatos estabelecidos (20). Mas a ideia de Deus atua como um tremendo aliado deste sentimento de
onipotência, um aliado quase insuperável porque a mente infantil -incapaz de familiarizar-se com
esta ideia pelos meios usuais, mas por outra parte demasiado impressionada por sua espantosa
autoridade como para recusá-la- nem sequer se anima a tratar de lutar ou ter uma dúvida contra
ela. O que a mente possa depois em algum momento quem sabe superar inclusive este
impedimento (ainda que muitos pensadores e científicos nunca tenham saltado esta barreira, e por
isso sua obra terminou ali), isto, no entanto não anula o dano infligido. A ideia de Deus pode
escurecer tanto o sentido da realidade que este não se anima a recusar o incrível, o aparentemente
irreal, e pode afetá-lo de tal modo que se reprimem o reconhecimento de coisas tangível,
imediatas, os assim telefonemas “óbvios”, em assuntos intelectuais, junto com os processos mais
profundos de pensamento. No entanto, é verdade que conseguir este primeiro estagio do
conhecimento e inferência sem restrição, aceitar o simples tanto como o maravilhoso só sobre os
próprios fundamentos e deduções, incorporar na própria equipe mental só o que é realmente
sabido, é sentar as bases para um desenvolvimento perfeitamente desinibido da própria mente em
qualquer direção. O prejuízo ocasionado pode variar em tipo e grau, em maior ou menor medida,
mas de seguro que não o evita um posterior esclarecimento. Assim inclusive depois dos danos
primeiros e fundamentais ao pensamento na tardia infância, a inibição estabelecida depois pela
ideia de Deus segue sendo importante. Portanto, não basta omitir só o dogma e os métodos do
confessionário na criação do menino, ainda que seus efeitos inibitórios sobre o pensamento se
reconheçam mais geralmente. Introduzir a ideia de Deus na educação e deixar depois ao
desenvolvimento individual o enfrentar-se com ela não é de nenhum modo o recurso para dar ao
menino liberdade a este respeito. Porque por esta introdução autoritária dessa ideia num momento
em que o menino não está preparado intelectualmente para a autoridade, e está indefesa frente a
ela, sua atitude neste assunto fica tão influída que não pode nunca mais, ou só a costa de grandes
lutas e gasto de energia, liberar-se dela.

II

ANÁLISE TARDIA

A resistência do menino ao esclarecimento sexual (21)

Esta possibilidade e necessidade de analisar meninos é uma dedução irrefutável dos


resultados da análise de adultos neuróticos, que sempre retraem à meninice as causas da doença.
Em sua análise de um menino (22), Freud mostrou como sempre o caminho, um caminho que foi
seguido e explorado pela Dra. Hug-Hellmuth especialmente, e também por outros. O interessante
e instrutivo artigo da Dra. Hug-Hellmuth, lido ante o último Congresso (23) proporcionou muita
informação sobre como ela variava a técnica de análise para os meninos e como a adaptava às
necessidades da mentalidade infantil. Ocupou-se da análise de meninos que mostram
15
desenvolvimentos mórbidos ou desfavoráveis de caráter, e assinalou que ela considerava que a
análise se adaptava somente a meninos maiores de seis anos.
No entanto, eu proporei agora a questão de que aprendemos da análise de adultos e
meninos que podamos aplicar ao considerar a mente dos meninos menores de seis anos, já que é
bem sabido que as análises de neuroses revelam traumas e fontes de prejuízo em acontecimentos,
impressões ou desenvolvimentos que ocorreram em idade muito tardia, isto é, antes do sexto ano
de vida. Que proporciona esta informação para a profilaxia? Que podemos fazer justamente numa
idade que a análise nos ensinou que é tão importante, não só para doenças subseqüentes senão
também para a formação permanente do caráter e do desenvolvimento intelectual?
O primeiro e mais natural resultado de nossos conhecimentos seria antes de qualquer coisa
a hesitação dos fatores do que a psicanálise ensinou a considerar como graves prejuízos para a
mente do menino. Proporemos então como uma necessidade incondicional que o menino ou,
desde o nascimento, não compartilhe o dormitório de seus pais, e evitaremos exigências éticas
compulsivas para a criatura em desenvolvimento mais do que se nos evitou a nós Lhe
permitiremos maior período de conduta não inibida e natural, interferindo menos do que costuma
fazer-se e deixando-lhe tomar consciência de seus diferentes impulsos instintivos, e de seu prazer
neles, sem jogar mão imediatamente a suas tendências culturais para travar sua ingenuidade.
Nosso objetivo será um desenvolvimento mais lento que permita do que seus instintos se voltem
em parte conscientes e junto com isto, seja possível sublimarmos. Ao mesmo tempo não
recusaremos a expressão de sua incipiente curiosidade sexual e a satisfaremos passo a passo,
inclusive -em minha opinião- sem ocultar-lhe nada. Saberemos como dar-lhe bastante afeto e, no
entanto evitar um excesso daninho; antes de tudo recusaremos o castigo corporal e as ameaças e
nos asseguraremos a obediência necessária para a criação retraindo ocasionalmente o afeto.
Poderiam enunciar-se outras indicações, mais detalhadas, que se deduzem mais ou menos
naturalmente de nossos conhecimentos, e que não é necessário explicitar aqui. Também não entra
nos limites deste articulo considerar mais estreitamente como podem cumprir-se estas indicações
na criação sem prejudicar o desenvolvimento do menino como criatura civilizada, nem carregá-
lo com especiais dificuldades em sua relação com um ambiente de diferente mentalidade.
Agora assinalarei só que estas indicações educativas podem pôr-se em prática
(repetidamente tive oportunidade de convencer-me disto) e que delas resultam evidentes efeitos
positivos e um desenvolvimento bem mais livre em múltiplos aspectos. Muito se conseguiria se
fora possível fazer delas princípios gerais para a criação. No entanto, devo fazer de imediato uma
reserva. Temo-me que inclusive ali onde o insight e a boa vontade gostosamente cumpririam estas
indicações, a possibilidade interna de fazê-lo poderia não estar sempre presente numa pessoa não
analisada. Mas enquanto, e em pró da simplicidade, considerarei só o caso mais favorável no que
tanto o desejo consciente como inconsciente se fizeram eco destes critérios educativos, e se os
leva a cabo com bons resultados. Voltamos agora a nossa pergunta original: nessas circunstâncias
podem essas medidas profilaxias impedir a aparição de neurose e de desenvolvimentos
prejudiciais do caráter? Minhas observações me convenceram de que inclusive com isto com
frequencia só conseguimos uma parte do que nos propúnhamos; ainda que em realidade
freqüentemente fizéssemos uso só de uma parte das exigências que nossos conhecimentos põem
a nossa disposição. Pois aprendemos da análise de neuróticos que só uma parte dos prejuízos
causados pela repressão pode atribuir-se a um ambiente nocivo ou outras condições externas
prejudiciais. Outra parte muito importante se deve a uma atitude por parte do menino, presente
desde os mais ternos anos. O menino desenvolve freqüentemente, sobre a base da repressão de
uma forte curiosidade sexual, uma rejeição indomável a tudo o sexual que só uma análise
minuciosa pode depois superar. Não sempre é possível descobrir a partir da análise de adultos -
especialmente numa reconstrução- em que medida as condições adversas e em que medida a
predisposição neurótica são responsáveis do desenvolvimento da neurose Neste assunto se trata
de quantidades variáveis, indetermináveis. No entanto, é verdade isto: que nas fortes disposições
neuróticas bastam com frequencia leve rejeições do ambiente para determinar uma marcada
resistência a todo esclarecimento sexual, e um ônus excessivo de repressão sobre a constituição
mental em geral. Conseguimos confirmação do que aprendemos na análise de neuróticos mediante
a observação de meninos, que nos permite a oportunidade de reconhecer este desenvolvimento à
medida que tem lugar. Parece, por exemplo, que apesar de toda medida educacional que se propõe
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entre outras coisas a satisfação sem reservas da curiosidade sexual, esta última necessidade com
frequencia não se expressa livremente. Esta atitude negativa pode tomar as mais diversas formas,
até a absoluta rejeição de saber. Às vezes aparece como um interesse deslocado em outra coisa
interesse com frequencia de caráter compulsivo. Às vezes esta atitude se instala só depois de um
esclarecimento parcial, e então, em vez do vívido interesse até então expressado, o menino
manifesta uma intensa resistência para aceitar maior esclarecimento, e simplesmente não o aceita.
No caso que examinei em detalhe na primeira parte deste artigo, as benéficas medidas
educativas a que me referi antes se empregaram com bons resultados, particularmente para o
desenvolvimento intelectual do menino. O menino recebeu esclarecimento na medida em que lhe
informou sobre o desenvolvimento do feto dentro do corpo da mãe e o processo do nascimento,
com todos os detalhes que lhe interessavam. Não perguntou diretamente sobre a parte do pai no
nascimento e no ato sexual. Mas inclusive nesse momento creio que essas questões lhe afetavam
inconscientemente. Apareciam algumas perguntas que se repetiam freqüentemente e que lhe
contestavam com tantos detalhes como fosse possível. Tenho aqui alguns exemplos: "Diz-me,
mamãe, de onde vêm a barriga e a cabeça e o resto?"
"Como pode uma pessoa mover-se a si mesma, como pode fazer coisas, como pode
trabalhar?" "Como cresce a pele na gente?" "Como chega a onde está?" Estas e outras perguntas
se repetiam durante o período de esclarecimento e nos dois ou três meses que lhe seguiram, que
se caracterizaram por um marcado progresso no desenvolvimento ao que já me referi. Ao
princípio não atribuí pleno significado à freqüente recorrência dessas perguntas, em parte pelo
fato de que ante o incremento geral do prazer do menino em fazê-las, sua significação não se me
apareceu pelo modo em que pareciam desenvolver-se seu impulso a pesquisar seu intelecto,
considerei que seria inevitável que reclamasse maior esclarecimento, e pensei que devia aderir-
me ao princípio do esclarecimento gradual respondendo às perguntas conscientemente
formuladas.
Depois deste período apareceu uma mudança, pelo que principalmente as perguntas já
mencionadas e outras que se estavam voltando estereotipadas recorriam de novo, enquanto as que
se deviam a um evidente impulso de investigação diminuíam e se tornavam de caráter
especulativo. Ao mesmo tempo apareceram perguntas preponderantemente superficiais, não
meditadas e aparentemente sem fundamento. Perguntava uma e outra vez como se faziam
diferentes coisas e com que se faziam. Por exemplo: "De que está feita a porta?" "De que está
feita a cama?" "Como se faz a madeira?" "Como se faz o vidro?" "Como se faz a cadeira?"
Algumas das perguntas banais eram: "Como faz a terra para ficar embaixo da terra " "De onde
vêm as pedras, de onde vem a água?", etc. Não tinha dúvidas de que em geral tinha captado
completamente a resposta a estas perguntas e de que sua recorrência não tinha uma base
intelectual. Também mostrava em sua conduta distraída e ausente ao propor as perguntas, que em
realidade não lhe importavam as contestações apesar de que tinha perguntado com veemência.
No entanto, também tinha aumentado o número de perguntas. Era o conhecido retrato do menino
que atormenta a seu ambiente com suas perguntas aparentemente sem sentido, e para quem as
contestações não são de nenhuma ajuda. Depois deste recente período, cuja duração não chegou
a dois meses, de crescente perguntas superficiais, teve uma mudança. O menino se voltou
taciturno e mostrou marcado desagrado por jogar. Nunca tinha jogado muito nem
imaginativamente, mas sempre lhe agradavam os jogos de movimento com outros garotos. Com
frequencia também jogava ao motorista durante longas horas, com uma caixa, banco ou cadeiras
que representavam os diversos veículos. Mas cessaram os jogos e ocupações deste tipo, e também
o desejo da companhia de outros meninos; quando se punha em contato com eles não sábia que
fazer. Finalmente inclusive mostrava signos de aborrecer-se em companhia de sua mãe, o que
nunca tinha sucedido antes. Também expressava desagrado quando ela lhe contava contos, mas
não tinham mudado nem sua ternura para ela nem seu anseio de afeto. A atitude abstraída que
com frequencia tinha mostrado quando fazia perguntas se voltou agora muito freqüente. Ainda
que esta mudança não pudesse menos do que chamar o atendimento de um olho atencioso, ainda
então seu estado não podia considerar-se como "enfermo". Seu sonho e estado geral de saúde
eram normais. Ainda que calmo e mais revoltoso, como resultado de sua falta de ocupações seguia
sendo amistoso; podia tratar-se como de costume e estava alegre. Sem dúvida que também os
últimos meses sua inclinação pela comida deixava muito que desejar; começou a ser caprichoso
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e mostrava marcado desgosto por certos pratos, mas por outra parte comia o que lhe agradava
com bom apetite. Fazia-se mais apaixonadamente à mãe, ainda que, corno já se disse, aborrecia-
se em sua companhia. Era um dessas mudanças que pelo geral ou não são advertidos
especialmente pelos que se encarregam do menino, ou se são advertidos, não se os considera de
importância Em geral, os adultos estão tão acostumados a notar mudanças transitórias ou
permanentes nos meninos sem poder encontrar motivos para isso, que costumam considerar essas
variações do desenvolvimento como inteiramente normais. Em certa medida estão no verdade, já
que dificilmente tenha meninos que não mostrem certos impulsos neuróticos, e é só o
desenvolvimento subseqüente destes impulsos e sua quantidade o que constitui a doença.
Chamou-me especialmente o atendimento sua falta de inclinação a que lhe contassem contos, tão
oposta a seu anterior deleite neles.
Quando comparei o incrementado prazer por fazer perguntas, que seguiu ao
esclarecimento parcial, e em parte interesse superficial, com o subseqüente desagrado pelas
perguntas e falta de inclinação inclusive por escutar contos, e quando, além disto, recordei
algumas das perguntas que se tinham voltado estereotipadas, convenci-me de que o poderoso
impulso de investigação do menino tinha entrado em conflito com sua igualmente poderosa
tendência à repressão, e que esta última, ao recusar as explicações desejadas pelo inconsciente,
tinha obtido inteiro predomínio. Depois de que teve proposto muitas e diferentes perguntas como
substitutos das que tinha reprimido, tinha chegado no curso posterior do desenvolvimento, no
ponto em que evitava do tudo perguntar e também escutar, já que isto último poderia, sem tê-lo
ele pedido, tentar-lhe o que recusava conseguir.
Quero voltar aqui a certas observações sobre os caminhos da repressão que fiz na primeira
parte deste artigo. Falei ali dos conhecidos efeitos prejudiciais da repressão sobre o intelecto,
devidos a que a força instintiva reprimida fica unida, e não é disponível para a sublimação; e que
junto com os complexos também estavam submergidas no inconsciente as associações do
pensamento. Em conexão com isto supus que a repressão poderia afetar ao intelecto em toda
direção em desenvolvimento isto é, tanto nas dimensões de amplitude como de profundidade
Quem sabe os dois períodos do caso que observei poderiam em certo modo ilustrar esta suposição
prévia. Se o caminho do desenvolvimento tivesse ficado fixado no estagio em que o menino,
como resultado da repressão de sua curiosidade sexual, começou a perguntar muito e
superficialmente, o dano intelectual poderia ter ocorrido na dimensão de profundidade. O estagio
vinculado a este, de não perguntar e não querer escutar poderia ter conduzido à evitação da
superfície e amplitude de interesses e à exclusiva direção em profundidade. Depois desta
divagação volto a meu tema original. Minha crescente convicção de que a curiosidade sexual
reprimida é uma das principais causas de mudanças mentais nos meninos fica confirmada por
uma sugestão que recebi pouco tempo antes. Na discussão que seguiu a minha conferência na
Sociedade Psicoanalítica Húngara, o Dr. Anton Freund tinha argumentado que minhas
observações e classificações eram certamente analíticas, mas não assim minha interpretação, já
que eu só tinha considerado as perguntas conscientes e não as inconscientes. Nesse momento
repliquei que cria que bastava considerar as perguntas conscientes em tanto não tivesse razões
convincentes para o contrário. No entanto, depois vi que sua opinião era a correta, que considerar
só as perguntas conscientes tinha resultado insuficiente.
Sustentei depois que era conveniente dar ao menino a informação restante, que até então
não lhe tinha proporcionado. Uma de suas perguntas nesse momento, pouco freqüente, quais
plantas cresciam de sementes, aproveitou-se para explicar-lhe que os seres humanos também
provem de sementes e para esclarecê-lo sobre o ato da fecundação. Mas estava abstraído e não
atendia. Interrompeu a explicação com uma pergunta irrelevante e não mostrou nenhum desejo
de informar-se sobre detalhes. Em outra ocasião disse que tinha ouvido a outros meninos dizer
que para que uma galinha pusesse ovos também se precisava um galo. Mal tinha mencionado o
tema, no entanto, já mostrava evidentes desejos de abandoná-lo. Deu a impressão de que não tinha
entendido de nenhum modo esta nova informação e que não desejava entendê-la. Também não a
mudança mental previamente descrito pareceu em nenhuma forma afetada por este progresso no
esclarecimento. No entanto, a mãe se arrumou com uma anedota com o que se conectava um
pequeno conto, para conseguir seu atendimento e reconquistar sua aprovação. Disse-lhe, ao dar-
lhe um conflito, que esta o tinha estado esperando longamente e inventou uma pequena história
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sobre ela. O menino se entreteve muito com isto e expressou seu desejo de que se a repetissem
várias vezes; e depois escutou com prazer a história da mulher em cujo nariz cresceu, ante o desejo
de seu esposo, uma salsicha. Então começou a falar espontaneamente, e desde então relatou
histórias fantásticas, longas e curtas, às vezes originadas em outras que tinha escutado, mas a
maioria inteiramente originais, que proporcionaram uma quantidade de material analítico. Até
então o menino tinha mostrado tão pouca tendência a contar histórias como a jogar. No período
que seguiu à primeira explicação tinha mostrado, é verdadeira, uma forte tendência a contar
histórias e fez várias tentativas de fazê-lo, mas em geral tinha sido uma exceção. Estas histórias,
que não tinham nada sequer da arte primitiva que geralmente empregam os meninos em seus
contos em imitação das realizações dos adultos, produziam o efeito de sonhos aos que faltava a
elaboração secundária. Às vezes começavam com um sonho da noite anterior e depois
continuavam como histórias, mas eram exatamente do mesmo tipo quando as começava desde o
princípio como histórias. Contava-as com enorme deleite; de quando em quando, ao aparecer
resistências -apesar de cuidadosas interpretações- as interrompia, mas só para retomá-las pouco
depois com prazer. Dou vários extratos de algumas destas fantasias
"Duas vacas comiam juntas, então uma salta às costas da outra e vai montada nela, e
depois a outra salta aos cornos da outra e os sustenta fortemente. O bezerro salta também à cabeça
da vaca e se sustenta forte sobre seus rins" (à pergunta de quais são os nomes das vacas, dá os das
mucamas). "Depois seguem juntas e se vão ao inferno, o diabo velho está ali, tem olhos tão negros
que não pode ver nada, mas sabe que há gente ali. O diabo jovem tem também olhos escuros.
Depois vão ao castelo que viu Tom Thumb, depois entram com o homem que estava com eles e
sobem a um quarto e se fincam com um enfiar (fuso). Então se dormem por cem anos, depois se
acordam e vão a onde está o rei, ele está muito contente e lhes pergunta se o homem, a mulher e
os meninos que estavam com eles vão ficar." (A minha pergunta de que tinha sido das vacas:
"Estavam ali também, e também os bezerros.") Falou-se de cemitérios e de morte, e ele disse:
"Mas quando um soldado mata a alguém não está enterrado, está atirado ali porque o motorista
do carro fúnebre é também soldado e não o quer fazer." (Quando pergunto: "A quem mata, por
exemplo?" primeiro menciona a seu irmão Karl, mas depois, algo alarmado, vários nomes de
relações e conhecidos (24)) Tenho aqui um sonho: "Minha bengala foi sobre tua cabeça, depois
tomou o ferro e passou sobre a toalha de mesa.." Ao dar os bons dias à mãe lhe disse, depois de
que ela o acariciou: "Eu subirei acima de ti, tu é uma montanha e eu te subo " Um pouco depois
disse: "Posso correr melhor do que tu, posso correr escadas acima e tu não podes." Depois de um
período, começou novamente a perguntar algumas coisas com grande ardor: "Como se faz a
madeira? Como se põe o vidro da janela? Como se faz a pedra?" À resposta de que sempre tinham
sido assim, disse insatisfeito: "Mas de onde venho?" Junto a isto começou a jogar.
Jogava agora com alegria e perseverança, antes de mais nada com outros, com seu irmão
e com amigos. Podia jogar a qualquer coisa, mas também começou a jogar só. Jogava a forca,
declarava que tinha decapitado o seu irmão e a sua irmã, encaixar as orelhas das cabeças
decapitadas e dizia: "Se podem encaixar as orelhas deste tipo de cabeça, não podem devolver. o
golpe", e se chama a si mesmo "verdugo". Em outra oportunidade o encontrei jogando ao seguinte
jogo. As peças do xadrez eram pessoas, há um soldado e um rei O soldado lhe diz ao rei "Sua
besta". Então se o põe em prisão e o condena. Depois o golpeiam, mas não o sente porque está
morto. O rei engrandece com sua coroa o buraco do pedestal do soldado e então o soldado revive;
ao perguntar-se se voltará a fazer isso, diz "não", depois só se o prende. Um dos primeiros jogos
que jogou foi o seguinte: jogava com sua trombeta e dizia que era oficial e trompetista ao mesmo
tempo, e "se papai fora também um trompetista e não me levasse à guerra então eu levaria minha
própria trombeta e minha escopeta e iria à guerra sem ele". Joga com seus figurinos, entre os que
há dois cachorros, a um deles sempre o chamou o lindo e ao outro o sujo. Esta vez os cachorros
são cavaleiros. O lindo é ele mesmo, o sujo é o pai.
Seus jogos, como suas fantasias, mostravam extraordinária agressividade contra o pai e
também, por suposto, sua já claramente indicada paixão pela mãe. Ao mesmo tempo se voltou
conversador, alegre, podia jogar durante horas com outros meninos, e depois mostrou um desejo
tal de progredir em todo ramo do conhecimento e aprendizagem que em pouco tempo e com muito
pouca ajuda aprendeu a ler. Mostrou tanta avidez em isto que quase parecia um menino precoce.
Suas perguntas perderam o caráter compulsivo e estereotipado. Esta mudança foi
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indubitavelmente o resultado de ter liberado sua fantasia; minhas cautelosas e ocasionais
interpretações serviram só até certo ponto como ajuda nesta questão. Mas antes de reproduzir uma
conversa que me parece importante devo referir-me a um ponto: o estômago tinha para este
menino uma significação peculiar. Apesar da informação e de repetidas correções, se assegura à
concepção, expressada em diversas oportunidades, de que os meninos crescem no estômago da
mãe. Em outras formas também o estômago tinha para ele um significado afetivo peculiar.
Costumava replicar com a palavra "estômago", aparentemente irrelevante em qualquer ocasião.
Por exemplo, quando outro menino lhe dizia "Vê ao jardim", ele contestava "Vete adentro de teu
estômago". Atraíram-se censura porque muitas vezes, quando os serventes lhe perguntavam onde
estava algo, contestava: "Em teu estômago". Também às vezes se queixava à hora da comida
ainda que não muito com frequencia, de "frio no estômago", e declarava que era por causa da
água fria. Manifestava também ativo desagrado por diversos pratos frios. Nessa época expressou
curiosidade por ver à mãe nua. Imediatamente depois observou:
"Quero também ver teu estômago e o retrato que está em teu estômago". A sua pergunta:
"Queres dizer o lugar onde tu estavas?" contestou: "Sim! Quero olhar dentro de teu estômago e
ver se não há algum garoto ali." Depois observou: "Sou muito curioso, quero saber, sobre tudo do
mundo." À pergunta de que era o que tanto queria saber, disse: "Como são teu pipí e teu buraco
para o coco. Me agradaria (rindo) olhar adentro quando estás na latrina sem que tu saibas e ver
tua pipí e teu buraco para o coco". Alguns dias depois sugeriu à mãe que todos poderiam "fazer
coco" na latrina ao mesmo tempo e uns em cima dos outros, a mãe, seus irmãos e irmãs e ele
abaixo de todos. Observações isoladas que tinha feito, indicavam já sua teoria claramente
demonstrada pela seguinte conversa, de que os meninos se fazem com comida e são idênticos às
fezes Tinha falado de seus "cocos" como meninos travessos que não queriam vir; ademais, em
relação com isto, tinha estado imediatamente de acordo com a interpretação de que os carvões
que numa de suas fantasias subiam e baixavam as escadas eram seus filhos. Uma vez também se
dirigiu a seus “cocos” dizendo que lhes colaria por vir tão devagar e ser tão duras.
Descreverei agora a conversa. Está sentado pela manhã no dormitório, e explica que os
“cocos” estão já no balcão, correram acima outra vez e não querem ir ao jardim (como designa
repetidamente ao dormitório). Eu lhe pergunto: "São estes os meninos que crescem no estômago?"
Como advirto que isto lhe interessa continuo: "Porque o 'coco' é feito de comida; os meninos não
são feitos de comida." Diz: "Eu sei isso, são feitos de leite". "Oh, não, são feitos de algo que faz
papai e de um ovo que está dentro de mamãe." (Está agora muito atencioso e me pede que lhe
explique.) Quando começei outra vez, interrompe-me: "Já sei isso.") Eu continuo: "Papai pode
fazer algo com seu pipí que se parece bastante ao leite e se chama sêmen; faço como fazendo pipí,
mas não em tanta quantidade. O pipi de mamãe é diferente do de papai” (Me interrompe.) "Já sei
isso." Eu digo: "O pipi de mamãe é como um buraco. Se papai põe seu pipi no pipi de mamãe e
faz seu sêmen ali, então o sêmen corre muito adentro de seu corpo e quando se encontra com
alguns dos ovinhos que estão dentro de mamãe, então esse ovinho começa a crescer e se
transforma num menino." Fritz escutava com grande interesse e disse:
"Me agradaria muito ver como se faz um menino assim". Explico-lhe que isto é impossível
até que seja maior porque não pode fazê-lo até então e que então o fará ele mesmo. "Mas então
me agradaria fazer-se a mamãe." "Isso não pode ser, mamãe não pude ser tua esposa porque é a
esposa de teu papai; então papai não teria esposa." "Mas poderíamos fazer-se os dois a ela"; eu
lhe digo: "Não, isso não pode ser, cada homem tem só uma esposa. Quando tu sejas maior tua
mamãe será velha. Então tu te casarás com uma formosa jovem e ela será tua esposa." O (quase
chorando e com trêmulos lábios): "Mas não viveremos na mesma casa junto com mamãe?" Eu:
"Sim, seguramente, e tua mamãe sempre te quererá, mas não pode ser tua esposa." O perguntou
então sobre vários detalhes: como se alimenta o menino no corpo materno, de que está feito o
cordão, como sai, estava muito interessado e não se notou maior resistência. Ao final disse: "Mas
por só uma vez me agradaria ver como entra e sai o menino."
Em conexão com esta conversa que até certo ponto resolveu suas teorias sexuais, mostrou
pela primeira vez verdade interesse pela parte até então recusada da explicação, que só agora
assimilou realmente. Como demonstraram observações ocasionais subseqüentes, incorporou
realmente esta informação ao corpo de seus conhecimentos. Também desde este momento
decresceu muito seu extraordinário interesse pelo estômago (25). Apesar disto não quero
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asseverar que o despojou completamente de seu caráter afetivo e que abandonou do toda esta
teoria. Com respeito à persistência parcial de uma teoria sexual infantil apesar de ter sido feita
consciente, escutei dizer a Ferenczi que uma teoria sexual infantil é até certo ponto uma abstração
derivada de funções de tonalidade prazenteira, e que então, até tanto a função segue sendo
prazenteira, há certa persistência da teoria. O doutor Abraham, em seu artigo apresentado no
último Congresso "Manifestações do complexo de castração feminino" (26) mostrou que a causa
da formação de teorias sexuais deve procurar-se na rejeição do menino a assimilar conhecimentos
sobre a parte representada pelo pai do sexo oposto. Róheim assinalou a mesma fonte para as
teorias sexuais dos povos primitivos. Neste caso a adesão parcial a esta teoria poderia dever-se
também ao fato de que eu só tinha interpretado uma parte do rico material analítico, e que ainda
estava ativa uma parte do erotismo anal inconsciente. De qualquer modo, foi só com a solução da
teoria sexual que superou esta resistência à assimilação de conhecimentos sobre os processos
sexuais reais; apesar de uma persistência parcial (27) de sua teoria, facilitou-se a aceitação do
verdade processo. Até certo ponto conseguiu um compromisso entre a teoria ainda parcialmente
fixada em seu inconsciente, e a realidade, como o demonstra muito bem uma de suas observações.
Relatou outra fantasia, ainda que nove meses depois, na que o útero figurava como uma casa
completamente mobiliada, o estômago particularmente estava muito equipado e inclusive tinha
banheira. O mesmo comentou sobre sua fantasia: "Eu sei que não é realmente assim, mas o vejo
assim."
Depois desta elaboração e reconhecimento dos processos reais, apareceu muito em
primeiro plano o complexo de Edipo. Dou como exemplo a seguinte fantasia onírica que me
relatou três dias depois da conversa precedente e que em parte lhe interpretei. Começa com a
descrição de um sonho. "Tinha um grande motor que parecia igual a um trem elétrico. Também
tinha assentos e tinha um motor que corria junto com o grande. Podia abrir-se o teto e fechá-lo
quando chovia. Então os motores seguiram correndo e se encontraram com um trem elétrico e o
chocaram. Então o motor grande se foi acima do trem elétrico e levou ao pequeno depois dele. E
então todos se juntaram o trem elétrico e os dois motores. O trem elétrico também tinha uma biela.
Sabes o que quero dizer? O motor grande tinha uma coisa formosa e grande de prata e bronze, e
o pequeno tinha algo parecido a dois ganchos. O pequeno estava entre o trem elétrico e o motor.
Depois subiram a uma montanha alta e baixaram rapidamente. Os motores ficaram aí também à
noite. Quando vinham trens elétricos os chocavam e se algum fazia assim (com um braço)
retrocediam em seguida." (Lhe explico que o motor grande é seu papai, o carro elétrico sua mamãe
e o motor ele mesmo, e que ele se pôs entre papai e mamãe porque lhe agradaria muito apartar a
papai do tudo e ficar só com sua mamãe e fazer com ela o que só a papai lhe está permitido fazer.)
Depois de uma ligeira vacilação, está de acordo, mas continua rapidamente: "O motor grande e o
garoto se foram então, estavam em sua casa, olhavam pela janela, era uma janela muito grande.
Então chegaram dois motores grandes. Um era o avô, o outro era papai. A avó não estava ali,
estava (dúvida um momento e parece muito solene)... estava morta" (me olha, mas como eu não
faço nenhum gesto, continua): "E então todos baixaram da montanha juntos. Um motorista abriu
as portas com seu pé; o outro abriu com seus pés a coisa que um dá volta". "Um motorista se
sentia mal, era o avô" (outra vez me olha interrogativamente mas ao ver que não faço gestos
continua). O outro motorista lhe diz "Suja besta, queres que te encaixe as orelhas?, te colarei em
seguida (lhe pergunto quem era o outro motorista), ele diz "Eu. E então nossos soldados os atiram
a todos; eram todos soldados; e rompem o motor e lhe colam a ele e lhe sujam a cara com carvão
e também lhe põem carvão na boca", (ressegurando) "pensou que era uma massa, sabes, e por isso
a tomou, e era carvão. Depois todos eram soldados e eu era o oficial. Tinha uns formosos
uniformes, e (se põe firme) eu me punha assim, e então todos me seguiam. Sacavam-lhe a
escopeta; só podia caminhar assim" (aqui se dobra). Continua bondosamente "então os soldados
lhe davam uma condecoração e uma baioneta porque lhe tinham sacado a escopeta. Eu era o
oficial e mamãe era a enfermeira (em seus jogos a enfermeira é sempre a esposa do oficial) e Karl
e Lene e Anna (seu irmão e suas irmãs) eram meus filhos e tínhamos uma formosa casa também
-se parecia de afora à casa do rei- (28); não estava do tudo finda; não tinha portas e o teto ainda
não estava mas era formosa. Fizemos nós mesmos o que faltava" (aceita agora minha
interpretação do significado da casa não finda, etc., sem particular dificuldade). "O jardim era
muito formoso, estava em cima do teto. Eu sempre procurava uma escada para subir-me a ele De
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qualquer modo eu sempre me as arrumava bastante bem para chegar até aí, mas tênia que ajudar
a Karl, Lene e Anna. O refeitório também era muito lindo e nele cresciam árvores e flores. Não
importa, é muito fácil, pões um pouco de terra e então as coisas crescem. Então o avô vinha ao
jardim muito devagar, assim (imita outra vez o passo peculiar), tinha uma pá na mão e queria
enterrar algo. Então os soldados lhe disparam tiros e (outra vez parece muito solene) morre-se."
Depois de falar um longo momento de dois reis cegos dos que ele mesmo diz que um é seu papai
e o outro é o papai de sua mamãe, relata: "O rei tinha sapatos tão grandes como para chegar até
América, podias-te meter dentro deles e tinha muito lugar. Aos bebês de longas roupas os põem
dormir à noite." Depois desta fantasia aumentou o prazer de jogar e se tomou permanente. Jogava
só agora durante horas com o mesmo monto de prazer que lhe dava relatar estas fantasias (29).
Também dizia diretamente: "Agora jogarei ao que te contei" ou "Não contarei isto senão que o
jogarei". Bem como as fantasias inconscientes se expressam geralmente nos jogos, parece
provável que neste caso, como sem dúvida em outros casos similares, a inibição da fantasia era a
causa da inibição do jogo, e ambas desapareceram simultaneamente. Observei que os jogos e
atividades em que se ocupava previamente passaram o segundo plano. Refiro-me especialmente
ao jogo interminável de "motorista, etc.", que tinha consistido geralmente em empurrar bancos,
cadeiras ou uma caixa, um contra outro e sentar-se sobre eles. Também nunca tinha deixado de
correr à janela sempre que ouvia passar um veículo e se sentia muito se deixava de ver um. Podia
passar horas frente à janela ou na porta principalmente para olhar às carruagens que passavam. A
veemência e dedicação com que realizava estas ocupações me levaram a considerá-las de natureza
compulsiva (30). Ultimamente, quando mostrava tão marcada chatice, também tinha abandonado
este substituto do jogo. Quando, numa oportunidade e para procurar-lhe uma ocupação, se o
impulsionou a fazer uma carruagem de outra forma e lhe disse que isto seria muito interessante,
replicou: "Nada é interessante." Quando, simultaneamente com fantasiar lhe deu por jogar, ou
mais exatamente, fez realmente sua primeira iniciação no jogo, alguns de seus jogos (que ele
principalmente tramava com a ajuda de figuras, animais, pessoas, carroças e tijolos) consistiam,
é verdade, em passeios e mudanças de casa; mas estes só constituíam uma parte de seu jogo, que
levava a cabo nas formas mais variadas e com um poderoso desenvolvimento da fantasia que
nunca antes tinha mostrado. Usualmente terminavam ao final em lutas entre índios, ladrões ou
camponeses por uma parte e soldados pela outra e estes últimos eram sempre representados por
ele mesmo e suas tropas. Ao final da guerra se mencionou, quando o pai deixou de ser um soldado,
que tinha abandonado seu uniforme e equipe. O menino se impressionou muito por isto,
especialmente pela ideia de devolver a baioneta e o rifle. Imediatamente depois jogou a que os
camponeses vinham roubar-lhe algo dos soldados. Mas os soldados os maltratavam horrivelmente
e os matavam. O dia depois da fantasia do motor jogou ao seguinte jogo, que me explicou: "Os
soldados põem preso a um índio. O reconhece que foi mau com eles. Eles dizem: 'Sabemos que
foste ainda pior. ' Lhe cospem, fazem-lhe pipí e 'coco' em cima, põem-no na latrina e fazem tudo
em cima dele. O grita e o pipí vai parar a sua boca. Um soldado se vai e outro lhe pergunta: 'Aonde
vais? ' A procurar esterco para atirar-lhe. O homem mal faz pipí numa pá e se o atiram à cara."
Ante minha pergunta de que era exatamente o que tinha feito replicou: "Era mau, não nos deixava
ir à latrina e fazê-lo ali." Relata depois que na latrina, junto com a pessoa má que tinham posto
ali, há duas pessoas fazendo obras de arte. Nesta época repetidamente se dirigia ao papel higiênico
com o que se limpava depois de ter defecado, em forma zombadora: "Meu querido senhor, tenha
a bondade de comer-se." Em contestação a uma pergunta diz que o papel é o diabo que vai comer
a "coco". Outra vez relata: "Um cavaleiro perdeu sua gravata e a procura muito, por fim a
encontra." Outra vez relatou que lhe tinham cortado o pescoço e os pés ao diabo. O pescoço só
podia caminhar quando lhe tinham dado pés. Agora o diabo só podia estar acostado, já não podia
ir pelo caminho. Então a gente acreditou que tinha morrido. E uma vez ele olhou pela janela;
alguém o sustentava, um soldado, que o empurrou fora da janela, e então se morreu. Pareceu-me
que esta fantasia explicava um temor (inusitado nele) que tinha aparecido poucas semanas antes.
Estava olhando pela janela e a servente estava parada por trás dele e o sustentava: manifestou
medo e só se tranqüilizou quando a moça o deixou só. Numa fantasia subseqüente o medo se
mostrou como a projeção de seus desejos agressivos inconscientes (31) num jogo em que um
oficial inimigo é morto, maltratado e depois ressuscita. Ao perguntar-lhe quem é agora, contesta
"Sou papai, por suposto", então todos se voltam amistosos com ele e ele diz (aqui a voz de Fritz
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se faz muito suave): "Sim, tu és papai, então por favor vêem aqui"; em outra fantasia na que, do
mesmo modo, um capitão ressuscita depois das mais variadas torturas que incluíam o colar-lhe e
xingar-lhe, relata que depois disso foi muito bom com ele e agrega: "Só lhe devolvi o que ele me
tinha feito, e depois não estive mais enojado com ele. Se não se o tivesse devolvido estaria
enojado." Agora lhe agrada muito jogar com massa e diz que cozinha na latrina (32). (A latrina é
uma caixa de papelão com uma fenda, que usa em seus jogos.) Enquanto jogava me mostrou uma
vez dois soldados e uma enfermeira e disse que eram ele mesmo, seu irmão e sua mamãe. Ao
perguntar-lhe eu qual dos dois era ele, disse: "O que tem algo que finca ali sou eu." Lhe pergunto
que há ali que finque. O diz: "Um pipí" "E isso finca?", ele diz: "Não no jogo, senão realmente;
não, equivoquei-me, não realmente senão que no jogo". Relatou cada vez mais fantasias, múltiplas
e extensas, com frequencia sobre o diabo, mas também sobre o capitão, índios, ladrões e animais
selvagens, para os que se demonstrava claramente seu sadismo tanto em sua fantasia como nos
jogos que a acompanhavam, e também por outra parte seus desejos associados à mãe. Descreve
com frequencia como tirou os olhos, ou cortado a língua do diabo, ou do oficial inimigo ou do
rei, e inclusive possui uma escopeta que pode morder como um animal aquático. Cada vez se fez
mais forte e poderoso, não há forma de matá-lo, diz repetidamente que seu canhão é tão grande
que chega ao céu.
Não considerei necessário fazer mais interpretações e, portanto nesta época
ocasionalmente e em forma de sugestão fazia consciente algum ponto. Ademais, tive a impressão,
pela direção de suas fantasias e jogo e por observações ocasionais, que parte de seus complexos
se tinham voltado para ele conscientes ou pelo menos pré-conscientes, e considerei que isto
bastava. Assim, uma vez observou, quando estava sentado no dormitório, que ia fazer bolos.
Quando sua mãe, pondo-se a sua altura, disse: "Bom, faz rapidamente", ele observou: "Estás
contente se tenho bastante massa" e acrescentou em seguida: "Disse massa em vez de 'coco'. Que
pronto sou!"; observou quando teve feito: "Fiz uma pessoa tão grande. Se alguém me desse
bastante massa poderia fazer uma pessoa com ela. Só preciso algo pontiagudo para seus olhos e
seus botões."
Tinham passado aproximadamente dois meses desde que comecei a dar-lhe ocasionais
interpretações. Então se interromperam minhas observações por um intervalo a mais de dois
meses. Durante este tempo a angústia (medo) fez sua aparição; isto já anuncia sua rejeição, ao
jogar com outros meninos, a prosseguir seu jogo tão apreciado ultimamente, de ladrões e índios.
Exceto por um tempo no que tinha tido terrores noturnos entre os dois e três anos, aparentemente
nunca tinha sido presa do medo, ou pelo menos não havia observado indicações disto. Portanto,
a angústia que agora se revelava pode ter sido um dos sintomas postos de manifesto pelo progresso
da análise. Provavelmente também se devia a suas tentativas de reprimir mais coisas que se
estavam fazendo conscientes. A aparição do medo a precipitou provavelmente o relato dos contos
de Grimm, que ultimamente lhe atraíam muito, e que lhe produziam medo (33). O fato de que sua
mãe estivesse indisposta durante umas semanas e incapacitada para ocupar-se muito do menino,
que estava muito próximo a ela, facilitou provavelmente a conversão de libido em angústia e pode
ter tido que ver com ela. Manifestava principalmente medo antes de dormir-se, o que constituía
agora todo um trabalho, e também em ocasionais sobressaltos durante o sonho. Mas também de
outras formas pôde observar-se um retrocesso. Tinha diminuído muito seu costume de jogar só e
de contar contos, estava tão empenhado em aprender a ler que resultava exagerado, porque
freqüentemente queria aprender durante horas, de um puxão, e praticava constantemente.
Também estava bem mais tratável e muito menos alegre.
Quando novamente tive oportunidade (ainda que ocasional) de ocupar-me do menino,
obtive dele e contrariamente ao que antes tinha. Sucedido, contra muito fortes resistências, o relato
de um sonho que o tinha assustado muito e do que ainda estava assustado, inclusive de dia. Tinha
estado olhando livros de gravuras com ginetes neles e o livro se abriu e dois homens saíram dele.
O seu irmão e suas irmãs se agarraram à mãe e queriam escapar-se. Chegaram à porta de uma
casa e ali uma mulher lhes disse: "Não podem esconder-se aqui." Mas de qualquer modo se
esconderam para que os homens não pudessem encontrá-los. Contou-me este sonho apesar de
grandes resistências que aumentaram tanto quando comecei a interpretação, que para não sobre
estimularias, fez muito curta e incompleta. Consegui poucas ideias associadas, unicamente que
os homens tinham paus, escopetas e baionetas em suas mãos. Quando lhe expliquei que isto
23
significava o grande pipi de seu pai que ele tanto deseja como teme, contestou que "as armas eram
duras e em mudança o pipi é macio". Expliquei-lhe que, no entanto o pipí também se põe duro
justo em relação o que ele mesmo quer fazer, e aceitou a interpretação sem maior resistência.
Relatou depois que lhe pareceu algo bem como um dos homens se tinha metido no outro, e ficava
só um!
Indubitavelmente o componente homossexual, até então pouco advertido, estava-se pondo
agora em primeiro plano, como o demonstram também os sonhos e fantasias seguintes. Tenho
aqui outro sonho que, no entanto não estava associado com sentimentos de temor. Por todas as
partes, por trás dos espelhos, portas, etc., tinha lobos com longas línguas pendurando. Disparou-
lhes tiros a todos e morreram. O não tinha medo porque era mais forte do que eles. As fantasias
seguintes também se relacionavam com lobos. Uma vez quando de novo estava assustado antes
de dormir-se, disse que se tinha assustado do buraco na parede pelo que se via a luz (uma abertura
na parede, para a calefação), porque também parecia um buraco no céu raso, e um homem podia
com uma escada subir desde ali até o teto. Também falou de se o diabo não se sentava no buraco
da estufa. Contou que tinha visto o seguinte num livro de lâminas. Uma senhora está na habitação
dele. De repente ela vê que o diabo está sentado no buraco da estufa. No curso de suas associações
se revela que temia que o homem com a escada pudesse pisá-lo e daná-lo no ventre, e finalmente
reconhece que tinha medo por seu pipi.
Não muito depois escutei a expressão, agora muito pouco freqüente, de "frio na barriga".
Numa conversa sobre o estômago e a barriga em conexão com isto, relatou a seguinte fantasia:
"Há uma habitação no estômago, com mesas e cadeiras. Alguém se senta numa cadeira e põe a
cabeça sobre a mesa e então se cai toda a casa, o céu raso ao solo, também se cai a mesa e a casa."
A minha pergunta: "Quem é esse alguém e como chegou a meter-se aí dentro?", contesta: "Um
palito chegou através do pipi até a barriga e até o estômago nessa forma." Neste caso, teve pouca
resistência a minha interpretação. Disse-lhe que ele se tinha imaginado a si mesmo no lugar de
sua mamãe e queria que seu papai fizesse com ele o que faz com ela. Mas tem medo (como
imagina que sua mamãe também tem medo) de que se este pau -o pipi de papai- se mete em seu
pipi ele ficará magoado, e depois dentro de sua barriga, em seu estômago, tudo ficará destruído
também. Outra vez me contou o medo que tinha ante um conto de Grimm em especial. Era o
conto de uma bruxa que oferece a um homem comida envenenada, este se a dá a seu cavalo, que
morre por causa dela. O menino disse que tinha medo das bruxas porque de qualquer modo podia
ser que não fora verdade o que lhe tinha dito que não tinha realmente bruxas. Há rainhas também
que são formosas, mas que também são bruxas, e a ele lhe agradaria muito saber a que se parece
o veneno, se é sólido ou líquido (34).
Quando lhe perguntei por que tinha medo de algo tão mal proveniente de sua mãe, que
lhe tinha feito ou desejado fazer a ela, admitiu que quando estava enojado tinha desejado que
tanto ela como o pai se morressem e que alguma vez tinha pensado para si "suja mamãe". Também
reconheceu que estava enojado com ela quando lhe proibia que jogasse com seu pipi. No curso
da conversa, apareceu ademais do que também tinha medo de ser envenenado por um soldado, e
ademais um soldado estranho, que o vigiava a ele a Fritz, desde a vitrine de um comércio quando
Fritz punha seu pé numa carroça para saltar em cima. Em conexão com minha interpretação de
que o soldado é seu papai que o castigará por suas travessas intenções de saltar à carroça -sua
mamãe- perguntou sobre o ato sexual mesmo, o que até então não tinha feito. Como podia o
homem meter dentro seu pipi, se papai quereria fazer outro menino, Como grande deve ser um
para poder fazer um menino; se a tia podia fazê-lo com mamãe, etc. Uma vez mais a resistência
diminuiu. Por começar, antes de começar a relatar coisas pergunta alegremente se o que lhe parece
"horroroso" se voltará prazenteiro para ele; depois que eu se o tenha explicado como sucedeu até
então com as outras coisas. Diz também que já não tem medo das coisas que lhe expliquei nem
quando pensa nelas.
Desafortunadamente não se aclarou mais o significado do veneno, já que não pude obter
outras ideias associadas a ele. Em geral, a interpretação por meio de associações foi só às vezes
afortunada; habitualmente as ideias subseqüentes, sonhos e histórias, explicavam e completavam
o que tinha aparecido antes. Isto explica, ademais, minhas interpretações às vezes muito
incompletas.

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Neste caso, eu tinha uma grande riqueza de material que em sua maior parte ficou sem
interpretar. Igual que sua teoria predominante, também podia perceber-se várias outras teorias
sobre o nascimento e diferentes correntes de pensamentos, e ainda que aparentemente corressem
paralelas umas a outras, predominava ora uma, ora outra. A bruxa de sua fantasia mencionada em
último termo só introduz uma figura (que reaparecia com frequencia nessa época que a meu
parecer tinha obtido por divisão da imago maternal. Vejo também isto na atitude ocasionalmente
ambivalente para o sexo feminino, que nos últimos tempos se fez evidente nele. Em geral sua
atitude para as mulheres e para os homens é muito boa, mas observo ocasionalmente que
considera às meninas e também às mulheres adultas com irracional antipatia. Esta segunda imago
feminina que dissociou de sua mãe amada, para conservá-la tal como está, é a mulher com pênis
através da qual, o que é também aparente para ele, sai o caminho para sua homossexualidade,
agora claramente indicada. O símbolo da mulher com pênis é também se for o caso a vaca, um
animal que não lhe agrada, enquanto lhe atrai muito o cavalo (35). Para dar só um exemplo disto,
mostra desgosto pela espuma da boca da vaca e declara que ela quer cuspir à gente, mas que o
cavalo quer beijá-lo a ele. Revela-se inequivocamente que para ele a vaca representa a mulher
com pênis, não só em sua fantasia senão também em várias observações. Repetidamente, ao
urinar, identificou o pênis com a vaca. Por exemplo: "A vaca deixa cair leite na bacia" ou, quando
abre sua calça: "A vaca está olhando pela janela” O veneno que lhe oferece a bruxa provavelmente
poderia estar determinado também pela teoria da fecundação pela comida, que também teve.
Algum mês antes quase nada podia notar-se ainda desta atitude ambivalente. Quando ouvia a
alguém dizer que certa dama era desagradável, perguntava assombrado: "Pode uma dama ser
desagradável?"
Relatou outro sonho associado com sentimentos de angústia e novamente com fortes
indicações de resistência. Explicou a impossibilidade de contá-lo dizendo que era tão longo que
precisaria todo o dia para contá-lo. Repliquei-lhe que então podia contar-me somente uma parte:
"Mas era justamente o longo o que era horrível", foi sua resposta. Cedo caiu na conta de que este
"horrível longo" era o pipi do gigante a que o sonho se referia. Reapareceu em várias formas como
um aeroplano que a gente levava a um edifício, no qual não podiam verse portas nem o solo ao
redor dele, e, no entanto as janelas estavam abarrotadas de gente. Em cima do gigante pendurava
por todas as partes gente que o sujeitava também a ele. Era uma fantasia do corpo materno e
paterno e também desejo do pai. Também atua neste sonho sua teoria do nascimento, a ideia de
que ele concebe e tem a seu pai (outras vezes a sua mãe) por via anal. Ao final deste sonho, ele
pode voar só, e com a ajuda de outras pessoas que já saíram do trem, encerra ao gigante no trem
em movimento e voa levando-se a chave. O mesmo, junto comigo, interpretou grande parte deste
sonho Geralmente estava muito interessado por interpretar e perguntava se era bastante "profundo
dentro dele" onde pensava todas as coisas que não sabia sobre si mesmo, se todos os adultos
podiam explicá-lo, etc.
Sobre outro sonho comentou que era prazenteiro, mas que só podia recordar que tinha um
oficial com um grande pescoço de camisa e que também ele se punha um pescoço similar. Saíam
juntos de algum lado. Estava escuro e ele se caía. Depois da interpretação de que se tratava outra
vez de seu pai e de que ele queria um pipi similar, lhe ocorreu de repente que tinha sido o
desagradável. O oficial o tinha ameaçado, tinha-o sustentado, não lhe tinha deixado levantar-se,
etc. Das associações livres que esta vez deu de bom grau, sublinharei só um detalhe que lhe
ocorreu quando lhe perguntei de onde saía com o oficial. Ocorreu-lhe que lhe tinha agradado o
pátio de um comércio porque tinha pequenos vagões carregados que entravam e saíam dele sobre
vias estreitas: novamente o desejo de fazer-lhe a mamãe simultaneamente com papai o que este
último lhe faz a ela, no que, no entanto falha, e projeta sobre seu pai sua própria agressividade
contra este último. Parece-me que aqui também atuam poderosos determinantes eróticos-anais e
homossexuais (indubitavelmente presentes nas numerosas fantasias sobre o diabo nas que este
vive em ocos ou numa estranha casa).
Depois deste período de renovada observação durante aproximadamente seis semanas,
com a análise pertinente, em especial dos sonhos de angústia, desapareceu por completo a
angústia. Outra vez não teve problemas com o sonho e o momento de ir-se a dormir. O jogo e a
sociabilidade não deixavam nada que desejar; junto com a angústia fala surgido uma ligeira fobia
aos meninos da rua. Seu fundamento real era que os moços de rua o tinham ameaçado e molestado
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repetidamente. Mostrava medo a cruzar só a rua e não podia convencer-se de que o fizesse. Por
estar de viagem não pude analisar esta fobia. Mas, aparte disto, o menino dava uma excelente
impressão; quando tive oportunidade de vê-lo novamente poucos meses depois, esta impressão se
fortificou. Enquanto tinha perdido sua fobia na seguinte forma, como ele mesmo me informou.
Pouco depois de minha partida correu primeiro através da rua com os olhos fechados. Depois a
cruzou olhando para outro lado, e finalmente a cruzou calmamente. Por outra parte mostrou
(provavelmente como resultado de sua tentativa de melhora (me assegurou orgulhosamente que
agora não tinha medo a nada!) uma decidida falta de inclinação pela análise e também aversão a
contar histórias e escutar contos; no entanto, este era o único ponto no que tinha aparecido uma
mudança desfavorável. Foi à cura ao que parece permanente da fobia -que pude comprovar seis
meses depois- só um resultado de sua tentativa de melhora? Ou quem sabe foi, pelo menos em
parte, posterior ao tratamento depois de interromper este, como pode observar-se com frequencia
no desaparecimento de um ou outro sintoma depois da análise.
Ademais preferiria não utilizar a expressão "tratamento findo neste caso Estas
observações, com interpretações só ocasionais, não poderiam considerar-se um tratamento;
preferiria descrevê-lo como um caso de "criação com impulsos analíticos". Pela mesma razão não
quero asseverar que tinha terminado no ponto que descrevi até aqui. A manifestação de tanta
resistência à análise, e o desagrado pelos contos não parecem indicações de que provavelmente
sua criação posterior dará de quando em quando ocasiões para recorrer à análise. Isto me leva à
conclusão que extrairei deste caso.
Creio que nenhuma criação deve fazer-se sem orientação analítica, já que a análise
proporciona uma ajuda muito valiosa e, desde o ponto de vista da profilaxia, até agora
incalculável. Inclusive, se posso fundamentar esta pretensão num só caso em que a análise
resultou de muita ajuda para a criação, baseio-me também em muitas observações e experiências
que pude fazer em meninos criados sem ajuda da análise.
Apresentarei só dois casos de desenvolvimento infantil (36) que me são bem conhecidos
e que me parecem adequados como exemplo, já que não chegaram nem à neurose nem a nenhum
Desenvolvimento anormal, e que, portanto podem ser considerados como normais. Os meninos
em questão estão muito bem tratados e muito sensível e amorosamente criados. Por exemplo, foi
um princípio de sua criação que se lhes permitisse toda pergunta e se as contestasse de bom grau;
também em outros aspectos se lhes permitiu maior naturalidade e liberdade de opinião da que
geralmente se dá, mas, ainda que ternamente, os guiou com firmeza. Só um dos meninos fez uso
(e em grau muito limitado) da inteira liberdade de fazer perguntas e obter informação, com o
propósito de conseguir esclarecimento sexual. Muito depois -quando era já quase um adulto- o
moço disse que a resposta correta dada a sua pergunta sobre o nascimento lhe tinha parecido
completamente inadequada e que este problema tinha seguido ocupando sua mente em grau
considerável. Provavelmente a informação não tinha sido completa ainda que correspondesse à
pergunta, já que não tinha incluído o papel do pai. No entanto, é notável que o moço, ainda que
ocupado interiormente com este problema, por razões que ele mesmo não advertia, nunca
perguntou sobre ditas questões, ainda que não tinha ocasiões de duvidar da disposição a contestar-
lhe. Este menino aos quatro anos desenvolveu uma fobia ao contato com outras pessoas -em
particular adultos- e ademais fobia aos escaravelhos. Estas fobias duraram uns poucos anos e
gradualmente foram quase superadas com a ajuda do afeto e o acostumar. No entanto, nunca
perdeu a rejeição a animais pequenos. Também não depois mostrou nunca desejo de companhia,
inclusive ainda que já não lhe tivesse aversão direta. Pelo demais se desenvolveu bem psíquica,
física e intelectualmente, e é são. Mas um marcado caráter insociável, reserva e introversão, bem
como alguns impulsos vinculados com estes, parece-me que são rastos das fobias por outra parte
felizmente dominadas e elementos permanentes na formação de seu caráter. O segundo exemplo
é uma menina que nos primeiros anos de sua vida demonstrou ser inusitadamente bem dotada e
desejosa de conhecimentos. No entanto, ao redor dos cinco anos se debilitou muito (37) o impulso
a pesquisar e gradualmente se tomou superficial; não tinha impulso a aprender e nenhuma
profundidade de interesse ainda que indubitavelmente estivessem presentes boas capacidades
intelectuais, e pelo menos até agora (tem quinze anos) mostrou só uma inteligência média.
Inclusive ainda que os bons princípios educativos aprovados até agora conseguiram muito para o
desenvolvimento cultural da humanidade, a criação do indivíduo seguiu sendo, como os bons
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pedagogos sabiam e sabem, um problema quase insolúvel. Quem tem oportunidade de observar
o desenvolvimento de meninos, e de ocupar-se com mais detalhe do caráter dos adultos, sabe que
com frequencia os meninos melhor dotados fracassam repentinamente sem causa aparente e nas
formas mais variadas. Alguns até então bons e dóceis se voltam tímidos e difíceis de manejar ou
completamente rebeldes e agressivos. Meninos alegres e amistosos se tornam insociáveis e
reservados. Dotes intelectuais que prometiam um florescimento desusado, repentinamente ficam
incompletos. Meninos de brilhantes dotes fracassam com frequencia em alguma pequena tarefa e
depois perdem coragem e autoconfiança. Por suposto que também sucede com frequencia que
estas dificuldades do desenvolvimento se superam com sucesso. Mas as dificuldades menores,
com frequencia suavizada pelo afeto paterno, com frequencia aparecem novamente em anos
posteriores em forma de dificuldades grandes e insuperáveis que podem levar então a um
transtorno ou pelo menos a muito sofrimento. São incontáveis os danos e inibições que afetam o
desenvolvimento, para não falar dos indivíduos que posteriormente caem vítimas da neurose.
Inclusive se reconhecemos a necessidade de introduzir a psicanálise na criação isto não implica
desfazer-se dos bons princípios educativos aceitados até agora. A psicanálise teria que servir à
educação como uma ajuda -para completá-la- sem tocar as bases até agora aceitadas como corretas
(38). Os pedagogos realmente bons se esforçaram sempre -inconscientemente- pelo correto, e
com amor e entendimento trataram de pôr-se em contato com os impulsos mais profundos, às
vezes tão incompreensíveis e aparentemente repreensíveis, do menino. Não é aos pedagogos
senão os seus recursos aos que há que culpar se não tiveram sucesso ou só o tiveram parcialmente,
nesta tentativa. No formoso livro de Lily Braun, Memoiren einer Sozialistin (Memórias de uma
socialista), lemos como na tentativa de conquistar a simpatia e confiança de seus enteados
(meninos, crio, de arredor de dez ou doze anos) tratou, tomando como ponto de partida seu parto
próximo, de esclarecê-los sobre temas sexuais. Sente-se triste e indefesa quando se encontra com
aberta resistência e rejeição e tem que abandonar sua tentativa. Quantos pais cujo maior desejo é
preservar o amor e confiança de seus filhos se encontra repentinamente com uma situação na que
- sem entender por que - têm do que reconhecer do que não possuíram nunca realmente nem o um
nem a outra!
Voltemos ao exemplo que descrevi aqui detalhadamente. Com que justificativa se
introduziu a psicanálise na criação deste menino? O menino sofria de uma inibição de jogo
acompanhada de inibição a escutar ou contar histórias. Tinha também crescente taciturnidade
(silencio crescente), hipercriticismo (criticar em excesso), ensimesmamento e insociabilidade.
Ainda que o estado mental do menino em geral não podia ser descrito neste estagio como
"doença", de qualquer modo se justifica supor por analogia desenvolvimentos possíveis. Estas
inibições com respeito ao jogo, contar histórias, escutar, e ademais o hipercriticismo sobre coisas
sem importância e o ensimesmamento, podiam ter-se convertido em impulsos neuróticos num
estagio posterior e a taciturnidade e insociabilidade em impulsos de caráter. Devo agregar aqui o
seguinte, porque é significativo: as peculiaridades aqui indicadas estiveram presentes em certa
medida -ainda que em forma não tão atraente- desde que o menino era muito pequeno; foi só
quando se desenvolveram e se lhes agregaram outras que produziram a impressão que me levou
a considerar aconselhável a introdução da psicanálise. Mas antes disto, e também depois, tinha
uma expressão inusitadamente pensativa quando começou a falar com maior fluidez, que não
tinha relação com as observações normais, nada brilhantes, que proferia. Seu alegre falar, sua
marcada necessidade da companhia não só de meninos senão também de adultos, com os que
conversam com igual alegria e liberdade, contrastam notavelmente com seu caráter anterior.
No entanto, pude aprender algo mais deste caso; a saber, que vantajoso e necessário é
introduzir muito cedo a análise na criação, para preparar uma relação com o inconsciente do
menino tão cedo como podemos pôr-nos em contato com sua ciência. Provavelmente assim
poderiam remover-se facilmente as inibições ou impulsos neuróticos, quanto começam a
desenvolver-se Não há dúvida de que o menino normal de três anos, provavelmente inclusive o
menino menor, que tão com frequencia mostra interesses muito vívidos, é já intelectualmente
capaz de captar as explicações que lhe dão tanto como tudo os demais. Provavelmente muito
melhor do que o menino maior, que já está perturbado afetivamente nessas questões por uma
resistência mais enraizada, enquanto o menino pequeno está bem mais cerca destas coisas naturais
enquanto a criação não tenha estendido demasiado longe suas influências prejudiciais. Esta seria
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então, bem mais do que no caso do menino que já tem cinco anos, uma criação com ajuda da
análise.
Por grandes que possam ser as esperanças associadas com uma educação geral deste tipo
para o indivíduo e a coletividade, não é de temer-se um efeito de enormes alcances. Sempre que
nos enfrentemos com o inconsciente do menino muito pequeno, seguramente nos encontramos
também com todos seus complexos. Em que medida são estes complexos filogenéticos e inatos,
e em que medida adquiridos ontogenéticamente? Segundo A . Stärcke, o complexo de castração
tem uma raiz ontogenética no bebê, pelo desaparecimento periódico do peito materno, ao que
considera de seu pertence. A expulsão das fezes se considera como outra raiz do complexo de
castração. No caso deste menino, com o que nunca se utilizaram ameaças e que mostrava com
franqueza e sem temor seu prazer na masturbação apareceu, no entanto um complexo de castração
muito marcado que por verdade se tinha desenvolvido em parte sobre a base do complexo de
Édipo. No entanto em qualquer caso, neste complexo e em realidade em toda formação de
complexo, as raízes jazem demasiado profundamente como para que possamos penetrar até elas.
No caso descrito, os fundamentos de suas inibições e impulsos neuróticos me parecem que
estavam antes inclusive da época em que começou a falar. Seguramente tivesse sido possível
superá-los antes e, mas facilmente do que se fez, ainda que não abolir completamente as atividades
dos complexos em que se originaram. Seguramente não há razão para temer um efeito de enormes
atinjas pela análise tardia, um efeito que possa fazer perigar o desenvolvimento cultural do
indivíduo e com isso a riqueza cultural da humanidade Por longe que possamos ir há sempre uma
barreira ante a que forçadamente devemos deter-nos. Muito do que é inconsciente e entristecido
de complexos seguirá ativo no desenvolvimento da arte e a cultura. O que a análise tardia pode
fazer é tentar proteção de graves choques e superar inibições. Isto ajudará não só à saúde do
indivíduo senão também à cultura, porque a superação de inibições abrirá novas possibilidades
de desenvolvimento. No menino que observei foi notável quanto se estimulou seu interesse geral
depois de satisfazer-se parte de suas perguntas inconscientes, e quanto decaiu novamente seu
impulso a pesquisar porque tinham surgido mais perguntas inconscientes que monopolizavam
todo seu interesse.
Portanto, é evidente que, para entrar em mais detalhes, a influência dos desejos e impulsos
instintivos só pode debilitar-se os fazendo conscientes. No entanto, posso afirmar por minhas
observações que, como no caso do adulto, também no menino pequeno isto sucede sem nenhum
perigo. É verdade que começando com as explicações e aumentando notavelmente com a
intervenção da análise, o menino mostrou uma evidente mudança de caráter que foi também
acompanhado por impulsos "inconvenientes". O menino, até então amável e só ocasionalmente
agressivo, voltou-se agressivo, lutador, não só em sua fantasia, senão também na realidade. Junto
com isto, apareceu uma declinação da autoridade dos adultos que de nenhum modo tanto faz à
incapacidade de ter em conta aos outros. Um saudável cepticismo, que quer ver e compreender o
que lhe pede que crie, combina-se com a capacidade de reconhecer os méritos ou habilidades dos
outros, especialmente de seu muito querido e admirado pai e também de seu irmão Karl. Para o
sexo feminino, devido a outras causas, sente-se algo superior e bastante protetor. Mostra a
declinação da autoridade principalmente em sua atitude de amistosa camaradagem, também em
relação com seus pais. Valoriza muito poder ter sua própria opinião, seus próprios desejos, mas
lhe resulta difícil obedecer. No entanto, é fácil ensinar-lhe como portar-se melhor, e em geral é o
bastante obediente como para comprazer a sua adorada mãe, apesar de que isto lhe resulta com
frequencia muito difícil. Em geral, sua criação não oferece dificuldades especiais apesar dos
impulsos "inconvenientes" que apareceram.
Não diminuiu de nenhum modo sua bem desenvolvida capacidade para ser bom; em
realidade, estimulou-se mais. Dá facilmente e com alegria, se impõe sacrifícios em pró da gente
que ama; é considerado e tem "bom coração". Vemos aqui também o que aprendemos na análise
do adulto, que a análise não afeta estas formações eficazes em forma prejudicial senão que as
fortifica. Por isso me parece justificado pensar que a análise tardia também não prejudicará as
repressões, formações reativas e sublimações já existentes, senão que, pelo contrário, abrirá novas
possibilidades para outras sublimações (39). Deve mencionar-se ainda outra dificuldade com
respeito à análise tardia. Por ter trazido à consciência seus desejos incestuosos, seu apaixonado
afeiçôo pela mãe se adverte atraentemente na vida cotidiana, mas não faz nenhuma tentativa de
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ultrapassar os limites estabelecidos e se comporta igual que qualquer menino afetuoso. Sua
relação com o pai é excelente apesar (ou a causa) de sua consciência de seus desejos agressivos.
Também neste caso é mais fácil controlar qualquer emoção que se está voltando consciente, que
uma inconsciente. Simultaneamente com o reconhecimento de seus desejos incestuosos, no
entanto, está fazendo tentativas de liberar-se desta paixão e transferi-la a objetos adequados.
Parece-me que isto se infere de uma das conversas citadas na que sustentava com dolorosa emoção
que pelo menos viveria então com a mãe. Outras observações freqüentemente repetidas indicam
também que o processo de libertação da mãe já começou em parte, ou pelo menos que o tentará
(40). Portanto, pode esperar-se que conseguirá sua libertação da mãe pelo caminho adequado; isto
é, pela eleição de um objeto que se pareça à imago materna.
Também não soube de muitas dificuldades que possam surgir da análise tardia de um
menino em contato com um ambiente que pensa de outro modo. O menino é tão sensível inclusive
aos desprezos mais suaves, que sabe muito bem quando pode ser compreendido e quando não.
Neste caso o menino renunciou completamente, depois de umas ligeiras tentativas infrutuosos, a
confiar em ninguém mais do que sua mãe e eu mesma, nestes assuntos Ao mesmo tempo seguiu
confiando muito em outros com respeito a outras coisas. Também resulta ser manejável outra
questão que pode levar facilmente a inconvenientes O menino tem um impulso natural a utilizar
a análise como um recurso de prazer. Pela noite quando deveria ir dormir, afirma que lhe ocorreu
uma ideia que deve ser examinada de imediato. Ou trata de atrair o atendimento durante o dia
com o mesmo recurso, ou bem em momentos inoportunos, com sua fantasia, em resumo, trata em
diversas formas de fazer da análise o assunto de sua vida. Um conselho que me deu o doutor
Freund me proporcionou uma excelente ajuda neste assunto. Estabeleci certo horário -inclusive
ainda que tivesse que o mudar ocasionalmente- destinado à análise e ainda que por causa de nosso
estreito contato diário eu estava muito com o menino, em seguida teve adesão a isto. O menino
acedeu perfeitamente depois de umas poucas tentativas infrutuosos. Em forma similar desalentei
firmemente sua tentativa de descarregar em qualquer outra forma um pouco de a agressividade
para seus pais e para mim mesma revelada pela análise, exigi-lhe a norma habitual de modais;
nestas coisas também acedeu cedo. Ainda que se tratasse aqui de um menino maior de cinco anos
e por isso mais sensível, de qualquer modo estou segura de que com um menino menor podem
encontrar-se formas de evitar estes inconvenientes. Num menino menor não será tanto questão de
conversas detalhadas senão mais bem de interpretações ocasionais durante o jogo ou em outras
oportunidades, que provavelmente aceitará mais fácil e naturalmente do que um menino maior.
Ademais, sempre foi tarefa da criação, inclusive a habitual até agora, ensinar ao menino a
diferença entre fantasia e realidade, entre verdade e falsidade. A diferença entre desejar e fazer (e
depois também a expressão do desejo) pode vincular-se facilmente com estas diferenças. Os
meninos em geral são tão fáceis de ensinar e tão culturalmente dotados que seguramente
aprenderão com facilidade que ainda que possam pensar e desejar tudo, só uma parte pode levar-
se a cabo.
Portanto penso que não há necessidade de ter indevida ansiedade sobre estas questões.
Não há criação sem dificuldades, e seguramente as dificuldades que atuam mais bem desde afora
para adentro representam um ônus menor para o menino que as que atuam inconscientemente
desde adentro. Se um está internamente convencido de que este método é correto, então com
pouca experiência se superarão as dificuldades externas. Penso também que um menino
psiquicamente fortificado por uma análise tardia, pode tolerar com mais facilidade e sem prejuízo
os problemas inevitáveis.
Pode surgir a questão de se todo menino requer esta assistência. Indubitavelmente há uma
quantidade de adultos inteiramente sãos, excelentemente desenvolvidos, e seguramente há
também meninos que não mostram impulsos neuróticos, ou os superaram sem danar-se. De
qualquer modo, pela experiência analítica pode afirmar-se que são relativamente poucos os
adultos e meninos aos que isto se aplica. Freud em sua "Análise da fobia de um menino de cinco
anos" (41) menciona expressamente que ao menino não lhe fez nenhum dano senão que lhe fez
bem a plena consciência de seu complexo de Édipo. Freud pensa que a fobia do menino difere
das fobias extraordinariamente freqüentes em outros meninos só em que se a advertiu. Mostra
que "em certa medida representava uma vantagem para ele já que agora está quem sabe à cabeça
de outros meninos, pois não leva já dentro de si esse germe de complexos reprimidos que sempre
29
influi na vida posterior e ao que em certa medida se deve de seguro o desenvolvimento do caráter,
se não a disposição à neurose posterior".
Ademais diz Freud do que "não pode traçar-se uma neta linha divisória entre os meninos
nervosos e os normais, que a doença é uma ideia recapituladora puramente prática, que a
disposição e a experiência deve combinar-se para chegar a esta soma, que em conseqüência muitas
pessoas sãs passam à categoria de nervosas, etc. Escreve em "Da história de uma neurose infantil"
(42): "Se objetará que poucos meninos escapam a perturbações tais como rejeição temporária da
comida ou fobia a um animal. Mas este é um argumento bem-vindo. Estou preparado para afirmar
que toda neurose do adulto se erige sobre a base da neurose infantil, mas que esta última não
sempre é o bastante grave como para atrair o atendimento e ser reconhecida como tal".
Seria então aconselhável prestar atendimento aos incipientes impulsos neuróticos dos
meninos; mas se queremos deter e fazer desaparecer estes impulsos neuróticos, então se converte
numa necessidade absoluta a intervenção mais tardia possível da observação analítica e
ocasionalmente da análise. Creio que pode estabelecer-se para este assunto uma espécie de norma.
Se um menino, na época em que surge e se expressa seu interesse por si mesmo e pelas pessoas
que o rodeiam, mostra curiosidade sexual e trata passo a passo de satisfazê-la; se não mostra
inibições em isto e assimila completamente o esclarecimento recebido; se também em suas
fantasias e jogos vivência parte dos impulsos instintivos, especialmente o complexo de Édipo,
sem inibição; se, por exemplo, escuta com prazer os contos de Grimm sem manifestações
subseqüentes de angústia, e em geral se mostra bem equilibrado, então nestas circunstâncias
provavelmente poderá omitir-se a análise tardia, ainda que inclusive nestes casos não demasiado
freqüentes pudesse ser beneficamente empregado, já que poderiam superar-se muitas inibições
que inclusive as pessoas melhor desenvolvidas sofrem ou sofreram.
Elegi especialmente o escutar os contos de Grimm sem manifestações de angústia como
indicação da saúde mental dos meninos porque dos diversos meninos que conheço só muito
poucos os fazem. Provavelmente, em parte, pelo desejo de evitar esta descarga de angústia
apareceu certo número de versões modificadas nestes contos e em a educação moderna se
preferem outros contos menos terríveis, que não repercutam tanto -prazenteira e dolorosamente-
sobre os complexos reprimidos. No entanto, tenho a opinião de que com a ajuda da análise não
há necessidade de evitar estes contos senão que podem usar-se diretamente como norma e como
recurso. O medo latente do menino, dependente da repressão, manifesta-se mais facilmente com
ajuda deles e então pode ser tratado com maior detalhe na análise.
Como pôr-se em prática uma criação com. princípios psicanalíticos? O pré-requisito, tão
firmemente estabelecido pela experiência analítica, de que os pais, crianças e professores estejam
eles mesmos analisados, provavelmente seguirá sendo durante muito tempo um piedoso desejo.
Inclusive se realizasse este desejo, ainda que pudessem ter certa segurança de que se levassem a
cabo as úteis medidas mencionadas ao princípio, de qualquer modo não teríamos a possibilidade
de análise tardia. Quero fazer aqui uma sugestão que é só um conselho por necessidade atual, e
que pode ser transitoriamente eficaz até que outros tempos tragam novas possibilidades. Refiro-
me à fundação de jardins de infantes dirigidos por mulheres analistas. Não há dúvida de que uma
analista que tem sob suas ordens algumas crianças treinadas por ela pode observar a muitos
meninos como para reconhecer a conveniência de uma intervenção analítica e levá-la a cabo. Por
suposto que entre outras coisas pode objetar-se que deste modo o menino em certa medida e em
idade muito tardia ficaria psiquicamente apartado de sua mãe. Penso, no entanto que o menino
tem tanto que ganhar deste modo, que a mãe recuperaria em outros sentidos o que quem sabe
tenha perdido neste.
[NOTA, 1947. As conclusões educacionais inclusas neste artigo estão necessariamente
em relação com meus conhecimentos psicanalíticos daquele então Já que nos seguintes capítulos
não incluí sugestões sobre educação, não se vê neste volume o desenvolvimento de minhas ideias
sobre a educação, como, segundo crio, vê-se o desenvolvimento de minhas conclusões
psicanalíticas. Valeria a pena então mencionar que, se fosse eu a apresentar atualmente sugestões
pêra a educação, formularia consideráveis ampliações e também restrições às ideias apresentadas
neste artigo.]
Notas

30
(1) Conferência pronunciada na Sociedade Psicanalítica Húngara, julho de 1919. Este
artigo já estava pronto para ser publicado, e deixei as observações e inferências tal como se me
ocorreram então
(2) A pergunta foi provocada por observações ocasionais de um irmão e irmã maiores,
que lhe disseram em diferentes oportunidades: "Tu não tinhas nascido ainda". Parecia fundada
também no sentimento evidentemente doloroso de "Não ter estado sempre ali", já que em seguida
de ter-se informado e repetidamente depois, expressava satisfação ao dizer que ele de qualquer
modo tinha estado antes ali. Mas era evidente que esta não foi a única instigação para a pergunta,
já que pouco depois apareceu na forma alterada de: "Como se faz uma pessoa?" Aos quatro anos
e três meses se repetiu freqüentemente outra pergunta, durante um tempo. Perguntava: "Para que
se precisa um papai?", e (mais raramente) "Para que se precisa uma mamãe?" A contestação a
esta pergunta, cujo significado não foi reconhecido nessa época, foi que um precisava um papai
para que o quero e o cuidasse. Isto foi visivelmente insatisfatório, e com frequencia repetiu a
pergunta até que gradualmente a abandonou.
(3) Ao mesmo tempo captou algumas outras ideias que tinham sido repetidamente
comentadas no período precedente às perguntas sobre o nascimento, mas que também não
aparentemente falam ficados do tudo aclaradas. Inclusive tinha tratado de defenderas em certa
forma: por exemplo, fala tratado de provar a existência da lebre de Páscoa dizendo que os meninos
L. (colegas de jogo) também possuíam uma, e que ele mesmo fala visto ao diabo ao longe, no
prado. Era bem mais fácil convencê-lo de que o que pensou do que havia visto era um potro, que
o persuadir da falta de fundamento da crença no diabo. (
4) Aparentemente só tinha ficado convicto no assunto da lebre de Páscoa por esta
informação prevista pelos meninos L. (ainda que com frequencia lhe contassem coisas que não
eram verdadeiras). Foi quem sabe também isto o que o instigou a pesquisar mais a resposta -tão
com frequencia pedida, mas não assimilada ainda- à pergunta "Como se faz uma pessoa?"
(5) Tinha-se escapado da casa ao redor de dois anos antes, mas não se descobriu sua razão
para fazê-lo. Encontraram-no ante uma relojoaria observando cuidadosamente a vitrine.
(6) A concepção do tempo, que lhe tinha resultado tão difícil, parecia ter-se aclarado. Uma
vez, quando já tinha aparecido o crescente prazer por fazer perguntas, disse: "Ontem é o que foi
hoje é o que é amanhã é o que virá?"
(7) Repetiu esta pergunta em ocasiões durante um tempo, quando se falava de detalhes
sobre o crescimento que tinha dificuldade para compreender. "Como se faz uma cadeira?" e a
resposta, com a que estava familiarizado e pelo que já não lhe contestava, mas, parece então ter
sido uma espécie de ajuda para ele, usada como norma ou comparação da realidade do que
acabasse de ouvir. Usa a palavra "realmente" na mesma forma e com este intercâmbio o uso de
"Como se faz uma cadeira?" decresceu e cessou gradualmente.
(8) Ao redor dos três anos mostrou um interesse especial pelas jóias, particularmente as
de sua mãe (que se mantém ainda), e dizia repetidamente: "Quando for uma senhora usarei três
broches ao mesmo tempo". Com frequencia dizia: "Quando for uma mamãe...".
(9) Uma vez, quando tinha três anos, viu nu o seu irmão maior no banho e exclamou com
regozijo: "Karl também tem um pipi!" Disse então a seu irmão: "Por favor, pergunta-lhe a Lene
se ela também tem um pipi".
(10) Freud, "Formulações sobre os dois princípios do adoecer psíquico", 1911
(11) O esclarecimento que evidentemente tinha removido inibições e permitido que seus
complexos se fizessem mais conscientes, determinou ao que parece o interesse pelo dinheiro e o
entendimento de seu manejo, que agora apareciam. Ainda que tivesse expressado até agora sua
coprofilia com bastante franqueza, é provável que a tendência geral a romper as repressões, que
agora aparecia, fizesse-se sentir também em relação com seu erotismo anal, dando assim impulso
à possibilidade de sublimar no interesse pelo dinheiro.
(12) Repetidamente roga a sua irmã que fique nua e travessa só por uma vez e lhe promete
querê-la muito se o faz. Saber que papai e mamãe ocasionalmente também fazem algo mal lhe dá
grande satisfação, e uma vez disse: "Uma mamãe também pode perder coisas, não?"
(13) Também nesta época rogou a sua mãe, ocupada na cozinha, que cozinhasse o
espinafre de maneira que se convertesse em papa

31
(14) Em suas demonstrações de afeto é muito terno, especialmente para sua mãe, mas
também para outras pessoas que o rodeiam. Às vezes pode ser muito tormentoso, mas em geral é
mais afetuoso que rude. No entanto faz um tempo teve certo elemento emocional na intensidade
de suas perguntas. Seu amor por seu pai se mostrou algo exagerado ao redor do ano e nove meses.
Nessa época o queria evidentemente, mas que à mãe. Poucos meses antes disto seu pai havia
regressado depois de uma ausência de quase um ano
(15) Também antes, ainda que muito raramente, tinha falado de disparar-lhe e colar-lhe
até matá-lo, quando estava muito enojado com seu irmão. Recentemente perguntou com
frequencia a quem pode um disparar até matar, e declara: "Posso fuzilar a qualquer que queira
disparar-me".
(16) Ferenczi (1912b).A figuração simbólica dos princípios do prazer e da realidade no
mito de Edipo
(17) O Dr. Otto Gross, em seu livro: Die cerebrale Sekundarfunktion (1902), sustenta que
há dois tipos de inferioridade, um devido a uma consciência "aplanada" e o outro a uma
consciência "comprimida", cujo desenvolvimento refere a "mudanças constitucionais típicos de
funcionamento secundário".
(18) Indubitavelmente qualquer criação, inclusive a mais compreensiva, como implica
verdade monto de firmeza causará verdade monto de resistência e submissão. Assim também é
inevitável e necessário para o desenvolvimento cultural e a educação que tenha maior ou menor
monto de repressão. Uma criação fundada em conhecimentos psicanalíticos restringirá a um
mínimo este monto, no entanto, e saberá como evitar as conseqüências inibidoras e prejudiciais
para o desenvolvimento mental
(19) Ferenczi (1913).O Despertar do sentido de realidade e seus estágios
(20) Freud apresenta um exemplo particularmente esclarecedor disto em "Formulações
sobre os dois princípios do prazer psíquico" (1911).
(21) Artigo lido ante a Sociedade Psicanalítica de Berlim, fevereiro d e 1921 .
(22) Freud: "Análise da fobia de um menino de cinco anos" (1909a).
(23) Hugh-Hellmuth (1921).
(24) Tinha observado pouco antes: "Quero ver morrer a alguém; não ver a que se parecem
quando já estão mortos, senão quando se estão morrendo, então poderia ver também a que se
parecem quando estão mortos"
(25) Só desapareceu parte do sintoma de "frio no estômago", isto é, só no que se referia
ao estômago. Posteriormente, mas não com frequencia, declarava que tinha "frio na barriga". A
resistência aos pratos frios também persistiu, a antipatia que tinha aparecido nos últimos meses
antes diversos pratos em geral não foi modificada pela análise, só seu objeto variava
ocasionalmente. Pelo geral sua eliminação é regular, mas com frequencia se realiza com lentidão
e dificuldade. A análise também não produziu nenhuma alteração permanente em isto, só
variações ocasionais
(26) Abraham (1920).
(27) Uma vez disse durante o almoço: "O pudim se deslizará direito pelo caminho até o
canal", e outra vez "A geléia se vai direito ao pipí".
(29) Nesta época fez uma manhã uma "torre", como a chamou, com seus lençóis, subiu a
ela e anunciou: "Agora sou o Limpador de Chaminés e estou limpando a chaminé".
(30) Mantém-se ainda fortemente o interesse por veículos, portas, cadeados e fechaduras;
portanto, só perdeu seu caráter compulsivo e dedicação exclusiva, de maneira que também neste
caso a análise não afetou a repressão útil senão que só superou a força compulsiva.
(31) Faz pouco, especialmente durante este período de observação, mostrou em forma
ocasional, tanto em suas fantasias como em seus jogos, que se apartava, alarmado, de sua própria
agressividade. Dizia às vezes no meio de um jogo excitante de ladrões e índios, que não queria
jogar mais, que estava assustado, e por verdade que ao mesmo tempo mostrava um tremendo
esforço para ser valente. Ademais, nessa época, se tinha golpeado dizia: "Está bem, este é o
castigo porque me portei mal".
(32) Quando pequeno lhe agradava muito durante um tempo modelar em areia ou terra,
mas não por muito tempo nem persistentemente.

32
(33) Antes que começasse a análise tênia uma forte rejeição aos contos de fadas de Grimm
que, quando melhorou, converteu-se em marcada preferência
(34) Esta parece ser a razão pelo interesse que tinha manifestado recentemente na
pergunta de por que o água é liquida, e em geral por que as coisas são sólidas e líquidas. A angústia
provavelmente atuava já neste interesse.
(35) Pelo material obtido até aqui não estou segura ainda do significado do cavalo, parece
representar às vezes um símbolo masculino, outras vezes feminino
(36) Os meninos são irmão e irmã, filhos de uma família que conheço muito bem, de
maneira que tenho conhecimento detalhado de seu desenvolvimento
(37) Esta menina não pediu nunca esclarecimento sexual.
(38) Em minha experiência encontrei que externamente é pouca a mudança que parece
sofrer o educacional. Decorreram ao redor de dezoito meses desde a terminação das observações
aqui relatadas. O pequeno Fritz vai à escola, adapta-se em forma excelente a suas exigências, e é
considerado ali, como em todas as partes, um menino bem educado, desembrulhado e espontâneo,
e que se comporta adequadamente. A diferença essencial, dificilmente notável para o observador
não iniciado, jaz numa atitude básica completamente diferente com respeito à relação mestre-al.
Assim, ainda que desenvolvesse uma relação absolutamente franca e amistosa cumprem com
bastante facilidade as exigências pedagógicas que de outro modo com frequencia só atuam quando
se as utiliza autoritariamente, e com dificuldades; já que as resistências inconscientes do menino
ante isto foram superadas pela análise. Portanto, o resultado da educação ajudada pela análise é
que o menino cumpre com os requerimentos educativos habituais, mas sobre a base de orçamentos
inteiramente diferentes.
(39) Neste caso só ficou superada seu exagero e caráter compulsivo
(40) Não durante o período que abarcam estas notas, senão quase um ano depois, depois
de uma declaração de seu afeto por ela, expressou novamente a pena de não poder casar-se com
sua mãe. "Casarás-te com uma formosa jovem à que amarás quando sejas grande" -replicou a
mãe-. "Se-disse ele, já bastante consolado-, mas tem que se parecer exatamente a ti, com um rosto
como o teu e um cabelo como o teu, e deve chamar-se senhora de Walter W., igual que tu."
(Walter não é só o nome do pai senão também o segundo nome do menino.)
(41) Ou.C., t. 10 (42) Ou.C., t. 10

Biblioteca Melanie Klein

02 - Inibições e dificuldades na puberdade (1922)

É bem conhecido que ao entrar na puberdade os meninos apresentam com muita


frequência dificuldades psicológicas e notáveis mudanças em sua personalidade. Minhas
reflexões, neste trabalho, se centrarão sobre os problemas dos meninos deixando para outra
ocasião os problemas do desenvolvimento nas meninas.

As dificuldades dos meninos podem adequadamente ser atribuídas à falta de um


equipamento psíquico necessário para manejar sua maturação sexual e as mudanças físicas que
implica. Abrumado por sua sexualidade, sente-se a graça de seus desejos e de impulsos que não
pode satisfazer. Deve suportar um pesado ônus psicológico. Mas esta explicação é insuficiente
33
para um completo entendimento das preocupações e problemas profundos e variados que
encontramos nesta idade.

Alguns meninos que tinham um caráter confiável e alegre, se tornam de repente, ou bem
gradualmente, desafiantes, misteriosos, rebelam-se no lar ou na escola e permanecem imunes
tanto à ternura como à severidade Alguns perdem a ambição e o prazer de aprender e seus
fracassos escolares são motivo de preocupação. Os mestres com experiência sabem que, depois
destas condutas, há uma autoestima balançante ou danificada.

A puberdade põe de relevo um grande número de conflitos de variada intensidade,


muitos dos quais já existiam tenuemente e por isso permaneciam ocultos; agora podem aparecer
em forma extrema e inclusive atingir manifestações tais como o suicídio ou atos criminosos. Se
ademais tanto pais como mestres não são capazes de responder às aumentadas exigências deste
período, o dano que sofre o adolescente será ainda maior. Muitos pais serão permissivos com seus
filhos quando o que precisam é que se lhes ponham limites, ou bem falharão ao não os alentar
quando procuram seu apoio. Muito com frequência certos mestres, que só tomam em conta o
sucesso nos exames, descuidam pesquisar as causas dos fracassos e carecem de entendimento
frente ao esforço que estes significam.

Não há dúvida de que os adultos compreensivos facilitam o progresso do menino, mas


também é um erro subestimar os efeitos do ambiente na resolução das dificuldades. Todos os
esforços dos pais mais amantes e compreensivos podem fracassar devido à ignorância de que é
que atormenta ao menino; do mesmo modo, os mestres mais experimentados e hábeis se verão
desorientados se não sabem que é o que sucede depois dos problemas do adolescente.

Portanto, resulta urgência em pesquisar além dos acontecimentos físicos e mentais


óbvios, em áreas que são desconhecidas tanto para o adulto como para o próprio menino; em
outras palavras, devem-se descobrir as causas inconscientes mediante a inapreciável ajuda da
psicanálise, que tanto nos ensinou ao respeito.

Freud reconheceu ao tratar adultos neuróticos, a enorme importância da neurose infantil.


Tanto ele como seus discípulos recolheram, ao longo de muitos anos de tratar adultos, provas
convincentes de que a etiologia da doença mental deve procurar-se na temporã infância. É nessa
época quando se forma o caráter e se estabelecem os fatores patológicos
que mais tarde provocam a doença, quando determinadas situações a desencadeiam atuando sobre
uma estrutura psíquica instável. É evidente como meninos que pareciam sãos ou no máximo algo
nervoso pode sofrer depois sérios problemas em condições de certa exigência. Nesses casos se
põe de manifesto que a fronteira entre "são" e "enfermo", "normal" e "anormal" nunca foi bem
definida. Esta fluidez dos limites é um caráter geral que constitui uma das mais importantes
descobertas de Freud, que estabeleceu que a diferença entre "normal" e "anormal" é só
quantitativa e não de estrutura, achado empírico constantemente confirmado em nosso trabalho.

Como consequência de nosso prolongado desenvolvimento cultural, estamos dotados


desde o nascimento da capacidade de reprimir os instintos, os desejos e sua imaginação, isto é,
radiá-los da consciência e afundá-los em nosso inconsciente. Ali permanecem vivos e ativos, com
toda sua potencialidade de provocar, se a repressão fracassa uma ampla variedade de doenças. As
forças da repressão atuam principalmente sobre os instintos mais proibidos, especialmente os
sexuais. A "sexualidade" deve ser compreendida em seu sentido mais amplio, tal como a definiu
a psicanálise. A teoria de Freud nos ensina que a sexualidade é ativa desde o começo da vida,

34
procurando o prazer em seus começos mediante os "instintos iniciais", sem estar ao serviço da
procriação como no adulto.

Os desejos sexuais infantis e suas fantasias se vinculam com os objetos mais próximos
e significativos, isto é, os pais, especialmente o do sexo oposto. Todo menino normal
experimentará um apaixonado amor por sua mãe e declarará seu desejo de desposá-la, pelo menos
alguma vez entre os três e os cinco anos de idade. Se tiver uma irmã, esta substituirá cedo à mãe
como objeto desejado (1).

Estas declarações, que ninguém toma em sério, evidenciam desejos e paixões que, ainda
que inconscientes, têm grande importância para seu desenvolvimento. Sua natureza incestuosa
evoca uma severa constrição social, dado que sua realização causaria regressão e dissolução
culturais. Portanto, estão destinadas a ser reprimidas e a formar no inconsciente o complexo de
Édipo, ao que Freud denominou complexo nuclear das neuroses. A mitologia e a poesia (2)
demonstram a universalidade dos desejos que conduziram a Édipo a matar a seu pai e a cometer
incesto com sua mãe, e a psicanálise, tanto de pessoas enfermas como sãs, revela que existe na
vida fantasiosa de todos.

A tempestuosa corrente instintiva que surge na puberdade incrementa as dificuldades


do adolescente com seus complexos e então este pode desfalecer a batalha entre os desejos e
fantasias que tratam de ser admitidos na consciência e as forças repressivas do eu esgotam suas
forças. O fracasso do eu pode causar-lhe problemas e inibições de toda índole e ainda doenças.
Em circunstâncias favoráveis, as forças em luta conseguem um verdadeiro equilíbrio. O resultado
final determinará para sempre as características de sua vida sexual, sendo, portanto decisivo para
seu futuro desenvolvimento, sobretudo se tem em conta que a tarefa a cumprir durante a
puberdade é organizar os incoerentes instintos parciais do menino para as funções pro criativas.
O menino deve separar-se internamente dos laços incestuosos que o unem a sua mãe, conquanto
eles constituam a base do modelo de seu futuro amor. Também é necessário um verdadeiro grau
de separação externa de sua fixação aos pais, para converter-se num homem ativo, vigoroso e
independente.

Não é estranho, o indivíduo que na puberdade deve realizar a onerosa tarefa proposta
por seu desenvolvimento psicosexual possa chegar a sofrer de inibições mais ou menos
duradouras. Muitos mestres experimentados nos informam que os meninos difíceis, quando
amadurecem se tornam bons, amáveis e trabalhadores, parecem sofrer de uma diminuição de sua
vitalidade, curiosidade e receptividade prévias.

Que podem fazer os pais e mestres para ajudar aos meninos em sua luta? O fato de
compreender os motivos de seus problemas tem por si mesmo um efeito favorável sobre o trato.
A dor e a irritação logicamente causadas por suas atitudes desafiantes, seu desamor e má conduta,
serão mais toleráveis. Os mestres reconhecerão a transferência para eles da rivalidade edípica do
menino com seu pai. Na análise de meninos adolescentes se podem observar com quanta
frequência os mestres se convertem em objetos de excessivo amor e admiração, bem como de
ódio e agressão inconscientes. O arrependimento e a culpa que lhes ocasionam estes últimos
sentimentos também fazem parte da relação com o mestre.

A escuridão e confusão de suas emoções podem causar no menino um desgosto que às


vezes chega até o martírio pela escola e por tudo o que seja aprendizagem. A bondade e
entendimento do mestre podem ajudá-lo, e a inalterável confiança deste pode fortalecer a

35
autoestima do menino e moderar seus sentimentos de culpa. Uma situação favorável nestas
circunstâncias se produz quando tanto os pais como os mestres puderam conseguir um clima de
liberdade para falar sobre os problemas sexuais, desde que o menino deseje. As advertências
ameaçadoras sobre questões sexuais, especialmente a masturbação, prática universal durante a
puberdade, naturalmente devem ser evitadas. É muito maior o dano do que elas causam do que
qualquer benefício concebível.

Lily Braun, em seu magnífico livro Memórias de uma socialista, descreve como tratou
durante sua gravidez de criar uma relação amistosa com seus filhos adolescentes para esclarecê-
los sexualmente. Suas tentativas foram recusadas zombadoramente, e essa pode ser a sorte que
corram os mais talentosas tentativas de educação sexual. A rejeição ou a reserva podem ser
insuperáveis. As oportunidades de educar aos meninos cedo nunca voltarão a apresentar-se, mas
se tenta, é possível aliviar e até fazer desaparecer muitas dificuldades.

Tendo esgotado estes recursos nada mais podem fazer os pais e mestres, pelo que deverá
procurar-se então uma assistência mais eficaz. Esta se encontrará na psicanálise, cuja ajuda
permitirá procurar a causa dos problemas e remover suas malvistas conseqüências. A técnica
psicanalítica, afinada através dos anos, permite descobrir as causas, fazê-las conscientes e ajudar
assim a conseguir um equilíbrio entre as demandas conscientes e inconscientes. Meu trabalho
com meninos me convenceu de que a psicanálise de meninos e de adolescentes, corretamente
conduzida, não é mais perigosa para um menino que para um adulto. A tão estendida preocupação
de que a psicanálise diminui a espontaneidade dos meninos é refutada pela prática. Pelo contrário,
muitos meninos recuperaram sua alegria, perdida no poço de seus conflitos, graças à análise.
Ainda a uma idade muito temporã a análise não causa dano nem converte aos meninos em seres
associais e incivilizados, senão que, inversamente, ao liberá-los de suas inibições, permitem-lhes
o pleno uso de todos seus recursos emocionais e intelectuais, postos ao serviço de seu
desenvolvimento cultural e social.

Notas

(1) Meta Schoepp em seu livro My book and I (Berlim, Conkordia, Deutsch Verlaganstalt, 1910;
Mein Junge und Ich) brindou-nos um formoso exemplo do romance de um menino com sua mãe
e de seus ciúmes do pai. Um tema similar aparece em The Book of my little brother de Geiretam
(Berlim, Verlag Fischer, Dás Buch vom Buederchen).

(2) Bastarão algumas citações de um rico acervo de material ilustrativo: "Se o pequeno
selvagem fosse livrado os seus impulsos e pudesse integrar a força de sua paixão dos trinta com
a sem razão da infância, mataria a seu pai e desonraria a sua mãe" (Diderot: O sobrinho de ameau
). "Chamei muito próximo de seu enchido coração: a castidade decreta que se devem recusar os
desejos da Natureza ser o rival do pai, ser o amante da mãe" (Lessing: Graugir) Eckerman
considerava em Conversas com Goethe, 1827, que só o amor de uma menina por eu irmão pode
ser puro e asexual. "Crio, disse Goethe, que o amor de duas irmãs é ainda, mas puro e casto. Pelo
que sabemos podem ter existido inumeráveis instâncias de inclinações sensuais entre irmãos e
irmãs que podem ter sido conscientes ou desconhecidas para ambos". "Amada... como chamar-
te? Precisaria uma palavra que incluísse o significado de Amiga, Irmã, Adorada, Noiva e Esposa"
(Carta à Condesa/ Auguste zu Stolberg, 26/1/1775). Estas citações oram tomadas do livro de Otto

36
Rank, Dás Inzestmotiv in Dichtung und Sage, Liepzig e Viena, Deutike, 1912. Nele trata
exaustivamente a influência do complexo de Édipo na mitologia e a poesia.

Biblioteca Melanie Klein

03 - O papel da escola no desenvolvimento libidinal da


criança (1) (1923)

[NOTA, 1947. Este capítulo deve ler-se junto com o seguinte -"Análise infantil"-, que desenvolve
temas conexos e se baseia, em grande parte, no mesmo material.]

O fato de que na angústia de exame, como nos sonhos de exame, a ansiedade está deslocada do
sexual ao intelectual, é bem conhecido na psicanálise. Sadger demonstrou em seu trabalho "Über
Prüfungsangst und Prüfungstráume" (2) que o temor ao exame, nos sonhos e na realidade, é temor
à castração.

A conexão entre a angústia de exame e inibições na escola arroja uma nova luz sobre este ponto.
Assim mesmo são significativas as diferentes formas e graus de aversão à aprendizagem que
oscila entre um marcado desagrado e uma mera "preguiça" que nem o menino nem as pessoas
que o rodeiam tivessem reconhecido como rejeição ao colégio. A escola significa uma nova
realidade que o menino deve encarar em sua vida e, com frequência, é percebida como muito
severa. A forma em que ele se adapta a estas exigências costuma ser típica de sua atitude frente
às exigências da vida em geral.

O papel extremamente importante da escola se baseia geralmente no fato de que está desde um
princípio libidinalmente determinado para cada indivíduo, já que por suas exigências obriga ao
menino a sublimar suas energias instintivas libidinais. A sublimação da atividade genital,
sobretudo, influi em forma decisiva no estudo de algumas matérias, que, portanto estariam
correlativamente inibidas pela angústia de castração

Ao começar a escola, o menino sai do ambiente que construiu a base para suas fixações e formação
de complexos, e se encontra frente a novos objetos e atividades nas quais deve agora por a prova
a mobilidade de sua libido. No entanto, é sobretudo a necessidade de fazer ativamente e abandonar
uma atitude mais ou menos passivo-feminina, até agora a única possível para ele, o que confronta
ao menino com uma nova tarefa que com frequência lhe resulta insuperável.
37
A seguir, discutirei em detalhe uns exemplos tomados de várias análises, do significado libidinal
da ida à escola, do edifício, do professor e das atividades na escola.

O Félix, de treze anos, desagradava-lhe a escola em geral. Em vista de seus grandes dotes
intelectuais, sua aparente falta de interesse chamava a atenção. Em sua análise relatou um sonho
que tinha tido aproximadamente aos onze anos, pouco depois da morte do diretor da escola. Estava
em caminho à escola e se encontrou com sua professora de piano. A escola estava ardendo; os
ramos das árvores na rua se tinham queimado por completo, mas os troncos ficavam direitos.
Caminhou pelo edifício incendiado com sua professora de música e saíram ilesos, etc. A
interpretação completa deste sonho só se conseguiu muito depois quando o significado da escola
como mãe e do professor e o diretor como pai surgiram na análise. Darei um ou dois exemplos
disto que se vira em sua análise. Queixou-se de que até a data não tinha podido superar a
dificuldade, que tinha tido desde o primeiro momento, de por-se de pé quando se lhe chamava a
dar a lição. A isto associou que as meninas se põem de pé em forma muito diferente dos moços e
mostrou a maneira destes por um movimento com as mãos que indicava a região genital e
evidenciava claramente a forma do pênis em ereção. O desejo de conduzir-se com o professor
como uma menina expressava sua atitude feminina para o pai; e se pôde comprovar que a inibição
associada com o ato de levantar-se estava determinada pelo temor à castração que influiu em toda
sua atitude subseqüente para a escola. Uma vez na escola, vendo ao professor de pé e apoiado
contra a escrivaninha, se lhe ocorreu que este podia cair-se, voltar à escrivaninha rompendo-o, e
prejudicando-se ele ao mesmo tempo. Isto demonstrou o significado do professor como pai e da
escrivaninha como mãe (3), e conduziu a sua concepção sádica do coito.

Relatou a forma em que os moços se tinham "soprado" e ajudado num exercício de grego, apesar
da vigilância do professor. Seus conhecimentos novos lhe levaram a fantasiar sobre como podia
arrumar-se para conseguir uma posição melhor na classe (4). Fantasiou a forma em que atingiria
aos alunos melhores que ele, para depois deslocá-los e matá-los, e com grande surpresa se deu
conta de que já não lhe pareciam parceiros, como até então, senão inimigos. Ao fim, quando ao
deslocá-los conseguia o primeiro posto e chegava assim até o professor, na classe ficaria só este
com uma posição melhor do que a sua, mas a ele não seria possível fazer-lhe nada (5).

A aversão de Fritz à escola (6), que ainda não tinha cumprido sete anos e que se revelou na análise
como angústia, incluía a ida à escola (7). Quando no curso da análise o prazer pela escola
substituiu à angústia contou-me a seguinte fantasia: "Os escolares sobem pela janela da sala de
aula onde se encontra a professora. Um dos meninos era tão gordo que não podia entrar pela janela
e, portanto, estava obrigado a aprender e a escrever suas lições na rua, frente à escola” A este
menino Fritz lhe chamava o Bobo e o qualificou de muito engraçado. O Bobo não tinha ideia, por
exemplo, do gordo e engraçado que parecia ao saltar, e lhes provocava tanta graça a seus pais e
irmãos, que os últimos se caíam de riso pela janela e seus pais quicavam repetidas vezes contra o
teto por causa de seu riso. Ao fazer isto, finalmente se golpeavam contra um formoso balão de
cristal que estava no teto, que se rachava, mas não se rompia. Pôde-se comprovar que do mesmo
modo que Kasperle, o Bobo, representava o pênis (8) penetrando no corpo da mãe.

No entanto, a professora também é para ele mãe castradora com pênis, e associou, a sua dor de
garganta, a fantasia de que a professora o tinha estrangulado com umas rédeas e posto um freio,
como se fosse um cavalo.

Em sua análise, Grete, de nove anos, contou-me como se tinha impressionado ao ver e ouvir entrar
uma carroça no pátio da escola. Em outra ocasião, falou de uma carroça cheia de doces que não
38
se atreveu a comprar, porque sua professora passava nesse momento. Descreveu estes doces como
certa classe de algodão, algo que lhe interessava muitíssimo, mas que não se atrevia a pesquisar.
Ambas as carroças resultaram ser recordações encobertas de suas observações infantis do coito,
e o algodão doce, cuja definição lhe tinha sido difícil, representava o sêmen. Grete cantava como
primeira voz no coro da escola; a professora se acercou a ela e lhe olhou a boca. Em seguida a
menina sentiu uma necessidade irresistível de beijá-la e abraçá-la. Comprovou-se nesta análise
que a tartamudez da menina se devia à sexualização tanto do falar como do cantar. O subir e
baixar a voz e os movimentos da língua representava o coito (9).

Ernest, de seis anos, devia cedo começar a escola. Durante a hora analítica jogou a ser pedreiro.
Interrompendo a fantasia de construir casas, que associou com seu jogo (10), falou de sua futura
profissão. Queria ser "aluno" e também ir depois à escola técnica. Quando lhe observei que isso
não seria senão uma preparação para uma profissão, contestou muito enfadado, que não queria
pensar numa profissão para si mesmo, pois sua mãe, talvez, não estaria de acordo e que, de todos
os modos, estava enojada com ele. Um pouco mais tarde, continuando com a fantasia de construir
casas, perguntou de repente: "É, em realidade, escola de pátio ou escola técnica?" Hofschule ou
Hochschule.

Estas associações demonstraram que ser aluno significava para ele aprender tudo a respeito do
coito e que exercer uma profissão significava levá-lo a cabo (11). De aqui que, em sua construção
de casas, fosse somente o pedreiro que, ademais, requeria a direção do arquiteto e a ajuda de
outros pedreiros. Em outra ocasião, empilhou as almofadas de meu divã e sentando-se em cima,
começou a brincar ser um sacerdote no púlpito que ao mesmo tempo era um professor, pois estava
rodeados de estudantes imaginários, os que deviam aprender ou adivinhar um pouco de os gestos
do sacerdote. Durante esta atividade, levantava os dois dedos índices, depois esfregava suas mãos,
a uma contra a outra (que segundo ele significava lavar roupa ou esquentarem-se as mãos), e
constantemente saltava em seus joelhos sobre as almofadas. A análise tinha demonstrado como
estes, que tinham constantemente um papel em seus jogos, representavam o pênis (materno), e os
variados gestos do sacerdote, o coito. O sacerdote que faz gestos, mas que não dá explicação
alguma aos estudantes representa o pai bom que instruía a seus filhos a respeito do coito ou,
melhor dito, permite-lhes presenciá-lo (12).

Os exemplos que se dão a seguir demonstram que as tarefas escolares significam o coito ou a
masturbação. O pequeno Fritz aprendia com muito prazer e tinha tanto afã de saber, que antes de
começar a escola tinha aprendido a ler só. No entanto, muito cedo evidenciou um grande
desagrado pela escola e mostrou forte aversão por todas suas tarefas. Fantasiava repetidamente
com as "tarefas difíceis" que faziam cumprir nas penitenciarias. Disse que uma destas tarefas era
a obrigação de construir uma casa só, sem ajuda, em oito dias (13). No entanto, também
qualificava de "difíceis" suas tarefas escolares, e ma vez disse que um dever era tão difícil como
construir uma casa. Numa fantasia também eu fui encarcerada, obrigada a levar a cabo tarefas
difíceis, isto é, construir uma casa em poucos dias, e encher um caderno em poucas horas.

Félix se encontrava gravemente inibido para todas as tarefas da escola. Deixava seus deveres sem
fazer até a manhã seguinte, ainda que sentisse reproches de consciência. Ao outro dia tinha
grandes arrependimentos por não os ter feito a noite anterior, mas lia os diários e deixava de novo
seus deveres até o último momento. Depois estudava de pressa, uma e outra lição, não
completando nenhuma, e se ia à escola, onde copiava alguma coisa, com desagradável sentimento
de insegurança. Descreveu o que sentia, ao fazer um exercício da escola, na seguinte forma: "Ao
princípio sente muito medo, logo começa, e, bem que mal, segue; e ao terminar, se sente um
39
pouco mau". Falando de um dever, disse-me que para livrar-se cedo dele, começou a fazê-lo muito
depressa, escreveu mais e mais ligeiro e depois mais e mais lento, até que finalmente não pôde
terminá-lo. Isto de ir "mais e mais ligeiro, mais e mais lento e não terminar" o tinha empregado
na descrição de suas tentativas de masturbação, que tinha começado nesta época, sob a influência
da análise (14). Ao ter maior sucesso na masturbação, seus estudos melhoraram, e, repetidamente,
pudemos comprovar sua atitude masturbatória pela forma em que se comportava em suas lições
e exercícios (15). Geralmente, também, Félix copiava a lição de um colega e, portanto, quando o
fazia com sucesso, até certo ponto, tinha-se assegurado um aliado contra o pai, além de diminuir
o valor, e também a culpa, de sua façanha.

O "Excelente" escrito por sua professora ao pé de um dever era para Fritz, uma valiosa posse. Em
ocasião de um crime político sofreu pesadelos; disse que os assassinos podiam atacá-lo
repentinamente, como o tinham feito com o político assassinado e que lhe despojariam de sua boa
nota, como tinham querido despojar àquele de suas condecorações. As condecorações, boas notas,
e também o boletim da escola tinham o significado de pênis para ele, isto é, a potência que a mãe
castradora (como lhe parecia a ele sua professora) devolvia-lhe.

Para o pequeno Fritz as linhas na caligrafia, representavam ruas pelas quais vão as letras montadas
em motocicletas (a pluma). Por exemplo, a "i" e a "e" montam juntas numa motocicleta,
geralmente conduzida pela "i", e se amam, com uma ternura desconhecida no mundo real. Por
andar sempre juntas, voltaram-se tão parecidas que quase não há diferença entre elas, pois o
começo e o fim (falava das letras minúsculas do alfabeto latino) da "i" e a "e" são iguais, e só no
meio a "i" tem um palito e a "e" um buraco. Quanto à "i" e a "e" góticas, explicou que também
monta em motocicleta e que a única diferença é como se fosse outra marca de motocicleta, na
qual a "e" tem uma caixa, em vez do buraco da "e" latina. As "ís" são hábeis, distintas e
engenhosas, têm muitas armas pontiagudas e vivem em cavernas, entre as quais também há, no
entanto, montanhas, jardins e portos. Elas representam o pênis e seu caminho, o coito. Por outro
lado, as "es" são qualificadas de estúpidas torpes, preguiçosas e sujas. Vivem em grutas
subterrâneas. No povo das "L" se acumula o lixo e os papéis nas ruas; nas casas magras misturam
uma anilina, comprada no país de "I" com água, que depois bebem e vendem por vinho. Não
podem caminhar bem, nem podem cavar, porque sustentam a pá ao revés, etc. Era vidente que as
"es" representavam fezes. Existiam numerosas fantasias relacionadas também com outras letras
(16).

Assim, em lugar da "rr" sempre escrevia uma só "r", até que uma fantasia deu a explicação e
solução desta inibição. Uma "r" era ele mesmo e a outra seu pai. Deviam embarcar-se juntos numa
lancha a motor, ou seja, a pluma, num lago que era o caderno. A "r", que lhe apresentava a ele
mesmo, embarcou-se na lancha que lhe pertencia à outra "r" e, rapidamente, foi-se navegando
pelo lago. Por esta razão não escrevia as duas "r" juntas. O emprego freqüente da "r" minúscula,
em lugar da maiúscula foi determinado pelo fato de que a parte da "r" maiúscula, que suprimia,
era para ele "como se lhe tirasse o nariz a alguém. Resultaram serem os desejos de castração
contra seu pai, os que originaram este erro de ortografia, o qual desapareceu depois desta
interpretação.

Pouco depois de começar as classes, coisa que tinha esperado com muita alegria, Ernest, de seis
anos, demonstrou uma marcada aversão a seus estudos. Falou-me da letra "i" que estavam
aprendendo e que tinha dificuldades para ele. Também soube que o professor lhe colou a um
menino maior do que ele, que devia demonstrar no chão como formar a letra "i", porque não o fez
o suficientemente bem. Outra vez se queixou de que "as lições são tão difíceis" e que, ao escrever,
40
sempre devia fazer pacotes para acima e para abaixo, em aritmética desenhar bancos e, em fim,
que devia escrever segundo o desejo do professor que o contemplava. Depois de dar esta
informação, demonstrou marcada agressividade; tirou as almofadas do divã, arrojando-os ao outro
extremo do quarto. Começou a folhear um livro e me mostrou "um camarote de 'I'“."Um
camarote" era algo "dentro do qual um estava só"; a I"
maiúscula está só dentro e ao redor há somente letras negras que lhe recordam fezes. A "I"
maiúscula é o popöchen (pênis) grande que quer estar só dentro de mamãe e que ele não tem e,
portanto, deve tirar-se a seu papai. Depois fantasiou que lhe cortava o popöchen (pênis) a seu
papai com uma faca e que este lhe tirava o seu com uma serra; no entanto, resultava que ele tinha
o de seu papai. Então lhe cortava a cabeça a seu papai, depois do qual o último já não lhe podia
fazer nada, porque não podia ver; não obstante isso, os olhos na cabeça o viam. Em seguida se
ocupou intensamente da leitura, evidenciando grande prazer ao fazê-lo. A resistência tinha sido
vencida. Voltou a colocar as almofadas em seu lugar, explicando que também tinham "subido e
baixado" uma vez, isto é, tinham feito a viagem desde o divã até o outro extremo do quarto e a
volta. Para poder efetuar o coito lhe tinha tirado o pênis (as almofadas) à mãe.

Lisa, de dezessete anos, relatou, em suas associações, que a ela não lhe agradava a letra "i", pois
era um saltimbanco tonto, que sempre se ria, que não se precisava para nada no mundo e que a
fazia enfurecer, coisa que era incompreensível para ela. Elogiou a letra "a" por ser uma letra séria
e decorosa; impressionava-lhe muito e suas associações conduziram a uma clara imago paterna,
cujo nome também começa com "a". Depois pensou que depois de todo a "a" era talvez um pouco
demasiado séria e decorosa e deveria ter, pelo menos, um pouco da "i" saltaria. A "a" representava
o pai castrado, mas ainda assim inflexível; a "i" era o pênis.

Para Fritz o ponto da "i" como, em geral, o ponto e o ponto e vírgula, era um empuxo do pênis
(17). Quando numa ocasião, disse-me que se devia apertar forte no ponto, ao mesmo tempo
levantou e deprimiu a pélvis, ação que repetiu ao chegar no ponto e vírgula. Com a curva da letra
"ou", Grete, de nove anos, associou a curva do jorro de urina dos varões, que ela tinha visto. Tinha
especial preferência por desenhar formosas espirais que, se for o caso, representavam partes dos
genitais masculinos. Pela mesma razão Lisa sempre omitia os enfeites. Grete tinha muita
admiração por uma amiga que podia sustentar sua pluma reta entre seus dedos índice e maior,
como um adulto e que também podia fazer a curva
da "ou" ao revés.

Pude observar, tanto em Ernest como em Fritz, que a inibição com respeito à escritura e a leitura,
ou seja, a base de toda atividade escolar posterior, procedia da letra "i" que, com seu singelo
movimento de "subir e baixar", é verdadeiramente a base da escritura (18).

O significado simbólico-sexual da pluma é evidente nestes exemplos e é especialmente claro nas


fantasias de Fritz, para quem as letras montam em motocicleta (a pluma). Pode observar-se como
o significado simbólico-sexual da pluma vai resistindo o ato de escrever, descarregado por esta.
Na mesma forma, o significado libidinal da leitura se deriva da catexia simbólica do livro e o
olho. Por suposto, aqui atuam outros fatores que surgem dos instintos parciais como, por exemplo,
o olhar, na leitura e tendências exibicionistas sádicas agressivas, na escritura. É provável que o
significado simbólico-sexual da lapiseira tenha sua raiz no significado da arma e a mão. De acordo
com isto também a atividade de ler é mais bem passiva e a de escrever, mais bem ativa; e são
também significativos, para a inibição de uma atividade ou a outra, as diferentes fixações nas
etapas pré-genitais da organização.
41
O número "1" para Fritz é um cavaleiro que vive num país caloroso e, portanto, anda nu,
tampando-se unicamente em tempo chuvoso com uma capa. É um hábil ginete e condutor, possui
cinco punhais, é muito valente, etc., e cedo surge evidente sua identificação com o "Geral Pipi"
(o pênis) (19). Os números, em geral, são para Fritz gente que vive num país muito caloroso.
Correspondem às raças de cor, enquanto as letras são os alvos. Para Ernest, o "subir e baixar" do
"1" é idêntico ao da "i". Lisa me relatou que fazia "só uma curva curta" para o número "1", o que
era determinado também por seu complexo de castração. Seria, portanto, o pênis que é
representado simbolicamente pelo número "1" e que constitui a base para contar em aritmética.
Na análise de meninos, observei repetidas vezes que o significado do número "10" era
determinado pelo número de dedos; pelo qual inconscientemente estes se equiparam ao pênis.
Desta fonte, o número "10", deriva o afeto de que está revestido. De aqui também surgiram às
fantasias de que é necessário repetir o coito 10 vezes ou fazer 10 movimentos com o pênis para a
procriação de um menino. O significado especial do número "5" (20), comprovado repetidamente,
é análogo. Abraham assinalou que o número "3", como símbolo do complexo de Édipo,
determinado pela relação pai, mãe e filho, é mais significativo do que o emprego muito freqüente
do "3" para os genitais masculinos (21). Exporei um só exemplo disto:

Lisa considerava insuportável também o número "3" porque "um terceiro, por suposto, sempre
está a mais" e "dois podem correr carreiras" tendo como meta uma bandeira, mas um terceiro
seria abelhudo. Disse-me Lisa, a quem lhe agradava a matemática, mas que tinha uma grande
inibição frente a esta matéria, que, em realidade, podia captar unicamente a ideia da adição; ela
podia compreender que "1" se pode unir com outro, quando ambos "são iguais", mas como
podiam somar-se quando eram diferentes? Esta ideia provia de seu complexo de castração e
concernia à diferença entre os genitais masculinos e femininos. Comprovou-se que a ideia de
"adição" estava determinada, para ela, pelo coito paterno. Por outra parte, podia entender
perfeitamente que na multiplicação se tomavam coisas diferentes e que então o resultado era
também diferente. O "resultado" é o menino Quanto a ela mesma só se animava a reconhecer o
genital masculino deixando os femininos para suas irmãs.

Ernest trouxe uma caixa de bolinhas a sua sessão analítica. Separou-as de acordo com as cores e
começou a fazer contas com elas (22). Queria saber quanto "1 é menos do que 2", e tentou
solucioná-lo primeiro com as bolinhas e depois com seus dedos. Demonstrou-me, com um dedo
levantado e outro meio levantado, que se tirava o dedo levantado, então, por suposto, um ficava
com "0", mas que, de todos os modos, ficava o "outro" (o meio levantado) que um ainda podia
tirar. De novo me mostrou com seus dedos que 2 e 1 são 3 e disse:

"O '1' é meu popöchen (pênis) e os outros popöchen (pênis) de papai e mamãe que eu tirei para
mim. Agora mamãe lhes tirou os dois popöchen (pênis) a seus filhos outra vez e eu se os tiros de
novo a ela; então tenho cinco".

Durante a sessão, Ernest traçou "linhas duplas" numa folha de papel, dizendo-me que, segundo
dizia sua professora, podia-se escrever melhor entre linhas duplas. Pensava que é ou seria porque
dessa maneira tinha duas linhas e associou que eram dois os popöchen (pênis) que se possuía.
Depois, com traços verticais, fazia das linhas duplas "caixas duplas" e disse: "Mas não convém
tanto ter 'caixas duplas' quando se fazem contas, porque assim as caixas são menores e é mais
difícil pôr os números dentro delas". Também me demonstrou o que queria dar-me a entender e
escreveu a conta "1 + 1 = 2" dentro das "caixas". A primeira caixa onde escreveu o "1" era maior
que as outras. Então me disse: "o que vem agora tem uma caixa menor; é o popöchen (pênis) de
mamãe" agregou e (assinalando o primeiro "1", "esse é o popöchen (pênis) de papai e entre eles,
42
o mais (+), sou eu". Aclarou que o traço horizontal do signo + (que ademais fez muito curto) não
lhe concernia em absoluto; que ele e seu popöchen (pênis) eram o traço vertical. Também para
ele a soma representa o coito entre os pais.

Em outra oportunidade começou a sessão com a pergunta de se ele deveria contar "quanto resulta
'10 + 10' ou '10 - 10"'. (O temor à castração que surge do número "1" se encontra deslocado ao
número "10".) Queria reasegurar-se de que tinha "10 pênis" (dedos) a sua disposição. Juntamente
com esta pergunta, tentou escrever, numa folha, os números mais enormes possíveis do que eu
tinha do que solucionar. Depois explicou que uma fileira de números que fez de vários "1" e "0"
alternados (100010001000), era tipo gegentorische (gegen: contra; tor: portão) de aritmética. Isto
o aclarou contando-me que tinha um povo (sobre o que tinha fantasiado antes) que tinha muitos
portões porque todas as janelas e aberturas também se chamavam portões. Também tinha muitos
transportes ferroviários (23) neste povo. Então me demonstrou que quando ele se punha num
extremo do quarto, uma fileira de círculos que diminuíam em tamanho se estendia desde a parede
oposta até ele. A estes círculos os chamou "portões" que deram origem à fileira de números "1" e
"0", que tinha feito na folha. Depois me demonstrou que podia pôr um "1" contra outro. Na figura
que resultou a letra "M" latina, traçou também um pequeno círculo, explicando: "Agora também
está o portão". O "1", alternado com os zeros, representa o pênis (Gegentor: pênis). "0" era a
vagina, tendo muitos círculos, porque naturalmente o corpo também tem muitas aberturas
(portões).

Quando me tinha explicado esta aritmética gegentorische, tomou um chaveiro, passou uma
forquilha pela argola e me mostrou, com alguma dificuldade, que a forquilha "ao fim estava
adentro", mas que, ao fazer isto, "tinha que dividir e partir a argola", o que conduziu de novo a
seu conceito sádico do coito. Explicou, ademais, que esta argola, que também era como um "0",
em realidade só era uma peça reta, dobrada para formar o círculo. Aqui, como também em outras
expressões suas, era evidente a influência do conceito do pênis materno, e de um oculto na vagina
que ele devia rasgar ou destruir durante o coito (24). Conectado com isto e com as fantasias de
aritmética descritas, apareceu na análise uma agressividade especial. Como sempre, começava
por tirar as almofadas do divã e saltar em cima deles e também do divã, com os dois pés. Durante
a análise, a castração da mãe constantemente podia comprovar-se, e o coito com ela estava
associado a isso. Imediatamente começava a desenhar.

Fritz tinha uma marcada inibição frente às contas de dividir, toda explicação resultava inútil, pois
as entendia perfeitamente, mas, apesar disso, os exemplos sempre saíam mal. Explicou-me uma
vez que para fazer a divisão, primeiro devia baixar o número que precisava. Para fazer isto ele
subia, agarrava-o do braço e o atirava para abaixo. Quando lhe perguntei que pensava o número
desse tratamento, contestou-me que seguramente não era agradável para o número; era como se
sua mãe estivesse paragem numa pedra de 13 metros de altura e alguém viesse e a agarrasse do
braço, rasgando-a e dividindo-a. Pouco antes tinha fantasiado com uma mulher, no circo, a quem
tinham destroçado com uma serra e que, apesar disso, reviveu; agora me perguntou se isto era
possível. Depois me relatou (também em conexão com uma fantasia previamente elaborada) que,
em realidade todo menino quer ter um pedacinho de sua mãe, a quem se deve cortar em quatro
partes; demonstrou exatamente como gritava como lhe enchiam a boca de papel, para que não
gritasse as caretas que fazia etc. Um menino tomava uma faca muito afiada e a destroçava;
primeiro atravessando os peitos, depois a barriga e, finalmente ao longo, para que o "pipi" (pênis),
a cara e a cabeça ficassem divididas exatamente no meio com o qual lhe tiravam o sentido (25)
da cabeça. Depois a cabeça se voltava a cortar obliquamente e o "pipi" na largura. Enquanto fazia

43
esta descrição, mordia-se a mão constantemente e disse que se divertia mordendo-a a sua irmã,
mas que o fazia com carinho. Prosseguiu dizendo que cada menino, então, tomava a parte da mãe
que queria e, adicionou, que também se a comiam. Surgiu então que sempre confundia o restante
com o quociente na divisão e que sempre os colocava em lugar equivocado porque, por suposto,
inconscientemente se tratava de pedaços de carne sangrentos. Com estas interpretações
desapareceram por completo suas inibições (26).

Em suas recordações do colégio, Lisa se queixava da insensata que era a professora ao permitir a
meninos tão pequenos fazer aritmética com números tão grandes. Sempre lhe tinha parecido tão
difícil a ela dividir um número bastante grande por outro menor, mas também grande; e era
especialmente difícil se ficava um resíduo. Imediatamente associou a um cavalo, um animal
horrível com uma língua colante e tronca, orelhas cortadas, etc., que queria saltar uma grade; esta
ideia acordou nela as mais violentas resistências. Depois seus pensamentos conduziram a uma
recordação infantil de um bairro velho de sua cidade natal, onde ela comprava algo num negócio.
Fantasiou que comprou ali uma laranja e uma vela e, de repente, pensou que a sensação anterior,
de desgosto e horror do cavalo, tinha dado lugar a uma sensação muito prazenteira e acalma. Ela
mesma reconheceu que a vela e a laranja representavam os genitais masculinos e o cavalo os
femininos. A divisão de um número grande por um menor era o coito, que ela devia realizar com
a mãe de um modo ineficaz (impotente). Também neste caso a divisão demonstrou ser destroçar
e, em realidade, realizar um coito numa etapa sádica canibalísta da organização libidinal.

Com respeito às equações matemáticas me contou Lisa que nunca podia entender uma equação,
exceto com uma incógnita (27). Era-lhe perfeitamente claro que cem centavos equivaliam a um
peso e que, nesse caso seria muito fácil encontrar uma incógnita. A "duas incógnitas", associou
dois copos cheios de água numa mesa, dos quais toma um e o arroja ao solo, e depois cavalos,
entre as nuvens e nevoeiro. A "segunda incógnita" resultou ser o segundo pênis supérfluo; isto é,
o que, em suas observações infantis do coito paterno, queria deslocar, por querer possuir ou ao
pai ou à mãe e, portanto, devendo tirar um dos dois. Ademais, a segunda incógnita também
representava o sêmen que era um mistério para ela, enquanto de uma incógnita estava inteirada,
ou seja, da equação: fezes = pene (28).

Resulta, pois, que o contar e a aritmética também têm uma catexia simbólica genital. Entre as
atividades instintivas parciais que intervêm, observamos as tendências anais, sádicas e
canibalístas, que conseguem sublimar se desta forma ou que estão coordenadas sob a supremacia
dos genitais. Nesta sublimação o temor à castração tem uma importância especial. A tendência de
vencê-la -o protesto masculino- parece, em geral, constituir uma das raízes das quais surgiu o
contar e a aritmética. Portanto, também constitui claramente a fonte da inibição: a intensidade do
protesto, sendo o fator decisivo.

Para o significado libidinal da gramática nos referiremos a alguns exemplos expostos em meu
trabalho "Análise infantil". Com respeito às análises de orações, Grete falava de um verdadeiro
desmembramento e disecção de um coelho assado (29). O coelho assado, que tinha comido com
gosto até que lhe sobreviu a repugnância, representava os peitos e genitais da mãe. Na análise de
Lisa, inteirei-me de que, ao estudar história, um devia transportar-se ao que fazia a gente em
tempos antigos. Para ela representava o estudo das relações entre os pais e entre estes e o filho,
nas quais as fantasias infantis de batalhas, aniquilamento, etc., também tinham um papel
importante, de acordo com o conceito sádico do coito.

44
Fiz uma detalhada contribuição com respeito aos fatores determinantes libidinais da geografia em
meu trabalho "Análise infantil", onde também ficou demonstrado que, em conexão com o
interesse reprimido centrado ao redor da matriz da mãe -que constitui a base da inibição do sentido
de orientação-, o interesse nas ciências naturais se encontra também freqüentemente inibido.

Pude demonstrar uma das causas da inibição para o desenho no caso de Félix. O não podia
imaginar-se como se traçavam ou desenhavam os planos, nem podia conceber como se colocam
na terra os alicerces de um edifício. O desenhar um objeto era para ele, criá-lo, e a incapacidade
de desenhar representava a impotência. Em outro trabalho assinalei o significado de menino ou
de pênis que tem um quadro ou uma lâmina. Pode comprovar-se constantemente na análise de
meninos que por embaixo do desenho, a pintura e a fotografia jaz uma ocupação bem mais ativa;
é a procriação e reprodução, no inconsciente, do objeto representado. Na etapa anal da
organização significa o produto sublimado da massa fecal. Na etapa genital, a produção de um
filho e uma produção por meio de um esforço motor totalmente inadequado. Ainda tendo chegado
a uma etapa superior do desenvolvimento, parece que o menino segue considerando ao desenho
como um "gesto mágico" (30), pelo qual ode realizar a onipotência de seus pensamentos. No
entanto, o desenho contém ademais tendências destrutivas e depreciativas (31). Ernest, por
exemplo, desenhou círculos (32) no croqui de uma caixa de rapei (que em seus jogos representava
os genitais maternos), fazendo-os ultrapassar. Depois os sombreou, deixando um óval no centro
do qual desenhou outro círculo pequeno. Deste modo fez "menor o popöchen (pênis) de mamãe"
(o óvalo em lugar do círculo) e então ele tinha razão. Félix, com frequência, dizia-me que a física
era incompreensível para ele. Como exemplo me contou que não podia entender como se
propagava o som e só podia entender, por exemplo, como penetrava um prego na parede. Em
outra ocasião falou de um esvaziamento e disse que se meu salão fora um esvaziamento ao entrar
ar também entraria alguém. Também isto pudemos comprovar que era determinado por ideias do
coito nas quais o ar representa o sêmen. Tratei de mostrar que as principais atividades levadas a
cabo na escola são canais por onde flui a libido e que, deste modo, os instintos parciais conseguem
a sublimação sob a primazia dos genitais. Esta catexia libidinal se estende desde os estudos mais
primários -leitura, escritura e aritmética- até os esforços e interesses mais amplos, baseados
naqueles de maneira que as raízes de inibições posteriores e também da inibição vocacional se
encontram, sobretudo, naquelas que freqüentemente parecem ter desaparecido e que concerniam
aos mais temporões estudos. No entanto, as inibições a estes estudos temporões estão baseadas
nas inibições ao jogo, ou seja, que no fundo vemos que todas as inibições posteriores, tão
significativas na vida e o desenvolvimento, vêm das primeiras inibições ao jogo.

Em meu trabalho "Análise infantil" demonstrei que partindo do ponto no qual as condições
prévias para a capacidade de sublimação derivam das fixações libidinais, nas sublimações mais
temporãs -que considero são o falar e o prazer no movimento- as atividades e o s interesses do eu,
que se estendem constantemente, conseguem uma catexis libidinal ao adquirir um significado
simbólico sexual, de maneira que há constantemente sublimações em diferentes etapas.

O mecanismo da inibição, que descrevi no citado trabalho, permite o progresso da inibição de


uma atividade ou tendência do eu a outra, devido aos significados simbólicos sexuais comuns. Já
que fazer desaparecer as inibições mais temporãs implica também evitar outras novas, deve dar-
se muita importância às inibições do menino de idade pré-escolar, ainda que não sejam muito
marcadas. No trabalho a que me referi, tratei de demonstrar que o temor à castração era a base
comum destas inibições temporãs e todas as seguintes. O temor à castração está oposto às

45
atividades e os interesses do eu, porque além de ter outros determinantes libidinais, sempre tem
no fundo um significado simbólico genital e de coito.

A vasta importância do complexo de castração na formação das neuroses é bem conhecida. Em


seu trabalho Introdução do narcisismo, Freud estabelece a importância que tem o complexo de
castração na formação do caráter e se refere a isto repetidas vezes em seu trabalho sobre neurose
infantil (33).

Devemos referir o estabelecimento de todas as inibições, que afetam ao estudo e todo


desenvolvimento posterior, à época do primeiro surgimento de sexualidade infantil, o qual, com
a chegada do complexo de Édipo, é o que mais ativa o temor à castração. Refiro-me ao período
temporão entre três e quatro anos de idade. É a repressão subseqüente dos componentes ativos
masculinos -tanto nas meninas como nos varões- o que provê a base principal para as inibições
no aprender.

A contribuição que faz o componente feminino à sublimação resulta ser sempre a receptividade e
o entendimento, que constituem uma parte importante de toda atividade; parte-a executora e
impulsora, no entanto, que realmente constitui o caráter de qualquer atividade, origina-se na
sublimação da potência masculina. A atitude feminina para o pai, conectada com a admiração e o
reconhecimento do pênis paterno e suas proezas, converte-se, por sublimação, na base da
compreensão de proezas artísticas e outras mais gerais. Pude ver, constantemente, nas análises de
varões e meninas, a importância que podia ter a repressão desta atitude feminina, por causa do
complexo de castração, pois, como é parte essencial de toda atividade, sua repressão contribuirá
em forma importante à inibição de qualquer atividade.

Também pude observar, na análise de homens e mulheres, como sob medida de que parte de seu
complexo de castração se voltava consciente e a atitude feminina aparecia mais livremente, com
frequência ocorria um grande ressurgimento de interesses artísticos e outros. Na análise de Félix,
por exemplo, quando depois da solução de parte de seu temor à castração, apareceu à parte
feminina de sua atitude frente ao pai, o talento musical que surgiu ao mesmo tempo se expressou
primeiramente como admiração e apreço de um diretor e compositor. Só ao aumentar sua
atividade se começou a desenvolver uma faculdade crítica mais severa, manifestando-se numa
comparação com sua própria capacidade e em esforços seguintes de imitar as proezas de outros.

Uma observação que se confirma com frequência, é que pelo geral as meninas são melhores
estudantes que os varões, mas que, por outro lado, suas façanhas posteriores não se aproximam
às dos homens. Indicarei brevemente alguns fatores que me parecem significativos também com
respeito a isto.

Parte das inibições -e isto é mais importante para o desenvolvimento posterior- que resultam da
repressão da atividade genital, afeta a atividade e o interesse, em forma subjetiva e objetiva. Outra
parte das inibições resulta da atitude para a professora. Assim o menino tem uma dificuldade
dupla em sua atitude para a escola e o aprender. Todas as sublimações que derivam dos desejos
genitais dirigidos à mãe conduzem a um sentimento de culpa incrementado para o professor.

A tarefa, o esforço para aprender, que no inconsciente significa o coito, leva-no a temer ao
professor como um vingador. Então o desejo consciente (34) de satisfazer ao professor, com seus
esforços, são combatidos por um temor inconsciente de fazê-lo, o qual conduz a um conflito
insolúvel, que determina uma parte essencial da inibição. Este conflito diminui a intensidade,
quando os esforços do menino já não estão sob o controle direto do professor e se pode conduzir
46
com mais liberdade. No entanto, a possibilidade de atividades mais amplas só se apresenta, num
grau maior ou menor, onde o temor à castração afetou só a atitude para o professor e não tanto as
atividades e os interesses mesmos. Assim, podem ver-se alunos maus que conseguem sucesso em
sua vida posterior; no entanto, para aqueles cujos interesses mesmos estavam inibidos, a forma
em que fracassaram na escola fica como protótipo do desenvolvimento posterior.

Nas meninas a inibição devido ao complexo de castração e que afeta toda a atividade é de
importância preponderante.

A relação com um professor, que pode ser tão pesada para o menino, atua na menina mais bem
como um incentivo, se é que suas capacidades não estão demasiado inibidas. Em sua relação com
a professora a atitude de ansiedade, proveniente do complexo de Édipo, não tem a intensidade da
situação análoga no menino. O fato de que a mulher, pelo geral, não chega a conseguir tanto como
o homem na vida, deve-se a que geralmente dispõe de menos atividade masculina para empregar
na sublimação.

Estas diferenças e rasgos comuns, como também a consideração de outros fatores ativos em jogo,
requerem uma discussão mais detalhada.

No entanto, aqui me devo contentar com algumas breves, e, portanto, insuficientes indicações,
que necessariamente convertem minha apresentação em algo demasiado esquemático. Também
dentro destes limites resulta impossível sacar nem sequer parte das numerosas conclusões teóricas
e pedagógicas que podia render o material aqui indicado. Só explicarei brevemente uma das mais
importantes.

Pelo que se disse, chegamos a considerar o papel da escola como passiva; resulta ser uma pedra
de toque para o desenvolvimento sexual que já se conseguiu mais ou menos felizmente. Em que
consiste então o papel ativo da escola? Pode conseguir algo essencial para o desenvolvimento
libidinal e total do menino? Claro está que um professor compreensivo que considera os
complexos do menino vencerá mais inibições e conseguirá resultados mais favoráveis do que o
professor não compreensivo e até brutal, que desde um princípio representa para o menino o pai
castrador. Certamente vi em várias análises, que ainda sob as melhores condições da escola
ocorrem inibições muito fortes para o estudo, enquanto ainda uma conduta muito imprudente por
parte do professor não é necessariamente seguida sempre de inibições.

Resumirei em breve meu conceito do papel do professor no desenvolvimento do menino. O


professor pode conseguir muito com entendimento e simpatia, porque deste modo pode reduzir
consideravelmente a parte da inibição que prove da pessoa do professor como "vingador". Ao
mesmo tempo o professor benévolo oferece aos componentes homossexuais do menino e
masculinos da menina, um objeto, para exercitar sua atividade genital em forma sublimada, como
chegamos a considerar em diversos estudos. Destas indicações podem deduzir-se as
possibilidades de dano que podem resultar de um proceder pedagógico incorreto e até brutal.

No entanto, onde a repressão da atividade genital tenha afetado as ocupações e os interesses


mesmos, a atitude do professor possivelmente possa diminuir (ou intensificar) o conflito interior
do menino, mas não poderá efetuar nada essencial com respeito a seu desenvolvimento. E ainda
a possibilidade que tem um professor bom de diminuir o conflito é muito pequena, pois os limites
são fixados pelas formações de complexos do menino e, especialmente, por sua relação com seu
pai que determina de antemão sua atitude para a escola e o professor.

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Isto explica por que, quando se trata de inibições mais fortes, os resultados de anos de labor
pedagógico não estão em relação alguma com os esforços que se fizeram, enquanto, na análise,
com frequência tiramos estas inibições num tempo relativamente curto e se substituem por um
verdadeiro prazer em aprender. O melhor seria, portanto, investir o processo; primeiro teriam de
tirarem-se as inibições presentes em maior ou menor grau em todo menino e o labor da escola
deveria partir desta base. Quando já não precisasse dissipar suas forças em desalentadores ataques
contra os complexos, a escola poderia conseguir uma obra frutífera e significativa no
desenvolvimento do menino.

Notas

(1) Vejam-se Stekel: Conditions of Nervous Anxiety and their Treatament; Freud: A interpretação
dos sonhos

(2) Veja-se Int. Z.i f. Psycho-anal., 6, 1920

(3) O significado materno de tarefa e também de classe ou escrivaninha, e ardósia e todo objeto
no qual se pode escrever, e ademais o significado de pênis da lapiseira, o lápis e o giz, e todo
objeto com que se pode escrever, surgiu tão claramente neste e outras análises e se confirmava
com tanta frequência que o considero típico. O significado simbólico sexual destes objetos se
demonstrou em outra ocasião durante a análise de casos isolados. Assim em seu trabalho "Uber
Prufungsangst und Prüfungstraüme" Sadger demonstrou o significado simbólico sexual de
escrivaninha, ardósia e giz num caso incipiente de demência paranóica. Jokl em "Zur
Psychogenese dês Schreibkrapfes", também tem demonstrado o significado simbólico sexual da
lapiseira num caso de "choque dos escritores".

(4) Em Alemanha a posição em classe é determinada pela qualidade do trabalho. Seu "boletim",
do qual opinava que sua mãe deveria dar-lhe menos importância que a sua posição na classe,
significava para ele, como também para Fritz (veja-se mais adiante), potência, pênis e menino;
para ele, a posição em classe era a posição dentro da mãe e a possibilidade de coito que ela lhe
apresentava.

(5) Aqui o professor resulta ser um objeto desejado homossexualmente. Mas se pôs em evidência
um motivo que sempre é significativo na gênese da homossexualidade; isto é, o fato de que este
desejo homossexual se fortificava pelo desejo reprimido de conseguir o coito com a mãe -apesar
do pai-; neste caso portanto, conseguir o primeiro posto na classe. Do mesmo modo, por trás do
desejo de falar desde o palco, obrigando assim ao professor (pai) a fazer o papel passivo do
ouvinte, atua também o desejo para a mãe, já que o palco como também a escrivaninha têm um
significado materno para ele.

(6) Veja-se “O desenvolvimento de um menino".

(7) Veja-se o capítulo "Análise infantil" neste trabalho demonstrei mais detalhadamente como as
numerosas fantasias que fazia Fritz a respeito da matriz de sua mãe, a procriação e o nascimento
ocultavam o desejo mais intenso e fortemente reprimido a entrar ao seio materno por meio do
coito. Ferenczi sugeriu em seu trabalho Thalassa, que para o inconsciente a volta ao seio materno
parece possível unicamente por meio do coito, e também apresentou uma hipótese na qual deduz
esta fantasia que se pode comprovar de processos evolutivos psicogenéticos.

(8) Veja-se Jones: "The Theory of Symbolism" (1916).

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(9) Veja-se: “Análise infantil".

(10) Esta construção de casas representava o coito e a procriação do menino.

(11) O sentido inconsciente de "profissão" é típico. Demonstra-se constantemente na análise e


seguramente contribui notavelmente às dificuldades na eleição de uma profissão.

(12) O menino tinha compartilhado o dormitório de seus pais durante vários anos e esta e outras
fantasias datam de observações do coito em sua primeira infância.

(13) Compare-se o significado de construção de casas nos casos de Ernest e Félix.

(14) Como conseqüência de uma intervenção médica, não cirúrgica, em seu pênis à idade de
quatro anos, havia se masturbado posteriormente só com grandes escrúpulos de consciência.
Quando se repetiu esta intervenção à idade de dez anos, abandonou a masturbação por completo,
mas sofreu uma angústia de tocar

(15) Repetidamente omitia a ultima frase de seus exercícios escolares. Em outra ocasião se
esqueceu de algo na metade do exercício. Quando começava a melhorar neste aspecto, comprimia
toda a lição tanto como fosse possível, etc.

(16) Veja-se “Análise infantil".

(17) Também para a pequena Grete o ponto e a vírgula estavam igualmente determinados. Veja-
se Análise infantil.

(18) Numa reunião da Sociedade de Berlim, Herr Rohr tratou detalhadamente o manuscrito chinês
e sua interpretação sobre uma base psicanalítica. Na discussão subseqüente indiquei que o
manuscrito também está ainda ativo na fantasia de todo menino individual, assim que as diversas
curvas, pontos, etc., de nosso manuscrito atual seriam simplificações, conseguidas como resultado
de condensação, deslocamento e outros mecanismos que nos são familiares nos sonhos e as
neuroses, de figuras primitivas cujos rastos se podiam demonstrar no indivíduo.

(19) Ver "Análise infantil".

(20) Quisesse assinalar que no sistema romano os números I, V e X são básicos, sendo derivados
os demais números do I ao X. Ademais o V e o X também estão formados pela risca neta do
número I.

(21) Abraham (1923).

(22) Isto demonstra claramente a baseie anal da aritmética. O temor à castração relativo ao pênis
foi precedido pelo temor à perda da matéria fecal, que efetivamente se experimentou como a
castração primitiva. Veja-se Freud: "Sobre as transposições da impulsão, em particular do
erotismo anal", Ou.C., 17 .

(23) Análogo às fantasias de Fritz do povo atravessado por eles (veja-se "Análise infantil"), para
Ernest também o povo representava a mãe, o transporte ferroviário, o pênis, e viajar, o coito ou.

(24) Veja-se Boehm (1922).

(25) O "sentido" era o pênis.

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(26) Na escola ao dia seguinte, para surpresa de sua professora e dele mesmo, resultou que todas
as contas lhe saíam bem. O menino não tinha advertido a conexão entre a interpretação e a dês
aparição da inibição

(27) Deus estas associações a raiz de um sonho no qual devia solucionar o problema: "2 x = 48;
qual é o valor de x?"

(28) Veja-se também a interpretação da "incógnita" no trabalho de Sadger (1920).

(29) Demonstrei claramente em meu trabalho "Análise infantil" que tendências orais, anais e
canibais temáticas também conseguem sublimação no falar.

(30) Veja-se Ferenczi: “Estádios no desenvolvimento do sentido da realidade" (1913).

(31) Desta maneira, no fundo da caricatura, além da burla teria uma verdadeira metamorfose
desfavorável do objeto representado.

(32) Este desenho estava associado com uma marcada agressividade liberada pela solução do
temor à castração que jazia por embaixo de suas dificuldades na aritmética.

(33) Ou.C., 17. Em seu trabalho 'O complexo de castração na formação do caráter" (1923),
Alexander demonstrou na análise de um adulto, a influência do complexo de castração na
formação do caráter. Num trabalho não publicado, "Die infantile Angst und ihre Bedeutung für
die Entwicklung der Persönlichkeit", que conectei com o citado trabalho do Dr. Alexander, fiz a
tentativa de demonstrar isto por material dado na análise de meninos, e indiquei a grande
importância do temor à castração nas inibições no esporte, os jogos e o estudo, e as inibições da
personalidade em geral.

(34) No inconsciente este desejo corresponde ao esforço de superar ao pai, ou seja deslocá-lo com
respeito à mãe ou também ao desejo homossexual de conquistar ao pai por seus esforços e tê-lo
como um objeto de amor passivo.

Biblioteca Melanie Klein

04 - Análise infantil (1923)

Com frequência encontramos na análise que as inibições neuróticas do talento estão determinadas
por repressões que detiveram as ideias libidinais sócias com atividades especiais e assim, ao
mesmo tempo, às atividades em si. No curso da análise de meninos pequenos e maiores me
encontrei com material que me conduziu à investigação de certas inibições, que foram
reconhecidas unicamente como tais durante a análise. As características seguintes demonstraram
serem inibições típicas: torpeza em jogos e ginástica, e aversão por eles, pouco ou nenhum prazer
nas lições falta de interesse por uma matéria especial, em geral, diferentes graus da chamada
preguiça; com frequência também capacidades ou interesses mais débeis do que é comum,
resultaram estar "inibidos". Em muitos casos, não se reconheceu que essas características eram

50
verdadeiras inibições e como inibições similares que fazem parte da personalidade de tudo ser
humano, não podiam ser denominadas neuróticas. Quando foram resolvidas pela análise nos
encontramos -como o demonstrou Abraham no caso de neuróticos que sofrem de inibição motora-
(1) que a base destas inibições era também um intenso prazer primário que tinha sido reprimido
devido a seu caráter sexual. Jogar à bola ou com aros, a patinagem, deslizar-se no escorregador,
dançar, fazer ginástica, a natação -em realidade todos os jogos atléticos- resultou ter uma catexia
libidinal, e o simbolismo genital representava sempre um papel neles. O mesmo se aplicava ao
caminho à escola, a relação com professores e professoras, e também ao aprender e ensinar eles
mesmos. Por suposto que uma enorme série de determinantes ativos e passivos, hétero e
homossexuais, que variam com os indivíduos e que procedem dos diversos instintos parciais, são
também de muita importância.

A semelhança das inibições neuróticas, as que podemos denominar "normais" estavam fundadas
evidentemente numa capacidade constitucionalmente grande de produzir prazer e em seu
significado simbólico-sexual. A ênfase maior, no entanto, deve pôr-se sobre o significado
simbólico-sexual. É este o que, determinando uma catexia libidinal, aumenta num grau cuja
disposição original e o prazer primário ainda não podemos determinar. Ao mesmo tempo, é este
o que atrai a repressão sobre si, porque a repressão se dirige contra o matiz de prazer sexual sócio
à atividade, e conduz à inibição desta atividade ou tendência.

Cheguei a ver que na maioria destas inibições, fossem ou não reconhecíveis como tais, a tarefa
de reverter o mecanismo era realizada pela angústia e especialmente pelo "medo à castração"; só
quando esta ansiedade se resolvia, resultava possível progredir na remoção da inibição. Estas
observações me deram certo insight nas relações entre ansiedade e inibição, que vou agora a expor
com mais detalhes.

A íntima conexão entre ansiedade e inibição foi notavelmente esclarecida pela análise do pequeno
Fritz (2). Nesta análise, cuja segunda parte foi muito profunda, pude estabelecer o fato de que a
ansiedade (que num momento foi considerável, mas que gradualmente se foi apaziguando depois
de ter atingido certo ponto) seguia de tal modo o curso da análise, que era sempre um indício de
que as inibições estavam por ser removidas. Cada vez que a ansiedade era resolvida, a análise
dava um grande passo para adiante, e a comparação com outras análises confirma minha
impressão de que a importância de nosso sucesso em fazer desaparecer inibições está em
proporção direta com a clareza com que a ansiedade se manifesta como tal e pode ser resolvida
(3). Por eliminação exitosa não quero significar unicamente que as inibições diminuam ou se
suprimam, senão que a análise consiga restabelecer o prazer original na atividade. Isto é
indubitavelmente possível nas análises de meninos pequenos e quanto menores são, tanto, mas
rapidamente ocorre, porque a trajetória que se deve percorrer para investir o mecanismo da
inibição é menos longa e complicada nos meninos pequenos. Em Fritz, este processo de remoção
por via da ansiedade era precedido algumas vezes pela aparição de sintomas transitórios (4). Estes,
a sua vez, eram principalmente resolvidos por meio da ansiedade. O fato de que a supressão destas
inibições e sintomas ocorre por meio da ansiedade demonstra com segurança que sua fonte é a
ansiedade.

Sabemos que a ansiedade é um dos afetos primários. "Disse que a conversão em angústia, ou
melhor, a descarga em forma de angústia, é o destino imediato da libido que tropeça com a
repressão" (5). Ao reagir assim com angústia, o eu repete o afeto que no momento do nascimento
constitui o protótipo de toda angústia, e o emprega como "a moeda corrente pela que todo afeto
se muda ou pode ser mudado" (6). A descoberta de como o eu trata, nas diferentes neuroses, de
51
defender-se do desenvolvimento da angústia, levou Freud a inferir que: "Num sentido abstrato,
portanto, parece correto dizer que os sintomas estão formados exclusivamente pelo propósito de
escapar ao desenvolvimento, de outro modo inevitável, da angústia". Em correspondência com
isto, a angústia nos meninos precederá invariavelmente à formação de sintomas e será a primeira
manifestação neurótica que aplana o caminho, por assim dizê-lo, para os sintomas. Ao mesmo
tempo, não sempre será possível indicar a razão pela qual num estagio temporão com frequência
não se manifesta ou não se adverte a ansiedade (7).

De todos os modos, não há possivelmente um só menino que não tenha sofrido terrores e, talvez,
justifica-se que digamos que em todos os seres humanos, num ou outro momento, apresentaram-
se ansiedades neuróticas em maior ou menor grau. "Recordamos o fato de que o motivo e
propósito da repressão é simplesmente o de evitar a ‘dor’. Deduz-se que o destino do ônus de
afeto pertencente à representação é muito, mas importante que o de seu conteúdo ideacional e é
decisivo para a opinião que nos formamos do processo de repressão. Se a repressão não consegue
evitar que surjam os sentimentos displicentes à angústia, podemos dizer que há falhado, ainda que
tenha atingido seu propósito no que se refere ao elemento ideacional" (8). Se a repressão falha, o
resultado é a formação de sintomas "Nas neuroses ocorrem processos que tentam evitar o
desenvolvimento da ansiedade e conseguem fazê-lo por diferentes meios" (9).

Agora bem, que ocorre com uma quantidade de afeto que se faz desaparecer sem conduzir à
formação de sintomas? (me refiro aos casos de repressão exitosa). No que se refere ao destino
deste monto de afeto, que está destinado a ser reprimido, Freud diz: "O destino do fator
quantitativo na apresentação do instinto pode ser um de três, como podemos ver através de um
rápido exame das observações feitas em psicanálises ou o instinto é completamente suprimido e
não se encontram rastos dele, ou está encoberto sob um afeto de um tom qualitativo especial, ou
se converte em angústia" (10).

Mas, como é possível que se suprima o ônus de afeto na repressão exitosa? Parece justificado
supor que sempre que tem lugar a repressão (sem excluir os casos em que é exitosa), o afeto se
descarrega em forma de ansiedade, cuja primeira fase às vezes não se manifesta ou passa
inadvertida. Este processo é freqüente na histeria de angústia e também presumimos sua
existência quando esta histeria não se desenvolve realmente. Nesse caso, a ansiedade estaria
presente inconscientemente por um tempo no que "... encontramos impossível evitar ainda a
estranha conjunção e ‘consciência inconsciente de culpa’ ou uma paradóxica ‘ansiedade
inconsciente'" (11). É verdade que ao examinar o uso do termo "afetos inconscientes", Freud
continua dizendo: "Assim, não se pode negar que o uso dos termos em questão é lógico; mas uma
comparação do afeto inconsciente com a ideia inconsciente revela a significativa diferença de que
a ideia inconsciente continua, depois da repressão, como uma formação real no sistema
inconsciente, enquanto ao afeto inconsciente lhe corresponde no mesmo sistema só uma
disposição potencial à que se lhe impede desenvolver mais" (12). Vemos, pois, que o ônus de
afeto que se desvaneceu por uma repressão exitosa sofreu seguramente também a transformação
em ansiedade, mas que quando a repressão se realiza com sucesso completo, às vezes a ansiedade
não se manifesta de nenhum modo, ou só debilmente, e permanece como uma disposição em
potencial no inconsciente. O mecanismo pelo que se possibilita a "entrelaçamento" e descarga
desta ansiedade, ou a disposição à ansiedade, seria o mesmo que o que vimos dar por resultado a
inibição, e as descobertas da psicanálise nos ensinaram que a inibição intervém em maior ou
menor grau no desenvolvimento de todo indivíduo normal, conquanto também em isto seja só o
fator quantitativo o que determina se será são ou enfermo.

52
Surge a pergunta: por que uma pessoa sã pode descarregar em forma de inibições o que a um
neurótico o levou à neurose? As seguintes características podem formular-se como distintivas das
inibições que estamos tratando: 1) certas tendências do eu recebem uma poderosa catexia
libidinal; 2) uma quantidade de ansiedade é distribuída em tal forma entre estas tendências que já
não aparece como ansiedade, senão como "desprazer" (13), desassossego mental, incomodação,
etc. A análise, no entanto, demonstra que essas manifestações representam ansiedade, da que se
diferencia só em grau e que não se manifestou ela mesma como tal. Portanto, a inibição implicaria
que certa quantidade de ansiedade foi incorporada por uma tendência egoica que já teve uma
catexia libidinal prévia. A base de uma repressão satisfatória seria então a catexia libidinal dos
instintos do eu, acompanhada neste duplo caminho pela inibição como resultado.

Quanto mas perfeitamente realiza seu trabalho o mecanismo da repressão exitosa, menos fácil
resulta reconhecer a ansiedade, ainda na forma de aversão. Nas pessoas inteiramente sãs e
aparência completamente livres de inibições, aparecem em última instância só em forma de
inclinações debilitadas ou parcialmente debilitadas (14).

Equipararam-se a capacidade de empregar a libido supérflua numa catexia de tendências do eu,


com a capacidade de sublimar, podemos supor que a pessoa que permanece sã consegue fazê-lo
por sua maior capacidade para sublimar num estagio muito temporão do desenvolvimento do eu.

A repressão atuaria então sobre as tendências do eu eleitas para esse fim e assim surgiriam as
inibições. Em outros casos, os mecanismos das neuroses se mobilizariam em maior ou menor
grau dando como resultado a formação de sintomas.

Sabemos que o complexo de Édipo faz que a repressão surja em forma particularmente intensa e
mobiliza ao mesmo tempo o medo à castração Podemos talvez supuser também que esta grande
"onda" de ansiedade é reforçada pela ansiedade preexistente (possivelmente só como uma
disposição em potencial) em conseqüência de repressões temporãs: esta última ansiedade pode
ter operado diretamente como angústia de castração originada nas "primeiras castrações" (15).
Descobri muitas vezes na análise a angústia do nascimento como angústia de castração que revivia
material temporão e encontrei que resolvendo a angústia de castração se dissipava a angústia do
nascimento. Por exemplo, encontrei num menino o temor a que estando sobre gelo este pudesse
ceder embaixo dele, ou a cair através de um buraco numa ponte -expressões evidentemente de
angústia de nascimento-. Repetidamente encontrei que estes temores estavam mobilizados por
desejos menos evidentes -ativados como resultado do significado simbólico-sexual de patinar das
pontes, etc.-, de forçar o regresso à mãe por meio do coito, e esses desejos originaram o medo à
castração. Isto também faz, mas fácil entender por que a procriação e o nascimento são concebidos
freqüentemente no inconsciente como um coito do menino, quem, ainda que seja com ajuda do
pai, penetra deste modo na vagina materna.

Não parece, portanto, arriscado considerar o pavor noturno que aparece aos dois ou três anos
como ansiedade originada no primeiro estagio de repressão do complexo de Édipo, cujo
entrelaçamento e descarga prosseguem posteriormente por diversos caminhos (16).

O temor à castração que se desenvolve quando se reprime o complexo de Édipo dirige-se agora
às tendências do eu que já receberam una catexia libidinal, e depois a sua vez, por meio desta
catexia é unido e descarregado.

53
Penso que é bem evidente que na medida em que as sublimações até aqui efetuadas sejam
quantitativamente abundantes e qualitativamente fortes, a ansiedade com a qual estão agora
investidas será completa e imperceptivelmente distribuída entre elas e descarregadas assim.

Em Fritz e Félix pude comprovar que as inibições do prazer nos movimentos estavam
estreitamente conectadas com as do prazer no estudo e com várias tendências e interesses egoicos
(que não vou especificar agora). Em ambos os casos o que fez possível este deslocamento da
inibição ou angústia de um grupo das tendências do eu para outro, foi evidentemente a catexia
principal de caráter simbólico-sexual comum a ambos grupos.

Em Félix, de treze anos de idade (cuja análise usarei para ilustrar minhas observações numa parte
posterior deste artigo), a forma em que apareceu este deslocamento foi a alternância de suas
inibições entre jogos e lições. Em seus primeiros anos escolares tinha sido um bom aluno, mas
por outra parte era muito tímido e torpe em toda classe de jogos. Quando o pai voltou da guerra
acostumava colar e repreender ao menino por sua covardia, e com estes métodos conseguiu o
resultado desejado. Félix chegou a ser bom para os jogos e apaixonadamente interessado neles,
mas junto a esta mudança se desenvolveu nele uma aversão pela escola e todo estudo ou
conhecimento. Esta aversão se converteu em manifesta antipatia, que tinha quando chegou à
análise. A catexia simbólico-sexual em comum estabeleceu uma relação entre as duas séries de
inibições, e foi em parte a intervenção de seu pai, conduzindo-o a considerar os jogos como uma
sublimação, mas em consonância com sua eu, a que o capacitou para deslocar a inibição dos jogos
às lições.

Penso que o fator de "consonância com o eu" é também de importância para determinar contra
que tendência investida libidinalmente se dirigirá a libido reprimida (descarregada como
ansiedade), e daí tendência sucumbiria deste modo, em maior ou menor grau, à inibição.

Este mecanismo de deslocamento de uma inibição a outra me parece apresentar analogias com o
mecanismo das fobias. Mas enquanto nestas tudo o que ocorre é que o conteúdo da idealização
cede o passo por deslocamento a uma formação substitutiva, sem que desapareça o monto de
afeto, na inibição a descarga do monto de afeto parece ocorrer simultaneamente.

"Como sabemos, o desenvolvimento de angústia é a reação do eu ao perigo e o sinal preparatório


para fugir; não é, portanto arriscado imaginar-se que na angústia neurótica também o eu tenta uma
fugida ante as exigências de sua libido, e está tratando o perigo interno como se fora externo.
Então, nossa teoria de que quando a angústia se apresenta deve ter um pouco de o que se tem
medo, ficaria confirmada. A analogia vai, mas longe que isto, no entanto. Bem como a tensão que
promove a tentativa de fugir do perigo externo é resolvida aprofundando-se ao próprio terreno e
tomando medidas defensivas apropriadas, assim também o desenvolvimento da ansiedade
neurótica cede à formação de um sintoma que permite à angústia ser ‘unida’" (17).

Em forma análoga, crio eu, podemos considerar a inibição como a restrição compulsiva, que nasce
agora de adentro, de um perigoso excesso de libido; uma restrição que num período da história
humana tomou a forma de uma compulsão desde afora. Num princípio, então, a primeira reação
do eu ante um perigo de estancamento da libido deve ser a angústia: "o sinal para fugir". Mas a
incitação à fugida dá lugar ao "aprofundar-se ao próprio terreno e tomar medidas defensivas
apropriadas" que corresponde à formação de sintomas. Outra medida defensiva deve ser o
submetimento, restringindo as tendências libidinais, isto é, a inibição, mas isto só pode ser
possível se o sujeito triunfa em desvirtuar a libido dirigindo-a para as atividades dos instintos de

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auto-conservação, dando assim uma saída no campo das tendências do eu ao conflito entre energia
instintiva e repressão. Assim a inibição como resultado de uma repressão exitosa deve ser o pré-
requisito e ao mesmo tempo, a conseqüência da civilização. É nesta forma como o homem
primitivo, cuja vida mental é em tantos aspectos similar à do neurótico (18), deve ter chegado ao
mecanismo da neurose, pois como não tinha suficiente capacidade de sublimação, provavelmente
também lhe faltava à capacidade para o mecanismo de repressão exitosa.

Tendo atingido um nível de civilização condicionado pela repressão, ainda que sendo
principalmente capaz de repressão só pelo caminho dos mecanismos da neurose, está incapacitado
para avançar mais lá deste nível cultural infantil.

Quisesse agora chamar o atendimento para a conclusão que surge de minha exposição até este
ponto: a ausência ou presença de capacidades (ou inclusive o grau em que estão presentes), ainda
que pareçam determinadas simplesmente por fatores constitucionais e fazendo parte do
desenvolvimento dos instintos do eu, demonstram estar determinados igualmente por outros
fatores, libidinais, e ser susceptíveis de mudar através da análise.

Um destes fatores básicos é a catexia libidinal, como preliminar necessário da inibição. Esta
conclusão está de acordo com fatos que observamos repetidamente em psicanálises. Mas
encontramos que existe a catexia libidinal de uma tendência do eu ainda que a inibição não se
produzisse. É (como aparece com especial clareza na análise de meninos uma componente
constante de todo talento e interesse. Se é assim, devemos supor que para o desenvolvimento de
uma tendência do eu, não só teria importância uma disposição constitucional senão também o
seguinte: como, em que período e em que quantidade -em realidade, sob que condições- tem lugar
a aliança com a libido; de maneira que o desenvolvimento da tendência do eu depende do destino
da libido com a qual está sócia, isto é, do sucesso da catexia libidinal. Mas isto reduz a importância
do fator constitucional no talento e, em analogia com o que Freud demonstrou em conexão com
a doença, vê-se que o fator "acidental" é de grande importância.

Sabemos que no estagio narcisista, os instintos do eu e os sexuais estão ainda unidos porque num
princípio os instintos sexuais entram no terreno dos instintos de auto-conservação. O estudo das
neuroses de transferência nos ensinou que posteriormente se separam funcionando como duas
formas separadas de energia e desenvolvendo-se de diferentes modos. Ainda que aceitassem como
válida a diferenciação entre instintos do eu e instintos sexuais, sabemos por outra parte, graças a
Freud, que uma parte dos instintos sexuais permanece sócia ao longo da vida com os instintos do
eu e os provê de componentes libidinais. O que denominei previamente catexia simbólico-sexual
de uma tendência ou atividade pertencente aos instintos do eu, corresponde ao componente
libidinal. Chamamos "sublimação" a este processo de catexação com libido e Explicamos sua
gênese dizendo que provê à libido supérflua, para a qual não há satisfação adequada, da
possibilidade de descarga e que deste modo diminui ou termina o estancamento de libido. Este
conceito está de acordo também com a ideia de Freud de que o processo de sublimação abre uma
via de descarga para as excitações poderosas, que emanam das diferentes fontes da sexualidade e
lhes permite ser aplicadas em outras direções. Deste modo, diz Freud quando o sujeito tem uma
disposição constitucional anormal, a excitação supérflua pode encontrar descarga não só na
perversão ou neurose senão também na sublimação (19).

Em seu estudo da origem sexual da fala, Sperber (20) mostra que os impulsos sexuais
desempenharam um papel importante em sua evolução, que os primeiros sons falados eram os
chamados sedutores ao casal e que esta linguagem rudimentar se desenvolveu como
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acompanhamento rítmico do trabalho, o que ficou sócio ao prazer sexual. Jones chega a conclusão
de que a sublimação é a repetição ontogenética do processo descrito por Sperber (21). Mas, ao
mesmo tempo, os fatores que condicionam o desenvolvimento da linguagem estão ativos na
gênese do simbolismo. Ferenczi postula que a base da identificação, como estagio temporão de
seu desenvolvimento, o menino trata de redescobrir os órgãos de seu corpo e as atividades destes,
em cada objeto que encontra. Como estabelece uma comparação similar com o interior de seu
corpo, provavelmente vê na parte superior de seu corpo um equivalente de cada aspecto
afetivamente importante da parte inferior. Segundo Freud, a primeira orientação do sujeito para
seu próprio corpo está acompanhada também pela descoberta de novas fontes de prazer. Pode
muito bem ser isto o que faz possível a comparação entre diferentes órgãos e zonas do corpo. Esta
comparação será posteriormente seguida pelo processo de identificação com outros objetos,
processo no qual, de acordo com Jones, o princípio de prazer nos permite comparar dois objetos
completamente diferentes sobre a base de uma semelhança de tonalidade prazenteira, ou de
interesse (22). Mas temos provavelmente razões para supor que por outra parte esses objetos e
atividades, que não são de por sim fontes de prazer, chegam a sê-lo por esta identificação, sendo
deslocado para eles um prazer sexual, como supõe Sperber que foi deslocado para o trabalho no
homem primitivo. Então, quando a repressão começa a atuar e se progride da identificação à
formação de símbolos, é este último processo o que proporciona uma oportunidade à libido de
deslocar-se a outros objetos e atividades dos de auto-conservação, que originariamente não
possuíam uma tonalidade prazenteira. Aqui chegamos ao mecanismo da sublimação.

De acordo com isto, vemos que a identificação é um estagio preliminar não só da formação de
símbolos senão ao mesmo tempo da evolução da linguagem e da sublimação. Esta última se
produz por meio da formação de símbolos; as fantasias libidinais ficam fixadas em forma
simbólico-sexual sobre objetos, atividades e interesses especiais. Ilustrarei esta afirmação na
seguinte forma. Nos casos que citei de prazer no movimento -jogos e atividades atléticas-
devemos reconhecer a influência do significado sexual do campo de esportes, do caminho, etc.
(como símbolos da mãe), enquanto caminhar, correr e toda classe de movimentos atléticos
representam a penetração dentro da mãe. Ao mesmo tempo, os pés, as mãos e o corpo que levam
a cabo estas atividades e que, como conseqüência de identificações temporãs, são comparados
com o pênis, servem para atrair sobre eles algumas das fantasias que realmente estão em relação
com o pênis e as situações e gratificações associadas com dito órgão. O elo que conectou isto foi
provavelmente o prazer pelo movimento, ou, mas bem o órgão mesmo. Leste é o ponto em que a
sublimação difere da formação de sintomas histéricos, tendo seguido até aqui o mesmo curso.

Com o fim de formular com maior precisão as analogias e diferenças entre sintomas e sublimação,
quisesse referir-me à análise de Leonardo da Vinci, fato por Freud. Como ponto de partida, Freud
toma a recordação de Leonardo -ou melhor, sua fantasia- de que estando ainda no berço um abutre
voou sobre ele, abriu sua boca com seu bico, e apoiaram a pata repetidas vezes sobre seus lábios.
Leonardo mesmo comenta que deste modo seu absorvente e minucioso interesse pelos abutres
ficou determinado muito cedo em sua vida, e Freud faz notar como esta fantasia teve realmente
grande importância na arte de Leonardo e também em sua inclinação pelas ciências naturais.

Pela análise de Freud aprendemos que o conteúdo mnêmico real da fantasia é a situação do menino
amamentado e beijado pela mãe. A ideia do bico do pássaro em sua boca (correspondente à
felação) é evidentemente uma reconstrução da fantasia em forma passiva homossexual. Ao
mesmo tempo, vemos que representa uma condensação das temporãs teorias sexuais infantis de
Leonardo, que o levaram a supor que a mãe possuía um pênis. Encontramos com frequência que

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quando o instinto epistemofílico está associado cedo com interesses sexuais, o resultado é a
inibição ou a neurose obsessiva e ruminação obsessiva. Freud prossegue mostrando-nos que
Leonardo escapou a este destino pela sublimação deste componente instintivo que deste modo
não caiu vítima da repressão. Agradaria-me perguntar agora: como escapou Leonardo da histeria?
Porque a raiz da histeria me parece reconhecível na fantasia, neste elemento condensado do bico
do abutre, o elemento que se encontra freqüentemente nos histéricos como fantasia de felação,
expressado, por exemplo, como sensação do bolo histérico. Segundo Freud, temos na
sintomatologia da histeria uma reprodução da capacidade para o deslocamento das zonas erógenas
que se manifestam na orientação e identificação temporã do menino. Deste modo vemos que a
identificação é também um estagio preliminar da formação do sintoma histérico, e é esta
identificação a que capacita ao histérico para efetuar o típico deslocamento de abaixo para acima.
Se agora supomos que a situação de gratificação por felação, que ficou fixada em Leonardo, foi
atingida pela mesma via (identificação-formação simbólica-fixação) que leva à conversão
histérica, parece-me que o ponto de divergência aparece na fixação. Em Leonardo a situação
prazenteira não ficou fixada como tal: transferiu-a as tendências do eu. Deve ter tido que fazer
muito temporão em sua vida uma identificação muito profunda com os objetos que o rodeavam.
Possivelmente, essa capacidade fosse devida a um desenvolvimento desusadamente temporão e
intenso da libido narcisista em libido objetal. Outro fator contribuinte parece ser a capacidade
para manter a libido em estado de suspensão. Por outra parte, podemos supor que há ainda outro
fator de importância para a capacidade de sublimação: um que bem poderia formar uma parte
considerável do talento com que um indivíduo está constitucionalmente dotado. Refiro-me à
facilidade para que uma atividade ou tendência do eu adquira uma catexia libidinal e à medida
que deste modo seja receptiva; no plano físico, vemos uma analogia na rapidez com que é inervada
uma zona especial do corpo e a importância deste fator no desenvolvimento dos sintomas
histéricos. Estes fatores, que poderiam constituir o que entendemos por "disposição formariam
uma série complementar, como aquelas com que estamos familiarizados na etiologia das
neuroses. No caso de Leonardo não só se estabeleceu uma identificação entre o mamilo, o pênis
e o bico do pássaro, senão que esta identificação se fusionou com o interesse pelo movimento de
dito objeto, o pássaro, e seu vôo e o espaço no qual voava. As situações prazenteiras ou fantasiadas
permaneceriam, no entanto inconscientes, e fixadas, mas se lhes deu intervenção numa tendência
do eu e assim puderam descarregar-se. Quando recebem esta classe de representação, as fixações
ficam despojadas de seu caráter sexual; marcham de acordo com o eu e se a sublimação tem
sucesso -isto é, se fusionam com uma tendência do eu- não são reprimidas. Quando isto sucede,
proporcionam à tendência do eu o motivo de afeto que atua como estímulo e como força impulsora
do talento e, como a tendência do eu lhes proporciona campo livre para atuar em consonância
com o eu, permitem à fantasia despregar-se sem restrições e nesta forma elas mesmas são
descarregadas.

Por outra parte, na fixação histérica, a fantasia se aferra tão tenazmente à situação prazenteira que
antes que seja possível a sublimação, sucumbe à repressão e à fixação; e assim, supondo que
atuem os outros fatores etiológicos, está forçada a encontrar representação e descarga nos
sintomas histéricos. A forma em que se desenvolveu o interesse científico de Leonardo pelo vôo
dos pássaros, mostra que também na sublimação continua funcionando a fixação à fantasia com
todos seus determinantes.

Freud resumiu amplamente as características essenciais dos sintomas histéricos (23). Se


aplicamos sua descrição à sublimação de Leonardo considerada em conexão com a fantasia do
abutre, veremos a analogia entre sintomas e sublimação. Crio, também, que esta sublimação

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corresponde à fórmula de Freud de que um sintoma histérico expressa com frequência uma
fantasia sexual inconsciente masculina por um lado e feminina por outro. Em Leonardo, a parte
feminina se expressa na fantasia passiva de felação; a fantasia masculina me parece reconhecível
numa passagem das anotações de Leonardo que Freud cita como uma espécie de profecia: "O
grande pássaro realizará seu primeiro vôo desde o lombo de seu grande cisne, encherá ao mundo
de assombro e a literatura contará sua fama e será uma glória eterna para o ninho em que nasceu".
Não significa isto ganhar o reconhecimento da mãe por suas realizações genitais? Creio que esta
fantasia, que expressa também um temporão desejo infantil, ficou representada, junto com a
fantasia do abutre, em seu estudo científico do vôo dos pássaros e a aeronáutica. Deste modo, a
atividade genital de Leonardo, que desempenhou tão pouco papel no que se refere à gratificação
instintiva real, fusionou-se totalmente em suas sublimações.

Segundo Freud, o ataque histérico é simplesmente uma representação pantomímica das fantasias,
transladada em termos de movimento e projetada na motilidade. O mesmo pode dizer-se das
fantasias e fixações que, como no caso do artista, estão representadas por inervações físicas
motrizes, já seja em relação com o corpo mesmo do sujeito ou com algum outro meio. Esta opinião
está de acordo com o que Ferenczi e Freud escreveram sobre as analogias e relações entre arte e
histeria por uma parte, e o ataque histérico e o coito, por outra.

Agora bem, bem como o ataque histérico usa para seu material uma peculiar condensação de
fantasias, assim também o desenvolvimento de um interesse pela arte ou de um talento criador
dependeriam em parte da riqueza e intensidade das fixações e fantasias representadas na
sublimação. Seria importante não só em que quantidade está presente os fatores constitucionais e
acidentais envolvidos e quão harmoniosamente cooperam, senão também qual é o grau de
atividade genital que poderá ser desviada para a sublimação. Em forma similar, a primazia da
zona genital na histeria foi atingida sempre.

O gênio difere do talento não só quantitativamente, senão também em sua qualidade essencial.
No entanto, podemos supor que tem as mesmas condições genéticas que o talento. O gênio parece
possível quando todos os fatores envolvidos estão presentes com tal abundância como para fazer
surgir agrupações únicas, configurações de unidades que mantêm certa similitude essencial umas
com outras: refiro-me às fixações libidinais.

Ao examinar o problema da sublimação, sugeri que um fator determinante de seu sucesso era que
as fixações destinadas à sublimação não tenham sofrido uma repressão demasiado temporã,
porque isto impede a possibilidade de desenvolvimento. De acordo com isto temos que postular
uma série complementar entre a formação de sintomas por uma parte, e a sublimação eficaz por
outra. Estas séries incluiriam também possibilidades de sublimações menos eficazes. Em minha
opinião, encontramos que a fixação que conduz a um sintoma estava já em via de sublimação,
mas foi apartada dela pela repressão. Quanto mas cedo ocorre isto, maior será o grau em do que
a fixação reterá o verdadeiro caráter sexual da situação prazenteira e tanto mais sexualizara a
tendência na que colocou sua catexia libidinal, em vez de fusionar-se com essa tendência.
Também será, mas instável essa tendência ou interesse porque estará continuamente exposta à
arremetida da repressão.

Agradaria-me agregar algumas palavras a respeito da distinção entre sublimação sem sucesso e
inibição, e sobre as relações entre ambas. Tenho mencionado algumas inibições que chamei
normais e que nasceram quando a repressão teve sucesso; quando a análise as resolveu se
encontrou que se baseavam em parte em sublimações muito intensas. É verdade que estas se
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tinham formado, mas tinham sido inibidas depois inteiramente ou em certa medida. Não tinham
o caráter de sublimações fracassadas, as que oscilam entre formação de sintomas, rasgos
neuróticos e sublimação. Só em as análises foram reconhecidas como inibições; manifestam-se
em forma negativa, como uma falta de inclinação ou capacidade ou às vezes só como uma
diminuição destas. As inibições estão formadas (como tratei de demonstrar neste capítulo) pela
transferência de libido supérflua, que encontra descarga como angústia, à sublimação. Deste
modo, a sublimação é diminuída ou destruída por repressão na forma de inibição, mas se evita a
formação de sintomas porque a angústia é assim descarregada em forma análoga àquela que
conhecemos na formação de sintomas histéricos. De acordo com isto, podemos supor que o
homem normal atinge seu estado de saúde por meio de inibições, ajudadas por repressões eficazes.
Se a quantidade de angústia que investe às inibições excede à das sublimações, o resultado é a
inibição neurótica, porque a luta entre a libido e a repressão não se resolve no campo das
tendências do eu e, portanto, põem-se em marcha os mesmos processos empregados nas neuroses
para unir a angústia. Enquanto na sublimação fracassada as fantasias se topam com a repressão
em seu caminho para a sublimação e nesta forma ficam fixadas, devemos supor que para que uma
sublimação seja inibida tem que ter existido realmente como sublimação. Novamente aqui
podemos postular as séries complementares inferidas já entre sintoma por um lado e sublimação
eficiente pelo outro. Podemos supor, no entanto, que por outra parte, na proporção em que tenham
sucesso as sublimações e, portanto possa uma parte pequena da libido estancada dentro do eu,
lista para ser descarregada como angústia, menor será a necessidade de inibição. Podemos
assegurar também que quanto mais exitosa seja a sublimação, menos estará exposta à repressão.
Aqui podemos postular novamente uma série complementar.

Conhecemos a importância das fantasias de masturbação nos sintomas e ataques histéricos. Darei
uma ilustração do efeito das fantasias de masturbação sobre a sublimação. Felix, de treze anos,
produziu durante a análise a seguinte fantasia. Estava jogando com formosas meninas nuas cujos
peitos esfregavam e acariciava. Não via a parte inferior de seus corpos. Jogavam ao futebol entre
eles. Esta fantasia sexual, que para Félix era um substituto do onanismo, foi seguida durante a
análise por muitas outras fantasias; algumas apareciam em forma de sonhos diurnos; outras,
durante a noite, como substitutos do onanismo, e todas referidas a jogos. Estas fantasias nos
demonstram como algumas de suas fixações foram elaboradas num interesse pelos jogos. Na
primeira fantasia sexual que era só fragmentária, o coito foi substituído pelo futebol (24). Este
jogo, junto com outros, tinha absorvido inteiramente seu interesse e ambição, porque esta
sublimação estava reforçada relativamente, como proteção contra outros interesses reprimidos e
inibidos que estavam menos em consonância com sua eu.

Este reforço reativo, por outra parte obsessivo, pode muito bem ser em geral um fator
determinante da destruição de sublimações que ocorre às vezes durante a análise, ainda que por
regra geral em nossa experiência a análise só estimula sublimações. O sintoma é abandonado, por
ser uma custosa formação substitutiva, quando se resolvem as fixações e se abrem outros canais
para a descarga da libido. Mas ao trazer à consciência estas fixações que formam a base da
sublimação tem por regra geral um resultado diferente: geralmente a sublimação se reforça porque
se a retém como o canal substitutivo, mas expeditivo e provavelmente mais temporão de descarga
de libido que deve ficar insatisfeita.

Sabemos que a fixação a cenas ou fantasias "primárias" é poderosa na gênese da neurose. Vou
dar um exemplo da importância das fantasias primárias no desenvolvimento das sublimações.
Fritz, que tinha quase sete anos, contava várias fantasias a respeito do "Pipi" (o órgão genital) que

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conduzia os soldados "gotas de pipí", através das ruas; Fritz deu uma descrição exata da situação
e lugar destas ruas e as comparou com a forma das letras do alfabeto. O geral conduzia aos
soldados a um povo, onde eram encurralados. O conteúdo destas fantasias era o coito com a mãe,
o movimento que acompanha ao pênis e o caminho que toma. Do contexto surgiu que eram ao
mesmo tempo fantasias de masturbação. Encontramos que intervinham em suas sublimações,
junto com outros elementos, em cujo desenvolvimento não vai estender-me agora. Quando corria
com seu "patinete" atribuía especial importância a dar voltas e curvas (25), tais como tinha
descrito em várias fantasias sobre seu "pipi". Uma vez, por exemplo, disse que tinha inventado
uma patente para o "pipi". A patente consistia em poder fazer aparecer o "pipi" com um salto
através da abertura de suas calças, sem tocá-lo com as mãos, enroscando e torcendo todo o corpo.

Tinha repetidamente fantasias de inventar tipos especiais de motocicletas e autos. O importante


dessas construções de sua fantasia (26) era invariavelmente conseguir uma destreza especial na
direção e nas curvas "As mulheres -dizia- talvez possam conduzir, mas não podem girar
rapidamente". Uma de suas fantasias era que os meninos, tanto meninas como varões, tivessem
em seguida de nascer sua pequena motocicleta. Cada menino poderia levar a três ou quatro, mas
em sua motocicleta, e deixá-los no caminho onde eles quisessem. Os meninos maus se cairiam da
motocicleta ao tomar uma curva muito fechada e os demais desceriam ao chegar a termo
(nasceriam). Falando e a letra S, com a qual tinha várias fantasias, dizia que os filhos de dita letra,
as pequenas s, podem fazer arrancar e conduzir motos estando ainda em cueiros, que todos eles
tinham motocicletas, com as que podiam ir num quarto de hora muito mais longe que o que as
pessoas maiores podiam numa hora; e que os meninos eram superiores aos maiores em correr e
saltar e em tudo o que se refira a destreza do corpo. Tinha também muitas fantasias a respeito das
diferentes classes de veículos que lhe tivesse agradado possuírem e com os que teriam ido à escola
tão cedo como os tivesse, levando a sua mãe e a sua irmã com ele. Uma vez demonstrou angústia
ante a ideia de verter petróleo no tanque de um motor, pelo perigo de explosão; resultou que na
fantasia de encher uma motocicleta grande ou pequena com petróleo, este último representava o
"Pipí-água" ou sêmen, ao que supunha necessário para o coito, enquanto a destreza especial para
manejar a motocicleta e realizar constantes curvas e voltas representava destreza no coito.

Foi só durante os primeiros anos de sua vida que deu sinais desta fixação tão grande nos caminhos
e em questões conectadas com eles. Quando tinha ao redor de cinco anos, sentia um marcado
desagrado por sair a caminhar. Também sua incapacidade para entender as distâncias em tempo
e espaço a essa idade era muito notável. Assim, depois de ter viajado durante algumas horas,
pensava que estava ainda em sua cidade natal. Sócia com este desgosto por sair a caminhar estava
sua completa falta de interesse por conhecer o lugar onde tinha ido e seu total defeituosa de sentido
de orientação

O intenso interesse pelos veículos adquiriu a forma de estar-se horas olhando passar as carroças
desde a janela ou do vestíbulo da casa e também de paixão por conduzir. Sua principal ocupação
era jogar a ser cocheiro ou motorista, juntando as cadeiras para formar o veículo. A este jogo, que
realmente consistia em sentar-se e ficar quieto, dedicava-se em tal forma que parecia compulsivo,
especialmente porque tinha uma total aversão por qualquer outro tipo de jogo. Foi nesse momento
quando comecei sua análise e depois de alguns meses se notou uma grande mudança, não só com
respeito a isto senão em geral.

Até então não tinha manifestado angústia, mas durante a análise apareceu uma intensa angústia
que foi resolvida analiticamente. Na última parte de sua análise manifestou fobia aos garotos de
rua. Estava conectada com o fato de ter sido molestada repetidas vezes por eles na rua. Manifestou
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temê-los e finalmente não se o pôde persuadir de sair só à rua. Não pude conhecer esta fobia
analiticamente porque por razões externas a análise não pôde continuar, mas soube que pouco
tempo depois de interrompido, a fobia desapareceu completamente e foi substituída por um prazer
especial por vagabundear (27).

Ao mesmo tempo desenvolveu um maior sentido de orientação no espaço. Ao começo, seu


interesse se dirigia especialmente às estações, as portas dos carros dos trens e depois as entradas
e saídas dos lugares, quanto chegava a eles. Começou a interessar-se pelas vias dos trens elétricos
e as ruas por onde passavam. A análise desvaneceu seu desgosto pelo fogo, que resultou ter vários
fatores determinantes. Seu interesse pelos veículos que se desenvolveu temporão e que tinha
caráter obsessivo manifestou-se em diferentes jogos, que, em contraste com o anterior jogo
monótono do motorista, praticava com grande riqueza de fantasias. Desenvolveu também um
apaixonado interesse pelos elevadores e por subir e baixar neles. Nessa época estava enfermo e
devia ficar em cama; então inventou os seguintes jogos. Meteu-se embaixo dos lençóis e disse:
"O buraco é cada vez maior, cedo poderei sair". Dizendo isto se deslizava suavemente por
embaixo dos lençóis até a outra ponta da cama como se a abertura fora demasiado grande para ele
para subir e saltar afora. Depois jogava a que ia fazer uma viagem embaixo dos lençóis às vezes
saía por um lado e outras pelo outro, e dizia quando se punha sobre elas que agora estava "sobre
a terra", o que significava que era o oposto a um trem subterrâneo. Tinha-o impressionado
extraordinariamente ver sair o subterrâneo de embaixo da terra numa estação terminal e continuar
por em cima. Durante este jogo com os lençóis tinha muito cuidado de que não fora a deslizar-se
para um lado ou outro durante seu trajeto, de maneira de ser visível só quando saía por um extremo
ou o outro, o que chamava a "estação terminal". Outra vez fez um jogo diferente com os lençóis,
que consistia em deslizar-se e sair delas em diferentes pontos. Quando jogava assim lhe disse uma
vez a sua mãe: "Vou adentro de teu ventre". Nessa época produziu a seguinte fantasia: ia ao
subterrâneo. Tinha muita gente ali, o motorista subia e baixava rapidamente alguns degraus e
entregava os bilhetes ao público. Ele ia ao subterrâneo, sob a terra, até que as vias se encontravam.
Depois tinha um buraco e grama. Em outro desses jogos na cama fazia repetidamente que um
brinquedo com motor e motorista andasse sobre o cobertor e lençóis que tinha enrolado para
formar um promontório. Depois dizia: "O motorista sempre quer ir acima da montanha, mas isso
é um mau caminho para andar"; depois, mandando ao motorista por embaixo dos lençóis dizia:
"Este é um bom caminho". Tinha sempre um interesse especial por uma parte do trem elétrico na
que tinha uma só via e onde se formava uma volta fechada. Dizia que tinha que estar essa volta
por se o outro trem vinha em direção contrária e chocavam. Explicava-lhe a sua mãe o perigo:
"Olha, se duas pessoas chegam em direção contrária (ao dizer isto corria para ela) chocam e assim
fazem dois cavalos, se correm assim". Uma fantasia freqüente nele era imaginar-se como era sua
mãe em seu interior: imaginava-se toda classe de aparelhos, especialmente no estômago. Isto era
seguido pela fantasia de um balouço onde tinha uma quantidade de gente pequena que tratava de
meter-se ali uns depois de outros e sair pelo outro lado. Tinha alguém que pressionava algo e os
ajudava a fazer isto.

Seu novo prazer por vagar e todos seus outros interesses duraram algum tempo, mas depois de
alguns meses foram vencidos por seu antigo desgosto por sair a caminhar. Isto durou assim até
que comecei a analisá-lo novamente. Tinha então cerca de sete anos (28).

Durante esta parte de sua análise, que foi agora muito profunda, esta rejeição se acrescentou e se
revelou claramente como inibição, até que a ansiedade latente se fez depois manifesta e pôde ser
resolvida. Era especialmente o caminho à escola o que provocava esta grande ansiedade.

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Encontramos que uma das razões pelas que não lhe agradavam as ruas que o conduziam à escola
era que tinham árvores. Às ruas que tinham terrenos sem edificar a ambos os lados, por outra
parte, encontrava-as muito formosas porque se podiam fazer caminhos e se os podia converter em
jardins se plantavam flores e se as regava (29). Sua antipatia pelas árvores que por algum tempo
tomou a forma de temor aos bosques, demonstrou estar determinada em parte por fantasias sobre
uma árvore derrubada, que podia cair sobre ele. A árvore representava para ele o enorme pênis
do pai, que desejava cortar e que por isso temia. Que temia o caminho à escola o vimos em várias
fantasias. Uma vez me falou a respeito de uma ponte (que existia unicamente em sua imaginação)
que estava no caminho à escola (30). Se a ponte tivesse tido um buraco, ele poderia ter caído por
aí. Outra vez foi um pedaço de cordel gordo que viu atirado no campo o que lhe causou angústia,
porque lhe fez pensar numa víbora. Nessa época “Análise Infantil” também acostumava ir
saltando sobre um pé uma parte do caminho, dizendo que lhe tinham cortado um pé. Em relação
com um desenho que tinha visto num livro, teve fantasias sobre uma bruxa que encontraria em
seu caminho à escola e que esvaziaria um jarro de tinta sobre ele e sua carteira. Neste caso o jarro
representava o pênis da mãe (31). Então adicionou espontaneamente que o temia, mas que ao
mesmo tempo era lindo. Outra vez fantasiou que se encontrava com uma bruxa formosa e olhava
fixamente a coroa que ela levava sobre sua cabeça. Como a olhava tão fixamente (kuckte) ele era
um cuco (Kuckuck) e ela fez desaparecer sua carteira e o transformou de cuco em pomba (um
animal feminino, segundo pensava).

Vou dar um exemplo de fantasias que apareceram, mas tarde em sua análise, onde é evidente o
significado prazenteiro original do caminho. Uma vez me disse que teria prazer em ir à escola tão
só se não fora pelo caminho Então fantasiou que para evitar o caminho tenderia uma escada desde
a janela de seu quarto até a da professora, assim ele e sua mãe poderiam ir juntos, subindo de um
degrau a outro. Depois me falou de uma corda, também tendida de janela a janela, pela qual ele e
sua irmã poderiam chegar à escola. Tinha uma senhorita que os ajudava atirando da corda e os
garotos que já estavam na escola ajudavam também. O mesmo fazia voltar à corda, "punha em
movimento a corda", segundo dizia (32).

Durante sua análise, voltou-se muito, mas ativo e então me contou a seguinte história que ele
denominou "roubo no caminho". Tinha um cavaleiro muito rico e feliz, e ainda que fosse muito
jovem, queria casar-se. Ia à rua, via ali a uma formosa dama e lhe perguntava como se chamava.
Ela contestava: "Isso não lhe importa a você". Então lhe perguntava onde vivia. Ela contestava
novamente que isso não lhe importava. Faziam cada vez mais ruídos ao falar. Então chegou um
agente, que os tinha estado observando, e levou ao jovem numa grande carruagem, o tipo de
carruagem que um cavaleiro assim deveria ter. Foi levado a uma casa com barrotes de ferro na
janela: uma prisão. Foi acusado de roubo no caminho. "Assim é como o chamam" (33).

O prazer original pelos caminhos corresponde a seu desejo de coito com a mãe, e por isto não
pôde chegar a atuar completamente até que foi resolvida a angústia de castração. Igualmente
vemos que em estreita conexão com isto, seu interesse por explorar caminhos e ruas (que formava
a base de seu sentido de orientação) desenvolveu-se com a libertação da curiosidade sexual que
tinha sido assim mesmo reprimida por causa do medo à castração. Darei alguns exemplos. Disse-
me uma vez que quando estava urinando tinha que pôr os freios (o que fazia apertando seu pênis)
porque se não toda a casa podia derrubar-se (34). Em relação com isto existiam muitas fantasias
que demonstravam que estava sob a influência da imagem mental do interior do corpo de sua mãe,
e por identificação com ela, do seu próprio. Representava-o como um povo, às vezes como um
país e depois como o mundo, atravessado por linhas de transporte ferroviário; imaginava-se esse

62
povo provido de tudo o necessário para os habitantes e os animais que viviam ali e equipado com
toda classe de artigos modernos.

Tinha telégrafos e telefones, diferentes classes de vias, elevadores, anúncios, etc. As vias estavam
construídas em diferentes direções, às vezes eram vias circulares com uma quantidade de estações,
e outras eram como as vias de seu povo, com duas estações terminais. Tinha duas classes de trens
nos trilhos: um era o "trem-Pipi", manejado por uma "gota de pipí", enquanto o outro era um
"trem-Cocô", manejado por uma "cocô" (35). Com frequência o trem "Cocô" estava representado
por um trem comum de passageiros, enquanto o trem "Pipí" era um trem expresso ou elétrico. As
duas estações terminais eram a boca e o "Pipi". Neste caso tinha certo lugar onde o trem tinha que
cruzar outra via que corria inclinada por um brinco e depois baixava. Então se produzia um grande
estrépito, porque o trem que corria por esta via e conduzia aos meninos -os meninos "Cocôs"-
chocava com outro. Os meninos magoados eram levados ao posto de sinais (36). Este resultou ser
o buraco "Cocô" que depois foi introduzido com frequência em fantasias como a plataforma de
chegada ou de saída Também tinha uma colisão e estrépito quando um trem vinha em outra
direção, isto é, quando entrava pela boca. Isto representava a fecundação através da comida, e sua
rejeição de certa classe de alimentos estava determinada por estas fantasias. Tinham outras, nas
que falava de que as duas vias do trem tinham a mesma plataforma de saída. Os trens então
corriam pelas mesmas vias, separavam-se mais abaixo e assim conduziam para o buraco "Pipí" e
"Cocô". Vê-se como forte era nele a influência da ideia da fecundação através da boca, na fantasia
que o obrigava a deterem-se sete vezes quando estava urinando. A ideia das sete detenções era
originada pelo número de gotas de um medicamento que estava tomando nessa época e pelo qual
sentia uma grande repugnância, porque, como o demonstrou a análise, equiparava-o com urina.

Há ainda outro detalhe que quero mencionar na extraordinária riqueza de imaginação que se
revelou nestas fantasias de um povo, vias (37), estações e caminhos. Outra fantasia freqüente era
a de uma estação, à que dava diferentes nomes, e que eu chamarei A. Tinha outras duas estações,
B e C, coladas à primeira. Às vezes descrevia estas duas como uma só estação grande. A era muito
importante porque dela eram enviadas toda classe de mercadorias, e às vezes também passageiros,
por exemplo, oficiais do transporte ferroviário, que representava com seu dedo. A era a boca
desde onde a comida seguia seu caminho. Os oficiais do transporte ferroviário eram o "Pipi" e
isto levava a suas ideias de fecundação pela boca. B e C eram usadas para descarregar as
mercadorias. Em B tinha um jardim sem árvores, mas com muitos caminhos que comunicavam
uns com outros, e nos que tinha quatro entradas, que não eram portas senão simples buracos. Estes
apareciam como as aberturas dos ouvidos e o nariz. C era o crânio e B e C juntos, toda a cabeça.
Dizia que a cabeça estava só colada à boca, ideia determinada em parte por seu complexo de
castração. O estômago também era com frequência uma estação, mas este arranjo variava
freqüentemente. Em tudo isto, elevadores jogavam um grande papel e eram usados unicamente
para transladar "Cocô" e meninos.

À medida que estas e outras fantasias foram interpretadas, seu sentido e faculdade de orientação
se intensificaram como se viu claramente em seus jogos e interesses.

Assim encontramos que seu sentido de orientação, anteriormente muito inibido, mas que se
desenvolveu agora em forma notável estava determinado por seu desejo de penetrar no corpo da
mãe e pesquisar seu conteúdo, com os passadiços para entrar e sair dele e os processos de
fecundação e nascimento (38).

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Encontrei que esta determinação libidinal do sentido de orientação era típica e que o
desenvolvimento favorável (ou pelo contrário, a inibição do sentido de orientação por causa da
repressão) dependia dela. Inibições parciais desta faculdade, por exemplo, o interesse pela
geografia e a orientação, com maior ou menor falta de capacidade, demonstravam depender de
fatores que considero como essenciais na formação das inibições em geral. Refiro-me ao período
da vida e ao grau em que a repressão começa a atuar sobre fixações que estão destinadas à
sublimação ou que estão já sublimadas. Por exemplo, se não se reprime o interesse pela
orientação, conservam-se o prazer e interesse nela e o grau de desenvolvimento da faculdade é
então proporcional ao grau de sucesso que atinge a busca de conhecimento sexual.

Quero chamar o atendimento sobre a grande importância desta inibição, que não só em Fritz
irradiava sobre os mais diversos interesses e estudos. Além do interesse pela geografia, descobri
que era um dos fatores determinantes na capacidade para o desenho (39), e o interesse nas ciências
naturais e tudo o que se refere à exploração do balão terrestre.

Encontrei também em Fritz uma estreita conexão entre sua falta de orientação no espaço e no
tempo. Correspondendo com seu interesse reprimido pelo lugar de sua existência intrauterina,
estava sua falta de interesse por detalhes sobre o tempo que tinha estado ali. Assim, ambas as
perguntas: "Onde estava eu antes de nascer?" e "Quando estava ali?" estavam reprimidas.

A equação inconsciente entre sonho, morte e existência intrauterina era evidente em muitos de
seus ditos e fantasias, e conectada com isto estava sua curiosidade pela duração destes estados e
sua sucessão no tempo. Pareceria que a mudança da existência intrauterina à extrauterina, como
protótipo de toda periodicidade, é uma das raízes do conceito de tempo e da orientação no tempo
(40).

Há algo mais que quero mencionar, que me demonstrou que a inibição do sentido de orientação
é de grande importância. Encontrei em Fritz que sua resistência a instruir-ser, que resultou estar
tão estreitamente conectada com sua inibição do sentido de orientação, nascia de sua retenção da
teoria sexual infantil do "menino anal". A análise demonstrou, no entanto, que tinha essa teoria
anal como conseqüência da repressão devida ao complexo de Édipo e que sua resistência a
instruir-se não estava causada por uma incapacidade para compreender o processo genital devido
a que não tinha atingido ainda o nível de organização genital.

Em realidade sucedia o contrário: era esta resistência a que impedia seu progresso para esse nível
e fortificava sua fixação ao nível anal. Em relação com isto vou referir-me novamente ao
significado de sua resistência a ser instruído. A análise de meninos me confirmou cada vez mais
meu ponto de vista sobre isto. Vi-me obrigada a considerar isto como um sintoma importante, um
sinal de inibições que determinam o inteiro desenvolvimento subseqüente.

Em Fritz encontrei que sua atitude frente ao estudo estava determinada também pela mesma
catexia sexual simbólica. A análise demonstrou que seu marcado desgosto pelo estudo era uma
inibição muito complexa ante diferentes temas escolares, determinada pela repressão de diferentes
componentes instintivos. Como na inibição para caminhar, os jogos e o sentido de orientação, o
determinante principal era a repressão -baseada em angústia de castração- da catexia simbólico-
sexual, comum a todos estes interesses, principalmente a ideia de penetrar na mãe no coito.
Durante sua análise, esta catexia libidinal e com ela a inibição, avançou claramente dos primeiros
movimentos e jogos de movimento ao caminho à escola mesma, a professora e as atividades da
escola.

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Porque em suas fantasias, as linhas de seu livro de exercícios eram caminhos, o livro era o mundo
e as letras cavalgavam sobre motocicletas, isto é, sobre a lapiseira. Outras vezes, a lapiseira era
um bote e o caderno era um lago. Encontramos que muitos erros de Fritz (que por um tempo não
puderam ser superados, até que foram resolvidos na análise, em que desapareceram sem
dificuldade) estavam determinados por suas muitas fantasias a respeito das diferentes letras que
eram amigas unas com outras ou se brigavam e tinham toda classe de experiências. Em geral,
consideravam às minúsculas como filhas das maiúsculas. Via ao S maiúsculo como imperador
das longas esses germanas; tinha dois ganchos nas pontas para distingui-lo da imperatriz, o s final,
que tinha somente um gancho.

Descobrimos que para ele a palavra falada era idêntica à escrita. A palavra significava "pênis" ou
"menino", enquanto o movimento da língua e a lapiseira significava "coito".

Mencionarei só brevemente que a análise de meninos me demonstrou a importância geral da


catexia libidinal para o desenvolvimento da fala infantil e de suas particularidades, e em realidade
para o desenvolvimento da fala como um tudo. Na linguagem (41), as fixações orais canibalescas
e anais sádicas são sublimadas, com mais ou menos sucesso, segundo o grau em que as fixações
dos primeiros níveis de organização ficam abarcadas pela primazia das fixações genitais. Creio
que este processo, que permite a descarga de fixações perversas se podem demonstrar em todas
as sublimações. Por ação e os complexos surgem diversas intensificações e deslocamentos, que
são de natureza regressiva e reativa. Isto proporciona um número ilimitado de possibilidades para
o indivíduo, como se vê, para seguir com o exemplo da linguagem, tanto em suas próprias
peculiaridades da fala como l desenvolvido dos idiomas em geral.

Encontrei em Fritz que o falar, que indubitavelmente é uma das primeiras sublimações, estava
inibido desde o princípio. Durante a análise, esta menino, que tinha começado a falar
inusitadamente tarde e parecia ter disposição a ficar calado, voltou-se um menino notavelmente
conversador. Nunca se cansava de contar contos inventados por ele e neles tinha um
desenvolvimento de fantasias que não tinha demonstrado possuir antes da análise. Mas era
evidente também que lhe deleitava o fato de falar e que tinha uma relação especial com as palavras
mesmas. Junto com isto apareceu um grande interesse pela gramática. Como ilustração, vou
anotar brevemente o que ele dizia que a gramática significava para ele. Disse-me: "a raiz da
palavra mesma não varia, somente sua terminação". Queria presentear a sua irmã para seu
aniversário um anotador onde escreveria tudo o que fazia uma coisa. Que pode fazer uma coisa?
"Uma coisa salta, uma coisa corre, uma coisa voa", etc. O que desejava escrever no livro era a
representação do que o pênis pode fazer e também fazê-lo na mãe

O significado da linguagem como atividade genital, como o expõe também Abraham num caso
de seudologia, confirmou-se em meus trabalhos em maior ou menor grau em todos os casos. Em
minha opinião, tanto isto como a determinação anal são típicos. Isto foi peculiarmente evidente
para mim num caso de uma menina gaga, que tinha fortes fixações homossexuais. Esta menina,
Grete, que tinha nove anos, considerava o falar e o cantar como uma atividade masculina, e o
movimento da língua como o do pênis. Encontrava um deleite especial quando, acostada no divã,
recitava certas orações francesas. Dizia que era "tão divertido quando sua voz subia e baixava
como alguém numa escada". A associação era que a escada estava metida num caracol. Mas, teria
lugar para a escada dentro de um caracol? (Caracol, também, era o nome que dava a seus genitais).
O ponto e a vírgula, bem como a pausa correspondente a eles na linguagem, significavam que um
tinha que ir de "acima abaixo" uma vez e começava de novo. Uma só palavra representava ao
pênis e uma oração, a penetração do pênis no coito e também o coito inteiro.
65
Em muitos casos apareceu claramente que teatros e concertos, de fato qualquer ocasião em que
há algo que ver ou ouvir, sempre passavam por ser o coito dos pais -ouvir e olhar representam à
observação na realidade ou na fantasia- bem como os panos que caem representam objetos que
estorvavam as observações, tal como a roupa de cama, os custados da cama etc. Vou citar um
exemplo: a pequena Grete me falou de uma representação no teatro. Ao princípio se tinha sentido
infeliz porque não tinha um bom assento e tinha que estar a certa distância do palco. Mas notou
que via melhor do que a gente que estava sentada cerca do palco, que não podia ver tudo. As
associações conduziram depois à posição das camas dos meninos, que estavam colocadas de tal
modo no dormitório de seus pais que seu irmão menor dormia cerca da cama deles, mas os
custados da cama faziam que fora difícil para ele poder vê-los. Em mudança sua cama estava mais
apartada e podia ver a deles perfeitamente.

Em Félix, que contava treze anos e até então não tinha demonstrado nenhum talento musical,
desenvolveu-se gradualmente durante a análise um marcado amor pela música. Isto ocorreu
quando a análise estava fazendo consciente sua fixação às temporãs observações infantis do coito.
Encontramos que os sons, alguns dos quais tinha ouvido provir da cama de seus pais e outros que
tinha fantasiado, formaram a base de um intenso (e muito cedo inibido) interesse pela música,
interesse que foi liberado novamente durante a análise. Este determinante do interesse pela música
e do talento musical o encontrei presente (junto com o determinante anal) em outros casos
também, e creio que é típico.

Na senhora H., encontrei que uma notável apreciação artística das cores formas e quadros estavam
determinados em forma similar, com esta diferença: que nela as observações e fantasias infantis
temporãs se referiam àquilo que podia ser visto. Por exemplo, neste caso, certo matiz azulado nos
quadros representava diretamente o elemento masculino; era uma fixação da analisada à cor do
pênis em ereção. Estas fixações resultavam da observação do coito, que a levaram a comparações
com a cor e a forma do pênis não ereto, e depois a observações de certas mudanças de cor e forma
em diferentes luzes, o contraste com o pêlo do púbis, e assim sucessivamente. Aqui, baseie-a anal
do interesse pela cor estava sempre presente. Pode-se estabelecer repetidamente o fato desta
catequização libidinal dos quadros, como representantes do pênis ou do filho (o mesmo se aplica
às obras de arte em geral e além de pintores, virtuosos e artistas criadores, como representantes
do pai.

Vou dar um exemplo mais do significado dos quadros como filho e pênis, sentido que encontrei
repetidas vezes na análise. Fritz, de cinco anos e meio, disse que queria ver a sua mãe nua,
adicionando: "Me agradaria ver tua barriga e o retrato de adentro". Quando ela lhe perguntou
"Queres dizer, onde estiveste tu uma vez?", contestou "Se, me agradaria olhar dentro de tua
barriga e ver se não há outro garoto adentro". Nessa época, sob a influência da análise, sua
curiosidade sexual se manifestou mais livremente e sua teoria do "menino anal" apareceu em
primeiro plano.

Resumindo o que já disse, encontrei que as fixações artísticas e intelectuais, tanto como as que
subseqüentemente conduzem à neurose, têm como alguns de seus mais poderosos fatores
determinantes, a cena primária ou fantasias sobre ela. Um ponto importante é qual dos sentidos é
mais fortemente excitado; se o interesse se aplica mais ao que se vê ou ao que se ouve. Isto,
provavelmente, também determinará e por outra parte dependerá de que as ideias se apresentem
para o sujeito visualmente ou auditivamente. Não há dúvida de que os fatores constitucionais
jogam aqui um grande papel.

66
Em Fritz, era o movimento do pênis ao que ele estava fixado; em Félix, eram os sons que tinha
ouvido; em outros, os efeitos das cores. Por suposto para que se desenvolva o talento ou a
inclinação intervirão esses fatores especiais que já discuti em detalhe. Na fixação à cena primária
(ou fantasias), o grau de atividade, que é tão Importante para a sublimação mesma,
indubitavelmente determina também se o sujeito desenvolve talento para a criação ou para a
reprodução. Pois o grau de atividade influi seguramente o modo de identificação. Quero dizer, é
questão de se voltara na adoração, estudo e imitação das obras professoras dos demais ou se fará
um esforço para ultrapassá-lo s com suas próprias obras. Encontrei em Félix que o primeiro
interesse pela música que se manifestou na análise consistia unicamente em críticas aos
compositores e diretores de orquestra. À medida que foi liberando sua atividade, começou a tratar
de imitar o que ouvia. Mas num estado ainda maior de atividade apareceram fantasias nas que o
jovem compositor era comparado com os velhos. Ainda que aparentemente não fosse questão de
talento criador neste caso minha observação da forma na qual sua atividade, quando se tornou
mais livre, influenciava sua atitude em todas suas sublimações, proporcionou-me certo
entendimento da importância da atividade no desenvolvimento do talento. Sua análise me
demonstrou o que outras análises me confirmaram: que a crítica sempre tem sua origem na
observação e crítica da atividade genital paterna. Em Félix era claro que era espectador e crítico
ao mesmo tempo e que em sua fantasia ele também tomava parte do que via e ouvia como membro
de uma orquestra. Foi recém num estagio muito posterior de atividade liberada que pôde ter
confiança no papel paterno, isto é, recém então teria podido armar-se da coragem necessária para
ser ele mesmo um compositor, se tivesse tido talento suficiente.

Vou resumir. A fala e o prazer no movimento têm sempre uma catexia libidinal que é também de
caráter simbólico genital. Esta se efetua por intermédio da identificação temporã do pênis com o
pé, a mão, língua, cabeça e corpo, transferida depois às atividades de ditos membros, as que
adquirem assim o significado de coito. Depois do uso que fazem os instintos sexuais dos instintos
de auto-conservação em relação com a função de nutrição, as seguintes atividades do eu para as
que se voltam são a linguagem e o prazer no movimento. Portanto, pode supor-se que a linguagem
não só coincidiu à formação de símbolos e da sublimação, senão que é ele mesmo o resultado de
uma das primeiras sublimações. Parece, portanto, que quando existem as condições necessárias
para a capacidade de sublimação, as fixações, começando com estas primeiras sublimações e em
conexão com elas, prosseguem dando continuamente uma catexia sexual simbólica a
subseqüentes atividades e interesses do eu. Freud demonstrou que aquilo que parece ser um
impulso para a perfeição nos seres humanos é o resultado da tensão nascida da disparidade entre
o desejo humano de gratificação (que não é satisfeito por todo tipo possível de formações reativas
substitutivas e de sublimações) e a gratificação que obtém na realidade Creio que devemos referir
a este motivo não só o que Groddeck chama a compulsão a fazer símbolos (42), senão também
um constante desenvolvimento dos símbolos. Em correlação com isto, o impulso constante para
efetuar por meio das fixações uma catexia libidinal de mais atividades e interesses do eu (por
exemplo, por meio do simbolismo sexual) geneticamente conectados uns com outros, e para criar
novas atividades e interesses, seria a força propulsora na evolução cultural da humanidade Isto
explica também como é que encontramos a atuação de símbolos em inventos e atividades cada
vez mais complicados, tal como o menino avança constantemente desde seus primitivos símbolos,
jogos e atividades, para outros, deixando atrás os primeiros.

Ademais, neste artigo tratei de assinalar a grande importância dessas inibições que não podem
chamar-se neuróticas. Há algumas que não parecem em si mesmas de nenhuma importância
prática e podem ser reconhecidas como inibições só em análises (em tudo o que implicam só se

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faz análise infantil). Desse tipo é a falta aparente de certos interesses, aversões insignificantes;
em resumo, as inibições das pessoas sãs, que tomam os aspectos mais variados. Mas chegaremos
a atribuir-lhes muita importância quando consideremos com que grande sacrifício de energia
instintiva o homem normal adquire seu saí. "Se, não obstante, em lugar de atribuir amplo
significado ao termo impotência psíquico procurasse exemplos de sua peculiar sintomatologia em
formas menos marcadas, não poderíamos negar que a conduta no amor, dos homens da civilização
atual, demonstra em geral o caráter do tipo psiquicamente impotente" (43). Há uma passagem em
Introdução à psicanálise, no que Freud examina que possibilidades de profilaxia poderiam
oferecerem-se aos educadores. Chega à conclusão de que ainda uma rígida proteção da infância
(coisa muito difícil em si) é provavelmente impotente ante o fator constitucional, mas que seria
também perigoso se esta proteção chegasse a conseguir seu objetivo demasiado bem. Esta
observação se confirmou inteiramente no caso do pequeno Fritz. O menino teve desde seus
primeiros dias uma criação cuidadosa por pessoas influenciadas por conhecimentos analíticos,
mas isto não impediu que surgissem inibições e os rasgos de caráter neurótico.

Por outra parte, a análise me demonstrou que as fixações mesmas que o conduziram às inibições
podiam formar a base de esplêndidas capacidades. Por uma parte, então, não devemos valorizar
demasiado a importância da assim chamada educação analítica, ainda que devemos fazer tudo o
que está em nosso poder para evitar todo dano mental ao menino. Por outra parte, o tema deste
artigo demonstra a necessidade de análise na temporã infância como ajuda a toda educação. Não
podemos alterar os fatores que conduzem ao desenvolvimento da sublimação ou da inibição e a
neurose, mas a análise infantil nos faz possível, numa época em que este desenvolvimento está
ainda em marcha, influir em sua direção em forma fundamental.

Tratei de demonstrar que as fixações libidinais determinam a gênese das neuroses e também da
sublimação, e que por algum tempo as duas seguem o mesmo caminho. É a força da repressão a
que determina quando esse caminho conduzirá à sublimação ou se desviará para a neurose. Nesse
ponto é onde a análise infantil tem possibilidades, porque pode em grande proporção substituir a
repressão pela sublimação e assim trocar o caminho para a neurose pelo que conduz ao
desenvolvimento de talentos

Notas

(1) Abraham: "Um fundamento constitucional da ansiedade motriz". (1914).

(2) Cf. “O desenvolvimento do menino".

(3) Em Fritz apareceu em forma violenta (e isto me pareceu muito importante), com todo o afeto
adequado a ela Em outras análises não foi sempre assim. Por exemplo, em Félix, de treze anos, a
cuja análise me referirei repetidamente neste artigo, a ansiedade era com frequência reconhecida
como tal, mas não era vivida com tal poderoso afeto. Em seu artigo "O complexo de castração na
formação do caráter” (1923), o Dr. Alexander assinala a grande importância deste "vivenciar"
afetivo. Isto é o que a psicanálise se propunha em sua infância, e ao que chamava "abreacción".

(4) Cf. S. Ferenczi: “Construções transitórias de sintomas durante a análise "(1912a)

(5) S. Freud: Conferências de introdução à psicanálise, Ou.C., 15-16 .

(6) Ibíd.

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(7) Em muitas análises pude estabelecer o fato de que os meninos com frequência ocultam aos
que os rodeiam consideráveis quantidades de ansiedade, como se advertissem inconscientemente
seu significado. Nos varões está também o fato de que crêem que sua ansiedade é covardia e se
envergonham dela, e em realidade este é um reproche que geralmente se lhes faz se a confessam.
Estes são provavelmente os motivos para esquecer fácil e completamente as ansiedades da
meninice, e podemos estar seguros de que certa ansiedade primária está sempre escondida por
trás da amnésia da infância, e pode ser unicamente reconstruída por uma análise realmente
profunda.

(8) S. Freud: "A repressão", Ou.C., 14 .

(9) S. Freud: Conferência de introdução à psicanálise, ibíd.

(10) S. Freud: "A repressão", Ou.C., 14 .

(11) S. Freud: "O inconsciente", Ou.C., 14 .

(12) Ibíd.

(13) Ao escrever sobre a conexão entre "desprazer" e "angústia" nos sonhos, Freud diz em
Conferências de introdução à psicanálise: "A hipótese que resulta adequada para os sonhos de
angústia pode ser adotada também sem nenhuma modificação para os que sofreram certo grau de
modificação, e para outros tipos de sonhos desagradáveis nos que os sentimentos de desprazer
que os acompanham se aproximam provavelmente à angústia".

(14) Ainda nesta forma de repressão, na que a transformação sofrida pela angústia a volta
irreconhecível, indubitavelmente é possível efetuar a retirada de grandes quantidades de libido
Encontrei na análise de numerosos casos que o desenvolvimento de hábitos e peculiaridades do
indivíduo tinha sido influenciado por ideias libidinais.

(15) Cf. S. Freud: "Sobre as transposições da impulsão em particular do erotismo anal". Ou.C.,
17 . Stärcke, Psicanálise e psiquiatria; Alexander, loc. cit.

(16) O resultado da repressão aparece então em forma notória algo depois (aos três ou quatro
anos, ou ainda sendo maiores) em certas manifestações, algumas das quais são sintomas
plenamente desenvolvidos, efeito do complexo de Édipo. É claro (mas o fato requer ainda
verificação) que se fora possível empreender uma análise do menino no momento do pavor
noturno ou pouco depois, e resolver sua ansiedade, se dissolveria o terreno subjacente à neurose
e se abririam possibilidades de sublimação. Minhas observações me levam a crer que não é
impossível fazer investigações analíticas em meninos dessa idade

(17) S. Freud: Conferências de introdução à psicanálise.

(18) Cf. Freud: Totem e tabu, Ou.C., 13 .

(19) Três ensaios de teoria sexual, Ou.C., 7 .

(20) Sperber, 1915 .

(21) Jones (1916): Papers of Psychoanalysis. Também Rank e Sachs (1913).

(22) Jones, loc. cit.

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(23) Freud: "As fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade" Ou.C., 9.

(24) Descobri com a análise, tanto de varões como de meninas, que era típico este significado do
futebol e também de todo tipo de jogos com pelotas. Ilustrarei esta afirmação em outra parte;
agora somente deixarei sentado que cheguei a esta conclusão.

(25) Seu grande prazer e habilidade neste passatempo tinham sido precedidos originariamente por
torpeza e desgosto. Durante a análise apareceu primeiramente uma oscilação entre o prazer e o
desgosto, que se deu também em relação com seus demais jogos de movimento e esportes. Depois
conseguiu um prazer e uma destreza perduráveis em lugar da inibição, que tinha sido determinada
pelo medo à castração. A mesma determinação se fez evidente em relação com sua inibição (seu
prazer seguinte) para andar em escorregador Ali novamente atribuía especial importância às
diferentes posturas assumidas. Descobrimos nele uma atitude análoga para todo jogo de
movimento e atlético.

(26) Era evidente que a raiz da patente de invenções e construções que fantasiava jazia sempre
nos movimentos e funções do "pipi", ao que suas invenções tinham como objeto aperfeiçoar mais.

(27) Quando tinha dois anos e nove meses se escapou da casa e cruzou ruas de muito trânsito sem
demonstrar temor. Essa inclinação a escapar-se durou ao redor de seis meses. Depois começou a
mostrar uma marcada cautela frente aos motores (a análise demonstrou que isto era angústia
neurótica), e seu desejo de escapar-se tanto como seu prazer em vagar pareciam ter-se
desvanecido finalmente.

(28) O menino tinha tido uma recaída, que se deveu em parte a que, em meu desejo de ser
prudente, não tinha feito a análise bastante profundo. Parte do resultado obtido, no entanto, tinha
resultado duradouro.

(29) Conectado com plantar flores estava seu hábito de urinar em lugares determinados de seu
caminho.

(30) S. Ferenczi: "O simbolismo da ponte" (1921).

(31) Suas associações de estar sujo com tinta eram: azeite e leite condensado, líquidos que, como
sua análise demonstrou , representavam em sua mente o sêmen. Era uma mistura de fezes e sêmen
o que supunha que teria no pênis de seu pai e de sua mãe.

(32) Isto era parte de uma fantasia, muito longa e sobre determinada, que deu material a várias
teorias sobre a procriação e o nascimento. Fritz proporcionou também outras associações sobre
uma máquina de sua invenção, por meio da qual podia atirar a corda a diferentes partes do povo.
Esta fantasia revelou novamente sua ideia de ter sido procriado por seu pai, unida a ideias de coito
por sua própria parte.

(33) Esta fantasia nos mostra que tinha determinado sua primitiva fobia pelos garotos da rua, a
que tinha desaparecido temporariamente. A primeira análise, que não foi bastante profundo, não
conseguiu resolver suficientemente as fixações, subjacentes à fobia e suas inibições. Isto fez
possível sua recaída. Este fato, considerado com maiores experiências em análises de meninos,
parecia-me demonstrar do que a análise infantil tanto como a análise posterior deve chegar tão
profundamente como seja necessário.

70
(34) Encontramos estas ideias em sua primeira análise (Cf. "O desenvolvimento do menino").
Como a análise não foi bastante profunda, as fantasias unidas a essas ideias não puderam ser
liberadas. Fizeram sua aparição recém na segunda análise.

(35) Fezes.

(36) Quero referir-me aqui novamente a uma fantasia descrita em "O desenvolvimento de um
menino". Nessa fantasia os meninos "Cocô" baixavam alguns degraus desde o balcão ao jardim
(o quarto).

(37) O trem circular de suas fantasias aparecia igualmente em todos os jogos. Construía trens que
corriam em círculo e manejava seu aro em círculo. Seu gradual aumento de interesse pela direção
e nome das ruas se tinha convertido em interesse pela geografia. Jogava a que realizava viagens
no mapa. Tudo isto demonstra que o progresso em suas fantasias de seu lar ao povo, a seu país e
ao mundo inteiro (progresso que se manifestou quando as fantasias foram liberadas), exercia seu
efeito também em seus interesses, porque sua esfera se ampliava cada vez mais. Quero aqui
chamar o atendimento sobre a grande importância das inibições no jogo também desde este ponto
de vista. A inibição e a restrição de interesse por o jogo conduzem a uma diminuição das
potencialidades e interesses, tanto na aprendizagem como no completo desenvolvimento posterior
da mente.

(38) Na discussão que teve lugar na reunião da Sociedade de Berlim sobre meu artigo não
publicado "Über die Hemmung und Entwicklung dês Orientierungssinnes" (maio 1921),
Abraham assinalou que o interesse na orientação, em relação com o corpo da mãe, é precedido
num estagio muito temporão por interesse na orientação em relação com o corpo do sujeito
mesmo. Isto é seguramente exato, mas essa primeira orientação parece compartilhar o destino da
repressão só quando se reprime o interesse na orientação em relação com o corpo da mãe, desde
depois pelos desejos incestuosos unidos a dito interesse; porque para o inconsciente, a almejada
volta ao útero materno e sua exploração se realizam por meio do coito. Fritz, por exemplo, fazia
que um perito (que freqüentemente representava ao filho em suas fantasias) deslizasse-se pelo
corpo de sua mãe. Ao fazer isto, tinha fantasias sobre países pelos que vagava. Em seu peito tinha
montanhas e cerca da região genital, um grande rio. Mas de repente, o perito era detido por
serventes -figuras de brinquedo- que o acusavam de algum crime e diziam que tinha estragado o
carro de seu padrão, e a fantasia terminava em discussão e luta. Outra vez teve fantasias sobre
viagens do perito. Este tinha encontrado um lugar bonito onde pensava que lhe agradaria
estabelecer-se, etc. Mas novamente tudo terminava mal, porque Fritz de repente declarava que
tinha tido que matar ao perito porque este pretendia tirar-lhe sua choupana. Tinha tido também
indicações temporãs desta "geografia do corpo da mãe". Quando ainda não tinha cinco anos
denominavam a todas as extremidades do corpo e à articulação do joelho "limites" e chamava a
sua mãe "uma montanha que ele escalava".

(39) Fritz, por exemplo, fez suas primeiras tentativas de desenho nessa época, ainda que é verdade
que não demonstravam sinais de talento. Os desenhos representavam vias de transporte ferroviário
com estações e povos.

(40) Nesta conclusão estou de acordo com o Dr. Hollós (1922), que chegou ao mesmo resultado
desde um ponto de partida diferente.

(41) Quero referir-me aqui a um interessante artigo do Dr. S Spielrein (1922), no que em forma
muito esclarecedora refere a origem das palavras infantis "papai" e "mamãe" ao ato de chupeteo.
71
(42) Groddeck (1922).

(43) S. Freud, "Sobre a mais generalizada degradação da vida amorosa", Ou.C., 11.

Biblioteca Melanie Klein

05 - UMA CONTRIBUIÇÃO A PSICOGÊNESES DOS CACOETES ¹


(1925)

No seguinte extrato de uma história bastante extensa do caso me proponho examinar


principalmente os fatores que têm relação com a psicogêneses dos cacoetes Neste caso o cacoete
parecia ser só um sintoma secundário e durante bastante tempo mal se interveio no material.
Apesar disto, o papel que representava na personalidade inteira do paciente, no desenvolvimento
de sua sexualidade, neurose e caráter era tão fundamental que, quando a análise conseguiu curar
o cacoete, o tratamento ficava muito próximo de seu fim.

Quando me enviaram Félix, de treze anos, para que o analisasse, o moço exemplificava em forma
notável o que Alexander tem denominado "caráter neurótico". Ainda que isento de verdadeiros
sintomas neuróticos atuais, era muito inibido em interesses intelectuais e relações sociais. Sua
capacidade mental era boa, mas não tinha interesse em nada, fora do jogo. Mantinha-se muito
apartado de seus pais, irmão e colegas de colégio Também era atraente sua falta de afetos. A mãe
mencionou só de passagem que durante alguns meses tinha tido um cacoete, que aparecia
ocasionalmente e ao que ela -e eu também, pelo menos por um período- não deu importância
especial.

Como vinha à análise só três vezes por semana, e como seu tratamento foi interrompido repetidas
vezes, suas 370 sessões se estenderam ao longo de três anos e três meses. Quando o menino veio
a mim estava ainda no estagio pré-puberal, e a longa duração do tratamento me permitiu
compreender a forma em que suas dificuldades se intensificaram pela aparição da puberdade.

Tenho aqui alguns pontos essenciais de seu desenvolvimento. À idade de três anos lhe foi operado
o prepúcio, e a conexão entre esta operação e a masturbação ficou especialmente gravada nele.
Ademais, o pai lhe tinha feito repetidas advertências e inclusive o tinha ameaçado; como resultado
destas ameaças Félix estava resolvido a abandonar a masturbação. Mas inclusive durante o
período de latência só ocasionalmente conseguia levar a cabo esta resolução. Quando tinha onze
anos, fez-se necessário um exame nasal e isto revelou seu trauma conectado com a operação que
tinha sofrido aos três anos, apareceu a uma renovação da luta contra a masturbação, esta vez com
completo sucesso. O regresso de seu pai da guerra e suas renovadas ameaças contribuiu
notavelmente a este resultado. A angústia de castração e a conseguinte luta incessante contra

72
masturbação dominaram o desenvolvimento do menino. De grande importância foi o fato de que
até os seis anos tinha compartilhado a habitação de seus pais e suas observações da relação sexual
entre eles tinham deixado uma duradoura impressão nele.

1 Nota, 1947. Devo agradecer a D. J. Barnett pela ajuda que me prestou na tradução deste artigo.

O trauma da operação à idade de três anos -idade em que a sexualidade infantil atinge seu clímax-
fortificou seu complexo de castração e o levou a passar da atitude heterossexual à homossexual.
Mas até a situação edípica investida estava posta obstáculos pela angústia de castração Seu
desenvolvimento sexual retrocedeu ao estagio sádico-anal e mostrou tendência a uma regressão
maior para o narcisismo. Assim se deram as bases para uma rejeição do mundo externo, atitude
que se voltou cada vez mais clara em sua conduta bastante anti social.

Quando era muito pequeno lhe agradava muito cantar, mas para os três anos tinha deixado de
fazê-lo. Recém quando estava em análise se reavivou seu talento musical e seu interesse pela
música. Nesta idade temporã apareceu já uma excessiva inquietude física que tendeu a
incrementar. Na escola lhe era impossível ter as pernas quietas; revolvia-se sem cessar em seu
assento, fazia caretas, esfregavam-se os olhos, etc.

Quando tinha sete anos, o nascimento de um irmãozinho intensificou em muitas formas suas
dificuldades. Seu anseio de ternura aumentou, mas se fez mais notável seu afastamento de seus
pais e ambiente.

Durante seus primeiros anos na escola era um bom aluno. Mas os jogos e a ginástica lhe
provocavam muita ansiedade, e mostrava grande aversão para eles. Quando tinha onze anos, o
pai, recém chegado da guerra ameaçou-o com castigá-lo por sua covardia física. O moço
conseguiu superar sua angústia. Inclusive se voltou para o outro extremo 2, converteu-se num
fervente futebolista e começou a nadar e a fazer ginástica, ainda que de quando em quando
apareciam recaídas. Por outra parte, reagiu à insistência de seu pai em supervisionar seus deveres
perdendo interesse pelo trabalho escolar. Uma aversão cada vez maior para a aprendizagem
converteu gradualmente à escola numa tortura. Neste período a luta contra a masturbação se
reavivou com maior energia. A análise de sua paixão por jogar que, junto a seu desagrado pelo
trabalho escolar esteve muito em primeiro plano durante a primeira parte de seu tratamento,
mostrou claramente que os jogos e outras atividades físicas eram para ele um substituto da
masturbação. Ao princípio de sua análise a única fantasia masturbatória que ainda podia recordar
algum dos fragmentos era a seguinte: Está jogando com algumas meninas, acaricia seus peitos e
jogam juntos ao futebol. Neste jogo está continuamente perturbado por uma poça que pode ver-
se por trás das meninas.

2 Para a alternância entre o amor pelos jogos e o amor pela aprendizagem -que também encontrei, ainda que não tão
marcada, em outros casos - veja-se meu capítulo "Análise infantil".

A análise revelou que esta poça era um lavatório que representava à mãe expressava sua fixação
anal para ela, e tinha também o significado de degradá-la Jogar ao futebol demonstrou representar
um “acting out” de suas fantasias de coito e tomava o lugar da masturbação como uma forma
permitida de descarga de tensão sexual, estimulada, inclusive exigida pelo pai. Ao mesmo tempo
os jogos lhe tentavam oportunidade de utilizar sua excessiva inquietude física que estava
estreitamente conectada com sua luta contra a masturbação. Mas esta sublimação era só
parcialmente exitosa 3.A equação entre jogos e relação sexual tinha sido a causa, pela pressão da
73
angústia de castração, da anterior inibição de seu amor pelos jogos. Em conseqüência das ameaças
de seu pai tinha conseguido deslocar parte de sua angústia no trabalho escolar, que tinha também
certa conexão inconsciente com a relação sexual, e que se converteu então numa atividade
proibida, como o tinham sido antes os jogos. Em meu artigo "O papel da escola no
desenvolvimento libidinal do menino" expliquei esta conexão mais especificamente com respeito
a este caso particular, como também com respeito a suas aplicações mais amplas. Aqui
mencionarei só que a Félix não lhe era possível um manejo exitoso da angústia por meio dos
jogos, aprendizagem e outras sublimações. A angústia surgia uma e outra vez. Fez-se cada vez
mais claro para ele durante a análise do que os jogos eram uma compensação infrutuosa da
angústia um substituto infrutuoso da masturbação; e por conseqüência diminuiu seu interesse por
jogar. Ao mesmo tempo desenvolveu -também gradualmente - interesse por diversas matérias
escolares. Simultaneamente seu "Berührungsangst" (o medo a tocar seu genital) diminuiu e depois
de muitos esforços infrutuosos superou gradualmente seus medos de longa data à masturbação.

Advertiu-se neste momento um aumento na frequência do cacoete. Tinha aparecido primeiro


poucos meses antes da análise, sendo o fator precipitante o que Félix havia presenciado
clandestinamente a relação sexual entre seus pais. Imediatamente depois apareceram os sintomas,
dos que se desenvolveu o cacoete; uma crispação da cara e sacudir para trás a cabeça. O cacoete
compreendia três fases. Ao princípio Félix sentia que se lhe estava rasgando a depressão do
pescoço, na parte de atrás da cabeça.

3 Em meu capítulo "Análise infantil" fiz uma contribuição à teoria da sublimação e examinei também este mesmo caso
e os fatores subjacentes ao abandono de uma sublimação sem sucesso, tal como esta.

Por causa desta sensação se sentia impelido primeiro a sacudir para trás a cabeça e depois a
rotarla da direita a esquerda. O segundo movimento estava acompanhado pela sensação de que
algo grunhia sonoramente. A fase final consistia num terceiro movimento em que pressionava o
ombro o mais possível para abaixo. Isto dava a Félix a sensação de estar furando algo. Durante
um tempo realizava estes três movimentos três vezes consecutivas. Um significado dos "três" era
que no cacoete -voltarei depois a isto com maior detalhe - Félix representava três papéis: o papel
passivo da mãe o papel passivo de seu próprio eu, e o papel ativo de seu pai. Os papéis passivos
estavam representados principalmente pelos dois primeiros movimentos; ainda que na sensação
de "grunhido" estava contido também o elemento sádico que representava o papel ativo do pai,
elemento que conseguia maior expressão no terceiro movimento, o de furar algo.

Para trazer ao cacoete à esfera de ação da análise, foi necessário obter as associações livres do
paciente sobre as sensações conectadas com o cacoete e sobre as circunstâncias que o originaram.
Depois de um tempo se converteu num sintoma que aparecia cada vez com maior frequência,
ainda que ao princípio a intervalos irregulares. Recém quando a análise conseguiu penetrar nas
capas mais profundas de sua homossexualidade reprimida, cujo material tinha aparecido primeiro
em seus relatos de jogos e fantasias a eles associadas, começou a surgir sua significação. Mais
tarde sua homossexualidade encontrou expressão na forma de um interesse, até então não
revelado, pelos concertos, especialmente pelos diretores de orquestra e os solistas. Apareceu um
amor pela música que deu lugar a uma real e duradoura apreciação da mesma.

Já em seu terceiro ano de vida Félix tinha demonstrado no canto uma identificação com seu pai.
Depois do trauma, este interesse, ao igual que o resto de sua desvantajoso desenvolvimento, ficou
reprimido. Sua reentrada no processo da análise foi precedida por recordações encobridoras da
temporã infância. Recordava que quando era muito pequeno se levantava pela manhã e via seu

74
rosto refletido na polida superfície do piano de cauda, notava que era um reflexo distorcido e se
assustava. Outro recordo encobridor era ouvir a seu pai roncar pela noite e ver cornos que
cresciam em sua frente. Suas associações conduziram, desde um piano negro, que tinha visto em
casa de um amigo, à cama de seus pais, e demonstraram que os sons que tinha ouvido surgindo
da cama tinham contribuído ao princípio em grande parte a seu interesse pelos sons e a música, e
depois tinham provocado a inibição deste interesse. Depois de escutar um concerto se queixou,
durante a análise, de que o piano de cauda tinha ocultado completamente ao artista, e em relação
com isto recordou que a posição de seu berço aos pés da cama de seus pais tinha sido tal que o
final da cama lhe tinha impedido ver o que estava sucedendo, mas não lhe tinha impedido escutar
e fazer observações. Fez-se cada vez mais claro do que seu interesse pelos diretores de orquestra
estava determinado pela equação entre o diretor de orquestra e seu pai no ato de copulação. O
desejo de participar ativamente no que estava sucedendo, ainda que ainda como espectador,
apareceu na seguinte associação: agradaria-lhe muito saber como se arruma o diretor de orquestra
para fazer que os músicos sigam o compasso com tanta precisão. A Félix isso lhe parecia
extremamente difícil, porque enquanto o diretor tem uma batuta bastante longa, os músicos só
usam seus dedos 4. Fantasias de ser músico e tocar ao compasso do diretor constituíam parte
essencial de suas fantasias masturbatórias reprimidas. A progressiva sublimação de suas fantasias
masturbatórias num interesse pelos elementos rítmicos e motores da música ficou impedida pela
prematura e violenta instauração da repressão e em relação com isto tinha importância o trauma
da operação aos três anos. Então a necessidade de atividade motriz se descarregava em inquietude
excessiva, e no curso de seu desenvolvimento se expressou também em outras formas, às que me
referirei posteriormente.

Neste menino a fantasia de tomar o lugar da mãe em relação com o pai, ou seja, a atitude passiva
homossexual ficava oculta pela fantasia homossexual ativa de tomar o lugar de seu pai na relação
sexual com um menino. Esta fantasia era expressão de sua eleição homossexual de objeto no nível
narcisista; elegia-se a se mesmo como objeto de amor. Era a angústia de castração provocada pelo
trauma o que determinou o desenvolvimento narcisista de sua homossexualidade. Ademais, seu
afastamento primeiro de sua mãe e depois de seu pai como objetos amados foi o resultado de sua
regressão narcisista e formou a base de sua conduta anti social. Mas depois deste conteúdo
homossexual de suas fantasias de masturbação era possível distinguir em numerosos detalhes
(como por exemplo, em seu interesse pelo piano de cauda e pelas partituras) a identificação
original de Félix com seu pai, ou seja, a fantasia heterossexual de relação sexual com a mãe. No
terceiro ano de sua vida Félix tinha expressado estação com o canto, que depois abandonou.

4 Este desejo de manter o ritmo se expressava também em outras formas, por exemplo, em sua reação emocional quando
um moço maior lhe avantajava ao caminhar.

Também se voltaram claros os componentes anais de suas fantasias masturbatórias. Por exemplo,
seu desejo de saber se a música soava tão apagada porque a orquestra estava localizada sob o
palco do teatro, estava determinado por sua interpretação anal dos sons que proviam da cama de
seus pais. Sua crítica dos compositores jovens que utilizavam tanto os instrumentos de vento nos
levou a seu interesse infantil pelo ruído dos pratos. O mesmo, em cuja sensibilidade musical os
componentes anais entravam tão fortemente, era o jovem compositor que sentia que só era capaz
de uma realização anal em comparação com a realização de seu pai. É significativo que este
intensificado interesse pelos sons era em parte resultado da repressão do interesse na esfera visual.
Num estagio muito temporão de seu desenvolvimento, seu voyeurismo, intensificada pela
experiência da cena primária, tinha ficado submetida a repressão. Isto se voltou novamente
evidente no curso da análise. Depois de uma visita à ópera fez uma fantasia baseada nos pontos e
75
riscas negras da partitura do diretor, que tinha tratado de decifrar desde seu assento próximo ao
palco. (Aqui temos novamente um vínculo com seus desejos heterossexuais. porque a música que
jazia frente ao diretor, Félix a identificava com os genitais de sua mãe.) Compreenderemos isto
melhor quando examinemos os sintomas transitórios de piscar e estregarse os olhos.

Quando chegou à análise, Félix tinha uma tendência muito pronunciada a não ver as coisas que
estavam mais cerca dele. Seu desagrado pelo cinematógrafo 5 ao que concedia valor só para fins
científicos, estava conectado com a repressão d e voyeurismo, que foi aumentai a por a cena
primária.

Na admiração de Félix pelo diretor que, imperturbável ante a audiência e seu aplauso, era capaz
"simultaneamente" de dirigir e de voltar tão rapidamente as folhas da partitura que soavam como
se as estivesse rasgam do (herumreissen), encontramos um exemplo de sua concepção sádica do
coito. Pretendia que inclusive desde seu assento podia ouvir o ruído das páginas quando as
dobravam -ruído que lhe interessava muito e que lhe evocava gritos e violência-, mas duvidava
de que isto fora possível a essa distância. A sensação de tê-lo ouvido se conectava com a situação
original da infância. Este ruído de violento desgarramento, que para ele representava rasgar
forçadamente e penetrar, revelou-se como um importante elemento sádico de suas fantasias
masturbatórias. Trataremos depois isto ao analisar o cacoete.

5 Em forma similar em outro caso de cacoete -o de um moço de quinze anos no que o cacoete também parecia ser
meramente um sintoma sem importância- a aversão ao cinematógrafo estava vinculada também com a repressão da
escoptofilia (voyeurismo) estimulada pela observação da relação sexual. Ademais sofria de severos temores por seus
olhos. Não pude analisar o suficiente a este moço porque depois de uma melhoria temporã, sua análise foi interrompida.
Seu cacoete -que consistia também em movimentos da cabeça - não fala sido analisado. No entanto, consegui alguns
dados que estavam de acordo com o material examinado no presente artigo.

O crescente interesse que adquiriu na mesma época por poetas, escritores e compositores se
conectava com esta temporã admiração por seu pai, que depois tinha reprimido profundamente.
Em relação com esta experiência pela primeira vez mostrou um interesse homossexual direto,
depois de ler um livro que continha uma descrição do amor de um homem por um moço.
Desenvolveu um violento "enamoramento" de um companheiro de escola Este moço, além de ser
adorado por muitos outros moços, era o favorito de um dos professores, e toda a classe supunha,
aparentemente com boas razões, que tinha um affaire amoroso entre professor e aluno. Foi
principalmente esta relação com o professor o que determinou a eleição objetal de Félix. A análise
mostrou que este moço, A, representava por uma parte uma idealização de Félix mesmo, e por
outra parte algo intermédio entre homem e mulher, a mãe com pênis. A relação da com o professor
representava a realização do próprio anseio insatisfeito de Félix de ser querido como filho pelo
pai, e também tomar o lugar da mãe na relação com o pai. Seu amor pela se baseava
principalmente na identificação e correspondia a uma relação objetal narcisista. Este amor não foi
correspondido. Em verdade, Félix mal se atrevia a acercar-se ao moço amado. Chegou a
compartilhar este amor desgraçado com outro colega, B, e depois tomou a B por objeto de amor.
O material demonstrou que B por sua tez e por outros aspectos, evocava em Félix o seu pai e
podia substituí-lo. Esta relação levou a uma masturbação mútua, e em vista das complicações
senti que em interesse da análise tinha que interromper esta relação entre os dois meninos.

Simultaneamente com esta evolução -reaparição do interesse pela música homossexualidade


manifesta, e renovação da masturbação- teve uma marcada diminuição na frequência do cacoete,
e quando em ocasiões aparecia, podíamos captar seu significado inconsciente. Na época em que
Félix me contou que sentia que tinha superado seu amor tanto pela como por B, o cacoete

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reapareceu com crescente intensidade. Isto mostrou claramente o que o cacoete tinha estado
representando: ou seja, os impulsos homossexuais reprimidos, ou mais bem, a descarga destes
impulsos em fantasias ou em masturbação. Durante o período de conflitos temporões de sua
infância, Félix se sentiu compelido, pela angústia de castração, a reprimir seus desejos para sua
mãe e pai. Agora, em parte a pedido meu, tinha repetido o processo afastando-se da e de B. Então
o cacoete apareceu como substituto, do mesmo modo que antes uma excessiva inquietude física
tinha tomado o lugar da masturbação e das fantasias masturbatórias. Fez-se então possível uma
análise mais intensa de suas tendências homossexuais. Declinou em forma notável a
homossexualidade direta e apareceram sublimações, especialmente começou neste período a
amizade com outros meninos.

A análise do cacoete nos levou uma e outra vez a suas fontes na temporã infância. Numa
oportunidade, quando Félix estava fazendo os deveres junto com um colega, propôs-se ser o
primeiro em resolver um problema de matemáticas, mas o amigo o resolveu primeiro, e então
apareceu o cacoete. As associações revelaram que esta derrota na concorrência com o amigo lhe
recordou novamente a superioridade do pai e reviveu seu complexo de castração. Como resultado
se sentiu impulsionado novamente a adotar o papel feminino em sua relação com o pai. Em outra
oportunidade reapareceu o cacoete quando teve que confessar ao professor de inglês que não tinha
podido manter-se no nível das tarefas e que queria tomar lições particulares para melhorar suas
deficiências. Para ele, também isto tinha o significado de uma admissão de derrota em relação
com seu pai.

O seguinte incidente foi especialmente característico. Félix tratava de entrar num concerto para o
que se tinham esgotado as entradas, estava parado com muita gente à entrada do teatro, quando
pela aglomeração um homem rompeu um vidro e teve que chamar a um polícia. Nesse momento
apareceu o cacoete. A análise revelou que esta situação especial representava a repetição da cena
que tinha presenciado na temporã infância, e que estava tão estreitamente associada a origem do
cacoete. Tinha-se identificado com o homem que rompeu o vidro porque, como este último,
também ele nessa situação temporã tinha querido forçar a entrada ao "concerto", ou seja, à relação
sexual entre seus pais. O polícia representava ao pai que o descobria nesta tentativa.

A posterior diminuição do cacoete teve lugar em dois sentidos: o cacoete se voltou menos
freqüente, e seus três movimentos se reduziram a dois, e depois a um. Primeiro desapareceu a
sensação de que algo se lhe rasgava na parte posterior do pescoço; e depois desapareceu também
a sensação de um grunhido audível, que iniciava o segundo movimento. Tudo o que ficou foi a
sensação de furar algo, que tinha a dupla significação de pressionar em sentido anal e de uma
penetração por meio do pênis. Sócias com esta sensação estavam suas fantasias de destruir o pênis
de seu pai e o de sua mãe furando dentro deles com seu pênis. Neste estagio os movimentos do
cacoete se condensarão num, no que ainda podiam detectar-se traços dos dois primeiros
movimentos.

O desaparecimento das sensações de desgarramento e grunhido, que estavam determinadas por


fatores homossexuais passivos, produziram-se junto com uma alteração similar das fantasias
masturbatórias; seu conteúdo homossexual mudou de passivo a ativo. No entanto, o ritmo da
relação sexual estava simbolizado no rasgar tanto como no grunhir e furar. Quando Félix, apesar
da urgência destas sensações, continha-se para não fazer os movimentos do cacoete, sentia uma
forte sensação de tensão, um aumento e depois uma diminuição destas sensações, durante um
tempo predominantemente a de rasgar, depois a de furar. Depois de certo tempo o cacoete
desapareceu completamente, mas foi substituído por um movimento que consistia em impulsionar
77
para trás os dois ombros. O significado disto foi revelado pelo incidente seguinte: enquanto falava
com seu professor, Félix se sentiu sobrecarregado pelo desejo irresistível de coçarem-se as costas,
e isto foi seguido por irritação do ânus e contração do esfíncter. Fez-se evidente que também tinha
sentido o desejo reprimido de xingar a seu professor com linguagem coprofila e sujá-lo com fezes.
Isto nos levou novamente à cena primária, ante a que tinha surgido o mesmo desejo com respeito
ao pai, e se tinha expressado com evacuação e pranto.

Num estagio posterior na análise do cacoete, apareceram como substitutos deste o esfregarem-se
os olho se a piscada, transformação que se explica como segue: tinham escrito uma inscrição
medieval na ardósia da escola e Félix teve a sensação -sem justificativa alguma- de que não
poderia decifrá-la corretamente. Então começou a esfregar-se violentamente os olhos e a piscar.
As associações revelaram que a ardósia 6 e a escritura nela significavam -como em muitas outras
ocasiões durante a análise - o genital de sua mãe como o elemento incompreensível, da situação
de coito que ele tinha observado. Há uma analogia entre esta inscrição na ardósia e a partitura do
diretor de orquestra cujas riscas negras tinham tratado de decifrar desde seu assento no teatro. De
ambos os exemplos pareceria que a escoptofilia reprimida levou à piscada, e que particularmente
no esfregar-se os olhos, obtinha expressão o desejo de masturbarse -que surgiu ao mesmo tempo-
por meio do deslocamento. Durante a análise pudemos também chegar a compreender plenamente
a conexão entre estas situações e os estados de isolamento que com frequência lhe acometiam na
escola. O desejo ausente se associava com fantasias das que o seguinte é um exemplo: está
olhando e escutando uma tormenta; isto lhe recorda uma tormenta de sua temporã infância. Depois
da tormenta tinha olhado pela janela para ver se o dono de casa e sua esposa, que antes estavam
no jardim, tinham-se magoado. Mas esta recordação resultou ser uma recordação encobridora que
conduziu novamente à cena primária.

6 Para este significado simbólico da mesa escrivaninha, lapiseira, escrever, etc., veja-se meu capítulo sobre " O papel
da escola no desenvolvimento libidinal do menino".

Progrediu mais na análise do cacoete e de suas formações substitutivas, até que eventualmente
inclusive deixou de esfregar-se os olhos e de piscar, e só a recordação do cacoete aparecia em sua
mente em ocasiões especiais. Quando também estas revelaram sua conexão com desejos
masturbatórios reprimidos e com a cena primária, desapareceu até o pensar no cacoete e com isto
se produziu a completa e duradoura cura do cacoete. Ao mesmo tempo tinha tido lugar na análise
uma mudança notável em outras direções. Apareceram pela primeira vez desejos heterossexuais
que tomaram a forma de admiração por uma atriz. Esta eleição objetal estava na linha da
permanente identificação de Félix 7, do teatro, concertos, etc., com a relação sexual, e dos
executantes com seus pais. Ele mesmo figurava então como já mostrei como espectador e auditor,
e simultaneamente, através da identificação com seus pais, como executante dos diferentes papéis.

Uma vez, depois de ter tido que me esperar na sala de espera durante uns minutos, Félix me
informou que tinha olhado pela janela aos departamentos de defronte e que ao fazê-lo tinha
sentido uma sensação especial. Nas numerosas janelas tinha visto sombras e formas e tinha tratado
de imaginar-se que estavam fazendo. Parecia-lhe que era como estar num teatro onde um vê
interpretar diversos papéis e ao mesmo tempo tem a sensação de compartilhar o que passa.

A primeira eleição objetal heterossexual de Félix estava muito influída por sua atitude
homossexual. Para ele esta atriz possuía atributos masculinos, era a mãe com pênis. Esta atitude
persistiu ainda em sua relação com seu segundo objeto de amor heterossexual. Apaixonou-se de
uma menina maior do que ele e que tinha tomado a iniciativa no assunto. Ela personificava sua

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infantil representação de sua mãe como prostituta, e ao mesmo tempo à mãe fálica, superior a ele.
A transferência me pareceu o bastante forte como para impor-lhe uma interrupção temporária
desta relação 8, especialmente porque Félix tinha conseguido o insight de que tinha sentimentos
de angústia misturados com estas relações. Esta eleição objetal servia ao propósito de fugida às
fantasias e desejos dirigidos para meu, e que só neste estagio apareceram mais em primeiro plano
na análise. Podia verse agora que o afastar-se da mãe originalmente amada, mas proibida tinha
participado no reforço da atitude homossexual e, das fantasias sobre a mãe castradora, tão temida.

A mudança das tendências homossexuais às heterossexuais, e a modificações destas últimas,


expressou-se também no desenvolvimento e modificação das fantasias masturbatórias. A análise
nos levou a remontar-nos às primeiras fantasias masturbatórias diretamente conectadas com sua
observação da relação sexual dos pais.

7 Encontrei a equação entre teatro, concerto, cinematógrafo, e toda classe de representação, e a cena primária,
característica de todo análise infantil. Se a descreve em meu capítulo “Análise infantil" .

8 Contrariamente a meu costume habitual tive que impor uma proibição neste caso como também na relação anterior,
para fazer possível a continuação da análise.

Descreverei agora a grandes rasgos o desenvolvimento dessas fantasias em sua ordem


cronológico real.

Quando era pequeno, quando ainda compartilhava o dormitório de seus pais, o que aconteceu até
que teve seis anos, Félix se representava frente a ele o tronco de uma grande árvore que apontava
em direção oposta à da cama de seus pais. Um homenzinho se deslizava por esta árvore e ia para
ele, e era metade velho e metade menino: uma condensação de seu pai e dele mesmo isto
expressava sua eleição objetal narcisista homossexual. Depois eram cabeças de homens, em
especial cabeças de heróis gregos, que via voar para ele e que eram também para sua mente
projéteis e objetos pesados. Este era já o material para suas posteriores fantasias com o futebol, e
para seu método posterior de sobrecompensar o medo ao pai castrador com sua habilidade para o
futebol.

Com a aparição da puberdade física surgiu um novo esforço de realizar uma eleição objetal
heterossexual, nas fantasias masturbatórias conectadas com meninas com as que jogava ao
futebol. Nestas fantasias também mudou as cabeças (das meninas) tal como anteriormente tinha
introduzido as cabeças dos heróis, para fazer irreconhecíveis os verdadeiros objetos amados. No
curso da análise e com o gradual reaparecimento da masturbação que se incrementou à medida
que diminuía o cacoete, suas fantasias masturbatórias se desenvolveram passo a passo até o
conteúdo seguinte: tinha fantasias de uma mulher que jazia sobre ele, depois de uma mulher que
jazia as vezes sobre ele e ocasionalmente também embaixo dele, e finalmente de uma
exclusivamente na última posição. Vários detalhes das fantasias associadas à relação sexual
correspondiam a estas diferentes posições.

A análise das fantasias masturbatórias tinha resultado no caso de Félix o fator decisivo na cura do
cacoete. Seu abandono da masturbação tinha levado à descarga motora em outras direções, que
foram como vimos fazer caretas, piscar e esfregarem-se os olhos, mobilidade excessiva nas mais
diversas formas, jogo, e finalmente o cacoete.

Mas se consideramos agora as vicissitudes das fantasias masturbatórias específicas reprimidas,


encontramos que estavam em parte conectadas com estas descargas motoras, e em parte contidas
em todas suas tentativas de sublimação. Na base de seu amor pelo esporte jaziam as mesmas
79
fantasias de masturbação que se tinham revelado em associação com o cacoete, isto é, a
identificação, baseada na cena primária, com ambos os pais no ato sexual, quando em sua mente
participava como espectador e como objeto amado. Já que em sua análise representou um grande
papel seu interesse nos jogos e os relatos sobre estes, tive amplo material para fundamentar que a
mesma identificação das suas fantasias conectadas com jogos. Seu oponente no futebol, etc., era
sempre seu pai que ameaçava castrá-lo e contra o que tinha que se defender. Mas o arco ao que
se atira a bola e o campo de jogo representava a sua mãe. Também de outras formas a análise
permitiu ver a figura da mãe inclusive depois das tendências homossexuais, do mesmo modo que
passava com as fantasias associadas com o cacoete. Os jogos e a mobilidade excessiva serviam
também como fugida do cacoete, ou mais bem da masturbação. Devia-se em especial à angústia
de castração sempre recorrente do que esta sublimação só se conseguisse imperfeitamente e do
que a relação do menino com os jogos fora instável. Mas encontramos que estas fantasias
masturbatórias eram também a causa de sua atitude ambivalente para a aprendizagem, estando
também estreitamente unidas a essa atividade.

Um dia, enquanto o professor estava apoiado em sua escrivaninha durante uma classe, Félix sentiu
o desejo de que o professor golpeasse a escrivaninha, rompesse-o, e se magoasse ao fazê-lo. Para
Félix isto representava uma nova versão de seu pai em relação sexual com sua mãe, enquanto ele
olhava. Sua relação com o professor foi, desde o princípio, a repetição de sua relação com seu
pai, e estava determinada da mesma forma pela homossexualidade reprimida. Toda resposta que
desse em classe, todo o trabalho que para na escola, tinham o significado de relação sexual com
o pai. Mas também aqui, tal como em sua relação com seus colegas e oponentes nos jogos,
aparecia a relação original com a mãe -por escondida que estivesse - sob a tendência homossexual.
A forma em que se sentava na escola, a escrivaninha em que se apoiava o professor e a ardósia
em que escrevia o sala de aula, o edifício: todos estes representavam, em relação com o professor,
à mãe com a que o professor (pai) tem relação sexual, tal como o arco em que cai a bola, o campo
de jogo na escola o pátio de recreio, etc. A angústia de castração explicava tanto sua inibição para
a aprendizagem como sua inibição para os jogos. Portanto, podemos compreender como resultou
que Félix, apesar de certas inibições, fora um bom aluno nos primeiros anos, já que esse período
correspondia à ausência do pai devida à guerra, de maneira que a angústia associada com a
aprendizagem estava de algum modo diminuída. Foi com a volta do pai quando surgiu a aversão
à escola Por outra parte, Félix sublimou então por um tempo suas fantasias masturbatórias nas
atividades físicas exigidas por seu pai, é verdade que em parte sobre compensando a angústia.

O mesmo conteúdo mutante das fantasias masturbatórias pode encontrar-se, como mostrei, em
seu amor pela música: sublimação que tinha sido inclusive mais intensamente reprimida, mas que
foi gradualmente liberada no curso da análise. Foi outra vez devido à angústia provocada por suas
fantasias masturbatórias que se tinha desenvolvido esta inibição ainda maior e mais temporã.

No caso de Félix se tomou evidente que tinha uma estreita conexão do cacoete com a
personalidade inteira do paciente, tanto com sua sexualidade como com sua neurose, com o
resultado de suas sublimações, com o desenvolvimento de seu caráter e com sua atitude social.
Esta conexão estava enraizada em suas fantasias masturbatórias, e no caso de Félix resultou
especialmente evidente que estas fantasias influíram em forma essencial em suas sublimações,
neuroses e personalidade.

Em forma similar, encontrei no caso de outro paciente que o desenvolvimento do cacoete estava
determinado pela significação e estrutura das fantasias masturbatórias. Tratava-se não de um
cacoete pronunciado senão de descargas motoras que, em muitos aspectos importantes, eram
80
semelhantes a um cacoete. Werner, que veio ver-me aos nove anos, era um menino neurótico. Já
ao ano e meio tinha manifestado excessiva inquietude física, que se incrementava constantemente.
Aos cinco anos desenvolveu o curioso hábito de mover suas mãos e pés imitando os movimentos
de uma locomotiva. Deste jogo se desenvolveu o que ele mesmo e os de seu arredor chamavam
"agitação", o que chegou a dominar cada vez mais todos seus jogos. O jogo original da locomotiva
cedo deixou de ser o único conteúdo de seu jogo. À idade de nove anos com frequência se agitava
horas e horas. Dizia: "Agitar-se é divertido, mas não é sempre divertido, não se pode deixar de
fazê-lo quando um quer, como por exemplo quando há que fazer os deveres."

Na análise se fez evidente que a supressão do movimento provocava não só angústia senão
também uma sensação de tensão -era então que tinha que pensar sempre em agitar-se- bem como
em Félix a supressão do cacoete não tinha liberado a angústia senão a tensão. Outras semelhanças
importantes se encontram no conteúdo das fantasias. Durante a análise descobri o que Werner
chamava seus “pensamentos de agitação. Disse-me que se agitava pelos animais de Tarzán 9. Os
macacos caminham pela selva, em sua fantasia ele caminha depois deles e se acomoda a seu passo.
As associações mostraram claramente sua admiração pelo pai que copula com a mãe (gracioso =
pênis) e seu desejo de participar como terceira pessoa. Esta identificação, de novo com pai e mãe
ao mesmo tempo, formava também a base de outros numerosos pensamentos de "agitação", todos
os quais podiam reconhecer-se como fantasias masturbatórias. É significativo que enquanto se
agitava tinha que fazer gira r um lápis ou regra 9 A referência é um dos livros de Tarzán, cuja
tampa tinha visto, e usado depois como tema de sua fantasia. entre os dedos de sua mão direita, e
também que não podia "agitar-se adequadamente" em presença de outros.

A seguinte é outra das fantasias que acompanhavam a agitação: viu ante ele um bote feito de uma
madeira especialmente resistente e equipado com escadarias bastante fortes pelas que uma pessoa
podia baixar e subir com perfeita segurança. Na parte inferior tinha armazéns com provisões e
uma grande bola cheio de gás. Hidroaviões podiam aterrissar neste "navio de resgate" (como ele
o chamava) se estavam em dificuldades. Esta fantasia expressava a angústia de castração que
surgia de sua adoção da atitude feminina em relação com seu pai e também a defesa contra essa
atitude. Os hidroaviões em dificuldades o representavam a ele, o capacete do navio à mãe, a bola
e o armazém de provisões, o pênis do pai. Neste caso, como no de Félix, a angústia de castração
levou a uma voltada narcisista para si mesmo como objeto de amor. Em suas fantasias
representava um papel importante um "Pequeno" que se une e compete também com um
"Grande", e demonstra ser mais destro, como por exemplo uma locomotiva menor e
especialmente um palhaço menor. O "pequeno" não é só o pênis senão também ele mesmo, em
comparação com seu pai, e a admiração para si mesmo, que expressava deste modo, mostrava a
disposição narcisista de sua libido.

Outra semelhança entre os dois casos é o papel importante que representava o som nas fantasias
de Werner. Werner não tinha desenvolvido ainda um sentimento marcado para a música, mas
mostrava muito interesse pelos ruídos que, como a análise revelou, estava estreitamente conectado
com fantasias provenientes de observações da relação sexual entre os pais. Compartilhou
temporariamente o dormitório dos pais quando tinha cinco meses. Nada pode estabelecer-se -pelo
menos no estagio atual de sua análise -10 sobre suas observações nesta idade temporã. Por outra
parte, a análise provou além de toda dúvida a importância do que repetidamente ouviu através da
porta aberta que dava à habitação de seus pais, ao redor dos dezoito meses. Foi neste período
quando apareceu a excessiva mobilidade. O seguinte ilustra o importante papel que representou
o fator acústico em suas fantasias masturbatórias: disse-me que se tinha "agitado" por um

81
gramofone que quer conseguir; a "agitação" era, como sempre, a imitação de certos movimentos,
neste caso os de dar corda ao gramofone e da pua que se move sobre o disco. Passou depois a
fantasias sobre uma motocicleta que quereria possuir e da mesma forma descreveu os movimentos
desta como "agitação". Fez desenhos de suas fantasias. A motocicleta tinha um motor enorme,
evidentemente desenhado como um pênis, e como a bola do "navio de resgate", estava bem cheio,
neste caso com petróleo. No motor se sentava uma mulher que punha em movimento a
motocicleta. Os sons produzidos ao arrancar caíam em forma de raios pontiagudos sobre "um
pobre homenzinho" ao que assustavam muito. Em conexão com isto produziu Werner uma
fantasia sobre uma banda de jazz, cujos sons imitaram, e disse que ele se estava "agitando" por
isto. Mostrou-me como toca o trompetista, como dirige o diretor e como outro tocava a baterista.
Ao perguntar-lhe sobre que se estava "agitando" em conexão com isto, contestou-me que estava
tomando parte em todas estas atividades. Então desenhou num papel um gigante com grandes
olhos e uma cabeça que continha antenas e aparelhos telegráficos. Um bonequinho diminuto
queria ver ao gigante e para fazê-lo se subia à Torre Eiffel que no desenho estava conectada com
um edificio. Sua admiração por seu pai se expressava aqui através da admiração por sua mãe;
depois da atitude passiva homossexual podia advertir-se a heterossexual.

10 Nota, 1947. Quando estava escrevendo este artigo, a análise de Werner ainda estava em curso, em realidade nessa
época só tinha durado ao redor de três meses.

Em Werner, como no caso de Fritz, o intenso interesse pelo acústico que tem que encontrar
expressão rítmica, estava associado com a repressão da escoptofilia. Depois das fantasias que
acabo de descrever sobre a banda de jazz representada por um gigante, Werner me falou dos
cinematógrafos aos que tinha ido. É verdade que não tinha uma aversão tão marcada como Félix
pelo cinema, mas notei signos de escoptofilia reprimida quando tive oportunidade de vê-lo com
outros meninos durante uma representação teatral. Apartava seus olhos do palco por períodos
bastante longos, e disse depois que tudo era aborrecedor e falso. Por momentos permanecia como
super feliz, com a mirada fixa na cena que se estava representando, mas depois voltava à atitude
anterior.

Também no caso de Werner, o complexo de castração era extraordinariamente forte; a luta contra
a masturbação tinha fracassado, mas o menino procurava um substituto em outras descargas mo
toras. Sua análise não pôde assegurar ainda quais foram as impressões traumáticas que levaram
ao desenvolvimento de um complexo de castração tão intenso, e ao medo à masturbação Sem
dúvida que a observação auditiva do coito à idade de cinco anos -de novo através da porta aberta
-, depois provavelmente também a observação visual entre a idade de seis e sete anos, quando
compartilhou o quarto dos pais por um breve período, serviram para intensificar todas suas
dificuldades, inclusive a "agitação" que já se tinha desenvolvido para então. A analogia entre
"agitação" e um cacoete é inquestionável. Possivelmente se justificaria considerar o sintoma
motor como uma espécie de estagio preliminar do desenvolvimento de um cacoete real. Também
no caso de Félix uma difusa mobilidade excessiva se tinha evidenciado desde a temporã infância,
e só foi substituída por um cacoete na puberdade, depois de uma experiência especial que serviu
como fator precipitante. Quiçá suceda com frequência que um cacoete se desenvolve finalmente
só na puberdade, quando aparecem tantas dificuldades.

Compararei agora as conclusões de meu material com as publicações psicanalíticas sobre o


cacoete. Quisesse referir-me ao amplo articulo "Observações psicanalíticas sobre o cacoete”, de
Ferenczi 11, e o artigo de Abraham 12 lido ante a Sociedade Psicanalítica de Berlim. Uma das
conclusões de Ferenczi (que o cacoete é um equivalente da masturbação está confirmada nos dois

82
casos que descrevi. A tendência a efetuar o cacoete em solidão, que foi também sublinhada por
Ferenczi, podia verse no caso de Werner, no que pudemos observar a condição em estado de
desenvolvimento; era-lhe necessário estar só para poder "agitar-se". A conclusão de Ferenczi de
que na análise o cacoete não joga o mesmo papel que outros sintomas, que -em certa medida-
ilude a análise, posso também confirmá-la, mas só até certo ponto. Por muito tempo eu também
tive a impressão, na análise de Félix, de que tinha algo muito diferente sobre seu cacoete em
comparação com outros sintomas que revelaram seu significado muito antes e mais claramente.
Encontrei também que a Félix não lhe importava ter um cacoete, e isto novamente está de acordo
com as conclusões de Ferenczi. Estou também de acordo com Ferenczi em que as razões de todas
estas diferenças devem encontrar-se na natureza narcisista do cacoete. Mas aqui surge certo
desacordo essencial com Ferenczi. Considera ao cacoete como um sintoma narcisista primário
que tem uma fonte comum com as psicoses narcisistas. A experiência me convenceu de que o
cacoete não é acessível à influência terapêutica até que a análise não conseguiu descobrir as
relações objetais em que se baseia. Descobri que subjacentes ao cacoete tinha impulsos genitais,
anal-sádicos e oral-sádicos dirigidos ao objeto. É verdade que a análise teve que penetrar nos
estágios mais temporões do desenvolvimento infantil, e o cacoete não desapareceu
completamente até que as fixações predisponentes do período infant il tivessem sido
minuciosamente exploradas 13. Não pode sustentar-se o argumento de Ferenczi de que no caso
do cacoete não parece de nenhum modo que tenha relações objetais escondidas depois do sintoma.
A relação objetal original se tomou clara no curso da análise nos dois casos que descrevi;
meramente tinham sofrido uma regressão ao estagio narcisista, sob a pressão do complexo de
castração.

11 Ferenczi (1921b) .

12 Abraham (1922).

13 Me parece que isto explica porquê na análise de adultos, o cacoete, como diz Ferenczi "não parece ao fim da análise
pertencer ao marco da complicada estrutura da neurose". Nos adultos freqüentemente pode não ser possível levar a
análise à profundidade requerida para descobrir as primeiras fixações e relações objetais que determinam o cacoete.
Em tanto não se faça isto, o cacoete -em virtude do que eu chamaria seu caráter seminarcisístico- sempre iludirá a
análise. No caso de Félix a análise conseguiu não só reconstruir os detalhes de seu desenvolvimento mais temporão
que determinaram a forma de suas fantasias masturbatórias e de seu cacoete, senão também, com a ajuda de
recordações, fazê-los plenamente conscientes outra vez. Podemos supor que é um elemento narcisístico do cacoete, o
responsável da dificuldade de conseguir acesso a este sintoma na análise, uma dificuldade que aumenta em proporção
com a idade do paciente. Um deveria concluir que o tratamento de um cacoete deve ser empreendido a uma idade
temporã, o antes possível depois da aparição do sintoma.

As relações objetais anal-sádicas que assinalou Abraham também se revelaram em meus casos.
Em Félix, a contração dos ombros que seguia ao cacoete era um substituto da contração do
esfíncter, que formava também a base do movimento rotatório do cacoete. Em conexão com isto
surgiu o impulso a xingar ao professor. O movimento de "furar" do cacoete, a terceira fase, é
compatível não só por furar dentro senão também com furar para afora, defecação.

Na época em que o cacoete foi substituído por excessiva mobilidade difusa, Félix tinha o costume
de balançar os pés em tal forma que com frequência pateava ao professor quando este passava.
Era incapaz de dominar este hábito apesar das dificuldades que lhe trazia. Este componente
agressivo de sua inquietude física que foi novamente representado no cacoete, também se revelou
claramente no caso de Werner, numa conexão tão significativa que mostrou claramente o
significado fundamental dos impulsos sádicos nas descargas semelhantes a cacoetes. Durante as
sessões analíticas, uma série de perguntas compulsivas e apaixonadas, que resultaram ser

83
expressão de curiosidade conectada com a cena primária -de cujos detalhes o menino de um ano
e meio não podia encontrar explicação- era seguida repetidamente por violentos estalidos de ira.
Nesses momentos Werner sujava a janela e a mesa com lápis de cores, tratava de sujar-me a minha
também, ameaçava-me com seus punhos e com as tesouras, tratava de colar-me pontapés, para
sons semelhantes a flatos inchando os carrinhos, xingava-me de todas formas, fazia caretas e
assobiava; no meio disto se punha repetidamente os dedos nas orelhas 14 e de repente anunciava
que podia ouvir um ruído raro, distante, mas não sabia que era.

Mencionarei outro fato que provê provas inequívocas de que esta cena era uma repetição das
descargas mo toras agressivas provocadas pela cena primária. Durante o estalido de ira, Werner
costumava sair da habitação para ver se podia golpearme com uma bola arrojada desde o vestíbulo
através da porta aberta, uma repetição evidente da situação em que, à idade de dezoito meses,
queria xingar e danar a seus pais através da porta aberta 15. Numerosas fantasias que
demonstraram estar conectadas com o cacoete, por exemplo, a dos instrumentos de vento com os
que Félix sentia que queria participar na relação sexual dos pais, atestam a relação objetal anal.
Werner também se "agitava" para imitar ao trompetista da banda de jazz -que representava a seu
pai no ato sexual -e a expressava também assobiando e imitando o ruído dos pratos.

14 Assobiar, tamparem-se os ouvidos, etc., era neste caso um sintoma de resistência que aparecia sempre na análise;
mas também para uso dele na casa.

A forma em que estes componentes sádicos-anais não só entravam no cacoete senão que
demonstraram ser importantes fatores de sua construção parece-me que confirma a opinião de
Abraham de que o cacoete é um sintoma de conversão do estagio sádico-anal. Ferenczi, em réplica
a Abraham, expressou seu acordo com esta opinião, e também chamou o atendimento em seu
artigo sobre a importância dos componentes sádico-anais do cacoete e sua conexão com a
coprolalia.

As relações objetais genitais se viram claramente no material anterior. As fantasias de coito sócias
com o cacoete se tinham expressado originalmente em atividades masturbatórias. Isto se
evidencio quando no curso da análise reapareceu a eleição objetal em conexão com a masturbação
tanto tempo evitada sob a pressão da angústia. A eleição objetal heterossexual, que foi a última
em ser descoberta, esteve acompanhada por mais mudanças nas fantasias masturbatórias, e com
estas se restabeleceu claramente a volta à masturbação da temporã infância.

Posso assinalar aqui uma passagem do articulo de Ferenczi que parece tender uma ponte entre as
diferenças de opinião de Ferenczi e as minhas próprias. Ferenczi escreve: "No caso de um cacoete
que aparece num 'narcisista constitucional', em general a primazia da zona genital não parece
firmemente estabelecida, de maneira que estimulações ordinárias ou perturbações inevitáveis dão
lugar a esse deslocamento. A masturbação seria então uma espécie de atividade sexual
seminarcisista da que são possíveis tanto a transição à gratificação normal com outro objeto como
a volta ao auto-erotismo".

Meu material mostra que um retrocesso das relações objetais já conseguidas ao narcisismo
secundário teve lugar por meio da masturbação por certas razões, que devem ser examinadas em
detalhe, a masturbação se tomou novamente uma atividade auto-erótica. Mas isto me parece que
aclara a diferença entre as ideias de Ferenczi e as minhas. Segundo minhas descobertas, o cacoete
não é um sintoma narcisista primário senão secundário. Como já assinalei, em meus casos o
desaparecimento do cacoete foi seguida não só por angústia senão também por uma sensação de
tensão, o que está de acordo com as afirmações de Abraham.
84
15 Os pais confirmaram que na época em que tinham tido lugar estas observações auditivas, ou seja, aos dezoito meses,
o menino costumava molestá-los repetidamente durante a noite, e pela manhã encontravam com frequência que tinha
sujado a cama com seus excrementos. Nesta época, como já mencionei, fizeram sua aparição os primeiros indícios de
mobilidade excessiva, que tomaram primeiro a forma de correr continuamente de aqui para lá com pedaços de madeira
que tinha sacado de um ateliê adjacente.

Em certa medida minhas conclusões podem ser consideradas como complementares das opiniões
de Ferenczi e Abraham. Encontrei que o cacoete era um sintoma narcisista secundário, e foi à
revelação das relações objetais originais anais-sádicas e genitais nas que estava baseado o que me
levou a esta conclusão. Ademais, apareceu que o cacoete não é só um equivalente da masturbação
senão que também há fantasias masturbatórias unidas a ele. A exploração e dissolução analítica
do cacoete só se fizeram possível depois da cuidadosa análise das fantasias masturbatórias, o que
implicava revelar o inteiro desenvolvimento sexual da infância. Assim a análise das fantasias
masturbatórias resultou ser a clave para o entendimento do cacoete.

Ao mesmo tempo cheguei a ver que o cacoete, que ao princípio tinha parecido um sintoma
acidental e desvinculado, estava estreita e organicamente conectado com graves inibições e com
um desenvolvimento anti social do caráter. Assinalei repetidamente que quando a sublimação tem
sucesso, todo talento e todo interesse estão baseados em parte em fantasias masturbatórias. No
caso de Félix, suas fantasias masturbatórias estavam estreitamente conectadas com seu cacoete.
A sublimação de suas fantasias masturbatórias em numerosos interesses foi paralela à
desintegração e desaparecimento do cacoete. O resultado final da análise foi a diminuição de
grande alcance tanto das inibições como dos defeitos caractereológicos. Também no caso de
Werner, a análise revelou a significação central da "agitação" e sua conexão com suas graves
inibições e conduta anti social. Apesar de que a análise de Werner não penetrou ainda o bastante
profundamente como para exercer um efeito terapêutico no sintoma, é já claro até onde toda sua
rica vida de fantasia foi posta ao serviço deste sintoma e apartada, portanto de outros interesses.
A análise mostra também que a inibição de sua personalidade tinha sido progressiva.

Creio que estes fatores assinalam a necessidade de examinar desde este ângulo a significação do
cacoete, isto é, descobrir até onde não é meramente uma indicação de inibição e desenvolvimento
anti social, senão de importância fundamental para o desenvolvimento destas perturbações.

Quisesse assinalar uma vez mais os fatores específicos subjacentes à psicogêneses do cacoete, tal
como se me apareceram no material apresentado. As fantasias masturbatórias subjacentes ao
cacoete são certamente inespecíficas, porque sabemos que têm a mesma importância para quase
qualquer sintoma neurótico, e como tratei de mostrar repetidamente, para a vida de fantasia e as
sublimações. Mas inclusive o conteúdo especial das fantasias masturbatórias que era comum a
meus dois casos -identificação simultânea com ambos os pais enquanto o sujeito mesmo participa-
não parece em si mesmo específico. Um se encontra seguramente com este tipo de fantasia em
pacientes que não têm nem um cacoete.

Mas um fator mais específico me parece do que jaz no desenvolvimento que em ambos os casos
tomou esta forma de identificação. Ao princípio a identificação com o pai estava encoberta pela
identificação com a mãe (atitude homossexual passiva); devido a uma angústia de castração
particularmente intensa esta atitude deu lugar depois à renovada aparição de uma atitude ativa.
Teve lugar novamente um tipo de identificação com o pai, mas já não era exitosa porque as
características deste estavam fusionadas com o próprio eu do paciente, e o eu do paciente, amado
pelo pai, emergiu como o novo objeto amado.

85
Há, no entanto um fator específico preciso que favoreceu tanto a regressão narcisista, que surgia
do complexo de castração, como o cacoete baseado nesta regressão. No caso de Félix, como no
de Werner, as observações da relação sexual se fizeram de tal modo que o interesse principal se
dirigiu aos sons acompanhantes. Em Félix este interesse pelo som estava intensificado por uma
considerável repressão da escoptofilia. No caso de Werner, não há dúvida de que como suas
observações foram feitas desde o quarto contíguo, e foram então principalmente observações
auditivas, levaram a seu interesse pelo som. Um aumento da mobilidade, provavelmente de
origem constitucional (Ferenczi, loc. cit.) aparece em conexão com este interesse 16. Imitava 17 o
que ouvia, primeiro por representação em movimentos masturbatorios rítmicos. Quando
abandonou a masturbação sob a pressão da angústia de castração então os sons tinham que ser
reproduzidos por outras descargas motoras. Por exemplo, em ambos casos descrevi a fantasia de
levar o compasso em música, com o diretor. Podemos supor que este interesse acústico não só
estava influído por circunstâncias, senão que derivava de um fator constitucional que nestes dois
casos mostrou estar conectado com fortes componentes sádico -anais. Estes se revelaram num
interesse pelos sons dos pratos e na agressão subjacente à mobilidade incrementada.

16 A conexão entre as impressões auditivas e sua reprodução em movimentos pode ver-se como fenômeno normal na
necessidade de dançar provocada por escutar música dançante.

17 Em Félix e em Werner era questão de imitar ao pai no coito. A necessidade de imitar, de representar, em pacientes
que sofrem de cacoetes, é mencionada também por Ferenczi.

Só a experiência posterior pode decidir se os fatores específicos que atuavam nos casos que
observei são também em outros casos de importância na psicogêneses dos cacoetes.

APÊNDICE AGREGADO AO CORRIGIR As PROVAS (1925)

Desde que escrevi este artigo comecei a análise de um menino, Walter, de cinco anos e meio,
cujo sintoma principal consistia num movimento estereotipado. A juventude do paciente e o
progresso feito na análise (que basta agora durou seis meses) fizeram possível explorar com
detalhe os fatores atuantes que antecedem ao sintoma, e influir em forma muito favorável no
sintoma recentemente desenvolvido. Uma neurose obsessiva e uma deformação caractereológica
incipiente no menino fazem necessária uma análise mais profunda. Este caso revela também a
atuação dos fatores que demonstraram ser decisivos nos dois primeiros casos. Por razões de
brevidade escolherei o de ouvir o coito desde uma habitação adjacente, no segundo ano de vida.
A esta idade apareceram mobilidade excessiva e medo ao ruído de golpear. Semana depois de
semana na análise Walter faz uma repetição compulsiva, com variações, do show de Kasperle
(semelhante ao de Punch e Judy). Nesta atuação eu tenho que começar como o diretor de orquestra
e com um palito ou objeto similar golpear, o que representa a música; ao compasso deste golpear
ele faz truques acrobáticos. Muitos detalhes provam que o show de Kasperle é a relação sexual
na que toma o lugar da mãe. Seu medo à masturbação, sócio com um acontecimento traumático
aos quatro anos, era evidente. Até agora a representação teatral é sempre seguida por um estalido
de ira, acompanhado por descargas motoras agressivas. e uma representação de ataques anais e
uretrais de sujar dirigidos todos aos pais em coito. BASEIE-A anal-sádica dos sintomas motores
pôde verse claramente.

Minhas conclusões se confirmam em todos os pontos por este terceiro caso, e é particularmente
instrutivo notar que os casos pertencem a diferentes e muito importantes períodos do
desenvolvimento. Parece agora claramente provado que o cacoete tem sua base na agitação e
inquietude física tão freqüente na temporã infância, a que por conseguinte requer séria
86
consideração. Se esta mobilidade excessiva, difusa, é invariavelmente condicionada por
observações auditivas do coito, inclusive se não se desenvolve num cacoete, só poderia afirmar-
se depois de maior experiência. Em qualquer caso, foram um fator fundamental nos três casos que
analisei e nos que a mobilidade excessiva sim se converteu num cacoete ou em movimentos
semelhantes a um cacoete. Em Walter, como em Werner, a condensação em sintomas motores
apareceu no sexto ano de vida. Refiro-me ao fato mencionado por Ferenczi de que no período de
latência os cacoetes aparecem freqüentemente como um sintoma transitório. Em dois de meus
três casos impressições traumáticas contribuíram seguramente ao fracasso na superação dos
complexos edípicos e de castração, enquanto no terceiro caso não foi o bastante analisado ainda
nesse sentido. Isto deu origem, depois da declinação do complexo de Édipo, a uma luta
particularmente intensa contra a masturbação, da que o sintoma motor se torna então um substituto
imediato. Pode supor-se que em outros casos também os cacoetes e movimentos estereotipados -
freqüentemente transitórios- do período de latência podem desenvolver-se depois num verdadeiro
cacoete, quando a rescendência dos conflitos da temporã infância, ou de experiências traumáticas
-especialmente na puberdade, ou inclusive depois- sobrevêm como fatores precipitantes.

Biblioteca Melanie Klein

06 - PRINCÍPIOS PSICOLÓGICOS DA ANÁLISE INFANTIL


(1926)
No seguinte artigo me proponho examinar em detalhe certas diferenças entre a vida
mental dos meninos pequenos e a dos adultos. Estas diferenças requerem que usemos uma técnica
adaptada à mente do menino pequeno, e tratarei de demonstrar que há uma verdadeira técnica de
jogo analítica, que cumpre com este requisito. Esta técnica está planejada de acordo com certos
pontos de vista que examinarei com algum detalhe neste artigo.

Como sabemos, os meninos formam relações com o mundo externo dirigindo para os
objetos dos que se obtém prazer à libido originalmente afeiçoada exclusivamente ao próprio eu
do menino. A relação do menino com estes objetos sejam viventes ou inanimados, é em primeiro
lugar narcisista. No entanto, é deste modo como os meninos chegam a ter relações com a
realidade. Quisesse agora ilustrar com um exemplo a relação dos meninos pequenos com a
realidade.

Trude, uma menina de três anos e três meses, foi-se de viagem com a mãe depois de
uma única sessão de análise. Seis meses depois reiniciei a análise. Foi só depois de tempo
considerável que falou de algo que tinha passado nesse intervalo, e a ocasião em que a fez foi
durante o relato de um sonho. Sonhou que estava novamente em Itália com sua mãe, num
restaurante familiar. A garçonete não lhe dava xarope de fruta, porque não ficava mais. A
interpretação deste sonho mostrou, entre outras coisas, que a menina sofria ainda da privação do
peito materno imposta pelo desmame; ademais, revelou sua inveja a sua irmã. Pelo geral, Trude
me contava toda classe de coisas aparentemente irrelevantes, e também mencionava
repetidamente detalhes de sua primeira sessão analítica, seis meses atrás, mas era só a conexão

87
com as frustrações que tinha experimentado o que lhe fazia pensar em suas viagens, que por outra
parte não tinham interesse para ela.

Numa idade muito temporã os meninos começam a conhecer a realidade através das
privações que esta lhes impõe. Defendem-se a se mesmos contra a realidade repudiando-a. No
entanto o fundamental e o critério de toda capacidade anterior de adaptação à realidade, é o grau
em que são capazes de tolerar as privações que resultam das situações mesmas. Daí que inclusive
em meninos pequenos, um repúdio exagerado da realidade (com frequência encoberto sob uma
aparente "adaptabilidade" e "docilidade") é uma indicação de neurose e difere da fugida da
realidade do adulto neurótico só nas formas em que se manifesta. Portanto, inclusive na análise
de meninos pequenos, um dos resultados finais a obter é a adaptação exitosa à realidade. Uma
forma em que isto se manifesta nos meninos é a modificação das dificuldades que apresentam em
sua educação. Em outras palavras, estes meninos se fizeram capazes de tolerar frustrações reais.

Podemos observar que os meninos mostram com frequência, já ao principio de seu


segundo ano, uma marcada preferência pelo progenitor do sexo oposto e outros indícios de
tendências edípicas incipientes. Quando começam os conflitos subseqüentes, isto é, em que ponto
o menino chega a estar realmente dominado pelo complexo de Édipo, é menos claro, já que
deduzimos sua existência só de certas mudanças que advertimos no menino.

A análise de um menino de dois anos e nove meses, outro de três anos e três meses, e
variados de arredor de quatro anos, levou-me à conclusão de que neles o complexo de Édipo
exerceu uma profunda influência já em seu segundo ano de vida 1. Ilustrarei isto com o
desenvolvimento de uma pequena paciente. Esta mostrou preferência por sua mãe até o começo
de seu segundo ano; depois mostrou uma atraente preferência pelo pai. Por exemplo, aos quinze
meses repetidamente pedia ficar só com ele na habitação, sentar-se em seus joelhos, olhar livros
junto com ele. Mas aos dezoito meses, sua atitude mudou novamente, e preferiu outra vez à mãe.
Simultaneamente começou a sofrer terrores noturnos e medo aos animais.

1 Com esta conclusão está estreitamente conectada uma segunda, que só posso indicar aqui. Numa série de
análise de meninos descobri que a eleição da menina do pai como objeto de amor seguia ao desmame. Esta privação,
que é seguida da aprendizagem de hábitos higiênicos (processo que se apresenta ao menino como um novo e penoso
retiro de amor), afrouxa o vinculo com a mãe e faz que comece a funcionar a atração heterossexual, reforçada pelas
carícias do pai, que são agora interpretadas como sedução. Como objeto de amor, também o pai serve em primeiro
lugar ao propósito de gratificação oral. No articulo que li no Congresso de Salzburgo em abril de 1924, dei exemplos
para mostrar que os meninos concebem e deseja o coito ao princípio como ato oral. Creio que o efeito destas privações
no desenvolvimento do complexo de Édipo nos varões é ao mesmo tempo inibitório e propulsor. O efeito inibitório
destes traumas se vê no fato de que é a eles aos que o menino retrocede em seguida, quando trata de escapar de sua
fixação à mãe; e reforçam sua atitude edípica investida. A circunstancia de que estes traumas, que preparam o caminho
para o complexo de castração procedam inclusive da mãe é também, como pude ver a razão de por que em ambos os
sexos é a mãe a que nos estratos mais profundos do inconsciente é especialmente temida como castrador. Ademais, por
outra parte, as privações orais e anais de amor parecem promover o desenvolvimento da situação edípica nos varões,
já que os impulsionam a mudar sua posição libidinal e a desejar à mãe como objeto de amor genital.

Desenvolveu uma excessiva fixação à mãe e uma muito profunda identificação com o
pai. Ao começo de seu terceiro ano manifestou crescente ambivalência, e era tão difícil criá-la
que quando tênia dois anos e nove meses foi trazida ao tratamento analítico. Nesta época tinha
mostrado por alguns meses uma considerável inibição no jogo, incapacidade para tolerar
frustrações, excessiva sensibilidade à dor e marcado mau humor. As seguintes experiências
contribuíram a este desenvolvimento. Até a idade de quase dois anos Rita dormiu na habitação de
seus pais, e os efeitos da cena primária se mostraram claramente em sua análise. No entanto, a
ocasião da irrupção de sua neurose foi o nascimento de seu irmãozinho. Pouco depois disto se
88
manifestaram dificuldades ainda maiores que aumentaram rapidamente. Não pode ter dúvidas de
que há uma estreita conexão entre a neurose e efeitos tão profundos do complexo de Édipo
experimentados em idade tão temporã. Não posso determinar se é a meninos neuróticos a quem a
atuação temporã do complexo de Édipo afeta tão intensamente, ou silos meninos se voltam
neuróticos quando este complexo se instala demasiado cedo. É, no entanto, seguro que
experiências como as que mencionei aqui fazem o conflito mais grave, e que portanto ou
incrementam a neurose ou provocam sua irrupção.

Selecionarei agora deste caso os rasgos que as análises de meninos de diferentes idades
me ensinaram que são típicos. Se os vê mais diretamente na análise de meninos pequenos. Em
vários casos nos que analisei ataques de angústia em meninos muito pequenos, estes ataques
resultaram ser a repetição de um terror noturno que tinha ocorrido na segunda metade do segundo
ano e ao começo de seu terceiro ano. Este temor era ao mesmo tempo um efeito de uma elaboração
neurótica do complexo de Édipo. Há muitas elaborações deste tipo, que nos levam a estabelecer
conclusões firmes sobre os efeitos do complexo de Édipo 2 .

Entre estas elaborações, nas que era muito clara a vinculação com a situação edípica,
deve recalcar-se a forma em que os meninos freqüentemente se caem e se magoam sua
hipersensibilidade, sua incapacidade de tolerar frustrações, suas inibições de jogo, sua atitude
ambivalente para ocasiões festivas e presentes, e finalmente diversas dificuldades na criação que
com frequência fazem sua aparição a uma idade surpreendentemente temporã. Mas encontro que
a causa destes fenômenos muito comuns é um sentimento de culpa particular mente forte, cujo
desenvolvimento examinarei agora com detalhe.

2 A estreita conexão de tais elaborações com a angústia já foi demonstrada por mim em minha capitulo
sobre " Análise infantil", no que examinei a relação entre angústia e inibição.

Mostrarei com um exemplo quão intensamente o sentimento de culpa opera inclusive


no terror noturno. Trude, à idade de quatro anos e três meses, jogava constantemente durante a
sessão a que era de noite. Ambas tínhamos que nos ir a dormir. Depois saía ao que chamava sua
habitação, vinha discretamente para mim e me fazia toda classe de ameaças, ia-me a apunhalar a
garganta, arrojar-me ao pátio, queimar-me ou entregar-me à polícia. Tratava de atar minhas mãos
e pés, levantava a cobertura do sofá e dizia que estava fazendo "po -cocô-cucú" 3 .

Resultou que estava olhando no "popo" da mãe para ver se tinha cocôs, que para ela
representavam o menino. Outra vez quis colar-me no estômago e declarou que estava sacando as
"a-a" (fezes), e deixando-me pobre. Depois sacou os almofadões, aos que repetidamente chamava
"meninos" e se escondeu com eles no rincão do sofá, no que se agachou com intensos signos de
medo, cobriu-se, seccionou o polegar e se urinou. Esta situação seguia sempre a seus ataques para
mim. Sua atitude era, no entanto, similar à que, quando ainda não tinha dois anos, tinha adotado
na cama quando começou a sofrer de intensos terrores noturnos. Também nesta época costumava
correr repetidamente à habitação de seus pais durante a noite sem poder dizer-lhes que era o que
queria. Quando nasceu seu irmão tinha dois anos, e a análise conseguiu revelar que tinha em sua
mente nessa época e também quais eram as causas de sua angústia e do urinar e sujar a cama. A
análise conseguiu também abolir estes sintomas. Nessa época já tinha desejado roubar a sua mãe,
que estava gestante, os filhos, matá-la e tomar seu lugar no coito com o pai. Estas tendências ao
ódio e a agressão eram a causa de sua fixação à mãe (que, à idade de dois anos, estava-se voltando
particularmente intensa), e também de seus sentimentos de angustia e culpa. No período em que
estes fenômenos eram tão proeminentes na análise de Trude, se as arrumava para magoar-se quase

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sempre justo antes da sessão. Descobri que os objetos com os que se magoava (mesas, armários,
estufas, etc.) significavam para ela (de acordo com a primitiva identificação infantil) à mãe, ou às
vezes ao pai, que a castigava. Em geral descobri, especialmente em meninos muito pequenos, que
"estar constantemente em guerra" e cair e magoar-se está estreitamente conectado com o
complexo de castração e o sentimento de culpa.

3 Popo: traseiro - Cocô: fezes - Cucú: olhar.

Os jogos dos meninos nos permitem formular certas conclusões especiais sobre o
temporão sentimento de culpa. Já em seu segundo ano, os que estavam em contato com Rita se
surpreendiam de seu arrependimento por qualquer travessura, por pequena que fora, e de sua
hipersensibilidade a qualquer tipo de reproche. Por exemplo, estourava em lágrimas quando seu
pai, jogando, ameaçava a um urso de um livro de lâminas. Aqui, o que determinou sua
identificação com o urso foi seu medo ao reproche do pai real. Também sua inibição de jogo
procedia de seu sentimento de culpa. Quando tinha dois anos e três meses declarava
repetidamente, quando jogava com sua boneca (jogo do que não desfrutava muito), que ela não
era a boneca-bebê de sua mãe. A análise revelou que ela não se animava jogar a ser a mãe porque
a boneca-bebê representava para ela entre outras coisas, a seu irmãozinho, que fala desejada
arrebatar a sua mãe, inclusive durante a gravidez. Mas aqui a proibição do desejo infantil já não
provia da mãe real, senão da mãe, cujo papel representou ante mim em diversas formas, e quem
exercia uma influência mais severa e cruel sobre ela que o que sua mãe real tivesse feito nunca.
Um sintoma obsessivo que Rita desenvolveu aos dois anos foi um ritual noturno que implicava
muita perda de tempo.

Seu ponto principal era que fazia questão de ser fortemente arrumada com o lençol por
medo a que "um rato ou uma butty (borboleta) poderiam vir através da janela e arrancar com os
dentes seu butty (genital)" 4. Seus jogos revelaram outros determinantes: a boneca tinha que ser
sempre arrumada igual que Rita mesma, e numa oportunidade pôs um elefante junto à cama da
boneca. Supunha-se que este elefante ia impedir que a boneca se levantasse; se não, entraria
furtivamente à habitação de seus pais e lhes faria dano ou lhes tiraria algo. O elefante (imago
paterna) tinha que tomar a parte do que punha obstáculos. Este papel o tinha representado o pai
introjetado dentro dela desde a época em que, entre os quinze meses e os dois anos, tinha querido
usurpar o lugar da mãe com o pai, roubar à mãe o menino com que estava gestante, e danar e
castrar os seus pais. As reações de ira e angústia que seguiam ao castigo à "menina" durante esses
jogos mostraram, ademais, que Rita estava representando internamente ambos os papéis: o das
autoridades que julgam e o do menino que é castigado.

4 O complexo de castração de Rita se manifesta numa série de sintomas neuróticos e no desenvolvimento


de seu caráter. Também seus jogos mostravam claramente sua forte identificação com o pai e seu temor a fracassar no
papel masculino, angústia que se originava no complexo de castração.

Um mecanismo fundamental e universal no jogo de representar um papel serve para


separar estas identificações operantes no menino, que tendem a formar um tudo único. Pela
divisão de papéis o menino consegue expulsar ao pai e à mãe que na elaboração do complexo de
Édipo absorveu dentro de si, e que agora o atormentam internamente com sua severidade. O
resultado desta expulsão é uma sensação de alívio, que contribui em grande parte ao prazer
extraído do jogo. Ainda que este jogo de representar parecesse com frequência muito simples e
ser expressão só de identificações primárias, esta é só a aparência superficial. É de grande
importância na análise de meninos penetrarem por trás desta aparência. No entanto, pode ter um
pleno afeto ou terapêutico só se a investigação revela todas as identificações e elementos
90
subjacentes e, antes de qualquer coisa, se tenho os encontrado o caminho para o sentimento de
culpa que está aqui em ação.

Nos casos que analisei o efeito inibitório dos sentimentos de culpa foi evidente a uma
idade muito temporã. O que encontramos aqui corresponde ao que conhecemos como o superego
em adultos O fato de que suponhamos que o complexo de Édipo atinge seu ponto culminante para
o quarto ano de vida e que reconheçamos o desenvolvimento do superego como o resultado final
do complexo, parece-me que não contradiz de nenhum modo estas observações. Esses fenômenos
definidos, típicos, cuja existência pode reconhecer na forma mais claramente desenvolvida
quando o complexo de Édipo atingiu seu ponto culminante e que precede a sua declinação, são
somente a terminação de um desenvolvimento que dura anos. A análise de meninos muito
pequenos mostra que estes quanto surge o complexo de Édipo, começam a elaborá-lo e daí a
desenvolver o superego.

Os efeitos deste superego infantil sobre o menino são análogos aos do superego do
adulto, mas pesam bem mais sobre o débil eu infantil. Como nos ensina a análise dos meninos,
fortificamos este eu quando o procedimento analítico freia as exigências excessivas do superego.
Não pode ter dúvidas de que o eu de meninos pequenos difere do dos meninos maiores ou do dos
adultos. Mas, quando liberamos o eu do menino pequeno da neurose, resulta perfeitamente
adaptado às exigências da realidade que encontra exigências ainda menos graves que as que se
fazem aos adultos 5 .

5 Os meninos não podem mudar as circunstâncias de sua vida, como com frequência fazem os adultos ao
final de sua análise. Mas um menino foi muito ajudado se, como resultado da análise, capacitamo-lo para sentir-se mais
cômodo nas circunstâncias existentes, e deste modo a desenvolver-se melhor. Ademais, fazer desaparecer as neuroses
nos meninos diminui com frequência as dificuldades de sua mente. Por exemplo, repetidamente comprovei que as
reações da mãe eram muito menos neuróticas quando tinham lugar mudanças favoráveis em seus filhos depois da
análise.

Bem como a mente dos meninos pequenos difere da dos meninos maiores, assim
também sua reação à psicanálise é na temporã infância diferente da reação posterior.
Surpreendemo-nos com frequência da facilidade com que em certas ocasiões são aceitas nossas
interpretações: inclusive às vezes os meninos expressam considerável prazer ante elas. A razão
pela qual este processo é diferente do que encontramos em análise de adultos é que em certos
estratos da mente infantil há uma comunicação bem mais fácil entre a consciência e o
inconsciente, e por conseguinte é bem mais fácil voltar sobre os passos do um ao outro. Isto
explica o rápido efeito de nossa interpretação, que por suposto nunca é formulada exceto envelope
a base de material adequado. No entanto, os meninos com frequência produzem este material com
surpreendente rapidez e muita variedade. O efeito, ademais, é com frequência surpreendente,
inclusive quando o menino não pareceu receber de nenhum modo a interpretação. Se reinicia o
jogo interrompido por causa da instauração das resistências; se o transforma e ampla, e se
expressam estratos mais profundos da mente, restabelece-se o contato entre o menino e o analista;
o prazer no jogo, que segue visivelmente à formulação de uma interpretação, deve-se também ao
fato de que o gasto requerido pela repressão não se precisa já depois da interpretação. Mas cedo
encontramos outra vez resistências durante algum tempo, e aqui o assunto já não é tão fácil como
descrevi. Em realidade, nesses momentos temos que lutar contra grandes dificuldades. Isto sucede
especialmente quando encontramos um sentimento de culpa. Em seu jogo os meninos
representam simbolicamente fantasias, desejos e experiências. Emprega aqui a mesma linguagem,
o mesmo modo de expressão arcaica, filogeneticamente adquirido com o que estamos
familiarizados graças aos sonhos. Só podemos compreendê-lo plenamente se o enfocamos com o
91
método que Freud desenvolveu para decifrar os sonhos. O simbolismo é só uma parte dele; se
queremos compreender corretamente o jogo do menino em conexão com todo seu comportamento
durante a sessão, devemos ter em conta não só o simbolismo que com frequência aparece tão
claramente em seus jogos, senão também todos os meios de representação e os mecanismos
empregados no trabalho do sonho, e temos que ter em conta a necessidade de examinar o nexo
total dos fenômenos 6 .

6 Minhas análises revelam uma e outra vez quão diferentes significados podem ter as coisas, por exemplo
bonecos, no jogo. Às vezes representam o pênis, às vezes o filho roubado à mãe, às vezes ao paciente mesmo, etc. São
só examinando os mínimos detalhes do jogo, e sua interpretação, que podem fazer-se claras as conexões e eficaz a
interpretação. O material que os meninos produzem durante a sessão, a média que passam de jogo com brinquedos a
dramatizar em sua própria pessoa já jogar com água, cortar papel, ou desenhar. O modo em que fazem isto, a razão pela
que mudam de um jogo a outro, os meios que elegem para suas representações, toda esta miscelânea de fatores, que tão
miúdo parece confusa e sem sentido, é vista como coerente e plena de significado, e se nos revelam as fontes e
pensamentos subjacentes, se os interpretamos exatamente como os sonhos. Ademais, os meninos com frequência
representam em seu jogo o mesmo que apareceu em algum sonho que narraram antes, e com frequência produzem
associações por meio do jogo que lhe segue, e que é sua forma mais importante de expressar-se.

Se empregarmos esta técnica cedo encontramos que os meninos produzem não menos
associações com os rasgos diferentes de seus jogos, que o que fazem os adultos com os ele mentos
de seus sonhos. Os detalhes de seu jogo assinalam o caminho para um observador atencioso; e
enquanto, o menino conta toda classe de coisas que devem valorizar-se plenamente como
associações.

Além deste modo arcaico de representação, os meninos empregam outro mecanismo


primitivo, isto é, substituem com ações (que foram os precursores originais dos pensamentos) às
palavras: nos meninos, atuar representa uma parte proeminente. Em "Da história de uma neurose
infantil" 7, Freud diz: "Uma análise feita num menino neurótico deve, por suposto, parecer mais
confiável, mas não pode ser muito rico o material, devem prestar-se ao menino demasiadas
palavras e pensamentos, e inclusive assim os estratos mais profundos podem resultar
impenetráveis à consciência."

7 Ou.C., 17

Se enfocarmos a análise infantil com a técnica adequada ao dos adultos seguramente


não conseguiremos penetrar nos níveis mais pró fundos da vida mental do menino. Mas são
precisamente esses níveis os importantes para o sucesso e valor de uma análise. No entanto, se
tomar-nos em conta as diferenças psicológicas entre meninos e adultos e recordamos o fato de
que nos meninos encontramos o inconsciente atuando ainda junto ao consciente, as tendências
mais primitivas junto aos desenvolvimentos mais complicados do que conhecemos, como o
superego, isto é, se compreendemos corretamente a forma de expressão do menino, desaparecem
todos estes pontos duvidosos e fatores desfavoráveis, já que encontramos que com respeito à
profundidade e amplitude da análise, podemos esperar tanto dos meninos como dos adultos. E
mais ainda, na análise dos meninos podemos retroceder a experiências e fixações que na análise
de adultos só podemos reconstruir, enquanto nos meninos se as representa diretamente 8.
Tomemos por exemplo o caso de Ruth que, de bebê, tinha sofrida fome durante um tempo porque
a mãe tinha pouco leite para dar-lhe. Aos quatro anos e três meses, ao jogar com o lavatório,
chamou à tampa de água, tampa de leite. Declarou que o leite ia parar às bocas (os buracos da
tubulação), mas que só corria muito pouco. Este desejo oral insatisfeito apareceu em inumeráveis
jogos e dramatizações e se manifestou em toda sua atitude. Por exemplo, assegurava que era
pobre, que só tinha um casaco, e que tinha muito pouco que comer; nenhuma destas afirmações
92
tinha o mais mínimo acordo com a realidade. Outra pequena paciente (que sofria de neurose
obsessiva) era Erna, de seis anos, cuja neurose se baseava em impressões recebidas durante o
período de aprendizagem de hábitos higiênicos 9. Dramatizava para mim estas impressões com o
máximo detalhe. Uma vez pôs um boneco sobre uma pedra, jogou a que estava defecando e
colocou outros bonecos ao redor, que se supunha que o estavam admirando. Depois desta
dramatização Erna trouxe o mesmo material, num jogo de representação. Queria que eu fora um
bebê de longas roupas que se sujava, enquanto ela era a mãe. O bebê era um menino mau amado
e objeto de admiração. Isto foi seguido por uma reação de ira em Erna, e ela representou o papel
de uma professora cruel que golpeava ao menino. Nesta forma Erna representou ante mim um dos
primeiros traumas em sua experiência: o forte golpe que recebeu seu narcisismo quando
imaginava que as medidas utilizadas para ensinar-lhe hábitos de limpeza significavam a perda do
excessivo afeto que se lhe deu em sua infância.

8 No Oitavo Congresso Psicanalítico Internacional, celebrado em Salzburgo em 1924, mostrei que um


mecanismo fundamental no jogo dos meninos e em toda sublimação subseqüente é o dês ônus de fantasias
masturbatórias. Isto antecede a toda atividade lúdica e serve como estímulo constante do jogo (compulsão à repetição).
As inibições de jogo e aprendizagem se originam na repressão exagerada destas fantasias, e com elas de toda fantasia.
Experiências sexuais estão sócias com fantasias masturbatórias e, com estas, conseguem expressão e abreviação no
jogo. Entre as experiências dramatizadas, jogam um papel proeminente as representações da cena primária, que
regularmente aparecem em primeiro plano na análise de meninos pequenos. É só depois de considerável análise, tendo-
se revelado parcialmente a cena primária e o desenvolvimento genital, que chegamos a representações de experiências
e fantasias pré-genitais.

Em geral, na análise de meninos não podemos sobreestimar a importância da fantasia e


da tradução à ação por efeito da compulsão à repetição. Naturalmente, os meninos pequenos usam
bem mais o recurso da ação, mas inclusive os maiores recorrem constantemente a este mecanismo
primitivo, especialmente quando a análise anulou algumas de suas repressões. É indispensável
para levar a cabo a análise, que os meninos obtenham o prazer que está unido a esse mecanismo,
mas o prazer deve seguir sendo sempre só um meio para um fim. É justamente aqui onde vemos
a predominância do principio do prazer sobre o princípio de realidade. Não podemos apelar ao
sentido de realidade em pacientes pequenos como podemos nos maiores.

Bem como os meios de expressão dos meninos diferem dos adultos assim também a
situação analítica na análise de meninos parece ser inteiramente diferente. No entanto, é em ambos
os casos essencialmente a mesma. Interpretações adequadas, resolução gradual das resistências,
e persistente descoberta pela transferência de situações anteriores: isto constitui nos meninos tanto
como nos adultos a situação analítica correta.

9 Esta aprendizagem, que Erna tinha sentido como o mas cruel ato de coerção, foi realizado em realidade
sem nenhuma estranhes e tão facilmente que ao ano se mantinha perfeitamente limpa. Um forte incentivo foi sua
ambição, que se desenvolveu inusitadamente temporão, a que, espero, a fazerela sentir todas as medidas utilizadas para
treiná-la como um ultraje, desde o princípio. Esta ambição temporã foi à condição primária de sua susceptibilidade aos
reproches e do precoce e marcado desenvolvimento de seu sentimento de culpa. Mas é freqüente ver estes sentimentos
de culpa jogar já um grande papel na aprendizagem do controle esfincteriano, e podemos reconhecer neles os primeiros
princípios do superego.

Disse já que na análise de meninos pequenos vi uma e outra vez quão rapidamente
surtem efeito as interpretações. É um fato atraente que, ainda que tenha numerosas indicações
inequívocas deste efeito (o desenvolvimento do jogo, a consolidação da transferência, a
diminuição da angústia, etc.), no entanto, durante bastante tempo o menino não elabora
conscientemente as interpretações. Mas pude provar que esta elaboração se é ocorrida realmente
depois. Por exemplo, os meninos começam a distinguir entre a mãe "imaginada" e a mãe real, e
93
entre o bonequinho de madeira e seu irmão como bebê vivo. Então insiste firmemente em que
queriam fazer tal ou qual dano só ao bebê de joguete; dizem que por suposto amam ao bebê real.
Só quando foram superadas resistências muito poderosas e de longa data os meninos se dão conta
de que seus atos agressivos estavam dirigidos para os objetos reais. Então, quando se admite isto,
o resultado, inclusive em meninos muito pequenos é geralmente um passo notável para a
adaptação à realidade. Minha impressão é que ao princípio a interpretação só é inconscientemente
assimilada. É só depois quando a relação desta com a realidade penetram gradualmente no
entendimento do menino. O processo de esclarecimento é análogo. Durante longo tempo a análise
só revela o material de teorias sexuais e fantasias do nascimento, e interpreta este material sem
nenhuma "explicação". Assim, o esclarecimento tem lugar pouco a pouco com a remoção de
resistências inconscientes que atuavam contra ele.

Daí que o primeiro que sucede como resultado da psicanálise é que melhoram as
relações emocionais com os pais; o entendimento consciente só surge quando isto teve lugar. Este
entendimento é admitido ante o mandato do superego, cujas exigências são modificadas pela
análise de maneira que pode ser tolerada e comprazida por um eu menos oprimido e, portanto
mais forte. Deste modo, o menino não é subitamente confrontado com a situação de admitir um
novo conhecimento de sua relação com os pais, ou em geral, de ser obrigado a absorver um
conhecimento que o abruma. Sempre foi minha experiência que o efeito de tal cone alicerce
gradualmente elaborado, é em realidade aliviar ao menino, estabelecer uma relação
fundamentalmente mais favorável para seus pais e incrementar assim sua capacidade de adaptação
social.

Quando isto teve lugar os meninos são também bastante capazes de substituir em certa
medida a repressão por uma rejeição. Vemos isto em que num estado posterior da análise, os
meninos avançaram tanto desde os diversos anseios sádicos-anais ou canibalescas (que num
estádio anterior eram ainda tão poderosos), que agora podem adotar às vezes uma atitude de crítica
humorística para eles. Quando isto sucede ouço inclusive a meninos muito pequenos fazer
anedotas sobre que, por exemplo, faz um tempo ou eles realmente queriam comer-se a sua
marmita ou cortá-la em pedaços. Quando têm lugar estas mudanças, não só está diminuindo
inevitavelmente o sentimento de culpa, senão que ao mesmo tempo os meninos são capazes de
sublimar os desejos que previamente estavam totalmente reprimidos. Isto se manifesta na prática
no desaparecimento de inibições de jogo e na iniciação de numerosos interesses e atividades.

Para resumir o que disse: as especiais características primitivas dos meninos requerem
uma técnica especial adaptada a eles, consistente na análise de seus jogos. Por meio desta técnica
podemos atingir as experiências e fixações reprimidas mais profundas e isto nos permitem influir
fundamentalmente no desenvolvimento dos meninos.

Trata-se só de uma diferença de técnica, não dos princípios do tratamento. Os critérios


do método psicanalítico propostos por Freud, isto é: que usemos como ponto de partida a
transferência e a resistência, que devemos tomar em conta os impulsos infantis, a repressão e seus
efeitos, a amnésia e a compulsão à repetição e ademais, que devemos descobrir a cena primária,
como o exige em "Da história de uma neurose infantil'', todos estes critérios se mantêm
integralmente na técnica do jogo. O método do jogo conserva todos os princípios da psicanálise
e leva aos mesmos resultados que a técnica clássica. Só que nos recursos técnicos que utiliza está
adaptado à mente dos meninos

94
Biblioteca Melanie Klein

7. SIMPÓSIO SOBRE ANÁLISE INFANTIL1 (1927)

[Nota 1947] O seguinte artigo representa minha contribuição a uma discussão sobre problemas
da análise de meninos, na que se prestou particular atendimento ao livro de Anna Freud
Introdução à técnica da análise de meninos, publicado em Viena em 1926. Numa versão ampliada,
publicada em Londres em 1946 sob o titulo: O tratamento psicanalítico dos meninos (Imago
Publishing Co.), as considerações de Anna Freud se acercaram mais às minhas no que representa
a alguns pontos. Estas modificações de suas opiniões se discutem numa nota ao final deste artigo,
o qual, de qualquer modo segue sendo uma exposição de minhas próprias ideias.]

Começarei minhas observações com uma breve revisão do desenvolvimento da análise de


meninos em geral. Seus começos datam de 1909, ano em que Freud publicou "Análise da fobia
de um menino de cinco anos". Esta publicação foi da maior importância teórica, ao confirmar,
como o fez na pessoa do menino de que se tratava verdade de que Freud tinha descoberto que
existia nos meninos partindo da análise de adultos. O artigo teve, no entanto outra significação
mais, cuja importância não podia ser apreciada naquele tempo. Esta análise estava destinada a ser
a pedra angular da subseqüente análise infantil. Não só mostrou a presença e a evolução do
complexo de Édipo nos meninos e as formas em que opera neles; também mostrou que estas
tendências inconscientes podiam aflorar à consciência sem perigo e com grande proveito. Freud
mesmo descreve sua descoberta da seguinte forma 2: "Devo agora perguntar em que prejudicou
a Hans o ter-lhe feito conscientes complexos não só reprimidos pelos meninos senão também
temidos por pais Empreendeu talvez o menino alguma ação grave no que representa a suas
pretensões com sua mãe? Traduziu talvez suas más intenções contra o pai em atos maus? Sem
dúvida se lhes ocorreram tais temores a muitos doutores que entendem mal a essência da
psicanálise e opinam que ao fazer conscientes os maus instintos estes se fortificam 3 . E
novamente, na página 285: "Pelo contrário, as únicas conseqüências da análise foram que Hans
se recuperou, não teve já medo aos cavalos e começou a tomar-se liberdades com seu pai, como
o comunicou este, bastante divertido. Mas o que o pai pôde ter perdido em respeito o ganhou em
confiança: ' -Hans- que como soubeste o cavalo sabia tudo'. E é que a análise não anula os efeitos
da repressão. Os instintos antes reprimidos seguem reprimidos; mas o mesmo efeito é atingido
por um caminho diferente. A análise substitui o processo da repressão que é automático e
excessivo, pelo controle presente e intencionado por parte das mais elevadas faculdades psíquicas.
Numa palavra a análise substitui a repressão pela condensação. Isto parece contribuir-nos a prova

95
tão longamente procurada de que a consciência tem uma função biológica, e que sua entrada em
cena assegura uma importante vantagem.

1 Lido ante a Sociedade Psicanalítica Britânica, maio 4 e 18, 1927

2 Ou.C., 10.

3 A bastardilla é minha.

H. Hug-Hellmuth, quem teve a honrosa distinção de ser a primeira em empreender a análise


sistemática de meninos, começou sua tarefa com alguns preconceitos em sua mente, que manteve
até o final. Em seu artigo titulado "Técnica da análise de meninos", escrito depois de quatro anos
de trabalho neste terreno e que nos dá uma clara ideia de seus princípios e de sua técnica, expressa
muito claramente que desaprova a ideia de analisar meninos muito pequenos; que considerava
necessário contentar-se com "sucessos parciais" sem penetrar demasiado profundamente na
análise dos meninos por temor a estimular com demasiada força as tendências e impulsos
reprimidos, ou por temor a fazer exigências às que sua capacidade de assimilação não poderia
responder.

Através deste artigo e de outros escritos seus ver-nos que evitou penetrar profundamente no
complexo de Édipo. Outra das suposições que sustentou em seu trabalho é a de que no caso do
menino não só se requer do analista que faça o tratamento analítico senão também que exerça
uma influência educativa definida. Já em 1921, quando publiquei meu primeiro artigo "O
desenvolvimento de um menino", eu tinha chegado a conclusões muito diferentes. Em minha
análise de um menino de cinco anos e três meses encontrei (como todas minhas posteriores
análises me o confirmaram) que era perfeitamente possível e inclusive saudável, explorar o
complexo de Édipo até suas profundidades, e que nesta tarefa se podiam obter resultados pelo
menos iguais aos obtidos nas análises de adultos. Além disto, descobri que numa análise deste
tipo não só era desnecessário que o analista se empenhasse em exercer uma influência educativa
senão que ambas costures eram incompatíveis. Tomei estes princípios como guia de meu trabalho
e os defendi em todos meus escritos; e assim é como cheguei a tentar a análise de meninos muito
pequenos, de três a seis anos de idade, e a encontrá-lo afortunado e pleno de perspectivas.
Escolhamos em primeiro lugar do livro de Anna Freud os que parecem ser seus quatro pontos
principais. Encontramo-nos aqui novamente com a ideia fundamental que mencionamos
anteriormente como a mesma de H. Hug-Hellmuth: a convicção de que a análise de meninos não
deve ser levada demasiado longe.

Por isto, e como é claro também pelas conclusões mais diretas que se evidenciaram, quer-se
significar do que não se devem tratar demasiado as relações do menino com seus pais, ou seja,
que não se deve explorar minuciosamente o complexo de Édipo. Os exemplos que dá Anna Freud
não mostram nenhuma análise do complexo de Édipo. A segunda ideia condutora é, também aqui,
que se deve combinar a análise do menino com influências educativas. É notável, e deveria dar
que pensar, que ainda que se tentasse a análise de meninos faz dezoito anos e se o praticou desde
então, tenhamos que nos enfrentar com o fato de que seus princípios fundamentais não foram
ainda enunciados claramente. Se compararmos com isto o desenvolvimento na psicanálise de
adultos, descobrimos que num período de tempo aproximadamente igual não só foram
estabelecidos todos os princípios para o trabalho posterior, senão que também foram provados e
comparados, e que se desenvolveu uma técnica cujos detalhes tinham que se aperfeiçoar, mas
cujos princípios fundamentais permaneceram incólumes. Como se explica o fato de que
precisamente a análise de meninos tenha sido muito menos afortunada em seu desenvolvimento?
96
O argumento que com frequência se ouve nos círculos analíticos de que os meninos não são
sujeitos adequados para a análise não parece ser válido. H. Hug-Hellmuth era realmente muito
cética sobre os resultados que se podiam obter com meninos. Expressou que ela "devia contentar-
se com sucessos parciais e contar com recaídas". É mais, restringiu o tratamento a um limitado
número de casos. Também Anna Freud estabelece limites bem definidos à aplicação do
tratamento; mas por outro lado, no que representa às possibilidades da análise de meninos adota
uma posição mais otimista do que a de H. Hug-Hellmuth. Ao final de seu livro diz: "Apesar das
dificuldades que enumerei, na análise de meninos produzimos realmente mudanças, progressos e
curas que não nos atreveríamos a sonhar na análise de adultos (pág. 86).

Com o objeto de contestar à pergunta que propus, quero estabelecer ah ora alguns enunciados que
me ocuparei de demonstrar a continuação. Creio que a análise de meninos, comparado com o de
adultos, tem-se desenrolado no passado de maneira muito menos favorável porque não foi
encarado com um espírito de investigação livre e despreocupado, como o foi o de adultos, e em
mudança esteve travado e entorpecido por vários preconceitos. Se reflexionarmos sobre a primeira
análise de um menino, fundamento de todos os demais (a análise de Hans) descobrimos que não
sofreu por esta limitação. Por verdadeiro que não tinha ainda uma técnica especial: o pai do
menino, que sob a direção de Freud levou a cabo esta análise parcial, não era versado na prática
da análise. No entanto teve o valor de avançar bastante na análise e obteve bons resultados. No
resumo mencionado anteriormente neste artigo, Freud diz que a ele mesmo lhe tivesse desejado
ir além. O que diz mostra, ademais do que não via perigo algum na análise minuciosa do complexo
de Édipo; de maneira que evidentemente não pensava que por princípio não há que analisar nos
meninos este complexo. Mas H. Hug-Hellmuth, quem por tantos anos trabalhou só neste campo,
empreendeu sua tarefa desde o começo com princípios que obrigatoriamente teriam de limitá-la,
e, portanto fazê-la menos frutífera, não só no que representa a seus resultados na prática o número
de casos nos que tinha que utilizar a análise, etc., senão também no que representa às descobertas
teóricas. Durante todos estes anos, a análise de meninos, do que com toda razão tivesse podido
esperar-se uma contribuição direta ao desenvolvimento da teoria psicanalítica, não fez nada que
mereça ser exposto. Co mo H. Hug-Hellmuth, Anna Freud pensa que ao analisar meninos não só
não podemos descobrir mais sobre o primeiro período da vida que quando analisamos adultos,
senão que inclusive descobrimos menos. Encontramo-nos agora com outro pretexto que foi
esgrimido como razão do lento progresso no campo da análise de meninos. Diz-se do que a
conduta do menino na análise é evidentemente diferente à do adulto, e que, portanto é necessário
empregar uma analise clinica diferente.

Creio que este argumento é incorreto. Se me está permitido adaptar o dito "É o espírito o que
constrói o corpo", quisesse sustentar que a atitude, a convicção interna, encontra a técnica
necessária. Repito o que já disse: se empreendemos a análise de meninos com a mente aberta,
podemos descobrir caminhos e meios para explorar as profundidades mais escondidas. E pelos
resultados destes procedimentos poderemos dar-nos conta de qual é a verdadeira natureza do
menino, e veremos que não é necessário impor restrição alguma à análise, tanto no que representa
à profundidade de sua penetração como no que representa ao método com o que trabalhemos.

Com o que acabo de dizer trato já o ponto principal de minha crítica ao livro de Anna Freud.

Creio que certos conceitos empregados por Anna Freud podem explicar-se desde dois pontos de

97
vista: 1) supõe que não se pode estabelecer a situação analítica com os meninos; e 2) encontra
inadequado ou discutível a análise pura do menino, sem intervenção pedagógica.

A primeira tese é uma conseqüência direta do enunciado na segunda. Se compararmos isto com a
técnica da análise de adultos, vemos que estabelecemos incondicionalmente que uma verdadeira
situação analítica só pode dar-se com meios analíticos. Veríamos como grave erro o assegurar-
nos uma transferência positiva por parte do paciente, com o emprego das medidas que Anna Freud
descreve no primeiro capítulo de seu livro, ou utilizar sua ansiedade para fazê-lo submetido, ou
intimidá-lo ou persuadi-lo por meios autoritários. Pensaríamos que ainda que esta introdução nos
garantisse um acesso parcial ao inconsciente do paciente, nunca poderíamos estabelecer uma
verdadeira situação analítica nem levar a cabo uma análise completa que penetrasse no mais
profundo de sua mente. Sabemos que constantemente dever-nos analisar o fato de que os pacientes
querem ver em nós uma autoridade -já seja odiada ou amada- e que só pela análise desta atitude
ganhamos acesso a isto s estratos mais profundos.

Todos os meios que julgaríamos incorretos na análise de adultos são especialmente assinalados
por Anna Freud como valiosos na análise de meninos; seu objetivo é a introdução ao tratamento
que estima necessária e que chama a "entrada" na análise. Pareceria óbvio que depois desta
"entrada" jamais conseguirá estabelecer uma verdadeira situação analítica. Agora bem, parece-
me surpreendente e ilógico que Anna Freud, que não usa as medidas necessárias para estabelecer
a situação analítica senão que as substitui por outras que a contradizem, refere-se, no entanto, a
sua suposição, tratando de demonstrá-la teoricamente, de que não a possível estabelecer uma
situação analítica com os meninos, nem, portanto, levar
a cabo uma análise pura no sentido da análise de adultos.

Anna Freud dá uma série de razões para justificar os elaborados e penosos recursos que considera
necessário empregar com os meninos para estabelecer uma situação que possibilite o trabalho
analítico. Estas razões não me parecem firmes. Anna Freud se desvia em tantos aspectos das
regras analíticas comprovadas porque pensa que os meninos são seres muito diferentes dos
adultos. No entanto, o único propósito destes elaborados recursos é que a atitude do menino para
a análise seja como a do adulto. Isto parece ser contraditório e creio que deve ser explicado pelo
fato de que em suas comparações Anna Freud coloca o consciente e o eu do menino e do adulto
em primeiro plano, quando indubitavelmente nós dever-nos trabalhar em primeiro lugar e,
sobretudo com o inconsciente (ainda que lembrassem todas as considerações necessárias ao eu).
Mas no inconsciente (e aqui baseio minha afirmação num trabalho analítico profundo tanto com
meninos como com adultos), os meninos não são de jeito nenhum fundamentalmente diferentes
dos adultos. Ou único que sucede é que nos meninos o eu não se desenvolveu ainda plenamente
e, portanto os meninos estão bem mais governados pelo inconsciente. A ele devemos aproximar-
nos, e a ele devemos considerar o ponto central de nosso trabalho e se queremos aprender a
conhecer aos meninos como realmente são, e a analisá-los.

Não adjudico particular valor à meta que Anna Freud persegue tão ardentemente: induzir no
menino uma atitude para a análise análoga à do adulto. Crio ademais do que se Anna Freud
efetivamente atinge esta meta pelos recursos que descreve (e isto só pode ocorrer com um número
limitado de casos), o resultado não é o que pretende com seu trabalho, senão algo muito diferente.
O "conhecimento da doença ou do portar-se mal" que conseguiu acordar no menino emana da
angústia que para seus próprios fins mobilizou nele: a angústia de castração e o sentimento de
culpa. (Não entrarei aqui no problema de até que ponto também nos adultos o razoável e
consciente desejo de curar-se é simplesmente uma fachada que encobre esta angústia). Com os
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meninos não podemos esperar encontrar nenhuma base definitiva para nosso trabalho analítico
num propósito consciente que como sabemos nem sequer nos adultos se manteria por muito tempo
como único suporte da análise.

É verdadeiro que Anna Freud também crê que este propósito é necessário desde o começo como
preparação para o trabalho, mas ademais crê que uma vez do que esse propósito existe pode contar
com ele que progride a análise. Esta ideia me parece errônea e sempre que apela a este insight o
que realmente faz é apelar à angústia e ao sentimento de culpa do menino. Em se mesmo isto não
teria nada censurável já que os sentimentos de angústia e culpa são indubitavelmente fatores
importantíssimos para a possibilidade de trabalho. Mas creio que devemos ter bem claro quais
são os suportes nos que nos apoiamos e como os usamos. A análise não é em se mesmo um método
suave: não pode poupar-lhe ao paciente nenhum sofrimento, e isto se aplica também aos meninos
De fato, deve forçar a entrada do sofrimento na consciência e induzir a abreviar se tem de poupar
ao paciente um sofrimento posterior permanente e mais fatal. Portanto minha crítica não é que
Anna Freud ative a angústia e o sentimento de culpa senão pelo contrário que não os resolva
suficientemente. Parece-me uma rudeza necessária para com um menino o que faça consciente
sua angústia para que não enlouqueça (como o descreve, por exemplo, na página 9), sem atacar
imediatamente esta angústia em suas raízes inconscientes aliviando-a assim na medida do
possível.

Mas se realmente dever-nos apelar em nosso trabalho aos sentimentos de angústia e de culpa, por
que não contar com ambos e trabalhar com eles sistematicamente desde o princípio? Eu mesma o
faço sempre, e descobri que posso depositar confiança absoluta numa técnica que se baseia em
considerar e trabalhar analiticamente com quantidades de angústia e culpa que são tão grandes
em todos os meninos e bem mais claras e fáceis de perceber do que nos adultos. Anna Freud
manifesta (pág. 56) que uma atitude hostil ou ansiosa menino para meu não me justifica para
concluir imediatamente que no trabalho se dá uma transferência negativa, porque "quanto mais
ternamente afeiçoado a sua mãe está um menino, tanto menos impulsos amistosos lhe ficarão para
os estranhos". Não creio que, como o faz ela, possamos fazer uma comparação com meninos
muito pequenos que recusam o que lhes é estranho.

Não sabemos muito a respeito de meninos muito pequenos, mas é possível aprender muito de uma
análise temporã da mente de um menino de, digamos, três anos, e ali vemos que só meninos
neuróticos muito ambivalentes manifestam medo ou hostilidade para os estranhos. Minha
experiência confirmou minha crença de que se imediatamente explico esta rejeição como
sentimento de angústia e de transferência negativa, e o interpreto como tal em conexão com o
material que o menino produz ao mesmo tempo, e depois o retrotraiu a seu objeto original, a mãe,
imediatamente pode comprovar que a angústia diminui. Isto se manifesta com o começo de uma
transferência mais positiva, e com ela, de um jogo mais vigoroso. Em meninos maiores a situação
é análoga ainda que diferente em alguns detalhes. Por suposto meu método pressupõe que desde
o começo quero atrair para mim tanto a transferência positiva como a negativa, e, além disto,
pesquisá-la até sua origem, na situação edípica. Estas duas medidas concordam plenamente com
os princípios psicanalíticos, mas Anna Freud as recusa por razões que me parecem infundadas.

Creio, portanto que uma diferença radical entre nossas atitudes para a angústia e o sentimento de
culpa nos meninos é a seguinte: que Anna Freud utiliza estes sentimentos para que o menino se
afeiçoe a ela, enquanto eu os registo ao serviço do trabalho analítico desde o começo. De qualquer
modo não pode ter grande número de meninos em os que se possa provocar angústia sem que esta

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resulte um elemento que perturbe penosamente e inclusive impossibilite o progresso do trabalho,
a não ser que se proceda de imediato a resolvê-la analiticamente.

Ademais, pelo que posso compreender em seu livro, Anna Freud emprega estes recursos somente
em casos especiais. Em outros trata por todos os meios de conseguir uma transferência positiva,
com o objeto de encher a condição, que ela considera necessária para seu trabalho, de afeiçoar ao
menino a ela. De novo, este método me parece errôneo, porque indubitavelmente podemos
trabalhar com maior segurança e mais eficácia com meios puramente analíticos. Não todos os
meninos reagem ante nós com medo e desagrado. Minha experiência me apóia quando digo que
se um menino tem para nós uma atitude amistosa e brincalhona se justifica supor que há
transferência positiva e utilizá-la imediatamente em nosso trabalho.

E temos outra excelente e bem provada arma que usamos de maneira análoga a como a
empregamos na análise de adultos, ainda que é verdadeiro que ali não temos uma oportunidade
rápida e simples de intervir. Quero dizer que interpretamos esta transferência positiva, ou seja,
que tanto na análise de meninos como no de adultos a retrotraímos até o objeto de origem.
Provavelmente notaremos pelo geral ao mesmo tempo a transferência positiva e a negativa, e se
nos darão todas as oportunidades para o trabalho analítico se desde o começo manejamos ambos
analiticamente. Ao resolver parte da transferência negativa obteremos igual que nos adultos, um
incremento da transferência positiva, e de acordo com a ambivalência da meninice esta será cedo
seguida de uma nova emergência da negativa.

Este é agora um verdadeiro trabalho analítico e se estabeleceu uma verdadeira situação analítica.
Ademais, temos estabelecida já a base para trabalhar com o menino mesmo, e com frequência
podemos ser em grande parte independentes do conhecimento de seu ambiente. Em resumo,
cumprimos com as condições necessárias para a análise e não prescindimos das laboriosas,
difíceis e não confiáveis medidas descritas por Anna Freud, senão que (e isto me parece ainda
mais importante) podemos garantir para nosso trabalho todo o valor e o sucesso de uma análise
equivalente em todo sentido à análise de adultos.

Neste ponto não obstante choco com uma objeção expressada por Anna Freud no segundo
capitulo de seu livro, titulado "Os recursos empregados na análise infantil". Para trabalhar na
forma que descrevi devemos obter o material das associações do menino. Anna Freud e eu, e
provavelmente todos os que analisam meninos, estão de acordo com que os meninos não podem
dar, e não dão associações da mesma maneira que o adulto, e, portanto não podemos obter
suficiente material unicamente por meio da palavra. Entre os meios que Anna Freud sugere como
eficazes para suprir a falta de associações verbais se encontram alguns que em minha experiência
eu também achei valiosos. Se examinamos estas técnicas bastante mais estreitamente -digamos
por exemplo o desenho, ou o relato de fantasias, etc.-, vemos que seu objeto é obter material de
outra forma que o obtido pela associação conforme com a regra e isto é sobretudo importante para
que os meninos liberem sua fantasia e para induzidos a fantasiar.

Num dos postulados de Anna Freud temos uma clave, que devemos considerar cuidadosamente,
quanto a como deve realizar-se isto. Estabelece que "não há nada mais fácil do que fazer
compreender a meninos a interpretação dos sonhos". E de novo (pág. 31) "ainda meninos de pouca
inteligência que em todos os outros aspectos pareciam o mais ineptos possíveis para a análise,
conseguiram a interpretação dos sonhos". Creio que estes meninos não tivessem sido de jeito
nenhum ineptos para a análise se Anna Freud tivesse utilizado, tanto de outras formas como da
interpretação dos sonhos o entendimento do simbolismo que manifestavam tão claramente.
100
Porque em minha experiência encontrei que se faz isto, nenhum menino, inclusive o menos
inteligente, é inepto para a análise. Porque este é precisamente o ponto de apoio que devemos
utilizar na análise de meninos. O menino nos trará muitas fantasias se nesta senda o seguimos
com a convicção de que o que nos relata é simbólico. No capitulo III Anna Freud apresenta uma
série de argumentos teóricos na contramão da técnica de jogo que eu criei, pelo menos enquanto
se aplique aos fins da análise e não meramente à observação. Crê duvidoso que um esteja
justificado para interpretar como simbólico o conteúdo do drama representado no jogo do menino,
e pensa que muito provavelmente este seja ocasionado simplesmente por observações reais ou
experiências da vida diária. Aqui devo dizer que pelos exemplos de Anna Freud de minha técnica
posso ver que a entende equivocadamente. "Se um menino tomba um põe de lampião ou uma
figura, ela (Melanie Klein) provavelmente interprete esta conduta como devida a tendências
agressivas para o pai, enquanto se um menino faz chocar duas carroças o interpreta como signo
da observação do coito entre os pais". Jamais aventuraria eu uma interpretação simbólica tão
"silvestre" do jogo de meninos. Pelo contrário recalquei isto muito especialmente em meu último
artigo. Supondo que um menino expresse o mesmo material psíquico em numerosas repetições -
com frequência por vários meios, por exemplo brinquedos, água, recortando, desenhando, etc.-,
e supondo que ademais eu possa observar do que estas particulares atividades estão quase todas
acompanhadas por um sentimento de culpa expressado já seja por angústia ou em representações
que implicam sobre compensação, que são a expressão de formações ativas; supondo então que
eu tenha conseguido insight em certas conexões: então interpreto estes fenômenos e os enlaço
com o inconsciente e com a situação analítica. As condições práticas e teóricas para a
interpretação são precisamente as mesmas que na análise de adultos.

Os pequenos brinquedos que uso são só recursos que provejo: papel, lápis, tesouras, corda,
pelotas, tijolos e sobretudo água. Estão à disposição do menino para que os use se quer, e sua
finalidade é simplesmente ganhar acesso a sua fantasia e libertá-la. Há alguns meninos que
durante muito tempo não tocam um brinquedo ou que durante semanas quiçá só cortam as coisas.
No caso de meninos por completo inibidos para jogar, é possível que os brinquedos possam
simplesmente ser um instrumento para estudar mais de perto as razões desta inibição. Alguns
meninos, com frequência os muito pequenos, uma vez que os brinquedos lhes deram a
oportunidade de dramatizar algumas fantasias ou experiências que os dominam, deixam
completamente de lado os brinquedos e passam a qualquer classe de jogo imaginável no que eles
mesmos, certos objetos da habitação e eu devemo-nos tomar parte. Entrei com certa extensão
nestes detalhes de minha técnica porque quero deixar claro o princípio que, segundo minha
experiência, faz possível manejar as associações do menino em sua maior quantidade, e penetrar
nos estratos mais profundos do inconsciente.

Podemos estabelecer um contato mais rápido e seguro com o inconsciente dos meninos se,
atuando com a convicção de que estão muita mais profundamente dominados do que os adultos
pelo inconsciente e os impulsos instintivos, encurtamos a rota que toma a análise de adultos pelo
caminho do contato com o eu e nos conectamos diretamente com o inconsciente do menino. Se
esta preponderância do inconsciente se dá, é óbvio que também deveremos esperar que a forma
de representação simbólica que prevalece no inconsciente fora bem mais natural nos meninos que
nos adultos; em realidade, que os meninos estivessem dominados por ele. Seguimos por este
caminho, ou seja, ponhamo-nos em contato com seu inconsciente, utilizando esta linguagem
através de nossa interpretação. Se o fazemos teremos ganhado acesso aos meninos mesmos. Por
suposto que isto não se realiza tão fácil e rapidamente como parece; se assim fora a análise de
meninos pequenos duraria pouco tempo, e isto não é o caso de jeito nenhum. Na análise de

101
meninos detectamos, uma e outra vez, resistências não menos marcadas do que no de adultos; nos
meninos muito com frequência na forma mais natural para eles, a saber, a angústia.

É este, pois, o segundo fator que me parece essencial se queremos penetrar no inconsciente do
menino. Se observarmos as mudanças em sua maneira de representar o que ocorre dentro seu (já
seja se muda de jogo, ou se o abandona, ou se há um ataque direto de angústia) e tratamos de ver
que há no nexo do material que cause estas mudanças, nos convenceremos de que continuamente
nos enfrentamos com o sentimento de culpa, e que a sua vez devemos interpretá-lo.

Estes dois fatores, que segundo descobri, são os auxílios mais dignos de confiança na técnica da
análise de meninos, são mutuamente dependentes e complementares. Só interpretando e por tanto
aliviando a angústia do menino sempre que nos encontremos ela, ganharemos acesso a seu
inconsciente e conseguiremos que fantasie. Então, se levamos até o fim o simbolismo que suas
fantasias contêm, cedo veremos reaparecer a angústia e poderemos assim garantir o progresso do
trabalho.

A exposição de minha técnica e a importância que lhe atribui ao simbolismo contido na conduta
dos meninos, poderiam interpretar-se erroneamente, como se isto implicasse que na análise de
meninos se procede sem a ajuda da associação livre em seu verdadeiro sentido. Numa passagem
anterior de meu artigo assinalei que Anna Freud e eu, e todos os que trabalhamos na análise de
meninos, estamos de acordo com que os meninos não podem associar, e não associam, da mesma
maneira que os adultos. Quero agregar aqui que provavelmente o principal é que os meninos não
podem associar, não porque lhes falte capacidade para pôr seus pensamentos em palavras (até
certo grau isto só se aplicaria a meninos muito pequenos) senão porque a angústia se resiste às
associações verbais. Não pertence ao propósito deste artigo discutir com maior detalhe esta
interessante questão especial: só mencionarei brevemente alguns dados da experiência.

A representação por meio de brinquedos -em realidade, a representação simbólica em geral, ao


estar até certo ponto afastada da pessoa mesma do sujeito - está menos investida de angústia do
que a confissão pela palavra falada. Se então conseguirmos aliviar a angústia e obtiver em
primeiro lugar representações mais indiretas, estaremos em condições de convencer-nos a nós
mesmos de que podemos acordar para a análise toda a expressão verbal de que é capaz o menino.
E então descobrir-nos repetidas vezes que nos momentos em que a ansiedade se faz mais marcada
as representações indiretas ocupam uma vez mais o primeiro plano. Permita-me ilustrá-lo
brevemente. Quando tive progredido bastante na análise de um menino de cinco anos, este teve
um sonho cuja interpretação foi muito profunda e proveitosa em seus resultados. Esta
interpretação ocupou toda a sessão analítica e todas as associações foram exclusivamente verbais.
Nos dois dias seguintes trouxe novamente sonhos que resultaram serem continuações do primeiro.
Mas as associações verbais do segundo sonho só podiam ser produzidas com muita dificuldade e
uma por vez. A resistência era evidente e a angústia marcadamente maior do que a ida anterior.
Mas o menino se dirigiu ao baú de brinquedos e por meio de bonecos, e outros brinquedos, me
representou suas associações, ajudando-se novamente com palavras cada vez que vencia uma
resistência. Ao terceiro dia a angústia era ainda maior, correspondendo ao material que tinha
aflorado nos dias anteriores. Produzia as associações quase exclusivamente por meio do jogo com
brinquedos e água.

Se somos lógicos em nossa aplicação dos dois princípios sobre os que pus ênfases, a saber que
devemos seguir o modo de representação simbólica do menino e que devemos ter em conta a
facilidade com que surge a angústia no menino, poderemos também contar com que suas
102
associações são um recurso muito importante na análise, mas, como já o disse, só em alguns
momentos e como um meio entre variados.

Creio, portanto que é incompleto o que manifesta Anna Freud quando diz: "De vez em quando,
também, vêm em nossa ajuda associações intencionais e involuntárias" (pág. 41). O que as
associações apareçam ou não depende com bastante regularidade de certas atitudes precisas do
analisando ou, e de jeito nenhum da casualidade. Em minha opinião podemos utilizar este recurso
em muita maior medida do que provavelmente parece. Uma e outra vez este salva o abismo que
o separa da realidade e esta é uma razão pela que este modo está mais estreitamente associado
com a angústia do que o modo de representação irreal, indireta. Por isto eu não consideraria
terminada nenhuma análise de meninos nem sequer o de meninos muito pequenos, antes de
conseguir finalmente que se expresse com palavras, até o grau de que é capaz o menino, e assim
de vinculá-lo com a realidade.

Temos então uma analogia perfeita com a técnica da análise de adultos A única diferença é que
com os meninos encontramos que o inconsciente prevalece em muito maior grau e portanto seu
modo de representação predomina bem mais do que nos adultos, e ademais do que devemos ter
em conta a maior tendência do menino a angustiar-se. Mas indubitavelmente isto também é
verdade na análise nos períodos de latência e no pré-puberal e até certo ponto na puberdade. Em
lodo número de análise nos que os sujeitos estavam numa ou outra destas fases do
desenvolvimento, eu estava obrigada a adotar uma forma modificada da mesma técnica que
emprego com os meninos. Creio que o que acabo de dizer tira força às duas objeções principais
que faz Anna Freud a minha técnica do jogo. Pôs em dúvida 1) que estivéssemos justificados em
supor que o conteúdo simbólico do jogo do menino seja seu conteúdo principal, e 2) que
pudéssemos considerar o jogo do menino como equivalente das associações verbais do adulto.
Porque, sustenta, falta nestes jogos à ideia de propósito que o adulto traz as suas análises e que
"lhe permite, ao associar, excluir todas as diretoras e influências conscientes é em sua corrente de
pensamento". Quisesse ademais contestar a esta última objeção do que estas intenções dos
pacientes adultos (que em minha experiência nem sequer são tão efetivas neles como Anna Freud
supõe) são absolutamente supérfluas nos meninos, e com isto não quero dizer só meninos muito
pequenos.

É evidente pelo que acabo de dizer que os meninos estão tão dominados por seu inconsciente que
para eles é verdadeiramente desnecessário excluir deliberadamente crias conscientes 4. Anna
Freud mesma também sopesou em sua mente esta possibilidade (pág. 49). Dediquei tanto espaço
à questão da técnica que deve empregar-se com os meninos porque isto me parece fundamental
em todo o problema da análise infantil. Quando Anna Freud recusa a técnica de jogo, seu
argumento não só se refere à análise de meninos pequenos senão em minha opinião também ao
princípio básico da análise de meninos maiores, tal como eu o entendo. A técnica de jogo nos
provê uma rica abundância de material e nos dá acesso aos estratos mais profundos da mente. Se
a usamos incondicionalmente chegamos à análise do complexo de Édipo, e uma vez ali, não
podemos pôr limites à análise em nenhuma direção. Se então realmente queremos evitar a análise
do complexo de Édipo, não devemos utilizar a técnica de jogo, ainda em suas aplicações
modificadas a meninos maiores. Segue-se disto que a questão não é se a análise de meninos pode
ir tão profundo como o de adultos, senão se deve ir tão ao profundo. Para contestar a esta pergunta
dever-nos examinar as razões que dá Anna Freud, no capitulo IV de seu livro, contra penetrar tão
fundo.

103
4. Devo ir ainda um passo além. Não creio que o problema seja induzir ao menino durante a sessão "a excluir toda
direção e influência consciente em sua corrente de pensamentos" senão mais bem do que devemos tratar de induzi-lo a
reconhecer tudo o que jaz fora de seu inconsciente, não só durante a sessão, senão minha vida em geral. A relação
especial dos meninos com a realidade descansa (como mostrei com maior detalhe em meu último artigo já citado,
"Princípios psicológicos da análise infantil") sobre o fato de que tentam excluir e repudiar tudo o que não está de acordo
com seus impulsos inconscientes, e em isto está incluída a realidade em seu sentido mais amplo.

Antes de fazê-lo, no entanto, quisesse discutir as conclusões de Anna Freud, expostas no capítulo
III de seu livro, a respeito do papel que joga a transferência na análise de meninos. Anna Freud
descreve algumas diferenças essenciais entre a situação transferencial nos adultos e nos meninos.
Chega à conclusão de que nestes pode ter uma transferência satisfatória, mas que não se produz
uma neurose de transferência. Em apoio desta declaração alega o seguinte argumento teórico: os
meninos, diz, não estão capacitados como os adultos para começar uma nova edição de suas
relações de amor, porque seus objetos de amor originais, os pais, ainda existem como objetos na
realidade.

Para responder a esta afirmação, que me parece incorreta, devê-la entrar numa detalhada
discussão sobre a estrutura do superego nos meninos Mas como isto está exposto numa passagem
posterior, me contentarei aqui com uns poucos enunciados que estão apoiados por minha
exposição seguinte. A análise de meninos muito pequenos me mostrou que inclusive um menino
de três anos deixou atrás a parte mais importante do desenvolvimento de seu complexo de Édipo.
Portanto está já muito afastado, pela repressão e os sentimentos de culpa, dos objetos que
originalmente desejava. Suas relações com eles sofreram distorções e transformações, pelo que
os objetos amorosos atuais são agora imagos dos objetos originais.

Daí que com respeito ao analista os meninos podem muito bem entrar numa nova edição de suas
relações amorosas em todos os pontos fundamentais e portanto decisivos. Mas aqui encontramos
uma segunda objeção teórica. Anna Freud considera que ao analisar meninos o analista não é,
como quando o paciente é um adulto, "impessoal, indefinido, uma página em alvo sobre a qual o
paciente pode inscrever suas fantasias", que evita impor proibições e permitir gratificações. Mas
de acordo com minha experiência é exatamente bem como deve comportar-se um analista de
meninos uma vez que estabeleceu a situação analítica. Sua atividade é só aparente, porque ainda
que se julgue completamente em todas as fantasias no jogo do menino, conforme aos modos de
representação peculiares dos meninos, está fazendo exatamente o que o analista de adultos quem,
como sabemos, também segue de bom grau as fantasias de seus pacientes. Mas fora disto, eu não
permito aos pacientes infantis nenhuma gratificação pessoal, já seja em forma de presentes ou
carícias, ou de encontros pessoais fora da análise, etc. Em resumo, mantenho em todas as regras
aprovadas em análises de adultos. O que dou ao menino é ajuda analítica e alívio, que ele sente
relativamente rápido ainda se antes não tem tido nenhuma sensação de doença. Além disto, em
resposta a sua confiança em minha, pode contar absolutamente com perfeita sinceridade e
honestidade para ele de minha parte.

Mas devo discutir as conclusões de Anna Freud, tanto como suas premissas. Em minha
experiência, aparece nos meninos uma plena neurose de transferência de maneira análoga a como
surge nos adultos. Quando analiso meninos observo que seus sintomas mudam, que se acentuam
ou diminuem de acordo com a situação analítica. Observo neles o surgimento de afetos em estreita
conexão com o progresso do trabalho e em relação comigo. Observo que surge angústia e que as
reações do menino se resolvem no terreno analítico. Pais que observam a seus filhos
cuidadosamente com frequência me contaram que se surpreenderam ao ver reaparecer hábitos,
104
etc., que tinham desaparecido para muito. Não encontrei que os meninos expressem suas reações
quando estão em sua casa da mesma maneira que quando estão comigo: em sua maior parte
reservam a descarga para a sessão analítica. Por suposto, ocorre que as vezes, quando estão
emergindo violentamente afetos muito poderosos, um pouco de a perturbação se faz atraente para
os que rodeiam ao menino, mas isto é só temporário e também não pode ser evitado na análise de
adultos.

Neste ponto, portanto minha experiência está em completa contradição com as observações de
Anna Freud. A razão desta diferença em nossas descobertas é fácil de ver: depende da diferente
forma em que ela e eu manejamos a transferência. Permita-me resumir o que acabo de dizer: Anna
Freud pensa que uma transferência positiva é condição necessária para o trabalho analítico com
meninos. Considera indesejada uma transferência negativa. "No caso de meninos, escreve, é
particularmente inconveniente que tenha tendências negativas dirigidas ao analista, apesar dos
muitos pontos que possam alumiar. Devemos empenhar-nos em destruí-las ou modificá-las o
antes possível; o verdadeiro trabalho proveitoso se fará sempre quando a relação com o analista
é positiva" (pág. 51).

Sabemos que um dos principais fatores no trabalho analítico é o manejo da transferência, estrita
e objetivamente, de acordo com os fatos, na forma que nossos conhecimentos analíticos nos
ensinaram que é a correta. Uma resolução cabal da transferência é considerada como um dos
signos de que uma análise concluiu satisfatoriamente. Sobre esta base a psicanálise estabeleceu
uma série de importantes regras que em todos os casos demonstraram ser necessárias. Anna Freud
deixa de lado em sua maior parte estas regras, na análise do menino. Com ela, a transferência, o
claro reconhecimento do que nos saber que é uma importante condição para nosso trabalho,
converte-se num conceito incerto e duvidoso. Diz que o analista "provavelmente deve
compartilhar com os pais o amor ou o ódio do menino" (pág. 56). E não compreendo que é o que
se tenta ao "demolir ou modificar" as inconvenientes tendências negativas.

Aqui as premissas e as conclusões se movem num círculo. Se não se produz a situação analítica
com meios analíticos, se não se maneja logicamente a transferência positiva e a negativa, então
nem causaremos uma neurose de transferência nem poderemos esperar que as reações do menino
se efetuem em relação com a análise e com o analista. Mais adiante tratarei neste artigo este ponto
com maior detalhe, mas agora só recapitularei brevemente o que já disse ao declarar que o método
de Anna Freud de atrair para se a transferência positiva por todos os meios possíveis e a de
diminuir a transferência negativa quando está dirigida para ela, não só me parece tecnicamente
incorreto, senão que me parece militar bem mais na contramão dos pais do que meu método.
Porque não é senão natural que a transferência negativa fica então dirigida contra aqueles com
quem o menino é está vinculado na vida diária. Em seu quarto capítulo Anna Freud chega a uma
série de conclusões que me parecem pôr de manifesto este círculo vicioso, esta vez de maneira
especialmente clara. Expliquei em outro lugar que o termo "circulo vicioso" significa que a partir
de certas premissas se extraem conclusões que são depois utilizadas para confirmar estas mesmas
premissas. Citaria como exemplo de uma das conclusões que me parecem errôneas, a declaração
de Anna Freud de que na análise de meninos é impossível vencer o obstáculo do imperfeito
domínio da linguagem do menino.

É verdadeiro que faz uma reserva: "Até onde atinge minha experiência até agora, com a técnica
que descrevi". Mas a seguinte frase contém uma explicação de natureza teórica geral. Diz que o
que descobrimos a respeito da temporã infância quando analisamos adultos "se revela por estes
métodos de associação livre e interpretação das reações transferências, ou seja, por aqueles meios
105
que fracassam na análise de meninos. Em várias passagens de seu livro Anna Freud põe ênfase
na ideia de que a análise de meninos, ao adaptar-se à mente do menino deve alterar seus métodos.
Mas baseia suas dúvidas a respeito da técnica que eu desenvolvi numa série de considerações
teóricas, sem tê-las submetido a prova na prática Mas comprovei pela aplicação prática que esta
técnica nos ajuda a obter as associações dos meninos com maior abundância ainda do que as que
obtemos na análise de adultos, e penetrar assim bem mais profundamente do que neles.

Pelo que minha experiência me ensinou então, só posso combater enfaticamente a declaração de
Anna Freud de que os dois métodos utilizados na análise de adultos (ou seja, a associação livre e
a interpretação das reações transferências), com o objeto de pesquisar a temporã infância do
paciente, fracassam ao analisar meninos. Estou inclusive convencida de que incumbe
especialmente à análise de meninos, em particular o de meninos bastante pequenos,
proporcionarem valiosas contribuições a nossa teoria, precisamente porque nos meninos a análise
pode ir muito, mas profundo e pode, portanto trazer a luz detalhes que não aparecem tão
claramente no caso dos adultos.

Anna Freud compara a situação de um analista de meninos com a de um etnólogo "que pelo
contato com um povo primitivo trata de adquirir informação a respeito dos tempos pré-históricos
mais facilmente do que se estudassem as raças civilizadas" (pág. 66). Isto me parece novamente
uma declaração teórica que contradiz a experiência prática. Se a análise de meninos pequenos,
igual que o de meninos maiores, é levado o suficientemente longe, brinda um panorama muito
claro da enorme complexidade do desenvolvimento que encontramos ainda em meninos muito
pequenos e mostra que meninos de, digamos, três anos, precisamente pelo fato de ser a tal ponto
produtos da civilização, passaram e passam por sérios conflitos. Atendo-me ao exemplo de Anna
Freud, diria que precisamente desde o ponto de vista da investigação um analista de meninos se
encontra numa afortunada situação que nunca se lhe apresenta a um etnólogo, a saber, a de
encontrar a gente civilizada em associação estreita com a gente primitiva, e a conseqüência desta
estranha associação, a de receber as mais valiosas informações sobre os primeiros e os últimos
períodos. Tratarei agora com maior detalhe os conceitos de Anna Freud sobre o superego do
menino. No capítulo IV de seu livro há algumas proposições que têm especial significado, tanto
pela importância da questão teórica a que se referem como pelas amplas conclusões que Anna
Freud extrai delas.

A análise profunda de meninos, e em particular de meninos pequenos, levou-me a formar um


quadro do superego na temporã infância muito diferente ao quadro pintado por Anna Freud,
principalmente como resultado de conclusões teóricas. É verdade que o eu dos meninos não é
comparável ao dos adultos. O superego, por outra parte, aproxima-se estreitamente ao do adulto
e não está influído radicalmente pelo desenvolvimento posterior como o está o eu. A dependência
do menino dos objetos externos é naturalmente maior do que a dos adultos e este fato produzem
resultados incontestáveis, mas que creio que Anna Freud sobreestima demasiada e, portanto não
interpreta corretamente. Porque estes objetos externos não são por certo idênticos ao superego já
desenvolvido do menino, ainda que uma vez tenham contribuído a seu desenvolvimento. Só desta
maneira podemos explicar o fato assombroso de que em meninos de três, quatro ou cinco anos,
descubramos um superego de uma severidade que se encontra na mais cortante contradição com
os objetos de amor reais, os pais. Quisesse mencionar o caso de um menino de quatro anos cujos
pais não só nunca o castigaram nem ameaçaram senão que em realidade são extraordinariamente
carinhosos e bons. O conflito entre o eu e o superego neste caso (que só tomo como um exemplo
entre muitos) mostra que o superego é de uma fantástica severidade. Baseado na conhecida

106
fórmula que prevalece em id inconsciente, o menino espera em razão de seus próprios impulsos
canibalísticos e sádicos, castigos tais como castração, ser cortado em pedaços, devorado etc., e
vive perpetuamente aterrorizado por isso. O contraste entre sua terna e carinhosa mãe e o castigo
com que o ameaça seu próprio superego é realmente grotesco, e é uma ilustração do fato de que
não nos dever de nenhum modo identificar os objetos reais com aqueles que o menino introjetar.

Sabemos que a formação do superego tem lugar sobre a base de várias identificações. Meus
resultados mostram que este processo, que termina com o período do complexo de Édipo, ou seja,
com o começo do período de latência, começa a uma idade muito temporã. Baseando minhas
observações em minhas descobertas na análise de meninos muito pequenos, indiquei em meu
último artigo que o complexo de Édipo se forma pela frustração sofrida com o desmame, isto é,
ao final do primeiro ano de vida ou ao começo do segundo. Mas paralelamente com isto ver-nos
os começos da formação do superego. As análises de meninos maiores e de meninos muito
pequenos brindam um panorama claro dos diversos elementos a partir dos quais se desenvolve o
superego e os diferentes estratos onde tem lugar o desenvolvimento. Vemos quantos degraus tem
esta evolução antes de terminar com o começo do período de latência. Trata-se realmente de
terminação porque contrariamente a Anna Freud, estou levada a crer pela análise de meninos que
seu superego é um produto sumamente resistente, inalterável em seu núcleo, e que não é
essencialmente diferente do dos adultos. A única diferença é que o eu, mas maduro dos adultos
está mais capacitado para chegar a um acordo com o superego. Mas isto com frequência só são
aparentemente o que passa. Ademais os adultos podem defender-se melhor das autoridades que
representam ao superego no mundo exterior; inevitavelmente os meninos dependem mais destas.
Mas isto não implica como conclui Anna Freud, que o superego do menino seja "ainda demasiado
imaturo, demasiado dependente de seu objeto, para controlar espontaneamente as exigências dos
instintos, quando a análise o desembaraçou da neurose".

Ainda nos meninos estes objetos -os pais- não são idênticos ao superego. Sua influência sobre o
superego do menino é inteiramente análoga à que podemos comprovar que está em jogo nos
adultos quando a vida os coloca em situações similares, por exemplo, numa posição de particular
dependência. A influência de temidas autoridades nos exames, dos oficiais no serviço militar, etc.,
é comparável com o efeito que Anna Freud percebe nas "constantes correlações nos meninos entre
o superego e os objetos amorosos, que podem ser comparadas com as de dois copos
comunicantes". Pressionados por situações da vida como as que mencionei ou outras similares,
os adultos, como os meninos, reagem com um incremento em suas dificuldades. Isto sucede
porque se reativam ou reforçam velhos conflitos pela dureza da realidade, e aqui joga um papel
predominante a atuação intensificada do superego. Agora bem, este é exatamente o primor
processo que ao que se refere Anna Freud, a saber, a influência de objetos ainda atualmente
presentes no superego (do menino). É verdade que as boas e más influências sobre o caráter e
todas as outras relaciones contingentes da meninice exercem maior pressão sobre os meninos que
a que sofrem os adultos.

No entanto, também nos adultos isto é indubitavelmente importante 5. Anna Freud cita um
exemplo (Págs. 70-7l) que lhe parece ilustrar particularmente bem a debilidade e a dependência
das exigências do ideal do eu nos meninos. No período da vida que precede imediatamente à
puberdade um menino que tinha um impulso incontrolável a roubar descobriu que o agente
principal que o influía era seu temor ao pai. Anna Freud toma isto como prova de que aqui o pai,
que realmente existia, podia ainda ser substituído pelo superego. Agora bem, creio que com
bastante frequência podemos encontrar os adultos desenvolvimentos similares do superego. Há

107
muitas pessoas que (com frequência durante toda sua vida) em última instância controlam seus
instintos anti sociais unicamente por medo a um "pai" com uma aparência algo diferente: a polícia,
a lei, o desprestigio, etc. O mesmo é também verdadeiro no que representa à "dupla moralidade"
que Anna Freud observa nos meninos. Não são só os meninos quem têm um código moral para
mundo dos adultos e outro para eles mesmos e seus camaradas. Muitos adultos se comportam
exatamente do mesmo

5 Abraham (1921-25) diz: "Mas a dependência dos rasgos de caráter do destino geral da libido não se limita a um
período especial da vida, senão que é válida universalmente para a vida inteira. O provérbio Jugend kennt keine Tugend
(a juventude não conhece virtudes), proclama o fato de que numa idade temporã o caráter é imaturo e defeituoso de
firmeza. No entanto, não deveríamos sobreestimar a estabilidade do caráter, inclusive em anos posteriores". Modo e
adotam uma atitude quando estão sós ou com seus iguais, e outra para superiores e estranhos. Creio que uma razão da
diferença de opinião entre Anna Freud e eu é a seguinte. Entendo por superego (e em isto estou completamente de
acordo com o que Freud nos ensinou sobre seu desenvolvimento), a faculdade que resulta da evolução edípica através
da introjeções dos objetos edípicos, e que, com a declinação do complexo de Édipo, assume uma forma duradoura e
inalterável. Como já o expliquei, esta faculdade, durante sua evolução e mais ainda que já esteja completamente
formada, difere fundamentalmente daqueles objetos que realmente iniciaram seu desenvolvimento. Por suposto que os
meninos (mas também os adultos) estabeleceram toda classe de ideais do eu, instalando diversos "superegos", mas isto
tem seguramente lugar nos estratos mais superficiais e está determinado no fundo por aquele superego firmemente
arraigado no menino e cuja natureza é imutável. O superego que Anna Freud crê funciona ainda na pessoa dos pais não
é idêntico a este superego interno no verdadeiro sentido, ainda que não discuta sua influência nele. Se quisermos
penetrar no verdadeiro superego, reduzir seu poder de atuação e influí-lo, nosso único recurso para fazê-lo é a análise.
Mas com isto quero dizer uma análise que pesquise todo o desenvolvimento do complexo de Édipo e a estrutura do
superego.

Voltemos ao exemplo de Anna Freud que mencionei anteriormente. No menino cuja melhor arma
contra o assalto de seus instintos era seu temor ao pai, encontramo-nos com um superego
indubitavelmente imaturo. Preferiria não chamar à semelhante superego tipicamente "infantil".
Tomando outro exemplo: o menino de quatro anos cujos sofrimentos pela pressão de um superego
castrador e canibalístico, em absoluto contraste com seus bons e carinhosos pais, seguramente
não tem este único superego.

Descobri nele identificações que correspondiam mais estreitamente a seus verdadeiros pais, ainda
que de jeito nenhum eram idênticas a eles. O menino chamava a estas figuras, que apareciam
como boas e protetoras e dispostas a perdoar, sua "papai e mamãe fadas", e quando sua atitude
para mim era positiva, adjudicava-me na análise o papel da "mamãe-fada" a quem se podiam
confessar tudo. Outras vezes -sempre que reaparecia a transferência negativa- eu jogava o papel
da mãe má da que esperava tudo o mau que fantasiava. Quando eu era a mamãe -fada, era capaz
de satisfazer os pedidos mais extraordinários e de gratificar desejos que não tinham nenhuma
possibilidade de ser acalmados na realidade. Eu devia ajudá-lo trazendo-lhe como presente, à
noite, um objeto que representava o pênis do pai, e este devia ser cortado e comido. O que ele e
ela matassem a seu pai era um dos desejos que a "mamãe -fada" devia gratificar.

Quando eu era o "papai mágico", devíamos fazer o mesmo a sua mãe, e quando ele mesmo tomava
o papel do pai, e eu representava o do filho, não só me permitia o coito com sua mãe senão que
me dava informações a respeito deste, animava-me a fazê-lo, e também me mostrava como podia
realizar-se o coito fantasiado com a mãe por pai e filho simultaneamente. Toda uma série das
mais variadas identificações, opostas entre se, originadas em estratos e períodos muito diferentes,
fundamentalmente diferentes dos objetos reais, tiveram como resultado neste menino um
superego que realmente dava a impressão de ser normal e ter evoluído bem. Uma razão mais para
selecionar este caso entre outros muitos análogos é do que se trata de um menino que se poderia
108
chamar perfeitamente normal e que estava em tratamento analítico só por razões profiláticas. Só
depois de um tempo de análise e quando o complexo de Édipo foi explorado em profundidade,
pude reconhecer a estrutura completa e diferentes partes do superego do menino. Mostrou as
reações de um sentimento de culpa com uma ética de nível realmente elevado. Condenava tudo o
que considerava mal ou feio de um modo que ainda que apropriado para o eu de um menino, era
análogo ao funcionamento do superego de um adulto com um alto nível ético.

A evolução do superego do menino, ainda que não menos do que a do adulto, depende de vários
fatores que não nos precisar tratar aqui com maior detalhe. Se por alguma razão esta evolução não
se realizou totalmente e as identificações não são totalmente afortunadas, então a angústia, a partir
da qual se originou toda a formação do superego, terá preponderância em seu funcionamento.

Creio que o caso citado por Anna Freud não prova outra coisa senão que tais desenvolvimentos
do superego existem. Não creio que mostre que este é um caso de desenvolvimento
especificamente infantil, já que nos encontramos com o mesmo fenômeno naqueles adultos cujo
superego não está desenvolvido.

Por isso creio que as conclusões que Anna Freud extrai deste caso são errôneas.

O que Anna Freud diz com respeito a isto me dá a impressão de que ela crê que o desenvolvimento
do superego, com formações reativas e recordações encobridoras, tem lugar em alto grau durante
o período de latência Meu conhecimento analítico de meninos pequenos me obriga a diferir dela
em forma absoluta neste ponto. Minha observação me ensinou que todos estes mecanismos estão
já estabelecidos quando surge o complexo de Édipo, e são ativados por este Quando o complexo
de Édipo declinou, já realizaram sua tarefa fundamental; os desenvolvimentos e reações
subseqüentes são mais bem a superestrutura de um substrato que tomou uma forma fixa e persiste
imutável. Algumas vezes e em certas circunstâncias, as formações reativas estão acentuadas, e,
novamente, quando a pressão extrema é mais poderosa, o superego opera com maior força.

Estes fenômenos, não obstante, não são privativos da meninice. O que Anna Freud considera
como uma ampliação adicional do superego e como formações reativas no período de latência e
no período imediatamente anterior à puberdade, é simplesmente uma adaptação aparente e
superficial às pressões e exigências do mundo exterior, e não tem nada que ver com o verdadeiro
desenvolvimento do superego. À medida que crescem, os meninos (como os adultos) aprendem
a manejar o "duplo código moral" mais habilmente do que os meninos pequenos, que ainda são
menos convencionais e mais honestos.

Passemos agora às deduções da autora a partir de suas proposições sobre a natureza dependente
do superego dos meninos e seu duplo código moral em relação com os sentimentos de vergonha
e desagrado.

Nas páginas 73-75 de seu livro, Anna Freud sustenta que os meninos diferem dos adultos neste
aspecto: quando as tendências instintivas do menino se fizeram conscientes não se pode esperar
que o superego assuma por se mesmo a total responsabilidade de sua direção. Pensa que os
meninos, deixados sós em isto, só podem descobrir "um único caminho curto e adequado, saber,
o que conduz à gratificação direta". Anna Freud não aceita -e dá boas razões para sua atitude- que
a decisão sobre como devem ser empregadas as forças instintivas liberadas da repressão deva
corresponder às pessoas responsáveis da educação do menino. Considera, portanto que o único
que deve fazer-se é que "o analista guie ao menino neste aspecto tão importante". Dá um exemplo
para ilustrar a necessidade de intervenção educacional por parte do analista. Vejamos o que diz.
109
Se minhas objeções as suas proposições teóricas são válidas, deverão suportar a prova de um
exemplo prático.

O caso em questão é um que Anna Freud discute em várias passagens de seu livro: o de uma
menina de seis anos que sofria de neurose obsessiva. Esta menina, que antes do tratamento
manifestava inibições e sintomas obsessivos, tornou-se nesse momento desobediente e falta de
limites. Anna Freud inferiu que nesse ponto tivesse devido intervir com o papel de educadora
Creu reconhecer que o fato de que o menino gratificara seus impulsos anais fora da análise uma
vez livres da repressão, indicava que ela tinha incorrido num erro e tinha confiado demasiado na
força do ideal do eu do menino. Pensou que este superego ainda insuficientemente estabelecido
tivesse precisado uma influência educativa temporária por parte do analista, e, portanto, neste
ponto não era capaz de controlar os impulsos do menino sem ajuda.

Creio que seria bom que eu também selecionasse uma ilustração para sustentar minha opinião,
oposta a de Anna Freud. O caso que citarei foi muito grave: o de uma menina de seis anos que no
começo da análise sofria de uma neurose obsessiva 6 . Erna, cuja conduta no lar era intolerável e
que manifestava marcadas tendências anti-sociais em todas suas relações, sofria de freqüente
insônia, de excessivo onanismo obsessivo, inibição completa para a aprendizagem, profundas
depressões, ideias obsessivas e vários outros sintomas graves. Foi tratada analiticamente durante
dois anos, e é evidente que a cura foi seu resultado, porque desde faz mais de um ano tem estado
num colégio que por princípio só toma "meninos normais" e que está enfrentando ali a prova da
vida.

Como é de supor, num caso tão grave de neurose obsessiva a menina sofria de inibições excessivas
e profundos arrependimentos. Manifestava a característica viragem da personalidade de "anjo a
demônio", de "princesa boa a malvada", etc. Nela, também, a análise liberou tanto enormes
quantidades de afeto como impulsos sádicos anais. Durante as sessões analíticas tinham lugar
extraordinárias descargas: birras que se desafogavam nos objetos de meu quarto, tais como
almofadas, etc., sujava e destroçava brinquedos, manchava papel com água, lápis e demais. Em
tudo isto a menina dava a impressão de estar consideravelmente liberada de inibições e parecia
extrair um prazer notável desta conduta com frequência bastante selvagem. Mas descobri que não
se tratava simplesmente de um caso de gratificação desinibida de suas fixações anais, senão que
outros fatores jogavam um papel decisivo.

De jeito nenhum era tão "feliz" como se tivesse podido pensar a primeira instância, e como os
que rodeavam ao menino tivessem pensado que seria no caso citado por Anna Freud. O que em
grande parte se encontrava embaixo de sua "falta de freio" era angústia e também a necessidade
de castigo que a impeliam a repetir seu comportamento. Neste, também, fala uma evidência clara
de todo o ódio e o desafio que datava do período em que se lhe tinha ensinado hábitos de limpeza.
A situação mudou completamente quando analisamos estas fixações temporãs, suas conexões
com a evolução do complexo de Édipo, e o sentimento de culpa associado a este.

6 Examinei esta história do caso com maior detalhe no Wüzburger Tagung Deutscher Analytiker (outono de 1924), e
numa de minhas conferências em Londres, no verão de 1925. Proponho-me publicar posteriormente a história. À
medida que progrediu a análise descobri que a grave neurose obsessiva mascara uma paranoia.

Nestes períodos nos que se liberavam com tanta força impulsos sádico-anais, Erna manifestava
uma inclinação temporária a descarregá-los e gratificá-los fora da análise. Cheguei à mesma
conclusão que Anna Freud: que o analista devia ter-se equivocado. Só que -e esta é provavelmente
110
uma das diferenças mais fundamentais entre nossas opiniões- eu inferi do que tinha fracassado de
alguma maneira pelo lado analítico e não pelo educacional Quero dizer do que me dei conta de
do que tinha fracassado em resolver completamente as resistências durante a sessão analítica e
em liberar totalmente a transferência negativa. Neste e em todos os outros casos encontrei que se
queremos capacitar aos meninos para controlar melhor seus impulsos sem do que se esgotem num
trabalho a luta contra eles, a evolução edípica deve ser despida analiticamente tão completamente
como seja possível, e os sentimentos de ódio e culpa que resultam desta evolução deve ser
pesquisada até seus mesmos começos7. Agora bem, se tratamos de ver até que ponto Anna Freud
encontrou necessário substituir as medidas analíticas por medidas educativas encontramos que a
pequena paciente mesma nos dá uma informação exata. Depois de que Anna Freud lhe teve
demonstrado claramente (pág. 41) que a gente só podia portar-se tão má com quem odiava, a
menina perguntou "por que teria ela de ter esse sentimento de ódio por sua mãe a quem ela
supunha que queria muito". Esta pergunta tinha uma boa justificativa e mostram esse bom
entendimento da essência da análise que com frequência encontramos em pacientes de certo tipos
obsessivos, inclusive muito pequenos. A pergunta assinala o caminho que tivesse devido tornar a
análise: tivesse devido penetrar mais profundamente. Anna Freud, no entanto, não tomou este
canino, já que lemos: "Aqui recusei dizer-lhe nada mais, já que também eu tinha chegado ao fim
do que sabia". A pequena paciente tratou então ela mesma de ajudar a encontrar a forma que a
poderia conduzir mais longe. Repetiu um sonho que já tinha mencionado e cujo significado era
um reproche contra sua mãe porque esta saía precisamente quando a menina mais a precisava.
Alguns dias depois trouxe outro sonho que indicava claramente ciúmes de seus irmãos e irmãs
menores. Anna Freud se deteve então, cessou de avançar mais longe na análise precisamente no
momento em do que tivesse devido analisar o ódio da menina por sua mãe, ou seja, quando
realmente o que primeiro devia.

7. Também a pequena paciente de Anna Freud reconheceu isto bastante corretamente quando depois de contar como
tinha saído vitoriosa de sua luta com o diabo, definiu assim o objeto de sua análise: "Deves ajudar-me a não ser tão
infeliz se tenho que ser, mas forte que ele"; crio, no entanto, que este objetivo pode atingir-se plenamente só quando
tenhamos podido despejar as primeiras fixações orais e sádico -anais e os sentimentos de culpa conectados. fazer-se
era elucidar em primeiro lugar toda a situação edípica. Vemos que é verdade que tinha liberado e levado a sua descarga
alguns dos impulsos sádicos-anais, mas não pôs atendimento na conexão destes impulsos com a evolução edípica; pelo
contrário, confino suas investigações a estratos superficiais conscientes ou pré-conscientes, porque até onde podemos
julgar através do que escreve, também parece ter omitido a análise dos ciúmes de seus irmãos e irmãs até seus desejos
inconscientes de matá-los. Se Anna Freud o tivesse feito, também isto a teria conduzido até os desejos da menina de
matar à mãe. Mais ainda, deve ter omitido também a análise da atitude de rivalidade com a mãe, já que de outro modo
tanto a paciente como a analista tivessem devido saber para então um pouco de as causas do ódio da menina por sua
mãe.

No quarto capítulo de seu livro, Anna Freud cita esta análise como uma ilustração da necessidade
de que o analista intervenha durante um tempo com o papel de educador; aparentemente está
considerando este ponto decisivo na análise que acabo de discutir. Mas eu me represento à
situação da seguinte maneira: a menina chegou a ser parcialmente consciente de suas tendências
sádico-anais, mas não se lhe deu a oportunidade de liberar-se mais ampla e fundamentalmente
delas através de uma análise mais profunda de sua situação edípica. Em minha opinião não se
tratava de dirigi-la para um domínio e controle dolorosos dos impulsos liberados da repressão O
que se necessitava era mais bem submetê-la a uma análise mais profunda e completa das forças
que motivavam estes impulsos. Mas devo fazer a mesma crítica a alguns outros exemplos que
brinda Anna Freud. Referem-se várias vezes às confissões de onanismo recebidas de seus
pacientes. A menina de nove anos que fez tais confissões em dois sonhos que relatou (págs. 31 -
32), estava, crio, contando bem mais do que isso, e algo muito importante. Seu terror ao fogo e o

111
sonho da explosão no géiser, que se produziu por causa de uma má conduta de sua parte e foi
acompanhado de castigo parece-me indicar claramente a observação do coito entre os pais. Isto é
também evidente no segundo sonho. Nele tinha "dês tijolos de diferentes cores e uma casa a que
incendiavam".

Estes, como mim experiência em análise de meninos me permite generalizar, pelo regular
representam a cena primária. Que isto fora verdadeiro no caso desta menina parece-me evidente
em seus sonhos com fogo através de seus desenhos dos monstros (descritos por Anna Freud, págs.
37-38) que ela chamava "mordedores", e da bruxa que arrancava o cabelo de um gigante. Anna
Freud está indubitavelmente no verdadeiro quando interpreta estes desenhos como indicadores da
angústia de castração da menina, e de sua masturbação. Mas não me cabe a menor dúvida de do
que a bruxa, que castra ao gigante, e o "mordedor" representam o coito entre os pais, concebido
pela menina como um sádico ato de castração; e ademais do que quando ela teve esta impressão,
ela mesma concebeu desejos sádicos contra seus pais (a explosão do géiser que ela causa no
sonho); que sua masturbação estava associada a estes desejos e que, portanto, de sua conexão com
o complexo de Édipo, envolvia um profundo sentimento de culpa, e em relação com isto, envolvia
a compulsão à repetição e parte da fixação.

Que é, então, o que falta na interpretação de Anna Freud? Tudo o que tivesse aprofundado na
situação edípica. Mas isto significa que omitiu explicar as causas mais profundas do sentimento
de culpa e da fixação, e impossibilitou a resolução do complexo de Édipo. Sento-me obrigada a
extrair a mesma conclusão que no caso da pequena neurótica obsessiva: se Anna Freud tivesse
submetido os impulsos instintivos a uma análise mais profunda, não tivesse sido necessário
ensinar à menina como controlá-los. E ao mesmo tempo a cura tivesse sido mais completa. Porque
sabemos que o complexo de Édipo é o complexo nuclear das neuroses; portanto se a análise evita
analisar este complexo, também não pode resolver a neurose. Agora bem, quais são as razões de
Anna Freud para abster-se de uma análise mais profunda, que pesquisasse sem reservas a relação
do menino com seus pais e com o complexo de Édipo? Há uma série de importantes argumentos
com os que nos encontramos em várias passagens de seu livro. Resumamo-lo e consideremos
seus alcances.

Anna Freud sente que ela não deve intervir entre o menino e seus pais, e que a educação do lar
perigaria e se criariam conflitos se lhe faz consciente ao menino sua oposição aos pais. Creio que
este ponto é o que determina principalmente a diferença entre as opiniões de Anna Freud e as
minhas, e nossos opostos métodos de trabalho Ela mesma diz que sente arrependimentos para
com os pais do menino, que são os que a empregam, se como ela diz "se volta contra eles". No
caso de uma menina que tinha hostilidade para ela (págs. 20-2l) fez tudo o que pôde para dispor
ao menino na contramão da mulher desprender o sentimento positivo do menino Pela menina e
dirigi-lo para ela mesma. Vacila em fazer o mesmo quando os pais entram na questão, e creio que
está plenamente no verdadeiro. A diferença em nosso ponto de vista é esta: que eu jamais tentaria
dispor ao menino na contramão dos que o rodeiam. Mas se seus pais me o confiaram para que o
analise, já seja para curar uma neurose ou por outras razões, creio que estou justificada ao tomar
a linha que me parece a mais vantajosa para o menino e a única possível. Quero dizer a de analisar
sem reservas sua relação com os que o rodeiam, e, portanto, em especial com seus pais, irmãos e
irmãs.

Há vários perigos na análise da relação com os pais que Anna Freud teme e que pensa que
surgiriam da debilidade que ela supõe que caracteriza o superego do menino. Permitam-me
mencionar alguns. Quando se resolve satisfatoriamente a transferência, o menino já não pode
112
voltar a dirigir-se aos objetos amorosos adequados e poderia ver-se obrigado já seja "a voltar a
cair numa neurose, ou, se este caminho estivesse fechado em razão do sucesso do tratamento
analítico, a tomar a direção oposta: a da rebelião aberta" (págs. 61-62). Ou de novo: se os pais
utilizam sua influência em oposição ao analista o resultado seria "como o menino está vinculado
emocionalmente a ambas partes, uma situação similar à que surge num casal infeliz no que o
menino se converteu num tema lhe disputa" (pág. 77). E novamente: "Onde a análise do menino
não pode chegar a ser parte orgânica de toda sua vida senão que se introduz como um corpo
estranho em suas outras relações, perturbando-as, provavelmente o único que façamos seja
complicá-lo em mais conflitos que os que nosso tratamento resolve" (pág. 84).

Quanto à ideia de que o superego do menino não é ainda o suficientemente forte, e que faz temer
à autora que quando o menino se libere da neurose não poderá já adaptar-se satisfatoriamente às
exigências educacionais necessárias e às das pessoas que o rodeiam, responderia eu da seguinte
maneira:

Minha experiência me ensinou que se analisar-nos um menino sem nenhum preconceito de


nenhuma classe em nossa mente, nos formaremos dele uma ideia diferente, simplesmente porque
estaremos capacitados para penetrar mais profundamente no período crítico anterior aos dois anos.
Aqui se revela em muito maior grau a severidade do superego do menino, rasgo que Anna Freud
mesma descobriu em ocasiões. Encontramos que o que se precisa não é reforçar o superego senão
suavizá-lo. Não esqueçamos que as influências educativas e as exigências culturais não estão
suspendidas durante a análise ainda que o analista, que atua como um terceiro absolutamente
imparcial, não assuma a responsabilidade destas influências e exigências. Se o superego foi o
bastante forte cone para conduzir ao conflito e à neurose seguramente manterá suficiente
influência, ainda se na análise o modificamos gradualmente.

Nunca terminei uma análise com a impressão de que está faculdade se tivesse debilitado
demasiado, por outra parte, teve muitas análises em cujo termo eu teria desejado que se pudesse
reduzir ainda, mas seu exagerado poder. Anna Freud assinala com razão que se nos asseguramos
uma transferência positiva os meninos terão de contribuir muito no sentido da cooperação e em
outros tipos de sacrifício. Mas creio que isto prova indubitavelmente que, ao lado da severidade
do superego, este anseio de amor é uma garantia adequada de que o menino terá um motivo
suficientemente forte para fazer de acordo com exigências culturais razoáveis, só se a análise
libera sua capacidade de amar. Não devemos esquecer que o que a realidade exige ao eu do adulto
é bem mais pesado do que as demandas muito menos exigentes que encontra o eu bem mais débil
do menino.

Naturalmente, é possível que se o menino deve vincular-se com pessoas que não têm insight, ou
com neuróticos, ou com gente que o prejudica, o resultado poderia ser que não poderemos
desembaraçá-lo completamente de sua própria neurose ou que seu meio a faça surgir novamente.
No entanto, segundo minha experiência ainda nestes casos podemos fazer muito para aliviar o
assunto e induzir um desenvolvimento melhor. Mais ainda, em sua reaparição a neurose será mais
leve e mais fácil de ser curada no futuro. Os temores de Anna Freud de que um menino que foi
analisado e permanece num meio totalmente adverso à análise, em razão de sua separação de seus
objetos amorosos pode tomar-se mais rebelde a estes, e, portanto mais presa de conflitos,
parecem-me considerações teóricas refutadas pela experiência Ainda em tais casos descobri que
a análise capacitava aos meninos a adaptar-se melhor e, portanto a passar melhor a prova de um
acontecimento desfavorável, e a sofrer menos do que antes de ser analisado. E demonstrei
repetidas vezes que quando um menino se torna menos neurótico se faz muito menos cansativo
113
para aqueles que o rodeiam e do que são neuróticos ou faltos de insight, e desta forma a análise
não exercerá mais do que uma influência favorável nas relações entre o menino e seu meio. Nos
últimos oito anos analisei grande número de meninos, e minhas descobertas com respeito a este
ponto, crucial na questão da análise de meninos, foi constantemente confirmado. Poderia resumi-
lo dizendo que o perigo temido por Anna Freud, que a análise dos sentimentos negativos de um
menino para seus pais arruinará sua relação com estes, é sempre e sob toda circunstância,
inexistente. Pelo contrário, o oposto é verdade. Exatamente o mesmo sucede nos adultos: a análise
da situação edípica não só alivia os sentimentos negativos do menino para com seus pais, irmãos
e irmãs senão que também os resolve em parte e assim possibilita maior fortificação dos impulsos
positivos.

Precisamente a análise do período mais cedo é o que revela as tendências hostis e os sentimentos
de culpa que têm origem na temporã frustração oral, os hábitos de limpeza e a frustração
relacionada com a situação edípica. E este trazê-los a luz é o que libera ao menino deles. O
resultado final é uma relação mais profunda e melhor com os que o rodeiam, e não é de jeito
nenhum uma separação no sentido de sentir-se estranho. O mesmo se aplica ao período da
puberdade, só que neste período a capacidade para a separação e a transferência necessária nesta
fase particular do desenvolvimento está grandemente reforçada pela análise. Até agora nunca tive
queixas lha família depois que a análise terminasse e ainda durante seu curso, de que a relação do
menino com seu ambiente tivessem piorado. Isto significa muito quando recordamos a
ambivalência das relações. Por outra parte, se me assegurou com frequência que os meninos se
tornavam bem mais sociáveis e bem mais dóceis com respeito a sua educação. De maneira que
finalmente faço um grande serviço tanto aos pais como ao menino justamente no que se refere ao
melhoramento das relações entre eles. Indubitavelmente é desejável e proveitoso que os pais nos
assistam tanto durante como depois da análise. Devo dizer, no entanto, que estes exemplos tão
gratificadores são decididamente os menos: representam o caso ideal, e não podemos basear nosso
método faça ele. Anna Freud diz (pág. 83): "A doença definida não é o único que nos fará decidir-
nos a analisar a um menino. O lugar da análise infantil é, sobretudo o consultório analítico; por
agora devemos limitá-lo aos meninos cujos padres são analistas, analisaram-se ou têm certa
confiança ou respeito pela análise." Em resposta diria que devemos discriminar muito claramente
entre as atitudes consentes e inconscientes dos mesmos pais, e achei repetidas vezes que as
atitudes inconscientes não estão de jeito nenhum garantidas pelas condições desejadas por Anna
Freud. Os pais podem estar por completo convictos teoricamente da necessidade a análise e
podem desejar conscientemente ajudar-nos com todas suas forças, e, no entanto, por razões
inconscientes, podem por obstáculos nosso trabalho a cada momento. Por outra parte,
constantemente achei gente que não sabia nada sobre a análise -as vezes simplesmente uma
menina que me tinha confiança pessoal- que foi da maior ajuda devido a uma favorável atitude
inconsciente. No entanto, segundo minha experiência, tudo o que analise meninos tem que contar
com uma verdadeira hostilidade e ciúmes por parte de meninas, instruísses, e inclusive a mãe, e
deve tratar de realizar a análise apesar e na contramão destes sentimentos. A primeira vista isto
parece impossível e representa por verdadeiro uma dificuldade especial e muito considerável na
análise do menino. Não obstante na maioria dos casos não a encontrei insuperável. Naturalmente
pressuponho que não devemos "compartilhar com os pais o ódio e o amor do menino", senão que
devemos manejar tanto a transferência positiva como a negativa de maneira tal que nos capacite
para estabelecer a situação analítica e confiar nela. É assombroso como os meninos, inclusive
meninos pequenos, apóiam-nos então com seu insight e com sua necessidade de ajuda e como
podemos incluir em nosso trabalho as resistências causadas por aqueles com quem estão
vinculados os pequenos pacientes.
114
Portanto, minha experiência me levou a emancipar-me em meu trabalho destas pessoas na medida
do possível. Ainda que suas informações possam ser às vezes muito valiosas, quando nos relatam
mudanças importantes que têm lugar nos meninos e nos proporcionam um conhecimento da
situação real, necessariamente devemos ser capazes de manejar-nos sem esta ajuda. Por suposto
não quero dizer com isto que nunca possa desbaratar-se uma análise por culpa dos que rodeiam
ao menino; só posso dizer que se o s pais enviam a seus meninos para que se analisem não é razão
para que seja impossível levar a cabo a análise simplesmente porque a atitude destes mostre falta
de insight, ou seja, desfavorável de alguma outra maneira.

Resulta claro por tudo o que disse que minha posição com respeito à conveniência da análise em
diferentes casos é completamente diferente à de Anna Freud. Considero que a análise é útil não
só em todos os casos com perturbações mentais evidentes e desenvolvimento insuficiente, senão
como meio para diminuir as dificuldades de meninos normais. O caminho pode ser indireto, mas
estou segura de que não é demasiado penoso, custoso ou tedioso.

Nesta segunda parte de meu artigo minha intenção era demonstrar que é impossível combinar na
pessoa do analista a tarefa analítica e educativa, e esperava mostrar por que é assim. Anna Freud
mesma descreve estas funções (pág. 82) como "duas tarefas difíceis e contraditórias" - E diz
novamente: "analisar e educar, ou seja, permitir e proibir ao mesmo tempo, liberar e atar
novamente". Posso resumir meus argumentos dizendo que uma atividade efetivamente anula a
outra. Se o analista inclusive temporariamente se torna representante de agentes educativos, se
assume o papel do superego, bloqueia nesse ponto o caminho dos impulsos instintivos à
consciência: volta-se um representante dos poderes repressores.

Avançarei um pouco mais e direi do que segundo minha experiência, o que devemos fazer com
os meninos tanto como com os adultos é, não simplesmente estabelecer e manter a situação
analítica com todos os meios analíticos e abster-nos de toda influência educativa direta, senão,
mais ainda, que a análise de meninos deve ter a mesma atitude inconsciente que pedimos ao
analista de adultos, se tem deter sucesso. Esta o deve capacitar para querer realmente só analisar,
e não desejar moldar e dirigir a mente de seus pacientes. Se a angústia não se o impede, poderá
esperar com acalma a evolução do resultado correto, e deste modo se atingirá este resultado.

Se o faz, ademais, demonstrará a validez do segundo princípio que exponho em oposição a Anna
Freud, a saber: que devemos analisar completamente e sem reservas a relação do menino com
seus pais e seu complexo de Édipo.

Postscriptum, maio de 1947.

No Prefácio e na Terceira parte de seu novo livro, Anna Freud apresenta diversas modificações
de sua técnica. Algumas destas modificações concernem à alguns pontos que tratei neste artigo.
Uma divergência em nossas opiniões surgiu de sua utilização de métodos educativos na análise
de meninos. Anna Freud explicou que esta técnica era necessária por causa do superego débil e
não desenvolvido dos meninos ainda no período de latência (que nesse então, ela considerava o
único período no que os meninos podiam ser analisados). Declara agora em seu Prefácio que a
parte educativa na tarefa do analista de meninos já não é necessária (porque os pais e as
autoridades educacionais se voltaram bem mais instruídas) e do que o analista "pode agora, salvo
115
raras exceções, concentrar sua energia no aspecto puramente analítico de seu labor'. (Prefácio,
pág. xi.) Ademais, quando Anna Freud publicou seu livro em 1926 não só criticou a técnica de
jogo (que eu tinha empregado na análise de meninos pequenos), senão que também se opôs por
princípio a que meninos pequenos, por embaixo do período de latência, analisassem-se. Agora,
como o diz em seu Prefácio, reduziu a idade "desde o período de latência, como o sugeriu num
princípio, até os dois anos..." e segundo parece também aceitou até certo grau a técnica de jogo
cone parte necessário da análise de meninos. Ademais ampliou o número lhe pacientes não só no
que representa à idade senão também no que representa ao tipo de doença, e agora considera "que
se pode analisar meninos cujas perturbações são de tipo esquizofrênico" pág. x).

A questão seguinte é mais complicada porque subsiste uma importante diferença ainda que tenha
surgido uma similitude no enfoque. Anna Freud diz de sua “fase introdutória" na análise de
meninos, que seu estudo dos mecanismos de defesa do eu a levou a encontrar "caminhos e meios
de pôr ao descoberto e penetrar as primeiras resistências em a análise de meninos, com o qual se
encurta a fase introdutória do tratamento, e, em alguns casos a faz desnecessária" (Prefácio, págs.
xi-xii). A consideração de minha contribuição ao Simpósio mostrará que a essência de meu
argumento em entra da "fase introdutória" de Anna Freud era o seguinte: se o analista trata desde
o começo a angústia e a resistência imediatas do menino com recursos analíticos, a situação
transferencial se estabelece imediatamente, e não se fazem necessários nem aconselháveis
recursos que não sejam analíticos. Nossas opiniões sobre este problema têm, portanto em comum
que a fase introdutória é desnecessária (ainda que Anna Freud só parece admitir isto em alguns
casos especiais) se descobre que os caminhos e os meios analíticos penetram as primeiras
resistências. Em minha contribuição ao Simpósio tratei este problema principalmente desde o
ângulo da angústia aguda do menino pequeno. No entanto, em meu livro A psicanálise de
meninos, muitos exemplos mostram que naqueles casos nos que a angústia é menos aguda, atribuo
grande significação à análise das defesas desde o começo. Em realidade, não é possível analisar
as resistências sem analisar as defesas. Não obstante, ainda que Anna Freud não se refere à análise
da angústia aguda senão que parece pôr o acento principalmente na análise das defesas, nossas
opiniões coincidem quanto à possibilidade de conduzir a análise desde o começo com recursos
analíticos. Estas alterações nas opiniões de Anna Freud, que só dou como exemplo, duplicam em
realidade, ainda que ela não o manifeste, uma diminuição de certas divergências importantes entre
ela e eu no que representa à psicanálise de meninos. Mencionarei outro ponto que está relacionado
fundamentalmente com meu enfoque do s princípios e a técnica da análise temporã, ponto que
ilustro neste livro.

Anna Freud declara (pág. 71): "Melanie Klein e seus seguidores expressaram repetidamente a
opinião de que com a ajuda da técnica de jogo se pode analisar meninos de quase qualquer idade,
da mais temporã infância em adiante " Não sei sobre que fundamento se baseia esta declaração, e
o leitor deste livro e de meu livro A psicanálise de meninos não encontrará passagens que o
justifiquem nem material de análise de meninos de menos de dois anos e três meses de idade. Por
suposto que atribuo grande importância ao estudo da conduta dos lactentes, especialmente à luz
de minhas descobertas sobre os temporões processos mentais, mas estas observações analíticas
são algo é inicialmente diferente que levar a cabo um tratamento psicanalítico.

Também chamaria aqui o atendimento sobre o fato de que nesta nova edição de seu livro (págs.
69-71), Anna Freud repita a mesma descrição errônea de minha técnica que fez vinte anos atrás,
já que infere que confio predominantemente em interpretações simbólicas e utilizo muito pouco
-se alguma vez o faço - a linguagem do menino, sonhos diurnos, sonhos, contos, jogo imaginativo,

116
desenhos, suas reações emocionais e suas relações com a realidade exterior, por exemplo, em seu
lar. Corrigi explicitamente esta interpretação errônea nesta contribuição ao Simpósio e custa
entender como pôde ter-se mantido frente a meu livro A psicanálise de meninos e minhas diversas
publicações, compiladas agora neste volume.

Biblioteca Melanie Klein

8. TENDÊNCIAS CRIMINOSAS EM MENINOS NORMAIS (1927)

Uma das bases da psicanálise é a descoberta de Freud de que encontramos num adulto
todos os estágios de seu desenvolvimento infantil temporão. Encontramo-los no inconsciente, que
contém todas as fantasias e tendências reprimidas. Como sabemos, o mecanismo da repressão
está principalmente dirigido pelas faculdades de juízo e de crítica -o superego-. São evidentes que
as repressões mais profundas são aquelas que estão dirigidas contra as tendências mais anti-
sociais. Bem como o indivíduo repete biologicamente o desenvolvimento da humanidade também
o faz psiquicamente. Encontramos reprimidos e inconscientes os estágios que ainda observamos
em povos primitivos: canibalismo e tendências assassinas da maior variedade. Esta parte primitiva
de uma personalidade contradiz inteiramente a parte aculturada da personalidade que é a que
realmente engendra a repressão.

A análise infantil, especialmente a análise temporã, pelo que se entende a análise de


meninos entre três e seis anos, dá um quadro muito esclarecedor do quanto temporão começa esta
luta entre a parte aculturada da personalidade e a parte primitiva. Os resultados que obtive em
meu trabalho analítico com meninos pequenos me demonstraram que já no segundo ano
encontramos o superego em ação. Nesta idade, o menino já passou estágios muito importantes de
seu desenvolvimento psíquico; atravessou suas fixações orais, nas que devemos distinguir entre
a fixação oral de sucção e a fixação oral de morder. Esta última está muito conectada com
tendências canibalísticas. O fato de que possamos observar muito com frequência que os bebes
mordem o peito da mãe é uma das provas desta fixação.

Ademais, no primeiro ano, têm lugar grande parte das fixações sádico-anais. Este termo,
erotismo sádico-anal, utiliza-se para denotar o prazer extraído da zona erógena anal e da função
excretora, junto com o prazer na crueldade, dominação ou posse, etc., que se encontrou
estreitamente conectado com prazeres anais. Os impulsos sádico -orais e sádico-anais representam
o papel principal nas tendências que me proponho examinar neste artigo.

Acabo de mencionar que já no segundo ano encontramos ao superego em ação, por


verdadeiro que em seu estágio de desenvolvimento. O que produz isto é a chegada do complexo
de Édipo. A psicanálise demonstrou que o complexo de Édipo joga o papel mais amplo no inteiro
desenvolvimento de uma personalidade, tanto nas pessoas que se converterão em normais como
nas que se converterão em neuróticas. O trabalho psicanalítico demonstrou cada vez mais do que
também a inteira formação do caráter deriva do desenvolvimento edípico, que todo matiz de
dificuldades de caráter, desde o ligeiramente neurótico ao criminoso, está determinado por ele.
117
Nesta direção -o estudo do criminoso- se deram só os primeiros passos, mas são passos que
prometem desenvolvimentos de grande alcance 1. É o tema deste artigo mostrar-nos como
podemos ver em todo menino tendências criminosas em ação; e fazer algumas sugestões sobre
que é o que determina se estas tendências vão ou não a estabelecer-se na personalidade.

Devo retroceder agora no ponto do que parti. Quando se instala o complexo de Édipo,
o que, segundo os resultados de meu trabalho, sucede ao final do primeiro ano ou ao começo do
segundo, estão plenamente em ação os estágios temporões que mencionei: sádico-orais e sádico-
anais.

Conectam-se com as tendências edípicas, e se dirigem para os objetos ao redor dos quais
se desenvolve o complexo de Édipo: os pais. O varão, que odeia ao pai como rival pelo amor da
mãe, fará isto com o ódio, à agressão e as fantasias provenientes de suas fixações sádico-orais e
sádico-anais. Não faltam na análise de nenhum varão as fantasias de penetrar no dormitório e
matar ao pai, inclusive no caso de um menino normal. Quisesse mencionar um caso especial, o
de um menino de quatro anos, muito normal e satisfatoriamente desembaraçado em todo aspecto,
de nome Gerald. Este caso é muito esclarecedor em muitos aspectos. Gerald era um menino muito
vivaz e aparentemente feliz, no que nunca se tinha advertido nenhuma angústia, e foi trazido à
análise só por razões profiláticas.

Durante o curso da análise descobri que o menino tinha passado por uma intensa
ansiedade e estava ainda sob a tensão da mesma. Mostrarei depois como é possível para um
menino esconder tão bem seus temores e dificuldades. Um de seus objetos de angústia que
estabelecemos durante a análise, era uma besta que só tinha os costumes de uma besta, mas que
em realidade era um homem. Esta besta que para grandes ruídos na habitação próxima, era o pai
cujos ruídos emanavam do dormitório adjacente. O desejo de Gerald de penetrar ali, de cegar ao
pai, castrá-lo e matá-lo, provocaram o temor a ser tratado do mesmo modo pela besta.

1 Veja-se Freud, "Alguns tipos de caráter elucidados pelo trabalho psicanalítico, Ou.C.,
14 e Reik (1925).

Certos hábitos transitórios, tais como um movimento dos braços, que a análise
demonstrou que significavam empurrar à besta, eram devidos a esta angústia. Gerald tinha um
tigre pequeno e seu grande afeto por este animal se devia em parte à esperança de que o protegeria
da besta. Mas às vezes este tigre resultou ser não só um defensor senão também um agressor.
Gerald propôs mandá-lo à habitação adjacente para levar a cabo seus desejos agressivos para o
pai. Também neste caso o pênis do pai seria mordido, cozinhado e comido, desejo proveniente
em parte das fixações orais do menino, e em parte recurso para lutar com o inimigo; já que um
menino, como não tem outra arma, usam em forma primitiva seus dentes como uma arma. Esta
parte primitiva da personalidade estava representado neste caso pelo tigre, que, como comprovei
depois, era Gerald mesmo, mas numa parte sua da que tivesse querido não se dar conta. Mas
Gerald tinha também fantasias de cortar em pedaços a seu pai e a sua mãe, fantasias conectadas
com atos anais, com sujar ao pai e à mãe, com fezes.

Um jantar que simulou depois destas fantasias resultou ser uma comida na que ele e sua
mãe se comiam ao pai. É difícil ilustrar como um menino tão sensível como este sofre por estas
fantasias, que a parte cultivada de sua personalidade condena fortemente. Este menino não podia
mostrar bastante amor e bondade para seu pai; e aqui vemos um forte motivo para que reprimisse
seu amor pela mãe, a que de algum modo é causa destas fantasias e de que permanecesse afeiçoado

118
ao pai em redobrada fixação que poderia formar a base de uma atitude homossexual permanente
na vida posterior.

Mencionarei brevemente o caso de uma menina. A rivalidade pelo pai, o desejo de tomar
o lugar da mãe em seu amor, leva também a fantasias sádicas do mais diverso caráter. Aqui o
desejo de destruir a beleza da mãe, de mutilar seu rosto e seu corpo, de apropriar-se para sim do
corpo da mãe -essa fantasia primitiva de morder, cortar, etc.-, está conectado com um forte
sentimento de culpa, que fortifica a fixação à mãe Nesta idade, entre os dois e os cinco anos,
vemos com frequência meninas pequenas excessivamente afetuosas com suas mães, mas este
afeto está em parte baseado em angústia e sentimento de culpa, e é seguido por um afastamento
do pai. Assim esta complicada situação psíquica se faz ainda mais complicada pelo fato de do
que, ao defender-se contra estas tendências que seu superego condenação, o menino apela a suas
tendências homossexuais, fortifica-as e desenvolve o que chamamos o complexo de Édipo
"investido".

Este é o desenvolvimento que se mostra numa forte fixação da menina à mãe do varão
ao pai. Um passo mais, e chegamos ao estágio em que esta relação também não pode ser mantida,
e o menino se aparta de ambos. Esta é seguramente a base de uma personalidade anti-social,
porque a relação com o pai e a mãe determina todas as subseqüentes relações da vida. Há outra
relação que joga um papel fundamental. É a relação para os irmãos e irmãs; todo análise
demonstra que todos os meninos sofrem grandes ciúmes tanto dos irmãos e irmãs menores como
dos maiores Inclusive o menino muito pequeno que aparentemente não sabe nada sobre o
nascimento, tem um conhecimento inconsciente muito específico do fato de que os meninos
crescem no útero da mãe. Grande ódio é dirigido contra este menino no útero da mãe por motivos
de ciúmes, e como típico das fantasias do menino durante uma gravidez da mãe; encontramos
desejos de mutilar o útero da mãe e desfazer ao menino que está ali, mordendo-o e cortando-o.

Também contra o menino recém nascido se dirigem desejos sádicos. Ademais, estes
desejos sádicos se dirigem também contra irmãs e irmãos maiores, porque o menino se sente
diminuído em comparação com os maiores, inclusive quando não seja realmente assim. Mas estes
sentimentos de ódio e ciúmes dão ao menino um forte sentimento de culpa, que pode influir para
sempre em sua relação com seus irmãos e irmãs. O pequeno Gerald, por exemplo, possuía um
bonequinho ao que cuidava ternamente e com frequência o vendava. Representava a seu irmão,
ao que segundo seu severo superego ele tinha mutilado e castrado quando estava no útero da mãe.

Em todas estas situações, na medida em que seus sentimentos são negativos, o menino
reage com todo o poder e intensidade do ódio característico dos temporões estágios sádicos do
desenvolvimento. Mas, como os objetos que odeia são ao mesmo tempo objetos de seu amor, o
conflito que surge se faz muito cedo intoleravelmente pesado para o débil eu; o único escape é a
fugida através da repressão, e a inteira situação conflitava, que deste modo nunca é aclarada,
permanece ativa na mente inconsciente. Ainda que a psicologia e a pedagogia tenham mantido
sempre a crença de que um menino é um ser feliz sem nenhum conflito, e tenham suposto que os
sofrimentos dos adultos são o resultado do peso e dureza da realidade, deve afirmar-se que
justamente o oposto é o verdadeiro. O que aprendemos sobre o menino e o adulto através da
psicanálise é que todos os sofrimentos da vida posterior são em seu maior parte repetições destes
sofrimentos temporões, e que todo menino nos primeiros anos de sua vida passa por um grau
imensurável de sofrimento.

119
Não pode negar-se que as aparências falam na contramão destas afirmações Inclusive
ainda que numa observação atenciosa se possam notar signos de dificuldades, o menino parece
superá-los mais ou menos facilmente. A questão de como deve explicar-se a diferença entre as
aparências e a verdadeira situação psíquica se contestará posteriormente, quando examinemos as
diversas formas e recursos que usa o menino para superar suas dificuldades.

Devo retornar no ponto em que falei dos sentimentos negativos do menino. Estes se
dirigem contra o pai do mesmo sexo e os irmãos e irmãs. Mas, como mencionei, complicam-se
mais a situação pelo fato de do que se dirigem também sentimentos negativos contra o pai do sexo
oposto, em parte pela frustração que este progenitor também lhe impõe e em parte porque em seus
esforços para escapar ao conflito o menino se aparta de seu objeto de amor, e muda seu amor por
aversão. Mas a situação se complica mais ainda pelo fato de do que as tendências de amor do
menino estão coloridas por teorias e fantasias sexuais típicas dos estágios pré-genitais, do mesmo
modo que o estão seus sentimentos negativos. Descobriram-se muito sobre as teorias sexuais
infantis mediante a análise de adultos; mas ao analista que trata aos meninos mesmos se lhe revela
uma surpreendente variedade de teorias sexuais. Direi só poucas palavras sobre a forma em que
se obtém do menino este material. Quando desde nosso ponto de vista psicanalítico observamos
ao menino enquanto joga e utilizar-nos recursos técnicos especiais para diminuir sua inibição,
podemos fazer aparecer estas fantasias e teorias, descobrirem que experiências tiveram o menino,
e ver todos seus impulsos e a reação de suas faculdades criticas em ação. Esta técnica não é fácil;
requer muito de identificação com as fantasias do menino e uma atitude especial para ele, mas é
extremamente produtiva; esta técnica nos conduz a profundidades do inconsciente que são
surpreendentes inclusive para o analista de adultos.

Lentamente o analista, ao interpretar ao menino o que significa seu jogo, seus desenhos
e toda sua conduta, resolve as repressões contra as fantasias subjacentes ao jogo, e libera essas
fantasias. Homens, mulheres, animais, autos, trens, etc., permitem ao menino representar diversas
pessoas, a mãe, o pai, os irmãos e irmãs, e por meio destes brinquedos representarem todo seu
material inconsciente mais reprimido. Não é possível dentro dos limites deste artigo entrar mais
nos detalhes de minha técnica. Devo limitar-me a enunciar que obtenho este material em
realizações tão diferentes e com tanta variedade que é impossível equivocar-se sobre seu
significado; o que ademais é demonstrado pelo efeito de resolução e libertação das interpretações.
Fazem-se claras tanto as tendências primitivas como as reações de juízo. Se um menino mostrou
num jogo, por exemplo, que um homem em luta contra um homem maior foi capaz de superá-lo,
sucede muito com frequência que quando está morto, o homem maior é posto numa carruagem e
levado ao açougueiro, quem o corta em pedaços e o cozinha. O homem come esta comida com
prazer, inclusive convidando ao banquete a uma senhora que às vezes representa à mãe. Ela
aceitou ao pequeno assassino em vez de ao pai assassinado. Por suposto que a situação pode ser
muito diferente. A fixação homossexual pode estar em primeiro plano, e podemos ver à mãe
cozinhada e comida, e os dois irmãos repartindo a comida entre eles. Como mencionei, manifesta-
se uma inumerável variedade de fantasias, que diferem inclusive no mesmo menino em diferentes
estágios de sua análise.

Mas esta manifestação de tendências primitivas é invariavelmente seguida por angústia,


e por realizações que mostram como o menino trata agora de fazer o bem e de arrumar o que fez.
Às vezes trata de consertar aos mesmos homens, trens, etc., que acaba de romper. Às vezes
desenhar, construir, etc., expressa as mesmas tendências reativas.

120
Quero pôr em claro um ponto. Os jogos que descrevi, através dos quais o menino me
provê do material que examinei, diferem muito dos jogos aos que geralmente se observa jogar
aos meninos. Isto deve explicar-se como segue: o analista obtém seu material em forma muito
específica. A atitude que mostra ante os jogos e associações do menino estão inteiramente livres
de críticas éticas e morais. Esta é realmente uma das formas em que pode estabelecer-se a
transferência e pôr-se em marcha a análise. Assim o menino mostrará ao analista o que nunca
revelaria a sua mãe ou baba. Por boas razões: elas se alarmariam muito ao advertir tendências
anti-sociais e agressivas contra as que principalmente se dirige a educação. Ademais, é justamente
o trabalho analítico o que resolve as repressões e desta forma faz aparecer às manifestações do
inconsciente. Isto se obtém lentamente, passo a passo, e alguns dos jogos que mencionei
apareceram no curso da análise e não ao princípio. No entanto, deve agregar-se que os jogos dos
meninos, inclusive fora da análise, são muito instrutivos e dão provas de muitos dos impulsos que
se examinam aqui. Mas para reconhecê-los se requer um observador especialmente treinado, com
conhecimento do simbolismo e dos métodos psicanalíticos.

As teorias sexuais são à base de uma variedade de fixações muito sádicas e primitivas.
Sabemos graças a Freud que há certo conhecimento inconsciente que o menino obtém,
aparentemente, em forma filogenética. A este pertence o conhecimento sobre o coito paterno, o
nascimento dos meninos etc.; mas é de caráter bastante vadio e confuso. De acordo com o estágio
sádico-oral e sádico-anal que ele mesmo está atravessando, o coito chega a significar para o
menino uma situação na que jogam o papel principal comer, cozinhar, intercâmbio de fezes e atos
sádicos de todo tipo (morder, cortar, etc.). Desejo sublinhar quão importante está destinado a ser
na vida posterior a conexão entre estas fantasias e a sexualidade. Aparentemente todas essas
fantasias terão desaparecido para então, mas seu efeito inconsciente será de grande importância
na frigidez, na impotência e em outras perturbações sexuais. Isto pode ver-se muito bem na análise
de meninos pequenos. O varão que demonstrou seus desejos para sua mãe, mostrando neste
aspecto fantasias muito sádicas, trata de escapar elegendo em vez da à mãe como objeto, à imago
do pai; e depois se apartará também deste, se suas fantasias sádico-orais resultam também
conectadas com este objeto de amor. Aqui encontramos a base de todas as perversões que Freud
descobriu que se originam no desenvolvimento temporão do menino. Fantasias de que o pai ou
ele mesmo viola a mãe, morde-a, a aranha, a curta em pedaços, são alguns exemplos da concepção
infantil do coito. Referirei-me aqui ao fato de que fantasias desta natureza são realmente
transportadas à ação pelos criminosos, para mencionar só o caso de Jack o estripador. Na relação
homossexual estas fantasias mudam a castrar ao pai, cortando ou arrancando seu pênis, e toda
classe de atos violentos. O nascimento está conectado muito com frequência com fantasias de
abrir o corpo cortando-o, e de sacar os bebês de diferentes partes do corpo. Estes são só poucos
exemplos da abundante variedade de fantasias sexuais que pode encontrar-se em todo menino
normal, ponto que desejo sublinhar especialmente.

Já que tive a sorte de ter vários meninos normais em análises, posso afirmar isto desde
o ponto de vista profilático. Este aspecto repulsivo da vida de fantasia do menino muda
inteiramente quando nos familiarizar-nos com as profundidades de sua mente. O menino está
inteiramente dominado por seus impulsos, os que, no entanto, vemos que são o fundamento de
todas as atrativas e socialmente importantes tendências criadoras. Devo dizer que a impressão que
obtenho da forma em que inclusive o menino muito pequeno luta contra suas tendências anti-
sociais é bastante emocionante e admirável. Um momento depois de que vimos os impulsos mais
sádicos, encontramo-nos com atuações que mostram a maior capacidade de amor, e o desejo de
fazer todo sacrifício possível para ser amado. Não podemos aplicar nenhuma norma ética a estes

121
impulsos; devemos dar por sentada sua existência sem nenhuma crítica e ajudar ao menino a
enfrentar-se com eles; pelo que ao mesmo tempo diminuímos seus sofrimentos, fortificamos suas
capacidades, seu equilíbrio mental, e como resultado final realizamos uma tarefa de notável
importância social. É impressionante ver em análise como estas tendências destrutivas podem ser
utilizadas para a sublimação quando resolvemos as fixações; como podem liberar-se estas
fantasias para um trabalho realmente artístico e construtivo.

Isto se faz em análise só através de recursos puramente analíticos, de nenhum modo


aconselhando ou estimulando ao menino. Segundo minha experiência, esta última forma, que é a
pedagógica, não pode combinar-se com a tarefa analítica na pessoa do analista, mas a análise
prepara o terreno para uma tarefa pedagógica muito produtiva. Numa comunicação feita faz
alguns anos à Sociedade Analítica de Berlim, assinalei uma analogia entre alguns crimes horríveis
que recentemente tinham sucedido, e fantasias correspondentes que tinha encontrado na análise
de alguns meninos pequenos. Um era um caso que era realmente uma combinação de perversão
e crime. Atuando em forma muito habilidosa, de maneira que não foi descoberto por muito tempo,
o homem pôde levar a cabo os seguintes atos sobre grande número de pessoas: o criminoso em
questão cujo nome era Harmann intimava com homens jovens, aos que antes de qualquer coisa
usava para suas tendências homossexuais, depois lhes cortava a cabeça, queimava ou para uso das
partes de seu corpo numa forma ou outra, e inclusive vendia depois suas roupas.

Outro caso muito horrível é o de um homem que matou a várias pessoas, usando as
partes de seus corpos para fazer salsichas. As fantasias análogas dos meninos que mencionei antes
tinham em todos seus detalhes as mesmas características que estes crimes. As pessoas sobre as
que se cometeriam eram, por exemplo, o pai e o irmão de um menino entre quatro e cinco anos,
aos que estava unido por uma forte fixação sexual.

Depois de ter expressado a desejada masturbação mútua e outros atos, cortou a cabeça
de um boneco, vendendo o corpo a um açougueiro imaginário, que a sua vez devia vendê-lo como
comida. Guardou para si a cabeça, que queria comer ele mesmo, considerando-a a porção mais
tentadora. Mas do mesmo modo se apropriou dos pertences da vítima. Entrarei mais de cheio
neste caso especial, já que creio que resultará, mas esclarecedor se dá detalhes sobre um só caso,
antes que enumerar mais exemplos. Este menino, Peter, quando chegou à análise era um menino
muito inibido, extremamente receoso, muito difícil de educar, inteiramente incapaz de julgar; não
podia fazer outra coisa com seus brinquedos que os romper.

Sua inibição de jogo, como sua ansiedade, estava estreitamente conectadas com suas
fixações sádico-orais e sádico-anais. Como as fantasias são realmente o motor do jogo, não podia
jogar, porque devia manter reprimidas suas cruéis fantasias. Temeroso do que inconscientemente
tinha desejos de fazer, esperava sempre que lhe fariam a ele mesmo as mesmas coisas. Os desejos
sádicos conectados com seus desejos para a mãe o levaram a um apartamento dela e a relações
bastante más com ela. A libido estava dirigida para o pai, mas como também lhe tinha muito
medo, a única relação real que podia manter era com seu irmão pequeno. Naturalmente, esta
também era muito ambivalente.

A forma em que este menino estava sempre esperando um castigo pode mostrar-se
melhor com o seguinte exemplo: jogava uma vez, representando-se a ele mesmo e a seu irmão
por dois bonequinhos, que estavam esperando que a mãe os castigasse por ter-se porta do mau;
ela chega, encontra-os sujos, castiga-os e se vai. Os dois meninos repetem novamente seus atos
sujos, são castigados outra vez, etc. Por fim, o medo ao castigo se volta tão forte que os dois
122
meninos decidem matar a mãe, e ele executa a uma boneca. Então cortam e comem o corpo. Mas
vem o pai em ajuda da mãe, e é também morto em forma muito cruel, cortado e comido. Agora
os dois meninos parecem muito felizes. Podem fazer o que queiram.

Mas depois de muito pouco tempo aparece grande angústia, e parece que os pais mortos
estão vivos outra vez e retornam. Quando começou a angústia o menino tinha escondido os dois
bonecos sob o sofá, de maneira que os pais não pudessem encontrá-los, e depois sucedeu o que o
menino chamava "voltar-se educado". O pai e a mãe encontram os dois bonecos, o pai lhe corta a
ele a cabeça, a mãe corta do irmão, e também eles são cozinhados e comidos.

Mas é característico, e quero sublinhar este ponto, que depois de pouco tempo os atos
maus são repetidos novamente, pode ser inclusive em diferentes atuações, a agressão contra os
pais recomeça e os meninos são castigados uma e outra vez. O mecanismo que se expressa neste
círculo ocupará posteriormente nosso atendimento.

Só direi umas poucas palavras sobre o resultado deste caso. Ainda que o menino, quando
ainda estava em análise, teve que suportar algumas experiências difíceis, já que os pais se
divorciaram nessa época, e ambos se voltaram a casar em circunstâncias preocupantes, sua
neurose foi inteiramente resolvida durante a análise. Perdeu sua angústia e inibição de jogo e se
converteu num bom aluno, socialmente bem adaptado e feliz.

Quem sabe surja a pergunta: por que, já que o título de meu artigo promete tratar
meninos normais, entrei com tanto detalhe num caso de um menino definidamente neurótico
obsessivo? Como mencionei várias vezes, o mesmo material pode encontrar-se também em
meninos normais. Um neurótico só mostra mais claramente o que se encontra com menor
intensidade também em meninos normais. Leste é um fator importante para a explicação do
problema de como os mesmos fundamentos psíquicos podem levar a resultados tão diferentes. No
caso do pequeno Peter, a intensidade da fixação sádico-oral e sádico -anal era tão grande que todo
seu desenvolvimento esteve dominado por ela. Certas experiências foram também um fator
determinante na produção de sua neurose obsessiva. O menino tinha mudado em forma muito
notável arredor dos dois anos. Os pais o mencionam sem poder explicá-lo. Nessa época, o menino
teve uma grande recaída no hábito de sujar-se em cima, interrompeu todo jogo, começou a romper
seus brinquedos e se tornei muito difícil de manejar.

A análise revelou que no verão em que apareceu a mudança, o menino tinha


compartilhado o dormitório dos pais e presenciado sua relação sexual. A impressão que recebeu
foi de um ato muito oral e muito sádico, e fortificou suas fixações. Nesta época tinha atingido já
em certa medida o estágio genital e sob esta impressão fez uma regressão aos estágios pré-
genitais. Deste modo todo seu desenvolvimento sexual permaneceu realmente sob a dominação
destes estágios. O nascimento de um irmão, seis meses depois, incrementou ainda mais seus
conflitos e sua neurose. Mas há ainda outro fator, que é da maior importância no desenvolvimento
da neurose obsessiva em general, e particularmente neste caso. É o sentimento de culpa
engendrado pelo superego. Em Peter, já numa idade muito temporã, funcionava um superego não
menos sádico do que suas próprias tendências. A intensidade desta luta, intolerável para o débil
eu, conduziu a uma repressão muito forte. Também é importante outro fator: há meninos que
podem suportar muito pouca angústia e sentimento de culpa. Este menino só podia suportar muito
pouco; a luta entre seus impulsos sádicos e seu sádico superego, ameaçando-o com os mesmos
atos como castigo, era um ônus terrível para ele. No inconsciente está em ação o preceito bíblico

123
"olho por olho". Isto explica como é que encontramos nos meninos crias tão fantástica do que os
pais poderiam fazer-lhes a eles: matá-los, cozinhá-los, castrá-los, etc.

Como sabemos, os pais são a fonte do superego na medida em que suas ordens,
proibições, etc., são absorvidas pelo menino mesmo. Mas este superego não é idêntico aos pais,
está formado em parte pelas próprias fantasias sádicas do menino. Mas essas fortes repressões só
estabilizam a luta, sem poder levá-la a seu termo. Ademais, ao impedir que apareçam as fantasias,
a repressão faz que o menino não possa abreviar estas fantasias no jogo, e usá-las de outras formas
para a sublimação, de modo que todo o peso destas fixações fica num círculo sem fim. Segue
sendo um círculo, porque a repressão, como mencionei, não põe fim a este processo. O sentimento
de culpa, também reprimido, não é menos pesado; deste modo o menino repete uma e outra vez
uma variedade de atos, expressando seus desejos de ser castigado. Este desejo de castigo, que é
um fator determinante quando o menino repete constantemente atos de má conduta, encontra uma
analogia nas repetidas más ações do criminoso, como indicarei posteriormente neste artigo.
Recordar-vos-ei o que fez o pequeno Peter no jogo em que representou a ele mesmo e a seu irmão
como bonecos: portaram-se mau e foram castigados, mataram a seus pais e os pais os mataram a
eles, e depois começou todo outra vez. Vemos aqui uma repetição compulsiva derivada de
diversas causas, mas muito influída pelo sentimento de culpa que exige castigo. Aqui podemos
ver já algumas diferenças entre o menino normal e o neurótico: a intensidade das fixações, a forma
e época em que estas fixações se conectam com experiências, o grau de severidade e tipo de
desenvolvimento do superego, que depende a sua vez de causas internas e externas, e ademais, a
capacidade do menino para suportar angústia e conflitos, são alguns dos fatores mais importantes
que determinam o desenvolvimento normal ou neurótico.

O menino normal, ao igual que o anormal, usa a repressão para manejar os conflitos,
mas como estes são menos intensos o círculo íntegro será menos forte. Há também outros
mecanismos que usam tanto o menino normal como o neurótico, e uma vez mais só uma questão
de grau determinará o resultado: um deles é a fugida da realidade. Bem mais do que pareceria
superficialmente, o menino se ressente pela realidade e trata de adaptá-la a suas fantasias, e não
suas fantasias à realidade.

Aqui temos a resposta ao que propus num ponto: como é possível que o menino não
mostre externamente seu sofrimento interno. Vemos com frequência que um menino se consola
cedo, depois de ter chorado amargamente, vemo-lo às vezes desfrutar das brincadeiras mais
insignificantes e sacamos a conclusão de do que é feliz. Pode fazer isto porque tem um refúgio
mais ou menos negado aos adultos: a fugida da realidade. Os que estão familiarizados com a vida
lúdica dos meninos sabem que esta vida lúdica se refere inteiramente à vida instintiva e desejos
do menino, representando-os e realizando-os através de suas fantasias. Da realidade, à que está
mais ou menos bem adaptado, o menino extrai só o absolutamente essencial. Portanto, vemos que
grandes números de dificuldades surgem em períodos da vida do menino em que as exigências
da realidade se tornam mais urgentes, como por exemplo, quando começa a escola.

Mencionei já que este mecanismo, a fugida da realidade, encontra-se em ação em todo


tipo de desenvolvimento, mas a diferença é principalmente uma questão de grau. Quando atuam
alguns dos fatores que mencionei como determinantes do desenvolvimento da neurose obsessiva,
além de outros especiais, vemos esta fugida da realidade desenvolvida em grande parte, e
preparando a base para a psicose. Podemos perceber às vezes estes fatores num menino que
superficialmente dá impressão de ser bastante normal, e que com frequência não mostra mais do
que uma intensa vida de fantasia e capacidade de jogar. O mecanismo de escapar à realidade e
124
recair na fantasia está conectado com outra forma muito comum de reação no menino: sua
capacidade para consolar-se constantemente da frustração de seus desejos, a favor de si mesmo
outra vez através de seu jogo e de sua imaginação que tudo está bem e seguirá estando bem. Esta
atitude do menino dá facilmente aos adultos a impressão de que é bem mais feliz do que em
realidade é.

Voltemos ao pequeno Gerald. Sua alegria e vivacidade tinham em parte o propósito de


ocultar sua angústia e infelicidade ante si mesmo e os outros. Isto mudou muito através da análise,
que o ajudou a desembaraçar-se da angústia e a substituir este contente em parte superficial por
outro muito melhor fundado. É neste aspecto que a análise dos meninos normais encontra sua
maior oportunidade. Não há nenhum menino sem dificuldades, medos e sentimentos de culpa, e
inclusive quando estes parecem de pouca importância, causam bem mais sofrimento do que
parece; e são ademais as primeiras indicações de perturbações muito maiores na vida posterior.

Mencionei no caso de Peter que o sentimento de culpa joga um grande papel na


compulsão a repetir, uma e outra vez, atos proibidos, ainda que com o tempo estes atos adquiram
um caráter muito diferente. Pelo geral se pode considerar que em tudo assim chamado menino
"mau ou travesso" também está em ação o desejo de castigo. Quisesse citar a Nietzsche e o que
chamou seu "pálido criminoso"; ele sabia muito sobre o criminoso manejado por seu sentimento
de culpa. Aqui chegamos à parte mais difícil de meu artigo: o problema de que desenvolvimento
deve sofrer estas fixações para constituir um criminoso. Este ponto é difícil de contestar, pela
razão de que a psicanálise não se ocupou muito ainda deste problema especial.

Desafortunadamente eu não tenho muita experiência com a que possa relaciona este
interessante e importante campo de trabalho. Mas alguns casos que se aproximaram algo ao tipo
criminoso me deram certa ideia da forma em que resulta este desenvolvimento. Citarei um caso
que me parece muito instrutivo. Foi-me enviado à análise um menino de doze anos ao que iam
enviar a um reformatório. Seus atos delitivos eram irromper no armário da escola e em geral
tendência a roubar, mas principalmente romper coisas, e ataques sexuais a meninas pequenas. A
única forma de relação que tinha com a gente era de destruição; suas amizades com varões
também tinham principalmente ser de propósito. Não tinha interesses especiais e inclusive parecia
indiferente a castigos e recompensas. A inteligência deste menino estava muito abaixo do normal,
mas isto não resultou um obstáculo para a análise, que se desenvolveu muito bem, e que pareceu
prometer bons resultados. Depois de poucas semanas me informaram que o menino começou a
mudar favoravelmente. Por desgraça tive que fazer uma longa interrupção por razões pessoais,
depois de decorridos dois meses de análises. Em esses dois meses o menino devia vir três vezes
por semana, mas o vi só quatorze vezes, porque sua mãe adotiva fazia o possível por impedir que
viesse. Durante esta análise tão perturbada, o menino, no entanto, não cometeu nenhum ato
delitivo, mas os começou outra vez durante a interrupção, pelo que foi enviado de imediato a um
reformatório, e o meu regresso fracassaram todas minhas tentativas para que voltasse à análise.
Baseado em toda a situação, não tenho a menor dúvida de do que se iniciou no caminho de uma
carreira criminosa.

Darei agora um breve resumo das causas de seu desenvolvimento no que pude deduzi-
las de sua análise. O menino cresceu nas circunstâncias, mas desoladoras. A irmã maior o tinha
forçado, a ele e a seu irmão menor, a realizar atos sexuais a idade muito temporã. O pai morreu
durante a guerra, a mãe se adoeceu, a irmã dominava a toda a família, em geral toda a situação
era lamentável. Quando a mãe morreu foi cuidado por diversas mães adotivas e foi de mal em
pior. Odiava a sua irmã, que representava para ele os princípios do mal, por causa de sua relação
125
sexual, mas também porque os maltratava, era má para com a mãe moribunda, etc. Ademais, por
outra parte estava unido a esta irmã por uma fixação dominante que aparentemente se baseava só
em ódio e angústia. Mas tinha também causas, mas profundas para seus atos delitivos. Ao longo
de sua infância este menino tinha compartilhado o dormitório de seus pais e extraído uma
impressão muito sádica de suas relações sexuais. Seu desejo de coito tanto com seu pai como com
sua mãe ficou sob a dominação de suas fixações sádicas, e estava conectado com grande angústia.
A violência de sua irmã nestas circunstâncias tomou em seu inconsciente o lugar de seu violento
pai, e alternativamente, de sua mãe. Em ambos os casos era castração e castigo o que devia
esperar, e novamente o castigo correspondia a seu próprio superego muito sádico e primitivo. Era
evidente que repetia nas meninas os ataques em que ele mesmo era agora o agressor. Seu irromper
nos armários e sacar coisas, como suas próprias tendências destrutivas, tinham as mesmas causas
inconscientes e significado simbólico que seus ataques sexuais. Este menino, sentindo-se
abrumado e castrado, tinha que investir a situação provando-se que podia ser o agressor mesmo.
Uma causa importante destas tendências destrutivas era provar-se uma e outra vez que ainda era
um homem, além de descarregar seu ódio para sua irmã em outros objetos.

No entanto, era não menos seu sentimento de culpa o que o conduzia a repetir uma e
outra vez atos que deviam ser castigados por uma mãe ou um pai cruel, ou por ambos. Sua
aparente indiferença ao castigo, sua aparente falta de medo eram completamente enganosas. O
menino estava abrumado por medo e sentimentos de culpa. Surge agora a questão de se este
desenvolvimento diferia do menino neurótico que descrevi antes. Só posso apresentar algumas
sugestões. Pode ser que através de suas experiências com sua irmã este superego muito cruel e
primitivo tenha ficado fixado por uma parte no estágio do desenvolvimento que tinha atingido
então; por outra parte, estava unido a esta experiência e enfrentando-a sempre. Assim este menino
estava inevitavelmente mais abrumado pela angústia do que o pequeno Peter. Conectado com
isto, uma repressão ainda mais forte fechou todas as vias de descarga para as fantasias e a
sublimação, de maneira que não ficava outro caminho que repetir o desejo e o medo
continuamente nos mesmos atos. Comparado com o menino neurótico, ele tinha tido realmente a
experiência de um superego abrumador, que o outro menino só tinha desenvolvido por causas
internas. Assim passou também com seu ódio, o que em conseqüência de sua experiência real,
encontrou expressão em seus atos destrutivos.

Mencionei que neste caso, como provavelmente em outros do mesmo tipo, a repressão
muito forte e temporã, ao impedir as fantasias, despojou-o da possibilidade de elaborar suas
fixações através de outras formas, ou seja, de sublimar. Em sublimações do mais diverso tipo
encontraremos do que também representam um papel às fixações agressivas e sádicas. Quisesse
indicar só um meio pelo que, inclusive fisicamente, pode ser elaborado muito sadismo e agressão:
o esporte. Assim, os ataques ao objeto odiado podem fazer-se de um modo socialmente
permissível; ao mesmo tempo serve como sobre compensação da angústia, já que prova ao
indivíduo que não sucumbirá ao agressor.

No caso do pequeno criminoso era muito interessante ver, quando a repressão foi
debilitada pela análise, que apareceu a sublimação. O menino, que não tinha mais do que um
interesse destrutivo em romper e estragar coisas mostrou um interesse inteiramente novo na
construção de elevadores e em toda forma de trabalho de carroceiro. Pode supor-se que este
tivesse sido um bom caminho para sublimar suas tendências agressivas, e assim a análise podia
tê-lo convertido num bom carroceiro, em vez de convir-se num criminoso que é o que pode
esperar-se agora.

126
Parece-me que uma causa principal do desvio do desenvolvimento deste menino com
respeito ao de um menino neurótico jaz na grande angústia provocada pela experiência traumática
com sua irmã. Vejo os efeitos desta grande angústia em diferentes direções. Um maior temor
causou uma maior repressão num estágio no que ainda não estava aberto o caminho para a
sublimação, de maneira que não ficasse nenhuma outra descarga ou possibilidade de elaboração.
Ademais, o maior temor incrementou a crueldade do superego, e por essa experiência o fixou
nesse ponto.

Há ainda outro efeito desta maior angústia que quisesse sugerir, mas para explicá-lo
devo fazer uma pequena digressão. Quando mencionei as diferentes possibilidades do
desenvolvimento, citei ao normal, ao neurótico obsessivo, ao psicótico, e tratei de acercar-me ao
criminoso. Não falei do perverso.

Sabemos que Freud chamava à neurose o negativo das perversões. Um agregado


importante à psicologia das perversões foi feito por Sachs, que chegou à conclusão de que o
perverso não se permite simplesmente a si mesmo, por falta de consciência, o que o neurótico
reprime em conseqüência de suas inibições. Encontrou que a consciência do perverso não é menos
estrita, senão que só atua em forma diferente. Permite que seja retida só uma parte das tendências
proibidas, para escapar a outras partes que parecem ao superego ainda mais objetivas. O que
recusa é desejos pertencentes ao complexo de Édipo, e a aparente ausência de inibição do perverso
é só o efeito de um superego não menos estrito, mas que atua em forma diferente.

Cheguei a uma conclusão análoga sobre o criminoso faz alguns anos no relatório
mencionado ao princípio de meu artigo, no que dei detalhes da analogia entre os atos criminosos
e as fantasias infantis. No caso do menino que descrevi e em outros casos não tão pronunciados,
mas instrutivos, encontrei que a disposição criminosa não se devia a um superego menos severo
senão a um superego que atua em outra direção. São justamente a angústia e o sentimento de culpa
os que conduzem ao criminoso a seus atos delitivos. Ao cometê-los também em parte trata de
escapar à situação edípica. No caso de meu pequeno criminoso o irromper em armários, os ataques
a meninas pequenas, eram substituições de ataques a sua mãe.

Naturalmente, estas ideias precisam ser examinadas e elaboradas mais. Em minha


opinião, tudo parece apontar à conclusão de que não é a falta de superego senão um
desenvolvimento diferente do superego -provavelmente a fixação do superego num estágio muito
temporão - o que resultará o fator principal. Se estas suposições resultam verdadeiras, abrem-se
perspectivas práticas de grande importância. Se não é uma deficiência do superego e a
consciência, senão um desenvolvimento diferente destes os que causam o desenvolvimento
criminoso, a análise deveria ser capaz de modificá-los e também fazer desaparecer as coisas. Do
mesmo modo que nas perversões e as psicoses, pode ser impossível encontrar formas de acercar-
se aos criminosos adultos. Mas no que respeita a análise na infância a situação é diferente. Um
menino não precisa motivos especiais para a análise, é uma questão de medidas técnicas
estabelecerem a transferência e manter em marcha a análise. Não acredito em a existência de um
menino no que seja impossível obter esta transferência, ou no que não possa acordar-se a
capacidade de amar. Em o caso de meu pequeno criminoso, estava aparentemente despojado por
completo de toda capacidade de amar, mas a análise demonstrou que isto não era assim. Teve boa
transferência comigo, o bastante boa como para fazer possível a análise, ainda que não tivesse
motivos para ele, já que inclusive não mostrava especial aversão por ser enviado a um
reformatório. Ademais, a análise demonstrou que este menino insensível tinha profundo e sincero
amor por sua mãe. Esta morreu em circunstâncias terríveis, de câncer, o que no último estágio de
127
sua doença a levou a uma decadência completa. A filha não queria acercar-se a ela, e era ele quem
a cuidava. Quando ela jazia morta, a família estava por marchar-se. Não pôde ser encontrado
durante um bom momento: tinha-se encerrado na habitação junto a sua mãe morta.

Pode objetar-se que na infância as tendências ainda não estão claramente definidas, de
maneira que com frequência não podemos reconhecer quando um menino está em caminho de
converter-se em criminoso. Isto é sem dúvida verdadeira, mas é precisamente esta afirmação a
que me conduz a minhas observações finais. Sem dúvida que não é fácil saber a que resultados
conduzirão as tendências de um menino, se ao normal, ao neurótico, ao psicótico, ao perverso ou
ao criminoso. Mas precisamente porque não sabemos, devemos tratar de saber. A psicanálise nos
dá os meios para isto. E faz ainda mais: não só pode estabelecer o desenvolvimento futuro do
menino ou, senão que também pode mudá-lo, e encaminhá-lo para melhores caminhos.

Biblioteca Melanie Klein

9. ESTÁGIOS TEMPORÕES DO CONFLITO EDÍPICO (1928)

Em minhas análises de meninos, especialmente entre três e seis anos, obtive uma série
de conclusões que resumirei a seguir. Freqüentemente me referi a que o conflito de Édipo começa
a atuar mais temporão que o que geralmente se supõe. Em meu trabalho "Os princípios
psicológicos da análise infantil", exponho este tema com mais detalhes. Ali cheguei à conclusão
de que as tendências edípicas são liberadas em conseqüência da frustração que o menino
experimenta com o desmame, e que fazem sua aparição ao final do primeiro ano de vida e
princípios do segundo; são reforçados pelas frustrações anais sofridas durante a aprendizagem de
hábitos higiênicos. A seguinte influência determinante nos processos mentais é a diferença
anatômica entre os sexos. O menino, ao sentir-se impelido a abandonar a posição oral e anal pela
genital passa aos fins de penetração associados com a posse do pênis. Assim muda, não só sua
posição libidinal, senão também seu fim, e isto lhe permitem reter seu primitivo objeto de amor.
Na menina, por outro lado, seu fim receptivo é transladado da posição oral à genital; assim, muda
sua posição libidinal, mas retém seu fim, que já a tinha conduzido a um desengano em relação
com a mãe. Nesta forma, origina-se na menina a receptividade para o pênis e se dirige então ao
pai como objeto de amor.

Mas o começo mesmo dos desejos edípicos se conecta já com incipiente medo à
castração e sentimentos de culpa. A análise de adultos, o mesmo que o de meninos familiarizou-
nos com o fato de que os impulsos instintivos pré-genitais se acompanham de sentimentos de
culpa. Num princípio se pensava que os sentimentos de culpa apareciam depois, e deslocados a
estas tendências, ainda que não conectados originalmente com elas. Ferenczi supõe que,
conectado com os impulsos uretrais e anais, há uma espécie de "precursor fisiológico do
superego" que ele chama "moral esfincteriana". Segundo Abraham, a angústia faz sua aparição
no estágio canibalístico, enquanto o sentimento de culpa surge na subseqüente primeira fase anal
sádica.
128
Minhas descobertas vão além. Mostram que o sentimento de culpa associado com as
fixações pré-genitais é já efeito direto do conflito edípico. E isto parece explicar satisfatoriamente
a origem de tais sentimentos, pois saber-nos que o sentimento de culpa é em realidade um
resultado da introversão (já realizada, ou agregaria, realizando-se) dos objetos de amor edípicos,
isto é, o sentimento de culpa é o produto da formação do superego.

A análise de meninos pequenos revela que a estrutura do superego se origina em


identificações que datam de diferentes períodos e estratos da vida mental. Estas identificações são
contraditórias em sua natureza; excessiva bondade e excessiva severidade coexistem juntas.
Encontramos nelas também uma explicação da severidade do superego, que se manifesta
especialmente em análises infantis. Parece incompreensível que um menino, de, por exemplo,
quatro anos, albergue em sua mente uma imagem irreal e fantástica de pais que devoram, cortam
e mordem. Mas é claro por que num menino de arredor de um ano, a ansiedade causada pelo
começo do conflito edípico tomada à forma de um temor a ser devorado e destruído. O menino
mesmo deseja destruir seu objeto libidinal mordendo-o, devorando-o e cortando-o, o que lhe
provoca angústia, já que o acordar das tendências edípicas é seguido pela introversão do objeto,
o que se transforma então em alguém de quem se deve esperar um castigo. O menino em
conseqüência teme agora um castigo que corresponda a seu ataque; o superego se transforma em
algo que morde, devora e curta.

A conexão entre a formação do superego e as fases pré-genitais do desenvolvimento é


muito importante desde dois pontos de vista. Por um lado o sentimento de culpa se vincula com
as fases oral-sádica e anal-sádica ainda predominantes, e por outro lado o superego aparece
quando predominam estas fases, o que explica sua sádica severidade.

Estas conclusões abrem novas perspectivas. Somente por uma forte repressão pode o
eu, ainda muito débil, defender-se de um superego tão ameaçador. Já que ao princípio as
tendências edípicas se expressam principalmente sob a forma de impulsos orais e anais, que
fixações predominarão no desenvolvimento da situação edípica estará sobre tudo determinado
pelo grau de repressão que tem lugar nestes estágios temporões.

Outra razão de que seja tão importante a conexão direta entre a fase pré-genital do
desenvolvimento e o sentimento de culpa, é que as frustrações orais e anais são o protótipo de
toda frustração posterior na vida; sentem-se ao mesmo tempo como um castigo e, portanto
produzem ansiedade.

Estas circunstâncias fazem que a frustração seja sentida mais agudamente e essa
amargura contribui sobremaneira a fazer mais penosas todas as frustrações ulteriores.
Encontramos que se derivam importantes conseqüências de estar o eu tão pouco desenvolvido
quando é assediado pela aparição das tendências edípicas e a incipiente curiosidade sexual sócia
a elas. O menino ainda não desenvolvido intelectualmente é invadido por problemas e
interrogantes.

Encontramos que se derivam importantes conseqüências de estar o eu tão pouco


desenvolvido quando é assediado pela aparição das tendências edípicas e a incipiente curiosidade
sexual sócia a elas. O menino ainda não desenvolvido intelectualmente é invadido por problemas
e interrogantes. Um dos mais amargos motivos de queixa que encontramos no inconsciente é do
que esta quantidade excessiva de interrogantes, que são aparentemente só em parte consciente, e
ainda que seja consciente, não podem ser expressos em palavras, permanecem sem contestação.

129
Outro reproche que segue muito de perto a este é que o menino não podia compreender as
palavras. Deste modo seus primeiros interrogantes remontam além dos começos de seu
entendimento da linguagem. Na análise estes dois motivos de queixa fazem surgir um
extraordinário monto de ódio. Sós ou juntos são a causa de numerosas inibições do impulso
epistemofílico, por exemplo, a incapacidade para aprender línguas estrangeiras, e mais tarde o
ódio para os que falam uma língua diferente. São também responsáveis de transtornos da fala, etc.
A curiosidade que se mostra abertamente mais tarde, sobretudo no quarto ou quinto ano de vida,
não é o princípio, senão a culminação e terminação desta fase do desenvolvimento que também
encontrei no conflito edípico em geral.

O temporão sentimento de não saber, tem múltiplas conexões: une-se ao sentimento de


ser incapaz, impotente, que cedo resulta da situação edípica. O menino também sente esta
frustração em forma mais aguda porque não sabe nada definido sobre processos sexuais. Em
ambos os sexos o complexo de castração é acentuado por este sentimento de ignorância.

A temporã conexão entre o impulso epistemofílico e o sadismo é muito importante para


todo o desenvolvimento mental. Este instinto, ativado pelo surgimento das tendências edípicas,
está ao princípio principalmente em relação com o corpo da mãe, ao que se supõe palco de todos
os processos e desenvolvimentos sexuais. O menino está ainda dominado pela posição sádico-
anal da libido, a que lhe impulsiona a desejar apropriar-se dos conteúdos do corpo. Deste modo
começa a ter curiosidade, pelo que contém como é, etc. Desta maneira o instinto epistemofílico e
o desejo de tomar posse chegam cedo a estar intimamente conectados o um com o outro, e ao
mesmo tempo com o sentimento de culpa provocado pelo incipiente conflito edípico. Esta
significativa conexão anuncia em ambos os sexos uma fase de desenvolvimento de vital
importância, e que não foi até aqui suficientemente valorizada. Consiste numa identificação muito
precoce com a mãe.

O curso seguido por esta fase "feminina" deve ser examinado separadamente em
meninos e meninas, mas antes de fazê-lo tratarei de demonstrar sua conexão com a fase prévia
que é comum a ambos os sexos. No temporão estágio sádico-anal o menino passa seu segundo
trauma grave, que reforça sua tendência a afastar-se da mãe. Ela frustrou seus desejos orais e
agora interfere também em seus prazeres anais. Pareceria que neste momento as frustrações anais
fazem que as tendências anais se unam às tendências sádicas. O menino deseja tomar posse das
fezes da mãe penetrando em seu corpo, cortando-o em pedaços, devorando-o e destruindo-o. Sob
a influência de seus impulsos genitais o menino começa a dirigir-se a sua mãe como um objeto
de amor. Mas seus impulsos sádicos estão em plena atividade, e o ódio, originado nas mais
temporãs frustrações, opõe-se fortemente a seu amor objetal do nível genital. Um obstáculo ainda
maior a seu amor é o temor de ser castrado pelo pai, o que surge com os impulsos edípicos. O
grau que atinja a posição genital dependerá em parte de sua capacidade de tolerar esta ansiedade.
Em isto a intensidade das fixações oral-sádicas e anal-sádicas é um fator importante. Condicionam
o monto de ódio que o menino sente para sua mãe e isto, a sua vez, impede-lhe em maior ou
menor grau atingir uma relação positiva com ela. As fixações sádicas exercem também uma
influência decisiva na formação do superego, que aparece enquanto esta fase está em pleno
predomínio. Quanto mais cruel é o superego, mais terrível aparecerá o pai castrador, e o menino,
em sua fugida dos impulsos genitais, se aferrará tenazmente aos níveis sádicos, níveis que em
última instância também colorem suas tendências edípicas.

Nestes estágios temporões, todas as posições do desenvolvimento edípico são


catequizadas em rápida sucessão. Isto, no entanto, não se nota, porque o quadro está dominado
130
pelos impulsos pré-genitais. Ademais não se pode traçar uma linha rígida entre a atitude ativa
heterossexual, que se expressa no nível anal, e o posterior estágio de identificação com a mãe.
Chegamos agora à fase de desenvolvimento da que já falei, denominando-a fase feminina. Tem
suas bases no nível sádico-anal e dá a este nível um novo conteúdo já que as fezes são agora
equiparadas com o filho almejado, e agora o desejo de roubar à mãe se dirige tanto ao menino
como às fezes. Aqui devemos distinguir dois fins, que se combinam entre si; um surge do desejo
de ter filhos, e a intenção é apropriar-se deles; enquanto o outro está motivado pelos ciúmes dos
futuros irmãos e irmãs, cuja aparição se espera e pelo desejo de destruí-los dentro da mãe (um
terceiro objeto das tendências sádico-orais do menino, dentro da mãe, é o pênis do pai).

O mesmo que no complexo de castração das meninas, também no complexo feminino


do homem há no fundo o desejo frustrado de um órgão especial. As tendências a roubar e destruir
estão em relação com os órgãos da concepção, gravidez e parto, que o menino pensa existir na
mãe e ademais com a vagina e os peitos, fonte do leite, que são cobiçados como órgãos de
receptividade e abundância desde a época em que a fase libidinal é puramente oral.

O menino teme o castigo por ter destruído o corpo da mãe, mas, além disto, seu temor
é de natureza mais geral, e aqui temos uma analogia com a ansiedade associada com os desejos
de castração da menina Ele teme que seu corpo seja desmembrado e este temor também significa
castração: aqui temos uma contribuição direta ao complexo de castração. Neste temporão período
de desenvolvimento a mãe que saca as fezes do menino também significa uma mãe que o
desmembra e o castra. Não somente por meio das frustrações anais que ela inflige prepara o
terreno para o complexo de castração; em termos de realidade psíquica ela já é a castradora.

Este temor à mãe é tão excessivo porque está unido a ele um intenso temor a ser castrado
pelo pai. As tendências destrutivas cujo objeto é o ventre estão também dirigidas com toda sua
intensidade sádica oral e anal contra o pênis do pai, que se supõe situado ali. É neste pênis onde
se centra nesta fase o temor à castração pelo pai. Deste modo a fase feminina está caracterizada
por ansiedade em relação com o ventre da mãe e o pênis do pai, ansiedade que submete ao menino
à tirania de um superego que devora, desmembra e castra, e que está formado pela imagem do pai
e da mãe.

Consideremos agora por que o complexo feminino dos homens aparece bem mais
escuro do que o complexo de castração das mulheres, que é de igual importância. A mistura do
desejo de ter um menino com o impulso epistemofílico permite ao homem efetuar um
deslocamento ao plano intelectual; seu sentimento de estar em desvantagem fica então
dissimulado e sobre compensado pela superioridade que ele extrai de possuir o pênis, reconhecida
também pelas meninas. Este exagero da posição masculina conduz a excessivas manifestações de
masculinidade. Num trabalho ("Die Wurzel dês Wissbegierde") Mary Chadwick referiu também
a sobreestimarão narcisista do pênis pelo homem, e sua atitude de rivalidade intelectual para as
mulheres à frustração de seu desejo de ter um filho, e o deslocamento deste desejo ao plano
intelectual.

A tendência dos meninos a expressar excessiva agressão, que aparece muito


freqüentemente, tem suas fontes no complexo feminino. Acompanha-se com uma atitude de
desprezo e "suficiência" e é sumamente anti-social e sádica; está determinada em parte pela
tentativa de encobrir a ansiedade e a ignorância subjacente. Em parte coincide com o protesto do
menino (originada em seu temor à castração) contra o papel feminino, mas está também enraizada
em seu temor à mãe, à que queria roubar o pênis do pai, seus filhos e seus órgãos sexual femininos.
131
Esta excessiva agressão se une ao prazer de atacar que prove da situação edípica, direta, genital,
mas representa a parte da situação que é o maior fator anti-social na formação do caráter. Isto
explica por que a rivalidade do homem com as mulheres será bem mais anti-social que sua
rivalidade com os mesmos homens, que está amplamente incitada pela posição genital. Por
suposto que o monto de fixações sádicas também determinará as relações de um homem com
outros homens, quando estes são rivais. Se pelo contrário, a identificação com a mãe está baseada
numa posição genital mais fortemente estabelecida, por um lado sua relação com as mulheres será
de caráter positivo e pelo outro o desejo de ter um menino e o componente feminino, que joga um
papel tão essencial no trabalho dos homens encontrará oportunidades mais favoráveis para a
sublimação.

Em ambos os sexos uma das principais raízes das inibições no trabalho é a ansiedade e
o sentimento de culpa, sócios com a fase feminina. A experiência me ensinou, no entanto, que
uma análise profunda desta fase é, por outras razões também, importantes desde um ponto de
vista terapêutico, e deveria poder ajudar em alguns casos obsessivos que parecem ter chegado a
um ponto onde nada mais pode ser resolvido.

No desenvolvimento do menino, a fase feminina é seguida por uma prolongada luta


entre a posição pré-genital e genital da libido. Esta luta, que está em seu apogeu entre os três e
cinco anos, é claramente reconhecível como o conflito edípico. A ansiedade associada com a fase
feminina conduz ao menino à identificação com o pai, mas este estímulo de por si não fornece
uma firme base para a posição genital, já que leva principalmente à repressão e sobre
compensação dos instintos anal-sádicos, e não a superá-los. O temor à castração pelo pai reforça
a fixação a nível sádico-anal. O grau de genitalidade constitucional joga também uma parte
importante com respeito a um resultado favorável, ou seja, o lucro do nível genital. Com
frequência o resultado da luta permanece indeciso e isto dá lugar à aparição de transtornos
neuróticos e perturbações da potência 1. Assim conseguir uma potência completa e atingir a
posição genital, dependerá em parte da resolução favorável da fase feminina. Enfocarei agora o
desenvolvimento das meninas. Em conseqüência do processo de desmame a menina se afastou da
mãe, sendo impelida mais fortemente a fazê-lo pelas frustrações anais que sofreu. As tendências
genitais começam agora a influir em seu desenvolvimento mental.

Estou completamente de acordo com Helene Deutsch, quem sustenta que o


desenvolvimento genital da mulher se completa com o afortunado deslocamento da libido oral à
genital. Só que minhas conclusões me levaram a crer que este deslocamento começa com as
primeiras manifestações dos impulsos genitais e que o fim oral, receptivo, dos genitais exerce
uma influência determinante para que a menina se volte para o pai. Ademais cheguei à conclusão
de do que quanto os impulsos edípicos fazem sua aparição não só surge um reconhecimento
inconsciente da vagina, senão também sensações nesse órgão e no resto do aparelho genital. Nas
meninas, no entanto, a masturbação não proporciona uma descarga tão adequada para esses
montes de excitação como proporciona nos meninos. Daí que a acumulada falta de gratificações
proporciona outro motivo para que existam mais complicações e distúrbios no desenvolvimento
sexual feminino. A dificuldade de obter completa gratificação pela masturbação pode ser outra
causa, além das indicadas por Freud, do repúdio do onanismo pela menina, e isto pode explicar
em parte por que, durante sua luta para abandoná-la, a masturbação manual é geralmente
substituída por apertar ambas as coxas uma contra outra.

Além da qualidade receptiva do órgão genital, mobilizada pelo intenso desejo de uma
nova fonte de gratificação, a inveja e ódio à mãe possuidora do pênis do pai parece ser no período
132
em que surgem estes primeiros impulsos edípicos, um motivo mais para do que a menina se volte
para o pai. Suas carícias têm agora o efeito de uma sedução e se as vê como "a atração do sexo
oposto"2. A identificação da menina com a mãe resulta diretamente dos impulsos edípicos: toda
a luta provocada no menino por sua angústia de castração não existe nela. Nas meninas tanto
como nos meninos, esta identificação coincide com as tendências anal-sádicas de roubar e destruir
a mãe. Se a identificação com a mãe tem lugar predominantemente num estágio em que as
tendências oral-sádicas e anal-sádicas são ainda muito fortes, o medo a um superego materno
primitivo conduzirá à repressão e fixação a esta fase e interferirá com o futuro desenvolvimento
genital. O temor para a mãe também impulsiona à menina a renunciar à identificação com ela, e
começa então a identificação com o pai.

1 W. Reich: A função do orgasmo.

2 Nos encontramos regularmente com o reproche inconsciente de que a mãe seduziu ao menino enquanto o atendia.
Este reproche retrocede ao período em que afloram os desejos genitais e dês piertan as tendências edípicas.

O impulso epistemofílico da menina é acordado primeiro pelo complexo edípico; o


resultado é que ela descobre sua falta de pênis. Sente esta carência como uma nova causa de ódio
para a mãe, mas ao mesmo tempo seu sentimento de culpa lhe faz vê-la como castigo. Isto aguda
sua frustração, e a sua vez exercem uma profunda influência em todo seu complexo de castração.

Este temporão pesar pela carência de pênis depois se magnífica muito, quando a fase
fálica e o complexo de castração estão totalmente ativos. Freud estabeleceu que a descoberta da
falta de pênis motiva o afastamento da mãe e a aproximação ao pai. Minhas observações mostram,
no entanto, que esta descoberta só atua como um firmamento neste sentido: faz-se num estágio
muito temporão do conflito edípico, e a inveja do pênis segue ao desejo de ter um menino, que
substitui novamente a inveja do pênis. Eu vejo a privação do peito como a mais fundamental
causa da aproximação ao pai.

A identificação com o pai está menos carregada de ansiedade que a identificação com a
mãe; ademais o sentimento de culpa para ela impulsiona a sob recompensá-la com uma nova
relação amorosa com ela. Na contramão desta nova relação amorosa com ela atua o complexo de
castração que dificulta uma atitude masculina, e também o ódio para ela que prove de situações
mais temporãs. O ódio e a rivalidade com a mãe, no entanto, levam-na novamente a abandonar a
identificação com o pai e acercar-se a ele como objeto para amar e ser amada.

A relação da menina com a mãe leva a que a relação com o pai seja ao mesmo tempo
positiva e negativa. A frustração que lhe produz o pai tem como base mais profunda o desengano
já sofrido em relação com a mãe; um poderoso motivo do desejo de possuí-lo surge do ódio e da
inveja contra a mãe. Se as fixações sádicas permanecem predominantes, este ódio e seu sobre
compensação afetará também essencialmente a relação da mulher com os homens. Por outra parte,
se há uma relação mais positiva com a mãe, construída sobre a posição genital, não somente estará
a mulher mais livre de sentimento de culpa em relação com seus filhos, senão que seu amor por
seu esposo será fortemente reforçado, já que para a mulher ele sempre ocupa o lugar da mãe quem
dá o que é desejado e ocupa também o lugar do filho amado. Sobre estes importantes alicerces é
construída a parte da relação que está conectada exclusivamente com o pai. Ao princípio se centra
na ação do pênis no coito. Este ato, que também promete gratificação dos desejos que estão agora
deslocados para o genital, parece à menina o lucro mais completo. Sua admiração é chacoalhada
pela frustração edípica, mas a não ser que se converta em ódio, constitui uma das características
fundamentais da relação da mulher com o homem. Mais tarde, quando obtém completa
133
gratificação dos impulsos amorosos, une-se a esta admiração a imensa gratidão que se deriva da
longa frustração. Essa gratidão acha sua expressão na maior capacidade feminina para uma
completa e duradoura submissão a um só objeto amado, especialmente "para o primeiro amor".

Uma causa pela que o desenvolvimento da menina está em desvantagem é a seguinte:


enquanto o homem possui em realidade o pênis, com respeito ao qual entra em rivalidade com o
pai, a menina pequena só tem o desejo insatisfeito de maternidade, e deste só tem um
reconhecimento confuso e incerto, ainda que muito intenso. Não é só esta incerteza o que perturba
sua esperança de uma futura maternidade. Esta esperança está bem mais debilitada pela ansiedade
e o sentimento de culpa, e isto podem prejudicar séria e permanentemente a capacidade materna
de uma mulher. Por causa das tendências destrutivas que numa época dirigiu contra o corpo da
mãe ou certos órgãos do mesmo, e contra os meninos no ventre, a menina espera a retribuição em
forma de destruição de sua própria capacidade de maternidade ou dos órgãos relacionados com
sua função e de seus próprios filhos. Isto é também uma das razões da constante preocupação das
mulheres (a me nodo tão excessiva) por sua beleza pessoal, pois temem que esta também seja
destruída pela mãe. No fundo do impulso a embelezar-se e enfeitar-se existe sempre a ideia de
consertar a beleza danada, e isto se origina na ansiedade e o sentimento de culpa3. É provável que
este profundo temor à destruição dos órgãos internos possa ser a causa psíquica da maior
susceptibilidade das mulheres comparada com a dos homens, para a histeria de conversão e as
doenças orgânicas.

Esta ansiedade e sentimento de culpa são a causa principal da repressão dos sentimentos
de orgulho e alegria pelo papel feminino, que geralmente são muito fortes. Esta repressão traz
como conseqüência o desprezo da capacidade de maternidade, ao princípio tão altamente
valorizado. Deste modo a menina carece da poderosa ajuda que o menino obtém da posse do
pênis, e que ela mesma poderia encontrar na expectativa de sua maternidade. A intensa ansiedade
da menina por sua feminilidade pode ser vista como análoga ao temor à castração do menino já
que seguramente contribui à rejeição de seus impulsos edípicos. O curso seguido pela angústia de
castração do homem no que se refere ao pênis, que existe visivelmente, é, no entanto diferente;
pode qualificar-se como mais aguda do que a ansiedade mais crônica da menina relativa aos seus
órgãos internos, com os que estão necessariamente menos familiarizadas. Mas tem que produzir
diferença o que a ansiedade do homem esteja determinada pelo superego paterno e a da menina
pelo superego materno.

3 Veja-se o trabalho de Hárnik (1928) no Congresso Psicoanalítico de Innsbruck: "Die ökonomischen Beziehungen
zwischen dem Scbuldgefühl und dem weiblichen Narzissmus".

Freud disse que o superego da menina tem um desenvolvimento diferente que o do


homem. Encontramos constantemente a confirmação do fato de que os ciúmes desempenham um
papel mais importante na vida das mulheres que na dos homens, porque são reforçados pela inveja
para o homem por causa de seu pênis. Por outro lado, no entanto, as mulheres possuem
especialmente uma grande capacidade, não só baseada em sobre compensação, para desatender
seus próprios desejos e dedicar-se com auto-sacrifício a tarefas éticas e sociais. Não podemos
explicar essa capacidade pela combinação de rasgos masculinos e femininos, que, por causa da
disposição bissexual do ser humano, influi em casos particulares a formação do caráter, já que
essa capacidade é de índole evidentemente maternal. Penso que a fim de explicar como as
mulheres podem percorrer uma gama tão ampla desde os mais baixos ciúmes até o mais completo

134
e generoso esquecimento de se mesmas, devemos considerar as ações peculiares da formação do
superego feminino. Desde a temporã identificação com a mãe na que o plano anal-sádico é tão
preponderante, na menina se originam ciúmes e ódio e se forma um superego cruel extraído da
imago materna. O superego que se desenvolve nessa etapa por uma identificação paterna pode ser
também ameaçante e causar ansiedade, mas nunca parece atingir as mesmas proporções que as
que derivam da identificação materna. Quanto mais se estabiliza numa base genital a identificação
com a mãe, tanto mais se caracterizará pela devoção de uma mãe generosa. Deste modo, esta
atitude afetiva positiva depende das características do ideal materno atingido no estágio pré-
genital ou genital. Mas no que respeita à conversão ativa emocional em atividades sociais ou de
outra índole, pareceria que o que está ativo é o ideal do eu paterno. A profunda admiração que
sente a menina pela atividade genital do pai, leva à formação de um superego paterno que
estabelece ante ela fins ativos que nunca poderá atingir totalmente. Se, devido a certos fatores de
seu desenvolvimento, o incentivo para cumprir com essas finalidades é suficientemente forte, a
impossibilidade de consegui-las pode dar impulso a seus esforços, os que combinados com a
capacidade de auto-sacrifício que derivam do superego materno, dá a uma mulher, em casos
especiais, uma capacidade para lucros excepcionais no plano intuitivo e em campos específicos.

O menino obtém também na fase feminina um superego materno que lhe leva igual que
à menina, a fazer identificações primitivas tanto cruéis como bondosas. Mas ele passa através
dessa fase para reassumir (é verdade, em diversos graus) a identificação com o pai. Por muito que
se faça sentir do lado materno na formação do superego, é, no entanto o superego paterno o que
tem desde o princípio uma influência decisiva para o homem. E também põe ante si uma figura
exemplar, mas que não é alcançável porque o homem está fato a imagem de seu ideal. Esta
circunstância contribui a que o labor criativo do homem seja mais sustentada e objetiva.

O temor ao dano de sua feminilidade exerce uma profunda influência no complexo de


castração da menina já que lhe faz sobreestimar o pênis do que ela carece. Este exagero é então
bem mais evidente do que a ansiedade subjacente por sua própria feminilidade. Quisesse recordar-
lhes aqui o trabalho de Karen Horney, que foi a primeira em examinar as fontes do complexo de
castração das mulheres. na medida em que estas fontes residem na situação edípica.

Relacionado com isto devo falar da importância para o desenvolvimento sexual de


certas temporãs experiências na infância. No trabalho que li no Congresso de Salzburgo em 1924,
mencionei que quando se observa o coito num estágio posterior do desenvolvimento estas
experiências assumem o caráter de um trauma, mas se ocorrem em idades mais temporãs se fixam
e fazem parte do desenvolvimento sexual. Devo agregar que uma fixação deste tipo pode dominar
não só esse estágio particular do desenvolvimento, senão também ao superego que se acha nesse
momento em processo de formação, e pode então prejudicar seu futuro desenvolvimento. Quanto
mais completamente alcance o superego seu cume na etapa genital, menos predominarão as
identificações sádicas em sua estrutura, e mais prováveis será o lucro de saúde mental e o
desenvolvimento de uma personalidade com alto nível ético.

Há outro tipo de experiência na temporã infância que me parece típica e muito


importante. Estas experiências com frequência seguem de perto às observações do coito, e são
induzidas ou fomentadas pelas excitações que derivam delas. Refiro-me às relações sexuais de
meninos pequenos entre si, entre tenho irmãos e irmãs ou entre colegas de jogo que consistem em
tosse mais variados atos: olhar, tocar, defecar em comum, fellatio, cunnilngus, já miúdas
tentativas diretas de coito. Estão profundamente reprimidos e profundamente carregados de
sentimentos de culpa Estes sentimentos se devem principalmente ao fato de que o objeto amado,
135
eleito sob a pressão da excitação devida ao conflito edípico, é vivido pelo menino como substituto
do pai, da mãe ou de ambos. É bem como estas relações que parecem tão insignificantes e às que
aparentemente não escapa nenhum menino sob o estímulo do desenvolvimento edípico, tomam o
caráter de uma relação edípica realmente realizada, e exercem uma influência determinante sobre
a formação do complexo de Édipo sobre a libertação do sujeito deste complexo e sobre suas
relações sexuais posteriores. Assim mesmo, uma experiência deste tipo cria um importante ponto
de fixação no desenvolvimento do superego. Como conseqüência da necessidade de castigo e da
compulsão de repetição, essas experiências com frequência levam ao menino a submeter-se ao
trauma sexual. Em relação com isto quisesse remeter-vos a Abraham, quem demonstrou que
experimentar traumas sexuais faz parte do desenvolvimento sexual dos meninos.

A investigação analítica destas experiências, tanto na análise de adultos como de


meninos, esclarece-nos muito a situação edípica em relação com as fixações temporãs, e é,
portanto importante desde o ponto de vista terapêutico.

Resumindo minhas conclusões: antes de qualquer coisa desejo recalcar que, segundo
minha opinião não contradiz as observações do professor Freud. Penso que o ponto essencial das
considerações adicionais que fiz está em que situo esses processos em épocas mais temporãs, e
em que o s diferentes fases (especialmente nos estágios iniciais) fusionam-se mais livremente a
uma com a outra do que até agora se supunha. Os estágios temporões do conflito edípico estão
tão dominados pelas fases pré-genitais do desenvolvimento que a fase genital, quando começa a
ser ativa, está ao princípio muito oculta, e só mais tarde, entre os três e cinco anos, torna-se mais
claramente reconhecível. A essa idade o complexo de Édipo e a formação do superego atingem
seu ponto culminante. Mas o fato de que as tendências edípicas comecem tanto mais temporão do
que supúnhamos, a pressão do sentimento de culpa que, portanto recai nos níveis pré-genitais, a
influência determinante assim exercida tão cedo no desenvolvimento edípico ou por uma parte,
na formação do superego, pela outra e em conseqüência sobre a formação do caráter, sexualidade
e todo o resto do desenvolvimento do sujeito, são fatos que me parecem de uma importância muito
grande e até agora não reconhecida. Comprovei o valor terapêutico destes conhecimentos em a
análise de meninos, mas não se limita a estes. Pude comprovar estas conclusões na análise de
adultos e encontrei que não só se confirmou sua atitude teórica, senão que também se estabeleceu
sua importância terapêutica.

Biblioteca Melanie Klein

10. A PERSONIFICAÇÃO NO JOGO DOS MENINOS (1929)

Num trabalho anterior ("Princípios psicológicos da análise infantil") relatei alguns dos
mecanismos fundamentais que encontrei na análise de meninos. Assinalei que o conteúdo
especificou de seus jogos, que se repete constantemente ou recorre às formas mais variadas, é
idêntico ao núcleo das fantasias masturbatórias, e que é uma das principais funções do jogo
infantil proporcionar uma descarga destas fantasias. Discuti depois a considerável analogia que
existe entre os meios de representação usados no jogo e nos sonhos, e na importância da realização
de desejos em ambas as formas da atividade mental. Também chamei o atendimento para um
136
mecanismo importante nos jogos em que o menino inventa e atribui
diferentes "personagens". O objeto do presente trabalho é discutir este mecanismo em maior
detalhe, e também ilustrar com exemplos de diferentes tipos de doença a relação entre os
"personagens" ou personificações introduzidas pelos meninos no jogo e os elementos de
realização de desejos.

Até o presente minha experiência é que os meninos esquizofrênicos não são capazes de
praticar jogos no verdadeiro sentido da palavra. Executam certas ações monótonas e é um trabalho
laborioso penetrar através delas para o inconsciente. Em caso de ter sucesso encontramos que a
realização de desejo associada a essas ações é proeminente a negação da realidade e uma inibição
da fantasia. Nestes casos extremos não se conseguem as personificações. Minha pequena paciente
Erna, de 6 anos de idade, apresentava ao começo do tratamento uma grave neurose obsessiva que
mascarava uma paranoia que foi revelada depois de considerável quantidade de análise. Erna em
seu jogo me fazia representar à filha enquanto ela para de mãe ou mestra. Eu então tinha que
padecer fantásticas torturas e humilhações. Se no jogo alguém me tratava bondosamente,
geralmente resultava que esta bondade era só fingida. Os impulsos paranóicos se manifestavam
em que eu era constantemente espionada, meus pensamentos eram adivinhados e o pai ou a
professora se aliavam com a mãe na contramão minha. De fato estava constantemente rodeada de
perseguidores. Eu mesma no papel da menina tinha que espionar e torturar continuamente aos
outros. Freqüentemente Erna mesma representava o papel de menina. Então em general seu jogo
terminava escapando ela às persecuções (nestas ocasiões a "menina era boa") fazendo-se rica e
poderosa, transformada em rainha e vingança cruelmente de seus perseguidores. Depois que se
esgotava seu sadismo nestas fantasias aparentemente isenta de inibições (isto sucedeu depois de
um tempo de análise), vinha a reação em forma de profunda depressão, ansiedade e esgotamento
corporal. Então seu jogo refletia a incapacidade de suportar essa tremenda opressão,
manifestando-se numa série de sintomas graves 1. Nas fantasias desta menina todos os papéis
utilizados entravam numa fórmula duas partes principais, o superego perseguidor e o isso ou eu,
segundo o caso, ameaçados, mas de jeito nenhum menos cruéis.

Nestes jogos a realização de desejos radicava principalmente no esforço de Erna para


identificar-se com a parte mais forte, para dominar assim seu medo à perseguição. O eu fortemente
pressionado tratava de influir ou enganar ao superego para impedir seu triunfo sobre o isso. O eu
tratava de pôr ao isso muito sádico ao serviço do superego e combinar a ambos na luta contra um
inimigo comum. Isto requeria o amplo uso de mecanismos de projeção e deslocamento. Quando
Erna representava o papel de mãe cruel, a menina má era o inimigo. Quando ela mesma era a
menina perseguida, mas que se transformava rapidamente em poderosa, o inimigo estava
representado por pais malvados. Em cada caso existia um motivo que o eu tratava de fazer
plausível ante o superego, para entregar-se a um sadismo sem restrições. Em função deste "bloco"
o superego devia tomar medidas contra o inimigo como se fora contra o isso. Não obstante o isso
continuava procurando secretamente sua gratificação predominantemente sádica dirigida contra
os objetos primários. Com essas satisfações narcisistas conseguidas pelo eu em suas vitórias sobre
os inimigos tanto internos como externos, também apaziguava ao superego e assim era de
considerável valor para a diminuição da angústia. Esta aliança entre as duas forças pode, em casos
menos extremos, ser de relativo sucesso: pode passar inadvertida para o mundo externo ou não
conduzir a uma doença, mas no caso de Erna se derrubou completamente por causa do excessivo
sadismo, tanto do isso como do superego. Portanto o eu se associava com o superego e tratava,
castigando ao isso, de extrair certa gratificação, mas isto, a sua vez, convertia-se inevitavelmente
num fracasso Apresentavam-se repetidamente intensas reações de angústia e arrependimento que

137
mostravam que nenhuma de as contraditórias realizações de desejos podia manter-se em pé por
muito tempo.

1 Espero publicar cedo um livro no que se encontrará um relato mais detalhado deste
caso. O exemplo seguinte mostra como dificuldades análogas às de Erna foram manejadas em
formas diferentes em certos aspectos. Jorge, de seis anos de idade, trazia-me durante meses uma
série de fantasias nas que ele, como líder poderoso de uma banda de caçadores selvagens de
animais ferozes, lutava, conquistava e matava cruelmente a seus inimigos, que a sua vez tinham
animais ferozes para defender-se. Os animais eram então devorados. A luta nunca terminava
porque sempre apareciam novos inimigos. No curso da análise deste menino se revelaram, não só
impulsos neuróticos, senão também impulsos marcadamente paranóicos. Jorge se sentia sempre
conscientemente 2 rodeado e ameaçado (por magos, bruxas e soldados), mas, ao invés de Erna,
tratava de defender-se deles com o auxílio de figuras que lhe ajudavam, ainda que fosse por certo
seres muito fantásticos. Sua realização de desejos na fantasia era, até certo ponto, análoga à do
jogo de Erna. No caso de Jorge também o eu tratava de afastar a ansiedade, identificando-se com
o partido mais forte, através de fantasias de ser poderoso. Também Jorge tratava de converter o
inimigo num inimigo "mau", para apaziguar ao superego. No entanto, nele o sadismo não era um
fator tão abrumador como em Erna e assim o sadismo primário subjacente a sua angústia ficava
menos astutamente dissimulado. Seu eu se identificava mais integralmente com o isso e estava
menos disposto a fazer concessões ao superego. Mantinha afastada a angústia por uma marcada
exclusão da realidade 3. A realização de desejos predominava claramente sobre o reconhecimento
da realidade; uma tendência que é, para Freud, um dos critérios de psicoses. O fato de que nas
fantasias de Jorge alguns papéis eram representados por figuras protetoras, distinguia esse tipo de
personificações das do jogo de Erna. Em seus jogos se representavam três partes principais: a do
isso e as do superego em seus aspectos persecutórios e protetores. O jogo de um menino com uma
grave neurose obsessiva pode exemplificar-se com o jogo de minha pequena paciente Rita, de
dois anos e nove meses. Depois de um cerimonial tipicamente obsessivo, arrumava sua boneca
para dormir e punha um elefante junto à cama da boneca. O elefante devia impedir que "a menina"
se levantasse, porque se não esta se introduziria a escondida no dormitório dos pais para fazer-
lhes dano ou tirar-lhes algo. O elefante (imago do pai) exercia o papel de uma figura que impede.
Na mente de Rita, seu pai por introversão, tinha exercido este papel "do que impede" desde que
ela, entre os quinze meses e até os dois anos, tinha desejado usurpar o lugar de sua mãe com ele,
roubar o menino com que a mãe estava gestante e magoar e castrar a ambos os pais. A reação de
raiva e ansiedade que se produzia quando "a menina" era castigada no jogo, mostra que na mente
de Rita atuavam ambos os papéis: o da autoridade que infligia o castigo e o do menino que o
recebia. A única realização de desejos aparente neste jogo residia em que o elefante conseguia
por um tempo impedir que "a menina" se levantasse. Fala só dois personagens principais: o da
boneca que representava o isso, e o do elefante que representava o superego. A realização de
desejos consistia na derrota do isso pelo superego. E este cumprimento de desejo e a adjudicação
da ação a duas "personagens" são interdependentes, já que este jogo representa a luta entre o
superego e o isso que nas neuroses graves domina quase integralmente os processos mentais. Nos
jogos de Erna também vimos estas mesmas personificações consistentes na influência de um
superego dominador e a ausência de imagos protetoras.

2 Como muitos meninos, mantinha o conteúdo de suas ansiedades em segredo para os que o
odiavam. Não obstante se advertia seu efeito.

138
3 Ao desenvolver-se Jorge, este apartamento da realidade se fazia cada vez mais marcado. Estava
completamente atrasado por suas fantasias.

Mas enquanto no jogo de Erna a realização de desejos residia na aliança com o superego,
e no de Jorge principalmente no desafio do isso ao superego (por meio do isolamento da
realidade), em Rita consistia na derrota do eu pelo superego. É pelo trabalho analítico fato
previamente que foi possível esta supremacia mal mantida do superego. A excessiva severidade
do superego impedia ao princípio toda fantasia e não foi até que o superego se fez menos severo
do que Rita começou a fazer fantasias em jogos como o acima descrito. Em comparação com a
etapa anterior na qual o jogo estava completamente inibido, isto foi um progresso, porque agora
o superego não ameaçava meramente de maneira terrível e sem sentido, senão que tratava de
impedir com ameaças as ações proibidas.

O fracasso da relação entre o superego e o isso deu lugar a essa supressão forçada dos
instintos que consome toda a energia do sujeito e é característica de graves neuroses obsessivas
em adultos 4 . Consideremos agora um jogo que se originou numa fase menos séria de neurose
obsessiva.

Mais adiante na análise de Rita (quando tinha três anos de idade), um "jogo de viajar"
que se desenvolveu através de quase toda analise tomou a seguinte forma. Rita e seu urso (que
então representava o pênis) iam ao trem a ver a uma mulher boa que ia entretê-los e fazer-lhes
presentes. Ao princípio desta parte da análise este final feliz geralmente era estragado. Rita queria
conduzir o trem ela mesma e desfazer-se do motorista. O, no entanto, ou recusava ir-se ou voltava
e a ameaçava. Algumas vezes era uma mulher a que impedia a viagem, ou quando chegavam ao
final deste não encontravam uma mulher boa, senão uma má. A diferença entre a realização de
desejos neste jogo (por perturbado que esteja) e os exemplos antes mencionados é evidente. Neste
jogo a gratificação libidinal é positiva e o sadismo não joga uma parte tão preeminente como nos
exemplos anteriores. Os "personagens", como no caso de Jorge, consistem em três papéis
principais: o do isso ou eu, o de uma figura que ajuda e o de uma figura que ameaça ou frustra.
As figuras que ajudam são em general de tipo extremamente fantástico, como se vê no exemplo
de Jorge na análise de um garoto de quatro anos e médio aparecia uma "mamãe -fada" que
costumava vir de noite e trazer coisas ricas para comer, as que compartilhava com o menino. A
comida representava o pênis do pai que lhe roubou em segredo. Em outras análises a "mamãe-
fada" costumava curar com uma varinha mágica as feridas infligidas ao menino por seus pais
cruéis, então ele e ela juntos matavam cruelmente a estes pais severos.

4 Rita sofria de uma neurose obsessiva inusitada a sua idade. Caracterizava-se por um complicado
cerimonial ao deitar-se e outros sintomas obsessivos graves. Minha experiência é que quando
meninos pequenos sofrem deste tipo de doenças, que levam o selo da neurose obsessiva tal como
a vemos em adultos, é muito grave. Por outro lado creio que impulsos obsessivos isolados é um
fenômeno comum no quadro geral da neurose nos meninos.

Cheguei a convencer-me de que a atuação de tais imagos com características boas e más
é um mecanismo geral tanto em adultos, como em meninos 5 . Estas figuras representam estágios
intermédios entre o superego terrivelmente ameaçador que está totalmente separado da realidade
e as identificações que se aproximam à realidade. Essas figuras intermédias, cuja gradual evolução
para os pais protetores (que também estão mais cerca da realidade) pode ser constantemente
observada no jogo analítico, parecem-me muito instrutivas para nosso conhecimento da formação
do superego. É minha experiência que no princípio do conflito edípico e no começo de sua
139
formação, o superego é de caráter tirânico, formado sobre o esquema dos estágios pré-genitais
então predominantes. A influência do genital já começou a fazer-se sentir, mas ao princípio é
dificilmente perceptível. A evolução ulterior do superego para a genitalidade depende em última
instância de se as fixações orais predominantes tomaram a forma de succionar ou de morder. A
primazia da fase genital em relação tanto com a sexualidade como com o superego requer uma
fixação suficientemente forte ao estagio oral de sucção. Quanto mais progride o desenvolvimento
do superego e da libido dos níveis pré-genitais para o nível genital, tanto mais se aproximam às
figuras dos pais reais as identificações

5 Temos um exemplo disto na fantástica crença de um deus que permitiria a perpetuação de


atrocidades (como na recente guerra) para destruir ao inimigo e a seu país.

fantásticas de gratificação de desejos (cujo origem é a imagem de uma mãe que provê
gratificação oral.)6 As imagos adotadas nestas fases temporãs do desenvolvimento do eu levam
o selo dos impulsos instintivos pré-genitais ainda que estejam estruturadas em realidade sobre a
base dos objetos edípicos reais. Estes níveis temporões são responsáveis das imagos fantásticas
que devoram, cortam e dominam nas quais vemos uma mistura de vários impulsos pré-genitais.
Seguindo a evolução da libido estas imagos são introduzidas sob a influência de pontos de fixação
libidinal. Mas o superego em sua totalidade está fato de várias identificações adotadas nos
diferentes níveis de desenvolvimento cujo selo leva. Quando começa o período de latência,
termina o desenvolvimento tanto do superego corno da libido 7.

Já durante o processo de sua construção o eu emprega suas tendências de sínteses


tratando de formar uma totalidade destas identificações parciais; quanto mais externas e
contrastantes as imagos tanto menos brilhante será a síntese e tanto mais difícil será mantê-las.

A influência excessivamente forte exercida por esses tipos extremos de imagos, a


intensidade da necessidade de figuras bondosas opostas às ameaçadoras, a rapidez com a qual os
aliados podem transformar-se em inimigos (que também é a razão pela qual a realização de
desejos no jogo se quebra tão freqüentemente), tudo isso indica que o processo de sintetizar as
identificações falhou. Este fracasso se manifesta na ambivalência, a tendência à ansiedade, a falta
de estabilidade com que esta pode ser derrubada, e a defeituosa relação para a realidade
característica dos meninos neuróticos 8. A necessidade de uma síntese de superego surge da
dificuldade experimentada pelo sujeito em chegar a um acordo com o superego formado de
imagos destas naturezas opostas 9. Quando começa o período de latência se incrementam as
exigências da realidade, o eu faz ainda maiores esforços para obter uma síntese do superego, para
que sobre esta base se chegue a um equilíbrio entre o superego, o isso e a realidade.

6 Em dois de meus trabalhos anteriores cheguei à conclusão de que em ambos sexos o afastamento
da mãe como objeto oral de amor resulta de frustrações orais infligidas por ela, e que a mãe
frustrante persiste na vida mental do menino como mãe temida. Quisesse referir-me aqui a Rado
(1928), que retrocedem à mesma fonte a dissociação da imago materna em mãe boa e mãe má, e
baseia em isso seus pontos de vista sobre a gênese da melancolia.

7 Fenichel, em sua referência a minha contribuição ao problema da formação do superego (1928,


pág. 596), não tem razão ao supor que eu sustento que o desenvolvimento do superego termina

140
no segundo ou terceiro ano de vida. Em meus escritos, sugeri que a formação do superego e o
desenvolvimento da libido terminam simultaneamente.

8 Quanto mais progride a análise tanta menos poderosa é a influência das figuras ameaçadoras, e
tanto mais duradoura e fortemente aparecem no jogo figuras de realização de desejos, ao mesmo
tempo há um incremento proporcional de desejo de jogar e final satisfatório. Diminui o
pessimismo e aumenta o otimismo.

9 Os meninos têm geralmente uma grande variedade de figuras paternas, desde a aterrorizadora
"mamãe -gigante", "mamãe-terminante", à generosa "mamãe -fada". Também encontrei uma
"mamãe -média" ou uma "mamãe -três -quartos", o que representa um compromisso entre os
outros exemplos extremos.

Cheguei à conclusão de que esta dissociação do superego em suas identificações


primárias introduzidas nos diferentes estágios do desenvolvimento é um mecanismo análogo à
projeção com a que está estreitamente conectado. Creio que estes mecanismos (dissociação e
projeção) são um fator principal na tendência à personificação no jogo. Por meio deles a síntese
do superego, que só pode ser mantida com maior ou menor esforço, pode ser abandonada pelo
momento e, ademais, diminui a tensão de ter que manter a trégua entre o superego como um tudo
e o isso. O conflito intra-psíquico se faz assim menos violento e pode ser deslocado para o mundo
externo. O prazer assim obtido se incrementa quando o eu descobre que este deslocamento para
o mundo externo lhe proporciona diversas provas reais de que os processos psíquicos, com sua
catexia de ansiedade e culpa, podem ter um resultado favorável e pode reduzir-se a ansiedade.

Mencionei já que o jogo revela a atitude do menino para a realidade. Quero aclarar agora
como a atitude para a realidade está aparentada com os fatores de realização de desejos e
personificação, que usamos até aqui como critério da situação mental.

Na análise de Erna, foi impossível durante muito tempo estabelecer uma relação com a
realidade. Parecia não existir uma ponte sobre o abismo que separava a mãe real, carinhosa e
amante, e as monstruosas perseguições e humilhações que "ela" infligia à menina no jogo. Mas
quando a análise chegou ao ponto em que os impulsos paranóicos se fizeram mais proeminentes,
apareceu um maior número de detalhes que refletiram à mãe real em forma grotescamente
distorcida.

Ao mesmo tempo se revelou a atitude da menina para a realidade, que tinha estado por
certo muito distorcida. Com uma capacidade notavelmente aguda de observação, Erna captava os
detalhes das ações e motivos dos que a rodeavam, mas de uma maneira irreal os incluía em seu
sistema de ser perseguida e espionada. Por exemplo, cria que as relações sexuais entre seus pais
(que imaginava realizarem-se invariavelmente quando os pais estavam sós) e todas as mostras de
afeto mútuo eram principalmente promovidas pelo desejo de sua mãe de causar-lhe ciúmes a ela
(Erna).

141
Ela supunha os mesmos motivos em todos os prazeres de sua mãe, e em realidade no
goze de qualquer, especialmente de mulheres. Usavam bonitos vestidos para causar-lhe desgostos,
etc. Mas era consciente de que tinha algo raro nessas ideias e tomava grandes precauções para
mantê-las secretas.

No jogo de Jorge o isolamento da realidade era como já disse considerável. Também o


jogo de Rita, na primeira parte da análise, quando as imagos ameaçantes e punitivas eram
predominantes, mostrava mal uma relação com a realidade. Consideremos agora esta relação na
segunda parte da análise de Rita. Podemos considerar como típica de meninos neuróticos
inclusive bastante maiores do que Rita. No jogo deste período apareceu, em contraste com a
atitude de meninos paranóicos, a tendência a reconhecer a realidade só na medida em que se
relacionava com as frustrações que tinha sofrido e das que nunca se tinha recuperado.

O jogo de meninos normais mostra um equilíbrio melhor entre a fantasia e a realidade.


Resumirei agora as diferentes atitudes para a realidade no jogo de meninos que sofrem diversos
tipos de doença.

Nas parafrenias existe uma grande repressão da fantasia e afastamento da realidade. Em


meninos paranóicos cuja relação com a realidade está subordinada às vívidas elaborações da
fantasia, o equilíbrio entre ambas se inclina para o lado da irrealidade.

As experiências representadas pelos meninos neuróticos em seus jogos estão


obsessivamente coloridas por sua necessidade de castigo e seu medo a um resultado desgraçado.
Em mudança os meninos normais são mais capazes de manejar a realidade de maneira melhor.
Seu jogo mostra que têm maior poder de influir e viver a realidade.

10 Tal progresso se acompanhava sempre de considerável incremento da capacidade de


sublimação. As fantasias, liberadas do sentimento de culpa, podiam agora ser sublimadas mais de
acordo com a realidade. Posso dizer aqui que os resultados de análises de meninos ultrapassam
muito que a analise pode fazer em adultos, no sentido do incremento da capacidade de sublimação.
Ainda em meninos muito pequenos vemos constantemente que quando desaparece o sentimento
de culpa, surgem novas sublimações e se reforçam as já existentes, fantasias.

Ademais, quando não podem alterar a situação real, são mais capazes de suportá-la,
porque sua fantasia mais livre lhes proporciona um refúgio, e também porque a maior descarga
que possuem para suas fantasias masturbatórias em forma ego -sintonia (jogo e outras
sublimações) dá-lhes maiores oportunidades de gratificação. Examinemos agora as relações entre
a atitude para a realidade e os processos de personificação e realização de desejos.

No jogo de meninos normais estes processos testemunham uma maior e mais duradoura
influência das identificações originadas no nível genital. Na medida em que as imagos se
aproximam aos objetos reais, faz-se mais marcada uma boa relação com a realidade (característica
de pessoas normais).

As doenças (psicoses e neuroses obsessivas graves) que se caracterizam por uma relação
perturbada ou deslocada para a realidade, são também aquelas nas que a realização de desejos é
negativa e se representam no jogo personagens sumamente cruéis. Tratei de demonstrar com estes
fatos que aqui predomina um superego que está nas primeiras etapas de sua formação, e extraio

142
esta conclusão: a primazia de um superego terrível que foi introduzido nos estágios mais
temporões do desenvolvimento do id, é um fator básico no transtorno psicótico. Neste trabalho
discuti a importante função do mecanismo de personificação no jogo dos meninos. Tenho que
assinalar agora o significado deste mecanismo na vida mental dos adultos. Cheguei à conclusão
de que é a base de um fenômeno de grande e universal significado, essencial também para o
trabalho analítico, tanto em meninos como em adultos, a saber, da transferência.

Se a fantasia de um menino é suficientemente livre, adjudicariam ao analista, durante


seu jogo na análise, os papéis mais variados e contraditórios. Por exemplo, me fará representar o
papel do isso, porque nesta forma projetada, suas fantasias podem ter uma descarga sem inspirar
tanta ansiedade.

Assim o menino Gerald, para o que representei à "mamãe-fada" que lhe trazia o pênis
de seu pai, fazia-me representar repetidamente o papel de um menino que se introduzia durante a
noite na jaula de uma "mamãe-leoa", atacava-a, roubava-lhe seus cachorros, matava-os e se os
comia. Depois ele mesmo era a leoa que me descobria e me matava de maneira muito cruel. Os
papéis alternavam de acordo com a situação analítica e o monto de angústia latente. Num período
posterior, por exemplo, o menino mesmo representava o papel de "homem malvado" que
penetrava na jaula do leão, e me fazia representar à cruel leoa. Mas nesta ocasião os leões eram
rapidamente substituídos por uma protetora "mãe-fada" cujo papel também tinha eu que
representar. Nesse então o menino já era capaz de representar ele mesmo ao isso (o que indicava
um progresso em sua relação com a realidade) porque sua ansiedade tinha diminuído até certo
ponto, como estava demonstrado pela aparição da "mãe-fada".

Vemos então que o debilitamento do conflito ou seu deslocamento ao mundo externo,


por meio de mecanismos de dissociação e projeção, é um dos principais incentivos para a
transferência e uma força propulsora no trabalho analítico. Uma maior atividade da fantasia e uma
mais abundante e positiva capacidade para a personificação são ademais o pré-requisito para uma
maior capacidade de transferência

O paranóico possui, é verdade, uma rica vida de fantasias, mas o fato de que na estrutura
de seu superego predominem as identificações cruéis e ansiogenas, é a causa de que os
personagens que inventa sejam predominantemente negativos e susceptíveis só de reduzir-se a
impulsos rígidos de perseguidor e perseguido. Na esquizofrenia, segundo crio, falha a capacidade
para a personificação e a transferência, entre outras razões, pelo funcionamento defeituoso dos
mecanismos de projeção, isto interfere com a capacidade para estabelecer ou manter a relação
com a realidade e o mundo externo.

Da conclusão de que a transferência está baseada sobre o mecanismo de representação


de personagens, extraí uma sugestão para a técnica. Já mencionei a mudança tão freqüentemente
rápida do inimigo ao amigo, da mãe má à boa. Em tais jogos, que implicam a personificação esta
mudança se observa constantemente depois da libertação de ansiedades como conseqüência das
interpretações Mas, como o analista assume os papéis hostis requeridos para a situação do jogo e
os submete assim à análise, produz-se um constante progresso na passagem das imagos que
inspiram ansiedade para as identificações mais benévolas de maior aproximação à realidade. Em
outras palavras: um dos fins principais da análise -a modificação gradual da severidade do
superego- se consegue tomando o analista os papéis que na situação analítica lhe atribuem. Esta
afirmação expressa meramente o que sabemos: é uma necessidade na análise de adultos, a saber,
que o analista seja simplesmente um meio em relação com o qual se podem ativar as diferentes
143
imagos e reviver as fantasias para poder ser analisadas. Quando em seu jogo o menino lhe atribui
diretamente certo papel, a tarefa do analista de meninos é clara. Por suposto que assumirá ou pelo
menos dará a impressão de simular, os papéis que lhe são atribuídos 11, porque de não ser assim
interromperá o progresso do trabalho analítico. Mas só em certas fases da análise de meninos, e
também não bem mais freqüentemente, tanto em meninos como em adultos, temos que inferir da
situação analítica e do material, os detalhes do papel hostil que nos é atribuído, e que o paciente
indica através da transferência negativa.

11 Quando os meninos me pedem que represente papéis que são demasiado difíceis ou
desagradáveis, acedo a seus desejos dizendo que estou "simulando que o faço". Invariavelmente,
chegamos à personificação nesta forma manifesta.

Agora bem, o que é verdadeiro da personificação em sua forma manifesta o encontrei


também indispensável nas formas mais encobertas e escuras das personificações subjacentes na
transferência O analista que deseja penetrar até as mais temporãs e angustiantes imagos, ou seja,
chegar às raízes da severidade do superego, não deve ter nenhuma preferência por um papel
particular; deve aceitar o que surja da situação analítica.

Como conclusão, desejo dizer algumas palavras sobre a terapia. Neste trabalho tratei de
mostrar que a angústia mais intensa procede do superego introduzido num estagio muito temporão
do desenvolvimento do eu, e que a supremacia deste superego temporão não é um fator
fundamental na gênese da psicose. Minha experiência me convenceu de que com a ajuda da
técnica do jogo é possível analisar em meninos pequenos e maiores as fases temporãs da formação
do superego. A análise destes estratos diminui a angústia mais intensa e abrumadora e abre assim
o caminho para o desenvolvimento das imagos bondosas originadas no estagio oral de sucção e
daí para conseguir a primazia genital na sexualidade e na formação do superego. Desta maneira
podemos entrever uma boa perspectiva para o diagnóstico 12 e cura de psicose na infância.

12 São em casos extremos que as psicoses infantis têm as características da psicose em


adultos. Nos casos menos extremos, geralmente só uma análise penetrante e de considerável
duração pode revelar a psicose.

Biblioteca Melanie Klein

11 - SITUAÇÕES INFANTIS DE ANGÚSTIA REFLETIDAS NUMA


OBRA DE ARTE E NO IMPULSO CRIADOR (1929)

Meu tema principal é o interessantíssimo material psicológico subjacente a uma ópera


de Ravel, que atualmente se representa em Viena. Meu relato de seu conteúdo está tomado quase
textualmente do resumo de Eduard Jacob no Berliner Tageblatt. Um menino de seis anos está

144
sentado ante seus deveres, mas não os faz. Morde sua lapiseira e desprega esse estágio final de
preguiça. "Não quero fazer os estúpidos deveres", exclama em doce voz de soprano. "Quero ir
passear ao parque. O que mais quisesse é comer-me todas as tortas do mundo, ou atirar no gato
ou arrancar todas as plumas do papagaio! Quisesse repreender a todos! Antes de qualquer coisa
quisesse pôr a mamãe no rincão." Se abre agora a porta. Tudo o que há sobre o palco é muito
grande -para destacar a pequinês do menino- de maneira que tudo o que vemos de sua mãe é uma
saia, um avental e uma mão. Um dedo o assinala e uma voz pergunta afetuosamente se fez os
deveres. O menino se revolta com rebeldia em sua cadeira e lhe mostra a língua. Ela se vai. Tudo
o que ouvimos é o ruído de sua saia e as palavras: "Terás pão seco e nada de açúcar para teu chá!"

O menino estoura de raiva. Salta, bate na porta, faz cair da mesa a chaleira e a xícara,
de maneira que se rompe em mil pedaços. Sobe ao assento da janela, abre a jaula e trata de
molestar ao esquilo com sua lapiseira. O esquilo se escapa através da janela aberta. O menino
salta da janela e pega o gato. Grita, provoca furiosamente o fogo da grelha aberta, e com suas
mãos e pés empurra a marmita dentro da habitação. Escapa-se uma nuvem de cinzas e fumaça.
Depois abre a caixa do relógio da parede e arrebata seu pêndulo de cobre. Verte a tinta sobre a
mesa. Os cadernos e livros voam pelo ar. Hurra!... As coisas que maltratou se animam. Um
cadeirão recusa deixá-lo sentar em cima ou usar os almofadões para dormir sobre eles. A mesa, a
cadeira, o banco e o sofá levantam subitamente seus braços e exclamam: "Fora com esta suja
criatura!'' O relógio tem uma terrível dor de estômago e começa a dar a hora como louco. A
chaleira se apóia sobre a xícara e começam a falar em chinês. Tudo sofre uma mudança
aterrorizadora.

O menino retrocede contra a parede e treme de medo e desolação. A estufa lhe cuspe
um chuveiro de chispas. Esconde-se depois dos móveis. As bordas do papel que rasga começam
a balançar-se e se erguem, mostrando pastoras e ovelhas. A flauta do pastor faz ouvir um lamento
aterrador; o rasgão do papel que separa a Corydon de seu Amaryllis, conveio-se num rasgão na
tela do mundo. Mas o triste conto se desvanece. Da coberta de um livro, como se saísse da casinha
de um cachorro, emerge um menino. Suas roupas estão feitas de números, e seu chapéu é como
uma pá. Sustenta uma regra e salta pela habitação com pequenos passos de dança. É o espírito das
matemáticas, e começa a examinar ao menino: milímetro, centímetro, barómetro, trillón-oito e
oito são quarenta. Três vezes nove é duas vezes seis. O menino desfalece. Quase sufocado se
refugia no parque que rodeia a casa. Mas ali outra vez o clima infunde terror, insetos, rãs
(lamentando-se em suaves tercetos), um tronco de árvore magoada, que retoma resina em lentas
notas de baixo, libélulas e delfos, todos tocam ao recém chegado. Burros, gatos e esquilos vêm
em multidão. A disputa sobre quem vai morder ao menino se converte numa luta cara a cara. Um
esquilo que foi mordido cai ao solo, gritando, ao lado do menino. O instintivamente se tira a manta
e venda a pata do animal. Há grande assombro entre os animais, que se reúnem vacilando em
segundo plano. O menino murmurou: "Mamãe!" É restituído ao mundo humano de proteção, de
"ser bom". "Leste é um bom garoto, um garoto que se porta muito bem", cantam os animais muito
seriamente numa suave marcha -o final da peça- enquanto abandonam o palco. Alguns deles não
podem conter-se de exclamar: "Mamãe!"

Examinarei agora mais estreitamente os detalhes com do que se expressa o prazer do


menino na destruição. Parece-me do que evocam a situação infantil temporã do que em meus
escritos mais recentes descrevi como importância fundamental tanto para a neurose como para o
desenvolvimento normal dos varões. Refiro-me ao ataque ao corpo da mãe e ao pênis do pai
dentro dela. O esquilo da jaula e o pêndulo arrancado do relógio são símbolos claros do pênis no

145
corpo materno. O fato de que é o pênis do pai e que está no ato do coito com a mãe está indicado
pela rachadura no papel que "separa a Corydon de seu Amaryllis", da que se disse que para o
menino se converteu em "um rasgão na tela do mundo". Agora bem, que armas empregam o
menino em seus ataques aos pais unidos? As tintas vindas sobre a mesa, à marmita esvaziada, da
que escapa uma nuvem de cinza e fumaça, representam a arma que todo menino pequeno tem a
sua disposição: o recurso de sujar com excrementos. Romper coisas rasgá-las, usar as colas como
espada, isto representa as outras armas do sadismo primário do menino, quem emprega seus
dentes, unhas, músculos, etc.

Melanie Klein parece referir-se aqui à letra grega T.

Em meu articulo ante o último Congresso (1928) e em outras ocasiões em nossa


Sociedade, descrevi esta fase temporã do desenvolvimento, cujo conteúdo é o ataque ao corpo da
mãe com todas as armas de que dispõe o sadismo do menino. Agora, posso ampliar este enunciado
anterior e dizer mais exatamente onde deve inserir-se esta fase no esquema do desenvolvimento
sexual proposto por Abraham. Meus resultados me levam a concluir que a fase em que o sadismo
está em seu apogeu em todos os campos de que deriva, precede à primeira fase anal e adquire
uma significação especial do fato de que é também neste estágio do desenvolvimento onde as
tendências edípicas aparecem pela primeira vez. Isto é, que o conflito edípico começa sob a
completa dominação do sadismo. Minha suposição de que a formação do superego segue de perto
ao princípio das tendências edípicas, e que, portanto o eu cai sob a influência do superego
inclusive neste período temporão, explica segundo crio por que esta influência é tão
tremendamente poderosa. Porque, quando os objetos estão introduzidos, o ataque dirigido para
eles com todas as armas do sadismo provoca o terror do sujeito a ser atacado em forma análoga
pelos objetos externos e internalizados. Queria recordar-vos estes conceitos meus porque com
isso posso tender uma ponte com um conceito de Freud: um dos mais importantes entre as novas
conclusões que nos apresentou em Inibição, sintoma e angústia, isto é, a hipótese de uma temporã
situação infantil de angústia ou perigo.

Creio que isto põe ao trabalho analítico sobre uma base mais firme e precisa ainda do
que a que teve até agora, e dá assim a nossos métodos uma direção ainda mais clara. Mas a meu
entender também faz à análise uma nova exigência. A hipótese de Freud é que há uma situação
infantil de perigo que sofre modificações no curso do desenvolvimento, e que é a fonte da
influência exercida por uma série de situações de angústia.

Agora bem, a nova exigência feita à análise é esta: que a análise deve descobrir por
completo estas situações de angústia diretamente até o que jaz no mais profundo. Esta exigência
de uma análise completa se vincula com a que Freud sugere como exigência nova na conclusão
de sua "História de uma neurose infantil", onde diz que uma análise completa deve revelar a cena
primária. Esta última exigência pode ter seu pleno efeito só em união com o que acabo de
apresentar.

Se o analista tem sucesso na tarefa de descobrir as situações infantis de perigo, elaborar


sua resolução e elucidar em cada caso individual as relações entre as situações de angústia e a
neurose por uma parte, e com o desenvolvimento do eu pela outra, então, segundo crio, conseguirá
mais completamente o objetivo principal da terapia psicanalítica: a remoção das neuroses.
Portanto, parece-me que tudo o que pode contribuir à elucidação e descrição exata de as situações
infantis de angústia é de grande valor, não só desde o ponto de vista teórico, senão também
terapêutico.
146
Freud supõe que a situação infantil de perigo pode ser reduzida em última instância à
perda da pessoa amada (almejada). Pensa que nas meninas a perda do objeto é a situação de perigo
que atua mais poderosamente; nos varões é a castração. Meu trabalho me provou que estas duas
situações de perigo são modificação de outras mais temporãs ainda. Descobri que nos varões o
medo à castração pelo pai está conectado com uma situação especial que segundo crio resulta ser
a mais temporã situação de angústia. Como assinalei o ataque ao corpo da mãe, cujo momento
psicológico é o apogeu da fase sádica, implica também a luta com o pênis do pai dentro da mãe.

O fato de que esteja em questão uma união de ambos os pais dá especial intensidade a
esta situação de perigo. Em concordância com o sádico temporão superego, que já se
estabeleceram, estes pais unidos é agressores extremamente cruéis e muito temidos. Assim a
situação de angústia relacionada com a castração pelo pai é uma modificação no curso do
desenvolvimento da situação de angústia mais temporã, tal como a descrevi.

Agora bem, creio que a angústia engendrada por esta situação está claramente
representada no libreto da ópera que foi o ponto de partida de meu artigo. Ao examinar o libreto
tratei já com algum detalhe uma fase, a do ataque sádico. Consideremos agora que sucede depois
de que o menino deu rédea solta a seu anseio de destruição.

Ao princípio do resumo seu autor menciona que todas as coisas do palco são muito
grandes para acentuar a pequinês do menino. Mas a angústia do menino lhe faz parecer
gigantescas as coisas e as pessoas, bem mais lá do que a diferença real de tamanho. Ademais,
vemos o que descobrimos na análise de qualquer menino: que as coisas representam seres
humanos, e, portanto, são objetos de angústia. O autor da síntese escreve o seguinte: "As coisas
maltratadas começam a viver". O cadeirão, os almofadões, mesa, cadeira, etc., atacam ao menino,
recusam-se a servi-lo deixam-no afora. Encontramos que as coisas para sentar-se e descansar
sobre elas, tanto como as camas, aparecem pelo geral na análise de meninos como símbolos da
mãe protetora e amante. Os rasgões do papel representam o interior machucado do corpo materno,
enquanto o velho menino dos números que sai da coberta do livro é o pai (representado por seu
pênis), agora em caráter de juiz, e que está por pedir ao menino, que desfalece de angústia, que
dê contas do dano e o roubo cometido no corpo da mãe. Quando o menino escapa ao mundo da
natureza, vemos como esta toma o papel da mãe à que agrediu. Os animais hostis representam
uma multiplicação do pai, ao que também atacou, e também os meninos que supõe que estão
dentro da mãe. Vemos os incidentes que tiveram lugar dentro da habitação reproduzido agora em
maior escala num espaço mais amplo e com maior número. O mundo, transformado no corpo da
mãe, enfrenta hostilmente ao menino e o persegue.

No desenvolvimento ontogenético o sadismo é superado quando o sujeito avança no


nível genital. Quanto mais poderosamente se instaura esta fase, mais capaz se volta o menino de
amor objetal, e de vencer seu sadismo por me deu de compaixão e simpatia. Este passo do
desenvolvimento se mostra também no libreto de Ravel: quando o menino sente piedade do
esquilo ferido, e vai a sua ajuda, o mundo hostil se torna amistoso. O menino aprendeu a amar e
acredita em o amor. Os animais concluem: "Leste é um bom garoto; um garoto que se porta muito
bem". O profundo insight psicológico de Colette -que escreveu o libreto da ópera- se mostra na
forma em que tem lugar a transformação da atitude do menino. Quando cuida ao esquilo ferido
murmura "mamãe". Os animais que o rodeiam repetem esta palavra. É esta palavra redentora a
que deu sua titulo à ópera "A palavra mágica" (Dás Zauberwort). Mas aprendemos também do
texto qual é o fator que contribuiu ao sadismo do menino. O diz: "Quero ir passear pelo parque!
Quero antes de qualquer coisa comer-me todas as tortas do mundo!" Mas a mãe o ameaça com
147
dar-lhe chá sem açúcar e pão seco. A frustração oral que converte à "mãe boa" indulgente na "mãe
má" estimula seu sadismo.

Penso que podemos compreender agora por que o menino, em vez de fazer calmamente
seus deveres, viu-se envolvido numa situação tão displicente. Tinha que ser assim, porque foi
conduzido a ela pela pressão da antiga situação de angústia que nunca tinha dominado. Sua
angústia fortifica a compulsão de repetição, e sua necessidade de castigo contribui à compulsão
(que se fez agora muito forte) a tentar-se um castigo real para que a angústia seja apaziguada por
um castigo menos grave que o que a situação de angústia lhe faz antecipar.

Estamos bastante familiarizados com o fato de que os meninos são travessos porque
querem ser castigados, mas parece da maior importância descobrir que papel representa a angústia
neste anseio de castigo, e qual são o conteúdo idealizado que subjuga a esta angústia urgente.
Ilustrarei agora com outro exemplo literário a angústia que encontrei conectada com a primeira
situação de perigo no desenvolvimento de uma menina.

Num artigo titulado "O espaço vazio", Karin Michaelis dá um relato do


desenvolvimento de sua amiga, a pintora Ruth Kjär. Ruth Kjär possuía um notável sentido
artístico, que empregava especialmente no arranjo de sua casa, mas não tinha pronunciado talento
criador. Formosa, rica e independente, passava grande parte de sua vida viajando, e
constantemente deixava sua casa, na que tinha gastado tantos cuidados e gosto. Às vezes era presa
de acessos de profunda depressão, que Karin Michaelis descreve como segue: "Tinha só um ponto
negro em sua vida. No meio da felicidade que era natural nela, e que parecia sem perturbações,
afundava-se repentinamente na mais profunda melancolia. Uma melancolia suicida. Se tratava de
explicar isto, dizia algo assim: ?Há um espaço vazio em mim, que nunca posso encher?".

Chegou o momento em que Ruth Kjär se casou, e parecia perfeitamente feliz. Mas
depois de pouco tempo reapareceram os acessos de depressão. Nas palavras de Karin Michaelis:
"O amaldiçoado espaço vazio estava, uma vez mais, esvaziamento". Deixarei à escritora falar por
se mesma: "Vos disse já que seu lar era uma galeria de arte moderna. O irmão de seu marido era
um dos maiores pintores do país, e seus melhores quadros decoravam as paredes da habitação.
Mas antes do Natal o cunhado se levou um quadro, que só lhe tinha prestado. O quadro foi
vendido. Isto deixou um espaço vazio na parede, que em alguma forma inexplicável parecia
coincidir com o espaço vazio dentro dela. Caiu num estado da mais profunda tristeza. O espaço
em alvo da parede a fez esquecer seu formoso lar, sua felicidade, seus amigos, tudo. Por suposto,
podia-se conseguir um novo quadro, e se o conseguiria, mas isso levava tempo; um tem que
procurar para encontrar o quadro justo.

"O espaço vazio se burlava horrivelmente dela. "Marido e mulher estavam sentados um
frente a outro à mesa do café da manhã. Os olhos de Ruth estavam velados de desesperança. Mas
de repente seu rosto ficou transfigurado por um sorriso. 'Te direi o que se me ocorre! Creio que
tratarei de pintar um pouco eu mesma na parede, até que consigamos um novo quadro. ' 'Faz-lo,
minha querida', disse o marido. Era seguro que qualquer pintura que fizesse não resultaria
monstruosamente feio.

"Mal tinha deixado ele a habitação quando, em perfeito rapto, tinha telefonado para
pedir às pinturas que costumava usar seu cunhado, pincéis, paleta, e todo o resto do 'equipe', para
que se o enviassem imediatamente. Ela mesma não tinha a mais remota ideia de como começar.
Nunca tinha sacado pintura de um tubo, posto a base no lenço, ou misturado cores na paleta.

148
Enquanto as coisas encarregadas estavam em caminho, parou-se frente à vazia parede com um
bocado de giz negro na mão e fez traços a esmo, como lhe vinham à imaginação. Teria que tomar
o automóvel e correr a ver a seu cunhado para perguntar-lhe como se pinta? Não, antes preferiria
morrer!

"Para o entardecer retornou seu esposo, e ela correu a recebê-lo com febril brilho em
seus olhos. É que estava por adoecer-se? atraiu-o com ela, dizendo: 'Vêem, verás! ' E ele viu. Não
podia apartar sua olhada do que se via, não podia entender, não o cria. Não podia crê-lo. Ruth se
arrojou ao sofá exausto, desfalecido: 'O crês possível? '

"A mesma tarde mandaram a procurar ao cunhado. Ruth palpitava de ansiedade pelo
veredicto do conhecedor. Mas o artista exclamou imediatamente: 'Não te imaginarás que vais
convencer-me de que tu o pintaste? Que mentira infame! Este quadro foi pintado por um artista
experimentado. Quem demônios é? Não o conheço! "Ruth não podia convencê-lo. O pensava que
lhe estavam fazendo uma brincadeira. E ao retirar-se, sua despedida foi: 'Se tu o pintaste, eu vou
ir a dirigir uma sinfonia de Beethoven na Capela Real manhã, ainda que não saiba nem uma nota
de música!'

"Essa noite Ruth não pôde dormir muito. O quadro da parede tinha sido pintado, isso
era seguro, não era um sonho. Mas, como tinha sucedido isso? E daí viria depois? "Estava febril,
devorada por um ardor interno. Devia provar-se a se mesma que a divina sensação, o
inexpressável sentimento de felicidade que faz sentido podia repetir-se." Karin Michaelis agrega
então que depois desta primeira tentativa, Ruth Kjär pintou varias obras mestras, e as exibiu ante
os críticos e o público.

Karin Michaelis antecipa uma parte de minha interpretação da angústia relacionada com
o espaço vazio na parede ao dizer: "Na parede tinha um espaço vazio, que em alguma forma
inexplicável parecia coincidir com o espaço esvaziamento dentro dela". Agora bem, qual é o
significado deste espaço vazio dentro de Ruth, ou mais bem, para dizê-lo mais exatamente, da
sensação de que a seu corpo lhe faltava algo?

Aqui veio à consciência uma das ideias conectadas com a angústia, que no articulo que
li ante o último Congresso (1928) descrevi como a angústia mais profunda experimentada pelas
meninas. É o equivalente da castração em varões. A menina tem um desejo sádico, originado nos
estágios temporões do conflito edípico: roubar os conteúdos do corpo da mãe, isto é, o pênis do
pai, as fezes, os filhos, e destruir a mãe mesma. Este desejo provoca a angústia de que a mãe a
sua vez lhe roube a ela de seus próprios conteúdos (especialmente de filhos e de que seu corpo
seja destruído. A meu entender, esta angústia que descobri na análise de meninas e mulheres como
a mais profunda angústia, representa a primeira situação de perigo da menina. Cheguei a ver que
o terror a estar só, à perda de amor e à perda do objeto de amor -que Freud sustenta que é a
situação infantil básica de perigo nas meninas-, é uma modificação da situação de angústia que
acabo de descrever. Quando a menina que teme que a mãe agrida sua corpo, não pode ver a sua
mãe, isto intensifica a angústia. A presença da mãe real, amante, diminui o medo à mãe terrível,
cuja imagem introduzida está na mente da menina. Num estágio posterior do desenvolvimento o
conteúdo do medo muda: a mãe real, amante, pode perder-se e a menina ficará só e abandonada.

Ao procurar a explicação destas ideias, é instrutivo considerar que tipo de quadros


pintou Ruth Kjär desde sua primeira tentativa, quando encheu o espaço vazio da parede com a
figura em tamanho natural de uma negra nua. Aparte de um quadro de flores, dedicou-se aos

149
retratos. Pintou duas vezes a sua irmã menor, que viveu em sua casa e passou para ela, e ademais,
o retrato de uma mulher anciã e outro de sua mãe. Karin Michaelis descreve os dois últimos como
segue: "E agora Ruth não pode deter-se. O quadro seguinte representa a uma anciã que leva a
marca dos anos e das desilusões. Sua pele está enrugada, seu cabelo descolorido, seus olhos
suaves e cansados mostram pesar. Mira ante si com a resignação desconsolada da ansiedade, com
um olhar que parece dizer: 'Não vos preocupeis já mais por meu. Minha vida está tão cerca do
fim! ' "Não é esta a impressão que recebemos da última obra de Ruth, o retrato de sua mãe, uma
irlandesa-canadense. Esta senhora tem muito tempo ante se, antes que deva pôr os lábios para a
copa do renunciar. Delgada, imperiosa, desafiante, está ali, paragem com um iluminar de lua sobre
seus ombros; dá o efeito de uma soberba mulher de tempos primitivos que em qualquer momento
pode entrar em combate com os meninos do deserto, com suas mãos nuas. Que mentira! "O
espaço vazio foi cheio."

É óbvio que o desejo de consertar, de arrumar o dá-lo psicologicamente feito à mãe, e


também restaurar-se a si mesma, estavam no fundo do impulso a pintar estes retratos de seus
parentes. O da anciã, no umbral da morte, parece ser a expressão do desejo sádico primário de
destruir. O desejo da menina de destruir a sua mãe, de vê-la velha, gastada, desfigurada, é a causa
da necessidade de representá-la em plena posse de força e beleza. Ao fazê-lo, a filha pode
apaziguar sua própria angústia e pode tratar de consertar à mãe e fazê-la nova através do retrato.
Nas análises de meninos, quando a representação de desejos destrutivos é seguida da expressão
de tendências reativas, encontramos constantemente que o desenho e a pintura são utilizados
como meios de consertar à gente. O caso de Ruth Kjär mostra claramente que esta angústia da
menina é da maior importância para o desenvolvimento do eu nas mulheres, e é um dos incentivos
de realizações. Mas, por outra parte, esta angústia pode ser a causa de grave doença e muitas
inibições. Como no medo de castração do varão, o efeito da angústia sobre o desenvolvimento do
eu depende da manutenção de certo equilíbrio ótimo e do intervalo satisfatório entre os diversos
fatores.

Biblioteca Melanie Klein

12. A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS NO


DESENVOLVIMENTO DO ID (1930)

O propõe deste artigo se baseia na suposição de que há uma etapa temporã do desenvolvimento
mental em que se ativa o sadismo em cada uma das diversas fontes de prazer libidinal1. Segundo
minha experiência, o sadismo atinge seu ponto culminante em dita fase, que se inicia com o desejo
oral-sádico de devorar o peito da mãe (ou toda ela) e desaparece com a chegada da primeira etapa
anal. No período a que me refiro, o fim predominante no sujeito é apoderar-se do conteúdo do
corpo da mãe e destruí-la com todas as armas que o sadismo tem a seu alcance. Esta fase constitui,
ao mesmo tempo, a introdução do complexo de Édipo. As tendências genitais começam agora a
exercer influência, ainda que esta não seja ainda evidente porque os impulsos pré-genitais
150
dominam o campo. Meu proponho se apoia no fato de que o conflito edípico começa num período
no que predomina o sadismo.

O menino espera que no interior do corpo de sua mãe encontrará: a) o pênis do pai; b) excrementos
e c) meninos, e homologam todas estas coisas com substâncias comestíveis. De acordo com as
mais primitivas fantasias (ou "teorias sexuais") infantis sobre o coito dos pais, durante o ato o
pênis do pai (ou todo seu corpo) é incorporado pela mãe. Deste modo os ataques sádicos do
menino têm por objeto a ambos os pais ao mesmo tempo, a quem morde, despedaça ou tritura em
suas fantasias. Esses ataques acordam angústia porque o menino teme ser castigado pelos pais
unidos, e esta angústia também é internalizada em consequência da introdução oral-sádica dos
objetos e assim se dirige já para o superego temporão. Pude observar que estas situações de
angústia das primeiras fases do desenvolvimento mental são muito profundas e assustadoras.

Segundo minhas experiências, nos ataques fantasiados contra o corpo materno desempenham um
papel considerável o sadismo uretral e anal, que se agrega muito cedo ao sadismo oral e o
muscular. Na fantasia, os excrementos são transformados em armas perigosas: urinar é para o
menino o mesmo que magoar, ferir, queimar, enquanto as matérias fecais são homologadas com
armas e projéteis. Numa etapa posterior à fase descrita essas formas violentas de ataque são
substituídas por ataques encobertos com os métodos mais refinados do que o sadismo pode
inventar, e os excrementos são homologados a substâncias venenosas.

1 Veja-se meu " Estágios temporões do conflito edípico" (1928).

O excesso de sadismo desperta angústia e mobiliza os mecanismos de defesa mais primitivos do


eu. Freud escreve (1926): "Bem pudesse ser que antes que o eu e o isso tenham chegado a
diferenciar-se nitidamente e antes que se tenha desenvolvido o superego, o aparelho mental utilize
modos de defesa diferentes dos que põe em prática uma vez que atingiu ditos níveis de
organização".

Segundo o que pude observar na análise, a primeira defesa imposta pelo eu está em relação com
duas fontes de perigo: o próprio sadismo do sujeito e o objeto que é atacado. Esta defesa, em
correlação com o grau de sadismo, é de caráter violento e difere fundamentalmente do ulterior
mecanismo de repressão Em relação com o sadismo do sujeito, a defesa implica expulsão,
enquanto em relação com o objeto atacado implica destruição. O sadismo se converte numa fonte
de perigo porque oferece ocasião para a libertação de angústia e, também, porque o sujeito sente
que as armas empregadas para destruir ao objeto apontam a seu próprio eu. O objeto atacado se
converte numa fonte de perigo, porque o sujeito teme dele ataques similares (retaliatório). Deste
modo, o íntegro eu não desenvolvido se encontra ante uma tarefa que, nesta etapa, está totalmente
fora de seu alcance: a tarefa de dominar a angústia mais intensa.

Ferenczi sustenta que a identificação, precursora do simbolismo, surge das tentativas do menino
por reencontrar em todos os objetos seus próprios órgãos e as funções destes. Segundo Jones, o
princípio do prazer faz possível a equação entre duas coisas completamente diferentes por uma
semelhança de prazer ou interesse. Faz alguns anos, escrevi um artigo baseado nestes conceitos
no que cheguei à conclusão de que o simbolismo é o fundamento de toda sublimação e de todo
talento, já que é através da equação simbólica que coisas, atividades e interesses se convertem em
tema de fantasias libidinais.

Posso ampliar agora o expressado então (1923) e afirmar que, junto ao interesse libidinal, é a
angústia que surge na fase descrita a que põe em marcha o mecanismo de identificação. Como o
151
menino deseja destruir os órgãos (pênis-vagina-peito) que representam os objetos, começa a temer
a estes últimos. Esta angústia contribui a que equipar ditos órgãos com outras coisas; devido a
essa equiparação estas, a sua vez se converterá em objetos de angústia. E assim o menino se sente
constantemente impulsionado a fazer novas equações que constituem a base de seu interesse nos
novos objetos, e do simbolismo.

Então o simbolismo não só constitui o fundamento de toda fantasia e sublimação, senão que sobre
ele se constrói também a relação do sujeito co n o mundo exterior e com a realidade em geral.
Assinalei que o objeto do sadismo em seu ponto culminante -e o impulso epistemofílico surge
simultaneamente com o sadismo - é o corpo materno com seus conteúdos fantasiados. As fantasias
sádicas dirigidas contra o interior do corpo materno constituem a relação primeira e básica com o
mundo exterior e com a realidade. Do grau de sucesso com que o sujeito atravessa esta fase,
dependerá à medida que possa adquirir, depois, um mundo externo que corresponda à realidade.
Vemos, então, que a primeira realidade do menino é totalmente fantástica; está rodeado de objetos
que lhe causam angústia, e neste sentido excrementos, órgãos, objetos, coisas animadas e
inanimadas são em princípio equivalentes entre si. Sob medida , que o eu vai evoluindo,
estabelece-se gradualmente a partir dessa realidade irreal uma verdadeira relação com a realidade.
Portanto, o desenvolvimento do eu e a relação com a realidade dependerão do grau de capacidade
do eu, numa etapa muito temporã, para tolerar a pressão das primeiras situações de angústia. E,
como sempre, também aqui é questão de certo equilíbrio ótimo entre os fatores em jogo. Uma
quantidade suficiente de angústia é uma base necessária para a abundante formação de símbolos
e fantasias; para que a angústia possa ser satisfatoriamente elaborada, para que esta fase
fundamental tenha um desenlace favorável e para que o eu possa desenvolver-se com sucesso, é
essencial que o eu tenha adequado capacidade para tolerar a angústia.

Estas conclusões são o resultado de minha experiência analítica geral, mas se vêem confirmadas
de maneira surpreendente num caso no que existia uma desusada inibição no desenvolvimento do
eu. Este caso, do que darei agora alguns detalhes, é o de um menino de quatro anos que pela
pobreza de seu vocabulário e desenvolvimento intelectual estava no nível de um menino de 15 ou
18 meses. Faltava quase completamente a adaptação à realidade e relações emocionais com seu
ambiente. Este menino, Dick, carecia de afeto e era indiferente à presença ou ausência da mãe ou
a babá. Desde o princípio, só rara vez tinha manifestado angústia, e inclusive num grau
anormalmente reduzido. Com exceção de certo interesse é especial, ao que me referirei em
seguida, não tinha quase interesses, não jogava e não tinha contato com seu meio. Geralmente,
articulava sons ininteligíveis e repetia constantemente certos ruídos.

Quando falava, utilizava incorretamente seu escasso vocabulário. Mas não só era incapaz de fazer-
se inteligível; também não o desejava. Mais ainda, a mãe advertia às vezes claramente em Dick
uma atitude fortemente negativa, que se expressava em que com frequência fazia precisamente o
contrário de o que se esperava dele. Por exemplo: se a mãe conseguia fazê-lo repetir junto com
ela algumas palavras, com frequência Dick as alterava completamente, ainda que outras vezes
pudessem pronunciar perfeitamente essas mesmas palavras. Ademais, às vezes repetia
corretamente as palavras, mas seguia repetindo-as em forma incessante e mecânica até que fartava
a todos Ambas as formas de conduta diferem da de um menino neurótico. Quando um menino
neurótico manifesta oposição em forma de rebeldia, e quando manifesta obediência (inclusive
acompanhada por um excesso de angústia, faz com certo entendimento e alguma forma de
referência à coisa ou pessoa implicada. Mas na oposição e obediência de Dick não se advertia
afeto nem entendimento alguma. Ademais, quando se magoava, demonstrava grande

152
insensibilidade à dor e não experimentava para nada o desejo universal em meninos pequenos de
ser consolado e mimado. Sua torpeza física era também muito notável. Não era capaz de usar
facas nem tesouras, em mudança era atraente que manipulasse normalmente a colher com que
comia.

A impressão que me causou sua primeira visita foi que seu comportamento era muito diferente
do que observamos em meninos neuróticos. Deixou que sua babá se retirasse sem manifestar
nenhuma emoção, e me seguiu ao consultório com absoluta indiferença. Ali correu de um lado a
outro sem nenhum propósito, e correu várias vezes a meu arredor como se eu fosse um móvel
mais, mas não mostrou nenhum interesse para os objetos do quarto.

Ao correr de um lado ao outro, seus movimentos pareciam carecer de coordenação. A expressão


de seus olhos e seu rosto era fixa, ausente e falta de interesse, comparada uma vez mais com o
comportamento dos meninos com neuroses graves. Recordo meninos que, sem ter verdadeiros
ataques de angústia durante seu primeira visita se enclausuravam tímida e obstinadamente num
rincão, ou se sentavam sem mover-se ante a mesa com brinquedos, ou, sem jogar, tomavam um
objeto ou outro, só para deixá-los em seguida. Em todas estas formas de conduta é inequívoca a
grande angústia latente. O rincão ou a mesa são lugares para refugiar-se de meu. Mas o
comportamento de Dick carecia de sentido e propósito, e não tinha relação com nenhum afeto ou
angústia.

Darei agora alguns detalhes da história prévia de Dick. Sua lactância tinha sido ou
excepcionalmente insatisfatória e perturbada porque durante várias semanas a mãe tinha feito
questão de uma infrutuosa tentativa de amamentá-lo e o menino tinha estado a ponto de morrer
de inanição. Tinha-se recorrido então à alimentação artificial. Por fim, quando Dick tinha sete
semanas, mas já não pôde melhorar em suas mamadas. Padeceu de transtornos digestivos,
prolapso anal, e, mais tarde, de hemorróidas.

Possivelmente seu desenvolvimento ficou afetado pelo fato de que, ainda que recebesse toda
classe de cuidados, nunca se lhe esbanjou verdadeiro amor; a atitude da mãe para ele tinha sido,
desde o princípio, de excessiva angústia.

Como, por outra parte, nem seu pai nem sua babá lhe demonstraram muito afeto, Dick cresceu
num ambiente sumamente pobre de amor. Quando tinha dois anos de idade, teve uma nova babá,
hábil e afetuosa, e, pouco depois, passou uma longa temporada com sua avó, que era muito
carinhosa com ele. A influência destas mudanças pôde notar-se em seu desenvolvimento. Tinha
aprendido a caminhar a idade normal, mas teve dificuldades para ensinar-lhe o controle
esfincteriano. Sob a influência da nova babá, adquiriu hábitos de limpeza bem mais rapidamente.
AOS três anos já se controlava e, neste ponto demonstrava realmente certo grau de ambição e
zelo. Em outro aspecto, manifestava-se aos quatro anos sensíveis aos reproches. Sua babá tinha
descoberto que praticava a masturbação e lhe tinha dito que isso era "malvada" e que não devia
fazê-lo. Esta proibição deu origem indubitavelmente, a temores e sentimentos de culpa. Ademais,
aos quatro anos, Dick tinha feito em geral uma tentativa maior para adaptar-se, ainda que
relacionado principalmente com coisas externas, especialmente com a aprendizagem mecânico
de uma série de palavras novas. Desde os primeiros dias a alimentação de Dick tinha sido
anormalmente difícil. Quando teve a mal estar não tinha manifestado nenhum desejo de mamar,
e essa rejeição persistiu. Depois, negava-se a tomar a mamadeira. Quando chegou o momento de
dar-lhe alimentos mais sólidos se negava a mordê-los e recusava tudo o que não tivesse a
consistência de uma papinha; e até para isto era preciso forçá-lo a que comesse. Outro efeito
153
favorável da influência da nova babá foi um interesse um pouco maior pela comida, mas, com
tudo, as dificuldades principais subsistiram2. De maneira que, conquanto a babá afetuosa tinha
alterado certos aspectos de seu desenvolvimento, os defeitos fundamentais não se tinham
modificado. Também não com ela -como passava com os demais- tinha conseguido estabelecer
um contato emocional. Assim, nem sua ternura nem a da avó tinham conseguido pôr em marcha
a ausente relação objetal. Na análise de Dick descobri que a razão da desusada inibição de seu
desenvolvimento era o fracasso das etapas primitivas a que me referi ao começo deste artigo.
Tinha no eu de Dick uma incapacidade completa, aparentemente constitucional, para tolerar a
angústia.

O genital tinha intervindo muito precocemente; isto produziu uma prematura e exagerada
identificação com o objeto atacado e contribuiu à formação de uma defesa igualmente prematura
contra o sadismo. O eu tinha cessado o desenvolvimento de sua vida de fantasia e sua relação com
a realidade. Depois de um débil começo, a formação de símbolos se tinha detido. As primeiras
tentativas tinham deixado sua impressão num interesse que, isolado e sem relação com a
realidade, não podia servir de base a novas sublimações. O menino era indiferente à maior parte
dos objetos e brinquedos que via a seu arredor, e também não entendia sua finalidade ou sentido.

2 Ao finalizar o primeiro ano se te ocorreu pensar que o menino era anormal, e um sentimento
deste tipo pode ter afetado sua atitude para ele.

Mas lhe interessavam os trens e as estações, e também as portas, os portões e abrir e fechar portas.
O interesse para esses objetos e ações tinha uma origem comum: relacionava-se em realidade com
a penetração do pênis no corpo materno. As portas e fechaduras representavam os orifícios
primeiramente e saída do corpo da mãe, enquanto os portões representavam o pênis do pai e o seu
próprio. Portanto, o que tinha produzido a detenção da atividade de formação de símbolos era o
temor ao castigo que receberia (em especial por parte do pênis do pai) quando tivesse penetrado
no corpo da mãe. Ademais, suas defesas contra seus próprios impulsos destrutivos resultaram um
impedimento fundamental de seu desenvolvimento. Era absolutamente incapaz de qualquer
agressão, e a base de dita incapacidade estava assinalada num período muito temporão em sua
rejeição a morder os alimentos. Aos quatro anos, não podia manejar tesouras, facas nem
ferramentas e era sumamente torpe em todos seus movimentos.

As defesas contra os impulsos sádicos dirigidos contra o corpo materno e seus contidos -impulsos
relacionados com fantasias de coito- tinham tido por conseqüência a cessação das fantasias e a
detenção da formação de símbolos. O desenvolvimento ulterior de Dick tinha sido perturbado
porque o menino não podia viver em fantasias a relação sádica com o corpo da mãe.

A dificuldade desusada com a que tive que lutar na análise não foi sua incapacidade de expressar-
se verbalmente. Na técnica do jogo, que segue as representações simbólicas do menino, e que dá
acesso a sua angústia e sentimentos de culpa, podemos, em grande parte, prescindir das
associações verbais. Mas esta técnica não se limita à análise dos jogos do menino. Podemos extrair
material (como temos que fazer em meninos com inibição do jogo) do simbolismo revelado por
detalhes de seu comportamento em geral3. Mas em Dick o simbolismo não se tinha desenvolvido.
Isto se devia em parte à falta de relação de afeto com as coisas de seu ambiente, para as que eram
quase completamente indiferentes. Praticamente, não tinha relações especiais com objetos em
particular, como as que costumamos observar ainda em meninos com graves inibições.

154
3 Isto se refere unicamente à primeira parte e a algumas outras etapas posteriores de sua análise.
Uma vez que tive acesso a seu inconsciente e que a angústia foi atenuada, foram aparecendo em
forma gradual às atividades do jogo. As associações verbais e todas as demais formas de
representação, junto com um desenvolvimento do eu que facilitou o labor analítico.

Como não existia em sua mente nenhuma relação afetiva ou simbólica com os objetos, nenhum
de seus atos casuais relacionados com eles estava colorido pela fantasia, sendo, portanto
impossível considerar ditos atos como representações simbólicas. Sua falta de interesse pelo
ambiente e as dificuldades para estabelecer um contato com sua mente eram tão só o resultado de
sua falta de relação simbólica com as coisas -como pude perceber através de certos aspectos nos
que sua conduta diferia da de outros meninos-. A análise teve, pois, que começar com isto, o
obstáculo fundamental para estabelecer um contato com ele.

Já disse que a primeira vez que Dick veio ver-me não manifestou nenhuma classe de afeto quando
sua babá o deixou comigo. Quando lhe mostrei os brinquedos que tinha já disposto para ele,
olhou-os sem o mais mínimo interesse. Tomei então um trem grande, coloquei-o junto a um menor
e os designei como "Trem pai" e "Trem Dick". Então ele tomou o trem que eu tinha chamado
Dick, fez rodar até a janela e disse: "Estação". Expliquei: "A estação é mãe; Dick está entrando
em mãe”. Deixou então o trem, foi correndo para o espaço formado pelas portas exterior e interior
do quarto e se encerrou nele dizendo: "escuro", e voltou a sair correndo. Repetiram isto várias
vezes. Expliquei-lhe: "Dentro da mãe está escuro. Dick está dentro de mãe escura".

Enquanto, ele tomou novamente o trem, mas cedo correu outra vez ao lugar entre as portas.
Enquanto eu lhe dizia que ele estava entrando na mãe escura, ele fala duas vezes em tom
interrogativo: "Babá?" Lhe contestei "Babá vem cedo", coisa que ele repetiu, utilizando depois as
palavras corretamente, e retendo-as em sua mente. Na sessão seguinte se comportou de idêntica
maneira. Mas esta vez Dick escapou correndo da habitação para o escuro vestíbulo. Colocou ali
o trem "Dick" e fez questão de deixá-lo ali. Perguntava repetidamente: "Vem babá?" Na terceira
hora analítica se comportou da mesma maneira, só que além de correr ao vestíbulo e entre as
portas, escondeu-se também por trás da cômoda.

Então se angustiou e me chamou pela primeira vez. Sua apreensão era evidente então pela forma
em que perguntava insistentemente por sua babá, e ao finalizar a sessão a acolheu com prazer
inusitado. Vemos que simultaneamente com a aparição da angústia tinha surgido um sentimento
de dependência, primeiro para minha e depois para a babá, e ao mesmo tempo começou a
interessar-se pelas palavras tranqüilizadoras: "Babá vem em seguida, que contrariamente a sua
conduta habitual, tinha repetido e recordado. Mas também durante essa terceira sessão tinha
observado por vez primeira os brinquedos com interesse, no que se evidenciava uma tendência
agressiva. Assinalou um carrinho de carvão e disse: "Curta". Dei-lhe um par de tesouras e ele
tratou de raspar os pedaços de madeira que representavam o carvão, mas não pôde manejar as
tesouras. Respondendo a uma rápida mirada sua, cortei os pedaços de madeira do carrinho, que
ele arrojou em seguida, junto com seu conteúdo, dentro da gaveta; dizendo: "Se foi". Disse-lhe
que isso significava que Dick estava sacando fezes do corpo de sua mãe. Foi então correndo ao
espaço entre as portas, e as arranhou um pouco, expressando deste modo que identificava o espaço
entre ambas as portas com o carrinho e a ambos com o corpo da mãe, ao que estava atacando.

Em seguida regressou correndo desde o espaço entre as portas, viu o armário e se deslizou em seu
interior. Ao começar a seguinte hora analítica chorou quando a babá se foi, o que era inusitado
nele. Mas cedo se acalmou. Esta vez evitou o espaço entre as portas, o armário e o rincão, mas se
155
interessou pelos brinquedos, examinando-os com indubitável curiosidade nascente. Ao fazer isto
encontrou o carrinho destroçado durante a sessão anterior, e seu conteúdo. Empurrou ambos
rapidamente para um lado e os cobriu com outros brinquedos. Quando lhe expliquei que o
carrinho rompido representava à mãe, procurou-o novamente, o mesmo que os pedacinhos de
carvão soltos, e se os levou ao espaço entre as portas. À medida que sua análise progredia, viu-se
claramente que ao arrojá-los fora da habitação nessa forma estava expressando sua expulsão, tanto
do objeto danado como de seu próprio sadismo (ou dos recursos por este utilizado), que deste
modo era projetado ao mundo exterior. Dick tinha descoberto o lavatório , que simbolizava o
corpo de sua mãe, e manifestava um extraordinário temor a molhar-se com água. Cada vez que
submergia suas mãos -ou as minhas- no água, apressava-se ansiosamente a secá-las, e
imediatamente depois manifestava idêntica angústia ao urinar. A urina e as fezes eram para ele
substâncias daninhas e perigosas4 . Fez-se evidente que em sua fantasia as matérias fecais, a urina
e o pênis eram os objetos com os quais atacava o corpo da mãe, representando, portanto um perigo
também para ele mesmo. Estas fantasias aumentavam seu temor aos conteúdos do corpo da mãe
e, em particular, o pênis do pai que ele imaginava no interior do ventre dela. Durante a análise de
Dick chegamos a ver em muito diversas formas esse pênis fantasiado bem como também um
sentimento de agressividade cada vez maior contra ele, predominando especialmente os desejos
de devorá-lo e destruí-lo. Numa oportunidade, por exemplo, Dick se levou à boca um homenzinho
de brinquedo e, rechinando os dentes, disse: "Tea Daddy", o qual significava "Eat Daddy"
("Comer papai"). Em seguida pediu um copo com água. A introdução do pênis do pai demonstrou
estar conectada ao mesmo tempo com dois temores: o temor ao pênis como superego primitivo e
daninho, por um lado e, pelo outro, o temor ao castigo pela mãe assim roubada, isto é, o temor ao
objeto externo e ao objeto introduzido. Neste ponto apareceu em primeiro plano o já mencionado
-e que tinha sido um fator determinante no desenvolvimento de Dick-: que a fase genital tinha
começado prematuramente.

4 Encontrei em isto a explicação de um temor peculiar, que a mãe tinha observado em Dick
quando este teria uns cinco meses, e também algumas vezes em épocas posteriores. Quando
defecava ou urinava, a expressão de seu rosto revelava grande angústia. Como as fezes não eram
duras, o fato de que sofresse de prolapso anal e hemorróidas não pareciam justificar tal apreensão,
sobretudo porque também se manifestava em forma idêntica quando pedia urinar ou defecar, só
o fazia depois de longas vacilações e com signos inconfundíveis da angústia mais profunda e
lágrimas nos olhos. Uma vez analisada esta angústia, sua atitude com respeito a ambas funciones
se modificou consideravelmente e é hoje quase normal.

Isto se revelou com clareza no fato de que representações do tipo da que acabo de citar
desencadeassem não só angústia, senão arrependimento, lástima e a sensação de que tênia que
consertar. Por essa razão, Dick voltava a depositar sobre minha saia ou em minhas mãos o
homenzinho de brinquedo, guardava todo outra vez na gaveta, etc. A temporã atuação das reações
provenientes do plano genital era o resultado de um desenvolvimento prematuro do eu; não
obstante, só tinha conseguido inibir o desenvolvimento ulterior do eu. Esta temporã identificação
com o objeto não podia ser ainda relacionada com a realidade. Uma vez, por exemplo, Dick viu
sobre minha saia alguns recortes de madeira de lápis e disse: "Pobre Sra. Klein". Mas em outra
ocasião similar disse, no mesmo tom: "Pobre cortina". Simultaneamente com sua incapacidade
para tolerar a angústia, sua prematura empatia tinha sido um fator decisivo na repressão de seus
impulsos destrutivos. Dick tinha rompido seus laços com a realidade e tinha detido sua vida de
fantasia, refugiando-se nas fantasias do corpo escuro e esvaziamento de sua mãe. Deste modo
tinha conseguido, também, apartar seu atendimento dos diversos objetos do mundo externo que

156
representavam o conteúdo do corpo da mãe o pênis do pai, fezes e meninos. Porque eram
perigosos e agressivos, tinha que se desfazer (ou negar) de seu próprio pênis -órgão do sadismo -
e de seus excrementos.

Na análise de Dick pude chegar até seu inconsciente através dos rudimentos de vida de fantasia e
de formações simbólicas que manifestava. O resultado obtido foi uma diminuição da angústia
latente, de maneira que verdadeiro monto de angústia ficou manifesta. Mas isto implicava que a
elaboração de dita angústia começava com o estabelecimento de uma relação simbólica com
coisas e objetos, e ao mesmo tempo se mobilizaram impulsos epistemofílicos e agressivos. Todo
progresso era seguido pela libertação de novas quantidades de angústia, e o levava a apartar-se
em certa medida das coisas com as que tinham estabelecido já relações afetivas, e que, portanto,
tinham-se convertido em objetos de angústia. Ao apartar-se deles, dirigia-se para novos objetos,
e estes também chegavam a converter-se no objetivo de seus impulsos epistemofílicos e
agressivos. Assim, por exemplo, durante algum tempo Dick evitou totalmente o armário, mas em
mudança se ocupou de pesquisar a fundo o lavatório e a estufa elétrica, examinando-os com toda
minuciosidade manifestando uma vez mais impulsos destrutivos contra ditos objetos.

Depois transferiu seu interesse a coisas novas e também a outras com as quais já tinha chegado a
familiarizar-se anteriormente, e que tinha depois abandonado. Voltou a demonstrar interesse pelo
armário, mas esta vez seu interesse ia acompanhado por uma atividade e curiosidade muito maior
e por tendências agressivas bem mais intensas de todo tipo. Golpeava o armário com uma colher,
ou lhe afundava uma faca, e lhe jogava água. Examinava com vivacidade as bisagras da porta, a
forma em que esta se abria e se fechava, e a fechadura, etc., subia-se no interior do armário
perguntando como se chamavam suas diferentes partes, etc. Deste modo à medida que iam
aumentando seus interes é, foi enriquecendo simultaneamente seu vocabulário, porque tinha
começado a demonstrar um interesse cada vez maior não só pelas coisas em si, senão também por
seus nomes. Palavra que antes tinha ouvido sem nenhum interesse, recordava-as e aplicava agora
corretamente.

Junto com o aumento de interesses e o estabelecimento de uma transferência cada vez mais intensa
para mim, tinha aparecido à relação de objeto que até então faltava. Durante estes meses sua
atitude para a mãe e a babá se tornou afetuosa e normal. Deseja agora sua presença, quer que elas
lhe prestem atendimento e se entristece quando o deixam. Também com seu pai sua relação
mostra indícios cada vez mais claros de uma atitude edípica normal, e, em geral, existe uma
relação bem mais firme com todos os objetos. O desejo de fazer-se inteligível, antes nulo, está
atualmente em plena atividade. Dick trata de fazer-se entender por meio de seu vocabulário, ainda
pobre, mas em constante aumento, e que ele mesmo se empenha em enriquecer. Existem ademais
muitos outros indícios de do que começou a estabelecer relação com a realidade.

Decorreram até agora seis meses desde que começou sua análise e a evolução que durante este
período se iniciou em aspectos fundamentais justifica um prognóstico favorável. Muitos dos
problemas peculiares que se apresentaram neste caso resultaram solucionáveis. Com a ajuda de
muito poucas palavras foi possível chegar a estabelecer contato com ele. Foi possível também
mobilizar a angustia num menino que carecia de interesses e afetos; ao mesmo tempo, foi possível
depois resolver e regular gradualmente a angústia liberada. Quisesse sublinhar que no caso de
Dick modifiquei minha técnica habitual. Em geral, não interpreto o material até tão to este não
foi expresso através de várias representações, mas neste caso em que a capacidade de expressão
por meio de representações quase não existia, vi-me obrigada a interpretar sobre a base de meus
conhecimentos gerais, pois na conduta de Dick as representações eram relativamente vadias. Ao
157
conseguir por este médio acesso a seu inconsciente, pude mobilizar angústia e outros afetos. As
representações se tornaram então mais completas e cedo consegui bases mais sólidas para a
análise, podendo então passar paulatinamente à técnica que utilizo geralmente na análise de
meninos pequenos.

Já expliquei como consegui que a angústia se fizesse manifesta, e que se atenuasse assim a que
existia em estado latente. Uma vez que a angústia se fez manifesta pude resolvê-la em parte,
graças à interpretação, ainda que fosse também possível elaborá-la melhor, ou seja, distribuí-la
sobre novas coisas e interesses; assim foi mitigada de tal modo que o eu pôde tolerá-la. Se regular
assim quantidade é de angústia permitirá ao eu tolerar e elaborar montes normais, é coisa que só
poderá indicar o curso posterior da análise. No caso de Dick o problema consiste, portanto, em
modificar mediante a análise, um fator fundamental de seu desenvolvimento. Na análise deste
menino, que era absolutamente incapaz de fazer-se inteligível e cujo eu não era acessível a
nenhuma influência, o único que se podia fazer era tratar de chegar até seu inconsciente, e
diminuindo as dificuldades inconscientes, abrir caminho para o desenvolvimento do eu.

Naturalmente, neste caso -o mesmo que em qualquer outro- o acesso ao inconsciente deveu
conseguir-se através do eu. Os fatos demonstraram, portanto, que ainda aquele eu tão pouco
desenvolvido bastava para permitir o estabelecimento de uma vinculação com o inconsciente.
Creio que, desde o ponto de vista teórico, é importante advertir que ainda neste caso se conseguiu
fazer evoluir ao mesmo tempo ao eu e à libido, só pela análise dos conflitos inconscientes, e sem
que fosse necessário impor ao eu nenhuma influência educacional. É evidente que se o eu tão
escassamente desenvolvido de um menino que carecia de todo contato com a realidade, foi capaz
de tolerar a supressão de repressões pela análise sem que se sentisse abrumado pelo isso, está
claro que em meninos neuróticos (isto é, em casos muito menos extremos) não temos nenhuma
razão para temer do que o eu possa sucumbir ao isso. É também interessante advertir o fato de
que a influência educacional que anteriormente tinham exercido sobre o menino as pessoas de seu
ambiente tinha escorregado sobre Dick sem deixar nenhuma impressão. Em mudança hoje, que
sua eu se encontra, graças à análise, em plena evolução, o menino se mostra cada vez mais dócil
a dita influência, a que pôde adaptar-se ao ritmo dos impulsos instintivos mobilizados pela análise
e que basta para manejá-los.

Fica ainda sem aclarar a questão do diagnóstico. O doutor Forsyth tinha diagnosticado demência
precoce, e pensou que valia a pena tentar a análise. Dito diagnóstico parecia ser corroborado pelo
fato de que o quadro clínico coincidia, em muitos aspectos importantes, com o da demência
precoce avançada dos adultos. Resumindo-o uma vez mais: se tratava de um caso caracterizado
por uma ausência quase total de afetividade e de angústia, grande afastamento da realidade e falta
de acessibilidade bem como de conduta negativista alternando com indícios de obediência
automática, indiferença ante a dor -sintomas todos característicos da demência precoce-.
Ademais, este diagnóstico estava também confirmado pelo fato de que pôde excluir-se com
segurança a presença de qualquer doença orgânica, em primeiro termo, porque assim o revelou o
exame efetuado pelo doutor Forsyth, e, em segundo lugar, porque o caso demonstrou ser tratável
psicologicamente. A análise me demonstrou que a ideia de uma psiconeurose podia ser também
definitivamente descartada.

Na contramão do diagnóstico de demência precoce existe o fato de que o impulso fundamental


no caso de Dick era uma inibição do desenvolvimento, e não uma regressão. Ademais, a demência
precoce é muito pouco freqüente na primeira infância, pelo que muitos psiquiatras sustentam que
não existe neste período Não quero adiantar um diagnóstico desde esta perspectiva de psiquiatria
158
clínica, mas minha experiência geral na análise de meninos me permite fazer algumas observações
de índole geral sobre as psicoses infantis. Cheguei ao convencimento de que a esquizofrenia
infantil é bem mais comum do que geralmente se admite. Darei algumas razões pelas que não se
a reconhece. 1) Os pais, especialmente nas classes mais pobres, em geral só conferem ao
psiquiatra quando o caso é desesperado, isto é, quando eles mesmos não podem fazer nada com
o menino. Por esta razão, um grande número de casos jamais chega à observação médica. 2) Nos
pacientes que o médico atinge a ver, costuma ser impossível para ele, num rápido e único exame,
estabelecer a presença de esquizofrenia Portanto, muitos casos são classificados sob diversas
denominações, tais como "detenção do desenvolvimento", "deficiência mental", "predisposição
psicótica", "tendências anti sociais, etc. 3) A esquizofrenia nos meninos é menos evidente e
atraente que nos adultos Rasgos típicos desta doença são menos atraentes num menino porque em
menor grau são naturais no desenvolvimento de meninos normais. Sintomas tais como
afastamento da realidade, falta de controle emocional, incapacidade para concentrar-se em
qualquer ocupação, conduta tonta e palestra sem sentido, não nos chamam tanto o atendimento
num menino, a quem não nos julgar com o mesmo critério com que julgaríamos a um adulto.
Excessiva mobilidade, tanto como movimentos estereotipados nos meninos são sumamente
comuns e somente diferem em grau da hiperkinesia e estereotipia dos esquizofrênicos. A
obediência automática tem que ser realmente muito atraente para que os pais a considerem como
outra coisa que "docilidade". A conduta negativa é considerada com frequência como "travessa"
e a dissociação é no menino um fenômeno que a maioria das vezes escapa a toda observação. A
angústia fóbica dos meninos contém com frequência ideias de perseguição de caráter paranoide5
e os temores hipocondríacos são fatos que requerem uma observação muito profunda e que com
frequência só podem chegar a descobrir-se mediante a análise. 4) Mais freqüentes inclusive do
que as verdadeiras psicoses são, nos meninos os rasgos psicóticos que, em circunstâncias
desfavoráveis, podem desencadear doenças posteriores.

Creio que a esquizofrenia e, em particular, a presença de rasgos esquizofrênicos nos meninos, é


um fenômeno muito mais freqüente do que em geral se supõe. Cheguei à conclusão -por razões
que explicarei em outro lugar- de que o conceito de esquizofrenia em particular e de psicose em
geral, tais como se apresentam na infância, deve ser ampliado e creio que uma das tarefas
fundamentais da psicanálise de meninos consiste em descobrir e curar as psicoses infantis. O
conhecimento teórico adquirido nesta forma seria sem dúvida uma valiosa contribuição para
nosso entendimento da estrutura da psicose e nos permitiria, ao mesmo tempo, estabelecer
diagnósticos mais exatos entre as diferentes doenças. Se ampliarmos, pois, o uso do termo na
forma proposta crê que se justifica minha classificação da doença de Dick como esquizofrenia. É
verdade que difere da esquizofrenia típica dos meninos no fato de que o transtorno era neste caso
uma inibição do desenvolvimento, enquanto na maioria destes casos se trata de uma regressão
depois que o menino superou com sucesso certa etapa de seu desenvolvimento 6. Ademais, à
natureza invulgar do quadro clínico se somava em Dick, a gravidade do caso. Não obstante, tenho
minhas razões para pensar que não é este um caso isolado, já que recentemente chegaram a meu
conhecimento outros dois casos análogos em meninos de arredor da mesma idade de Dick. Penso,
portanto, que se estivesse em condições de fazer observações mais penetrantes, encontraríamos
muitos mais casos similares.

5 Veja-se meu artigo sobre " A personificação no jogo dos meninos" (1929).

159
6 No entanto, o fato de que a análise permitisse estabelecer um contato com a mente de Dick e
que se tenha obtido algum resultado num período de tempo relativamente breve, faz pensar na
existência de certo desenvolvimento latente, além do escasso desenvolvimento manifesto. Mas
ainda assim, o grau total de desenvolvimento era tão anormalmente escasso, que a hipótese de
uma regressão desde uma etapa já superada me parece dificilmente admissível neste caso.

Resumirei agora minhas conclusões teóricas, obtidas não só de minhas observações no caso de
Dick senão também de outros casos menos extremos de esquizofrenia em meninos entre cinco e
treze anos de idade, e também de minha experiência analítica geral.

Os estágios temporões do complexo de Édipo estão dominados pelo sadismo. Têm lugar durante
uma etapa do desenvolvimento que se inicia com o sadismo oral (ao que se somam o sadismo
uretral, muscular e anal) e termina quando a predominância do sadismo anal chega a seu fim.

É só nos estágios posteriores do conflito edípico quando aparece a defesa contra os impulsos
libidinais; nos estágios temporões é contra os impulsos destrutivos sócios contra o que se dirige
a defesa. A primeira defesa erigida pelo eu vai dirigida contra o próprio sadismo do sujeito e
contra o objeto atacado, já que ambos são considerados como fontes de perigo. Esta defesa tem
caráter violento e difere dos mecanismos de repressão. No varão, esta poderosa defesa se dirige
também contra seu próprio pênis, como o órgão executor de seu sadismo, e é uma das causas mais
freqüentes de todas as perturbações da potência sexual. Estas são minhas hipóteses sobre a
evolução de pessoas normais e neuróticas. Vejamos agora a gênese da psicose.

O período inicial da fase de sadismo máximo é aquele em que os ataques são concebidos como
de um caráter violento. Encontrei neste período o ponto de fixação da demência precoce. Na
segunda parte desta fase os ataques fantasiados são imaginados como envenenamentos, e
predominam os impulsos sádicos uretrais e anais. Creio que este é o ponto de fixação da paranoia
7. Quero recordar aqui que Abraham sustentou que na paranoia a libido faz uma regressão à
primeira fase anal. Minhas conclusões coincidem com as hipóteses de Freud, segundo as quais os
pontos de fixação da demência precoce e da paranoia devem procurar-se na etapa narcisista, os
da demência precoce precederão aos da paranoia.

Uma excessiva e prematura defesa do eu contra o sadismo impede o estabelecimento da relação


com a realidade e o desenvolvimento da vida de fantasia A posse e exploração sádica do corpo
materno e do mundo exterior (o corpo da mãe por extensão), ficam detentas e isto produz a
suspensão mais ou menos completa da relação simbólica com coisas e objetos que representam o
corpo da mãe e, portanto, do contato do sujeito com seu ambiente e com a realidade em geral.
Este retraimento forma a base da falta de afeto e angústia, que é um de os sintomas da demência
precoce. Nesta doença, então, a regressão iria diretamente à fase temporã do desenvolvimento em
que a apropriação e destruição sádica do interior da mãe -tal como o concebe o sujeito em suas
fantasias - e o estabelecimento de uma relação com a realidade foram impedidos ou refreados
devido à angústia.

7 Em outro trabalho me referirei ao material em que se apóiam estas opiniões e darei então
argumentos mais detalhados a favor das mesmas. (Veja-se meu A psicanálise de meninos.)

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Biblioteca Melanie Klein

13. A PSICOTERAPIA DAS PSICOSES (1930)


Estudam-se os critérios diagnósticos dos psiquiatras, chama o atendimento o fato de
que, ainda que pareça que são muito complicados e que cobrem um amplo campo clínico, no
entanto, em essência, centram-se principalmente ao redor de um ponto especial: a relação com a
realidade.

Mas evidentemente, a realidade em que pensa o psiquiatra é a realidade tanto subjetiva


como objetiva do adulto normal. Enquanto isto se justifica desde o ponto de vista social da
loucura, ignora o fato mais importante: que os fundamentos das relações com a realidade da
temporã infância são de um caráter inteiramente diferente. A análise de meninos pequenos entre
dois anos e meio e cinco anos mostra claramente que para todos os meninos, ao princípio, a
realidade externa é principalmente um reflexo da vida instintiva do próprio menino. Agora bem,
a primeira fase de relação humana está dominada pelos impulsos sádico-orais. Estes impulsos
sádicos são acentuados por experiências de frustração e privação, e o resultado deste processo é
que todos os outros instrumentos de expressão sádica que possua o menino, aos que damos o
rótulo de sadismo uretral, sadismo anal, sadismo muscular, ativam-se e dirigem a sua vez para
objetos. O fato é que nesta fase na imaginação do menino a realidade externa está povoada com
objetos dos que se espera que tratarão ao menino precisamente da mesma forma sádica com que
o menino se sente impulsionado a tratar aos objetos. Esta relação é realmente a realidade primitiva
do menino muito pequeno.

Na primeira realidade do menino não é exagero dizer que o mundo é um peito e um


ventre cheio de objetos perigosos, perigosos por causa do impulso do próprio menino a atacá-los.
Enquanto o curso normal do desenvolvimento do eu é avaliar gradualmente os objetos externos
através de uma escala realista de valores, para o psicótico, o mundo -e isto na prática significa
objetos - é valorizado no nível original; isto é, que para o psicótico o mundo é ainda um ventre
povoado de objetos perigosos.

Se, portanto, se me pedisse que desse em poucas palavras uma generalização válida para
a psicose eu diria que as agrupações principais correspondem às defesas contra as principais fases
de desenvolvimento do sadismo.

Uma das razões pelas quais estas relações não são geralmente apreciadas é que, ainda
que haja por suposto casos de semelhanças bastante estreitas, pelo geral os impulsos diagnósticos
de psicoses na infância são essencialmente diferentes dos da psicose clássica. Por exemplo, eu
diria que o rasgo mais sinistro num menino de quatro anos seria a atividade não diminuída dos
sistemas de fantasia característicos de um menino de um ano; em outras palavras, uma fixação,
que clinicamente origina a detenção do desenvolvimento. Ainda que a fixação da fantasia seja só
descoberta pela análise, no entanto há muitas provas clínicas de retardo que rara vez ou nunca são
adequadamente apreciadas.

Nos pacientes que o médico chega a ver, é com frequência impossível para ele, num
único exame rápido, estabelecer a presença de uma esquizofrenia. De maneira que muitos casos

161
deste tipo são classificados sob títulos imprecisos, tais como "detenção do desenvolvimento",
"estado psicótico", "tendência anti social", etc. Antes de tudo, nos meninos a esquizofrenia é
menos evidente que nos adultos. Rasgos característicos desta doença são menos atraentes num
menino porque, em menor grau, são naturais no desenvolvimento de meninos normais. Coisas
tais como, por exemplo, um marcado apartamento da realidade, falta de controle emocional,
incapacidade de concentrar-se em qualquer ocupação, conduta tonta e palestra sem sentido, não
nos surpreendem como tão notáveis nos meninos e não as julgamos como o faríamos se
aparecessem em adultos. Um excesso de atividade e movimentos estereotipados é muito comum
nos meninos e diferem só em grau da hiperkinesia e estereotipia da esquizofrenia.

A obediência automática deve ser realmente muito notável para que os pais a
considerem como outra coisa que "docilidade". A conduta negativista é geralmente considerada
como "travessura", e a dissociação é um fenômeno que pelo geral escapa por completo à
observação do menino. O que a angústia fóbica dos meninos contenha com frequência ideias de
perseguição de caráter paranóico e temores hipocondríacos é um fato que requer uma observação
muito direta e a miúdo só pode ser revelado pela análise. Inclusive mais comumente do que
psicoses encontraram nos meninos impulsos psicóticos do que em circunstâncias desfavoráveis
levam à doença na vida posterior (veja-se "A formação simbólica", 1930a).

Poderia dar um exemplo de um caso em que ações estereotipadas se baseavam


inteiramente numa base de angústia psicótica, mas que de nenhum modo tivessem feito surgir tais
suspeitas. Um menino de seis anos jogava durante horas a ser um polícia que dirigia o trânsito,
jogo no que tomava certas atitudes uma e outra vez, permanecendo imóvel em algumas delas
durante bastante tempo. Mostrava assim signos de catatonia tanto como de estereotipia, e a análise
revelou o medo e terror assustadores característicos que encontramos em casos de psicoses. É
nossa experiência que este assustador terror psicótico é obstruído tipicamente como por uma
barricada mediante diversos recursos com os que estão conectados os sintomas.

Está também o menino que vive a fantasia, e podemos ver como em seu jogo estes
meninos devem deixar fora completamente à realidade, e só podem conservar suas fantasias
excluindo-a do tudo. Estes meninos encontram intolerável qualquer frustração porque lhes
recorda a realidade; e são consideravelmente incapazes de concentrar-se em qualquer ocupação
conectada com a realidade. Por exemplo, um menino de seis anos deste tipo jogava repetidamente
a que era o poderoso líder de uma banda de selvagens caçadores e animais selvagens; lutava,
conquistava e condenava cruelmente a morte a seus inimigos, que também tinham bestas
selvagens a seu serviço. Depois os animais eram devorados. A luta nunca terminava, já que
sempre apareciam mais animais. O corso da análise revelou neste menino não só uma grave
neurose senão também marcados impulsos paranóides. Tinha-se sentido sempre conscientemente
rodeado e ameaçado por magos, soldados, bruxas, etc. Como muitos meninos este garoto tinha
mantido invariavelmente o conteúdo de sua angústia ao todo secreto para os que o rodeavam.

Ademais, encontrei, por exemplo, num menino aparentemente normal, que tinha uma
desusada crença obstinada na constante presença ao redor dele em todo momento de fadas e
figuras amistosas como Papai Noel, que estas figuras encobriam sua angústia de estar sempre
rodeado por animais terríveis que ameaçavam atacá-lo e engolir-se.

Em minha opinião a esquizofrenia plenamente desenvolvida é mais comum -e


especialmente a aparição de rasgos esquizofrênicos é um fenômeno bem mais geral- na infância
do que se supõe geralmente. Cheguei à conclusão de que o conceito de esquizofrenia em particular
162
e o de psicose em general que aparecem na infância, deve ser ampliado, e creio que uma das
tarefas principais do analista de meninos é descobrir e curar as psicoses infantis. O conhecimento
teórico assim adquirido seria sem dúvida uma valiosa contribuição para nosso entendimento da
estrutura das psicoses e nos ajudaria também a conseguir um diagnóstico diferencial mais correto
entre as diversas doenças.

Biblioteca Melanie Klein

14. UMA CONTRIBUIÇÃO À TEORIA DA INIBIÇÃO


INTELECTUAL (1931)
Proponho-me a tratar aqui alguns mecanismos da inibição intelectual e começarei com
um curto extrato de uma análise de um menino de sete anos, ocupando-me dos principais pontos
de duas sessões analíticas consecutivas. A neurose do menino consistia em parte em sintomas
neuróticos, em parte em dificuldades de caráter, e também em inibições intelectuais bastante
graves. No momento em que tiveram lugar as duas sessões que tento tratar, o menino levava mais
de dois anos de tratamento, e o material em questão já tinha sido submetido à considerável análise.
Em geral a inibição intelectual tinha diminuído gradualmente até certo ponto durante este período;
mas só nestas duas sessões se aclarou a conexão deste material com uma de suas dificuldades
especiais a respeito da aprendizagem. Isto me levou a um progresso notável no concernente a
suas inibições intelectuais.

O menino se queixava de que não podia distinguir entre certos termos franceses. Na
escola tinha uma lâmina com diversos objetos para ajudar aos meninos a compreender as palavras.
As palavras eram: galinha, frango; peixe, pescado; água, gelo. Sempre que lhe perguntava que
significava alguma destas palavras, contestava invariavelmente dando o significado de alguma
das outras duas, por exemplo, se lhe perguntava peixe contestava gelo; galinha, pescado, etc. Isto
lhe havia sentir-se bastante desesperado, e dizia que nunca poderia aprendê-las. Obtive o material
por associação comum, mas ao mesmo tempo jogava despreocupadamente no quarto.

Pedi-lhe primeiro que me dissesse em que lhe fazia pensar galinha. Colocou-se de costas
sobre a mesa, balançando as pernas e desenhando com um lápis num bocado de papel. Pensou
num zorro introduzindo-se num galinheiro. Perguntei-lhe a que hora podia ocorrer isto e em vez
de dizer "de noite, contesto "às quatro da tarde", hora em que eu sabia que com frequência sua
mãe estava fora. "O zorro se introduz e mata a um pintinho", e enquanto disse isto cortou o que
tinha desenhado. Perguntei-lhe que era e disse: "Não sei". Quando o olhamos vimos que era uma
casa, cujo teto tinha cortado. Deu-se conta de que ele mesmo era o zorro, que o pintinho era um
irmão e que o momento em que se introduzia o zorro era precisamente quando sua mãe tinha
saído.

Já tínhamos trabalhado muito no que respeita os seus intensos impulsos agressivos e


fantasias de atacar a um irmão dentro da mãe e depois de seu nascimento, e também no que
respeita ao intenso ônus de culpa relacionada com estes impulsos e fantasias. O irmão tem agora
aproximadamente quatro anos. Quando era um bebê tinha sido para meu paciente uma horrível
tentação ficar-se só com ele, ainda durante um minuto, e inclusive agora, quando a mãe está fora,
163
vemos que seus desejos ainda funcionam. Isto se devia em parte a seus extremados ciúmes do
bebê, que gozava do peito da mãe. Perguntei-lhe em que lhe fazia pensar peixe e começou a patear
com mais violência e a levar as tesouras cerca dos olhos e a tratar de cortar-se o cabelo, de maneira
que tive que lhe pedir as tesouras. Me contestou sobre peixe que o pescado fritado era muito lindo
e lhe agradava. Começou então novamente a desenhar, esta vez um hidroavião e um barco. Deste
disse: "Um grande bocado de gelo é lindo e branco, e se põe primeiro rosa e depois vermelho".

Perguntei-lhe por que isso e disse: "Se derrete". "Como é isso?" "O iluminou o sol".
Aqui tinha bastante angústia e não pude obter nada mais. Cortou o barco e o hidroavião e tratou
de ver se podia boiar na água. Ao dia seguinte mostrou angústia e disse que tinha tido um mau
sonho. "O pescado era um caranguejo. Estava parado num berço, na costa onde tinha estado
muitas vezes com sua mãe. Supunha-se que ele devia matar um enorme caranguejo que saía da
água para o berço. Colou-lhe um tiro com seu pequeno revólver e o matou com sua espada, que
não era muito eficiente. Nem bem matou ao caranguejo, teve que matarem outros e outros que
seguiam saindo da água". Perguntei-lhe por que tinha que fazer isso e disse que para impedir que
entrassem ao mundo, porque matariam a todo mundo. Em seguida que começamos com o sonho
se colocou sobre a mesa na mesma posição que o dia anterior, batendo o pé mais forte que nunca.
Perguntei-lhe então por que batendo o pé, e contestou: "Estou boiando na água e me rodeiam
caranguejos". O dia anterior as tesouras tinham representado os caranguejos que o mordiam e o
cortavam, e por isso tinha desenhado um bote e um hidroavião, para escapar-se deles. Disse-lhe
que ele tinha estado num berço, e contestou: "Oh, sim, mas me caí à água faz muito". Quase todos
os caranguejos queriam meter-se num quarto de carne que estava na água e que parecia uma casa.
Era cordeiro, sua carne preferida. Disse que nunca tinham estado adentro ainda, mas que podiam
entrar pelas portas e janelas. Toda a cena na água era o interior de sua mãe -o mundo-. A casa de
carne representava o corpo de sua mãe e o seu próprio. Os caranguejos representavam o pênis do
pai e formavam legião. Eram grandes como elefantes, negros por fora e vermelhos por dentro.

Eram negros porque alguém os tinha feito negros, e por isso todos se tinham voltado
negros no água. Tinham entrado na água do outro lado do mar. Alguém que queria voltar negra a
água os tinha posto ali. Resultou que os caranguejos representavam não só o pênis do pai senão
também suas próprias fezes. Um deles não era maior que uma lagosta e era vermelho por dentro
e por fora. Este representava seu próprio pênis. Também tinha muito material que mostrava a
identificação de suas fezes com animais perigosos que por ordem sua (por uma espécie de magia)
podiam entrar no corpo de sua mãe e danar e envenenar tanto a ela como ao pênis do pai.

Creio que este material arroja alguma luz sobre a teoria da paranoia. Aqui só posso
aludir muito brevemente a este ponto; mas sabemos que Vão Ophuijsen1 e Stärcke2 referiram o
"perseguidor" à ideia inconsciente do paranóico de seu estado em suas entranhas, e ao que
identifica com o pênis do perseguidor. Tanto o caso em discussão como a análise de muitos
meninos e adultos me levaram a crer que o temor de uma pessoa a suas fezes como perseguidor,
deriva em última instância de suas fantasias sádicas, nas que emprega sua urina e suas fezes como
armas venenosas e destrutivas em seus ataques ao corpo da mãe. Nestas fantasias converte a suas
próprias fezes em coisas que perseguem os seus objetos; e por uma sorte de magia (que em minha
opinião é à base da magia negra) empurra-as secreta e cautelosamente no ânus e outros orifícios
dos objetos e os aloja dentro de seus corpos. Por ter feito isto sente medo de seu próprio
excremento como substância perigosa que está danando seu próprio corpo; também sente medo
dos excrementos, introduzidos dentro seu, de seus objetos, já que espera que estes últimos lhe
façam ataques secretos similares por meio de suas perigosas fezes. Estes temores engendram o

164
terror deter uma série de perseguidores dentro do corpo, e de ser envenenado; também engendram
temores hipocondríacos.

O ponto de fixação da paranoia esta situado, segundo crio, no período da fase de sadismo
máximo no qual o menino leva a cabo seus ataques ao corpo da mãe e ao pênis do pai que supõe
estar ali, por meio de suas fezes transformadas em animais ou substâncias venenosas e perigosas3.
1 Vão Ophuijsen, 1920

2 Stärcke, 1919

3 Veja-se meu artigo: "A importância de formação de símbolos no desenvolvimento do


eu". A concepção ali apresentada está de acordo com a teoria de Abraham de que nos paranóicos
a libido fez um menino considera à urina como algo perigoso que queima curta e envenena, já
está preparado o caminho para que pense no pênis como coisa sádica e perigosa. E suas fantasias
do perseguidor -fantasias formadas sob o predomínio das tendências sádico-anais, e que até tanto
se pode ver precedem à ideia do perigoso pênis como perseguidor- também tendem para a mesma
direção, em virtude do fato de que ele equipara excrementos e pênis. Em conseqüência da equação
entre ambos, as perigosas propriedades das fezes servem para aumentar o caráter perigoso e sádico
do pênis, e do objeto perseguidor que está identificado com ela.

Caso os caranguejos representavam uma combinação das fezes perigosas e o perigoso


pênis do menino e de seu pai. Ao mesmo tempo o menino se sentia responsável do emprego de
todos estes instrumentos e fontes de destruição, já que seus próprios desejos sádicos contra seus
pais em coito, transformavam ao pênis do pai e a seus excrementos em animais perigosos, de
maneira que seu pai e sua mãe se destruíam um ao outro.

Em sua imaginação John também tinha atacado ao pênis do pai com suas próprias fezes
e deste modo o tinha feito mais perigoso que antes; e tinha posto seus pró pias fezes perigosas
dentro do corpo de sua mãe. Perguntei-lhe novamente em que lhe fazia pensar açúcar (gelo) e
começou a falar de um copo e se dirigiu à pia e bebeu um copo de água. Disse que era malta -que
lhe agrada- e falou de um copo que tinha "pequenos bocados" rompidos, querendo dizer cristal
talhado. Disse que o sol tinha estragado este copo, como tinha estragado o grande bloco de gelo
do que tinha falado o dia anterior. Disse que tinha disparado ao copo e arruinado também toda a
malta. Quando lhe perguntei como lhe tinha disparado ao copo, disse: "Com seu calor".

Enquanto dizia isto elegeu um lápis amarelo entre vários lápis que estavam diante seu,
e começou a fazer pontos e buracos num bocado de papel depois fez buracos até que finalmente
o reduziu a tiras. Depois começou a cortar o lápis com uma faca, girando amarelo de fora. O lápis
amarelo representava ao sol, que simbolizava seu pênis e urina regressão ao primeiro estágio anal;
já que a fase do desenvolvimento na que o sadismo atinge seu ponto máximo, começa em minha
opinião, com a emergência dos instintos sádico-orais e finaliza com a declinação do primeiro
estágio anal. Este período da fase que foi descrito mais acima, e que a minha entender, forma a
base da paranoia, surgiria portanto na época em que predomina o primeiro estágio anal. De tal
maneira a teoria de Abraham se ampliaria em duas direções. Em primeiro lugar vemos que há
uma cooperação intensiva dos diversos instrumentos do sadismo do menino nesta fase, e em
especial, além de sua sadismo oral, que enorme importância atribui a suas até então pouco
reconhecidas tendências sádico-uretral, para reforçar e elaborar suas tendências sádico-anais.

165
Em segundo lugar, conseguimos uma compreensão mais detalhada da estrutura das
fantasias em do que se expressam seus impulsos sádico-anais pertencentes ao primeiro estágio.

Também, por associação verbal, a palavra "sol" o representava a ele, o "filho"4(. Em


muitas de suas sessões analíticas tinha queimado bocados de papel, fósforos e caixas de fósforos
na estufa, e ao mesmo tempo, ou alternando com isto, tinha-os rasgado ou tinha jogado água sobre
eles e os tinha ensaboado ou cortado em pedaços. Estes objetos representavam o peito de sua mãe
ou toda sua pessoa. Também tinha rompido copos repetidamente na habitação de jogo.
Representavam o peito da mãe e também o pênis do pai. O sol tinha outra significação mais como
pênis sádico do pai.

Enquanto estava cortando o lápis disse uma palavra que resultou estar construído pelas
palavras "ir" e o nome de pilha de seu pai. Assim o copo era destruído tanto pelo filho como pelo
pai; representava o peito e a malta significava leite. O grande bocado de gelo que tinha o mesmo
tamanho da casa de carne representava o corpo de sua mãe; estava derretido e arruinado pelo calor
do menino e pelo pênis e urina do pai; e quando enrijecia isto simbolizava o sangue da mãe
magoada.

John me mostrou um cartão de Natal com um bulldog, e um pintinho morto ao que


evidentemente tinha matado. Ambos estavam pintados de marrom Disse: "Já sei, são todos os
mesmo, o pintinho, o gelo, o copo e os caranguejos". Perguntei-lhe por que eram todos os mesmo,
e disse: "Porque são todos marrons e estão todos rompidos e mortos". Esta é a razão de que não
pudesse distinguir entre estas coisas, porque todos estavam mortos; ele tinha matado a todos os
caranguejos, mas os pintinhos, que representavam aos bebês e o gelo e o copo que representavam
à mãe, estavam todos sujos e magoados, ou mortos também.

Depois disto, na mesma sessão, começou a desenhar linhas paralelas que se faziam mais
estreitas e mais amplas. Era o símbolo da vagina mais claro possível. Então pôs sua pequena
locomotiva sobre ela e a deixou ir sobre as vias a estação. Estava muito aliviado e contente. Sentia
agora que podia ter relação sexual simbolicamente com a mãe; enquanto antes desta análise seu
corpo era para ele um lugar de horrores Isto parece mostrar o que um pode ver confirmado na
análise de todo homem: que seu medo ao corpo da mulher como um lugar cheio de destruição
pode ser uma das causas principais de perturbação da potência. Mas esta angústia é também um
fator básico de inibição do impulso epistemofílico, já que o interior do corpo da mãe é o primeiro
objeto desse impulso; na fantasia é explorado e pesquisado, e também atacado com todo o
armamento sádico, incluindo o pênis como uma arma perigosa e ofensiva, e esta é outra causa da
subseqüente impotência nos homens: penetrar e explorar são em grande parte sinônimos para o
inconsciente. Por esta razão, depois da análise de sua angústia relacionada com seu próprio pênis
sádico e o de seu pai -o pulsante lápis amarelo homologado ao sol queimante- John foi bem mais
capaz de representar-se a si mesmo simbolicamente em coito com a mãe e pesquisando seu corpo.
Ao dia seguinte podia olhar atenciosamente e com interesse a lâmina da parede da escola e podia
distinguir facilmente o s palavras unas de outras.

4 Em virilhas sun (sol) e são (filho) são homófonos. [T.]

J. Strachey mostrou5 que ler tem o significado inconsciente de tomar conhecimento do


corpo da mãe, e que o temor a roubá-la é um fator importante, para as inibições na leitura.
Quisesse agregar que é essencial para um desenvolvimento favorável do desejo de conhecimento
166
que se senta que o corpo da mãe está bem e não magoado. Representa no inconsciente a casa do
tesouro, de tudo o desejável que só pode conseguir-se ali; portanto, se não está destruído, se não
está demasiado em perigo e então ele mesmo não é tão perigoso, pode levar-se mais facilmente a
cabo o desejo de tomar dele alimento para a mente.

Quando descrevi a luta que na fantasia tinha John dentro do corpo da mãe com os pênis
do pai (caranguejos) -em realidade com um enxame deles - assinalei que a casa de carne, na que
aparentemente não tinham irrompido e na que John tratava de impedir que entrassem,
representava não só o interior do corpo de sua mãe, senão também seu próprio interior. Suas
defesas contra a angústia se expressavam aqui em elaborados deslocamentos e investimentos. Ao
princípio o que ele comia era um rico pescado frito. Depois se convinha num caranguejo. Na
primeira versão sobre o caranguejo ele estava parado no berço e tratava de impedir que os
caranguejos se arrastassem fora da água. Mas surgiu que ele realmente se sentia a si mesmo no
água, e ali -dentro de sua mãe- a graça do pai. Nesta versão tratava ainda de sustentar a ideia de
que estava impedindo que os caranguejos entrassem na casa de carne, mas seu medo mais
profundo era do que os caranguejos já tinham entrado nela e a estavam destruindo, e seus esforços
eram para sacá-los afora outra vez. Tanto o mar como a casa de carne representavam o corpo de
sua mãe.

Devo assinalar agora outra fonte de angústia que está estreitamente conectada com a de
destruir a mãe, e mostrar como influi nas inibições espirituais e perturbações de desenvolvimento
do eu. Isto está conectado com o fato de que a casa de carne era não só o corpo de sua mãe senão
também o seu. Temos aqui uma representação das temporãs situações de angústia que surgem em
ambos os sexos do impulso sádico-oral de devorar os conteúdos do corpo da mãe, e especialmente
os pênis que se imagina que estão dentro dele. O pênis do pai, que desde o ponto de vista oral de
sucção é homologado ao peito, e que se converte assim num objeto de desejo6, é então
incorporado e na fantasia do varão se transforma muito rapidamente em conseqüência de seus
ataques sádicos contra ele, num terrível agressor interno e é homologado a animais ou armas
perigosas e assassinas. A meu entender é o pênis do pai introjetado o que forma o núcleo do
superego paterno.

5 Strachey, 1930.

O exemplo do caso de John mostra: a) que a destruição imaginada que foi infligida ao
corpo da mãe é também esperada e imaginada como tendo ocorrido em seu próprio corpo; b)
como se sente o medo aos ataques no interior do próprio corpo pelos pênis internalizados do pai
e pelas fezes.

Bem como a angústia excessiva com respeito à destruição infligida ao corpo da mãe
inibe a capacidade de obter uma concepção clara de seus conteúdos, assim também em forma
análoga a angústia relativa às coisas terríveis e perigosas que estão sucedendo dentro do próprio
corpo pode suprimir toda investigação sobre ele; e isto novamente é um fator da inibição
intelectual 7. Para ilustrar isto do caso de John: o dia depois da análise do sonho do caranguejo,
isto é, o dia no que se encontrou a si mesmo repentinamente capaz de distinguir as palavras
francesas, John começou sua análise dizendo: "Vou dar volta minha gaveta"; este era a gaveta no
que guardava os brinquedos que usava em sua análise; durante meses tinha arrojado nele toda
classe possível de desperdícios, bocados de papel, coisas pegajosas com borracha, pedaços de
sabão, pedacinhos de corda etc., sem que nunca se tivesse decidido a limpá-lo.

167
Agora sacou todos seus conteúdos e atirou as coisas inúteis ou rompidas. O mesmo dia
encontrou numa gaveta de sua casa sua lapiseira, que durante meses não fala podido achar. Assim
em forma simbólica tinha olhado dentro do corpo de sua mãe e o tinha consertado, e também tinha
encontrado outra vez seu pênis.

6 Isto se demonstra por sua associação sobre o rico pescado frito, que lhe agradava.

7 Num artigo que apareceu faz alguns anos ("Análise infantil") examinei uma forma especial de
inibição na capacidade de representar-se o interior do corpo da mãe com suas funções especiais
de concepção, gravidez e parto: a perturbação do sentido de orientação e o interesse pela
geografia.

Assinalei então, no entanto, que o efeito desta inibição pode ir bem mais lá e afetar toda
a atitude para o mundo externo e perturbar a orientação em seu sentido mas amplo e metafórico.

Desde então, a investigação posterior me mostrou que esta inibição se deve ao medo
do corpo da mãe em conseqüência dos ataques sádicos contra ele; e demonstrou também que as
temporãs fantasias sádicas sobre o corpo da mãe, e uma capacidade de elaborar estas
exitosamente, tendem uma ponte para as relações objetais e a adaptação à realidade, influindo
assim fundamentalmente na posterior relação do sujeito com o mundo externo.

Como o mostrou o curso de sua análise, numa cooperação muito maior de sua parte no
trabalho analítico e o mais profundo insight em suas próprias dificuldades. Este insight mais
profundo foi o resultado de um progresso no desenvolvimento de seu eu que seguiu a este
fragmento particular da análise de seu superego ameaçador. Porque, como sabemos de nossa
experiência com meninos, especialmente com os muito pequenos, a análise dos estágios
temporões da formação do superego promove o desenvolvimento do eu ao diminuir o sadismo do
superego e do isso.

Mas no que desejo chamar o atendimento aqui, além disto, é na conexão que pode
observar-se uma e outra vez em análise entre a diminuição da angústia por parte do eu com
respeito ao superego, e uma capacidade aumentada no menino de conhecer seus próprios
processos intra-psíquicos e de controlá-los com maior eficácia através de sua eu. No presente caso
limpar representava vistoriar a realidade intra-psíquica.

Quando John estava arrumando sua gaveta, estava arrumando seu próprio corpo e
separando suas posses das coisas que tinha roubado do corpo da mãe, tanto como separando fezes
"más" de fezes "boas", e objetos "maus" de "bons". Ao fazer isto John vinculava as coisas
rompidas, danadas e sujas com o objeto “mau”, fezes “más” e meninos “maus’’, de acordo com
o inconsciente, no que o objeto danado se converte em “más” e perigosas.

Na medida em que John podia agora examinar os diferentes objetos e ver como podia
usar-se ou que dano tinham sofrido, etc., mostrava-se a se mesmo como se animando a enfrentar
os estragos imaginados infligidos por seu superego e seu isso; ou seja, estava levando a cabo uma
prova da realidade Isto permitiu a seu eu funcionar melhor ao fazer decisões sobre para que
pudessem usar-se as coisas, se podiam ser consertadas ou tinha que as atirar, etc. Ao mesmo
tempo se puseram mais em harmonia seu superego e sua isso, e então o eu, mais forte, pôde
enfrentá-los melhor.

168
Em relação com isto quisesse voltar uma vez mais ao tema de seu redescobrimento da
lapiseira. Até aqui o interpretamos no sentido de que tinha diminuído seu temor às qualidades
destrutivas e perigosas de seu pênis -em última instância a sua sadismo- e era capaz de reconhecer
a posse de tal órgão.

Estas linhas de interpretação nos descobrem as causas subjacentes tanto da potência


sexual como dos instintos epistemofílicos, já que descobrir e penetrar nas coisas são atividades
homologadas no inconsciente. Além disto, a potência no homem (ou no caso do menino, as
condições psicológicas para ela) é a base para o desenvolvimento de grande número de atividades,
interesses criativos e capacidades.

Mas -e isto é o que quero assinalar- tal desenvolvimento depende de que o pênis se tenha
convertido no representante do eu do indivíduo. Nos primeiros estágios de sua vida o varão
considera seu pênis como o órgão executor de seu sadismo, e, portanto se converte no veículo de
seus sentimentos primários de onipotência. Por esta razão, e porque sendo um órgão externo, pode
ser examinado e posto a prova em diversas formas, adquire a significação de seu eu, suas funções
egoicas e sua consciência; enquanto o pênis internalizado e invisível de seu pai -seu superego -,
sobre o que não pode saber nada, converte-se no representante de seu inconsciente. Se o temor do
menino a seu superego e a seu id é demasiado poderoso, não só será incapaz de saber sobre os
conteúdos de seu corpo e seus processos mentais, senão que também será incapaz de usar seu
pênis em seu aspecto psicológico como órgão regulador e executor de seu, de maneira que
também suas funções egoicas estarão sujeitas a inibições nestes sentidos.

No caso de John, encontrar a lapiseira significava não só que tinha reconhecido a


existência de seu pênis e o orgulho e prazer que lhe dava, senão que também tinha reconhecido a
existência de seu próprio eu: atitude que se expressou em seu maior progresso do
desenvolvimento de seu eu e uma ampliação de suas funções egoicas tanto como na diminuição
do poder de seu superego que até então tinha dominado a situação.

Para resumir o que se disse: enquanto o progresso na capacidade de John para conceber
o estado do interior do corpo de sua mãe levou a uma maior capacidade de compreender e apreciar
o mundo externo, a redução de sua inibição para saber realmente sobre o interior de seu próprio
corpo levou ao mesmo tempo a um mais profundo entendimento e melhor controle de seus
processos. O primeiro resultou em maior capacidade de incorporar conhecimentos; o segundo
trouxe consigo melhor capacidade de elaborar, organizar e correlacionar os conhecimentos
obtidos, e também de voltar a dá-los, ou seja devolvê-los, formulá-los ou expressá-los -um
progresso no desenvolvimento do eu -. Estes dois conteúdos fundamentais da angústia
(relacionada com o corpo da mãe e com o próprio corpo) condicionam-se mutuamente e reage um
sobre o outro em cada detalhe, e do mesmo modo a maior liberdade das duas funções de introjeção
e extrogeção (ou projeção), resultante de uma redução da angústia destas fontes, permite que
ambos sejam empregados em forma mais adequada e menos compulsiva.

Mas, quando o superego exerce uma dominação demasiado ampla sobre o eu, com
frequência este último em suas tentativas de manter o controle por meio da repressão sobre o isso
e os objetos internalizados, fecha-se às influências do mundo externo e seus objetos despojando-
se assim de toda fonte de estímulo que formaria a base dos interesses e realizações de sua eu,
tanto das do isso como das de fontes externas. Nos casos em que manteve sua preponderância a
significação da realidade e dos objetos como reflexos do temido mundo interno e imagos, os
estímulos do mundo externo podem sentir-se quase tão alarmantes como a fantasiada dominação
169
dos objetos internalizados, que tomaram posse de toda iniciativa e aos que o eu se sente
compulsivamente obrigado a submeter a execução de toda atividade e operações intelectuais, e
ademais por suposto a responsabilidade por elas. Em certos casos, inibições graves para a
aprendizagem estão combinadas com conduta anti social e atitude de suficiência; o que encontrei
então é que o eu se sente oprimido e paralisado por uma parte pelas influências do superego às
que sente tirânicas e perigosas, e por outra parte sua desconfiança para aceitar as influências dos
objetos reais, com frequência porque se os sente em completa oposição às exigências do superego,
mas mais freqüentemente porque estão demasiado identificados com as temidas influências
internas. O eu trata então (por meio da projeção ao mundo externo) de demonstrar sua
independência das imagos rebelando-se contra todas as influências que emanam dos objetos reais.
O grau em que possa ser conseguida uma redução do sadismo e da angústia e da atuação do
superego, de maneira que o eu adquira uma base mais ampla para funcionar, determina o grau de
progresso da acessibilidade do paciente à influência do mundo externo, junto com uma
progressiva resolução de suas inibições intelectuais.

Temos visto que os mecanismos examinados levam a certas classes definidas de


inibições intelectuais. Mas quando entram num quadro clínico adquirem o caráter de rasgos
psicóticos. Sabemos já que o medo de John aos caranguejos como perseguidores internos era de
caráter paranoide. Ademais, esta angústia o fazia fechar-se às influências externas, aos objetos e
à realidade externa: estado mental que consideramos como uma das indicações de perturbação
psicótica, ainda que neste caso o resultado principal foi uma diminuição das capacidades
intelectuais do paciente. Mas que inclusive em casos como este a operação de ta lhes mecanismos
não se limita à produção de inibições intelectuais, vê-se nas grandes mudanças que têm lugar em
toda a pessoa e em seu caráter não menos do que na diminuição dos rasgos neuróticos que pode
observar-se, à medida que progride a análise da inibição intelectual, especialmente se o paciente
é um menino ou uma pessoa jovem.

Em John, por exemplo, pude estabelecer o fato de que uma marcada apreensão,
ocultação e mentiras, tanto como uma intensa desconfiança a tudo que eram parte de sua estrutura
mental, desapareceram completamente no curso de sua análise, e que tanto seu caráter como o
desenvolvimento de seu eu mudaram muito e melhoraram. Neste caso os rasgos paranoides em
sua maior parte se tinham modificado até chegar a verdadeiras distorções de caráter e inibições
intelectuais; mas resultou que também tinham levado a uma quantidade de sintomas neuróticos.

Mencionarei aqui uno ou mais dois mecanismos de inibição intelectual, esta vez de
caráter definidamente neurótico-obsessivo, que aparecem como resultado da intensa atuação de
situações temporãs de angústia. Em alternância com uma inibição do tipo antes descrito vemos às
vezes o extremo oposto como resultado: um anseio de incorporar tudo o que se oferece, junto com
a incapacidade de distinguir entre o que é valioso e o que não o é. Em vários casos notei que estes
mecanismos começavam a estabelecer-se e a fazer sentir sua influência quando a análise tinha
conseguido diminuir os mecanismos de tipo psicótico que acabamos de examinar.

Este apetite de alimento intelectual que ocupou o lugar da anterior incapacidade do


menino para incorporar nada foi acompanhado por outros impulsos obsessivos, em especial por
um desejo de colecionar coisas e acumulá-las e por as correspondentes compulsões a abandonar
as coisas indiscriminadamente, ou seja, a expulsá-las. A incorporação obsessiva deste tipo com
frequência se acompanha de um sentimento de esvaziamento no corpo, de empobrecimento -uma
sensação que meu paciente John costumava ter com muita intensidade- e descansa sobre a
angústia do menino, proveniente dos níveis mais profundos de sua mente, de que seu interior
170
tenha sido destruído ou esteja cheio de substâncias "más" e perigosas, que seja pobre em
substâncias "boas" ou que estas faltem por completo. Este material ansiógeno sofre bem mais
remodelação e alteração pelos mecanismos obsessivos do que pelos psicóticos.

Minhas observações deste caso, tanto como de outros neuróticos obsessivos, levaram-
me a estabelecer conclusões sobre os mecanismos obsessivos especiais relacionados com o
fenômeno da inibição intelectual que nos interessa neste momento. Antes de enunciá-las
brevemente, deixai-me dizer que a meu entender, como em seguida estabelecerei com detalhes,
os mecanismos e sintomas obsessivos em geral servem ao propósito de unir, modificar e deter a
angústia pertencente aos níveis mais primitivos da mente, de maneira que as neuroses obsessivas
estão edificadas sobre a angústia das primeiras situações de perigo.

Retornemos ao tema: creio que a coleção e acumulação de coisas do menino,


compulsiva, quase voraz (incluindo o conhecimento como substância), está baseada entre outros
fatores, que não são necessários mencionar aqui, em seu sempre renovado intento a) de apresar
substâncias e objetos "bons" (em última instância, leite "boa" fezes "boas", um pênis "bom" e
meninos "bons") e paralisar com sua ajuda a ação de tosse objetos e substâncias "maus" dentro de
seu corpo; e b) acumular suficientes reservas dentro de si mesmo para ser capaz de resistir aos
ataques de seus objetos externos, e se é necessário devolver ao corpo de sua mãe, ou a seus
objetos, o que lhes roubou. Como suas tentativas de fazer isto por meio de atos obsessivos estão
continuamente perturbados por aparições de angústia de muitas fontes contrárias (por exemplo,
sua dúvida de se o que acaba de incorporar dentro seu é realmente "bom" e se o que arrojou fosse
era realmente a parte "má" de seu interior; ou seu temor de que ao pôr mais material dentro de se
foi culpado uma vez mais de roubar ao corpo de sua mãe) podemos compreender por que estava
sob a constante obrigação de repetir suas tentativas e como esta obrigação é em parte responsável
do caráter compulsivo de sua conduta.

No presente caso já vimos como na proporção em que diminuiu a influência do feroz e


fantástico superego do menino -em última instância, seu próprio sadismo - perderam sua eficácia
os mecanismos que reconhecemos como psicóticos e que originaram suas inibições intelectuais.
Parece-me que uma diminuição deste tipo na severidade do superego debilita os mecanismos da
inibição intelectual que são também do tipo neurótico obsessivo. Se isto é assim, então
demonstraria que a presença de situações temporãs de angústia excessivamente fortes e a
predominância de um superego ameaçador proveniente dos primeiros estágios de sua formação
são fatores fundamentais, não só na gênese da psicose 8 senão também na produção de
perturbações do desenvolvimento e inibições intelectuais. Estas tendências para seu irmão menor
contribuíram em grande parte a perturbar suas relações com seu irmão maior, que tinha quatro
anos mais do que ele, e no que pressupunha a existência de intenções similares para ele.

8 Para uma exposição desta teoria, vejam-se meus artigos "A personificação no jogo
dos meninos " e "A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do eu", e também
meu livro A psicanálise de meninos.

171
Biblioteca Melanie Klein

15. O DESENVOLVIMENTO TEMPORÃO DA CONSCIÊNCIA NO


MENINO (1933)

Uma das mais importantes contribuições da investigação psicanalítica foi à descoberta


dos processos mentais do que antecedem ao desenvolvimento da consciência do indivíduo. Em
sua tarefa de sacar à superfície as tendências instintivas inconscientes, Freud reconheceu também
a existência das forças que servem de defesa contra elas.

Segundo seus achados, que a prática psicanalítica confirmou em cada caso, a


consciência da pessoa é um precipitado ou representante de suas primeiras relações com os pais.
Em certo modo, incorporou seus pais assim, pô-los em seu interior. E então eles se convertem
numa parte diferenciada de sua eu -sua superego-, num agente que apresenta, contra o resto do
eu, certas exigências, reproches, e que se opõe a seus impulsos instintivos.

Freud demonstrou que o funcionamento desse superego não se limita à mente


consciente, não é só o que se entende por consciência, senão que exerce também uma influência
inconsciente e com frequência sumamente opressiva, influência que constitui um importante
fator, tanto nas doenças mentais como no desenvolvimento da personalidade normal.

Esta nova descoberta fez que a investigação psicanalítica enfoque cada vez mais o
estudo do superego e de suas origens. No curso de minhas análises de meninos pequenos,
enquanto começava a adquirir conhecimento direto dos alicerces sobre os quais estava construída
sua personalidade, topei-me com certos fatos que pareciam admitir uma ampliação, em
determinadas direções, da teoria de Freud ao respeito. Não podia caber dúvida alguma de que um
superego tinha estado em plena atividade, durante certo tempo, em meus pequenos pacientes de
entre dois anos e nove meses, e quatro anos de idade, enquanto, segundo a concepção aceitada, o
superego não começava a funcionar até que tinha desaparecido o complexo de Édipo, isto é,
aproximadamente no quinto ano de vida. Mais ainda, meus dados demonstravam que este
primeiro superego era incomensuravelmente mais rigoroso e cruel do que o do menino maior ou
o do adulto, e que, literalmente, achatava o débil eu do menino pequeno.

É verdade que no adulto encontramos em funções um superego mais severo do que


foram em realidade os pais do sujeito, e que em modo algum é idêntico a estes1. Isto não obstante,
se lhes aproxima mais ou menos. Mas no menino pequeno encontramos um superego de
características altamente incríveis e fantásticas. E quanto menor é o menino, ou quanto mais
profundo o plano mental em do que penetramos, tanto mais sucede isso. Chegamos a considerar
que o temor do menino a ser devorado, ou cortado ou despedaçado, ou seu terror a ser rodeado e
perseguido por figuras ameaçadoras, é um componente regular de sua vida mental; e sabemos que
o lobo refeitório de homens, o dragão vomitador de fogo e todos os monstros malignos surgidos
dos mitos e os contos de fadas florescem e exercem sua influência inconsciente na fantasia de
cada menino, que se sente perseguido e ameaçado por essas formas adversas. Não me fica

172
nenhuma dúvida, graças a minhas observações analíticas, de que as identidades que se ocultam
por trás dessas figuras imaginárias, aterrorizadoras, são as dos pais do próprio menino, nem de
que, de um ou outro modo, essas terríveis formas refletem características do pai e a mãe do
menininho, por deformada e fantástica que possa parecer à semelhança.

Se aceitarmos estes fatos das primeiras observações analíticas e admitimos que as coisas
que o menino teme são esses monstros e animais selvagens que tem internalizado em si e que
iguala a seus pais, vemo-nos arrastados às seguintes conclusões: 1) O superego do menino não
coincide com o quadro apresentado por seus pais reais, senão que é criado com elementos
imaginários deles, ou imagos, que incorporou assim. 2) Seu temor aos objetos reais -sua ansiedade
fóbica- se baseia em seu temor a seu eu irrealista e aos objetos que são reais em si mesmos, mas
que ele contempla sob uma luz fantástica devido à influência de sua superego.

Isto nos traz ao problema que para mim é a central em toda a questão da formação do
superego. Como se leva a cabo a criação, por parte do menino, de uma imagem tão fantástica de
seus pais, uma imagem tão afastada da realidade A resposta se encontrará nos fatos descobertos
nas análises infantis. Ao penetrar nas capas mais profundas da mente do menino e descobrir essas
enormes quantidades de ansiedade -esses temores para objetos imaginários e esses terrores a ser
atacado de todos os modos possíveis-, deixamos também ao nu uma quantidade correspondente
de impulsos de agressão reprimidos , e podemos observar a relação causal que existe entre os
temores do menino e suas tendências agressivas.

1 Em "Symposium on Chid Analysis" (1927) foram apresentadas opiniões similares,


baseadas na análise de adultos e vistas desde ângulos um tanto diferentes, por Ernest Jones, Joan
Riviere, Edward Glover e Nina Searl. A opinião de Nina Searl também foi confirmada por sua
experiência em análises infantis.

Em seu livro Além do princípio do prazer, Freud formulou uma teoria segundo a qual,
ao começo da vida no organismo humano, o instinto de agressão ou instinto de morte, é oposto e
conteúdo pela libido ou instinto de vida, o Eros. A seguir se produz uma fusão dos dois instintos,
que dá nascimento ao sadismo. A fim de evitar ser destruído por seu próprio instinto de morte, o
organismo emprega sua libido narcisista ou de autoconservação para expulsar àquele para afora
e dirigi-lo contra seus objetos. Freud considera que este processo é fundamental para as relações
sádicas da pessoa com seus objetos. E eu diria, mais ainda, que paralelamente a esse desvio para
afora do instinto de morte, contra os objetos, produz-se uma reação intrapsíquica de defesa contra
a parte do instinto que não pôde ser exteriorizada de tal modo. Porque o perigo de ser destruído
por é e instinto de agressão provoca, crio, uma excessiva tensão no eu, que é sentida por este
como uma ansiedade 2, de maneira que se vê, no começo mesmo de seu desenvolvimento, ante a
tarefa de mobilizar a libido contra seu instinto de morte. No entanto, só pode levar a cabo em
forma imperfeita essa missão, já que, devido à fusão dos dois instintos, não pode já, como o
sabemos, efetuar uma separação entre os mesmos. Produz-se uma divisão no isso, ou nos planos
instintivos da psique, à qual uma parte dos impulsos instintivos é dirigida contra a outra.

Esta medida defensiva por parte do eu, aparentemente a primeira constituição, a pedra
fundamental do desenvolvimento do superego, cuja excessiva violência nessa primeira etapa
ficaria assim explicada pelo fato de que é um produto de intensíssimos instintos destrutivos e de
que contém, juntamente com certa proporção de impulsos libidinais, quantidades sumamente
grandes de impulsos agressivos3. Este ponto de vista faz que resulte menos difícil entender por
que o menino forma imagens monstruosas e fantásticas de seus pais. Porque percebe que sua
173
ansiedade surge de seus instintos agressivos, como temor fazia um objeto externo, porque fez de
dito objeto sua meta, de tal modo que parecem iniciar-se contra ele mesmo desde esse terreno
4.Dessa maneira, desloca a fonte de sua ansiedade para afora e converte seus objetos em objetos
perigosos; mas, em definitiva, esse perigo pertence a seus próprios instintos agressivos. Por esse
motivo, seu temor para os objetos será sempre proporcionado ao grau de seus impulsos sádicos.
No entanto, não se trata simplesmente de uma questão de converter uma quantidade dada de
sadismo numa quantidade correspondente de ansiedade. A relação é também uma relação de
conteúdo. O temor do menino para seu objeto e para os ataques imaginários que sofrerá deste se
ajusta em todos os detalhes aos particulares impulsos agressivos e fantasias que experimenta com
respeito a seu ambiente. Desse modo, cada menino cria imagos de seus pais que lhe são peculiares;
ainda que em cada caso essas imagos serão de um caráter irreal e terrível.

2 Esta tensão, é verdade, é sentida assim mesmo como uma tensão libidinal, já que os instintos
destrutivo e libidinal se fundem; mas seu efeito de causar ansiedade é refreável, em minha opinião,
a seus componentes destrutivos.

3 Freud diz: "... que a severidade original do superego não representa -ou não representa em tão
grande proporção- a severidade que foi experimentada ou antecipada do objeto, senão a
agressividade do menino para dito objeto". O mal-estar na cultura. Ou.C., 21

4 Acidentalmente, o menino tem motivos reais para temer a sua mãe, já que cobra cada vez mais
consciência de do que ela tem o poder de conceder-lhe ou negar-lhe a satisfação de suas
necessidades.

Segundo minhas observações, a formação do superego começa ao mesmo tempo em


que o menino efetua a primeira introjeção oral de seus objetos5. Já que as primeiras imagos que
de tal modo forma são dotadas de todos os atributos do intenso sadismo correspondente a este
estágio de seu desenvolvimento, e já que será projetado uma vez mais sobre objetos do mundo
exterior, o menininho é dominado pelo temor de sofrer ataques inimaginavelmente cruéis, tanto
de seus objetos reais como de seu superego. Sua ansiedade serve para aumentar seus impulsos
sádicos, a destruir ditos objetos hostis a fim de escapar a suas investidas. O circulo vicioso que
de tal modo fica estabelecido e no que a ansiedade do menino lhe impulsiona a destruir seu objeto,
produz um aumento de sua própria ansiedade, coisa que, a sua vez, lança-lhe contra seu objeto e
constitui um mecanismo psicológico que, em minha opinião, encontra-se no fundo das tendências
anti-sociais e criminosas do indivíduo. Assim, devemos supor que a responsável da conduta das
pessoas anti-sociais e criminosas é a excessiva severidade e a terminante crueldade do superego,
e não a debilidade ou a falta de dita severidade, como se crê habitualmente.

Numa etapa um tanto posterior do desenvolvimento, o temor ao superego fará que o eu


se aparte do objeto provocador da ansiedade. Este mecanismo de defesa pode criar uma defeituosa
ou menoscabada relação do menino com os objetos.

Como o sabemos, quando aparece a etapa genital, os instintos sádicos do menino foram
normalmente superados, e suas relações com os objetos adquiriram um caráter positivo. Tal
avanço em seu desenvolvimento acompanha a alterações produzidas na natureza de seu superego
e interatua com elas. Porque quanto mais se minora o sadismo do menino, tanto mais se retira
para o fundo a influência de seus irreais e terríveis imagos, já que estas são produto de suas
próprias tendências agressivas. E à medida que seus impulsos genitais crescem em energia,
surgem imagos benéficas e úteis, baseadas em suas fixações -na etapa oral de sucção- em sua

174
generosa e bondosa mãe, que se aproximam mais estreitamente aos objetos reais; e seu superego,
que era uma força ameaçadora, despótica, que emitia ordens insensatas e contraditórias que o eu
era totalmente incapaz de cumprir, começa a exercer um governo mais suave e mais persuasivo e
a apresentar exigências possíveis de cumprir. Em rigor, transforma-se gradualmente em
consciência moral, no verdadeiro sentido da palavra.

5 Este ponto de vista está também baseado em minha crença de que as tendências edípicas do
menino, assim mesmo começam muito antes do que se cria até agora, a saber, enquanto ainda se
encontra em sua etapa de lactância, muito antes de que seus impulsos genitais tenham adquirido
primazia. Em minha opinião, o menino incorpora seus objetos edípicos durante a etapa oral-
sádica, e nesse momento começa a desenvolver-se seu superego, em estreita relação com seus
primeiros impulsos edípicos.

Mais ainda: à medida que varia o caráter do superego, do mesmo modo varia seu efeito
sobre o eu e sobre o mecanismo defensivo que este põe em movimento. Sabemos, por Freud, que
a piedade é uma reação à crueldade Mas as reações dessa espécie não se estabelecem até que o
menino adquiriu certo grau de relações positivas com os objetos; até que, em outras palavras, sua
organização genital passa à frente. Se colocamos este fato junto aos concernentes à formação do
superego, tais como eu os vejo, poderemos chegar às seguintes conclusões: enquanto a função do
superego seja principalmente a de provocar ansiedade, estimulará os violentos mecanismos
defensivos que descrevemos antes e cuja natureza é aética e anti social. Mas quanto diminui o
sadismo do menino, e mudam as funções e o caráter do superego, provocando menos ansiedade
e mais sentimento de culpabilidade, são ativados os mecanismos defensivos que formam a base
de uma atitude moral e ética e o menino começa a sentir consideração para seus objetos e a
responder aos sentimentos sociais 6. Numerosas análises de meninos de todas as idades
confirmaram esta opinião. Na análise dos jogos podemos seguir o curso das fantasias de nossos
pacientes, tais como estão representadas por seus jogos e passatempos, e estabelecer uma conexão
entre ditas fantasias e sua ansiedade. Quando analisamos o conteúdo da ansiedade, vemos que as
tendências agressivas e as fantasias que dão nascimento àquela surgem à superfície cada vez mais
e crescem até atingir enormes proporções, tanto em quantidade como em intensidade. O eu do
menino corre perigo de ser achatado pela força elementar dessas tendências e fantasias, e pela
gigantesca extensão das mesmas, e sustenta uma perpétua luta para manter-se contra elas, com a
ajuda de seus impulsos libidinais, já seja ou tornando-as inócuas. Este quadro exemplifica a tese
de Freud sobre os instintos de vida (Eros) em combate contra os instintos de morte, ou instintos
de agressão.

6 Na análise de adultos, só atraíam o atendimento, em sua maior parte, estas últimas funções e
atributos do superego. Em conseqüência, os analistas mostravam inclinação a considerá-los como
constituintes do caráter específico do superego; e, em verdade, reconheciam o superego
unicamente na medida em que aparecia com tal caráter.

Mas também reconhecemos que existe a mais íntima união e interação entre as duas
forças, em todo momento, de maneira que a análise poderá descobrir em todos seus detalhes as
fantasias agressivas do menino -para assim diminuir o efeito das mesmas -, só na medida em que
possa seguir também o curso das fantasias libidinais e descobrir suas primeiras fontes, e vice-
versa.

Em relação com o conteúdo e os objetivos reais dessas fantasias, sabemos, por Freud e
Abraham, que em etapas primeiras, pré-genitalis, da organização libidinal, nas que tem lugar essa
175
fusão de libido e instintos destrutivos, os impulsos sádicos do menino têm importância. Como o
demonstra a análise de toda pessoa maior, na etapa oral-sádica que segue à oral de sucção, o
menino passa por uma fase canibalística à que está associada uma pletora de fantasias canibalistas.
Estas fantasias, ainda que ainda se concentrem em torno do fato de devorar o peito da mãe ou a
mãe inteira, não estão interessadas somente na satisfação de um desejo primitivo de alimentação.
Servem também para satisfazer os impulsos destruidores do menino. A fase sádica que segue a
esta -a fase anal-sádica- se caracteriza por um interesse dominante nos processos excretores, nas
fezes e o ânus; e também este interesse está estreitamente aliado a tendências destrutivas
extraordinariamente fortes7 . Sabemos que a excreção das fezes simboliza uma enérgica expulsão
do objeto incorporado, e que é acompanhada de sentimentos de hostilidade e crueldade e de
desejos destrutivos de diferentes classes, nos que se atribui importância como objeto dessas
atividades. No entanto, em minha opinião, as tendências anal-sádicas têm fins e objetos ainda
mais profundos e profundamente reprimidos. Os dados que me foi possível reunir em primeiras
análises demonstram que entre as tendências oral-sádicas se insere uma etapa em que se fazem
sentir tendências uretral-sádicas, e que as tendências anal e uretral são uma continuação direta das
oral- sádicas, quanto a fim específico e objeto de ataque. Em suas fantasias oral-sádicas, o menino
ataca o peito de sua mãe, e os meios que emprega são os dentes e as mandíbulas. Em suas fantasias
uretral e anal trata de destruir o interior do corpo de sua mãe, e para este propósito emprega a
urina e as fezes. Neste segundo grupo de fantasias, os excrementos são considerados como
substâncias ardentes e corrosivas, como animais selvagens, armas de toda classe, etc.; e o menino
entra numa fase em que dirige todos os instrumentos de seu sadismo para o único fim de destruir
o corpo de sua mãe e o que esse corpo contém.

7 Aparte de Freud, Jones, Abraham e Ferenczi foram os principais contribuintes a nosso


conhecimento da influência que essa aliança exerceu sobre a formação do caráter e a neurose do
indivíduo.

No que consiste a sua eleição objetal, os impulsos oral-sádicos do menino são ainda o
fator subjacente, de tal maneira que pensa em succionar e devorar o interior do corpo de sua mãe
como se tratasse de um peito. Mas esses impulsos são ampliados pelas primeiras teorias sexuais
do menino, que se desenvolvem durante essa fase. Já sabemos que quando acordaram seus
instintos genitais começou a ter teorias inconscientes sobre a copula entre seus pais, o nascimento
dos meninos, etc. Mas a análise temporã demonstrou que desenvolve tais teorias muito antes, em
momentos em que seus impulsos genitais, ainda ocultos, têm muito que dizer na questão. Essas
teorias dizem que, na copula, a mãe se incorpora continuamente o pênis do pai por via bucal, de
maneira que seu corpo está colimado de muitíssimos pênis e meninos. E o menino deseja comer
e destruir tudo isso.

Em conseqüência, ao atacar o interior do corpo de sua mãe, o menino ataca uma grande
quantidade de objetos e se embarca numa conduta grávida de acontecimentos. Primeiramente, a
matriz representa ao mundo; e ao começo o menino se aproxima a esse mundo com desejos de
atacá-lo e destruí-lo; portanto, está preparado desde um princípio para ver o mundo real, externo,
como mais ou menos hostil para ele e povoado de objetos feitos para atacá-lo 8. Sua convicção
de que ao atacar de tal modo o corpo de sua mãe atacou também o corpo de seu pai e o de seus
irmãos e irmãs, e, num sentido mais amplo, a todo mundo, constitui, em minha experiência, uma
das causas subjacentes de seu sentimento de culpa e do desenvolvimento de seus sentimentos
sociais e mo rales em general9. Porque quando a excessiva severidade do superego minorou um
tanto, suas aparições no eu, devido àqueles ataques imaginários, produzem sentimentos de culpa

176
que provocam fortes tendências, no menino, a pôr em prática o dano imaginário que inferiu a seus
objetos. E então o conteúdo individual e os detalhes de suas fantasias destruidoras ajudam a
determinar o desenvolvimento de suas sublimações, que, indiretamente, servem a suas tendências
substitutivas10, ou para produzir desejos ainda mais diretos de ajudar a outras pessoas. A análise
dos jogos demonstra que quando os instintos agressivos do menino se encontram em seu apogeu,
este jamais se cansa de rasgar ou cortar, de romper, molhar e queimar toda classe de coisas, como
papel, fósforos, caixas, brinquedos, tudo o qual representa a seus pais, irmãos e irmãs e o corpo e
os peitos de sua mãe, e que esta fúria de destruição alterna com acessos de ansiedade e um
sentimento de culpabilidade Mas quando, no curso da análise, a ansiedade vai diminuindo
lentamente, suas tendências construtivas começam a adquirir predomínio 11 . Por exemplo, um
menino que antes não fazia outra coisa que romper em pedaços bocados de madeira, começa a
tentar converter esses pedaços num lápis. Toma porções de mina sacadas de lápis que cortou,
insere-as numa fenda da madeira e depois costura um bocado de tela em torno da tosca madeira
para dar-lhe um aspecto mais bonito. Que este lápis de fabricação caseira representa ao pênis de
seu pai, que ele destruiu em sua fantasia, e o seu próprio, cuja destruição teme como medida
retaliatória, torna-se mais evidente pelo contexto geral do material do que o menininho apresenta
e pelas associações que lhe atribui.

8 A excessiva força dessas primeiras situações de ansiedade, em minha opinião, um fator


fundamental para a produção de perturbações psicóticas.

9 Devido à crença que o menino sustenta a respeito da onipotência dos pensamentos (vejam-se
Freud, Totem e tabu; Ferenczi, "Estágios no desenvolvimento do sentido da realidade" ) -crença
que data de uma anterior etapa de desenvolvimento -, confunde seus ataques imaginários com
ataques reais; e as conseqüências disso ainda podem ver-se atuar na vida adulta.

Quando no curso da análise, o menino começa a mostrar tendências construtivas mais


enérgicas, em todas as formas possíveis, em seus jogos e sublimações -quando pinta ou escreve
ou desenha coisas, em lugar de manchá-lo tudo com cinzas; quando costura ou desenha, enquanto
antes cortava ou rasgava-, exibe também mudanças em suas relações com seu pai ou sua mãe, ou
com seus irmãos e irmãs; e estas mudanças marcam o começo de uma relação melhorada com os
objetos em general e um crescimentos do sentimento social. Que vias de sublimação se abrirá
para o menino, quão potentes serão seus impulsos a oferecer compensações e daí formas
assumirão estas, tudo isto fica determinado, não só pelo grau de tendências agressivas primárias,
senão pela interação de uma quantidade de outros fatores que não temos espaço para analisar
nestas páginas Mas nosso conhecimento da análise infantil nos permite dizer o seguinte: que a
análise das capas mais profundas do superego conduz invariavelmente a um considerável
melhoramento das relações do menino com os objetos, de sua capacidade para a sublimação e de
seus poderes de adaptação social. Melhoramento que faz que o menino não só seja muito, mas
feliz e mais são em si, senão também mais capaz de sentimentos sociais e éticos.

10 Em meu articulo "Situações infantis de angústia refletidas numa obra de arte e no impulso
criador”, afirmei que o sentido de culpabilidade da pessoa e seu desejo de consertar o objeto
danado constituem um fator universal e fundamental no desenvolvimento de suas sublimações.
Ela Sharpe, em seu trabalho "Certain aspects of sublimation and delusion", chegou à mesma
conclusão.

177
11 Na análise, a decomposição da ansiedade é efetuada gradual e paralelamente, de
maneira que tanto ela como os instintos agressivos ficam liberados em proporções devidamente
preparadas.

Isto nos leva a considerar uma objeção sumamente notória que pode ser apresentada
contra a análise infantil. Poderia perguntar-se: uma redução demasiado grande da severidade do
superego -uma redução por embaixo de certo nível favorável -, não daria um resultado oposto,
conduzindo à abolição, no menino, dos sentimentos éticos e sociais? A resposta a isto é, em
primeiro lugar, que, até onde eu sei jamais se deu nos fatos uma diminuição tão grande; e um
segundo lugar, que existem razões teóricas para crer que jamais poderá ocorrer. Pelo que faz à
experiência real, sabemos que, ao analisar as fixações libidinais pré-genitais, só podemos
converter em libido genital certa proporção das quantidades libidinais envolvidas, ainda em
circunstâncias favoráveis, e que o resto -um resto não pouco importante- continua funcionando
como libido pré-genital se como sadismo; ainda que, já que o plano genital estabeleceu mais
firmemente sua supremacia, pode ser manejado pelo eu, ora recebendo satisfação, ora sendo
conteúdo, ora sofrendo modificações ou sendo sublimado. Do mesmo modo, a análise não pode
nunca eliminar o núcleo de sadismo que se formou sob a primazia dos planos genitais; mas pode
mitigá-los aumentando a força do plano genital, de maneira que o eu, então mais potente, pode
enfrentar ao superego, como o faz com seus impulsos instintivos, numa forma mais satisfatória
para o indivíduo mesmo e para o mundo que o rodeia.

Até este momento nos ocupamos de estabelecer o fato de que os sentimentos sociais e
morais de uma pessoa se desenvolvem a partir de um superego de características mais suaves,
governado pelo plano genital. Agora devemos considerar o que se pode inferir disto. Quanto mais
profundamente penetra a análise nos planos inferiores da mente do menino, tanto mais sucesso
terá em suavizar a severidade do superego ao diminuir o funcionamento de seus constituintes
sádicos, que surgem nas primeiras etapas do desenvolvimento. Ao fazê-lo, a análise prepara o
terreno, não só para a consecução da adaptabilidade social do menino, senão também para o
desenvolvimento de normas morais e éticas no adulto. Porque um desenvolvimento dessa classe
depende de que o superego e a sexualidade cheguem satisfatoriamente a um plano genital, ao
começo da expansão da vida sexual do menino12, de maneira que o superego tenha atingido o
caráter e função dos que se deriva o sentimento de culpabilidade da pessoa -isto é , sua consciência
-, na medida em que a pessoa seja socialmente valiosa. A experiência deixou demonstrada já,
desde faz algum tempo, que a psicanálise, ainda que originariamente projetado por Freud como
um método para curar doenças mentais, cumpre assim mesmo com um segundo propósito.
Elimina as perturbações da formação do caráter, especialmente nos meninos e adolescentes, nos
que consegue efetuar consideráveis alterações. Em rigor, podemos dizer que, depois de que foram
analisados, todos os meninos mostram radicais mudanças de caráter também não podemos evitar
a convicção, baseada na observação de fatos, de que a análise do caráter não é menos importante
como medida terapêutica do que a análise da neurose.

12 Isto é, quando se indica o período de latência, aproximadamente entre as idades de cinco e seis
anos.

Em vista destes fatos, não pode um deixar de perguntar-se se a psicanálise não estará
destinada a ir além do indivíduo em sua esfera de operações para influir sobre a vida da
humanidade em seu conjunto. As repetidas tentativas que se fizeram para melhorar à humanidade
-em especial para fazê-la mais pacífica- fracassaram porque ninguém entendeu toda a
profundidade e o vigor dos instintos de agressão inatos em cada indivíduo. Tais esforços não
178
procuram outra coisa que estimular os impulsos positivos, os desejos bondosos de cada pessoa,
negando ou suprimindo os impulsos agressivos. E, de tal modo, estiveram condenados ao fracasso
desde o começo. Mas a psicanálise tem a sua disposição diferentes meios para encarar uma tarefa
dessa classe. Não pode, é verdade, apagar por completo o instinto agressivo do homem, quanto
tal instinto; mas si pode, diminuindo a ansiedade que acentua a esse instinto, quebrar o reforço
mútuo que se produz continuamente entre seu ódio e seu temor.

Quando em nosso trabalho analítico, vemos, a cada momento, como a decomposição da


ansiedade infantil prematura não só minora os impulsos agressivos do menino, senão que conduz
a um emprego e satisfação mais valiosos deles, desde o ponto de vista social; como o menino
mostra um desejo continuamente crescente, profundamente arraigado, de ser amado e de amar, e
de estar em paz com o mundo que o rodeia; e quanto mais prazer e benefícios, e daí diminuição
da ansiedade, extrai da satisfação desse desejo, quando vemos tudo isto, estar-nos dispostos a crer
que o que agora poderia parecer um estado de coisas utópico, chegará a dar-se na realidade, nos
dias ainda longínquos em que -assim o espero - a análise infantil chegue a constituir uma parte da
educação de cada pessoa, como o é agora a educação escolar. E quiçá então a atitude hostil que
surge do temor, que se encontra em estado latente, com maior ou menor força, em todos os seres
humanos, e que intensifica neles, multiplicando-os por cem, todos os impulsos de destruição,
cederá seu lugar a sentimentos mais bondosos e confiados, e os homens poderão habitar o mundo,
todos juntos, mais pacificamente, e com melhor boa vontade recíproca do que podem fazê-lo
agora.

Biblioteca Melanie Klein

16. SOBRE A CRIMINALIDADE (1934)

Senhor Presidente, senhoras e senhores: quando vosso secretário me pediu faz um ou


dois dias que falasse esta noite nesta reunião, contestei que o faria com prazer, mas que não podia
com tão pouca antecipação elaborar nada semelhante a um artigo ou contribuição para este tema.
Assinalo isto porque só vou reunir livremente algumas conclusões que formulei em outros
contextos2.

Num artigo 3 que li a esta seção em 1927 tratei de mostrar que as tendências criminosas
funcionam também nos meninos normais, e expressei algumas sugestões sobre os fatores que
sucedem ao desenvolvimento anti-sociais ou criminoso. Tinha encontrado que os meninos que
mostram tendências anti-sociais e criminosas, e que as atuam (por suposto que em forma infantil)
uma e outra vez, eram quem mais temiam uma cruel represália de seus pais como castigo de suas
fantasias agressivas dirigidas contra esses mesmos pais. Meninos que inconscientemente estavam
esperando ser cortados em pedaços, decapitados, devorados, etc., sentiam-se compelidos a portar-
se mau e fazer-se castigar, porque o castigo real, por severo que fora, era revigorador em
comparação com os ataques assassinos que esperavam continuamente de seus pais
fantasticamente cruéis. Cheguei à conclusão, no artigo ao que acabo de referir-me, de que não é
(como se supõe geralmente) a debilidade ou falta de superego, ou em outras palavras, não é a falta

179
de consciência, senão a preocupante severidade do superego, a responsável do comportamento
característico de pessoas anti-sociais e criminais.

O trabalho conseguinte no campo da análise infantil confirmou estas sugestões e deu


um insight mais profundo nos mecanismos que atuam nestes casos. O menino pequeno alberga
primeiro impulsos e fantasias agressivos contra seus pais, depois os projeta neles, e assim
desenvolve uma imagem fantástica e distorcida da gente que o rodeia.

Mas ao mesmo tempo atua o mecanismo de introjeção, de maneira que se internalizam


estas imagens irreais, com o resultado de que o menino se sente assim mesmo governado por pais
fantasticamente perigosos e cruéis: o superego dentro de si.

1 Contribuição ao Simposium sobre o Crime numa reunião da Seção Médica da Sociedade


Psicológica Britânica, em outubro 24 de 1934

2 A psicanálise de meninos e " O desenvolvimento temporão ou da consciência no menino"


(1933).

3 "Tendências criminosas em meninos normais" (1927).

Na temporã fase sádica, que normalmente todo indivíduo supera, o menino se protege
contra este temor a seus violentos objetos, tanto introjetados como externos, redobrando em sua
imaginação seus ataques contra eles; seu propósito para desfazer-se assim de seus objetos é em
parte silenciar as intoleráveis ameaças do superego. Estabelece-se um círculo vicioso, a angústia
do menino o impulsiona a destruir seus objetos, isto leva a um incremento da própria angústia, e
isto o pressiona uma vez mais contra seus objetos; este circulo vicioso constitui o mecanismo
psicológico que parece estar no fundo das tendências anti-sociais e criminosas no indivíduo.

Quando no curso normal do desenvolvimento diminuem tanto o sadismo como a


angústia, o menino encontra recursos e modos melhores e mais socializados de dominar sua
angústia. A melhor adaptação à realidade permite ao menino conseguir mais apoio contra as
imagos fantásticas através de sua relação com os pais verdadeiros. Enquanto nos estágios mais
temporões do desenvolvimento suas fantasias agressivas contra seus pais, irmãos e irmãs
acordavam principalmente a angústia porque estes objetos poderiam voltar-se contra ele, essas
tendências se convertem agora na base dos sentimentos de culpa e desejo de consertar o que em
sua imaginação fez. Mudanças do mesmo tipo surgem como resultado da análise.

As análises do jogo mostram que quando os instintos agressivos e a angústia do menino


são muito intensos, este segue uma e outra vez rompendo e cortando, rasgando, molhando e
queimando toda classe de coisas como papel, fósforos, caixas e brinquedos, que representam a
seus pais, irmãos e irmãs, e o corpo e peito da mãe, e encontramos também que estas atitudes
agressivas alternam com grave angústia. Mas quando durante a análise se resolve gradualmente a
angústia e diminui assim o sadismo, aparecem em primeiro plano sentimento de culpa e
tendências construtivas, por exemplo, quando antes um menino não para mais do que romper em
pedacinhos bocados de madeira, começa agora a tratar de converter esses pedaços de madeira
num lápis. Toma pedacinhos de grafite de lápis que cortou e os põe numa fenda da madeira, e
depois costura um bocado de tela ao redor da madeira para que pareça mais bonito. É evidente,
do contexto geral do material que representa e das associações que proporciona que este lápis
feito por ele, representa o pênis de seu pai, que na fantasia destruiu, e o seu próprio, cuja destruição
teme como medida retaliatória.
180
Quanto mais aumenta a tendência e capacidade de consertar e mais cresce a crença e
confiança nos que o rodeiam, mais se apazigua o superego, e vice-versa. Mas nos casos em que,
como resultado de um forte sadismo e uma angústia preocupante (só posso mencionar aqui alguns
dos fatores mais importantes) o círculo vicioso entre o ódio, a angústia e as tendências destrutivas
não pode romper-se, o indivíduo segue estando sob a tensão das primeiras situações de angústia
e retém os mecanismos de defesa pertencentes a este estágio temporão. Se então o medo ao
superego, seja por razões externas ou intrapsíquicas, passa de verdadeiros limites, o indivíduo
pode sentir-se compelido a destruir à gente, e esta compulsão pode formar a base do
desenvolvimento de um tipo de conduta criminosa ou de uma psicose.

Vemos assim que as mesmas raízes psicológicas podem desenvolver-se até constituir
paranoia ou criminalidade. Certos fatores levarão neste último caso a uma maior tendência no
criminoso a suprimir as fantasias inconscientes e fazer aparecer na realidade. As fantasias de
perseguição são comuns a ambos estados; é porque o criminoso se sente perseguido que vai
destruindo a outros. Naturalmente em casos em que os meninos, não só na fantasia, senão também
na realidade, experimentam certo grau de perseguição por pais maus ou um ambiente miserável
se reforçará fortemente as fantasias. Há uma tendência comum a subestimar a importância do
ambiente insatisfatório, no sentido em que as dificuldades psicológicas internas, que em parte
resultam do ambiente, não se apreciam suficientemente. Portanto, depende do grau de angústia
intrapsíquica, o que esta conduza ou não a melhorar o ambiente do menino.

Um dos grandes problemas sobre os criminosos, que sempre os fez incompreensíveis


ao resto do mundo, é sua falta dos naturais sentimentos humanos bons; mas esta falta é só
aparente. Quando na análise se chegam aos mais profundos conflitos dos que brotam a angústia e
o ódio, também se encontra o amor. O amor não está ausente no criminoso senão que está
escondido e enterrado em forma tal que só a análise pode trazê-lo à luz. Como o objeto
persecutório odiado era originalmente para o bebê o objeto de seu amor e libido, o criminoso está
agora em situação de odiar e perseguir seu próprio objeto amado; como esta é uma situação
intolerável é preciso suprimir toda recordação e consciência de qualquer sentimento de amor por
qualquer objeto. Se não há no mundo mais do que inimigos, e isto é o que sente o criminoso, a
seu modo de ver seu ódio e destrutividade se justificam amplamente, atitude que alivia alguns de
seus sentimentos inconscientes de culpa. O ódio se usa com freqüência como o encobridor mais
efetivo do amor, mas não deve esquecer-se que para a pessoa que está sob a contínua tensão da
perseguição, a segurança de seu próprio eu é a primeira e única consideração.

Então, para resumir: nos casos em que a função do superego é principalmente provocar
angústia, evocará violentos mecanismos de defesa no eu, de caráter não ético e anti-social; mas
quanto diminui o sadismo do menino e muda o caráter e funcionamento de seu superego de modo
tal que provoca menos angústia e mais sentimento de culpa, ativam-se esses mecanismos
defensivos que formam a base da atitude moral e ética, e o menino começa a ter consideração por
seus objetos, e a ter sentimentos sociais.

Sabe-se quão difícil é acercar-se ao adulto criminoso e curá-lo, ainda que não tenha
razões para ser demasiado pessimistas neste ponto, mas a experiência mostra que um se pode
acercar-se e curar tanto meninos criminosos como psicóticos. Portanto, parece que o melhor
remédio contra a delinqüência seria analisar aos meninos que mostram signos de anormalidade
para uma ou outra direção.

181
Biblioteca Melanie Klein

17. CONTRIBUIÇÃO A PSICOGÊNESE DOS ESTADOS


MANÍACO-DEPRESSIVOS (1935)

Em meus primeiros trabalhos1 descrevi uma fase do sadismo em sua cúspide, pela que passam os
meninos durante o primeiro ano de vida. Nos primeiros meses da existência do menino, este tem
impulsos sádicos dirigidos não só contra o peito de sua mãe, senão também contra o interior de
seu corpo; impulsos de esvaziar seu conteúdo, de devorá-lo e destruí-lo por todos os meios que o
sadismo possa sugerir. A evolução do menino pequeno está governada pelos mecanismos de
introjeção e projeção. Desde o começo o eu introjeta objetos "bons" e "maus", sendo o peito da
mãe o protótipo de ambos: dos objetos bons quando o menino o consegue, e dos maus quando lhe
é negado.

Isto se deve a que o bebê projeta sua própria agressão sobre estes objetos que sente que são maus,
e não só porque frustram seus desejos: o menino os concebe como realmente perigosos, como
perseguidores que teme o devorem, esvaziem o interior de seu corpo, cortem-no em pedaços,
envenenem-no, que, em resumo, maquinem sua destruição por todos os meios que o sadismo
possa imaginar. Estas imagos, que são um quadro fantasticamente distorcido dos objetos reais
sobre os quais se baseiam, instala-as o bebê não só no mundo exterior, senão, pelo processo de
incorporação, também dentro do eu. Daí que meninos muito pequenos passem por situações de
ansiedade e reajam com mecanismos de defesa cujo conteúdo é comparável ao da psicose dos
adultos.

Um dos primeiros métodos de defesa contra o medo aos perseguidores já sentidos no mundo
externo ou já internalizados (eventualmente depois da projeção sobre um objeto real), é o da
escotomização, a negação da realidade psíquica; isto pode levar a uma restrição considerável dos
mecanismos de introjeção e projeção e à negação da realidade externa, formando a base de
psicoses mais graves. Muito cedo, também, o eu trata de defender-se contra os perseguidores
internalizados mediante os processos de expulsão e projeção. Ao mesmo tempo, já que o medo
aos objetos internalizados não é de nenhum modo extinguido com sua projeção, o eu dirige contra
os perseguidores dentro de seu corpo as mesmas forças e médios que emprega contra os do mundo
externo. Estes conteúdos de ansiedade e mecanismos de defesa formam a base da paranoia. Nos
medos infantis aos magos, bruxas, bestas selvagens, etc., descobrimos um pouco desta mesma
ansiedade, mas sofrendo já o processo da projeção e modificação. Uma de minhas conclusões foi
que a ansiedade psicótica do menino2 em particular a ansiedade paranoide, une-se e modifica
pelos mecanismos obsessivos que fazem sua aparição muito cedo. No presente trabalho me
proponho tratar os estados depressivos em sua relação com a paranoia por uma parte e com a
mania por outra. Obtive o material sobre o qual se baseiam minhas conclusões, da análise de
estados depressivos em casos de neuroses graves, de casos marginais e de pacientes tanto adultos
como meninos, que evidenciam tendências paranóicas e depressivas misturadas. Estudei estados
maníacos em diversos graus e formas, incluindo estados ligeiramente hipomaníacos em pessoas
normais.
182
1 A psicanálise de meninos, caps. 8 e 9.

A análise de características depressivas e maníacas em meninos e adultos normais também


resultou muito instrutivo 3. De acordo com Freud e 2 sob este conceito compreendi a angústia e
sentimentos que originam nas diferentes posições psicóticas (os que fundamentam todas as
psicoses do adulto). "A neurose do menino é uma mistura dos diferentes impulsos e mecanismos
psicóticos e neuróticos que no adulto conhecer-nos isolados em forma mais ou menos pura" (A
psicanálise de meninos, M. Klein). "Cheguei à conclusão de que a neurose obsessiva representa
a tentativa de vencer a angústia psicótica das capas mais temporãs." (Ob. cit.) Com respeito aos
estados maníaco-depressivos, assinalava o fato de que a mudança de tristeza e alegrias
desmedidas -que é característico da perturbação maníaco -depressiva, é um fenômeno regular no
menino pequeno. Ademais, "posso dizer, em base a minhas experiências, que a tristeza do menino,
ainda que leve, tem as mesmas causas que a perturbação melancólica do adulto, e que a depressão
infantil também está acompanhada de ideias de suicídio. Também observei que as automutilações
(nos meninos, já sejam leves ou intensas, representam tentativas de suicídio empreendidas com
meios insuficientes". (Ob. cit.) Mas em meu livro me limitei à afirmação geral de que os
mecanismos depressivos exercem sua influência também no desenvolvimento do menino normal,
e que esta fase temporã fundamenta a melancolia do adulto. Ocupei-me ali, antes de qualquer
coisa, da temporã angústia paranoide do menino e de sua elaboração por meio de mecanismos
obsessivos e tendências de reparação. Minhas experiências posteriores me permitiram um
entendimento mais profundo da gênese dos estados maníaco-depressivos e em especial das
estreitas relações entre estados e angústias paranoide e maníaco-depressivas. 3

3 Em meu livro já descrevi os mecanismos maníacos, sem denominá-los ali como tais, senão
como um elemento da formação do caráter e como sintomas. Baseado no estudo de alguns casos
de caráter mais ou menos anti-social, disse que certas formas de vivacidade desmedidas no
menino, unidas a burla e obstinação (e freqüente incapacidade para amar), têm o significado de
sobrecompensações a angústias e servem à defesa contra sentimentos de culpabilidade e contra a
sensação da própria responsabilidade. Os casos que citei ao respeito, tinham fortes impulsos
obsessivos. Para isso valia o que escrevi sobre a coerção que freqüentemente exerce o neurótico
obsessivo sobre os outros. O neurótico obsessivo trata de defender-se contra sua obsessão
insuportável (me referi com isto à angústia ante objetos internalizados e ante situações internas
de perigo) conduzindo-se contra o objeto como se este fora o isso ou o superego, empurrando a
obsessão para afora. Ao mesmo tempo, satisfaz-se o sadismo primário por meio do tormento e
dominação do objeto. O temor à destruição e aos ataques (que Abraham, o processo fundamental
da melancólica é a perda do objeto amado. A perda verdadeira de um objeto real, ou alguma
situação similar que tenha o mesmo significado, dá por resultado a instalação do objeto dentro do
eu. Devido, no entanto, a um excesso de impulsos canibalísticos no sujeito, esta introjeção se
malogra e a conseqüência é a doença.

Agora bem, por que o processo de introjeção é tão especifico para a melancolia? Creio que a
diferença principal entre a incorporação na paranoia e na melancolia está relacionada com
mudanças na relação do sujeito com o objeto, ainda que também se trata de uma mudança na
constituição do eu introjetante. De acordo com Edward Glover, o eu, ao princípio vagamente
organizado, consiste num número considerável de núcleos do eu. Segundo isto, em primeiro lugar
um núcleo oral do eu e depois um núcleo anal do eu predominam sobre os outros4. Nesta fase
muito temporã, na que o sadismo oral tem um papel predominante e segundo meu critério
183
constitui a base da esquizofrenia 5, o poder do eu de identificar-se com seus objetos é ainda
pequeno, em parte porque ainda não está coordenado e em parte porque os objetos introjetados
são ainda principalmente objetos parciais, que o menino equipara com as fezes (Abraham).

Na paranoia, as defesas características se dirigem principalmente à destruição dos


"perseguidores", enquanto a ansiedade do eu ocupa um lugar proeminente no quadro. À medida
que o eu completa sua organização, as imagos internalizadas se aproximam mais à realidade e o
eu pode identificar-se mais amplamente com os objetos "bons". O medo à persecução, dirigido
primeiro só ao eu, estende-se agora também ao espera de parte dos objetos internalizados), que
motiva a obsessão de dominar as imagos (obsessão que em realidade nunca pode ser satisfeita),
dirige-se agora contra os objetos externos. (Ob. cit.) Em seu trabalho "Análise de meninos e
adolescentes anti-sociais" (Int. Journal of psychoanalysis), Melitta Schmideberg expôs que a
conduta anti-social corresponde em alguns casos a uma mistura de mecanismos maníacos e
paranoides por meio da qual o sujeito anti-social trata de extrair-se da depressão W. Weiss expôs
(Der Verfitungwwahn, etc., t. 12, 1926) que, na paranoia o objeto introjetado perseguidor, na
mania o ou bjeto introjetado perseguido, é projetado ao mundo externo, enquanto na melancolia
ficam internalizados o objeto perseguido como o perseguidor.

Baseando-se neste trabalho, Melitta Schmideberg chegou à conclusão de que o sujeito anti-social
"projeta sobre objetos externos -correspondendo ao mecanismo maníaco - o objeto introjetado
perseguidor bem como seus próprios impulsos proibidos e se identifica com o superego
perseguidor. Sua posição paranoide, que originou-se a raiz da projeção do perseguidor introjetado,
foi superada por meio da agressão. Desta maneira se substituiu o sentimento de culpabilidade, em
parte ao projetar o superego no mundo externo, em parte ao satisfazer ao superego por meio da
perseguição dos objetos sobre os que projetava seus próprios impulsos condenados".

4 Glover (1932).

5 O leitor pode conferir minha concepção sobre a fase na qual o menino realiza ataques sobre o
corpo de sua mãe. Esta fase se inicia com a entrada do sadismo oral, e segundo meu p unto de
vista forma a base da paranoia (A psicanálise de meninos, cap. 8.)

O objeto bom, e em adiante a preservação do objeto bom será considerada como sinônimo da
sobrevivência do eu. Junto com este desenvolvimento se produz uma mudança de muita
importância, isto é, passa da relação de objeto parcial à relação de objeto total. Com este passo o
eu chega a uma nova posição, que forma os alicerces da chamada perda do objeto amado. Só
depois que o objeto tenha sido amado como um tudo, sua perda pode ser sentida como total.

Com esta mudança na relação com o objeto, fazem sua aparição novos conteúdos de ansiedade e
se produz uma mudança nos mecanismos de defesa. O desenvolvimento da libido é influído
decisivamente pelas mudanças na relação do sujeito com seu objeto. A angústia paranoide de que
os objetos sadisticamente destruídos sejam uma fonte de veneno dentro do corpo do sujeito, faz
que este, junto à veemência dos ataques oral-sádicos, mostre uma desconfiança profunda para
eles enquanto os incorpora.

Esta desconfiança conduz a uma debilitação das fixações orais. Uma manifestação disto pode
observar-se nas dificuldades que meninos muito pequenos apresentam com a comida, e que têm
segundo minha opinião, uma raiz paranoide. Se o menino (ou o adulto) identifica-se mais
amplamente com o objeto bom, os impulsos libidinais aumentam; desenvolve um desejo e um
amor "cobiçoso" de devorar este objeto, e o mecanismo de introjeção se reforça. Ademais, sente-
184
se impelido constantemente a repetir a incorporação de um objeto bom, em parte porque teme tê-
lo perdido com sua canibalismo -isto é, a repetição do ato é para provar a realidade de seus temores
e negá-los- e em parte porque teme a seus perseguidores internalizados e precisa um objeto bom
que o ajude a vencê-los Neste estágio o eu é impulsionado mais do que nunca, por amor e por
necessidade, a introjetar o objeto.

Outro estimulo para o aumento da introjeção é a fantasia de que o objeto amado pode ser
conservado a salvo dentro do sujeito. Neste caso os perigos internos são projetados sobre o mundo
exterior. No entanto, se a importância do objeto aumenta, e se estabelece um melhor
reconhecimento da realidade psíquica, a ansiedade por medo a que o objeto seja destruído no
processo de introjeção conduz -segundo o descreveu Abraham- a perturbações da função de
introjeção.

Em minha experiência tenho visto que há ademais uma profunda ansiedade pelos perigos que
esperam ao objeto uma vez introjetado. Não pode ser mantido a salvo no interior já que este é
considerado como um lugar perigoso e venenoso onde o objeto amado morreria. Aqui vemos uma
das situações que descrevi como fundamental para a angústia ante "a perda do objeto amado",
isto é, a situação de angústia na que o eu se identifica amplamente com seus objetos bons
internalizados e ao mesmo tempo -pelo aumento da percepção da realidade psíquica- se dá conta
de sua própria incapacidade para protegê-lo e preservá-lo contra os objetos internalizados
perseguidores e contra o isso. Esta ansiedade está justificada psicologicamente, porque o eu, ainda
que se identifique mais amplamente com o objeto, não abandona seus primeiros mecanismos de
defesa De acordo com a hipótese de Abraham, a destruição e expulsão do objeto -processos
característicos do primeiro nível anal- iniciam o mecanismo depressivo. De ser exato, confirmaria
minha opinião da conexão genética entre paranoia e melancolia.

Em minha opinião, o mecanismo paranóico da destruição de objetos (já seja dentro do corpo ou
no mundo exterior) por todos os meios que o sadismo oral, uretral e anal tem a sua disposição
persiste, mas em menor grau e com certas modificações devido à mudança na relação do sujeito
com seus objetos. Como disse o temor de que o objeto "bom" seja expulso junto com o "mau" faz
que os mecanismos de expulsão e projeção percam parcialmente seu valor. Sabemos que, neste
estágio, o eu faz um maior uso da introjeção do objeto bom como um mecanismo de defesa. Isto
se acha sócio com o surgimento de tendências e fantasias muito importantes: realizar a reparação
do objeto. Em trabalhos anteriores6 estudei em detalhe o conceito de reparação e demonstrei que
era algo mais do que uma simples formação reativa. O eu se sente impelido (e agora posso agregar:
impelido por sua identificação com o objeto bom internalizado) a levar a cabo uma reparação por
todos os ataques sádicos que em fantasias regressivas anteriores dirigidas contra esse objeto.
Quando se conseguiu uma divisão bem marcada entre os objetos bons e maus, o sujeito trata de
consertar aos primeiros, compensando na reparação todos seus ataques sádicos em cada detalhe7.
Mas ainda o eu do menino pequeno não pode crer muito na bondade do objeto e em sua própria
capacidade para realizar uma restituição. Por outra parte, por meio de 6 "Situações infantis de
angústia refletidas numa obra de arte e no impulso criador "(1929); também A psicanálise de
meninos. 7 Tenho visto que as tendências de reparação e as fantasias são ativadas pelos
sentimentos de culpabilidade e as angústias, que aparecem já no menino muito pequeno por causa
de suas fantasias sádicas, de maneira que as três tendências (agressão, sentimento de culpa e
reparação), em relação com os processos temporões de introjeção, conectam-se muito cedo
intimamente entre elas.

185
As análises de meninos pequenos que fazem possíveis conclusões bem fundamentadas sobre estes
estágios temporões do desenvolvimento fazem supor que as tendências de reparação e fantasias
deste caráter começam já a originar-se ao meio ano de vida e vão junto com a introjeção do objeto
bom total e são o acordar dos sentimentos de amor para este.

O entendimento e a análise desta conexão temporã nas situações -tanto internas como externas-
nas que se desenvolveram as três tendências é da maior importância terapêutica. Cumpre-se
conseqüentemente, este princípio exerce uma influência decisiva sobre a técnica. Sua
identificação com o objeto bom e por meio de outros progressos mentais, o eu se vê forçado a um
maior reconhecimento da realidade psíquica, e isto o expõe a conflitos terríveis. Alguns de seus
objetos -um número indefinido- são seus perseguidores, prontos para devorá-lo e aniquilá-lo. De
todos os modos, eles põem em perigo ao eu e aos objetos bons. Todo dano que o menino faz na
fantasia a seus pais (primeiro por ódio e depois como autodefesa), todo ato de violência cometido
por um objeto contra outro (em particular o coito destrutivo e sádico dos pais que ele considera
como outra conseqüência de seus desejos sádicos), tudo isto acontece para ele tanto no mundo
exterior como dentro do eu (desde que o eu está absorvendo constantemente todo mundo exterior).

Mas estes processos são considerados como uma fonte perpétua de perigo tanto para o objeto bom
como para o eu. É verdade que, agora que os objetos bons e maus estão mais claramente
diferenciados, o ódio do menino se dirige mais bem contra os últimos, enquanto seu amor e suas
tentativas de reparação se acham mais enfocados para os primeiros; mas o excesso de sadismo
temporão e ansiedade freiam o avanço de seu desenvolvimento mental. Todo estímulo externo ou
interno (toda frustração real, por exemplo) está cheio dos maiores perigos: não só os objetos maus,
senão também os bons estão ameaçados pelo isso, porque todo acesso de ódio e de ansiedade pode
temporariamente abolir a diferenciação e dar assim por resultado uma "perda do objeto bom
amado". E não é somente a veemência do ódio incontrolável do sujeito, senão também a de seu
amor a que põe em perigo ao objeto. Porque neste estágio de seu desenvolvimento, amar um
objeto e devorá-lo está intimamente relacionado. Um menino que crê, quando sua mãe
desaparece, que ele a comeu e destruído (já seja por amor ou por ódio acha-se atormentado pela
ansiedade tanto por si mesmo como pela mãe.

Agora se aclara por que nesta fase do desenvolvimento o eu se sente constantemente ameaçado
em sua posse dos objetos bons internalizados. Está cheio de ansiedade por medo de que tais
objetos pereçam. Tanto em meninos como em adultos que sofrem de depressões, descobri o medo
de albergar objetos moribundos ou mortos (especialmente os pais) dentro deles e uma
identificação do eu com objetos nesta situação.

Desde o começo mesmo do desenvolvimento psíquico há uma constante correlações entre os


objetos reais e aqueles instalados dentro do eu. É por esta razão que a ansiedade que acabo de
descrever se manifesta numa exagerada fixação do menino para sua mãe ou substituta8. A
ausência da mãe faz surgir ansiedade no menino por medo de que seja entregue a objetos maus,
externos ou internos, seja porque esta morra ou porque possa transformar-se numa mãe "má".
Ambos os casos significam para ele que perdeu a sua mãe querida, e chamará particularmente o
atendimento sobre o fato de que o temor à perda do objeto "bom" internalizado se transforma
numa fonte perpétua de ansiedade por medo de que sua mãe real morra. Por outra parte, qualquer
experiência que sugira a perda do objeto amado real estimula também o temor de perder ao
internalizado.

186
Já disse que minha experiência me levou à conclusão de que a perda do objeto amado tem lugar
durante a fase do desenvolvimento na qual o eu realiza a transição da incorporação parcial do
objeto à total tendo descrito já a situação do eu nessa fase, posso-me expressar com maior precisão
sobre este ponto. Os processos internos que posteriormente se definem como "perda de amor" e
levam à depressão, estão determinados pela sensação do sujeito de ter fracassado (durante o
desmame e nos períodos que o precedem ou o seguem), em pôr a salvo seu bom objeto
internalizado, etc., e não o ter possuído. Uma razão de seu fracasso é que o eu foi incapaz de
vencer seu medo paranoide de perseguidores internalizados.

Neste ponto nos enfrentamos com uma questão importante para toda nossa teoria. Minhas próprias
observações e as de muitos colegas ingleses me levaram à conclusão de que a influência direta
dos primeiros processos de introjeção sobre o desenvolvimento tanto normal como patológico é
importantíssima e, em certos aspectos, diferente de como foi aceita até agora nos círculos
psicanalíticos. De acordo com nossos pontos de vista, ainda os primeiros objetos incorporados
formam a base do superego e influem em sua estrutura. A questão não é sem dúvida alguma,
simplesmente teórica. Quando estudamos as relações do cedo eu infantil com seus objetos
internalizados e com o isso e chegamos a compreender as mudanças graduais que sofrem estas
relações, conseguimos uma visão mais profunda das situações específicas de ansiedade pelas que
passa o eu e os mecanismos específicos de defesa que desenvolve à medida que se vai organizando
mais e melhor.

Enfocado desde este ponto de vista chegamos, em nossa experiência, a um entendimento mais
completo das primeiras fases do desenvolvimento psíquico, da estrutura do superego e da gênese
das doenças psicóticas.

8 Durante muitos anos sustentei a opinião de que a origem da fixação infantil na mãe não é
simplesmente de dependência para ela senão também sua ansiedade e sentimento de culpa, e que
estes sentimentos estão relacionados com sua temporã agressão contra ela.

Quando nos ocupamos da etiologia, é essencial considerar a disposição libidinal não


simplesmente como tal, senão também considerá-la em conexão com as primeiras relações do
sujeito com seus objetos internalizados e externos, consideração que implica um entendimento
dos mecanismos de defesa desenvolvidos pelo eu ao enfrentar-se com suas diversas situações de
ansiedade.

Se aceitarmos este critério da formação do superego, sua inflexível severidade no caso do


melancólico se faz mais inteligível. As perseguições e exigências dos maus objetos internalizados;
os ataques desses objetos uns contra outros (especialmente aqueles objetos representados pelo
coito sádico dos pais); a premiante necessidade de cumprir com as estritas exigências dos objetos
"bons" e protegê-lo s e aplacá-los dentro do eu, com o resultante ódio do isso; a constante incerteza
sobre a "bondade" de um "objeto bom", o que faz que este se transforme tão prontamente num
mau; todos estes fatores se combinam para produzir no eu a sensação de ser presa de exigências
impossíveis e contraditórias que surgem do interior, condição que se sente como má consciência.
Isto é, os primeiros balbucios da consciência estão sócios com a perseguição por objetos maus. A
mesma expressão "o roer da consciência" (Gewissensbisse) é depoimento da implacável
"perseguição" da consciência e do fato de que é originalmente concebida como devorando a sua
vítima.

187
Entre as diversas exigências internas que contribuem à severidade do superego no melancólico,
mencionei a necessidade premiante que existe para o eu de obedecer às exigências muito estritas
dos objetos "bons". É somente esta parte do quadro -a crueldade dos objetos "bons", isto é, a do
objeto como erigido no eu- a que foi reconhecida até agora pela opinião analítica geral como
causa da inflexível severidade do superego no melancólico. Mas, em minha opinião, unicamente
observando a relação complexa do eu com seus objetos maus fantasiados, bem como com seus
objetos bons, e observando o quadro completo da situação interna que tratei de resenhar neste
trabalho, poderemos compreender a escravatura a que se submete o eu quando obedece às
exortações e exigências extremamente cruéis de seu objeto amado erigido dentro dele. Segundo
mencionei anteriormente, o eu trata de manter separados os objetos "bons'' dos "maus", os reais
dos fantasiados. O resultado é um conceito de objetos extremamente maus e extremadamente
perfeitos, isto é, seus objetos amados são, em muitos aspectos, intensamente morais e exigentes.
Ao mesmo tempo, desde que o eu não pode manter separados os objetos maus e bons em sua
mente9, uma parte da crueldade dos objetos maus e do isso a adjudica aos objetos bons, e isto
aumenta ainda mais a severidade de suas exigências 10. Estas estritas exigências têm o propósito
de amparar ao eu em sua luta contra seus ódios incontroláveis e seus maus objetos perseguidores,
com os quais o eu está parcialmente identificado 11. Quanto maior é a ansiedade por perder os
objetos amados, maior é a luta do eu por salvá-los, e quanto mais difícil se faz a tarefa de
reparação, mais estritas se voltam às exigências associadas com o superego.

Tratei de demonstrar que as dificuldades que experimenta o eu quando realiza a incorporação de


objetos totais, procedem de sua ainda imperfeita capacidade para dominar, por meio de seus
mecanismos de defesa os novos conteúdos de ansiedade que surgem deste progresso de seu
desenvolvimento.

Compreendo a dificuldade que há para traçar uma linha definida entre os sentimentos e conteúdos
de ansiedade do paranóico e do depressivo, desde que ambos estão intimamente unidos. Mas
podem distinguir-se uns de outros, com um critério de diferenciação, se considera que a ansiedade
de perseguição está principalmente relacionada com a preservação dos bons objetos
internalizados (totais) com os quais o eu se identifica. Neste caso -que é o do depressivo- a
ansiedade e os sofrimentos são de natureza bem mais complexa. A ansiedade, por medo de que
os objetos bons, e com eles o eu, sejam destruídos, ou que se encontrem em estado de
desintegração, acha-se entristecida com esforços contínuos e desesperados para salvar os objetos
bons internalizados e externos.

Parece-me que só quando o eu tem introjetado o objeto como um tudo e conseguiu melhores
relações com o mundo externo e com pessoas reais, é capaz de compreender ampliamente o
desastre criado por seu sadismo e especialmente por seu canibalismo, e sentir-se apenado por isso.
Esta dor se relaciona não só com o passado senão também com o presente, já que neste temporão
estágio do desenvolvimento o sadismo está em seu apogeu. Precisa-se uma maior identificação
com o objeto amado. O eu se encontra então enfrentado com o fato psíquico de que seus objetos
de amor se encontram destruídos -em bocados-, e o desespero, arrependimento e ansiedade que
se derivam deste reconhecimento, formam a base de numerosas situações de ansiedade, entre as
que citarei: como 9 Já expliquei que o eu, pela repetida unificação e diferenciação dos objetos
bons e maus, dos fantásticos e os reais, os internos e os externos, encontra gradualmente o
caminho para uma concepção mais real tanto dos objetos internos como dos externos, e assim
obtém uma relação mas satisfatória com ambos. 10 No Eu e o Isso Freud assinalou que na
melancolia o componente destrutivo se concentrou no superego e está dirigido contra o eu. 11 É

188
bem sabido que alguns meninos apresentam uma ansiedade urgente de ser mantidos sob estrita
disciplina e estar deste modo impedidos por um agente externo de cometer algo mau. Juntar os
bocados da maneira correta e a seu devido tempo; como recolher os bocados bons e desfazer-se
dos maus; como fazer reviver o objeto uma vez que se juntaram os bocados, e ver esta tarefa posta
pelos objetos maus e pelo próprio ódio.

As situações de ansiedade deste tipo são as que encontrei no fundo não só da depressão, senão
também de toda inibição para o trabalho. As tentativas de salvar o objeto amado, de consertá-lo e
restaurá-lo, tentativas que em estado de depressão estão unidas com o desespero, desde que o eu
duvida de sua capacidade para efetuar tal restauração, são os fatores determinantes em toda
sublimação e no desenvolvimento total do eu.

Em relação com isto, só mencionarei a importância específica que tem para a sublimação a forma
em que se acha reduzido o objeto amado em bocados e o esforço por juntá-los. É um objeto
"perfeito" que está em pedaços; a reparação pressupõe a necessidade de embelezá-lo e
"aperfeiçoá-lo''. A ideia de perfeição é, ademais, tão premiante, porque refuta a ideia de
desintegração. Em alguns pacientes que se afastaram de sua mãe por ódio ou desagrado e que
usaram outros mecanismos para separar-se dela, encontrei, no entanto. que existia em seus
espíritos um formoso quadro da mãe, mas sentido só como o quadro dela e não como realidade.
O objeto real não era atraente: em realidade, uma pessoa danada, incurável e, portanto temida. O
quadro formoso tinha sido dissociado do objeto real, mas não se tinha renunciado nunca a ele, e
jogava um papel importante nos modos específicos de sua sublimação.

Parece que o desejo de perfeição está arraigado na ansiedade depressiva de desintegração, que é
assim de grande importância em todas as sublimações.

Como assinalei anteriormente, o menino chega ao entendimento de seu amor por um objeto bom,
total, e ademais real, junto com um sentimento de culpa excessivo para ele. A identificação total
com o objeto, baseada na atração libidinal, primeiro para o peito, depois a toda a pessoa, vai casal
com sua ansiedade por ele (por sua desintegração), com culpabilidade, com um sentido de
responsabilidade para conservá-lo intacto contra os perseguidores e o isso e com uma tristeza
relacionada com a ideia de uma perda inevitável do mesmo. Estas emoções, conscientes ou
inconscientes, são, em minha opinião, um dos elementos fundamentais dos sentimentos chamados
amor. Podemos dizer que estamos familiarizados com os auto-reproches do depressivo, que
representam reproches contra o objeto. Mas, segundo meu critério, o ódio do eu para o isso, que
é importantíssimo nesta fase, explica ainda mais. Seus sentimentos de desvalorização e desespero
que os reproches para o objeto. Encontrei com freqüência que este reproche e o ódio contra os
objetos maus sofrem secundariamente um aumento para esconder o ódio frente ao isso, que é
ainda mais insuportável. Em última análise, é o conhecimento inconsciente do eu de que o ódio
bem como o amor, existe também ali, e que em qualquer momento pode chegar a dominar (a
ansiedade do eu de ser arrastado pelo isso, destruindo assim o objeto amado) o que provoca a dor,
os sentimentos de culpa e o desespero que formam a base da tristeza Esta ansiedade é também
responsável da dúvida a respeito da bondade do objeto amado. Segundo tem dito Freud, a dúvida
é em realidade a dúvida de nosso próprio amor, e "o homem que duvida de seu amor, pode ou,
mais bem, tem que duvidar de todas as coisas12."Eu diria que o paranóico tem introjetado também
um objeto real e total, mas não pôde chegar a uma identificação completa com ele, ou tendo
chegado a esta não pôde mantê-la. Mencionarei umas quantas razões responsáveis deste fracasso:
a ansiedade de perseguição é demasiado grande; há suspeitas e ansiedades de natureza fantástica
que dificultam uma completa e estável introjeção de um objeto bom e real. Tendo sido introjetado
189
como tal, há pouca capacidade para conservá-lo como objeto bom, já que dúvidas e suspeitas de
todas as classes farão que o objeto amado se torne cedo num perseguidor. Assim, sua relação com
os objetos totais e com o mundo real está ainda influída por sua primeira relação com objetos
parciais internalizados e com fezes respectivamente como perseguidores, e pode ceder outra vez
a estes últimos.

Parece-me que é característico do paranóico que ainda que desenvolva um forte e agudo poder de
observação do mundo externo e dos objetos reais, por causa de sua ansiedade de perseguição e
suas suspeitas, essa observação e seu sentido da realidade estão, no entanto falseados, já que sua
ansiedade de perseguição faz que olhe à gente principalmente desde o ponto de vista de se são
perseguidores ou não. Onde a ansiedade de perseguição pelo eu se acha em caminho ascendente,
não são possíveis nem uma identificação completa e estável com outro objeto, no sentido de
considerá-lo e compreendê-lo como realmente é, nem uma capacidade plena para o amor.

Outra razão importante pela qual o paranóico não pode manter sua relação de objeto total, é que
enquanto as ansiedades de perseguição e a ansiedade por se mesma estão ainda operando tão
fortemente, não pode suportar o peso adicional de ansiedades por um objeto amado, pelos
sentimentos de culpa e arrependimento que acompanham esta posição depressiva. Ademais, nesta
posição pode fazer muito menos uso da projeção por temor de expulsar seus objetos bons e deste
modo 12 "A propósito de um caso de neurose obsessiva", Ou.C., 10. Perdê-los, e, por outra parte,
por temor a danar objetos externos bons ao expulsar de seu interior o que é mau. Vemos assim
que os sofrimentos relacionados com a posição depressiva o arrojam regressivamente ao estado
paranóico. No entanto, ainda que se tenha afastado, a situação depressiva foi atingida, e, portanto
a probabilidade de depressão está sempre presente. Isto explica, em minha opinião, o fato de que
freqüentemente encontremos a depressão junto com uma paranoia grave, ainda em casos de
depressão não tão severa.

Se comparamos os sentimentos do paranóico com os do depressivo no que respeita ao


despedaçamento do objeto, pode-se ver que, caracteristicamente, o depressivo está cheio de dor e
ansiedade pelo objeto e lutará por uni-lo de novo num tudo, enquanto para o paranóico o objeto
despedaçado é principalmente uma multidão de perseguidores desde que cada bocado cresce de
novo e se volta perseguidor13. Este conceito dos fragmentos perigosos aos que se vê reduzido o
objeto me parece estar em concordância com a introjeção dos objetos -fragmentos (bocados de
objetos) que se equiparam às fezes (Abraham)- e com a ansiedade de uma multidão de
perseguidores internos, os quais , em minha opinião, dão lugar à introjeção de muitos bocados de
objetos e de multidão de fezes perigosas.

Considerei já as distinções entre o paranóico e o depressivo desde o ponto de vista de suas


diferentes relações com seus objetos amados.

Tomemos as inibições e ansiedades relativas à comida. A ansiedade de absorver substâncias


destrutivas, perigosas, dentro de si, será paranóica, enquanto a ansiedade de destruir os objetos
bons externos mordendo-os e mascando-os, ou a de pôr em perigo o bom objeto interno
introduzindo substâncias más do mundo exterior, será depressiva.

A ansiedade de pôr em perigo a um objeto bom externo dentro de um mesmo, incorporando-o é


depressiva. Por outra parte em casos de fortes impulsos paranóicos, encontrei fantasias de atrair
astutamente a um objeto externo para o interior, que é considerado como uma gruta cheia de
monstros perigosos, etc., para destruí-lo 14. Aqui podemos ver as razões paranóicas de uma

190
intensificação do mecanismo de introjeção, enquanto, como sabemos, o depressivo emprega este
mecanismo tão caracteristicamente, com o propósito de incorporar um objeto bom. Considerando
agora os sintomas hipocondríacos deste modo comparativo, as dores e outras manifestações que
em forma de fantasia são o resultado dos ataques contra o eu de objetos maus internos 13 Segundo
assinalou Melitta Schmideberg (1930). 14 A psicanálise de meninos, dentro do indivíduo, são
tipicamente paranoides15. Os sintomas que se derivam, por outra parte, dos ataques de objetos
maus internos e do isso contra os bons -uma guerra interna na que o eu se identifica com os
sofrimentos dos objetos bons- são tipicamente depressivos. Por exemplo, o paciente X ao que
sendo menino se lhe disse que tinha a minhoca solitária (que ele nunca viu), relacionou as
minhocas de seu interior, com sua voracidade. Em sua análise tinha fantasias de que uma minhoca
se estava abrindo caminho através de seu corpo, comendo-o, o que provocou uma grande
ansiedade pela ideia de que tinha câncer. O paciente, que sofria de ansiedades hipocondríacas e
paranoides, desconfiava muito de mim e entre outras coisas, suspeitava que eu estivesse aliada
com outras pessoas que o hostilizavam. Nessa época sonhou que uma pessoa que o perseguia
tinha sido detida por um detetive e posta no cárcere. Mas depois o detetive resultou não ser de
toda confiança e se fez cúmplice do inimigo.

O detetive era eu, toda a ansiedade foi internalizada e também relacionada com a minhoca de sua
fantasia. A prisão onde foi encerrado o inimigo era seu próprio interior; em realidade a parte
especial de seu interior onde o perseguidor tinha de ser encerrado. Fez-se claro que a minhoca
perigosa (uma de suas associações foi que a minhoca era bissexual) representava aos dois pais
numa hostil aliança contra ele (em realidade em relação sexual).

Na época em que foram analisadas as fantasias da minhoca, o paciente desenvolveu uma diarréia
que -segundo X supôs erroneamente - estava misturada com sangue. Isto o assustou muito; creu
que era uma confirmação dos processos perigosos que tinham lugar em seu interior.

Este sentimento se fundava em fantasias nas que ele atacava com excreções venenosas a seus
maus pais unidos em seu interior. A diarréia significava para ele excreções venenosas, bem como
o pênis mau de seu pai. O sangue perigoso e mau que ele cria que estava nas fezes, representava-
me a mim (isto se viu em associações nas que me relacionava com sangue). Assim, a diarréia
representava para ele armas perigosas com as quais se defendia de seus pais maus internalizados,
bem como também seus pais mesmos envenenados e destruídos -a minhoca-. Em sua primeira
infância fala atacado a seus pais reais, em fantasia, com excrementos venenosos e os fala
molestado em suas relações, defecando. A diarréia tinha sido sempre algo muito terrível para ele.
Junto com estes ataques a seus pais reais, toda esta guerra se fez internalizada e ameaçava sua eu
15 O doutor Clifford Scott mencionou em seu curso de conferências sobre psicoses no Instituto
de Psicanálise no outono de 1934, que, em sua experiência, na esquizofrenia, clinicamente os
sintomas hipocondríacos são mais numerosos e estranhos e estão vinculados às perseguições e
funções de objetos parciais. Isto pode observar-se ainda depois de um curto exame. Nas relações
depressivas, clinicamente os sintomas hipocondríacos são menos variados e, mais relacionados
em sua expressão com as funções do eu, com a destruição. Posso mencionar que este paciente
recordava em sua análise que ao redor dos dez anos teve a sensação definida de que tinha um
homenzinho dentro do estômago que o controlava e lhe dava ordens, as quais o paciente tinha que
executar, ainda que sempre fossem más e equivocadas (similares sentimentos tinham com respeito
a seu pai real).

Quando a análise progrediu e sua desconfiança para minha diminuiu, o paciente se preocupou
muito por mim. A X sempre lhe tinha preocupado a saúde de sua mãe, mas não tinha podido
191
desenvolver um carinho real para ela, ainda que fizesse o possível por comprazê-la. Agora, com
seu interesse por mim, ocuparam os primeiros planos sentimentos fortes de amor e gratidão, junto
com sentimentos de desvalorização, dor e depressão. O paciente nunca se tinha sentido realmente
feliz, sua depressão se tinha estendido, poderia dizer-se, sobre sua vida íntegra, mas não tinha
sofrido verdadeiros estados depressivos. Em sua análise passou por fases de profunda depressão,
com todos os sintomas característicos deste estado mental. Ao mesmo tempo, os sentimentos e
fantasias relacionados com suas dores hipocondríacas mudaram. Por exemplo, o paciente sentiu
a ansiedade de que o câncer lhe perfurasse a mucosa de seu estômago. Realmente queria proteger-
me a mim dentro dele -em realidade a mãe internalizada-, que cria estava sendo atacada pelo pênis
do pai e por sua própria voracidade (o câncer). Outra vez o paciente teve fantasias relacionadas
com transtornos físicos produzidos por uma hemorragia interna da qual morreria. Fez-se claro
que eu estava identificada com a hemorragia: eu representava o sangue bom.

Devemos recordar que, quando dominavam as ansiedades paranoides e eu era tomada


principalmente como perseguidora, tinha sido identificada com o sangue mau que estava
misturado com a diarréia (com o pai mau, os pais maus unidos). Agora eu representava o precioso
sangue boa -perdê-la significava minha morte, o que implicaria sua morte-. Fez-se claro que o
câncer a quem ele responsabilizava pela morte de seu objeto amado, bem como pela sua própria,
e que representava ao pênis mau do pai, agora mais do que nunca era identificado com seu próprio
sadismo, especialmente com sua voracidade. É por isso que se sentia tão desvalorizado e tão
desesperado.

Enquanto predominaram as ansiedades paranoides e prevaleceu a ansiedade de seus maus objetos


unidos, X só sentia ansiedades hipocondríacas por seu próprio corpo. Quando a depressão e a dor
começaram, o amor e o interesse pelo objeto bom se colocaram em primeiro plano (e do mesmo
modo, na situação transferencial, sua preocupação por mim e depois por sua mãe real), e o
conteúdo de ansiedade, bem como todos os sentimentos e defesas, alteraram-se. Neste caso, bem
como em outros tenho encontrado que os temores e suspeitas paranoides eram reforçados como
defesa contra a posição depressiva encoberta- Citarei agora o caso de um homem de quarenta e
cinco anos, E, com fortes impulsos paranóicos e depressivos (predominantemente paranoicos) e
com hipocondria. As queixas de múltiplos transtornos físicos, que ocupavam grande parte das
horas de análises, alternavam-se com fortes sentimentos de suspeita das pessoas que o rodeavam
e com freqüência se relacionavam diretamente com eles, já que os fazia responsáveis de um modo
ou outro de seus transtornos físicos. Quando, depois de um difícil trabalho analítico, diminuíram
a desconfiança e a suspeita, sua relação comigo melhoro cada vez mais. Fez-se claro do que
sepultado sob continuas acusações paranoides, de queixas e críticas de outros, existia um profundo
amor por sua mãe e interesse por seus pais bem como por outras pessoas.

Ao mesmo tempo uma grande tristeza e depressões profundas tomaram o primeiro plano. Durante
esta fase, as queixas hipocondríacas se alteraram, tanto no modo como me foram apresentadas
como no conteúdo subjacente. Por exemplo, o paciente se queixava dos diversos transtornos
físicos e depois enumerava as medicinas que tinha tomado para o peito, garganta, nariz, orelhas,
intestinos, etc. Parecia como se tivesse estado cuidando estas partes do corpo e de seus órgãos.
Seguiu falando sobre seu interesse por alguns jovens a seu cargo (era mestre), e depois sobre a
preocupação que sentia por alguns membros de sua família. Fez-se claro que os diversos órgãos
que tratava de curar estavam identificados com seus irmãos e irmãs internalizados, pelos quais se
sentia culpado e a quem tinha que estar salvando perpetuamente. A ansiedade exagerada por
salvá-los -devido a que os tinha danado em sua fantasia- e sua pena e desespero excessivo foi o

192
que o levou a esse aumento de suas ansiedades e defesas paranoides, e fez que o amor e o interesse
pelas pessoas e sua identificação com elas se vissem sepultados sob o ódio.

Também, neste caso, quando a depressão com todas suas forças se instalaram em primeiro plano
e as ansiedades paranoides diminuíram, as ansiedades hipocondríacas se relacionaram com os
objetos amados internalizados e (assim) com o eu, enquanto antes só tinham sido experimentadas
em relação ao eu.

Depois de ter tratado de estabelecer as diferenças entre o conteúdo de ansiedade, os sentimentos


e defesas em ação na paranoia e os que atuam nos estados depressivos, devo aclarar uma vez mais
do que, em minha opinião, o estado depressivo se baseia no estado paranoide e geneticamente se
deriva dele. Considero ao estado depressivo como o resultado de uma mescla de ansiedade,
sentimentos e defesas de dor relacionadas com a iminente perda de todo objeto amado. Parece-
me que introduzir um termo para aquelas ansiedades e defesas específicas poderia fazer mais
viável o entendimento da estrutura e natureza da paranoia bem como a dos estados maníaco-
depressivos16. Segundo minha opinião, sempre que exista um estado de depressão, seja este nos
casos de sujeitos normais, de neuróticos, de maníaco-depressivos ou em casos mistos, existe
sempre este grupamento específico de ansiedades, de sentimentos de infelicidade, de mecanismos
de defesa, que descrevi aqui como posição depressiva.

Se este ponto de vista resulta correto, poderemos compreender esses casos tão freqüentes onde se
nos apresenta um quadro de uma mistura de tendências paranóicas e depressivas, já que podemos
então isolar os diversos elementos que o compõem.

As considerações que apresentei neste trabalho sobre os estados depressivos nos podem conduzir
segundo crio, ao melhor entendimento da ainda enigmática reação do suicida. De acordo com os
achados de Abraham e James Glover, o suicídio se dirige contra o objeto introjetado17. Mas
enquanto ao cometer um suicídio o eu tenta matar seus objetos maus, segundo minha opinião, ao
mesmo tempo também se propõe sempre salvos seus objetos amados, internos e externos. Para
abreviar: em alguns casos as fantasias subjacentes ao suicídio se dirigem a salvar os objetos bons
internalizados e essa parte do eu que está identificada com os objetos bons, e também a destruir a
outra parte do eu que está identificada com os objetos maus e com o isso. Ao mesmo tempo se
satisfaz o ódio contra o objeto por meio do extermínio dos objetos internos. Uma satisfação mais,
que está no fundo da fantasia de suicídio é a união pacífica do eu com seus objetos amados.

Em outros casos, o suicídio parece estar determinado pelo mesmo tipo de fantasias, mas aqui elas
se relacionam com o mundo externo e com os objetos reais, em parte como substitutos dos
internalizados. Como se disse, o melancólico odeia não só seus objetos "maus", senão também
seu isso, e a este último veementemente. Ao cometer um suicídio, seu propósito 16 Isto está
relacionado com outro problema de terminologia. Em meu trabalho anterior descrevi as
ansiedades psicóticas e os mecanismos de defesa do menino usando os termos de fases de
desenvolvimento. A conexão genética entre eles, em verdade, foi respeitada em minha descrição
e também a flutuação que continua entre elas sob a pressão da ansiedade até que se atinge mais
estabilidade, mas desde que no desenvolvimento normal as ansiedades psicóticas e os
mecanismos nunca predominam isolados (um fato que por suposto eu tenho dito), o termo fases
psicóticas não é realmente satisfatório. Uso agora o termo "posição", em relação com as primeiras
ansiedades e defesas psicóticas no desenvolvimento do menino. Parece-me, mas fácil associá-las
com este termo que com as palavras "mecanismos" ou "fases", para as diferenças entre as
ansiedades. Psicóticas do desenvolvimento do menino e as psicoses do adulto: por exemplo, a
193
rápida mudança que tem lugar de uma ansiedade de perseguição ou de um sentimento depressivo
a uma atitude normal, mudança que é tão característico no menino. 17 Publicado no Int. Journal
of Psychoanalysis, vol. III, 1922; é o resumo de uma conferência dada na Sociedade Psicanalítica
Britânica com o título de "Notes on the Psychopathology of Suicide". Abraham descreve o caso
de um enfermo que fez uma tentativa de suicídio para livrar-se do objeto introjetado. Pode ser o
de estabelecer uma reparação definida de suas relações com o mundo externo, porque ele deseja
livrar o objeto real -ou o objeto "bom" que esse mundo inteiro representa e com o qual o eu está
identificado - de se mesmo, daquela parte de sua eu que está identificada com seus objetos maus
e com seu isso 18. No fundo percebemos que tal passo é a reação contra seus próprios ataques
sádicos sobre o corpo da mãe, que é para o menino a primeira representação do mundo exterior.
O ódio e a vingança contra os objetos reais (bons) também têm um papel importante nesse passo,
mas é precisamente nele contra o que luta em parte o melancólico por meio do suicídio, para
salvar a seus objetos reais. Freud declarou que a mania tem como base os mesmos conteúdos que
a melancolia e que é, em realidade, uma via de escape desse estado diria que na mania o eu procura
refúgio não só da melancolia senão também de uma situação paranóica que não pode dominar. A
dependência perigosa e torturante de seus objetos amados impulsiona ao eu a livrar-se deles. Mas
seu identificação com estes objetos é demasiado profundo para poder renunciar aos mesmos. Por
outra parte, o eu está perseguido por seu medo aos objetos maus e ao isso, e, em seus esforços por
escapar de todas estas misérias, recorre a muitos mecanismos de defesa diferentes, alguns dos
quais, desde que pertencem a diferentes fases do desenvolvimento, são mutuamente
incompatíveis.

O sentimento de onipotência é, em minha opinião, o que primeiro e principalmente caracteriza a


mania, e depois, como o tem declarado Helene Deutsch19, a mania está baseada no mecanismo
da negação. Eu difiro, no entanto, com Helene Deutsch no ponto seguinte: ela sustenta que esta
"negação" está conectada com a fase fálica e o complexo de castração (nas meninas é a negação
da falta de pênis), enquanto minhas observações me levaram à conclusão de que este mecanismo
de negação se origina naquela fase muito temporã na que o eu ainda não desenvolvido se esforça
por defender-se da mais excessiva e profunda das ansiedades, ou seja, seu temor aos perseguidores
internalizados e ao isso. Isto é, o que se nega primeiramente é realidade psíquica, e o eu pode
seguir negando uma grande parte da realidade exterior.

Sabemos que a escotomização pode conduzir ao sujeito à completa separação da realidade e a sua
completa inatividade. Na mania, no entanto, a negação está sócia a uma sobre atividade, ainda
que este excesso de atividade, segundo assinala Helene Deutsch, com freqüência não tem relação
com o s resultados reais. Expliquei que neste estado, a 18 Estas razões são em grande parte
responsáveis desse estado mental do melancólico com o qual interrompe toda relação com o
mundo externo. 19 Deutsch (1933). Fonte do conflito é a incapacidade e falta de vontade do eu
para renunciar a seus objetos bons internos, tratando, no entanto, de escapar aos perigos de
subordinação por parte deles e dos objetos maus.

Sua tentativa de afastar-se de um objeto sem renunciar ao mesmo tempo a ele por completo parece
que está condicionada a um aumento da força do eu. Tem sucesso nesta formação de compromisso
negando a importância de seus objetos bons e também dos perigos que os ameaçam por parte dos
maus e do isso. Ao mesmo tempo, no entanto, trata incessantemente de dominar e controlar todos
seus objetos, e a manifestação deste esforço é sua hiperatividade.

O que em minha opinião é bem especifico da mania é a utilização do sentimento de onipotência


com o propósito de controlar e dominar os objetos introjetados. Isto é necessário por duas razões:
194
a) com o fim de negar o medo que se está sentindo, e b) para que o mecanismo (adquirido na
posição depressiva anterior) de efetuar a reparação do objeto possa levar se a cabo20. Ao dominar
seus objetos, o maníaco imagina que impedirá que o danem e que seja um perigo o um para o
outro. Emprega seu domínio para impedir o coito perigoso entre os pais internalizados e sua
morte21. A defesa do maníaco assume tantas formas que não é fácil postular um mecanismo geral.
Mas eu creio que realmente esse mecanismo consiste (ainda que suas variedades sejam infinitas)
nesse domínio dos pais internalizados, enquanto ao mesmo tempo a existência deste mundo
interno é diminuída e negada. Encontrei que, tanto em meninos como em adultos onde a neurose
obsessiva era o fator mais poderoso no caso, tal domínio denotava uma enérgica separação de
dois (ou mais) objetos; enquanto onde a mania predominava, o paciente recorria a métodos mais
violentos. Isto é, os objetos eram mortos, mas, desde que o sujeito era onipotente, supunha que
podia imediatamente devolver-lhes a vida.

Um de meus pacientes se referiu a este processo como "mantendo-os com uma vida em
reprovado". O matá-los corresponde ao mecanismo de defesa (conservado da primeira fase de
destruição do objeto); o ressuscitá-los está de acordo com a reparação feita ao objeto. Nesta
posição o eu transige de novo de maneira similar com a relação com os objetos reais. A fome de
objetos, tão característico da mania, indica que o eu reteve um mecanismo de defesa da posição
depressiva: a introjeção dos objetos bons. O sujeito maníaco nega as diferentes formas de
ansiedade associadas com a introjeção (ansiedade, já seja que tenha introjetado objetos maus ou
destruídos os bons pelo processo de 20. Esta "reparação" de acordo com o caráter de fantasia da
situação total é quase sempre de uma natureza nada prática e irrealizável. Veja-se Helene Deutsch,
obra citada. 21 Bertram Lewin (1933) informou sobre uma paciente maníaca grave que se
identificava com ambos os pais em relação sexual. introjeção); sua negação se relaciona não só
com os impulsos do isso senão também com seu próprio interesse pela salvação do objeto. Assim,
podemos supor que o processo pelo qual o eu e o ideal do eu coincidem (como Freud demonstrou
que se leva a efeito na mania) é como segue. O eu incorpora o objeto de um modo canibalístico
(a "festa", como Freud a denomina em sua explicação da mania), mas nega sentir algum interesse
por ele. "Seguramente", o eu, "não é assunto de muita importância se este objeto particular se
destrói... ¡Há tantos outros para incorporar!" Este menosprezo da importância do objeto e seu
desprezo por ele é, crio, uma característica peculiar da mania e permite ao eu levar a cabo uma
separação parcial que observamos se produz ao mesmo tempo em que seu apetite pelos objetos.
Tal separação, que o eu não pode conseguir na posição depressiva, representa um progresso, uma
fortificação do eu em relação com seus objetos. Mas este progresso está neutralizado pelos
mecanismos regressivos descritos, que o eu emprega ao mesmo tempo na mania.

Antes de seguir dando algumas indicações sobre o papel que as posições paranoide, depressiva e
maníaca jogam no desenvolvimento normal, falarei sobre dois sonhos de um paciente que ilustram
alguns dos pontos que apresentei em conexão com as posições psicóticas. Diferentes sintomas e
ansiedades paranoides e hipocondríacas tinham induzido ao paciente C a ser analisado. Na época
em que é1 teve estes sonhos a análise estava bastante adiantada. Sonhou que estava viajando com
seus pais num carro de transporte ferroviário, provavelmente sem teto, já que estavam ao ar livre.
O paciente sentiu que ele estava "dirigindo tudo", cuidando a seus pais, que eram mais anciões e
estavam mais precisados de seus cuidados que na realidade. Os pais estavam acostados na cama
não uno ao lado do outro, como acostumavam, senão com os extremos das camas unidos. Ao
paciente lhe foi difícil mantê-los quentes. Depois o paciente urinou numa vasilha que tinha no
meio um objeto cilíndrico, enquanto seus pais o observavam. Este procedimento de urinar parecia
complicado, já que tinha que ter especial cuidado de não o fazer dentro da parte cilíndrica. Sentiu

195
que isto não tivesse importado se ele tivesse podido acertar exatamente dentro do cilindro sem
derramar nada ao redor. Quando teve terminado de urinar notou que a vasilha extravasava, e isto
lhe produziu uma sensação incômoda por isto: como se seu pai não devesse vê-lo, já que se sentiria
vencido pelo filho, e ele não queria humilhá-lo. Ao mesmo tempo sentia que urinando lhe poupava
a seu pai a moléstia de sair da cama e urinar. Aqui o paciente se deteve, e depois disse que
realmente sentia como se seus pais fizessem parte dele mesmo.

No sonho, a vasilha com o cilindro se supunha que fora um copo, mas não era assim porque o pé
não estava dentro da vasilha, como devesse tê-lo estado: estava "num lugar equivocado", já que
se achava sobre a vasilha -realmente dentro dela -. O paciente depois associou a vasilha como
uma bola de vidro como o que se usava na casa de sua avó para dar luz de gás, e a parte cilíndrica
lhe recordava o tubo por onde passava o gás. Depois pensou num corredor escuro ao final do qual
tinha uma luz de gás que ardia debilmente e disse que o quadro lhe evocava sentimentos tristes.
Lhe para pensar em casas pobres e arruinadas, onde tudo parecia morto exceto a débil luz de gás.
É verdadeiro que com só esticar a corda, a luz se acende plenamente. Isto lhe recordou que sempre
tinha tido medo ao gás e que as chamas do gás lhe faziam sentir como se elas estivessem saltando
sobre ele, mordendo-o, como se fossem a cabeça de um leão. Outra coisa que o assustava referente
ao gás era o ruído ("pop") que para quando se apagava. Depois de minha interpretação de que a
parte cilíndrica da vasilha e o tubo de gás eram a mesma coisa e de que ele temia urinar dentro
porque não queria por alguma razão apagar a chama, contestou que naturalmente uno não pode
extinguir a chama do gás desse modo, já que o veneno perdura: não é como uma vela, à que um
pode simplesmente apagar de um sopro.

À noite seguinte o paciente teve este sonho: ouviu o ruído de algo que se estava fritando no forno.
Não podia ver o que era, mas pensou em algo castanho, provavelmente um rim que se estava
fritando na sertã. O ruído que ouviu era como o grito ou choro de uma voz débil, e sua crença era
que se estava fritando a uma criatura viva. Sua mãe estava ali e ele tratou de chamar-lhe o
atendimento sobre isso, e fazer-lhe compreender que fritar algo vivo era o pior que se podia fazer
pior que o fazer ferver ou cozinhá-lo. Era mais torturante já que a gordura quente impedia do que
se queimasse do tudo e o mantinha vivo enquanto se lhe queimava a pele. Não pôde fazer que sua
mãe compreendesse isto e a ela não pareceu importar-lhe. Isto o preocupava, mas em certo sentido
o consolou, porque pensou que depois de tudo não podia estar tão mau se a ela não lhe importava.
O forno, que ele não abriu durante o sonho, recordava-lhe um refrigerador. No departamento de
um amigo tinha confundido a porta do refrigerador com a do forno. Perguntava-se se o frio e o
calor eram, em certo modo, a mesma coisa para ele. A torturante gordurosa quente da sertã lhe
recordou um livro sobre torturas que tinha lido sendo menino; tinha-se emocionado especialmente
com os degolamentos e com as torturas com azeite quente.

O degolamento lhe recordava ao King Charles. Tinha-se emocionado muito com a história de sua
execução e mais tarde tinha desenvolvido uma espécie de devoção por ele. No referente às torturas
com azeite quente, acostumava a pensar muito nelas, imaginando-se nessa situação
(especialmente que queimavam suas pernas), e tratando de descobrir como poderia fazer-se em
caso que se levasse a efeito, para que causasse a menor dor possível.

O dia em que o paciente me contou seu segundo sonho tinha observado primeiro a maneira em
que eu prendia o fósforo para acender o cigarro. Disse que era evidente que eu não o prendia da
maneira correta porque um pedaço da ponta tinha voado para ele. Quis dizer que eu não o tinha
acendido no ângulo correto, e seguiu dizendo: "como meu pai, que saca (fazer o saque) as bolas
de maneira errônea em jogo de tênis". O se perguntava com que freqüência tinha sucedido antes
196
em sua análise que a ponta do fósforo voasse para ele. (Antes tinha mencionado uma ou duas
vezes que eu devia ter fósforos maus, mas agora a crítica se dirigia a minha maneira de acendê-
los). Não se sentiu inclinado a falar, queixando-se de que tinha tido um forte resfriado nos dois
últimos dias; sentia sua cabeça muito pesada e seus ouvidos estavam tampados; o muco era mais
espesso do que outras vezes em do que tinha estado resfriado. Depois me contou o sonho que
relatei, e durante as associações mencionei uma vez mais o resfriado e do que este lhe desanimava
para tudo.

Através da análise destes sonhos uma nova luz se arrojou sobre alguns pontos fundamentais do
desenvolvimento do paciente. Estes tinham aparecido antes em sua análise, mas agora voltavam
com novas conexões para ele. Só destacarei os pontos que sustentam as conclusões a que
chegamos neste trabalho. Devo dizer que não tenho espaço para citar suas associações mais
importantes.

O urinar no sonho o conduziu a suas temporãs fantasias agressivas para seus pais, especialmente
dirigidas contra sua relação sexual. Tinha tido fantasias nas quais os mordia e devorava, e entre
estes ataques, urinava em cima e dentro do pênis de seu pai, para esfolá-lo e queimá-lo e fazer
que seu pai acendesse fogo no interior de sua mãe durante suas relações (a tortura com azeite
quente). Estas fantasias se estendiam a bebês dentro do corpo da mãe, que deviam ser destruídos.
O rim queimado vivo representava tanto ao pênis do pai (equiparado com as fezes) como aos
bebês dentro do corpo de sua mãe (o forno que ele não abriu). A castração do pai está expressa
pelas associações sobre degolamento. A apropriação do pênis paterno foi demonstrada pelo
sentimento de que seu pênis era tão grande e de que ele urinava por ele e por seu pai (fantasias de
ter o pênis de seu pai dentro do seu ou unido ao seu se tinham apresentado em grande número na
análise). O urinar do paciente dentro da bola significava também sua relação sexual com sua mãe
(de onde a bola e a mãe no sonho representavam a ela como figura real e como internalizada). Ao
pai impotente e castrado se lhe fez presenciar a relação do paciente com sua mãe -o reverso da
situação pela qual tinha passado em fantasia em sua meninice-. O desejo de humilhar a seu pai
está expresso por seu sentimento de que ele não devia fazê-lo. Estas (e outras) fantasias sádicas
deram origem a diferentes angústias: no sonho à mãe não se lhe podia fazer entender que estava
em perigo devido ao pênis ardente e mordente em seu interior (a cabeça ardente e mordente do
leão, o anel de gás que ele tinha acendido), e que seus bebês estavam em perigo de ser queimados,
sendo ao mesmo tempo um perigo para ela mesma (o rim no forno). A crença do paciente de que
o pé cilíndrico estava "em posição incorreta" (dentro da bola em vez de fora expressava não só
seu temporão ódio e ciúmes porque sua mãe tinha feito entrar em seu interior o pênis paterno,
senão também sua ansiedade por este perigoso acontecimento. A fantasia de conservar o rim (o
pênis e os bebês) enquanto o torturava, expressava tanto as tendências destrutivas contra o pênis
e os bebês como, em certo grau, o desejo de conservá-los sãos. A posição especial das camas nas
que os pais jaziam (diferente da que tinham no dormitório real) demonstrava não só o primeiro
impulso agressivo e de ciúmes de separá-los em suas relações senão também a ansiedade por que
não se danassem ou matassem durante suas relações que em sua fantasia o filho representava tão
perigosas. Os desejos de morte contra seus pais o tinham levado a uma excessiva ansiedade por
sua morte (a deles). Isto está demonstrado pelas as oscilações e sentimentos sobre a débil luz de
gás, a idade avançada dos pais no sonho (mais velhos do que na realidade), seu desamparo e a
necessidade de que o paciente os mantenha em calor.

O mecanismo defensivo de deslocamento da responsabilidade da culpa sobre o objeto atacado vê-


se bem em suas associações de que estou acendendo mal os fósforos e de que seu pai faz o saque

197
de maneira equivocada. Deste modo faz aos pais responsáveis de seu coito equivocado e perigoso,
mas o temor da vingança baseada na projeção (que eu o queimasse) está exagerada por sua
observação de que ele se perguntava com que freqüência durante a análise os extremos dos
fósforos tinham voado para ele, e todos os outros conteúdos de ansiedade relacionados com os
ataques contra ele (a cabeça do leão, o azeite quente).

O fato de que ele tinha internalizado (introjetado) a seus pais se demonstra no seguinte: 1) O carro
do transporte ferroviário, onde viajava com seus pais, continuamente cuidando-os, "dirigindo-o
tudo", representa seu corpo. 2) O carro estava aberto, em contraste com seu sentimento -
representando a internalização deles - de que ele não podia livrar-se de seus objetos internalizados,
mas o estar aberto era uma negação disso. 3) Que ele tinha que o fazer tudo por eles, ainda urinar
por seu pai. 4) A expressão definitiva de um sentimento ou crença de que eles eram parte dele.

Por meio da internalização de seus pais, todas as situações de ansiedade que mencionei antes com
respeito a seus pais reais, fizeram-se internalizadas e assim multiplicadas, intensificadas e, em
parte, alteradas em seu caráter. Sua mãe continha o pênis ardente e aos meninos moribundos (o
forno com a sertã) em seu interior. Esta ansiedade de que os pais tivessem uma perigosa relação
dentro dele e a necessidade de mantê-los separados se tomou a fonte de muitas situações de
ansiedade e se encontrou (em sua análise) que estava no fundo de seus sintomas obsessivos. Em
qualquer momento os pais podiam ter relações perigosas, queimar-se e comer-se entre eles, e já
que sua eu se tinha convertido no lugar onde se produziam estas situações de perigo destruí-lo a
ele também. Assim, tinha que ter ao mesmo tempo uma grande ansiedade por eles e por si mesmo.
Estava muito aborrecido pela iminente morte de seus pais internalizados, mas ao mesmo tempo
não se atrevia a devolver-lhes a vida -não se atreve a atirar do fio (ou cordão) do gás-, já que suas
relações sexuais estariam implicadas em sua volta à vida e isto causaria a morte deles e a sua [o
mecanismo maníaco da resurreição].

Depois estão os perigos que ameaçam desde o isso. Se os ciúmes e o ódio ativados por alguma
frustração real o estão torturando, ele atacará de novo em sua fantasia a seu pai internalizado com
seu excremento ardente, interromperá suas relações, o que dá lugar a renovadas ansiedades. Tanto
os estímulos externos como os internos podem aumentar suas ansiedades paranoides de
perseguidores internalizados. Se então mata a seu pai dentro dele, o pai morto se volta um
perseguidor de uma natureza especial. Vemos isto pela observação do paciente (e as associações
seguintes) de que se o gás é extinto como um líquido, o veneno perdura. Aqui a posição paranoide
tomada a dianteira e o objeto morto em seu interior se equipara (ou equivale) às fezes e gazes 22.
No entanto, a posição paranoide, que tinha sido muito forte no paciente no começo da análise,
mas que agora se acha muito diminuída, não aparece muito em seus sonhos. O que domina em
seus sonhos são os sentimentos dolorosos relacionados com a ansiedade pelos objetos amados,
que, como já assinalei, são característicos da posição depressiva.

22 Segundo minha experiência, a concepção paranóica de um objeto morto no interior é a de um


perseguidor secreto e sinistro. Se o sente como se não estivesse completamente morto, e pudesse
voltar a aparecer em qualquer momento de um modo astuto e intrigante, e parece tanto mais
perigoso e hostil porque o sujeito trata de desfazer-se dele matando-o (o conceito de um fantasma
perigoso).

Nos sonhos, o paciente trata a posição depressiva de diferentes modos. Utiliza o controle maníaco
sádico sobre seus pais, mantendo-os separados um do outro e detendo-os assim em sua relação

198
tanto prazenteira como perigosa. Ao mesmo tempo, seu modo de cuidá-los é signo de mecanismos
obsessivos.

Mas seu modo principal de dominar a posição depressiva é a restauração. No sonho se dedica por
inteiro a seus pais com o objeto de mantê-los vivos e confortáveis. Seu interesse por sua mãe se
remonta a sua mais temporã infância, e seu impulso por restaurar e restituir a seus pais e fazer que
prosperem seus filhos nela desempenha um papel importante em todas suas sublimações.

A conexão entre os fatos perigosos em seu interior e suas ansiedades hipocondríacas está
demonstrada pelas observações que fez o paciente sobre seu resfriado, na época de seus sonhos.

Parecia que o muco, que era tão extraordinariamente espesso, estava identificado com a urina na
bola -com a gordura na sertã- ao mesmo tempo que com seu sêmen, e que em sua cabeça, que ele
sentia tão pesada, levava os genitais de seus pais (com o rim). O muco estava para conservar sãos
os genitais de sua mãe, impedindo o contato com seu pai, e ao mesmo tempo isto significava seu
sêmen e relação sexual com sua mãe em seu interior. A sensação que tinha era a de que sua cabeça
estava obstruída, sensação que correspondia à de separar os genitais de seus pais, e à separação
de seus objetos internos. Um estímulo para a formação de seus sonhos tinha sido uma frustração
verdadeira que o paciente tinha experimentado pouco antes de ter estes sonhos, ainda que esta
experiência não o tivesse levado à depressão, mas tinha influído profundamente em seu equilíbrio
emocional, fato que se fez claro em seus sonhos. Nestes, a força da posição depressiva aparece
acrescentada, e as eficiências dos fortes defesas do paciente estão, em certo modo, diminuídas.
Isto não é assim em sua vida real. É interessante o fato de que outro estímulo que provocou o
sonho era completamente diferente e sucedeu depois da dolorosa experiência pela que tinha
passado recentemente com seus pais numa curta viagem onde tinha gozado muito. Em realidade
o sonho começou de um modo que lhe fazia recordar essa prazenteira viagem, mas depois os
sentimentos depressivos ensombraram os agradáveis. Segundo assinalei antes, o paciente se
preocupava muito por sua mãe, mas esta atitude tinha mudado durante a análise, e agora mantinha
relações felizes e despreocupadas com seus progenitores.

Os pontos que particularizei em conexão com os sonhos parecem-me demonstrar que o processo
de internalização, que começa em o primeiro estágio da infância, é fundamental para o
desenvolvimento das posições psicóticas. Vemos agora como, tão cedo como os pais se
internalizam, as temporãs fantasias agressivas contra eles levam ao medo paranoide de
persecuções externas e, ainda mais, internas, e produzem penas e tristeza pela iminente morte dos
objetos incorporados, junto com ansiedades hipocondríacas, dando origem a uma tentativa por
defender-se de maneira maníaca onipotente dos insuportáveis sofrimentos que se lhe impuseram
ao eu de adentro. Também vemos como o centro dominante e sádico dos pais internalizados se
modifica a medida que aumentam as tendências à restauração.

O espaço não me permite tratar em detalhe os modos em que os meninos normais desenvolvem
as posições depressivas e maníacas, as quais, segundo minha opinião, fazem parte do
desenvolvimento normal23. Limitarei-me, portanto, a umas quantas observações de natureza
geral. Em meu trabalho anterior apresentei o ponto de vista, ao que me referi ao começo deste
trabalho, de que nos primeiros meses de sua vida o menino passa por ansiedades paranoides
relacionadas com os peitos "maus" frustradores, que se tomam como perseguidores externos
internalizados24. Desta relação com os objetos parciais e de sua equação com as fezes, surge neste
estágio a natureza fantástica e fora da realidade da relação do menino com todas as outras coisas:
partes de seu próprio corpo e pessoas e coisas de seu arredor, que ao princípio se percebem
199
confusamente. O mundo dos objetos do menino nos primeiros dois ou três meses de sua vida pode
ser descrito como formado em partes e porções do mundo real que são hostis e perseguidoras, ou
bem gratificadoras e benéficas. Não passa muito tempo antes que o menino perceba mais e mais
todo o corpo da mãe, e estas percepções mais realistas se estendem ao mundo que está além da
mãe. O fato de que uma boa relação com a mãe e com o mundo externo ajuda ao menino a vencer
suas temporãs ansiedades paranoides arroja uma nova luz sobre a importância das primeiras
experiências.

Desde seu começo a análise acentuou sempre a importância das primeiras experiências do
menino, mas me parece que somente desde que temos mais conhecimentos da natureza e conteúdo
de suas primeiras ansiedades, e do contínuo jogo recíproco entre suas experiências reais e sua
vida de fantasia, é que podemos compreender amplamente por que o

23 Edward Glover (1932) sugere que o menino atravessa, em seu desenvolvimento, fases que
fornecem as bases das perturbações psicopáticas da melancolia e da mania. 24 A doutora Susan
Isaacs (1934) sugeriu que as primeiras experiências infantis de estímulos dolorosos externos e
internos dão a base para as fantasias sobre objetos hostis internos e externos, e que eles em grande
parte contribuem à formação de tais fantasias. Parece que no mais temporão dos estágios, todos
os estímulos desagradáveis estão relacionados com os peitos "maus", perseguidores e
frustradores, e todos os estímulos agradáveis com os peitos "bons" e gratificadores, fator externo
é tão importante. Quando o menino começa a ver à mãe como ser total, suas fantasias e
sentimentos sádicos, especialmente os canibalísticos, estão em seu ponto culminante. Ao mesmo
tempo experimenta uma mudança em sua atitude emocional para a mãe. A fixação libidinal do
menino ao seio se transforma em sentimento para ela como pessoa. Deste modo se experimentam
sentimentos de natureza destrutiva e amorosa para um e o mesmo objeto, e isto dá lugar a
profundos e comovedores conflitos na mente do menino.

No curso normal dos acontecimentos, o eu se enfrenta neste ponto de seu desenvolvimento -mais
ou menos entre os quatro ou cinco meses- com a necessidade de reconhecer em certo grau a
realidade psíquica bem como a externa. Deste modo tem que se dar conta de que o objeto amado
é ao mesmo tempo o odiado, e, além disto, de que os objetos reais e as figuras imaginárias, tanto
as externas como as internas, estão unidas umas a outras. Assinalei em outro lugar que nos
meninos muito pequenos existem, junto com suas relações com objetos reais -mas em plano
diferente- relações com suas imagos não reais, como figuras excessivamente boas ou
excessivamente más 25 e que essas duas classes de relações com objetos se entremeciam e
disfarçam num grau sempre crescente no curso de seu desenvolvimento 26. O primeiro passo
importante nesta direção ocorre, em minha opinião, quando o menino chega a conhecer a sua mãe
como pessoa completa e se identifica com ela como pessoa total, real e amada. É então que a
posição depressiva -cujas características descrevi neste trabalho- se coloca em primeiro plano.
Esta posição é estimulada e reforçada por "a perda do objeto amado" que o bebê experimenta uma
e outra vez quando lhe retiraram o peito da mãe, e esta perda atinge o ponto culminante durante
o desmame. Sandor Rado assinalou que "o ponto de fixação mais profundo na disposição
depressiva é encontrar-se na situação de ameaça de perda do amor (Freud), mais especialmente
na situação de fome do menino de peito". Com respeito à afirmação de Freud de que na mania o
eu se confunde uma vez mais com o superego em unidade Rado chega à conclusão de que "este
processo é a fiel repetição intrapsíquica da experiência dessa fusão com a mãe que tem lugar
durante o amamentamento de seu peito". Eu estou de acordo com estas opiniões, mas meu enfoque
difere em pontos importantes com as conclusões de Rado, especialmente sobre as formas indiretas

200
e tortuosas em que a culpa -segundo ele- se põe em conexão com estas primeiras experiências.
Tenho dito anteriormente que, segundo minha opinião, já durante o período da lactância, quando
se chega a conhecer a sua mãe 25 "Estágios temporões do conflito edípico " e "A personificação
no jogo dos meninos " 26 E1 psicanálise de meninos, cap. 8, como um tudo (ou como pessoa
completa) e quando progride da introjeção do objeto parcial à do objeto total, o menino
experimenta alguns dos sentimentos de culpa e arrependimento, algo da dor que resulta do conflito
entre o amor e o ódio incontrolável, algumas das ansiedades sobre a iminente morte dos objetos
amados internalizados e externos: isto é, em menor grau, os sofrimentos e sentimentos que
encontramos completamente desenvolvidos no adulto melancólico. Por suposto que estes
sentimentos se experimentam em diferentes situações.

A situação completa e as defesas do bebê que obtém alívio uma e outra vez no amor de sua mãe
diferem enormemente das do adulto melancólico. Mas o ponto importante é que estes sofrimentos,
conflitos e sentimentos de culpa e arrependimento, resultantes da relação do eu com seu objeto
internalizado, estão já ativos no bebê. O mesmo se aplica segundo sugeri, às posições paranoides
e maníacas. Se o bebê nesse período de sua vida fracassa no estabelecimento de seu objeto amado
dentro dele -se a introjeção do objeto "bom" não tem sucesso-, então a situação de "a perda do
objeto amado" surge já no mesmo sentido que se encontra no adulto melancólico. Esta primeira e
fundamental perda externa de um objeto amado real, que se experimenta por causa da perda do
peito, antes e durante o desmame, dará mais tarde por resultado um estado depressivo, se o
menino, neste primeiro período de seu desenvolvimento, não teve sucesso no estabelecimento e
conservação de seu objeto amado dentro de seu eu.

Estas afirmações diferem num ponto fundamental dos resultados de Rado e levam a conclusões
diferentes. Segundo Rado, o lactente se encontra na situação de ameaça de perda do objeto se o
peito que lhe dá o leite (o peito real) é-lhe retirado (situação de fome). Eu crio como fundamental
da posição depressiva, o fracasso dos processos de introjeção que vão junto com a relação,
sumamente importante, do lactente com a mãe real, isto é, um processo intrapsíquico muito
temporão. Em minha opinião, é também neste temporão estágio do desenvolvimento que as
fantasias maníacas começam primeiro controlando o peito, e muito cedo controlando aos pais
internalizados e os externos, em todas as características da posição maníaca que descrevi, e que
utilizam para a defesa contra a posição depressiva. Em qualquer momento em que o menino
encontra o peito de novo, depois de tê-lo perdido, o processo maníaco pelo qual o eu e o ideal do
eu chegam a coincidir (Freud) põe-se em movimento; porque a gratificação do menino de ser
alimentado não só a sente como a incorporação canibalística dos objetos externos (a "festa" da
mania, como a chama Freud), senão que também põe em movimento fantasias sobre os objetos já
internalizados e o relaciona com o domínio destes objetos. Não há dúvida que quanto em maior
grau possa o menino desenvolver uma feliz afinidade com sua mãe real, em maior grau poderá
vencer a posição depressiva. Mas tudo depende de como encontre a saída do conflito entre o amor
e o incontrolável ódio e sadismo. Segundo assinalei antes, na fase mais temporã do eu os objetos
perseguidores e os bons objetos parciais (peitos) são mantidos completamente aparte na mente do
menino. Por meio da introjeção do objeto total e real se juntam cada vez mais, o que representa
um processo que é primariamente insuportável para o eu débil. O eu se refugia então no
mecanismo, tão importante para o desenvolvimento das relações objetais, de dividir suas imagos
em amadas e odiadas, isto é, em boas e más.

Poderia pensar-se que é realmente neste ponto onde começa a ambivalência, que, depois de tudo,
tem conexão com as relações de objetos -isto é, com os objetos totais e reais-. A ambivalência,

201
conseguida com a separação das imagos, permite ao menino pequeno obter mais confiança e fé
em seus objetos reais, e deste modo nos internalizados -amá-los mais e ganhar deste modo uma
confiança mais estável em sua bondade -. Ao mesmo tempo as ansiedades paranoides e as defesas
estão dirigidas para os objetos "maus". O apoio interno que recebe o eu por suas relações
amistosas positivas com seu objeto real e bom aumenta a sua vez a confiança nos objetos
internalizados. Desta maneira o eu se refugia alternativamente - servindo-se em isso da
ambivalência - nos objetos bons externos e internos.

Parece que neste estágio do desenvolvimento, a unificação dos objetos externos e internos,
amados e odiados, reais e imaginários, realiza-se de tal maneira que cada passo para a unificação
conduz de novo a uma renovada divisão das imagos. Mas à medida que a adaptação ao mundo
externo aumenta esta divisão é realizada sobre planos que gradualmente se acercam mais à
realidade. Isto continua até que o amor pelos objetos internalizados reais e a confiança neles estão
bem estabelecidos. Então, a ambivalência, que é em parte uma salvaguarda contra o próprio ódio
e contra os objetos terríveis e odiosos, diminuirá de novo em diferentes graus durante o
desenvolvimento normal.

Junto com o aumento de amor pelos objetos próprios bons e maus se manifesta uma maior
confiança na capacidade de um para amar e uma diminuição da ansiedade paranoide ante os
objetos maus: mudanças que conduzem a uma diminuição do sadismo e ao lucro de melhores
meios para dominar a agressão e utilizá-la. As tendências de reparação, que têm um papel tão
importante no processo normal do triunfo da posição depressiva infantil, são postas em
movimento por diferentes métodos, dos quais mencionarei dois, fundamentais: os mecanismos
maníacos e os obsessivos.

Pareceria que o passo da introjeção de objetos parciais aos objetos totais amados, com todos seus
envolvimentos, é de uma importância decisiva no desenvolvimento. Seu sucesso -em verdade-
depende enormemente de como o eu pôde tolerar seu sadismo e sua ansiedade no anterior estágio
de desacordo e de se desenvolveu ou não uma forte relação libidinal com seus objetos parciais.
Mas uma vez que o eu deu este passo, chegou, por assim dizê-lo, a um ponto crucial desde o qual
se bifurcam, em diferentes direções, as sendas que determinam todo o processo mental.

Já me referi com alguns detalhes a como o fracasso para manter a identificação com ambos os
objetos amados, o internalizado e o real, pode dar por resultado transtornos psicóticos tais como
estados depressivos, mania ou paranoia.

Mencionarei agora uma ou duas formas pelas que o eu trata de pôr fim a todos os sofrimentos que
se relaciona com a posição depressiva, isto é: a) por uma "fuga para o objeto 'bom' internalizado",
sobre a qual M. Schmideberg chamou o atendimento em relação com a esquizofrenia. Diz27 que
"na esquizofrenia se consegue a separação do mundo exterior por meio de uma fuga para os
objetos bons internalizados, abandonando a projeção e sobrecompensando narcisísticamente o
amor para os objetos maus introjetados e reais." O resultado de tal fuga é com freqüência a
negação da realidade psíquica e externa e uma psicose profunda. b) Por meio de uma fuga para
os objetos "bons" externos como um meio para refutar todas as ansiedades -internas e externas -
28. Leste é um mecanismo característico da neurose e pode conduzir a uma escravizante
subordinação aos objetos e a uma debilitação do eu. Estes mecanismos de fuga, segundo assinalei
antes, desempenham também um papel importante no processo normal da posição depressiva
infantil. O fracasso no desenvolvimento desta posição pode conduzir ao predomínio de um ou
outro dos mecanismos de fuga mencionados, e deste modo a uma psicose ou neurose grave.
202
Destaquei neste trabalho que considero à posição infantil depressiva como central para o
desenvolvimento. A evolução normal do 27 M. Schmideberg (1930). 28 Desde faz muitos anos
opino que a fixação desmedida do menino na mãe prove de sentimentos de culpa e angústia que
resultam de sua agressão contra dia; por exemplo, o pequeno procura refúgio na mãe real ante a
mãe má fantasiada. Sejam expõe em seu trabalho "The Flight of Reality" (Int. Journal of
Psychoanalysis, tomo X. 1929) que a realidade representa para o eu em certa maneira o justo meio
entre as fantasias de satisfação de desejos e fantasias angustiantes. A autora confronta a fuga da
realidade angustiante no neurótico para a fantasia e a fuga das fantasias angustiantes para a
realidade. Indivíduo e de sua capacidade de amor parecem basear-se amplamente no grau no qual
o eu cedo conseguiu elaborar e superar esta posição decisiva. Em último, isso parece depender da
capacidade do eu de modificar suficientemente suas situações de angústia primitivas e seus
mecanismos de defesa e de desenvolver os novos mecanismos de defesa que levam a uma
confiança maior e mais estável na bondade de seus objetos (internalizados e reais). E
simultaneamente a uma maior independência destes e especialmente num intervalo exitoso entre
as posições depressiva, maníaca e obsessiva e esses mecanismos defensivos.

Biblioteca Melanie Klein

18 - O DESMAME (1936)

Um das descobertas fundamentais e a mais longo alcance com respeito à história do homem é o
realizado por Freud e que postula a existência de uma parte inconsciente da mente cujo núcleo se
desenvolve na mais temporã infância. Os sentimentos e fantasias infantis deixam suas impressões
na mente, impressões que não desaparecem senão que se guardam, permanecem ativas e exercem
uma contínua e poderosa influência sobre a vida emocional e intelectual do indivíduo adulto. Os
temporões sentimentos se experimentam em relação a estímulos externos e internos.

A primeira satisfação que o menino tem prove do mundo externo e consiste em ser alimentado.
A análise demonstrou que só uma parte da satisfação deriva do fato de aliviar sua fome; outra
parte, não menos importante, prove do prazer que experimenta o bebê quando sua boca é
estimulada ao succionar o peito de sua mãe. Este aspecto é uma parte essencial da sexualidade do
menino. Também se experimenta prazer quando o fluxo morno do leite desce pela garganta e
cheia o estômago. O bebê reage aos estímulos desagradáveis e à frustração de seu prazer com
sentimentos de ódio e agressão. Estes sentimentos se dirigem para os mesmos objetos que
provêem o prazer: os peitos da mãe.

O trabalho analítico provou que ainda meninos de poucos meses de idade constroem fantasias.
Creio que esta é a atividade mental mais primitiva e do que estas fantasias existem na mente dos
bebês praticamente desde o nascimento. Pareceria que, a cada estímulo que recebe, o bebê
responde com fantasias; aos estímulos desagradáveis, ainda a meras frustrações, com fantasias
agressivas e aos estímulos gratificantes com fantasias prazenteiras.

203
Como afirmei previamente, o objeto de todas estas fantasias é o peito materno. Parecerá curioso
que o interesse do bebê se limite só a uma parte da pessoa e não a toda a pessoa; mas devemos ter
presente que nesta etapa sua percepção, tanto física como mental, é muito limitada e ademais do
que só se preocupa do fato fundamental de satisfazer-se de imediato ou bem de que não está sendo
satisfeito, o que Freud denominou o "princípio do prazer-desprazer". É deste modo como o peito
da mãe que gratifica ou priva da gratificação, torna-se na mente do bebê em "bom'' ou "mau". O
que denominamos peito "bom" se converte no protótipo do que ao longo da vida será benéfico e
bom, enquanto o peito "mau" representa tudo o mau e o persecutório.

Isto pode explicá-lo considerando que quando o menino dirige seu ódio contra o peito frustrador
ou "mau" lhe atribui todo seu próprio ódio ativo mediante um processo denominado projeção Mas
existe, ao mesmo tempo, outro processo de grande importância, o processo de introjeção. Este
último significa a atividade mental do bebê mediante a qual, em sua fantasia, tomada em si mesmo
aquilo que percebe no mundo externo. Sabemos que nesta etapa o menino recebe suas maiores
satisfações através da boca, a que se converte na via principal pela qual não só ingere o alimento
senão que, mediante a fantasia, introduz o mundo externo.

Não só a boca leva a cabo este processo de "introduzir", senão em certo modo todo o corpo com
seus sentidos e funções, como por exemplo, quando o bebê inspira ou introduz através dos olhos,
os ouvidos, mediante o tato, etc. Ao princípio o peito materno é o objeto de seu constante desejo
e, portanto é o primeiro em ser introjetado. Em sua fantasia, o menino succiona o peito dentro de
si, mastiga-o e o engole; desse modo sente que o tem dentro e que possui o peito materno tanto
em seus aspectos bons como maus.

Este enfoque e ligame a uma parte da pessoa é característico desta temporã etapa do
desenvolvimento, e dá conta em grande parte da natureza fantasiada e irreal de sua relação com
muitas coisas, por exemplo com partes de seu corpo, pessoas e objetos inanimados, todos os quais
ao começo só são percebidos tenuemente. Nos primeiros dois ou três meses de vida se pode
descrever o mundo objetal do lactente como formado por partes ou porções do mundo real
gratificante ou bem hostil e persecutor. É aproximadamente nesta idade quando começa a
perceber a sua mãe e a outros de seu meio como "pessoas totais". Gradualmente conecta seu rosto,
ou os rostos que o olham, com a mão que o acaricia e com o peito que o satisfaz; é então quando
se afirma sua capacidade de perceber "totalidades" (quando se reasegura e adquire confiança no
prazer brindado por "pessoas totais") e pode ampliar sua percepção totalizadora ao mundo
externo.

Nesta época se levam a cabo também outras mudanças no bebê. Quando tem umas poucas
semanas de vida se pode observar que desfruta períodos de sua vigília; a julgar pelas aparências,
sente-se muito feliz. Parece ser que nesse momento diminuem os estímulos demasiado intensos
(até a defecação, por exemplo. é sentida ao começo como desagradável) e se vai conseguindo
uma melhor coordenação das funções corporais.

Isto leva a uma melhor adaptação não só física senão também mental, a os estímulos externos e
internos. Pode-se inferir que estímulos que ao começo eram dolorosos já não o são, e até alguns
se tornam prazenteiros.

O fato de que a falta de estímulos possa experimentar-se agora como prazenteira mostra que já
não depende tanto nem é tão comovido por estímulos dolorosos nem está ávido de estímulos
prazenteiros vinculados à gratificação imediata da alimentação, já que sua melhor adaptação

204
permite do que sua necessidade seja menos urgente 1.Expliquei como as temporãs fantasias e
temores de perseguição estão conectadas com os peitos hostis e desenvolvi como se despregam
as fantásticas relações objetais do bebê. As primeiras experiências com estímulos desagradáveis
externos e internos sentam a base para as fantasias sobre objetos hostis externos e internos e
contribuem em grande parte à construção de ditas fantasias2. Nas primeiras etapas do
desenvolvimento mental todo estímulo desagradável aparentemente está unido às fantasias do
bebê de um peito "hostil" ou frustrante, e por outra parte todo estímulo prazenteiro está
relacionado com o peito "bom" gratificante. Encontramo-nos, pois, com dois círculos, um
benevolente e o outro malvado, ambos baseados no intervalo de fatores externos ou ambientais e
fatores psíquicos internos; é dizer, que toda diminuição na quantidade ou a intensidade de
estímulos dolorosos, ou bem todo incremento na capacidade de adaptar-se a eles, ajudará a
diminuir a força de fantasias de natureza terrível. A sua vez, a diminuição destas fantasias
permitirá que o menino progrida em seu adaptação à realidade, o que a sua vez diminuirá ainda
mais as fantasias aterrorizantes.

Para um adequado desenvolvimento da mente do bebê, é importante que caia sob a influência do
círculo benevolente descrito; quando o faz, consegue formar-se uma ideia de sua mãe como
pessoa, e isto a sua vez implica mudanças muito importantes em seu desenvolvimento emocional
e intelectual.

Já mencionei que fantasias e sentimentos de natureza erótica, sejam agressivos ou gratificantes,


fusionados em grande parte (fusão que se denomina sadismo), desempenham um papel dominante
na temporã vida do bebê. Ao princípio estão centrados nos peitos da mãe, mas gradualmente se
estendem a todo seu corpo. Fantasias e sentimentos ávidos, eróticos e destrutivos tomam como
objeto o interior do corpo materno e, em sua imaginação, o bebê o ataca, rouba todos seus
conteúdos e os come.

Ao começo, as fantasias destrutivas são de sucção. Um pouco de isto se evidência no modo


vigoroso com que mamam alguns bebês, ainda quando o leite seja abundante. À medida que se
acerca a dentição, as fantasias vão adquirindo um conteúdo que implica morder, rasgar, mastigar
e assim destruir o objeto. Muitas mães observam que muito antes da dentição aparecem estas
tendências, as que, segundo o prova a experiência psicanalítica, acompanham-se de fantasias
indubitavelmente canibalísticas. A natureza destrutiva destas fantasias e sentimentos atinge toda
sua magnitude quando o menino percebe a sua mãe como pessoa total, como o prova a análise de
meninos pequenos.

1 Em relação com isto recordo um comentário que fez recentemente o Dr. Edward Glover, quem disse que a mudança
abrupta entre sensações prazenteiras e dolorosas pode ser experimentado como doloroso em se mesmo.

2 A doutora Susan Isaac enfatizou a importância deste ponto num trabalho apresentado em 1934 à Sociedad
Psicanalítica Britânica.

Ao mesmo tempo, experimenta uma mudança em sua atitude emocional para a mãe. O laço
prazenteiro com o peito se transforma em sentimentos para a mãe como pessoa. Desse modo se
experimentam sentimentos amorosos e destrutivos para a mesma pessoa, o que provocam
profundos e perturbadores conflitos na mente infantil. Creio que é muito importante para o futuro
do menino que possa regressar desde seus temporões temores persecutórios e a relação objetal
fantasiada, à relação com a mãe como pessoa total e amorosa. Quando o consegue, surgem, no
entanto sentimentos de culpa respeito de suas impulsos destrutivos que teme sejam perigosos para
seu objeto amado.
205
O fato de que nesta etapa do desenvolvimento o menino não possa controlar seu sadismo, que se
alimenta de qualquer frustração, agrava ainda seu conflito e sua preocupação por sua amada mãe.
Uma vez mais é muito importante do que o menino possa manejar satisfatoriamente estes
sentimentos conflitivos de amor, ódio e culpa que surgem nesta nova situação. Se os conflitos são
insuportáveis, o menino não pode estabelecer uma relação feliz com sua mãe e fica aberta uma
brecha para futuros fracassos em seu desenvolvimento. Desejo mencionar a existência de
depressões anormais ou inesperadas nos bebês, cuja fonte profunda considera que é o fracasso em
manejar satisfatoriamente esses conflitos temporões.

Mas vejamos agora que sucede quando os sentimentos de culpa e o medo a que sua mãe morra
(temor que surge como resultado de seus desejos inconscientes de morte) podem ser
adequadamente tolerados pelo bebê. Creio que esses sentimentos têm alcances muito extensos no
que respeita ao futuro bem-estar mental do menino, sua capacidade de amar e seu desprendimento
social. Deles deriva o desejo de consertar que se expressa em numerosas fantasias de salvar à mãe
e oferecer-lhe todo tino de desagravos. Descobri na análise dos temores de ter dentro de se figuras
más e de estar governados meninos que essas tendências à reparação constituem as forças
impulsoras de todas as atividades construtivas e do desenvolvimento social. Encontramo-las nas
primeiras atividades lúdicas e no fundamento da satisfação do menino em todos seus lucros, ainda
os mais simples, como por exemplo, colocar um bloco sobre outro, ou levantá-lo se caiu. Isto se
deve em parte a que esses lucros se derivam da fantasia inconsciente de consertar a alguma pessoa
ou pessoas a quem danou em sua fantasia. Mas ainda mais cedo, lucros tais como jogar com seus
dedos, encontrar algo que se afastou dele, pôr-se de pé e toda classe de movimentos voluntários
estão unidos, segundo minha opinião, com fantasias nas que o elemento reparatório já está
presente.

A psicanálise de meninos muito pequenos (analisei meninos entre um e dois anos) demonstra que
bebês de meses conectam suas fezes e urinas com fantasias nas que simbolizam presentes, e não
só presente como mostra de afeto a suas mães, senão que têm a propriedade de consertar. Por
outra parte, quando predominam os sentimentos destrutivos, o menino em sua fantasia defecará e
urinária com ódio e utilizará esses elementos como agentes hostis. Portanto, os excrementos
produzidos com sentimentos afetuosos são utilizados na fantasia para consertar as injúrias
inferidas por eles mesmos em momentos de agastamento.

É impossível neste trabalho expor adequadamente a conexão entre as fantasias agressivas, o medo,
os sentimentos de culpa e o desejo de consertar; no entanto, toquei este tópico porque desejo
assinalar que os sentimentos agressivos, que tanto perturbam a mentalidade infantil, são ao mesmo
tempo muito importantes para seu desenvolvimento.

Já mencionei que o menino introduz dentro de si, isto é, introjeta mentalmente, o mundo externo
tal como o percebe. Primeiro introjeta o peito bom e mau e depois gradualmente a mãe total,
também concebida como mãe boa e má. Conjuntamente introjeta ademais ao pai e a outras pessoas
do ambiente em menor grau; mas do mesmo modo que a mãe, à medida que passa o tempo estas
figuras vão adquirindo maior importância e independência na mente do menino. Se o menino
consegue implantar dentro de se uma mãe afetuosa e que o ajuda, esta madre internalizada será
uma influência muito benéfica ao longo de sua vida.

Ainda que normalmente esta influência mude de caráter à medida que se desenvolva sua mente,
se a pode comparar em importância com o lugar que ocupa a mãe real para a vida do recém
nascido. Não quero significar com isto que os pais bons "internalizados" serão assim
206
experimentados de maneira consciente (ainda o sentimento do bebê de possuir a mãe dentro de si
é profundamente inconsciente), senão tão só que algo dentro da personalidade é sábio e bondoso;
isto fomenta a confiança e ajuda a combater e superar os temores de ter dentro de sim figuras más
e de estar governado por um ódio incontrolável, mais ainda, ensina a confiar nas pessoas além do
círculo familiar.

Como já assinalei, o menino experimenta toda frustração de modo muito agudo e conquanto
simultaneamente se levasses a cabo uma progressiva adaptação à realidade, a vida emocional do
menino está dominada pelo ciclo de gratificação-frustração, sendo os sentimentos de frustração
de natureza muito complexa. O doutor Ernest Jones sustenta que a frustração sempre se
experimenta como privação; se o bebê não obtém o que deseja sente que a mãe má que tem poder
sobre ele o retém.

Respeito do tema principal de trabalho podemos agora dizer que quando o bebê deseja o peito e
este não está é como se o tivesse perdido para sempre. Já que a concepção do peito se estende à
mãe, o sentimento de ter perdido o peito leva ao temor de ter perdido à mãe amada e isto significa
não só a mãe real senão também a madre boa internalizada. Segundo minha experiência, este
temor à perda total do objeto bom (internalizado e externo), mistura-se com sentimentos de culpa
de tê-la destruído (tê-la comido) e então o bebê sente sua perda como um castigo por sua horrível
ação. Desse modo se associam à frustração sentimentos dolorosos e conflitivos que a sua vez
convertem uma simples frustração em algo tão pulsante. A experiência do desmame reforça
enormemente estes sentimentos dolorosos e mantém esses temores.

Na medida em que o menino nunca possui o peito em forma ininterrupta e cada tanto experimenta
sua perda, poderíamos dizer que num verdadeiro sentido é constantemente desmamado ou está
numa situação que leva ao desmame. No entanto, o momento crucial é aquele em que a perda do
peito ou da mamadeira é total e irrevogável.

Citarei um caso observado por meu no qual os sentimentos vinculam dois a esta perda se mostram
com clareza. Quando Rita, que tinha dois anos e nove meses, vinho à análise, era uma menina
muito neurótica com toda classe de medos e grandes dificuldades para vir; tinha depressões e
sentimentos de culpa nada infantis e muito notórios. Estava muito afeiçoada a sua mãe,
evidenciando às vezes um amor exagerado e outras um grande antagonismo. Quando vinho a ver-
me ainda tomava uma mamadeira à noite e a mãe me informou que deveu continuar dando-se,
pois a menina se mostrava muito perturbada quando tentava suspendê-lo. O desmame de Rita
tinha sedo muito difícil, foi amamentada uns meses e depois, com grande dificuldade, se lhe deu
mamadeira, que ao começo não quis aceitar. Depois se tinha acostumado e uma vez mais teve
grandes dificuldades ao ter que o substituir por comida sólida.

Quando durante a análise se lhe suspendeu essa última mamadeira, desesperou-se. Perdeu o
apetite, não queria comer, afeiçoou-se mais e mais a mãe, perguntando constantemente se a
queria, se tinha portado mal, etc. Não era um problema de dieta, já que o leite só era uma parte
do que comia e agora a mudança consistia em que se a ofereciam em copo. Eu tinha aconselhado
à mãe que fosse ela mesma quem lhe desse o leite com um ou dois biscoitos, junto a sua cama ou
bem a tendo na saia. Mas a menina se negava a tomá-la. Sua análise revelou que seu desespero se
devia ao temor de que a mãe se morresse ou ao temor de que a mãe a castigasse cruelmente por
sua maldade. O que considerava sua “maldade” eram seus desejos inconscientes passados e
presentes de que a mãe se morresse. Etapa excessiva pela angústia de ter destruído, especialmente
de ter comido, a sua mãe; e a perda da mamadeira era vivida como uma confirmação. O olhar à
207
mãe não aliviava seus temores, até que estes foram resolvidos mediante a análise. Neste caso, os
temporões temores persecutórios não foram superados e, portanto não se estabeleceu uma relação
pessoal com a mãe. Seu fracasso se devia em parte a sua incapacidade de resolver seus conflitos,
e por outra parte à conduta de sua mãe, que era sumamente neurótica (e isto último também fazia
parte do conflito interno).

É evidente que uma boa relação entre o menino e a mãe é de grande valor quando surgem estes
conflitos básicos e durante sua elaboração. Devemos ter presente que, no momento crítico do
desmame, o bebê perde seu objeto "bom", isto é, o que mais ama. Tudo o que faça menos dolorosa
a perda de um objeto "bom" externo, e diminua o temor a ser castigado, ajudará a que o menino
preserve a confiança em sua objeto bom interno. Ao mesmo tempo prepara o caminho para que o
menino pese à frustração, conserve uma feliz relação com sua mãe real e estabeleça relações
prazenteiras com outras pessoas. Conseguirá então satisfações que substituirão a que perdeu.

Que podemos fazer para ajudar ao menino nesta difícil tarefa? As medidas começam desde o
nascimento. Desde o princípio a mãe deve fazer tudo o possível por estabelecer uma relação feliz
com o menino. Freqüentemente observamos mães que se preocupam por tudo o vinculado com a
condição física do bebê, concentram-se nesse aspecto como se o menino, mais do que um ser
humano, fora uma máquina que precisa constantes cuidados. Também é a atitude de muitos
pediatras, que só se interessam pelas reações emocionais na medida em que indicam algo em
relação com o estado físico ou intelectual do bebê. Muitas mães não se dão conta de que o pequeno
bebê já é um ser humano cujo desenvolvimento emocional é de enorme importância.

O bom contato entre mãe e bebê pode perigar na primeira ou primeiras mamadas se a mãe não
sabe como oferecer e fizer que o bebê aceite o mamilo. Se em lugar de ser paciente com as
dificuldades que surgem, empurra bruscamente o mamilo dentro da boca do bebê, este pode não
desenvolver um laço adequado com o peito e o mamilo, e ter dificuldades para a alimentação.
Pelo contrário, podemos também comprovar como bebês que têm dificuldades ao começo, com
uma ajuda paciente se convertem em bons comensais, tanto como os que não tiveram nenhuma
3.Além do amamentamento, há muitas outras ocasiões nas que o bebê poderá sentir e registrar
inconscientemente o amor, a paciência e o entendimento da mãe, ou tudo o oposto. Como já
assinalei, os primeiros sentimentos se experimentam em relação com os estímulos externos e
internos prazerosos ou desprazerosos e se enlaçam a fantasias. A maneira como se trata ao bebê,
ainda desde o parto, deixa impressões em sua mente. Ainda que neste temporão estágio de seu
desenvolvimento ele não relacione seus sentimentos prazenteiros, que o cuidado e a paciência de
sua mãe acordam nele, com ela como "pessoa total", é de vital importância que experimente essas
sensações de prazer e confiança. Tudo o que contribua a que se senta rodeado de objetos amistosos
(concebidos pelo bebê em sua maior parte como "peitos bons") prepara o terreno e colabora para
uma feliz relação com a mãe e depois com outras pessoas.

Deve-se manter um equilíbrio entre as necessidades físicas e psíquicas. A regularidade no


amamentamento provou ser de grande valor para o bem-estar físico do menino e isto influi a sua
vez em seu desenvolvimento psíquico, mas há muitos bebês que na primeira época não suportam
intervalos muito longos entre mamadas. Nestes casos é melhor não se cingir de um modo estrito
às regras e alimentar ao bebê cada três horas ou menos, e ainda, se é necessário, dar-lhe um pouco
de água açucarada entre mamadeiras.

Creio que o uso da chupeta é útil. Conquanto seja verdadeiro que tem suas desvantagens -não as
de índole higiênica, pois essas podem superar-se- senão de natureza psicológica, especificamente
208
a desilusão de não receber o leite quando succiona, pelo menos tem a gratificação parcial de poder
succionar. Se não se lhe permitem a chupeta succionará provavelmente seus dedos e é mais fácil
desacostumá-lo da chupeta que de chupar-se os dedos. Pode-se começar o desmame gradualmente
e dar-lhe depois de mamar só antes de ir dormir ou se não se sente bem.

No que respeita a desacostumá-lo de chupar-se o polegar, a doutora Middlemore (1936) expressa


à opinião de que em geral não se lhe deve proibir. Creio que devo sustentar dita opinião. Deve-se
evitar causar frustrações desnecessárias. Ademais, está o fato de que frustrações orais muito
intensas podem levar a uma necessidade intensificada de prazer genital, por exemplo,
masturbação compulsiva, e que muitas frustrações intrinsecamente orais se transladam ao genital.

Mas há ademais outros aspectos que devemos considerar. O chupar incontrolado do polegar ou
da chupeta tem o risco de fomentar uma fixação oral (com isto quero dizer que se impede o
movimento natural de a libido da boca aos genitais), enquanto uma ligeira frustração oral tem o
efeito desejável de distribuir os impulsos sexuais.

3 Devo agradecer ao doutor D. Winnicott por muitos detalhes esclarecedores a respeito deste tema.

Uma sucção contínua pode inibir o desenvolvimento da linguagem; mais ainda, com o chupar do
polegar, se é excessivo, pode magoar-se o dedo e experimentar dor. Isto não só é molesto, senão
que a conexão entre o prazer de succionar e a dor em seus dedos é desvantajosa psicologicamente.

No que respeita à masturbação, afirmo categoricamente que não se deve interferir, que o menino
deve ser livrado a sua própria maneira4. No que se refere à sucção do polegar, devo dizer que em
muitos casos pode ser substituída sem pressionar, de modo parcial e gradualmente, com outras
gratificações orais, tais como caramelos, frutas e em especial os alimentos favoritos. Estes devem
ser previstos a vontade do menino e ao mesmo tempo, com a ajuda da chupeta, suavizar o processo
do desmame.

Outro ponto que quero remarcar é o erro de tentar a educação dos esfíncteres muito cedo. Algumas
mães se orgulham de tê-lo conseguido, mas não se dão conta do dano psicológico que podem
provocar. Isto não significa que se cause dano se de vez em quando se senta ao bebê num urinar
para que se vá acostumando. O que deve fazer-se é que a mãe não deve mostrar-se muito ansiosa
nem tratar de evitar que o menino se suje ou se molhe. O bebê percebe essa atitude para suas
excrementos e se sente perturbado, já que experimenta um intenso prazer sexual ao cumprir com
suas funções excretoras e ademais agrada de seus excrementos como parte e produto de seu corpo.
Por outra parte, como já assinalei, sente que suas fezes e sua urina são agentes hostis quando as
produz com sentimentos de ódio. Se a mãe lhe impede ansiosamente tomar contato do tudo com
eles, sente essa conduta como uma confirmação de que seus excrementos são malignos e de que
sua mãe lhes teme, assim a angústia da mãe incrementa a do bebê. Esta atitude frente a seus
próprios excrementos é daninha psicologicamente e tem um papel importante em muitas neuroses.

Por suposto que isto não significa que se deva permitir que o menino esteja sujo indefinidamente;
o que penso é que deve evitar-se que sua limpeza seja uma questão fundamental, pois o menino
sente então quão ansiosa está à mãe ao respeito. A limpeza deve levar-se a cabo com soltura,
evitando-se sinais de desaprovação ou desgosto quando se limpa o bebê.

4 Se tanto a masturbação como o chupar do polegar se levam a cabo excessiva ou prolongadamente, pode ser que algo
ande mal na relação do menino com seu ambiente. Por exemplo, pode ter medo de sua babá sem que seus pais o saibam.
Pode sentir-se mal na escola porque se sente atrasado ou porque se leva mal com algum maestro ou torne a outros
meninos. Descobre-se em análises que estas situações motivam uma grande tensão mental que se alivia mediante a

209
gratificação sexual compulsiva. Naturalmente, a remoção dos setores externos não sempre alivia sua tensão, mas, com
ditos meninos, uma reprimenda por sua excessiva masturbação só incrementa as dificuldades subjacentes. Quando estas
são muito grandes, só se pode solucioná-las com tratamento psicológico.

Penso que um treinamento sistemático deve levar-se a cabo só depois do desmame. Esta educação
é um verdadeiro esforço, tanto mental como físico, para o bebê e não se lhe deve impor enquanto
está lidando com o desmame. Ainda mais tarde, deve levar-se a cabo sem rigidez, como o mostra
a doutora Susan Isaacs em seu trabalho "Hábitos" (Isaacs, 1936).

Um elemento de grande significação para a futura relação entre madre e filho é sim a mãe pode
ou não amamentar naturalmente ao bebê. Se as circunstâncias o impedem, ainda pode estabelecer
um forte laço sim é capaz de compreender a mentalidade do menino.

O bebê goza da presença de sua mãe de muitas maneiras, joga com seu peito depois de mamar,
desfruta quando ela o olha e lhe sorri, quando lhe fala e joga com ele ainda que não entenda o
significado das palavras. Acostumar-se-á a sua voz, seu canto permanecerá como uma recordação
prazenteira e estimulante em seu inconsciente. Quantas vezes podem acalmar e evitar sua tensão
ou um estado mental desagradável permitindo-lhe dormir calmo em lugar de esgotar-se chorando!
Só pode estabelecer-se uma relação feliz mãe-filho quando a alimentação não se converte num
dever senão num verdadeiro prazer para a mãe. Desfruta-se dela, o menino inconscientemente se
dará conta e esta felicidade recíproca promoverá um entendimento emocional plena entre ambos.
No entanto, a mãe deve ter presente que o bebê não é sua extensão, e que ainda que seja muito
pequeno e dependente, é uma entidade por se mesmo e deve ser tratado como um indivíduo; não
deve uni-lo demasiado a si e deve ajudá-lo a crescer independentemente. Quanto antes adote esta
atitude será melhor: não só ajudará ao menino senão que se protegerá de futuros desencantos.

Não se deve interferir o desenvolvimento do menino; uma coisa é gozar e compreender seu
crescimento, outra é tratar de acelerá-lo. Deve permitir-se que cresça calmamente a seu ritmo
próprio. Como disse Ela E. Sharpe (1936), o desejo de impor um ritmo de crescimento conforme
com um plano prefixado é prejudicial para a relação mãe-filho. Dito desejo com freqüência se
deve à angústia, que é uma das causas principais de perturbações em dita relação. Outra atitude
de grande transcendência é a postura da mãe respeito do desenvolvimento sexual do menino, isto
é, suas experiências e sensações corporais e os sentimentos e desejos anexos. Não sempre se tem
em conta que o bebê desde o nascimento tem fortes sensações sexuais, as que ao princípio se
põem de manifesto pelo prazer de suas atividades orais e excretoras, mas que muito cedo se
conectam com os genitais (masturbação). Também não é sabido habitualmente que essas
sensações sexuais são essenciais para um adequado desenvolvimento, tanto de sua personalidade
e caráter como de uma sexualidade adulta satisfatória. Já opinei que não se deve interferir na
masturbação do bebê nem exercer pressão para desacostumá-lo de chupar-se o polegar, bem como
também se deve ser compreensiva respeito do prazer que sente em suas funções excretoras. Mas
tudo isso não é suficiente; a mãe deve ter ademais uma atitude amistosa para essas manifestações
de sexualidade. Com freqüência se costuma mostrar desgosto, dureza ou burla, que são
humilhantes e prejudiciais para o menino.

Já que todas as tendências eróticas do menino se dirigem inicialmente para os pais, suas reações
influirão todo seu desenvolvimento. Por outra parte, também não é aconselhável mostrar
excessiva indulgência, em especial no que respeita a tomarem-se demasiadas liberdades com a
madre. Nesse aspecto ela deve restringir ao bebê, suave, mas firmemente, sem participar de sua
sexualidade. O limite do papel materno é aceitar a sexualidade do menino amistosamente. As
necessidades eróticas da mãe no que ao bebê respeita devem ser controladas, evitando o excitado
210
apaixonamento pelas atividades do cuidado do bebê. Quando o banha, seca e entalca deverá
limitar seus gestos, em particular no que se refere aos genitais do bebê. A falta de controle será
vivenciada pelo bebê como sedução e isto complicará seu desenvolvimento. Mas também não
deve privá-lo de seu amor, por verdadeiro pode e deve acariciá-lo e beijá-lo, tê-lo em braços tudo
o que seja necessário.

É essencial que o menino não durma no dormitório dos pais nem presencie as relações sexuais.
Muita gente crê que isto não é daninho para o bebê, porque não se dão conta de seus sentimentos
sexuais. Sua agressão e seus temores se incrementam por causa dessa experiência, já que o que
parece não compreender intelectualmente incorpora-o inconscientemente. Com freqüência,
quando os pais crêem que dorme, está desperto ou semi adormecido, e ainda dormido pode
perceber o que sucede. Tudo é sentido de um modo nebuloso, mas em sua mente inconsciente
permanece ativo uma recordação, distorcido, mas vívido, que tem efeitos prejudiciais pára seu
desenvolvimento. Essencialmente prejudicial resulta quando esta experiência coincide com
outras, como por exemplo, uma doença, operação ou bem, voltando ao tema principal, com o
desmame.

Quanto ao processo do desmame, parece-me de grande importância que este se leve a cabo lenta
e suavemente. Deve-se desmamar ao bebê, por exemplo, aos oito ou nove meses, idade que me
parece adequada, já aos cinco ou seis meses deve substituir-se uma mamada pela mamadeira, uma
vez por dia A seguir deve introduzir-se uma mamadeira por mês substituindo ao peito. Ao mesmo
tempo se lhe começará a dar comida sólida, para começar a suprimir-lhe a mamadeira, que será
substituído em parte com leite em copo e em parte com alimento sólido. Facilitar-se-á o desmame
se ademais se tem paciência e gentileza para acostumá-lo à nova comida. Não deve fazer-se comer
mais do que deseja nem comida que não lhe agrade; pelo contrario, deve dar-se em abundância o
que prefere, sem ensiná-lo a "portar-se bem na mesa" neste momento.

Assinalei a grande importância que lhe atribuo ao amamentamento natural; direi agora algumas
palavras com respeito às situações em que não é possível fazê-lo. A mamadeira é um substituto
do peito materno, já que permite ao bebê o prazer de succionar e desse modo estabelecer, em certo
grau, a relação peito-mãe em conexão com a mamadeira brindada pela mãe ou babá. A experiência
nos demonstra que, com freqüência, meninos alimentados com mamadeira se desenvolvem muito
bem 5. No entanto, em análise sempre se descobre em ditos meninos um profundo anseio pelo
peito nunca satisfeito, e ainda que a relação mãe-peito foi estabelecida em alguma medida, faz
uma diferença ao desenvolvimento psíquico o fato de que a temporã e fundamental gratificação
tenha sido obtida de um substituto e não do objeto real desejado. Pode dizer-se que ainda que os
meninos alimentados com mamadeira se possam desenvolver bem, o desenvolvimento seria
diferente e melhor num ou outro sentido se os tivesse podido amamentar naturalmente. Ademais,
minha experiência estabelece que meninos cujo desenvolvimento se vê perturbado ainda que
fossem amamentados naturalmente, tivessem sido muito piores de não ter sido alimentados assim.
Sintetizando: o amamentamento natural é uma vantagem para o desenvolvimento, ainda que
alguns meninos que não têm esta favorável experiência se desenvolvem bem sem ela.

Expus neste trabalho os métodos com os quais fazer do amamentamento e do desmame uma
experiência exitosa. No entanto, devo adicionar que o que parece ser um sucesso não sempre é
total. Ainda que alguns meninos aparentem passar muito bem pelo desmame e por um tempo
progridem satisfatoriamente, no profundo não puderam superar as dificuldades que surgem dessa
situação e só se adaptaram externamente. Dita adaptação se deve ao desejo de comprazer àqueles
de quem tanto dependem, e a sua necessidade de estar em bons termos com eles. Ainda neste
211
temporão período da vida podem observar-se essas tendências, posto que, segundo creio, os bebês
têm muita maior capacidade intelectual que a que se presume. Existe também outra razão para
essa adaptação exterior, a que serve de escape de profundos conflitos internos que não podem
resolver. Em certos casos há signos mais óbvios do fracasso de uma verdadeira adaptação, por
exemplo, defeitos de caráter tais como ciúmes, avidez e ressentimento. Ao respeito mencionarei
os trabalhos do doutor Karl Abraham sobre a relação entre as dificuldades temporãs e a formação
do caráter.

5 Mas ainda; meninos que têm experiências muito difíceis numa etapa temporã, como adoeças, desmame brusco ou
uma operação, com freqüência se desenvolvem satisfatoriamente, ainda que ditas experiências de um modo ou outro
constituam uma desvantagem e devam ser evitadas no possível.

Todos conhecemos pessoas que vivem queixando-se constantemente. Por exemplo, consideram
o mau tempo como algo que o destino lhes depara. Há outros que se afastam de toda gratificação
se não a obtêm de imediato quando a desejam; como diz uma velha canção popular: "Desejo o
que quero quando o quero, senão não o quero" (I want what I want when I want it, or dom't want
it at all!).

Tratei de mostrar-lhes que ao bebê lhe resulta muito difícil tolerar a frustração devido aos
profundos conflitos internos que com ela se enlaçam. Um desmame verdadeiramente exitoso
implica que o bebê não só se acostumou à nova comida, senão que deu os primeiros e
fundamentais passos para superar seus temores e conflitos, e que, por conseguinte se adapta à
frustração verdadeiramente. Se essa adaptação se levou a cabo, então podemos aplicar ao
desmame seu antigo significado.

Creio que no inglês antigo a palavra weaning (destetar) utilizava-se não só no sentido de weaning
from (desmamar de algo) senão também como weaning to (desmamar para algo). Aplicando os
dois sentidos podemos dizer que, quando se levou a cabo uma verdadeira adaptação à frustração,
o bebê não só é desmamado do peito de sua mãe, senão para outros substitutos, todas as fontes de
gratificação e satisfação necessárias para levar adiante uma vida plena e feliz. Pós Scriptum6: As
recentes investigações sobre os temporões estágios da infância, em especial os primeiros três ou
quatro meses de vida, ampliaram nosso conhecimento e é por isso que creio necessário fazer esta
adição.

Como descrevi em detalhe em meu trabalho sobre o desmame, as emociones do lactente são
particularmente poderosas e dominadas pelos extremos. Há processos vigorosos de dissociação
entre os dois aspectos (bons e maus) de seu primeiro e mais importante objeto, a mãe, e entre suas
emoções (amor e ódio) para ela. Esta divisão lhe permite dominar seus temores. Os temporões
temores surgem de seus impulsos agressivos que se despertam facilmente por qualquer frustração
ou incomodação, e tomam a forma de sentirem-se abandonados, danados, atacados, isto é,
intensamente perseguidos. Estes temores persecutórios se centram na mãe e prevalecem até que
desenvolve uma relação mais integrada com ela (e em conseqüência com outras pessoas), o que
implica também uma integração de sua eu.

6 Agregado em 1952.

Descobriu-se que a chave entre o amor e o ódio, habitualmente descrito como dissociação de
emoções, varia em sua forma e intensidade. Estas variações estão unidas à intensidade dos
temores persecutórios do lactente. Se a dissociação é excessiva, a fundamental relação com a mãe
não pode conseguir-se com segurança e se perturba o progresso normal para a integração do eu.

212
Isto pode dar como resultado, mais tarde, doença mental. Outra conseqüência possível é a inibição
do desenvolvimento intelectual, que pode contribuir ao retardo mental e, em casos extremos, a
deficiências mentais. Ainda no desenvolvimento normal há perturbações temporários em relação
com a mãe, às que se devem estados de afastamento da mãe e das emoções. Estes estados podem
ser freqüentes e prolongados, nesse caso devem considerar-se como indicações de um
desenvolvimento anormal.

Se as dificuldades da primeira fase são superadas normalmente, o bebê supera os sentimentos


depressivos que surgem no crucial estágio que aparece depois entre os quatro e os seis meses.

Os achados teóricos a respeito do primeiro ano de vida que derivam da análise de meninos
pequenos (em geral de dois anos em adiante) viram-se confirmados nas análises de meninos
maiores e adultos. Eles foram aplicados cada vez mais à observação da conduta infantil,
ampliando se o campo até incluir bebês muito pequenos. Desde que apareceu este trabalho,
reconheceram-se sentimentos depressivos em meninos muito pequenos de um modo mais geral e
em certo grau também se observaram alguns dos fenômenos descritos nos bebês de três e quatro
meses. Por exemplo, os estados de afastamento mediante os quais o menino se isola de suas
emoções implicam uma ausência de resposta ao ambiente. Nesses estados o bebê aparece apático,
sem interesse em seu ambiente, situação que é passada por alto mais facilmente do que
perturbações tais como choro excessivo, inquietude ou inapetência.

O crescente entendimento das angústias do bebê fará possível a todos os que o cuidam encontrar
a maneira de aliviar suas dificuldades. As frustrações são inevitáveis e as angústias que tenho
descrito não podem ser erradicadas totalmente. No entanto, um melhor entendimento das
necessidades emocionais do bebê pode influir favoravelmente em nossa atitude para o problema
e ajudá-lo em seu caminho para a estabilidade. Ao expressar esta esperança resumo o principal
propósito deste estudo.

Biblioteca Melanie Klein

19. AMOR CULPA E REPARAÇÃO (1937)

As duas partes deste livro tratam aspectos muito diferentes das emoções humanas. A primeira,
Ódio, voracidade e agressão, consideram os poderosos impulsos de ódio que constituem uma
parte fundamental da natureza humana. A segunda, na que tento descrever as forças igualmente
poderosas do amor e o impulso de reparação, complementa a primeira, pois a aparente divisão
implícita neste método de expor em realidade não existe na mente humana. Ao separar assim
nosso enfoque talvez não consigamos transmitir uma ideia clara da constante "interação" de amor
e ódio, mas se impõe a divisão neste vasto tema, pois o modo como os sentimentos de amor e as
tendências de reparação se desenvolvem em conexão com os impulsos agressivos e apesar deles,
só poderá demonstrar-se quando se tenha tido em conta o papel que aquelas forças destrutivas
desempenham na interação de ódio e amor.

213
O artigo de Joan Riviere demonstrou que estas emoções aparecem pela primeira vez na temporã
relação do menino com o seio materno e que se dirigem fundamentalmente para a pessoa desejada.
É necessário retomar a vida mental do menino para estudar a interação das diferentes forças que
se congregam no mais complexo de todos os sentimentos humanos: o que chamamos amor.

A situação emocional do lactente O primeiro objeto de amor e ódio do lactente, sua mãe, é
desejado e odiado ao mesmo tempo com toda a força e intensidade características das temporãs
necessidades do menino. Ao princípio ama a sua mãe quando esta satisfaz suas necessidades de
nutrição, acalmando suas sensações de fome e proporcionando-lhe prazer sensual mediante o
estímulo que experimenta sua boca ao succionar o peito. Esta gratificação faz parte essencial de
sua sexualidade, da que em realidade constitui a primeira expressão. Mas quando o menino tem
fome e não se o gratifica, ou quando sente moléstias ou dor física, a situação muda bruscamente.
Acorda-se seu ódio e sua agressão e o dominam impulsos de destruir à mesma pessoa que é objeto
de seus desejos e que em sua mente está vinculada a todas suas experiências, boas e más. Ademais,
como o assinalou Joan Riviere, o ódio e os sentimentos agressivos do lactente dão origem aos
mais penosos estados, como o sufocassem, o aperto e outras sensações similares que, ao ser
sentidas como destrutivas para seu próprio corpo, aumentam novamente a agressão, o infortúnio
e os temores.

O meio primário e imediato de aliviar ao lactente da dolorosa situação de fome, ódio, tensão e
temor é a satisfação de seus desejos pela mãe. A temporária segurança obtida ao receber
gratificação incrementa grandemente a gratificação em si; deste modo a segurança se transforma
num importante componente da satisfação de receber amor.

Isto se aplica às formas de amor mais simples e a suas manifestações elaboradas, tanto ao menino
como ao adulto. Nossa mãe desempenha um papel duradouro em nossa mente porque ela foi a
que primeiro satisfez todas nossas necessidades de auto-preservação e nossos desejos sensuais,
proporcionando-nos segurança, ainda que os diversos modos em que esta influência atua e as
formas que às vezes toma não resultem muito óbvios numa etapa anterior. Por exemplo: uma
mulher pode aparentemente ter-se apartado de sua mãe, e, no entanto procurar inconscientemente
alguns aspectos daquele primeiro vínculo em sua relação com o marido ou com o homem que
ama. A parte importante que desempenha o pai na vida emocional do menino influi também em
todas as relações de amor posteriores e em todas as associações humanas. Mas o primeiro laço
infantil com ele, como figura gratificante, amistosa e protetora, está parcialmente baseado na
relação com a mãe.

O lactente, para quem a mãe é primariamente só um objeto que satisfaz todos seus desejos, um
peito bom 1, cedo começa a responder a suas gratificações e cuidados desenvolvendo sentimentos
de amor para ela como pessoa. Mas este primeiro amor se encontra já perturbado em sua raiz por
impulsos destrutivos. Amor e ódio lutam em sua mente e, em verdadeiro grau, esta luta persiste
durante toda a vida, podendo constituir-se em fonte de perigo nas relações humanas.

1 Com o objeto de simplificar a descrição dos fenômenos complicados e pouco conhecidos que apresento neste artigo,
ao falar da alimentação do lactente me referirei só à lactância de peito. Muito do que exponho e deduzo em relação com
a lactância, aplica-se também à alimentação com mamadeira, ainda que com algumas diferenças. Em relação com isto,
citarei uma passagem de meu artigo sobre “O desmame" (1936): "A mamadeira é um substituto do seio materno, pois
permite ao lactente o prazer de succionar e estabelecer verdadeiro grau de relação com a mamadeira dada pela mãe ou
a babá. A experiência nos ensina que, muito com freqüência, os meninos que não foram amamentados se desenvolvem
muito bem. No entanto, descobrir-nos na análise que devastes pessoas sentem pelo seio um profundo anseio que nunca
foi satisfeito, e ainda que a relação com o peito da mãe se estabeleceu em certo grau, é enorme a diferença no
desenvolvimento psíquico se a gratificação primeira e fundamental se obteve por meio de um substituto em lugar da
214
coisa real desejada. Podemos dizer que, ainda que os meninos se desenvolvam bem sem ser amamentados, o
desenvolvimento tivesse sido melhor e diferente se tivessem tido uma lactância satisfatória ao peito. Por outra parte,
deduzo de minha experiência que os meninos amamentados, ainda que se desenvolvam mal, tivessem estado piores
sem a lactância de peito"

Os impulsos e sentimentos do lactente se acompanham de um tipo de atividade mental que


considero como a mais primitiva: é a elaboração da fantasia ou mais familiarmente, o pensamento
imaginativo. Por exemplo, o menino que almeja o peito materno, ao não o ter imagina que o tem,
isto é, evoca a satisfação que deriva dele. Este primitivo fantasiar é a forma inicial de uma
capacidade cujo desenvolvimento posterior se observa nos trabalhos mais elaborados da
imaginação.

As fantasias temporãs que acompanham os sentimentos do lactente são variadas. Na que


acabamos de mencionar imagina a gratificação que lhe falta. Com tudo, as fantasias prazenteiras
também coexistem com a satisfação real, e as destrutivas vêm com a frustração e os sentimentos
de ódio que esta desperta. Quando se sente frustrado pelo peito o ataca em suas fantasias, mas se
o peito o gratifica o ama e fantasia agradavelmente com ele. Em suas fantasias agressivas deseja
morder e destroçar à mãe e a seus peitos, e destruí-la também em outras formas.

Um impulso muito importante da fantasia destrutiva, equivalente ao desejo de morte, é o do


lactente que crê que seus desejos fantasiados têm efeito real, isto é, que sente que seus impulsos
destrutivos destruíram realmente ao objeto e seguirão destruindo-o; isto tem conseqüências
sumamente importantes para seu desenvolvimento mental. Defende-se de tais temores mediante
fantasias onipotentes de tipo reparador, o que também influi grandemente em seu
desenvolvimento. Se em suas fantasias agressivas o menino machucou a sua mãe mordendo-a e
destroçando-a, cedo pode fantasiar que une de novo seus pedaços para conserta-la2, no entanto,
isso não aplaca do todo seu receio de ter destruído ao objeto que, já o sabemos, é o que mais amo
e precisa, do que depende inteiramente. Em minha opinião estes conflitos básicos atuam
profundamente sobre o curso e a força da vida afetiva dos adultos.

Sentimento inconsciente de culpa.

Todos sabemos que ao captar em nós impulsos de ódio para a pessoa amada nos sentimos
afligidos e culpadas. Como diz Coleridge: ... O agastamento contra o ser amado tortura acesso
como a demência.

2 A psicanálise dos meninos pequenos, que me permitiu também chegar a conclusões no que se refere ao trabalho da
mente numa primeira etapa, convenceu-me de que tais fantasias se encontram ativas já nos lactentes. A psicanálise de
adultos me demonstrou que os efeitos destas fantasias primitivas são duradouros e influi profundamente na mente
inconsciente destes.

Como os sentimentos de culpa são muito dolorosos, costumamos relegá-los muito ao fundo da
mente. No entanto, expressam-se disfarçados em diferentes formas e constituem uma fonte de
perturbação em nossas relações pessoais. Certas pessoas, por exemplo, se perdem muito cedo
quando nota falta de apreço, ainda em quem pouco signifique para elas; a razão é que em seu
inconsciente consideram que não merecem o atendimento de ninguém, e uma atitude fria lhes
confirma a suspeita de não ser dignos. Outras estão insatisfeitas de se mesmas (sem base objetiva)
nas mais variadas formas, seja em relação com sua aparência, seu trabalho ou sua capacidade em
geral. Algumas destas manifestações são comumente reconhecidas e costumam ser chamadas
vulgarmente "complexo de inferioridade".

215
As investigações psicanalíticas demonstram que as atitudes desta natureza têm raízes bem mais
profundas do que habitualmente se supõe e sempre estão relacionadas com sentimentos
inconscientes de culpa. Muitas pessoas têm intensa necessidade de louvor e aprovação geral,
precisamente porque precisam a prova de que são dignas de ser amadas. Isto se origina em seu
temor inconsciente de ser incapazes de brindar amor suficiente e genuíno e, em particular, de não
poder dominar os impulsos agressivos para os demais; temem ser um perigo para os que amam.

O amor e os conflitos em relação com os pais

A luta entre o amor e o ódio, com todos os conflitos a que dá lugar, aparece, como tratei de
demonstrar, na primeira infância e opera ativamente durante toda a vida. Começa na relação do
menino com ambos os pais. No vínculo do lactente com sua mãe já estão presentes os sentimentos
sensuais, que se expressam através de sensações prazenteiras na boca durante a sucção. Cedo
aparecem sensações genitais e o anseio pelo peito materno diminui. Não desaparece do tudo, no
entanto, senão que permanece ativo no inconsciente e também, em parte, na mente consciente.
No caso da menina, sua atração para o peito materno se transforma em interesse, em grande parte
inconsciente, pelo genital paterno, o qual se converte no objeto de seus desejos e fantasias
libidinais. À medida que prossegue o desenvolvimento, a menina deseja ao pai mais do que à mãe
e tem fantasias conscientes e inconscientes de ocupar o lugar desta, conquistando-o e
transformando-se em sua esposa. Zela também aos meninos de sua mãe e quisesse ter filhos com
o pai. Estes sentimentos, desejos e fantasias provocam rivalidade, agressão e ódio contra a mãe e
vêm agregar-se a anteriores agravos originados nas primeiras frustrações causadas pelo peito. Não
obstante, os desejos e fantasias sexuais para a mãe permanecem ativos na mente da menina.

Sob essa influência, quisesse também substituir ao pai em sua relação com a mãe; em certos casos
este anseio pode inclusive ser mais intenso que os que sentem para ele. Desse modo, seu amor
pelos pais coexiste com sentimentos de rivalidade para ambos, e esta mistura afetiva inclui
também aos irmãos e irmãs. Os desejos e fantasias vinculados à mãe e às irmãs constituem a base
de futuras relações homossexuais diretas, já seja como sentimentos homossexuais que se
expressarão indiretamente em forma de amizade e afeto entre mulheres. No desenvolvimento
normal das coisas, os desejos homossexuais ficam relegados ao segundo plano, modificam-se e
sublimam, e predomina a atração para o outro sexo.

Uma evolução similar ocorre no menino, que cedo experimenta desejos genitais para sua mãe e
ódio para o pai rival. Mas também nele se desenvolvem desejos genitais para o pai, e esta é a raiz
da homossexualidade masculina. Estas situações suscitam conflitos: a menina, ainda que odeie a
sua mãe, também a amo e o menino ama ao pai e quereria evitar-lhe o perigo que emana de seus
impulsos agressivos. O principal objeto de todos os desejos sexuais -para a menina, o pai, para o
menino, a mãe- também desperta ódio e rancor, porque defrauda estes desejos.

O menino zela intensamente a seus irmãos e irmãs, porque são seus rivais no amor dos pais. No
entanto, também os ama, e aqui de novo surgem fortes conflitos entre os impulsos agressivos e os
sentimentos de amor. Isto provoca culpa e origina novos desejos de fazer reparações, mistura os
sentimentos que têm grande influência não só na relação entre irmãos senão também, já que as
relações humanas obedecem ao mesmo padrão, na atitude social, o amor, a culpa e os futuros
desejos de consertar.

Amor, culpa e reparação

216
Como o expressei antes, os sentimentos de amor e gratidão surgem direta e espontaneamente no
menino, como resposta ao amor e cuidado de sua mãe. O poder do amor, que é a manifestação
das forças tendentes a preservar a vida, está presente no menino, bem como os impulsos
destrutivos, e encontra sua primeira expressão fundamental no vínculo com o peito da mãe; ao
evoluir, transforma-se em amor por ela como pessoa. Meu labor psicanalítico me convenceu de
que se produz uma etapa muito importante no desenvolvimento quando surgem na mente infantil
os conflitos de amor e ódio e se ativa o temor de perder ao ser amado. Os sentimentos de culpa e
pesar entram em ação como um novo elemento de amor, do que faz parte integrante, influindo
profundamente sobre sua qualidade e quantidade.

Até no menino pequeno se observa certa preocupação pelo ser amado, que não é como podia
pensar-se, tão só um signo de sua dependência do adulto benévolo e útil. Junto com os impulsos
destrutivos existe no inconsciente do menino e do adulto uma profunda necessidade de fazer
sacrifícios para consertar às pessoas amadas que, na fantasia, sofreram dano ou destruição.

Nas profundidades da mente o desejo de brindar felicidade aos demais se acha unido a um forte
sentimento de responsabilidade e interesse por eles, que se manifesta em forma de genuína
simpatia e de capacidade de compreendê-los tais como são.

Identificação e labor de reparação

A simpatia genuína consiste em poder colocar-se no lugar do outro, isto é, de "identificar-se"


com ele. A capacidade de identificação é um importantíssimo elemento nas relações humanas em
geral, e uma condição do amor intenso e autêntico. Só se temos capacidade de identificação com
o ser amado chegamos a descuidar e até certo ponto sacrificar nossos próprios sentimentos e
desejos, antepondo assim temporariamente aos nossos os interesses e emoções alheios. Já que ao
identificar-nos com outro ser compartilhamos a ajuda ou a satisfação que lhe proporcionamos,
recuperamos por uma via o que sacrificamos por outra3. Os sacrifícios pela pessoa amada e a
identificação com ela nos colocam no papel de um pai bom, e nos comportamos com ela como
nossos pais às vezes o fizeram conosco, ou como desejamos que o fizessem. Ao mesmo tempo
desempenhamos o papel do menino bom para seus pais, realizando no presente o que tivéssemos
querido fazer no passado. Assim, ao investir a situação, isto é, ao atuar para outros como pais
bondosos, recreamo-nos e gozamos na fantasia do amor e a bondade que almejamos em nossos
pais. Isto pode também constituir um modo de manejar os sofrimentos e frustrações do passado.

3 Como disse ao começo, é constante em todos nós a interação de amor e ódio. Não obstante, o tema que enfoco é o
modo como os sentimentos de amor se desenvolvem, consolidam-se e estabilizam. Já que não tratarei a agressão, devo,
de todos modos, declarar que dia permanece ativa ainda nas pessoas que possuem grande capacidade de amor. Em geral
nestas, a agressão e o ódio (diminuído este e parcialmente compensado pela capacidade de amar), encaminham-se em
grande parte para fins construtivos, o que chamamos "sublimação". Em realidade, não há atividade construtiva na que
não entre um pouco de agressão, numa ou outra forma. Tomemos, por exemplo, o trabalho da dona de casa: a limpeza
e restantes misteres atestam seu desejo de criar um ambiente grato para se e para os demais, o que constitui uma
manifestação de amor para os seres e objetos que cuida. Ao mesmo tempo, libera sua agressão contra o inimigo, ou
seja, a sujeira, que para seu inconsciente representa as coisas "más". O ódio e a agressão originais, provenientes das
fontes mais temporãs, podem ressurgir nas mulheres para quem a limpeza se volta obsessiva. Todos conhecem ao tipo
de mulher que amargura a vida da família com seu constante "mania de limpeza": nestes casos, o ódio se volta
precisamente contra as pessoas que ama e cuida. Odiar aos seres e coisas que se consideram odiosas, já sejam pessoas
que nos desagradem ou princípios (políticos, artísticos, religiosos ou morais) que se opõem aos nossos, é uma maneira
geral de desafogar sentimentos de ódio, agressão, desdém e desprezo em forma permitida e inclusive, às vezes, muito
construtiva, se não se a leva a extremos. Conquanto utilizadas em forma adulta, estas são no fundo as emoções de nossa
infância quando odiávamos às pessoas que eram ao mesmo tempo, objeto de nosso amor: os pais. Ainda então
tentávamos dirigir o amor para eles e virar o ódio para outros seres e coisas, processo que resultará mais afortunado

217
quando tenhamos desenvolvido e estabilizado nossa capacidade de amor, assim bem como estendido nosso âmbito de
interesses, amores e ódios na vida adulta. Darei outro exemplo: o trabalho dos advogados, políticos e críticos envolve
enfrentar conflitos, mas de modo tal que resulta permissível e útil. Aqui voltam a aplicar-se as conclusões que precedem.

Mediante a fantasia retrospectiva de desempenhar simultaneamente o papel do bom filho e do


bom pai eliminamos parte de nossos motivos de ódio conseguindo assim neutralizar as queixas
contra os pais frustradores, o furor vindicativo que eles nos provocaram e os sentimentos de culpa
e desespero provenientes deste ódio que danava aos que eram ao mesmo tempo objeto de nosso
amor. Ao mesmo tempo, no inconsciente consertamos nossos agravos fantasiados (produto de
nossa fantasia) que nos causavam ainda grande dose de culpa. Este mecanismo de "reparação" é,
a meu juízo, um elemento fundamental no amor e em todas as relações humanas; o mencionarei,
pois, com freqüência nas páginas seguintes.

Uma relação amorosa feliz

Tendo apresente o que expus sobre as origens do amor, consideraremos agora algumas relações
adultas, tomando como primeiro exemplo uma relação de amor estável e satisfatória entre homem
e mulher, como a que pode existir num casal feliz. Envolve um vínculo profundo e capacidade
para o sacrifício mútuo e para compartilhar tanto a dor como o prazer, tanto os interesses como
os gozes sexuais. Uma relação desta índole abre um extenso âmbito para as mais diversas
manifestações do amor4. Se a atitude da mulher para o homem é maternal, satisfaz, na medida
possível, os temporões desejos dele de receber gratificações de sua própria mãe. No passado esses
anseios nunca foram completamente satisfeitos, e também não foram abandonados do tudo. É
como se ele agora tivesse a sua mãe para si, com sentimentos de culpa relativamente escassos
(cuja razão se detalhará mais adiante). Se a mulher tem uma vida emocional ricamente
desenvolvida, além de abrigar sentimentos maternais, conservará um pouco de sua atitude infantil
para seu pai, e certas características da antiga relação enfatizarão seu vínculo com o marido. Por
exemplo, lhe brindará admiração e confiança, vendo nele uma figura protetora e útil, tal como
antes o fosse seu pai. Estes sentimentos formam a base de uma relação que permitirá a plena
satisfação dos desejos e necessidades da mulher como pessoa adulta.

A sua vez, esta atitude da mulher proporciona ao homem a oportunidade de protegê-la e cuidá-la
de mil maneiras, isto é, de desempenhar para sua mãe, em seu inconsciente, o papel de um bom
marido.

É nos jogos em que se ataca ao adversário temporariamente -e esta transitoriedade ajuda a


diminuir a culpa - com sentimentos que, outra vez, derivam das primeiras emoções infantis.
Existem, pois, várias formas sublimadas e diretas, em que as pessoas cordiais e capazes de amar
podem expressar seu ódio e agressão.

4 Ao considerar as emoções e as relações adultas me referirei neste artigo principalmente à influência que têm sobre as
manifestações posteriores do amor, os primeiros impulsos, sentimentos inconscientes e fantasias do menino. Isto leva
necessariamente a uma apresentação algo unilateral e esquemática, pois não me permite fazer justiça aos múltiplos
fatores que exercem durante toda a vida uma interação entre as influências do mundo externo e as forças internas do
indivíduo e que atuam conjunta mente para elaborar uma relação adulta.

Quando uma mulher é capaz de amar intensamente a seu marido e a seus filhos podemos deduzir
que muito provavelmente sua relação infantil com seus pais e irmãos foi boa, ou seja, que pôde
manejar em forma satisfatória seus temporões impulsos de ódio e vingança contra eles. Mencionei
anteriormente a importância do desejo inconsciente da menina deter um filho com seu pai, e os
impulsos sexuais envolvidos em tal desejo. A frustração sexual que lhe inflige o pai suscita

218
intensas fantasias agressivas, que terão grande influência sobre sua capacidade de obter
gratificação sexual na vida adulta. Na menina pequena as fantasias sexuais estão, pois, conectadas
com o ódio que, especificamente, vai dirigido contra o pênis do pai, pois este órgão lhe nega a
gratificação que proporciona à mãe. Seu ódio e seus ciúmes a levam a desejar que o pênis seja
algo perigoso e mau que também não possa gratificar a sua mãe; assim em sua fantasia o pênis
adquire qualidades destrutivas. Por causa de seus desejos inconscientes, centrados ao redor das
gratificações sexuais dos pais algumas de suas fantasias atribuem aos órgãos e prazeres genitais
um caráter perigoso e daninho. Estas fantasias agressivas são de novo neutralizadas em sua mente
pelo desejo de consertar: mais especificamente, de curar o genital paterno, ao que mentalmente
machucou ou investido de maldade. Também as fantasias de índole restauradora estão conectadas
com sentimentos e desejos sexuais. Todo este fantasiar inconsciente terá grande influência sobre
os sentimentos da mulher para seu marido. Se este a amo e ademais a gratifica sexualmente, suas
fantasias sádicas inconscientes se debilitarão. Mas, ainda que na mulher normal nunca atinjam
um grau que iniba a tendência a misturá-las com impulsos eróticos mais positivos ou amistosos,
estas fantasias jamais desaparecem do tudo, senão que estimulam às outras de natureza
reparadora; volta assim a atuar o impulso de reparação. As gratificações sexuais não só lhe
proporcionam prazer, senão que também a apaziguam e protegem contra os temores e sentimentos
de culpa derivados de seus primeiros desejos sádicos.

A sua vez, a pacificação acrescenta sua gratificação sexual e desperta em ela gratidão e ternura,
ao mesmo tempo em que acentua seu amor. Devido a que nas profundidades de sua mente perdura
a ideia de que seu genital é perigoso e poderia danar o do marido -noção que prove de suas
fantasias agressivas contra seu pai- parte da satisfação que obtém deriva do fato de comprovar
que seus genitais são bons, já que proporcionam a seu marido prazer e felicidade.

As fantasias da menina pequena sobre a periculosidade dos genitais paternos conservam certa
vigência no inconsciente da mulher. Mas se tem com seu marido uma relação feliz e sexualmente
gratificadora sente que os genitais daquele são bons, o qual dissipa seu medo. A gratificação
sexual atua bem como dupla garantia: de sua própria bondade e da de seu marido, e a segurança
que isto lhe brinda incrementa a sua vez o goze sexual, ampliando o círculo propício à paz íntima.
Os ciúmes e ódios temporões da mulher para sua mãe considerada como rival no amor do pai,
desempenharam um papel importante em suas fantasias agressivas. A felicidade mútua
proveniente da gratificação sexual e da relação feliz e amorosa com seu marido será parcialmente
interpretada como indício de que seus desejos sádicos contra a mãe foram inoperantes ou anulados
pela reparação.

Também a atitude emocional e a sexualidade do homem em sua relação com a mulher sofrem por
suposto a influência de seu passado. A frustração de seus desejos genitais por sua mãe, na
meninice, acordou nele a fantasia de que seu pênis se transformava num instrumento capaz de
feri-la e daná-la. Também contra seu pai alentou fantasias sádicas a raiz dos ciúmes e o ódio que
sentia contra esse rival no amor materno. Na relação sexual com seu colega entram em jogo, em
certo grau, suas temporãs fantasias agressivas, que o levaram a temer a destrutividade de seu
pênis. E, por uma transmutação de natureza similar à que se produz na mulher o impulso sádico,
quando não é excessivo, estimula as fantasias de reparação. Sentirá então que seu pênis é um
órgão bom e curativo, que proporciona prazer à mulher, conserta seu genital danado e lhe dá
filhos.

Uma relação feliz e sexualmente gratificadora lhe prova a bondade de seu pênis e também,
inconscientemente, o sucesso de suas tentativas de reparação. Isto não só aumenta seu prazer
219
sexual, seu amor e ternura pela mulher, senão que propícia sentimentos de gratidão e segurança,
os que a sua vez incrementam seus poderes criai ores em outros campos e influem favoravelmente
sobre sua capacidade para o trabalho e outras atividades. Ao compartilhar seus interesses (bem
como seu amor e seu prazer sexual), a mulher lhe prova o valor de seu trabalho. Seu primitivo
desejo de ser capaz de fazer por sua mãe o que seu pai fazia no terreno sexual e em outros de
receber dela o que ele recebia, com ela produz também o efeito de diminuir sua agressão contra
o pai, intensamente estimulada por seu fracasso em obter à mãe como esposa. Isto lhe tranqüiliza
quanto às conseqüências de suas prolongadas tendências sádicas contra o pai.

Já que seu ódio e seu rancor contra o pai enfatizaram seus sentimentos para os homens que o
representam e os ressentimentos contra sua mãe têm igualmente afetado sua relação com as
mulheres que a simbolizam, uma experiência amorosa satisfatória muda sua perspectiva vital e
sua atitude para a gente e as atividades em geral. O amor e o apreço de sua esposa lhe dão o
sentimento de ter atingido plena maturidade e de ser igual a seu pai. Atenua-se a rivalidade hostil
e agressiva contra este, cedendo o lugar a uma concorrência mais amistosa com ele -ou mais bem
com símbolos paternos admirados- nas realizações e tarefas produtivas e é muito provável que
aumente ou melhore sua criatividade.

Do mesmo modo, uma mulher que estabelece uma relação amorosa feliz com um homem se sente
inconscientemente à altura do lugar que a mãe, ocupava junto a "seu" marido e capaz de obter as
satisfações de que aquela desfrutava e que lhe foram negadas em sua meninice. Pode então
equiparar se a sua mãe e gozar da mesma felicidade, direitos e privilégios, mas sem danaria nem
roubá-la. Os efeitos sobre sua atitude e o desenvolvimento de sua personalidade são análogos às
mudanças produzidas no homem quando, mediante um casal feliz, considera-se igual a seu pai.

Desta maneira ambos os cônjuges experimentam a relação de amor e gratificação sexual mútua
como uma feliz recreação de seus primeiros anos familiares. Muitos desejos e fantasias nunca
podem ser satisfeitos na meninice 5, não só porque são irracionais senão também porque em o
conta com esta ajuda dos adultos, como com qualquer outra que precise. Em conseqüência, é
psicologicamente inadequado tentar solucionar as dificuldades dos meninos mediante o sistema
de não os frustrar de jeito nenhum. Naturalmente a frustração que é em realidade desnecessária
ou arbitrária e que não demonstra senão falta de amor e entendimento, é muito prejudicial. É
importante dar-se conta de que o desenvolvimento do menino depende, e até certo ponto está
formado, de sua capacidade de encontrar meios de suportar as frustrações inevitáveis e necessárias
e os conflitos de amor e ódio que são em parte ocasionados por elas: isto é, manejar-se entre o
ódio que aumenta com as frustrações, e o amor e o desejo de reparação impulsionado pela dor do
arrependimento. O modo como o menino se adapta a estes problemas de sua mente constituirá a
base de todas suas relações sociais posteriores, sua capacidade inconsciente coexistem
simultaneamente desejos contraditórios. Parece um paradoxo, mas em certa forma o cumprimento
de muitos desejos infantis só é possível quando o indivíduo cresceu.

5 Quando se trata de um menino, por exemplo, este deseja ter à mãe para se as vinte e quatro horas do dia, ter com ela
relações sexuais, dar-lhe filhos, matar ao pai do que está zeloso, despojar a seus irmãos e irmãs de tudo o que possuem
e apartá-los se interpõem em seu caminho. É óbvio que se estes desejos impossíveis se cumprissem, lhe causariam um
profundo sentimento de culpa. Até a admissão de desejos destrutivos de muito menor alcance lhe acorda conflitos
agudos. Por exemplo, muitos meninos se sentirão culpados ao ser favorito da mãe, porque seu pai e irmãos ficarão
prejudicados. Isto é o que quero dar a entender quando menciono desejos simultâneos contraditórios no inconsciente.
Os desejos do menino são ilimitados, o mesmo que seus impulsos destrutivos em relação com estes, mas ao mesmo
tempo também, inconscientes e conscientemente, tendências opostas; deseja também dar amor e consertar. Em
realidade, quer que os adultos que o rodeiam reprimam suas agressões e egoísmos, porque se lhes desse rédea solta,
sofrerá a dor do arrependimento e do desprezo.
220
Na relação feliz entre adultos o temporão desejo de ter à mãe ou ao pai para si permanece ainda
inconscientemente ativo. Por suposto, a realidade não permite que a gente se case com sua mãe
ou com seu pai; se isso fora viável, os sentimentos de culpa para terceiros interfeririam na
gratificação. Mas só quem no inconsciente pôde fantasiar tais relações e, até certo ponto, vencer
os sentimentos de culpa inerentes a estas fantasias e gradualmente conseguiu desprender-se dos
pais ao mesmo tempo em que permanecer vinculado a eles, estará capacitado para transferir seus
desejos a pessoas que representarão os almejados objetos do passado, sem ser idênticos a eles Isto
é, que só o indivíduo que tem "crescido", no verdadeiro sentido da palavra, poderá realizar suas
fantasias infantis na vida adulta; e por acréscimo, com o alívio da culpa sentida antanho por seus
desejos infantis. Efetivamente, uma situação fantasiada na meninice se fez agora real, mas lícita
e em forma tal que lhe demonstra que os diversos males que sua fantasia associava com dita
situação em realidade não ocorreram. Uma relação adulta feliz, como a que tenho descrito, pode
significar, segundo o expressei antes, uma recreação da temporã situação familiar, que será agora
mais completa, ampliando o âmbito de pacificar e segurança mediante a relação do homem e a
mulher com os filhos. Isto nos leva ao tema da paternidade.

Os pais: ser mãe

Consideraremos primeiro uma autêntica relação de afeto entre a mãe e o filho, tal como a que se
desenvolve se a mulher atingiu uma personalidade plenamente maternal. Muitos laços vinculam
a relação de uma mãe com seu filho à que na meninice manteve com sua própria mãe. Em todos
os meninos existe um forte desejo consciente e inconsciente de ter filhos. Nas fantasias
inconscientes da menina o corpo de sua mãe está cheio de filhos; imagina-se que foram postos ali
pelo pênis do pai, que para ela é símbolo de toda criatividade, poder e bondade. Sua atitude
predominantemente admirativa para seu pai e seus órgãos sexuais como criadores e capazes de
dar vida se acompanha de um intenso desejo de possuir filhos próprios e tê-los dentro de se como
a posse mais preciosa, adulta para amar e seu desenvolvimento cultural. Pode ser imensamente
ajudado na meninice pelo amor e o entendimento dos que o rodeiam, mas estes profundos
problemas não podem ser solucionados nem eliminados. A observação cotidiana nos mostra que
as meninas pequenas jogam com as bonecas como se estas fossem seus filhos. Com freqüência
fazem alarde de apaixonada devoção, tratando a esses brinquedos como a meninos reais, colegas,
amigos que fazem parte de sua vida. Não só não deixam as bonecas senão que constantemente se
ocupam delas desde que começa o dia e apresentam dificuldade em abandoná-las quando devem
fazer outra coisa. Estes desejos da meninice persistem para a idade adulta e contribuem a cimentar
a força do amor que uma mulher grávida sente pelo filho que cresce em suas entranhas e depois
pelo que deu a luz. A gratificação detê-lo ao fim alivia a dor de sua frustração infantil, quando
desejava um filho de seu pai e não podia tê-lo. O cumprimento de um desejo tão importante e
longamente postergado tende a diminuir sua agressão e aumentar sua capacidade de amor para
seu filho. Ademais, o desamparo do menino e sua grande necessidade de cuidados maternais
demandam mais amor que o que pode proporcionar-se a qualquer outra pessoa, brindando assim
um leito a todas as tendências afetuosas e construtivas da mãe, Ninguém ignora que algumas mães
sacam partido desta relação para gratificar seus próprios desejos, isto é, seu sentido possessivo e
a satisfação de ter quem dependa delas. Tais mulheres querem conservar os seus filhos aderidos
a elas e detestam a ideia de vê-los crescer e adquirir personalidade. Em outras, o desamparo do
menino faz aflorar todos seus fortes desejos de reparação que derivam de várias fontes e podem
agora aplicar-se ao filho longamente desejado, que representa o cumprimento de suas temporãs
aspirações. A gratidão para o menino que lhe proporciona o goze de poder amá-lo aumenta estes
sentimentos e pode conduzi-la a subordinar sua própria gratificação ao bem-estar de seu filho,

221
que se constituirá em seu interesse primordial. A natureza das relações da mãe com seus filhos
mudam, por suposto à medida que eles crescem. Sua atitude para os filhos maiores estará mais ou
menos sob a influência da atitude que teve no passado para seus irmãos, irmãs, primos, etc. Certas
dificuldades nas relações passadas podem interferir em seus sentimentos para seu próprio filho,
especialmente se este revela reações e impulsos que tendem a reativar nela os antigos problemas.
Os ciúmes e a rivalidade fraterna lhe acordaram desejos de morte e fantasias agressivas, e em sua
mente creu danar e destruir a seus irmãos. Se os sentimentos de culpa e conflitos derivados destas
fantasias não são demasiado fortes, a possibilidade de consertar vontade assim maior alcance e
seus afetos maternais podem manifestar-se de um modo mais completo. Um dos elementos desta
atitude materna parece ser a capacidade de pôr-se no lugar do menino e ver a situação desde seu
ponto de vista. O ser capaz de fazê-lo com amor e simpatia está intimamente sócio, como o vimos,
com os sentimentos de culpa e o impulso de reparação. No entanto, se a culpa é muito forte esta
identificação pode levar a uma atitude extremada de auto-sacrifico, sumamente desvantajosa para
o menino. É bem sabido que um menino educado por uma mãe que o inunda de amor e não lhe
pede nada a mudança, com freqüência se transforma numa pessoa egoísta. A falta de capacidade
de amor e consideração num menino é em certa medida um véu que encobre sentimentos de culpa
excessivos. A indulgência materna exagerada tende a fomentar um clima de quietude e, ademais,
não dá campo suficiente para o exercício do impulso infantil de fazer reparação, sacrifícios às
vezes, e desenvolver uma verdadeira consideração para os demais 6. Com tudo, se a mãe não está
demasiado envolvida nos sentimentos do menino nem excessivamente identificada com ele, pode
fazer uso de sua sensatez para guiar ao filho do modo mais proveitoso. Desfrutará então
plenamente da possibilidade de fomentar seu desenvolvimento, satisfação esta que se reforça com
as fantasias de fazer por seu filho o que conseguiu ou desejou que sua mãe fizesse por ela. Salda
assim sua dívida e conserta os danos que em sua fantasia fez aos filhos de sua mãe, o qual contribui
a aplacar seus sentimentos de culpa. A capacidade materna de amar e compreender os seus filhos
se põe a prova especialmente quando estes chegam à adolescência. Neste período os garotos
tendem normalmente a separar-se de seus pais já liberar-se em certa medida de seus antigos
vínculos com eles. Seus esforços para abrirem-se caminhos para novos objetos de amor criam
situações que quiçá resultem muito dolorosas para os pais. A mãe que tem fortes sentimentos
maternais pode permanecer firme em seu amor, ser paciente e compreensiva, proporcionar ajuda
e conselho quando sejam necessários e permitir, com tudo, que os filhos elaborem seus próprios
problemas, tudo isso sem pedir muito. No entanto, isto só é possível se sua capacidade de amar
se desenvolveu em forma tal que lhe permita uma dupla identificação, com seu filho e com a mãe
sensata que sua mente evoca. A relação da mãe com seus filhos voltará a mudar de caráter, e seu
amor procurará novas formas de manifestarem-se quando eles tenham crescido e tenham sua
própria vida, liberados já de seus antigos laços. A mãe adverte agora que não desempenha um
papel muito amplo em suas vidas. Mas pode experimentar certa satisfação ao conservar disponível
seu amor para quando seus filhos o precisem. Inconscientemente sente que lhes proporciona 6
Um efeito similarmente prejudicial (ainda que isto sucede em forma diferente) é causado pela
rudeza ou por falta de amor dos pais. Isto se relaciona com o importante problema de como o
ambiente influi no desenvolvimento emocional do menino de um modo favorável ou
desfavorável, mas isto está além do objeto do presente artigo.

segurança: segue sendo a mãe de antes, cujo seio lhes deu gratificação plena e que satisfez suas
necessidades e desejos. Nesta situação se identifica completamente com sua própria mãe
protetora, cuja influência benigna jamais se desvaneceu em sua mente. Ao mesmo tempo se
identifica com seus próprios filhos. Em sua fantasia volta, por assim dizê-lo, à meninice e
compartilha com eles a posse de uma mãe boa e protetora. O inconsciente dos meninos com
222
freqüência responde ao da mãe e, à margem do grau em que utilize o sentimento de amor que lhe
está destinado, freqüentemente derivam um grande alento e apoio interior do fato de que este
amor exista.

Os pais: ser pai

Ainda que os filhos não signifiquem tanto para o homem como para a mulher, desempenham em
sua vida um papel importante, especialmente se ele e sua mulher vivem em harmonia. Para
remontar-nos às origens profundas desta relação reitero o que já expus sobre a gratificação que
obtém o homem ao proporcionar um filho a sua mulher, na medida em que isto representa uma
compensação de seus desejos sádicos para sua mãe e uma reparação disso. Este mecanismo
aumenta a satisfação real de criar um filho e de realizar os desejos de sua esposa. A gratificação
de seus desejos femininos ao compartilhar o goze maternal de sua mulher constitui uma fonte
adicional do prazer. Na meninice desejou intensamente ter filhos com sua mãe e estes desejos
incrementaram seus impulsos de roubar-lhe seus meninos.

Como homem, "pode" dar filhos a sua mulher, vê-la feliz com eles; pode agora, sem sentimentos
de culpa, identificar-se com ela no parto e o amamentamento, bem como na relação com os filhos
maiores.

De todos os modos, o ser um "bom pai" para seus filhos dá ao homem muitas satisfações. Todos
seus impulsos protetores, que foram estimulados por sentimentos de culpa em relação com sua
temporã vida familiar infantil, encontram agora expressão plena. Ademais, produz-se uma
identificação com um pai bom, já seja seu pai real ou um pai idealizado. Outro elemento mais na
relação com seus filhos será sua identificação com eles, pois em sua mente compartilha suas
gozes. Assim mesmo, ao ajudar-lhes em suas dificuldades e promover seu desenvolvimento
reedita sua própria meninice de uma maneira mais satisfatória. Muito do exposto sobre a relação
da mãe com seus filhos nas diferentes etapas se aplica também ao pai. Conquanto desempenhe
um papel diferente do dela, as atitudes de ambos se complementam mutuamente. Se (como o
damos por sentado neste capitulo a vida matrimonial se apóia no amor e o entendimento, o marido
também desfruta da relação de sua mulher com os filhos, enquanto ela sente prazer do
entendimento e ajuda que o marido lhes presta.

Dificuldades nas relações familiares.

Sabemos que uma vida familiar plenamente harmoniosa, como a que tenho descrito, não é um
caso corrente. Depende de uma feliz coincidência de circunstâncias de fatores psicológicos e,
primordialmente, de uma capacidade de amor bem desenvolvida em ambos os cônjuges. Pode
aparecer dificuldades de todo tipo na relação entre marido e mulher, e na destes com seus filhos;
darei alguns exemplos.

A individualidade do menino talvez não corresponda ao que os pais desejariam. Cada um deles
pôde inconscientemente ter querido que o filho se parecesse a um de seus próprios irmãos; e
naturalmente, um dos dois será defraudado, se não ambos. Assim mesmo, se teve neles uma forte
rivalidade e intensos ciúmes em relação com os irmãos e irmãs, esta situação pode repetir-se ante
o desenvolvimento e as realizações de seus filhos. Outro problema se produz quando os pais são
muito ambiciosos e utilizam os lucros de seus filhos para obter segurança e diminuir seus próprios
temores. Há ademais mulheres incapazes de amor e de gozar o fato de ter filhos porque se sentem,
na fantasia, demasiado culpados de ocupar o lugar de suas próprias mães. Uma mulher deste tipo
talvez não possa atender a seus filhos, devendo entregá-los ao cuidado de babás ou de outras
223
pessoas que, em seu inconsciente, representam a sua mãe. Deste modo lhe devolve os filhos que
desejou tirar-lhe. Este temor de amar ao filho, que naturalmente perturba a relação com ele, pode
ocorrer também nos homens e é muito provável que afete as relações mútuas entre marido e
mulher.

Disse que os sentimentos de culpa e o impulso de reparação estão intimamente unidos à emoção
amorosa. No entanto, se o primitivo conflito entre amor e ódio não foi satisfatoriamente resolvido,
ou se a culpa é demasiado forte, pode produzir-se uma reação de afastamento ante o ser amado, e
inclusive de rejeição para ele. Em última análise, o temor de que a pessoa amada -originalmente
a mãe- possa morrer por causa dos agravos que na fantasia se lhe infligiram, torna intolerável o
depender dela. Podemos observar a satisfação dos meninos pequenos ante suas primeiras
realizações e tudo o que aumente sua independência. Isso se deve a muitas razões óbvias, mas,
segundo minha experiência, há uma muito importante e profunda: o menino se sente impulsionado
a debilitar seus laços com a pessoa mais importante, sua mãe.

Originariamente ela preservou sua vida, satisfizeram todas suas necessidades brindaram-lhe
proteção e segurança; em conseqüência, é para ele fonte de toda bondade e vida. Em sua fantasia
inconsciente, ela faz parte inseparável de se mesmo e, portanto, sua morte implicaria também a
do menino. Se tais sentimentos e fantasias são muito intensos, o afeiçôo às pessoas amadas pode
chegar a ser um ônus excessivo. Muitas pessoas procuram solução a estas dificuldades mediante
o recurso de reduzir sua capacidade de amor, "negando-a" ou suprimindo-a, e evitando toda
emoção forte. Outras escapam aos perigos do amor deslocando-a predominantemente das pessoas
aos objetos. O deslocamento do amor às coisas e interesses (que tratei em relação com o
explorador e o homem que luta contra as forças da natureza) faz parte do crescimento normal.
Mas em alguns, transforma-se no método principal para manejar os conflitos, ou melhor, para
evitá-los. Todos conhecemos ao indivíduo que se rodeia de animais, ao colecionador apaixonado,
ao cientista, ao artista e outros seres capazes de um grande amor e até de sacrifícios pelos objetos
de sua devoção ou por sua tarefa favorita, mas que desvirtuam seu interesse e amor para os demais
seres humanos.

Uma evolução muito diferente se produz nos que passam a depender inteiramente das pessoas
com quem estabelecem vínculos intensos. O medo inconsciente à morte do ser amado fomenta
essa dependência excessiva. Os temores dessa natureza incrementam a voracidade, que vem
constituir um dos elementos de tal atitude e se expressa através da utilização exagerada da pessoa
de quem se depende. O aludir responsabilidades é outro componente da dependência excessiva;
o outro se faz responsável de nossos atos e às vezes até de nossas opiniões e pensamentos. (Esta
é uma das razões da adoção indiscriminada das ideias de um líder e da obediência cega a seus
mandatos). Para os que são tão dependentes, o amor se faz sumamente necessário como apoio
contra o sentimento de culpa e os diferentes temores. O ser amado deve provar-lhes, com
manifestações de afeto sempre reiterados, que não são maus nem agressivos e que seus impulsos
destrutivos não se fizeram efetivos.

Estas ligaduras extremadas são especialmente perturbadoras na relação da mãe com seu filho.
Como o assinalei antes, a atitude materna ante o filho tem muito em comum com os primeiros
sentimentos da menina para sua própria mãe. Já sabemos que esta primeira relação se caracteriza
pelo conflito entre amor e ódio. Ao ter um filho, a mulher transfere sobre ele os desejos
inconscientes de morte que de menina sentiu para sua mãe.

224
Os problemas afetivos entre irmãos e irmãs na meninice, intensificam estes sentimentos. Se por
causa do conflito não resolvido no passado, a mãe se sente demasiado culpada em relação com o
filho, pode precisar seu amor tão intensamente que utilizará vários recursos pára mantê-lo
estreitamente unido a ela e dependente; ou quiçá se dedique a ele até o ponto de transformá-lo em
eixo de toda sua vida.

Consideremos agora, ainda que só desde um aspecto básico, uma atitude mental muito diferente:
a infidelidade. As múltiplas manifestações e formas de infidelidade (resultado dos mais variados
modos de desenvolvimento e expressão: em algumas pessoas, principalmente de amor; em outras,
de ódio, com todos os matizes intermédios), têm um fenômeno em comum: o repetido afastamento
de uma pessoa (amada) motivado em parte pelo temor à dependência. Descobri que, nas
profundidades da mente, o típico Don Juan se sente acossado pelo medo à morte de suas amadas,
o que se abriria passo e provocaria depressão e grandes sofrimentos mentais, se não fora por sua
defesa específica: a infidelidade. Por este meio se está provando constantemente a si mesmo que
seu objeto, "um" e muito amado (originariamente sua mãe, cuja morte temia porque seu amor
para ela era voraz e destrutivo), não lhe é, depois de tudo, indispensável, já que sempre poderá
voltar em outra mulher sentimentos apaixonados, ainda que superficiais. Em contraste com os que
por temor à morte do ser amado, recusam-no, ou bem sufocam e negam o amor, o Don Juan, por
várias razões, toma o caminho oposto. Mas sua atitude com as mulheres envolve uma transação
inconsciente. Ao abandonar e recusar a algumas mulheres se afasta inconscientemente de sua mãe
salvando-a de seus desejos perigosos e liberando-se de sua penosa dependência, enquanto ao
procurar a outras e proporcionar-lhes prazer e amor, em seu inconsciente retém à mãe amada ou
volta a recriá-la.

Em realidade se sente impulsionado para uma e outra porque cedo todas elas se transformam em
imagem de sua mãe. Seu objeto original de amor é assim substituído por uma sucessão de objetos
diversos. Na fantasia inconsciente, recreia ou conserta a sua mãe por meio de gratificações sexuais
(que realmente brinda a outras mulheres), pois só num aspecto sente sua sexualidade como
perigosa; em outro, sente-a reparadora e susceptível de fazê-la feliz. Esta dupla atitude faz parte
da transação inconsciente que origina a infidelidade e é condição desse tipo particular de
desenvolvimento.

Isto me leva a considerar outra classe de dificuldade nas relações amorosas. Às vezes um homem
volta seus sentimentos afetuosos, ternos e protetores numa mulher, quem sabe sua esposa, mas é
incapaz de obter goze sexual com ela e deve reprimir seus desejos sexuais ou satisfazê-los com
outra.

Os temores de que sua sexualidade seja de natureza destrutiva, o medo ao pai como rival e os
resultantes sentimentos de culpa são outras tantas razões profundas da separação entre os afetos
ternos e os especificamente sexuais. A mulher amada e altamente valorizada, que se erige como
sua mãe, tem que ser preservada de sua sexualidade, que na fantasia sente como perigosa.

Eleição do colega de amor

A psicanálise nos mostra que profundos motivos inconscientes participam na eleição do casal e
determinam a atração sexual e o prazer da mútua companhia. Os sentimentos de um homem para
uma mulher sofrem a influência de seu vínculo temporão com a mãe. Mas tal situação pode ser
mais ou menos inconsciente e apresentar manifestações muito mascaradas. Quiçá um homem
eleja como colega a uma mulher que tenha algumas características completamente opostas às de

225
sua mãe: talvez a aparência da amada seja muito diferente, mas sua voz ou certos impulsos de sua
personalidade que lhe resultam especialmente atraentes, concordarão com as primeiras
impressões que ele recebeu de sua mãe. Ou talvez, precisamente com o propósito de separar-se
de um vínculo demasiado forte com a mãe, vinga a eleger uma colega que apresente um contraste
absoluto com aquela.

Muito com freqüência, à medida que se produz o desenvolvimento do menino, uma irmã ou uma
prima ocupam o lugar da mãe em suas fantasias sexuais e em seu amor. É óbvio que a atitude
baseada nestes sentimentos será diferente da do homem que procura fundamentalmente impulsos
maternos na mulher Com tudo, a eleição resultante de sentimentos experimentados para uma irmã,
pode tender também à busca de aspectos de índole maternal na colega. A temporã influência que
sobre o menino exercem as pessoas de seu ambiente cria uma grande variedade de possibilidades
uma babá, uma tia, uma avó, podem desempenhar um papel muito importante. Naturalmente, ao
considerar a influência das primeiras relações sobre a eleição posterior, não devemos esquecer
que o que o homem deseja recrear em suas relações amorosas é sua impressão infantil ante a
pessoa amada e as fantasias que teve com ela. Ademais, o inconsciente estabelece associações
sobre bases muito diferentes das que regem na mente consciente. Toda sorte de impressões
completamente esquecidas -reprimidas- contribui assim para que uma pessoa resulte para
determinado indivíduo, mais atraente do que as demais, no terreno sexual e em outros.

Fatores similares atuam na eleição feminina. As impressões que conserva de seu pai, seus
sentimentos para ele -admiração, confiança, etc.-, podem desempenhar um papel predominante
na eleição do colega. Mas quiçá seu temporão amor para seu pai tenha sofrido sérias alterações.
Talvez se tenha afastado dele muito cedo devido a fortes conflitos ou graves decepções. Neste
caso, um irmão, um primo ou um colega de jogos pode ter assumido grande importância,
tomando-se no receptáculo de seus desejos e fantasias sexuais, bem como de seus sentimentos
maternais. Procurará então um amante ou um marido que configure a imagem desse irmão, de
preferência o que tenha qualidades de tipo paterno. Numa relação de amor feliz o inconsciente do
casal se corresponde. No caso da mulher que tem marcados sentimentos maternais, as fantasias e
os desejos do homem que procura uma mulher predominantemente maternal corresponderão aos
seus. Permanece-se muito unida a seu pai, inconscientemente procurará a um homem que precise
desempenhar ante a mulher o papel de um bom pai.

Ainda que os vínculos amorosos da vida adulta estejam fundados nas primeiras relações
emocionais com os pais, irmãos e irmãs, os novos laços não são necessariamente meras repetições
da temporã situação familiar. As recordações, sentimentos e fantasias inconscientes entram no
novo entrelaçamento de amor e amizade em formas completamente disfarçadas. Mas além das
primeiras influências, muitos outros fatores atuam nos complicados processos que cimentam uma
relação amorosa ou amistosa. As relações normais adultas sempre contêm novos elementos
derivados da nova situação: as circunstâncias, a personalidade do outro, e sua resposta às
necessidades emocionais e aos interesses práticos do adulto.

Lucro de independência

Até aqui me referi principalmente às relações íntimas entre os seres. Entraremos agora nas
manifestações mais gerais do amor e as formas em do que este participa de interesses e atividades
de todo tipo. O vínculo primário do menino com o peito e o leite de sua mãe constitui a base de
todas as relações de amor na vida. Mas se considerássemos o leite materno simplesmente como

226
um alimento saudável e adequado, concluiríamos que séria fácil substituí-lo por outro igualmente
conveniente.

No entanto, o leite da mãe, a primeira que aplaca os tormentos da fome no menino e que prove
do peito que chega a amar cada vez mais, adquire para ele um inestimável valor emocional. O
peito e seu produto, primeiras gratificações de seu instinto de auto-preservação e de seus desejos
sexuais, erigem-se em sua mente em símbolos de amor, prazer e segurança. É, portanto de
suprema importância o saber até que ponto pode "psicologicamente" substituir este primeiro
alimento por outros. A mãe consegue, com maior ou menor dificuldade, que o menino se
acostume a ingerir outras substâncias. Com tudo, quiçá ele não abandone seu intenso desejo do
alimento primitivo; quiçá não esqueça suas queixas e seu ódio por ter sido privado dele, nem se
adapte, no verdadeiro sentido, a esta frustração; e se isso ocorresse, não poderá adaptar-se a
nenhuma frustração de sua vida futura.

Se chegarmos a compreender, mediante a exploração do inconsciente, a força e profundidade do


primeiro afeiçôo à mãe e a seu alimento bem como a intensidade com que este persiste no
inconsciente do adulto, nos surpreenderá ver que o menino consiga paulatinamente desprender-
se dela e conquistar independência. É verdade que já no lactente existe um agudo interesse pelo
que ocorre a seu arredor, uma crescente curiosidade e prazer em aumentar seu âmbito de pessoas,
coisas e realizações, tudo o qual parece facilitar-lhe novos objetos de amor e de interesse. Mas
isto não basta para explicar sua possibilidade de separar-se da mãe com quem tem um vínculo
inconsciente tão forte. A índole mesma deste intenso afeiçôo o impulsiona a separar-se dela
porque (dada a inevitabilidade da avidez frustrada e do ódio) desperta nele o medo de perder a
esta pessoa tão importante e, portanto, o temor a depender dela. Existe assim, no inconsciente, a
tendência a abandoná-la, contrariá-la pelo desejo de tê-la para sempre. Estes sentimentos
contraditórios, juntamente com o crescimento emocional e intelectual do menino, que lhe permite
encontrar outros objetos de interesse e prazer, conduzem à capacidade de transferir o amor,
substituindo ao ser amado por outras pessoas e coisas. Precisamente a quantidade de amor que o
menino experimenta para sua mãe lhe proporciona uma grande disponibilidade para seus vínculos
futuros. O processo de deslocar amor é de suma importância para o desenvolvimento da
personalidade e para as relações humanas e poderíamos dizer, inclusive, para o desenvolvimento
da cultura e da civilização.

Junto com o processo de deslocar o amor (e o ódio) da mãe a outras pessoas e coisas, distribuindo
assim estas emoções num círculo mais amplo, há outra maneira de manejar os primitivos
impulsos. As sensações sensuais que o menino experimenta em relação com o peito materno se
transformam em amor para a mãe como pessoa integral; os sentimentos de amor se fundem desde
o começo com os desejos sexuais. A psicanálise sublinhou o fato de que os impulsos sexuais para
os pais, irmãos e irmãs não só existem, senão que podem ser observados em certa medida nos
meninos muito pequenos. Com tudo, só a exploração do inconsciente permite aquilatar sua força
e sua enorme importância.

Já temos visto que os desejos sexuais estão intimamente unidos a impulsos e fantasias agressivas,
à culpa e ao temor de que morram as pessoas queridas. Tudo isso impulsiona ao menino a diminuir
seu afeiçôo para os pais. O tem, ademais, tendência a reprimir estes sentimentos sexuais, que se
voltam inconscientes e ficam enterrados nas profundidades de a mente. Os impulsos sexuais se
deslizam também dos primeiros objetos de amor e o menino adquire assim a capacidade de amar
a outros de modo predominantemente afetuoso.

227
O processo descrito acima, consistente em substituir à pessoa amada por outras, em dissociar
parcialmente a sexualidade e a ternura e reprimir os impulsos e desejos sexuais, vem integrar a
capacidade do menino para estabelecer relações mais amplas. Não obstante, para conseguir um
desenvolvimento total exitoso é essencial que a repressão dos desejos sexuais para os primeiros
seres queridos não seja demasiado forte7, nem demasiado completo o deslocamento dos
sentimentos dos pais a outras pessoas. Se o menino conserva bastante amor para os que se acham
próximos, se seus desejos sexuais para eles não estão muito reprimidos, amor e desejo sexual
poderão, mais tarde na vida, reviver, unir-se e desempenhar uma parte vital em suas relações
amorosas. Numa personalidade realmente bem desenvolvida, o amor pelos pais subsiste, mas se
lhe somará o amor por outros seres e objetos, não como mera extensão do primeiro, senão, como
o assinalei, mediante uma difusão das emoções que diminui o peso dos conflitos e da culpa
derivada do afeiçôo e dependência em relação com as primeiras pessoas que ama.

Ao voltar seus conflitos em outras pessoas, o menino não os suprime, senão que os transfere em
forma menos intensa: dos primeiros e mais importantes, a novos objetos de amor (e ódio) que
parcialmente representam aos antigos. Como seus sentimentos para estas novas pessoas não são
tão fortes, seus impulsos de reparação, que uma culpa excessiva tivesse posto obstáculos, podem
manifestar-se agora mais plenamente.

É bem sabido que a existência de irmãos e irmãs favorece o desenvolvimento. O crescer juntos
ajuda ao menino a desprender-se mais dos pais e elaborar com seus irmãos um novo tipo de
relação. Sabemos, com tudo, que não só o amo, senão que também tem para eles fortes
sentimentos de rivalidade, ódio e ciúmes. Por esta razão as relações com os primos, colegas de
jogo e outros meninos mais afastados da situação familiar permitem novas alternativas à relação
fraterna, variações estas que são de grande importância como fundamento dos futuros vínculos
sociais.

7 As fantasias e os desejos sexuais permanecem ativos no inconsciente e também se expressar até certo ponto no
comportamento, nos jogos e outras atividades do menino. Se a repressão é demasiado forte, se as fantasias e desejos
permanecem profundamente enterrados e não encontram expressão, não somente se inibem em forma drástica as
elaborações de sua imaginação (e as atividades de toda classe) senão que também a futura vida sexual do indivíduo
ficará seriamente posta obstáculos.

Relações na vida escolar

A escola brinda a oportunidade de desenvolver a experiência já adquirida em matéria de relações


humanas e proporciona campo propício para novos experimentos neste terreno. Entre um grande
número de garotos o menino pode confabular com um, dois ou vários melhor do que com seus
irmãos. Estas novas amizades lhe dão, entre outras satisfações, a possibilidade de corrigir e
melhorar, por assim dizê-lo, as primeiras relações com aqueles, que talvez tenham sido
insatisfatórias. O menino pode ter sido realmente agressivo com um irmão mais débil ou menor;
ou quiçá seu sentimento inconsciente de culpa devido ao ódio e aos ciúmes fora a causa principal
que perturbou a relação, com transtornos susceptíveis de persistir na vida adulta. Este
desagradável estado de coisas pode exercer mais adiante uma profunda influência sobre suas
atitudes emocionais respeito da gente em geral. Sabemos que há meninos incapazes de fazer-se
de amigos na escola. Isto ocorre porque transladam ao novo ambiente seus primitivos conflitos.
Entre os que conseguem liberar-se suficientemente de suas primeiras dificuldades afetivas e fazer
amizades entre os colegas de escola se observa com freqüência uma melhoria na relação com seus
irmãos.

228
O novo parceiro prova ao menino que é capaz de amar e ser amado e que o amor e a bondade
"existem", o que também inconscientemente significa que pode consertar o dano que em sua
imaginação ou de fato infligiu a outros. Assim as novas amizades colaboram para a solução das
primeiras dificuldades emocionais, sem que se tenha conhecimento da natureza exata dos
primitivos transtornos ou do modo como vão sendo aplanados. Todos estes meios proporcionam
outras tantas válvulas às tendências de reparação, o sentimento de culpa diminui, e aumenta a
confiança própria e nos demais.

A vida escolar também dá oportunidade de estabelecer entre o ódio e o amor uma separação maior
que o que é possível no pequeno círculo familiar. Na escola alguns meninos são detestados ou
simplesmente não gozam de simpatia, enquanto outros são queridos. Nesta forma as emoções de
amor e ódio, reprimidas devido ao conflito que surge ao odiar à pessoa amada, podem encontrar
plena expressão em leitos mais ou menos aceitados socialmente. Os meninos se unem de várias
maneiras e desenvolvem certas normas que regulam até onde podem levar suas manifestações de
ódio ou desgosto pelos demais. Os jogos e o espírito de companheirismo implícito neles
constituem um fator moderador nestas alianças e no despregue da agressão.

Ainda que os ciúmes e a rivalidade pelo amor e o apreço do maestro podem ser muito fortes,
desenvolvem-se num marco diferente ao da vida de lar Os professores estão mais afastados dos
sentimentos do menino, contribuem à situação menos emoção do que os pais e ademais repartem
seus afetos entre vários meninos.

Relações na adolescência

À medida que o menino avança para a adolescência, sua tendência ao culto do herói
freqüentemente se expressa através de suas relações com alguns professores, enquanto outros lhe
inspiram aversão, ódio ou desprezo.

Aqui de novo se manifesta o processo de separar o ódio do amor que proporciona alívio, porque
permite preservar à pessoa "boa" e brinda ademais a satisfação de odiar a alguém do que a nosso
juízo se o merece.

O pai amado e odiado, a mãe odiada e amada são originariamente, como já o expus, os objetos
tanto de admiração como de ódio e desvalorização. Mas estes sentimentos que misturados
resultam, como sabemos, demasiado contraditórios e gravosos para a mente do menino e são,
portanto, provavelmente soterrados, encontram expressão parcial nas relações com outras
pessoas: babás, tios e parentes em geral.

Mais tarde, na adolescência, a maioria dos meninos tende a afastar-se de seus pais. Isto se deve
em grande parte a que seus desejos sexuais e conflitos em relação com aqueles estão reforçando-
se uma vez mais. Os primeiros sentimentos de rivalidade e ódio contra o pai ou a mãe, segundo o
caso, revivem e adquirem todo seu vigor, ainda que sua origem sexual permaneça inconsciente.
Os jovens costumam ser muito agressivos e desagradáveis com seus pais e com outras pessoas
que se prestem a isso, tais como serventes, um maestro débil ou colegas de escola pelos que
sentam aversão. Mas quando o ódio chegou a essa intensidade, a necessidade de preservar o bem
e o amor no mundo interno e externo se faz muito urgente. O jovem agressivo se sente, portanto,
impulsionado a procurar seres a quem possa idealizar e reverenciar. Os professores admirados
podem servir para esse fim e os sentimentos de amor, admiração e confiança para eles lhe dão
segurança interior. Entre outras razões, porque para o inconsciente parecem confirmar a existência
de pais bons com os quais há uma relação positiva, o que refuta assim o ódio intenso, a ansiedade
229
e a culpa, que neste período se voltaram muito fortes. Há, por suposto, meninos que podem sentir
amor e admiração pelos próprios pais enquanto atravessam estas dificuldades, mas não são muito
comuns. Creio que o que se disse explica em parte a posição especial que costumam ocupar na
mente as figuras idealizadas, como homens e mulheres famosos, autores, atletas, aventureiros,
personagens imaginários recolhidos da literatura, seres sobre quem se volta a admiração e amor,
sentimentos sem os quais tudo se enfatizaria de ódio e desamor, o qual se experimenta como
perigoso para o eu e para os demais.

Simultaneamente com a idealização de certas pessoas se produz o ódio para outras que são vistas
sob um cristal muito escuro, especialmente seres imaginários, como alguns vilões do cinema ou
da literatura, ou bem indivíduos reais, mas algo remoto, como os caudilhos políticos do partido
opositor. Odiar à gente irreal ou longínqua resulta muito menos perigoso para todos os
interessados do que odiar aos que nos são muito próximos. Até certo ponto isto é aplicável
também ao ódio para alguns professores ou diretores: disciplina-a escolar e o conjunto da situação
interpõe entre maestro e aluno uma barreira maior que a que existe entre pai e filho.

A divisão entre amor e ódio está dirigida para os menos íntimos; serve também para salvaguardar
melhor às pessoas amadas, tanto na realidade como na mente. Não só aquelas se acham
fisicamente longe e são, portanto inaccessíveis, senão que a divisão entre a atitude de amor e ódio
fomenta o sentimento de que se pode conservar incólume o amor. O sentimento de segurança que
prove da capacidade de amar está intimamente unido no inconsciente ao de conservar sã e salva
asa pessoa amada. Pareceria que a crença inconsciente rezasse assim: "posso manter intactos
alguns dos seres que amo, portanto não danei a nenhum, e os conservo a todos para sempre em
minha mente". Em última análise, o inconsciente preserva a imagem dos pais amados como a
posse mais preciosa, porque protege a seu possuidor da dor da desolação total.

O desenvolvimento das amizades

As primeiras amizades do menino mudam de índole durante a adolescência. A força dos afetos e
impulsos, tão característica desta etapa da vida, favorece amizades intensas entre a gente jovem,
principalmente entre os do mesmo sexo. As tendências e sentimentos homossexuais estão
subjacentes a estas relações, que freqüentemente conduzem a verdadeiras atividades
homossexuais. Estes vínculos constituem em parte uma fugida do impulso para o sexo oposto,
que neste período é com freqüência ingovernável por várias razões internas e externas: seus
desejos e fantasias se encontram ainda muito conectados com sua mãe e irmãs, e a luta por afastar-
se delas e encontrar novos objetos de amor está em seu ponto culminante. Tanto as meninas como
os moços nesta etapa sentem carregados de tantos perigos os impulsos para o outro sexo, que
intensificam os que se dirigem para o mesmo sexo.

O amor, a admiração e a lisonja que possam entrar nestas amizades constituem também, como o
assinalei antes, uma salvaguarda contra o ódio, e por todos estes motivos os jovens se afeiçoam
mais a tais vínculos.

Neste período do desenvolvimento as tendências homossexuais intensificadas, sejam conscientes


ou inconscientes, desempenham também um papel importante na adulação ao maestro do mesmo
sexo. As amizades da adolescência são como sabemos, freqüentemente instáveis; uma das razões
é que a força dos sentimentos sexuais (inconscientes e conscientes) invade-nas e perturbam. O
adolescente ainda não se emancipou das fortes ligaduras emocionais da infância e está ainda -
mais do que se imagina- dominado por elas.

230
As amizades da vida adulta Ainda que na vida adulta as tendências homossexuais inconscientes
têm sua parte na amizade com o mesmo sexo, esta se caracteriza, a diferença do vínculo
homossexual8, pela dissociação parcial entre os sentimentos afetuosos e os sexuais, que passam
a segundo plano, e ainda que ativos em certa medida no inconsciente, na prática desaparecem.
Também na separação entre sentimentos sexuais e afetivos. Mas como este amplo setor é só uma
parte de meu tema, me limitarei a falar das amizades entre pessoas do mesmo sexo, e ainda então
só farei umas poucas observações gerais.

Tomemos como exemplo a amizade entre duas mulheres que não dependem demasiado uma de
outra. A favor das circunstâncias, uma ou outra pode precisar proteção ou ajuda. A capacidade de
dar e receber afetivamente são essenciais na verdadeira amizade. Aqui os elementos de situações
temporãs se expressam em forma adulta. Inicialmente, proteção, ajuda e conselhos nos foram
proporcionados por nossas mães. Se conseguirmos maturidade emocional e auto-suficiência, não
dependeremos demasiado do apoio e consolo maternal, mas o desejo de recebê-los nos momentos
difíceis e penosos perdura até a morte. Na relação com uma amiga podemos às vezes receber e
dar algo do amor e cuidado de uma mãe. Uma combinação exitosa de atitude maternal e filial
parece constituir uma das condições de uma personalidade feminina emocionalmente rica e capaz
de amizade. (Uma personalidade feminina completamente desenvolvida envolve a capacidade de
manter boas relações com os homens no que diz respeito a sentimentos afetuosos e sexuais. Mas
ao falar da amizade entre mulheres me refiro às tendências e sentimentos homossexuais
sublimados). Quem sabe nas relações com nossas irmãs tenhamos tido oportunidade de
experimentar e expressar ao mesmo tempo cuidados maternos e respostas filiais.

8 O tema das relações de amor homossexual é amplo e muito complexo. Para tratá-lo adequadamente precisaria, mas
espaço do que disponho; portanto, limito-me a mencionar que nestas relações pode caber muito amor.

Poderemos então facilmente transladá-los à amizade adulta. Mas talvez não existiu uma irmã ou
alguém com quem vivêssemos estes sentimentos. Neste caso, se chegamos a desenvolver uma
amizade com outra mulher, esta trará a realização, modificada pelas necessidades adultas, de um
forte e importante desejo da meninice.

Com uma amiga compartilhamos interesses e prazeres, mas também somos capazes de alegrar-
nos por sua felicidade e sucessos, ainda que careçamos deles. Os sentimentos de inveja e ciúmes
podem permanecer soterrados se nossa capacidade de identificar-nos com ela e compartilhar
assim sua felicidade bastante forte. O elemento de culpa e reparação não está ausente nunca em
tal identificação. Manejaram-se com sucesso nossos ódios, ciúmes, insatisfações e ressentimentos
contra nossa mãe; se conseguimos ser felizes ao vê-la feliz, ao sentir que a temos agravado ou
que podemos consertar o dano feito na fantasia, seremos capazes de uma verdadeira identificação
com outra mulher. Os sentimentos possessivos e reivindicatórios que originam grandes exigências
são elementos perturbadores da amizade. Em realidade, todas as emoções exageradamente
intensas podem socavá-la. Quando isto ocorre, a investigação psicanalítica revela que interferiram
as temporãs situações de desejos insatisfeitos, rancor, voracidade ou ciúmes, ou seja, que ainda
que os episódios atuais tenham desencadeado a perturbação, um conflito infantil não resolvido
desempenha um papel importante na ruptura de uma amizade. Um clima emocional equilibrado,
o qual não exclui para nada a força do sentimento, constitui a base do sucesso de uma amizade.

Não é muito provável que o consigamos se esperamos demasiado dela, isto é, se esperamos que
o amigo compensasse nossas primeiras privações. Tais exigências são, em sua maior parte,
inconscientes e, portanto, não podem ser manejadas de maneira racional. Expõem-nos

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necessariamente ao desengano, à dor e ao ressentimento. Se as exageradas demandas
inconscientes ocasionam transtornos na amizade, têm acrescido repetições exatas -por muito
diferentes que sejam as circunstâncias- de situações temporãs, quando a voracidade intensa e o
ódio perturbaram o amor para os pais, causando-nos sentimentos de insatisfação e solidão. Se o
passado não pesa demasiado sobre o presente seremos mais capazes de fazer uma adequada
eleição de amigos e de satisfazer-nos com o que eles nos dêem.

Muito do que disse sobre a amizade entre mulheres se aplica ao desenvolvimento das amizades
entre homens, por mais do que também tenha desavenças derivadas da diferença entre a psicologia
masculina e a feminina. A separação entre os sentimentos afetuosos e os sexuais, a sublimação
das tendências homossexuais e a identificação constituem igualmente a base da amizade entre
homens. Ainda que os elementos e o s novas gratificações que correspondem à personalidade
adulta entram renovados na amizade masculina, também os homens, em parte, procuram a
repetição de suas relações com o pai ou os irmãos, ou tratam de achar uma nova afinidade que
satisfaça desejos passados, ou melhorar as relações insatisfatórias que antanho mantiveram com
quem os rodeavam.

Aspectos mais amplos do amor

O processo pelo qual deslocamos o amor dos primeiros seres queridos para outros se estende,
desde a primeira infância em adiante, a todas as coisas. Deste modo desenvolvemos interesses e
atividades nos que penemos algo do amor que originariamente se dirigia às pessoas. Na mente
infantil uma parte do corpo pode representar outra, e um objeto pode representar partes do corpo
ou pessoas. Desta maneira simbólica, qualquer objeto arredondado pode em seu inconsciente
representar o peito de sua mãe. Por um processo gradual, tudo o que emana bondade e beleza,
tudo o que causa prazer e satisfação em sentido físico ou mais amplo, viria tomar no inconsciente
o lugar deste seio generoso e o da mãe como pessoa total. Assim, ao referir-nos à pátria a
chamamos "a mãe terra", porque no inconsciente o país natal pode simbolizar a nossa mãe, e,
portanto, ser amado com sentimentos enfatizados por nosso vínculo com ela.

Para ilustrar a forma em que a primitiva relação invade interesses que parecem ser-lhe muito
alheios tomemos o exemplo dos exploradores que partem em procura de novas descobertas,
passando as mais penosas privações e encontrando a seu passo grandes perigos e quiçá a morte.
Além do estímulo das circunstâncias externas, muitos elementos psicológicos se acham por trás
do interesse e o atrativo da exploração. Não mencionarei aqui mais do que um ou dois fatores
inconscientes específicos. Em sua voracidade o menino pequeno deseja atacar o corpo de sua
mãe, ao que considera como uma extensão de seu peito bom. Também tem fantasias de roubar-
lhe o conteúdo de seu corpo, entre outras coisas, os filhos, preciosa posse, que também ataca por
ciúmes. Estas fantasias agressivas de penetrar em seu corpo cedo se enlaçam com seus desejos
genitais de ter um coito com ela. O trabalho psicanalítico tem descoberto que as fantasias de
explorar o corpo da mãe, que surgem dos desejos sexuais e agressivos do menino, de sua
voracidade, curiosidade e amor, contribuem a fomentar o interesse do adulto em explorar novos
países. Ao discutir o desenvolvimento emocional do menino pequeno assinalei que seus impulsos
agressivos dão lugar a fortes sentimentos de culpa e ao temor de que a pessoa querida morra tudo
o qual faz parte do amor, reforça-o e intensifica. No inconsciente do explorador, um novo
território representa uma nova mãe que compensará a perda da mãe real.

Procura a "terra prometida", a "terra que produz leite e mel".

232
E temos visto que o temor à morte da pessoa mais amada leva ao menino a afastar-se dela em
verdadeira; mas ao mesmo tempo o conduz também a recriá-la e encontrá-la novamente em
qualquer tarefa que empreenda. Desse modo tanto o impulso de apartar-se como o de manter o
vínculo original encontram plena expressão. A temporã agressão do menino estimula a tendência
a restaurar e compensar, a devolver a sua mãe os bens roubados em sua fantasia, e estes desejos
de ressarcimento se une mais tarde à vocação de explorador: encontrar uma nova terra é dar algo
ao mundo em geral e a algumas pessoas em particular. Sua atividade expressa tanto sua agressão
como seu desejo de consertar. Sabemos que ao descobrir uma nova terra a agressão se utiliza na
luta com os elementos e com toda sorte de dificuldades. Mas às vezes se manifesta mais
abertamente. Ocorria em outras épocas, quando os exploradores, que ademais conquistavam e
colonizavam, deram mostras de cruel crueldade contra as populações nativas. Com esta atitude
concretizavam os temporões ataques fantasiados contra os meninos imaginários no corpo da mãe
e o ódio real contra os irmãos recém nascidos. O desejo de restauração, no entanto , encontrou
plena expressão ao reflorestar o país com elementos de sua própria nacionalidade. Podemos ver
como, através do interesse pela exploração, vários impulsos e emoções -a agressão (manifesta ou
não), os sentimentos de culpa, o amor e o impulso de consertar- podem transferir-se a outra esfera,
afastada de seu objeto original.

A vocação de explorar não tem que se manifestar necessariamente através da exploração física
do mundo, senão que pode estender-se a outros campos, como qualquer tipo de pesquisa
científica. Os primeiros desejos e fantasias de explorar o corpo materno fazem parte da satisfação
que o astrônomo, por exemplo, deriva de seu trabalho. O anseio de redescobrir a mãe dos
primeiros tempos, real ou afetivamente perdida, é também de grande importância na arte criador
e na forma de apreciá-lo e desfrutar dele.

Para ilustrar alguns dos processos que acabo de expor transcreverei a conhecida composição de
Keats, On First Looking into Chaprnan's Homer9 (Primeira olhadela ao Homero de
Chapman).Much have I travell'd in the realms of gold,and many goodly states and kingdoms
seen;round many western islands have I been which bards in fealty to Apollo hold. Oft of one
wide expanse had I been told that deep -brow'd Homer ruled as his demesne: yet did I never
breathe its pure serene till I heard Chapman speak out loud and bold: then felt I like some watcher
of the skies when a new planet swims into his ken; or like stout Cortez, when with eagle eyes
tenho stared at the Pacific - and all his men look'd at each other with a wild surmise- silent, upon
a peak in Darien.

9 Por razões de conveniência transcrevo todo o poema, apesar de que é bem conhecido.

Muito viajei por comarcas de ouro, e vi países e reinos esplendentes; muitas ilhas percorri do
ocidente onde os poetas guardam lealdade a Apolo.

Freqüentemente ouvi de uma vasta extensão onde exerce seu império o sonhador Homero, mas
jamais respirei sua pura exaltação até escutar de Chapman o verbo altaneiro. Então fui como um
explorador do céu imenso quando um novo planeta nada nas alturas ou como o foi Cortês, cujos
olhos de falcão contemplaram o Pacífico, e sua tripulação se olhava com selvagem conjectura
sobre um cume do Darién, em profundo silêncio.

Keats fala aqui com o enfoque do que goza ante uma obra de arte.

Compara a poesia com "países e reinos esplendentes" e "comarcas de ouro. Ao ler a Homero
traduzido por Chapman se sente ao princípio como um astrônomo que observa os céus quando
233
"um novo planeta nada nas alturas. Mas depois se volta o explorador que descobre "com selvagem
conjectura" novas terras e mares. Neste perfeito poema de Keats o mundo representa a arte, e é
evidente que para ele o goze e a exploração científica e artística provem da mesma fonte: do amor
pelas formosas terras, as "comarcas de ouro". A exploração do inconsciente (precisamente, um
continente desconhecido descoberto por Freud) demonstra que, como o assinalei antes, as
formosas terras representam à mãe amada e o anseio para esta. Voltando ao poema, pode-se
sugerir, sem chegar à análise detalhada, que o "sonhador Homero" que governa a terra da poesia
representa ao pai admirado e poderoso, cujo exemplo segue o filho (Keats) quando penetra, ele
também, no país de seu desejo (arte, beleza, o mundo: em essência, sua mãe).

Do mesmo modo o escultor que dá vida a seu objeto de arte, já seja que este represente uma figura
humana ou não, inconscientemente está restaurando e re-criando às pessoas a quem amou
primeiro e às que destruiu em sua fantasia.

Sentimentos de culpa, amor e criatividade Os sentimentos de culpa, como tratei de assinalar,


constituem um incentivo fundamental para a criação e o trabalho em geral, ainda em suas formas
mais simples. Não obstante, se são demasiado intensos têm o efeito de inibir as atividades e
interesses produtivos. Estas complexas conexões se tornaram claras em primeiro termo através da
psicanálise de meninos pequenos. Nos meninos os impulsos criadores que tinham permanecido
latentes acordam e se expressam mediante atividades tais como o desenho, o modelado, a
construção e a palavra quando a psicanálise reduz seus diversos temas. É tosse incrementam os
impulsos destrutivos e, portanto, ao diminuir os impulsos demonstrativos também se debilitam.
Simultaneamente com estes processos, os sentimentos de culpa e de ansiedade pela morte da
pessoa amada, que a mente infantil não pôde superar por ser demasiado excessivos, diminuem
gradualmente, perdem intensidade, fazendo-se, portanto mais fácil seu manejo. Como resultado
aumenta o interesse do menino pela gente, estimula-se a piedade e a identificação com os demais,
e assim se acresce seu volume de amor O desejo de consertar, tão intimamente unido ao interesse
pelo ser amado e à ansiedade por sua morte, pode agora expressar-se em formas criadoras e
construtivas. Também na psicanálise de adultos podem observar-se isto s processos e mudanças.

Sugeri que qualquer fonte de alegria, beleza e enriquecimento (externo ou interno) representa para
o inconsciente o peito generoso e amante e o pênis criador que na fantasia possui qualidades
similares: em essência os dos pais bons e dadivosos. A relação com a natureza, que acorda fortes
sentimentos de amor, reverência, admiração e devoção, tem muito em comum com a relação com
a mãe, como sempre o reconheceram os poetas. Os múltiplos dons naturais são equiparados aos
que recebemos de nossa mãe nos primeiros tempos da vida. Mas não sempre nos satisfizeram.
Muitas vezes nos pareceu mesquinha e frustradora, aspectos que também se revivem na relação
com a natureza, que com freqüência não está disposta a dar.

A satisfação das necessidades de auto-conservação e a gratificação do desejo de amor


permanecem eternamente unidos entre si, já que ao princípio ambas proviam de uma mesma fonte.
A primeira segurança nos foi proporcionada por nossa mãe, que não só nos acalmaram os
tormentos da fome, senão que também nos satisfez emocionalmente e aliviou nossa ansiedade.
Portanto, a segurança derivada da satisfação de nossas necessidades básicas se vincula à
segurança afetiva, e a importância de ambas se engrandece, pois restam os primeiros temores de
perder à mãe amada. Ter assegurada a subsistência na fantasia inconsciente significa também não
estar privado de amor e não ter perdido à mãe. O homem que fica sem trabalho e luta por encontrar
emprego tem em mente, por, sobretudo suas necessidades materiais. Não trato de subestimar os
sofrimentos e penúrias reais, diretos e indiretos, que a pobreza provoca, mas a situação
234
autenticamente dolorosa se faz mais acerba pelo infortúnio e o desespero que ressurgem de
temporãs experiências emocionais, quando o acossava a fome porque a mãe não satisfazia suas
necessidades, e temia perdê-la e verse privado de amor e proteção10. A falta de trabalho lhe
impede também expressar suas tendências construtivas que constituem um método fundamental
de manejar temores inconscientes e sentimentos de culpa, ou seja, de fazer reparação. A dureza
das circunstâncias -ainda que possa ser em parte conseqüência de um sistema social insatisfatório
que justificaria que o miserável achacara a outros a culpa de sua situação- tem algo em comum
com a inexorabilidade que os meninos, sob a pressão da ansiedade, atribuem aos pais temidos.
Em mudança, a ajuda material ou moral proporcionada aos pobres ou aos desocupados, além de
seu valor real, inconscientemente lhes prova a existência de pais carinhosos.

10 Descobri freqüentemente, na psicanálise de meninos -em graus variáveis-, temores de que os joguem de sua casa
como castigo pela agressão inconsciente (desejos de jogar a outros) e por danos reais que tenham cometido. Esta
ansiedade se implanta muito temporão e pode exercer uma intensa pressão sobre a mente do menino. Um caso especial
é o temor a ser um pobre órfão ou um mendigo e não ter casa nem comida. Estes temores ao desamparo eram nos
meninos que observei completamente independentes da situação financeira dos pais. Posteriormente na vida, os temores
desta natureza têm o efeito de aumentar as dificuldades reais que surgem de situações como perda de dinheiro, de uma
casa ou do trabalho, adicionando um elemento de desespero amargo e profunda.

Voltemos à relação com a natureza. Em algumas regiões do mundo a natureza é cruel e destrutiva.
No entanto, os habitantes não renunciam a seu solo, senão que desafiam os elementos, secas,
inundações, geadas, calor, terremotos, pragas. É verdadeiro que as circunstâncias externas
desempenham um papel importante, pois esta gente tenaz talvez não possa marchar-se do lugar
onde nasceu. No entanto, não me parece que isto baste para explicar por que se suportam tais
penúrias para conservar a terra natal. Para os que vivem em condições naturais tão árduas a luta
pela subsistência serve também para outros propósitos (inconscientes). A natureza representa para
eles uma mãe exigente e mandona cujos dons devem ser-lhe extraídos à força, o qual reedita as
primeiras fantasias violentas (ainda que em forma sublimada e socialmente adaptada). Tendo
sentido culpa inconsciente pela agressão contra sua mãe, o homem compreendia que ela fora rude
com ele; compreende-o ainda agora inconscientemente, em relação com a natureza. Este
sentimento de culpa atua como incentivo para a reparação. A luta contra a natureza se sente em
parte como uma luta "para preservar a natureza", porque expressa também o desejo de consertar
à mãe. Deste modo os que lutam contra os rigores naturais não só o fazem em seu próprio
benefício senão que também servem à natureza. Ao manter sua conexão com ela mantêm viva a
imagem da mãe de antanho. Na fantasia protegem-na e se protegem permanecendo unidos a ela.
Na realidade mediante o afeiçôo a seu país. Em mudança, o explorador procura na fantasia uma
nova mãe para substituir a real, da que se sente apartado ou que inconscientemente teme perder.

Relações consigo mesmo e com os demais

Tratei nestes capítulos alguns aspectos do amor e das relações com os demais. Não posso, com
tudo, concluir sem tentar jogar alguma luz sobre a mais complicada de todas as relações: a que
mantemos conosco mesmos. Mas, que somos nós? Tudo o bom e o mau que passamos desde os
primeiros dias; tudo o que recebemos do mundo externo, e sentido no mundo interno; experiências
felizes e azaradas, vínculos com a gente, atividades, interesses e pensamentos de todo tipo, isto é,
tudo o que vivemos faz parte de nós e constrói nossa personalidade. Se algumas de nossas relações
passadas, com todas as recordações que trazem, com a riqueza de sentimentos que suscitam,
pudessem ser subitamente varridas de nossa mente (que pobres e esvaziamentos nos sentiríamos).
Quanto se perderia do amor, confiança, prazer, consolo e gratidão que brindamos e recebido.
Muitos não quiséssemos sequer ter evitado as experiências dolorosas, porque contribuíram ao
235
enriquecimento de nossa personalidade. Referi-me já várias vezes neste artigo à influência de
nossas primeiras relações sobre as seguintes. Quisesse agora demonstrar a fundamental gravitação
das temporãs situações emocionais sobre nossas relações com "nós mesmos". Nossa mente guarda
como relíquias aos seres que amamos. Em momentos difíceis sentimos as vezes que eles nos
guiam. Pelo que disse podemos concluir que as pessoas a quem assim consideramos representam
em essência aos pais admirados e amados. Vimos, não obstante, que de nenhum modo é fácil para
o menino estabelecer com eles relações harmoniosas e que os primeiros laços de amor se vêem
seriamente inibidos e perturbados pelo ódio e o concomitante sentimento inconsciente de culpa.
É verdadeiro que os pais podem ter carecido de amor e entendimento, o qual tenderia a aumentar
todas as dificuldades. Os impulsos e fantasias destrutivos, os temores e a desconfiança, que em
certa medida se acham sempre ativos, ainda nas circunstâncias mais propícias, incrementam-se
desnecessariamente se as condições são desfavoráveis e as experiências desagradáveis. Ademais,
o que é também muito importante, é que se ao menino não se lhe dá bastante felicidade na primeira
etapa de sua vida, ficará perturbada sua capacidade para desenvolver uma atitude otimista, amor
e confiança nos demais. Não deve, no entanto, deduzir-se que a capacidade de amar e ser feliz
responde em proporção direta à quantidade de amor que se tenha recebido. Em realidade há
meninos que configuram em sua inconsciente imagens paternas extremamente duras e severas (o
que perturba sua relação com os pais reais e com a gente em geral) ainda que tenham tido pais
bons e carinhosos. Por outra parte, as dificuldades mentais do menino não estão freqüentemente
em proporção com o trato desfavorável que possam ter sofrido. Se por razões internas, que desde
o princípio variam em cada indivíduo, existe escassa capacidade para tolerar a frustração, e se a
agressão, temores e sentimentos de culpa são muito intensos, a mente infantil pode exagerar e
deformar grotescamente os defeitos dos pais e em especial a intenção que determina seus erros.
Deste modo, os pais e outras pessoas de seu ambiente serão juízos predominantemente duros e
severos. Nosso próprio ódio, temor e desconfiança tendem a criar no inconsciente figuras paternas
terríveis e exigentes. Estes processos se encontram, em diverso grau, ativos em todos, já que todos
têm que lutar, com maior ou menor intensidade e num sentido ou em outro, com sentimentos de
ódio e temor. Vemos assim que as "quantidades" de impulsos agressivos, temores e sentimentos
de culpa (que parcialmente surgem de razões internas) guardam uma relação importante com a
atitude mental predominante que assumimos.

Em contraste com meninos que, em resposta a um trato desfavorável, desenvolvem em sua


inconsciente figuras paternas duras e severas, que afetam desastrosamente sua perspectiva mental,
em muitos outros os erros ou a falta de entendimento dos pais produzem conseqüências menos
adversas. Os meninos que, por razões internas, são desde o começo bem mais capazes de suportar
as frustrações (já sejam evitáveis ou inevitáveis), isto é, que possam fazê-lo sem excesso de ódio
e suspeitas, será mais tolerante com os erros do que os pais cometam ao tratá-los.

Poderão confiar mais em seus próprios sentimentos amistosos e, portanto, ao ter mais auto-
seguridade serão menos susceptíveis ao que prova do mundo externo. Nenhuma mente infantil se
encontra livre de temores e suspeitas, mas se a relação com os pais está baseada, sobretudo na
confiança e o amor, estes poderão ser estabelecidos firmemente na mente como figuras mentoras
e benéficas, as que serão fonte de bem-estar e harmonia e protótipo de todas as relações amistosas
da vida futura.

Tratei de aclarar algo sobre as relações adultas assinalando que, com certas pessoas, conduzimo-
nos como nossos pais o faziam conosco , ou bem como tivéssemos desejado que se comportassem,
investindo desta maneira as primeiras situações. Assim mesmo, em alguns casos, nossa atitude é

236
a do menino afetuoso com seus padres. Esta relação recíproca menino-pai, que manifestamos
frente aos demais, também é experimentada internamente ante as figuras benéficas e mentoras
que conservamos na mente. Inconscientemente, consideramos aos seres que fazem parte de nosso
mundo interno como pais afetuosos e protetores e lhes retribuímos seu amor; sentimo-nos para
eles como pais. Estas relações fantasiadas, baseadas em experiências e recordações reais, integram
nossa contínua e ativa vida afetiva e imaginativa e contribuem a dar-nos felicidade e força mental.
Em mudança, se as figuras paternas que conservamos nos sentimentos e no inconsciente são
predominantemente duras, não conseguiremos estar em paz conosco mesmos. É farto sabido que
uma consciência demasiado severa ocasiona infortúnio e preocupação. É menos sabido, mas
comprovado pelas descobertas psicanalíticas, que a pressão das fantasias de luta interna e os
temores com elas conectados, acham-se no fundo do que reconhecemos como consciência
vindicativa. Acidentalmente, estas tensões e temores podem expressar-se em profundas
perturbações mentais e conduzir ao suicídio.

Utilizei a estranha frase "relação conosco mesmos".

Quisesse agora agregar que esta é a relação de tudo o que apreciamos e amamos com tudo o que
odiamos em nós. Tratei de aclarar que a parte nossa que apreciamos é a riqueza que acumulamos
através do contato com outros seres, pois estes vínculos e as emoções que os acompanham
chegaram a constituir uma posse interna. Odiar-nos em nós as figuras duras e severas que também
fazem parte de nosso mundo interno e que é em grande parte o resultado de nossa própria agressão
para nossos pais. No entanto, no fundo, o que mais violentamente odiar-nos é o ódio interno em
se. Tememo-lo tanto que nos vemos levados a empregar uma de nossas mais fortes medidas de
defesa, que consiste em localizá-lo em outros, ou seja, projetá-lo. Mas também deslocamos amor
para o mundo externo, e só podemos fazê-lo genuinamente se estabelecemos boas relações com
figuras amistosas em nossa mente, criando assim um circulo benigno: em primeiro lugar
brindamos amor e confiança a nossos pais; depois os incorporamos a nós, por assim dizê-lo, com
todo esse volume, e podemos de novo dar ao mundo externo parte desta riqueza de sentimentos
positivos. O ódio configura um círculo análogo, pois, como vimos, erige figuras aterrorizadoras
em nossa mente e então dotamos aos demais de qualidades desagradáveis e más. Acidentalmente,
essa atitude mental produz o efeito real de suscitar suspeitas e desagrado nos demais, enquanto
uma atitude confiada e amistosa de nossa parte tende a provocar a confiança e a benevolência
alheias.

Observamos que algumas pessoas, especialmente à medida que envelhecem, voltam-se cada vez
mais desagradáveis. Outras em mudança suavizam-se e se fazem mais compreensivas e tolerantes.
É bem sabido que tais variações não correspondem simplesmente às experiências adversas ou
favoráveis que tenham tido na vida, senão que se devem às diferenças de atitude e de caráter. Do
exposto, podemos chegar à conclusão de que a amargura, já seja para a gente ou para o destino -
e pelo geral abarca a ambos- se estabelece fundamentalmente na meninice e pode reforçar-se ou
intensificar-se mais tarde.

Se o amor não foi afogado pelo ressentimento, pesare-los e o ódio, senão que se consolidou
internamente, a confiança nos demais e em nossa própria bondade suporta como uma rocha os
embates da vida. Quando surge o infortúnio, a pessoa que se desenvolveu desse modo é capaz de
preservar em si àqueles pais bons cujo amor constitui uma ajuda infalível no infortúnio e voltar a
encontrar no mundo pessoas que em sua mente os substituam. A capacidade de investir situações
na fantasia e identificar-se com os demais -importante característica da mente humana - permite

237
ao indivíduo outorgar a outros a ajuda e o amor que ele mesmo precisa, obtendo desse modo bem-
estar e satisfação para si.

Comecei por descrever a situação emocional do lactente em sua relação com a mãe, fonte primeira
e fundamental da bondade que recebe do mundo externo. Afirmei também que é um processo
extremamente doloroso para o menino o privar-se da suprema satisfação de ser alimentado por
ela. Com tudo, se sua voracidade e seu ressentimento ante a frustração não são excessivos, pode
este desprender-se gradualmente da mãe e ao mesmo tempo obter satisfação de outras fontes. Em
seu inconsciente os novos objetos de prazer se elaboram com as primeiras gratificações recebidas
da mãe. Pode por conseqüência, aceitar outros gozos como substitutos dos originais. Poderia
dizer-se que retém a bondade primária ao mesmo tempo em que a substitui, e quanto mais exitoso
é esse processo, menos apoios terão em sua mente a voracidade e o ódio. Mas, como o assinalei
freqüentemente, os sentimentos inconscientes de culpa que derivam da destruição fantasiada do
ser amado, desempenham aqui um papel importante. Temos visto que os sentimentos de culpa e
pesar, provenientes da fantasia agressiva e voraz de destruir a mãe, ativam o impulso de curar
estes danos imaginários e consertá-la. Estas emoções atuam grandemente sobre o desejo e a
capacidade infantis de aceitar substitutos maternos. Os sentimentos de culpa provocam o temor a
depender desta pessoa querida, cuja perda se revela, pois não bem surge à agressão o menino
sente que está causando-lhe dano. Este temor é um incentivo para separar-se, para voltar-se em
outras pessoas e coisas e engrandecer assim seu círculo de interesses. Normalmente o impulso de
consertar consegue manter a risca o desespero suscitado pelos sentimentos de culpa Neste caso,
prevalecerá à esperança; o amor e o desejo de reparação do menino serão inconscientemente
estendidos aos novos objetos de amor e interesse. Estes, como já sabemos, associam-se em sua
mente com a primeira pessoa amada, a quem volta a descobrir ou criar através de suas novas
relações e interesses construtivos. Nesta forma, a reparação -que é em parte inerente à capacidade
de amar- alarga seu âmbito, consolidando a possibilidade infantil de aceitar amor e de fazer sua,
por vários meios, a bondade proveniente do mundo externo. Um equilíbrio satisfatório entre "dar"
e "receber" é condição primordial para a felicidade futura.

Se em nosso temporão desenvolvimento pudemos transferir interesse e amor de nossa a mãe a


outras pessoas e obtivemos novas gratificações, então e só então, poderemos no futuro obter
prazer de outras fontes. Isto nos permite compensar, mediante um novo vínculo afetivo, os
fracassos ou desenganos que sofremos, bem como aceitar substitutos para o que não conseguimos
conseguir ou conservar. Se a voracidade frustrada, o ressentimento e o ódio não perturbam a
relação com o mundo externo, há infinidade de modos de extrair dele beleza, bondade e amor. Ao
fazê-lo, acrescentamos continuamente nosso acervo de recordações felizes e estes valores nos dá
uma segurança difícil de vulnerar e um bem-estar íntimo que afasta a amargura. Além do prazer
que proporcionam, estas satisfações têm o efeito de mitigar as frustrações (ou melhor, o
sentimento de frustração) passadas e presentes, inclusive as primeiras e fundamentais. Quanto
mais satisfações autênticas consigam, menor será nosso ressentimento ante as privações e menos
nos dominarão a voracidade e o ódio. Seremos então realmente capazes de aceitar de outros
amores e bondade, de brindar-se e, em retribuição, de receber mais ainda. Em outras palavras, a
capacidade essencial de "dar e receber" se desenvolve de tal maneira que nos assegura satisfações
e contribui ao prazer, ao bem-estar ou à felicidade de outras pessoas.

E para terminar, uma boa relação consigo mesmo condiciona o amor, a tolerância e a boa
disposição para os demais. Em parte esta boa relação deriva como tentei demonstrar, de uma
atitude amistosa, compreensiva e afetuosa para os demais, ou seja, para aqueles que tanto

238
significaram para nós no passado e cujo vínculo conosco integra nossa mente e personalidade. Se
no mais fundo do inconsciente conseguimos superar os rancores contra nossos pais e perdoar-lhes
as frustrações que devemos sofrer, poderemos então viver em paz conosco mesmos e amar a
outros no verdadeiro sentido da palavra.

Biblioteca Melanie Klein

20. O LUTO E SUA RELAÇÃO COM OS ESTADOS MANÍACO-


DEPRESSIVOS (1940)
Uma parte essencial do trabalho de LUTO, tal como o assinalou Freud em "LUTO e melancolia",
é o juízo de realidade. Diz: "Na aflição, explicamos este caráter, admitindo um verdadeiro lapso
para a realização paulatina do mandato da realidade, trabalho que devolvia ao eu a liberdade de
sua libido, separando-a do objeto perdido2" e depois: "Cada um das recordações e esperanças que
constituem um ponto de enlace da libido com o objeto, é sucessivamente sobrecarregado,
realizando-se com ele a subtração da libido. Não nos é fácil indicar por que a transação que supõe
esta lenta e paulatina realização do mandato da realidade tem de ser tão dolorosa. Também não
deixa de ser singular que o doloroso desprazer que traz consigo, pareça-nos natural e lógico3". E
em outra passagem: "Não nos é possível dar resposta a esta objeção, que reflete nossa impotência
para indicar com que meios econômicos levam a cabo a aflição seu trabalho. Quem sabe possa
auxiliar-nos aqui uma nova suspeita.

A realidade impõe a cada um das recordações e esperanças que constituem pontos de enlace da
libido com o objeto, seu veredito de que este objeto não existe já, e o eu, situado ante a
interrogação de se quer compartilhar tal destino, decide-se, sob a influência das satisfações
narcisistas da vida, a abandonar sua ligação com o objeto destruído. Podemos, pois, supor que
este abandono se realiza tão lenta e paulatinamente, que ao chegar a termo, dissipou o esforço
necessário para tal trabalho4". Desde meu ponto de vista, há uma conexão entre o juízo de
realidade no LUTO normal e os processos mentais temporões. Creio que o menino passa por
estados mentais comparáveis ao LUTO do adulto e que são estes temporões LUTOs os que se
revivem posteriormente na vida, quando se experimenta algo penoso. O método mais importante
para do que o menino vença estes estados de LUTO é, desde meu ponto de vista, o juízo de
realidade. Este processo é, tal como Freud o assinalou, parte do trabalho de LUTO. Em meu artigo
"Contribuição à psicogêneses dos estados maníaco-depressivos"5, introduzi o conceito de posição
depressiva infantil, e mostrei ali a conexão entre esta posição e os estados maníaco-depressivos.
Agora, para fazer mais clara a relação entre a posição depressiva infantil e o LUTO normal me
referirá primeiramente a alguns dos conceitos que desenvolvi nesse artigo e que ampliarei aqui.
No curso de minha exposição tratarei também de dar uma contribuição para um maior
entendimento da conexão entre o LUTO normal por uma parte e o LUTO patológico e os estados
maníaco-depressivos por outra. Disse que o menino experimenta sentimentos depressivos que
chegam a sua culminação antes, durante e depois do desmame. Leste é um estado mental no
menino que denomino "posição depressiva" e sugiro que é uma melancolia em status nascendi. O
objeto do LUTO é o peito da mãe e tudo o que o peito e o leite chegaram a ser na mente do
menino: amor, bondade e segurança. O menino sente que perdeu tudo isto e que esta perda é o

239
resultado de sua incontrolável voracidade e de suas próprias fantasias e impulsos destrutivos
contra o peito da mãe. Outras dores em relação com esta perda iminente (neste momento de ambos
os pais) surgem da situação edípica que se instala tão cedo e que está tão intimamente relacionada
com as frustrações do peito que em seus começos está dominada por impulsos e temores orais. O
circulo dos objetos amados que são atacados na fantasia e cuja perda, portanto se teme, amplia-
se devido à relação ambivalente do menino com seus irmãos e irmãs. A agressão fantasiada contra
irmãos e irmãs aos que se ataca no interior do corpo da mãe faz também surgir sentimentos de
culpa e perda. A dor e a preocupação pela perda temida dos "objetos bons", isto é, a posição
depressiva, é, segundo minha experiência, a fonte mais profunda dos conflitos dolorosos na
situação edípica, bem como nas relações de todo menino com seu médio ambiente geral.

1 Este artigo foi lido originariamente em Paris em 1938, durante o XV Congresso Internacional de Psicanálise Foi
depois revisado e ampliado em 1939 no 60º Aniversário de Jones, no Int. J. Psycho-Anal. Publicado depois em
Contribuições à psicanálise (1948a).

2 "LUTO e melancolia", Ou.C. 14 .

3 Ibid.

4 Ibid.

No desenvolvimento normal estes sentimentos de dor, aflição e temores, vencem-se mediante


vários métodos. Junto com a relação do menino, primeiro com sua mãe e cedo com o pai e outras
pessoas, produz-se o processo de internalização que sublinhei tanto em minha obra. O menino, ao
incorporar a seus pais, sente-os como pessoas vivas dentro de seu corpo, do modo concreto em
que ele experimenta estas fantasias inconscientes. Elas são, em sua mente, objetos "internos" ou
"internalizados", tal como os tenho denominando. Assim se edifica um mundo interno na mente
inconsciente do menino, correspondendo às experiências reais e às experiências do mundo
exterior, ainda que alterado por suas próprias fantasias e impulsos. Se o que rodeia ao menino é
predominantemente um mundo de pessoas em paz umas com outras e com seu eu, resulta disto
uma integração, uma harmonia interior e um sentimento de segurança.

5 Este artigo é a continuação daquele, e muito do que hoje afirmo se baseará nas conclusões às que cheguei ali.

Há uma constante interação entre as ansiedades relacionadas com a mãe "externa" -tal como a
denominei, em contraste com a mãe interna- e as que se relacionam com a mãe "interna" Os
métodos usados pelo eu para tratar com estes dois grupos de ansiedades também estão
correlacionados intimamente. Na mente do menino a mãe "interna" está unida à "externa" da que
é um "dobro", ainda que alterado pelos processos de internalização; isto é, sua imagem está
influída por suas fantasias e pelos estímulos e experiências internas de toda classe. Quando as
situações externas se internalizam -e sustento que é assim desde os primeiros dias de vida em
diante- seguem este mesmo padrão: fazem-se "dobros" das situações reais e são depois alteradas
pelas mesmas razões. O fato de que estes objetos internalizados, pessoas, coisas, situações e
acontecimentos -o total mundo interno do menino que se está construindo- se faça inacessível à
observação exata do menino e a seu discernimento e não possa ser verificado pelos meios de
percepção de que dispõe em relação com o mundo externo, tangível e palpável, tem uma grande
importância na natureza fantasiada de seu mundo interno. As dúvidas, incertezas e ansiedades
conseguintes, atuam no menino pequeno como um contínuo incentivo para observar os objetos
do mundo externo -mundo do qual surge seu mundo interno - e adquirir segurança sobre eles 6

240
para poder assim compreender melhor o interno. A mãe que ele vê, a mãe real, dá-lhe assim provas
contínuas de como é a "interna", de se o quer ou está enojada, de se o ampara ou se é vingativa.
A extensão na que a realidade externa é capaz de refutar ansiedades e penas em relação com a
realidade interna varia em cada indivíduo mas pode ser tomada como um critério para julgar a
normalidade.

Em meninos que estão em tal forma dominados por seu mundo interno que suas ansiedades não
podem ser suficientemente refutadas ainda pelos aspectos agradáveis de suas relações com a
gente, são inevitáveis sérios transtornos mentais. Por outra parte, uma verdadeira quantidade de
acontecimentos desprazeirosos são importantes no juízo da realidade, se o menino, vencendo-as,
sente que pode reter seus objetos bem como o amor deles e o seu por eles, e assim preservar ou
restabelecer a vida interna e a harmonia frente a perigos. Todas as alegrias que o menino vive
através de sua relação com a mãe, são provas para ele de que os objetos amados, dentro e fora de
seu corpo, não estão prejudicados e não se transformarão em pessoas vingadoras. O aumento de
amor e confiança e a diminuição dos temores através de experiências felizes, ajuda ao menino
passo a passo a vencer sua depressão e sentimento de perda (LUTO). Capacitam-no para provar
sua realidade interior por meio da realidade externa. Ao ser amado e através da alegria e
comodidade que experimenta na relação com o mundo, fortalece-se sua confiança em sua própria
bondade, bem como na das pessoas que o rodeiam, aumenta sua esperança de que os objetos bons
e seu próprio eu possam salvar-se e preservar-se, e diminui ao mesmo tempo sua ambivalência e
seus temores à destruição do mundo interno.

6 Só me referirei aqui de passagem à importância desta ansiedade como impulsora de toda classe de interesses e
sublimações. Se estas ansiedades são excessivas, podem interferir ou ainda deter o desenvolvimento intelectual. (Veja-
se " Uma contribuição à teoria da inibição intelectual".)

As experiências desagradáveis e a falta de experiências gratas, no menino pequeno, especialmente


a falta de alegria e contato íntimo com os seres amados aumenta a ambivalência, diminui a
confiança e a esperança e confirma suas ansiedades sobre a aniquilação interna e a perseguição
externa; ademais, lentifica e às vezes detém permanentemente o processo benéfico através do
qual, à longa, consegue-se uma segurança interior.

No processo de aquisição de conhecimentos cada nova experiência deve ajustar-se aos moldes
fornecidos pela realidade psíquica que prevalece no momento; e ao mesmo tempo, a realidade
psíquica do menino está influída gradualmente por cada passo no conhecimento progressivo da
realidade exterior. Cada um destes passos é paralelo ao estabelecimento cada vez mais firme de
seus objetos "internos" bons, e é utilizado pelo eu como meio de vencer sua posição depressiva.

Em outras ocasiões expressei minha opinião de que todo menino experimenta ansiedades que são
de conteúdo psicótico7, e de que a neurose infantil8 é o meio normal de tratar e modificar estas
ansiedades. Como resultado de meu trabalho sobre a posição depressiva infantil, posso ratificar
esta afirmação com mais exatidão, já que me levou à crença de que é a posição central no
desenvolvimento do menino. Na neurose infantil se expressam as primeiras posições depressivas,
e trabalham-se e gradualmente se superam; e esta é uma parte importante do processo de
organização e integração, a qual, junto com o desenvolvimento sexual9 caracteriza os primeiros
anos de vida. Normalmente, o menino passa através de uma neurose infantil e entre outros
acontecimentos chega passo a passo a uma boa relação com a gente e com a realidade. Sustento
que uma boa relação com o mundo depende do sucesso conseguido na luta contra o caos interior
(a posição depressiva) e em ter estabelecido com segurança objetos "bons" internos.

241
7 A psicanálise de meninos (em particular cap. 8).

8 Nesse livro, ao referir-me a meu ponto de vista de que cada menino passa por uma neurose que varia só em grau de
um indivíduo a outro, agreguei: "Este ponto de vista que mantive faz já muitos anos, recebeu hoje uma confirmação
valiosa". Em Podem os leigos exercer a análise? Freud sustenta: "Desde que estamos aprendendo a ver mais claro,
inclinamo-nos a afirmar do que a aparição de uma neurose na infância não é a exceção, senão a regra. Parecesse algo
inevitável no curso do desenvolvimento que vai desde a disposição infantil à vida do adulto".

Agora consideraremos mais os métodos e mecanismos através dos quais se consegue este
desenvolvimento. No menino os processos de introjeção e projeção -já que são dominados pela
agressão e ansiedades que se reforçam umas às outras -, conduzem a temores de perseguição de
objetos terríveis; a estes medos se agrega o temor à perda dos objetos amados e é bem como surge
a posição depressiva. Quando ao princípio introduzi o conceito de posição depressiva, sugeri que
a introjeção de todos os objetos amados faz surgir à preocupação e a dor por temor de que estes
objetos possam ser destruídos (pelos objetos "maus" e o isso) e de que estes sentimentos penosos
e temores agregados aos temores paranóides e seus defesas, constituem a posição depressiva.
Deste modo existem dois grupos de temores, sentimentos e defesas, que não obstante sua variação
e o estar unidos os uns aos outros, podem, com propósitos teóricos, isolar-se uns de outros. Os
sentimentos e fantasias do primeiro grupo são persecutórios e estão caracterizados por temores
relacionados com a destruição do eu por perseguidores internos. A defesa contra estes temores é
predominantemente a destruição dos perseguidores por métodos secretos e violentos. Tratei estes
medos e defesas em detalhe em outros artigos. Os sentimentos do segundo grupo que conduzem
à posição depressiva os descrevi anteriormente, mas sem denominar-los. Proponho usar para estes
sentimentos de pena e inquietude pelos objetos amados, para os temores de perdê-los e a ânsia de
reconquistá-los, uma palavra simples, derivada da linguagem diária, "penar" (pining) pelos
objetos amados. Em resumo, a perseguição (pelos objetos "maus") e as defesas características
contra ela, por uma parte, e o penar pelos objetos amados ("bons"), pela outra, constitui a posição
depressiva.

9 Em todo momento os sentimentos, temores e defesas do menino estão paquerados os desejos libidinais e as fixações,
e o resultado de seu desenvolvimento sexual na infância depende sempre do processo que descrevo neste artigo. Creio
que temos um novo enfoque sobre o desenvolvimento libidinal do menino se o consideramos em sua conexão com a
posição depressiva e com as defesas contra esta posição. É este um tema de tal importância, que precisa ser tratado
amplamente e que vai mas lá do alcance deste artigo.

Quando surge a posição depressiva, o eu está forçado a desenvolver (além das defesas temporãs)
métodos defensivos que se dirigem essencialmente contra o "penar" pelo objeto amado. Isto é
fundamental na total organização do eu. Anteriormente denominei a alguns destes métodos
defesas maníacas ou posição maníaca, devido a sua relação com a psicose maníaco-depressiva
10. As flutuações entre a posição depressiva e a maníaca são parte essencial do desenvolvimento
normal. O eu está conduzido por ansiedades depressivas (ansiedade por medo a que tanto ele
como os objetos amados sejam destruídos) a construir fantasias onipotentes e violentas, em parte
com o propósito de controlar e dominar os objetos "maus" perigosos, e em parte para salvar e
restaurar os objetos amados. Desde o começo mesmo, estas fantasias onipotentes, tanto as
destrutivo s como as de restauração, estimulam todas as atividades, interesses e sublimações do
menino e entram neles. No menino, o caráter externo, tanto de suas fantasias sádicas como das
construtivas, corresponde tanto à maldade extrema de seus perseguidores como à extrema
perfeição de seus objetos "bons"11. A idealização é uma parte essencial da posição maníaca e
está ligada a outro elemento importante desta posição, isto é a negação. Sem uma negação parcial
e temporária da realidade psíquica, o eu não poderia suportar o desastre pelo que ele mesmo se
sente ameaçado quando a posição depressiva chega a sua cúspide.
242
A onipotência, a negação e a idealização, intimamente paqueradas a ambivalência, permitem ao
eu cedo afirmar-se em certo grau contra os perseguidores internos e contra a dependência perigosa
e escravizante de seus objetos amados e assim progredir mais em seu desenvolvimento. Aqui
citarei uma passagem de meu artigo "Psicogêneses dos estados maníaco-depressivos" deste
mesmo livro. "Nas fases temporãs, os perseguidores e os objetos bons (peitos) são mantidos aparte
na mente do menino. Quando junto com a introjeção dos objetos reais e totais chega a uni-los, o
eu recorre a um mecanismo tão importante para o desenvolvimento das relações de objeto, como
é a dissociação das imagos em amadas e odiadas, isto é, em más e boas. Se poderia pensar que é
neste ponto que a ambivalência -que depois de tudo se refere às relações de objeto, isto é aos
objetos reais e totais- se instala. A ambivalência realizada numa dissociação de imagos, capacita
ao menino para ganhar mais e mais segurança, confiança e crença em seus objetos reais e deste
modo nos internos, a querê-los mais e a levar a cabo em maior grau suas fantasias de restauração
de seus objetos amados. Ao mesmo tempo, as ansiedades paranoides e as defesas, dirigem-se
contra os objetos 'maus'. O apoio que o eu consegue de um objeto real 'bom' se incrementa por
um mecanismo de fugida que alternativamente se dirige para os objetos bons externos ou internos.
(Idealização.)

10 "Contribuição à psicogêneses dos relatos maníaco-depressivos". 11 Assinalei muitas vezes (e pela primeira vez em
"Estágios temporões do conflito edípico") que o medo a perseguidores "maus" fantasiados e a crença em objetos "bons"
fantasiados estão unidos entre se. A idealização é um processo essencial na mente do menino, já que não pode de outro
modo defrontar aos medos de perseguição (como resultado de seu próprio ódio). Enquanto não se aliviaram
suficientemente as ansiedades mediante experiências que incrementem o amor e a confiança, não é possível estabelecer
o processo tão importante de juntar os variados aspectos dos objetos (externos, internos, "bons", "maus", amados e
odiados) e assim mitigar o ódio pelo amor, o que significa uma diminuição da ambivalência. Enquanto opera com força
a separação destes aspectos antagônicos, sentidos no inconsciente como objetos antagônicos, permanecem tão
divorciados os sentimentos de ódio e amor que o amor não pode mitigar o ódio. A fuga para os objetos "bons"
internalizados, que Melitta Schmideberg (1930) encontrou como um mecanismo fundamental na esquizofrenia entra
também no processo de idealização ao que recorre normalmente o menino durante suas ansiedades depressivas. Melitta
Schmideberg assinalou sempre a conexão entre a idealização e a desconfiança ante o objeto.

"Parece que nesta fase do desenvolvimento a unificação dos objetos externos e internos, amados
e odiados, reais ou imaginários, leva-se a cabo em tal forma que cada passo para a unificação
conduz outra vez a uma renovada dissociação das imagos. Mas como a adaptação ao mundo
externo aumenta, esta dissociação se realiza em planos cada vez mais próximos à realidade. Isto
continua até que se afirma bem o amor para os objetos reais internalizados e a confiança neles.
Daí que a ambivalência que é em parte uma salvaguarda contra seu próprio ódio e contra os
objetos odiados e terríveis, vá diminuindo em graus variáveis durante o desenvolvimento normal"
(veja-se nota 10).

Como já fica dito, nas fantasias temporãs, tanto destrutivas como de reparação, prevalece a
onipotência e influi sobre as sublimações, tanto como sobre as relações de objeto. Por outra parte,
no inconsciente, a onipotência está tão intimamente unida aos impulsos sádicos, com os que
estiveram associadas ao princípio, que o menino sente uma e outra vez que suas tentativas de
reparação não tiveram ou não terão sucesso.

Sente que seus impulsos sádicos podem dominá-lo facilmente. O menino pequeno, que não pode
confiar suficientemente em seus sentimentos construtivos e de reparação como vimos, recorre à
onipotência maníaca. Por esta razão, numa fase temporã do desenvolvimento, o eu não tem a sua
disposição métodos adequados para tratar com eficiência sua culpa e ansiedade. Tudo isto conduz
ao menino à necessidade -e em certo sentido ao adulto também- de repetir certos atos de um modo
obsessivo (desde meu ponto de vista isto é parte da compulsão à repetição)12, ou de recorrer a
243
um método de contraste, isto é, onipotência e negação. Quando fracassam as defesas maníacas -
defesas nas quais os diversos perigos são negados ou diminuídos de um modo onipotente- o eu se
vê conduzido alternativa ou simultaneamente a combater os temores de deterioração e
desintegração mediante tentativas de reparação realizados de um modo obsessivo. Descrevi em
outra parte 13 minha conclusão de que os mecanismos obsessivos são uma defesa contra as
ansiedades paranoides, tanto como meios de modificá-las, e aqui só mostrarei brevemente a
conexão entre os mecanismos obsessivos e as defesas maníacas em relação com a posição
depressiva no desenvolvimento normal. O fato de que as defesas maníacas operem em tão íntima
conexão com as obsessivas, contribui ao medo do eu de que as tentativas de reparação por
mecanismos obsessivos também fracassem. O desejo de controlar o objeto, a gratificação sádica
de vencê-lo e humilhá-lo, de dominá-lo, o triunfo sobre ele pode entrar tão intensamente no ato
de reparação (realizado por pensamentos atividades ou sublimações), que se rompa o círculo
"benigno" começado por este ato. Os objetos que devem ser restaurados se transformam em
perseguidores e a sua vez se revivem os temores paranoides. Estes temores reforçam os
mecanismos de defesa paranoides (de destruir o objeto) tanto como os mecanismos maníacos (de
controlá-los ou de mantê-los continuamente em ação, etc.). A reparação progressiva se perturba
deste modo -ou ainda se faz nula- de acordo com a medida que atuem estes mecanismos.

12 A psicanálise de meninos.

Como resultado do fracasso do ato de reparação o eu deve recorrer repetidamente a mecanismos


de defesa obsessivos e maníacos. Quando no curso do desenvolvimento normal se conseguiu um
verdadeiro equilíbrio entre amor e ódio, e se unificaram os diversos aspectos do objeto, consegue-
se também um verdadeiro equilíbrio entre estes métodos tão antagônicos e tão intimamente
conectados e se diminui sua intensidade. Neste sentido quero sublinhar a importância do triunfo,
intimamente paquerado o menosprezo e sublinhar a onipotência como fator da posição maníaca.
Sabemos a parte que desempenha a rivalidade no desejo ardente do menino de equiparar seus
lucros ao dos adultos. Além da rivalidade, seu desejo, ainda que com medo, de superar suas
deficiências (em último termo vencer sua destrutividade, seus maus objetos internos e ser capaz
de controlá-los são um incentivo para todos seus lucros. Em minha experiência, o desejo de
investir a relação menino-pai, de vencer o poder dos pais e de triunfar sobre eles vai sempre em
certa medida associado com desejos dirigidos para o lucro do sucesso. O menino fantasia que
chegará um momento em que ele será forte, grande, poderoso, rico e potente, e em que o pai e a
mãe se transformarão em meninos indefesos ou, em outras fantasias, em pessoas muito velhas,
débeis, pobres ou recusadas. O triunfo sobre seus pais, através destas fantasias, pela culpa que
origina, com freqüência malogra todas suas conquistas. Muitos seres não podem atingir o sucesso,
porque tê-lo significa para eles humilhar ou danar a outro, em primeiro lugar, o triunfo sobre os
pais, irmãos e irmãs. Os esforços por conseguir algo que dêem ser de natureza muito construtiva,
mas o triunfo implícito e a injúria e dano subseqüentes sobre o objeto podem ultrapassar seus
propósitos na mente do sujeito e impedir-lhe assim seu lucro. O resultado é que a reparação dos
objetos amados que nas mais profundas capas mentais são os mesmos sobre os que se triunfa,
frustra-se novamente, e deste modo a culpa permanece sem alívio. O triunfo do sujeito sobre seus
objetos implica seu desejo de triunfar sobre eles e lhe conduz assim à desconfiança e a sentimentos
de perseguição. Pode seguir a isto uma depressão ou um aumento nas defesas maníacas e um mais
violento controle de seus objetos desde que ele fracassou em reconciliar-los , restaurá-los ou
melhorá-los, e deste modo voltam a tomar a dianteira sentimentos de perseguição. Tudo isto influi
muito na posição depressiva infantil, e no fracasso ou o sucesso do eu para vencê-la. O triunfo
sobre os objetos internos que o eu do menino controla, humilha e tortura, são uma parte do aspecto

244
destrutivo da posição maníaca que perturba a reparação ou a recreação de seu mundo interno ou
da paz e harmonia interna; e deste modo o triunfo estorva o trabalho do LUTO temporão. Para
ilustrar este processo de desenvolvimento, consideremos alguns fatos observáveis em sujeitos
hipomaníacos. Uma característica dos sujeitos soluço maníacos frente às pessoas, princípios e
acontecimentos, é sua tendência à valoração exagerada: à sobre admiração (idealização) ou
desprezo (desvalorização). Junto a isso vai sua tendência a conceber tudo em grande escala, a
pensar em quantidades grandes, tudo isto de acordo com a magnitude de sua onipotência,
mediante a qual se defendem contra o medo à perda de um objeto insubstituível, sua mãe, núcleo
de todo seu LUTO. Sua tendência a diminuir a importância dos detalhes, os números pequenos, e
seu descuido freqüente de detalhes e da escrupulosidade, contrasta profundamente com seus
métodos meticulosos de concentração nas coisas pequenas (Freud) que fazem parte de seus
mecanismos obsessivos.

13 Ibid., cap. 9.

Este desprezo, por outra parte, baseia-se em certa medida na negação O sujeito deve negar seu
impulso a fazer uma reparação detalhada e geral, porque deve negar a causa desta reparação, isto
é, a injúria do objeto e a culpa e pena conseguinte.

Voltando ao curso do desenvolvimento temporão, direi que cada passo no desenvolvimento


emocional, intelectual e físico é utilizado pelo eu como meio de vencer a posição depressiva. A
habilidade crescente do menino, seus dotes e destrezas, aumentam sua crença na realidade
psíquica de suas tendências construtivas e em sua capacidade de dominar e controlar seus
impulsos hostis tanto como seus objetos internos "maus". Deste modo se alivia a ansiedade das
diferentes fontes e resulta uma diminuição da agressão e a sua vez de suas suspeitas frente aos
objetos maus internos e externos.

O eu fortalecido, junto a uma maior confiança no mundo, ajuda-o a dar um passo mais na
unificação de suas imagos -externas como internas, amadas e odiadas- e para uma futura
mitigação do ódio por meio do amor e deste modo a um processo geral de integração.

Quando aumenta a crença e confiança do menino em sua capacidade de amor em seus poderes de
conservação e na integração e segurança de seu mundo interno bom, como resultado das provas
e contraprovas constantes e múltiplas que conseguiu através das provas da realidade externa,
diminui a onipotência maníaca e a natureza obsessiva de suas tendências de reparação, o que
significa em geral que se superou a neurose infantil.

Conectarei agora a posição depressiva infantil com o LUTO normal. No LUTO de um sujeito, a
pena pela perda real da pessoa amada está em grande parte aumentada, segundo penso, pelas
fantasias inconscientes de ter perdido também os objetos "bons" internos.

Sente-se assim que predominam os objetos internos "maus", e que seu mundo interno está em
perigo de rasgar-se. Sabemos que no sujeito em LUTO a perda da pessoa amada o conduz para
um impulso de reinstalar no eu este objeto amado perdido (Freud e Abraham). Desde meu ponto
de vista, não somente acolhe dentro de se à pessoa que perdeu (a reincorpora), senão que também
reinstala seus objetos bons internalizados (em última instância seus pais amados), que se fizeram
parte de seu mundo interno desde as fases temporãs de seu desenvolvimento em adiante.

Sempre que se experimenta a perda da pessoa amada, esta experiência conduz à sensação de estar
destruído. Reativa-se então a posição depressiva temporã e -junto com suas ansiedades, culpa,

245
sentimento de perda e dor derivados da situação frente ao peito- toda a situação edípica, desde
todas suas fontes. Entre todas estas emoções, reavivam-se nas capas mentais mais profundas os
temores a ser roubado e castigado pelos pais temidos, isto é, todos os temores de perseguição.

Por exemplo, uma mãe frente à morte do filho, não só sente dor e pena, senão também se reativam
e se confirmam nela seus temores temporões de ser roubada por uma mãe má, vingativa. Suas
próprias fantasias temporãs agressivas de roubar os filhos à mãe fizeram surgir temores e
sentimentos de ser castigada, que fortalecem a ambivalência e a conduzem a odiar e desconfiar
dos outros. O incremento dos sentimentos de perseguição nesta fase do LUTO é tanto mais
doloroso, já que como resultado de um aumento da ambivalência e a desconfiança, as relações
amistosas com as gentes, que poderiam ser-lhe tão úteis, estão postas obstáculos.

A dor experimentada no lento processo do juízo de realidade durante o trabalho de LUTO parece
dever-se em parte, não só à necessidade de renovar os vínculos com o mundo externo e assim
continuamente re experimentar a perda, senão ao mesmo tempo e por meio disso, reconstruir
ansiosamente o mundo interno que se sente em perigo de deterioração e desastre 14. Quando o
menino passa através da posição depressiva, luta em seu inconsciente com a tarefa de estabelecer
e integrar o mundo interno, do mesmo modo que o sujeito em LUTO sofre com o restabelecimento
e a reintegração deste mundo.

Durante o LUTO formal se reativam as temporãs ansiedades psicóticas. O sujeito em LUTO é


realmente um enfermo, mas como este estado mental é comum e nos parece natural, não
chamamos doença ao LUTO. (Pelas mesmas razões, faz muito poucos anos, não falávamos de
neuroses infantis nos meninos normais.) Com mais precisão, direi que o sujeito em LUTO
atravessa por um estado maníaco-depressivo modificado e transitório, e o vence, repetindo em
diferentes circunstâncias e por diferentes manifestações os processos pelos que atravessa o
menino em seu desenvolvimento temporão.

O maior perigo para o sujeito em LUTO é a volta contra si mesmo do ódio para a pessoa amada
perdida. Uma das formas em que se expressa o ódio na situação de LUTO, são os sentimentos de
triunfo sobre a pessoa morta. Na primeira parte deste articulo me referi ao triunfo como uma parte
da posição maníaca no desenvolvimento infantil. Os desejos de morte do menino contra os pais,
irmãos e irmãs se cumprem quando alguém morre, porque necessariamente num verdadeiro
sentido representam figuras importantes temporãs e daí que se carregam com os sentimentos
correspondentes àquelas. Assim a morte, ainda que frustre por outras razões, é sentida em certo
modo como uma vitória; origina um triunfo e daí o aumento da culpabilidade.

Neste ponto difiro de Freud, que diz: "A aflição normal supera também a perda do objeto e
absorve igualmente todas as energias do eu. Mas por que não surge nela nem o mais leve indício
da condição econômica necessária para a emergência de uma fase de triunfo consecutiva a seu
termo? Não nos é possível dar resposta a esta objeção"15. Em minha experiência o sentimento de
triunfo está unido inevitavelmente com o LUTO normal e tem o efeito de retardar o trabalho de
LUTO e mais ainda contribui muito às dificuldades e pena que experimenta o sujeito em LUTO.
Quando no sujeito em LUTO domina o ódio para o objeto amado perdido, isto não só transforma
à pessoa amada perdida num perseguidor, senão que faz cambalear sua crença nos objetos de seu
mundo interno. Esta crença nos objetos bons revira mais penosamente o processo de idealização
que é um passo intermédio essencial no desenvolvimento mental. A mãe idealizada é a
salvaguarda da que dispõe o menino contra uma mãe vingativa ou uma mãe morta ou contra todos
os objetos maus e ainda mais, representa em si mesma segurança e vida. Como sabemos, o sujeito
246
em LUTO se alivia recordando a bondade e boas qualidades da pessoa perdida e isto em parte
devido à tranquilização que experimenta ao conservar seu objeto de amor idealizado.

14 Encontro que estes fatos contestam o interrogante de Freud, que transcrevo ao começo deste artículo: "Não é fácil
indicar por que a transação que supõe esta lenta e paulatina realização do mandato da realidade, tem de ser tão dolorosa.
Também não deixa de ser singular que o doloroso desprazer que traz consigo nos pareça natural".

As fases do trânsito para a elação16, que acontecem entre penas e desgraças no LUTO normal,
têm um caráter maníaco e se devem ao sentimento de possuir dentro de si um objeto amado
perfeito (idealizado).

Quando ressurge, no sujeito em LUTO, o ódio para a pessoa amada, derruba-se sua crença nela e
se revira o processo de idealização. (Seu ódio pela pessoa amada está aumentado pelo medo de
que esta, ao morrer, de amada se transforme em alguém que inflija castigos e privações, bem
como no passado sentiu que sua mãe, quando ele a precisava e ela estava ausente, tinha morrido
para castigá-lo e ocasionar-lhe privações).

Só gradualmente, obtendo confiança nos objetos externos e em múltiplos valores, é capaz o sujeito
em LUTO de fortalecer sua confiança na pessoa amada perdida. Só assim pode aceitar que o
objeto não fora perfeito, só assim pode não perder a confiança e a fé nele, nem temer sua vingança.
Quando se consegue isto se deu um passo importante no trabalho de LUTO e se o venceu.

Darei um exemplo para ilustrar o modo em que um sujeito normal restabelece as conexões com
o mundo externo depois de um LUTO. A senhora A., a poucos dias depois do quebranto de perder
a seu filho cuja morte aconteceu subitamente estando ele na escola, dedicou-se a classificar suas
cartas, guardando as do filho e destruindo as outras.

Tentava assim, inconscientemente, restaurá-lo e mantê-lo seguro dentro de si, arrojando fosse o
que lhe pareceu indiferente ou, ainda mais, hostil, isto é, 15 Freud, S.: "LUTO e melancolia". Ou.
C., 14 . 16 Abraham (1924) descreve uma situação similar: "só temos que trocar a afirmação de
Freud 'A sombra do objeto cai sobre o eu' e dizer que neste caso 'não é só a sombra senão a luz
radiante da mãe amada a que se expande sobre o filho'". Os objetos maus, perigosos, excrementos
e maus sentimentos. Muita gente durante o LUTO ordena a casa e dá uma nova localização aos
moveis, ações que surgem de um aumento dos mecanismos obsessivos que são a repetição de uma
das defesas usadas para combater a posição depressiva infantil.

Na primeira semana depois do falecimento de seu filho, A. não chorou muito e o fazê-lo não lhe
proporcionava o alívio que lhe trouxe depois. Sentia-se dormente, fechada e fisicamente
quebrantada. No entanto, o ver a uma ou duas pessoas de sua intimidade lhe proporcionava algum
alívio. Neste estado a Sra. A., quem pelo geral sonhava de noite, tinha deixado de fazê-lo por
completo, devido à profunda negação inconsciente de sua perda real. Ao final da semana teve o
seguinte sonho: "Vejo duas pessoas, uma mãe e seu filho. A mãe veste de negro. Sei que o filho
tem morto ou está por morrer. Isto não me aflige, mas sento um pouco de hostilidade frente aos
dois".

As associações conduziram a uma recordação importante. Quando a Sra. A. era pequena, seu
irmão, a raiz de ter dificuldades na escola, precisou a ajuda de um colega de colégio de sua mesma
idade (ao que chamaremos B.). A mãe de B. foi visitar à mãe da Sra. A. para arrumar as condições
do ensino, e este incidente foi recordado pela Sra. A., com sentimentos muito intensos. A mãe de
B. atuou de um modo muito protetor e sua própria mãe apareceu ante ela muito rebaixada.

247
Ela mesma sentiu que tinha acontecido uma desgraça, não só a seu irmão querido e admirado,
senão a toda a família. Este irmão, que era poucos anos maior do que ela, fala-lhe aparecido
sempre cheio de conhecimentos, habilidade e força, um ideal de virtudes, e deveu destruir este
ideal quando surgiram dificuldades escolares. A intensidade de seus sentimentos, nessa ocasião
que ela viveu como uma desgraça e que persistiu em sua memória, devia-se a sentimentos de
culpa inconscientes. Sentiu isto como o cumprimento de seus próprios desejos destrutivos. Seu
irmão sofreu muito também por esta situação e expressou ódio e rejeição pelo colega A senhora
A. identificou-se nessa época muito fortemente com ele e com seu ressentimento. No sonho, as
duas pessoas que vê a senhora A., são B. e sua mãe, e o fato de que o moço apareça morto,
expressa o antigo desejo de morte contra ele da senhora A. Ao mesmo tempo, no entanto, os
desejos de morte contra seu próprio irmão e o desejo de infligir castigo e privação a sua mãe
mediante a perda de seu filho -desejos profundamente reprimidos- fizeram parte de seus
pensamentos no sonho. A senhora A., apesar de toda sua admiração e todo seu amor por seu
irmão, tinha estado zelosa dele, invejando-o por seu maior conhecimento e superioridade mental
e física e também pela posse de um pênis. Os ciúmes que sentia frente a sua mãe muito querida
por possuir um filho assim, falam contribuindo à formação de seus desejos de morte contra seu
irmão. Portanto um dos pensamentos do sonho era: "O filho de uma mãe morreu ou morrerá. É o
filho desta mulher desagradável, que faz dano a minha mãe e a meu irmão o que deve morrer".
Mas nas capas mais profundas, o desejo de morte contra seu irmão também foi reativado, e o
pensamento do sonho é em verdade: "O filho de minha mãe morreu, e não o meu". (Em realidade
tanto sua mãe como seu irmão tinham falecido).

Aqui se estabelecem sentimentos diferentes: compaixão por sua mãe e pena por ela mesma. Seu
sentimento foi: "Uma morte desta natureza é bastante. Minha mãe perdeu a seu filho; ela não deve
perder também a seu neto".

Quando faleceu seu irmão, além de sentir uma grande dor, inconscientemente também sentiu um
triunfo sobre ele, derivado de seus ciúmes e de seu ódio temporões, bem como dos sentimentos
de culpa concomitantes. Ela tinha transferido parte de seus sentimentos por seu irmão a sua
relação com seu filho. Em seu filho também amava a seu irmão; mas ao mesmo tempo, parte da
ambivalência frente a seu irmão, ainda que modificada através de seus fortes sentimentos
maternais, tinha sido transferida a seu filho. O LUTO, junto com sua pena, com o triunfo e a culpa
experimentada em relação com ele, fizeram parte de sua dor presente, e se revelaram no sonho.

Consideremos agora o jogo recíproco de defesas segundo apareceram neste material. Quando
ocorreu a perda, a posição maníaca se reforçou e a negação em particular entrou especialmente
em jogo.

Inconscientemente a senhora A. recusou com obstinação o fato de que seu filho tinha morrido.
Quando ela já não pôde fazer uso desta negação com tanta obstinação -não sendo ainda capaz de
defrontar à dor e ao infortúnio -, o triunfo, um dos outros elementos da posição maníaca, reforçou-
se. Segundo o curso de suas associações, seu pensamento parecia ser o seguinte: "Não é em
realidade uma grande dor se um filho morre. É ainda satisfatório. Agora me venho deste moço
desagradável que prejudicou o meu irmão". Só depois de um intenso trabalho analítico se
esclareceu o fato de que o triunfo também tinha sido revivido e reforçado. Mas este triunfo estava
associado com o controle da mãe e irmão internalizados, e com o triunfo sobre eles. Nesta fase o
controle sobre os objetos internos foi reforçado, a desgraça e a dor foram deslocadas para sua
própria mãe internalizada. Aqui sua negação entrou de novo em jogo, negação da realidade
psíquica de que ela e sua mãe interna eram uma e sofriam juntas. Negou a compaixão e o amor
248
pela mãe interna; reforçaram-se os sentimentos de vingança e triunfo sobre os objetos
internalizados e o controle dos mesmos, em parte devido a que através de seus próprios
sentimentos de vingança, eles se tinham transformado em figuras perseguidoras. No sonho teve
só uma ligeira insinuação sobre o crescente conhecimento inconsciente da senhora A. (indicadora
de que a negação diminuía), que tinha sido ela quem tinha perdido a seu filho. O dia anterior ao
sonho tinha usado um vestido negro com um pescoço branco. A mulher do sonho tinha algo
branco arredor de seu pescoço sobre seu vestido negro.

Duas noites depois deste sonho, sonhou o seguinte: "Estou voando com meu filho e desaparece.
Sento que isto significava sua morte: que ele se afogou. Sento que estou também por afogar-me...
mas então faço um esforço e me libero do perigo e volto à vida". As associações mostraram que
no sonho ela tinha decidido que ela não morreria com seu filho senão que sobreviveria. Parecia
que ainda no sonho ela sentia que era bom estar vivo e mal estar morto.

Neste sonho o conhecimento inconsciente de sua perda se aceita bem mais do que no que sonhasse
dois dias antes. A dor e a culpa se tinham unido. O sentimento de triunfo tinha, aparentemente,
desaparecido, mas se fez patente que só tinha diminuído; estava ainda presente em sua satisfação
em relação com a ideia de permanecer viva, em contraste com a morte de seu filho. Os sentimentos
de culpa que já se tinham feito sentir eram em parte devidos a este elemento de triunfo.

Recordação aqui a passagem no artigo de Freud sobre "LUTO e melancolia"17. "A realidade
impõe a cada um das recordações e esperanças que constituem pontos de enlace da libido com o
objeto, seu veredito de que dito objeto não existe já, e o eu, situado ante a interrogação de se quer
compartilhar tal destino, decide-se, sob a influência das satisfações narcisistas da vida, a
abandonar sua ligação com o objeto destruído." Em minha opinião, a "satisfação narcisista"
contém suavizado, o elemento de triunfo que Freud parece pensar que não faz parte do LUTO
normal.

Na segunda semana de seu LUTO, a senhora A. encontrou certo alívio olhando casas bem situadas
no campo, e desejando possuir uma casa desse tipo. Mas este consolo foi cedo interrompido por
crise de desespero e pena. Agora chorava abundantemente e encontrava alívio nas lágrimas O
bem estar que encontrava olhando as casas provia da reconstrução de seu mundo interno em sua
fantasia, por meio deste interesse e também por obter satisfação do conhecimento de que existiam
objetos bons e casas pertencentes a outras pessoas. Em última instância isto representava o recriar
os seus pais bons, interna e externamente, unificando-os e fazendo-os felizes e criadores. Em sua
mente ela restaurava os seus pais por ter -em sua fantasia- matado aos filhos deles, e assim também
impedia seu agastamento. Daí que seu temor de que a morte de seu filho tinha sido um castigo
que lhe tinham infligido seus pais vingadores, perdeu sua força, e também diminuiu o sentimento
de que seu filho a frustrava e castigava com sua morte. A diminuição do ódio e do temor permitiu
deste modo que a dor se manifestasse com toda sua força. O aumento da desconfiança e dos
temores tinha intensificado seu sentimento ou crença de ser perseguida e dominada por seus
objetos internos, e reforçou sua necessidade de dominá-los. Tudo isto se tinha expressado por
meio de um endurecimento de suas relações e sentimentos internos; isto é, por um aumento de
suas defesas maníacas. (Isto se viu no primeiro sonho.) Se estas voltam a diminuir através do
reforço da crença do sujeito nas coisas boas -as suas e as dos outros- e se os temores diminuem a
sua vez, o sujeito em LUTO está capacitado para entregar-se a seus sentimentos e descarregar por
meio do pranto sua dor pela perda real sofrida.

17 "LUTO e melancolia", Ou. C., 14.

249
Parece que os processos de projeção, que estão estreitamente conectados com a descarga dos
sentimentos, encontram-se detentos em certo s estados de dor por um grande controle maníaco, e
podem voltar a trabalhar mais livremente quando dito controle se relaxa. Por meio das lágrimas
o sujeito em LUTO não só expressa seus sentimentos e alivia tensões, senão que, desde que no
inconsciente elas se equiparam aos excrementos, também expele seus sentimentos "maus" e seus
objetos "maus", e isto aumenta o alívio obtido ao chorar. Esta maior liberdade no mundo interno
implica do que aos objetos internalizados, estando menos controlados pelo eu, se lhes permite
também maior liberdade: que a estes objetos se lhes permite, em particular, maior liberdade de
sentimentos.

No estado mental do sujeito em LUTO, seus objetos internos estão também assombrados. Em sua
mente, compartilham sua dor na mesma forma que o fariam pais bondade ursos reais. O poeta nos
diz que Narure mourns with mourner: "A natureza se condoesse com o que está de LUTO". Creio
que "natureza" representa aqui a mãe boa interna. No entanto, esta experiência de mútua dor e
simpatia nas relações internas, está uma vez mais vinculada com as relações externas.

Como já disse a maior confiança da senhora A. nas pessoas e coisas reais, e a ajuda recebida do
mundo externo contribuiu ao relaxamento do controle maníaco sobre seu mundo interno. Deste
modo, a introjeção (bem como a projeção) pôde operar ainda mais livremente, e pôde tomar do
mundo exterior uma maior quantidade de bondade e amor para internalizar, e em grau crescente
a bondade e o amor foram experimentados por dentro.

A senhora A., que numa etapa anterior de seu LUTO tinha, até certo ponto, sentido ou crido que
sua perda lhe tinha sido ocasionada por seus pais vingadores, pôde agora, em fantasia,
experimentar a compaixão destes pais (mortos fazia tempo) e o desejo deles de apoiá-la e ajudá-
la. Sentia que eles também tinham sofrido uma grande perda e compartilhavam sua dor, como o
tivessem feito em caso de estar vivos. Em seu mundo interno tinham diminuído a aspereza e a
suspeita, e tinha aumentado a dor. As lágrimas que vertia agora eram também, até certo ponto, as
lágrimas que derramavam seus pais internos, e ela também desejava aliviá-los do mesmo modo
que eles -em sua fantasia- a aliviavam.

Se voltar a conseguir gradualmente uma maior segurança no mundo interno, e se permite, portanto
que os sentimentos e objetos internos voltem a surgir então se estabelece os processos de
recreação e retorna a esperança.

Segundo vimos, esta mudança é devido a certos movimentos nos dois conjuntos de sentimentos
que formam a posição depressiva: a perseguição diminui e o penar pela perda do objeto amado se
experimenta intensamente. Em outras palavras, o ódio retrocede e o amor se libera. Isto é inerente
ao sentimento de perseguição que é alimentado pelo ódio e ao mesmo tempo o alimenta. Ademais,
o sentimento de ser perseguido e vigiado pelos objetos internos "maus", com a conseguinte
necessidade de vigiá-los constantemente, conduz a certa dependência que reforça as defesas
maníacas. Estas defesas, em tanto se utilizam predominantemente contra sentimentos
persecutórios (e não tanto contra o penar pelo objeto amado) são de natureza muito sádica e
violenta.

Quando a perseguição diminui, a dependência hostil frente ao objeto, junto com o ódio, também
diminui e as defesas maníacas se relaxam. O penar pelo objeto amado perdido também implica
uma dependência frente a ele, mas uma dependência que se transforma num incentivo para

250
conseguir a reparação e a conservação do objeto. É criativa porque está dominada pelo temor,
enquanto a dependência baseada na perseguição e no ódio é estéril e destrutiva.

Assim, enquanto a dor se experimenta com toda intensidade e o desespero atinge seu ponto
culminante, surge o amor pelo objeto, e o sujeito em LUTO sente mais poderosamente do que a
vida interna e a externa seguirão existindo apesar de tudo, e que o objeto amado perdido pode ser
conservado internamente. Nesta etapa do LUTO o sofrimento pode fazer-se produtivo. Sabemos
que experiências dolorosas de toda classe estimulam às vezes as sublimações, ou ainda revelam
novos dons em algumas pessoas, quem então se dedicam à pintura, a escrever ou a outras
atividades criadoras sob a tensão de frustrações e pesares. Outras se voltam mais produtivas em
algum outro terreno -mais capazes de apreciar às pessoas e as coisas, mais tolerantes em suas
relações com os demais-, voltam-se mais sensatas. Em minha opinião, este enriquecimento se
consegue através de processos similares àqueles passos que nos acabar de pesquisar no LUTO.
Isto é, qualquer dor causada por experiências dolorosas, qualquer seja sua natureza, tem um pouco
de comum com o LUTO e reativa a posição depressiva infantil. O encontro e a superação da
adversidade de qualquer espécie ocasionam um trabalho mental similar ao LUTO.

Parece que cada avanço no processo do LUTO dá por resultado uma aprofundar da relação do
indivíduo com seus objetos internos, a felicidade de reconquistá-los depois de ter sentido sua
perda (Paradise Lost and Regained), uma maior confiança neles e amor por eles, porque depois
de tudo resultaram bons, serviçais e úteis. Isto é similar à forma em que o menino pequeno
constrói, passo a passo, suas relações com os objetos externos, cuja confiança conquista não só
através de experiências prazenteiras senão também da forma com que é capaz de vencer as
frustrações e as experiências displicentes, retendo, no entanto, seus objetos bons (externa e
internamente). Quando durante o trabalho de LUTO, as defesas maníacas se relaxam e se
estabelece uma renovação de vida por dentro, junto com um aprofundamento das relações
internas, o sujeito passa por fases comparáveis com os passos que no desenvolvimento temporão
conduzem ao menino a uma maior independência tanto dos objetos externos como dos internos.

Voltando à senhora A., se experimentava alívio, era porque ao contemplar coisas agradáveis, a
vida começava de novo em seu interior e no mundo externo, devido ao estabelecimento de uma
esperança nela de poder recriar seu filho, bem como os seus pais. Nessa época pôde sonhar de
novo e inconscientemente defrontar a sua perda. Sentiu então um desejo mais forte de rever a seus
amigos, mas só a um por vez e durante pouco tempo. No entanto, esses sentimentos de maior
comodidade se voltaram a alternar com sentimentos de dor. (Tanto no LUTO como no
desenvolvimento infantil, a segurança interna se apresenta não num movimento contínuo, senão
ondulatório). Depois de umas semanas de LUTO, por exemplo, a senhora A. saiu a caminhar com
uma amiga por ruas conhecidas, numa tentativa de restabelecer antigos vínculos. De repente se
deu conta que o número de pessoas que tinha na rua lhe parecia excessivo, que as casas eram
estranhas e que a luz do sol era artificial e irreal. Teve que se refugiar num restaurante calmo.
Mas ali sentiu como se o céu raso se viesse abaixo e que as pessoas que se encontravam no lugar
se esfumassem e confundissem. De repente lhe pareceu que o único lugar seguro no mundo era
sua própria casa. Na análise se viram claramente que a terrível indiferença da gente era um reflexo
de seus objetos internos, os que em sua mente se tinham transformado numa multidão de objetos
"maus" perseguidores. Sentiu o mundo externo como artificial e irreal devido a que a confiança
real na bondade interna fala desaparecido temporariamente.

Muitos sujeitos em LUTO podem só lentamente restabelecer os vínculos com o mundo externo
porque estão lutando ainda com o caos interior; pelas mesmas razões o menino desenvolve sua
251
confiança nos objetos do mundo externo, primeiro em conexão com muito poucas pessoas
amadas. Sem dúvida existem também outros fatores, por exemplo, sua imaturidade intelectual,
que são responsáveis em parte deste desenvolvimento gradual das relações de objeto no menino,
mas sustento, no entanto que, sobretudo é devido ao estado caótico de seu mundo interno.

Uma das diferenças entre a temporã posição depressiva e o LUTO normal, é que quando o menino
perde o peito ou a mamadeira que chegou a representar para ele um objeto bom, benéfico e
protetor dentro dele, e experimenta dor, sente-o ainda que sua mãe esteja junto a ele. No adulto,
sobrevêm a dor com a perdida real de uma pessoa real; no entanto, o que o ajuda para vencer esta
perda excessiva é ter estabelecido em seus primeiros anos, uma boa imago da mãe dentro de se.
O menino pequeno, no entanto, está na cúspide de suas lutas contra o medo a perdê-la interna e
externamente, porque não conseguiu estabelecê-la dentro de si de um modo seguro. Nesta luta, a
relação do menino com sua mãe, sua presença real, é a maior ajuda. Do mesmo modo que o sujeito
em LUTO se está rodeado de pessoas que ele quer e que compartilham sua dor, e se pode aceitar
sua compaixão, também isto favorece a restauração da harmonia de seu mundo interno e se
reduzem mais rapidamente seus medos e penas.

Tendo descrito alguns dos processos que observei durante o trabalho de LUTO e nos estados
depressivos, quero agora unir esta contribuição com o que nos ensinaram Freud e Abraham.

Baseando-se nos trabalhos de Freud e em suas próprias observações sobre a natureza dos
processos arcaicos que fazem na melancolia, Abraham encontrou que estes processos operam
também durante o trabalho normal de LUTO. Chegou à conclusão de que no LUTO normal o
sujeito consegue restabelecer a pessoa amada e perdida em sua eu, enquanto o melancólico
fracassa nessa tentativa. Descreveu também alguns fatores fundamentais que decidem que isto
seja um sucesso ou um fracasso.

Minha experiência me conduz à conclusão de que conquanto é verdade que o fato característico
do LUTO normal é que o sujeito instala dentro de si o objeto amado perdido, não faz isto pela
primeira vez, senão que, através do trabalho de LUTO reinstala o objeto perdido tanto como os
objetos internos amados que sentiu que tinha perdido. Deste modo recupera o que tinha
conseguido já na infância. No curso do desenvolvimento temporão, como sabemos, o menino
instala seus pais no eu. (Foi o entendimento do processo de introjeção na melancolia e no LUTO
normal o que como é sabido conduziu a Freud a reconhecer a existência do superego no
desenvolvimento normal.) Mas quanto à natureza do superego e à história de seu desenvolvimento
individual, minhas conclusões diferem das de Freud. Como assinalei com freqüência, o processo
de introjeção e projeção, desde os começos da vida, conduz à instituição, dentro de nós mesmos,
de objetos amados e odiados, que são sentidos como "bons" e "maus", que estão inter relacionados
os uns com os outros e com o sujeito; isto é: constituem um mundo interno. Este conjunto de
objetos internalizados se organiza, junto com a organização do eu, e nos mais altos estratos da
mente chega a fazer-se perceptível como superego. Em termos gerais, o que Freud viu como as
vozes e a influência dos pais reais estabelecidos no eu, é, de acordo com meus achados, um mundo
complexo de objetos sentido pelo indivíduo nas mais profundas capas de seu inconsciente como
algo concreto dentro de si, razão pela qual eu e alguns de meus colegas usamos os termos "objetos
internalizados" e "mundo interno". Este mundo interno consiste numa grande quantidade de
objetos dentro do eu que correspondem em parte a multidão de aspectos variados bons e maus em
que os pais (e as outras pessoas) aparecem no inconsciente do menino, através das variadas fases
de seu desenvolvimento. Ainda mais, também representam todas as pessoas que internaliza
continuamente numa grande variedade de situações que provem das múltiplas e sempre mutantes
252
experiências do mundo externo, tanto como das fantasiadas. Ademais, todos estes objetos estão
no mundo interno numa relação infinitamente complexa, tanto os uns com os outros, como com
o sujeito mesmo.

Se agora aplicamos ao processo do LUTO esta descrição da organização do superego, tal como o
comparei com o superego de Freud, faz-se mais clara minha contribuição ao entendimento deste
processo. No LUTO normal, o indivíduo reintrojeta e reinstala tanto à pessoa real perdida, como
os seus pais amados que sentiu como objetos internos bons. Em sua fantasia, este mundo interno,
que construiu desde os primeiros dias de sua vida em adiante, foi destruído quando se produziu a
perda atual. A reconstrução do mundo interno dá a pauta do sucesso do trabalho de LUTO.

O entendimento deste mundo interno complexo capacita ao analista para encontrar e resolver
muitas situações de ansiedade temporã, desconhecidas anteriormente e que teórica e
terapeuticamente são de tal importância que quiçá não as podamos valorizar ainda. Creio também
que o problema do LUTO só pode ser totalmente compreendido, tendo em conta estas situações
de ansiedade temporã.

Ilustrarei agora, em conexão com o LUTO, uma dessas situações de ansiedade que encontrei como
de capital importância nos estados maníaco -depressivos. Refiro-me à ansiedade provocada pelos
pais internalizados em coito destrutivo; tanto eles como o próprio sujeito são sentidos como se
estivessem em constante perigo de destruição violenta. Referirei a seguir extratos de alguns
sonhos de um paciente, um homem de 40 anos, D., que tinha rasgos depressivos e paranoides.
Não entrarei nos detalhes do caso, me limitarei aqui a mostrar o modo em que foram ativados
estes medos e fantasias quando morreu a mãe do paciente. Sua mãe estava muito enferma,
piorando dia a dia, e nessa época estava já quase inconsciente.

Um dia, em sua análise, falou de sua mãe com ódio e amargura, acusando-a de ter fato desgraçado
a seu pai. Relatou também um caso de suicídio e um de loucura que tinha ocorrido na família de
sua mãe. Disse que sua mãe, numa época, "tinha a mente confusa". Depois aplicou este termo
"confuso" a se mesmo e disse: "Sei que está-me voltando louco, e que vão encerrar-me ." Falou
em seguida de um animal engaiolado. Interpretei que ao parente louco e a sua mãe confusa, sentia-
os dentro de se e que o medo de ser encerrado significava seu mais profundo medo de ter dentro
dele esta gente louca e de enlouquecer então. Contou depois um sonho da noite anterior. "Vejo
um touro acostado num grande estábulo. Não está completamente morto e tem um aspecto
misterioso e perigoso. Eu estou de pé a um lado do touro e minha mãe está do outro lado. Escapo
e me refugio numa casa, sentindo que deixei a minha mãe em perigo e que isso está mau; mas
tenho a vadia esperança de que se salvasse. Com grande assombro para ele, a primeira associação
do paciente foi recordar quanto lhe tinham molestado acordando-o temporão.

Falou depois dos búfalos em América, país onde tinha nascido. Sempre se tinha interessado nos
bufa-o s e lhe atraíam. Disse depois que podia matar-se e comê-los, mas como estavam
extinguindo-se tinha que o evitar. Mencionou depois a história de um homem que se tinha mantido
no solo imóvel, com um touro em cima dele, incapaz de mover-se por medo a ser achatado.
Associou em seguida com um touro que tinha visto ultimamente na granja de um amigo e que
este touro lhe tinha parecido horrível quando o viu. Por suas associações, esta granja era como
sua própria casa. Tinha passado grande parte de sua infância na granja de seu pai. No intervalo
deu associações sobre sementes de flores espalhadas que vinham do campo e jogavam raízes nos
jardins da cidade. D. viu de novo ao dono da granja esse dia e lhe instou a vigiar o touro. (Se tinha
inteirado que ultimamente o touro tinha destruído algumas das construções da granja.) Essa
253
mesma tarde, o paciente recebeu a noticia da morte de sua mãe. Na hora seguinte, não mencionou,
ao princípio, a morte de sua mãe, mas expressou ódio contra mim: meu tratamento ia-o matar.
Recordei-lhe o sonho do touro interpretando que em sua mente sua mãe se tinha unido com o pai
-touro atacante -meio morto- e se tinha voltado misteriosa e perigosa. Eu mesma e o tratamento
representávamos para ele a figura de seus pais combinados. Assinalei-lhe que o recente
incremento do ódio para a mãe foi uma defesa contra sua tristeza e desespero por sua próxima
morte. Aludi a suas fantasias agressivas, mediante as quais em sua mente ele tinha transformado
a seu pai num touro perigoso que destruiria à mãe daí seus sentimentos de responsabilidade e
culpa sobre o iminente desastre. Aludi também às observações do paciente sobre os búfalos que
se comiam e lhe expliquei que tinha incorporado a figura combinada dos pais e que tinha temor
de ser achatado internamente pelo touro. O material anterior tinha mostrado seu medo a ser
controlado e atacado internamente por seres perigosos, medos que entre outras coisas lhe tinham
levado a adotar posturas rígidas e imóveis. Seu relato do homem que corria o perigo de ser
achatado pelo touro e que se manteve imóvel e controlado, interpretei-o como a representação de
perigos que lhe ameaçavam internamente18. Expliquei depois ao paciente o significado sexual do
touro atacando à mãe, conectando isto com sua incomodo pelos pássaros que o acordavam na
manhã (sua primeira associação ao sonho do touro). Recordei-lhe que em suas associações, os
pássaros com freqüência representavam pessoas, e que o ruído que fazem os pássaros -ruído ao
que estava vezeiro- representavam para ele o coito perigoso dos pais e era tão insuportável,
especialmente essa manha, devido ao sonho do touro e o seu estado agudo de ansiedade por causa
de sua mãe moribunda. Assim, a morte de sua mãe significava para ele ser destruído em seu
interior pelo touro, já que o trabalho de LUTO tinha começado e ele a internalização nesta situação
tão perigosa.

18 Encontrei com freqüência este processo no qual o paciente sente inconscientemente que algo dentro dele está
representado por algo em cima dele ou muito cerca dele. Mediante a tão conhecida "representação pelo contrário", um
acontecimento externo pode aparecer como interno. Que a importância esteja no interno ou no externo se aclara no
contexto total dos detalhes das associações da natureza e intensidade dos afetos. Por ex., certas manifestações de
ansiedade muito aguda e as defesas especificas contra essa ansiedade (particularmente o aumento da negação da
realidade psíquica), indica que nesse momento predomina uma situação interna.

Assinalarei agora alguns aspectos otimistas do sonho. Sua mãe poderá salvar-se do touro.
Agradam-lhe os pássaros. Mostrei-lhe as tendências de reparação e recreação presentes neste
material. Seu pai (o búfalo) deve ser preservado, por exemplo, contra sua própria voracidade.
Recordei-lhe, entre outras coisas, as sementes que desejava disseminar no solo por todas as partes,
trazendo-as desde o campo, que ele queria, até seu povo, e que significavam meninos criados por
ele e seu pai como uma reparação a sua mãe. Estes meninos com vida significavam manter viva
a sua própria mãe.

Só depois desta interpretação pôde contar-me a morte de sua mãe adoecida a noite anterior.
Admitiu o que era raro nele, seu total entendimento do processo de internalização, tal como se o
tinha interpretado. Disse que depois de haver recebido a notícia da morte de sua mãe se sentiu
enfermo e pensou ainda nesse momento, que não tinha razões físicas para está-lo. Isto parecia
confirmar minha interpretação de que tinha internalizado toda a situação imaginada de sua luta
com os pais mortos.

254
Durante esta hora mostrou ódio, ansiedade e tensão, mas muito pouca dor; para o final da hora,
depois de minha interpretação, suavizaram-se seus sentimentos, esteve algo triste e sentiu certo
alívio.

A noite depois do funeral de sua mãe, D. sonhou que X. (que era uma figura paterna) e outra
pessoa (que me representava a mim) tratavam de ajudá-lo, mas que realmente devia lutar contra
eles para viver e disse: "A morte me reclama". Em sua sessão falou outra vez amargamente de
sua análise como de algo que o desintegrava. Interpretei que ele sentia que os pais externos que
lhe ajudavam eram ao mesmo tempo pais que o atacavam e desintegravam que poderiam atacá-
lo e destruí-lo -o touro médio morto e sua mãe moribunda dentro dele- e que eu e a análise nos
tínhamos transformado em pessoas e acontecimentos perigosos dentro dele; que ele tinha
internalizado a seus pais como algo moribundo ou morto se confirmou quando me relatou que no
funeral tinha duvidado um momento sobre se seu pai não estaria morto também (em realidade o
pai vivia). Para o final da hora, depois de uma diminuição de seu ódio e ansiedade, cooperou mais.
Disse que o dia anterior, olhando pela janela em casa de seu pai, viu o jardim e se sentiu só:
desagradou-lhe ademais um pássaro que tinha num arbusto. Pensou que este pássaro, mau e
destrutivo, podia meter-se no ninho de outro e pôr ovos nele. Associei depois, que pouco tempo
antes tinha visto ramos de flores silvestres esparramadas pelo solo -que possivelmente tinham
sido arrancadas e arrojadas ali por alguns meninos-. Interpretei seu ódio e amargura como defesa
contra a pena, solidão e culpa. O pássaro e os meninos destrutivos -como com freqüência tinha
ocorrido antes - representavam a ele mesmo que em sua mente tinha destruído a casa e felicidade
de seus pais e matado a sua mãe, destruindo os meninos em seu interior. Em conexão com isto,
seus sentimentos de culpa se relacionavam com seus ataques diretos fantasiados contra o corpo
de sua mãe, enquanto, em conexão com o sonho do touro, a culpa se derivava de seus ataques
indiretos contra ela, quando transformou a seu pai num touro perigoso que realizava os próprios
desejos sádicos do paciente. Na terceira noite, depois do funeral de sua mãe, D. sonhou: "Vejo
um ônibus que vem para mim de um modo incontrolado -aparentemente não tem condutor-. Vai
contra um galpão com teto. Não vejo o que lhe sucede ao galpão, mas sei claramente que se 'vai
ao tacho'. Depois vêm duas pessoas por trás de mim que levantam o teto do galpão e olham dentro.
D. não sabe para que mas parecem pensar que é uma ajuda".

Além de mostrar seu medo a ser castrado pelo pai através de um ato homossexual que D. nesse
momento também deseja, seu sonho expressa a mesma situação interna que o sonho do touro: a
morte de sua mãe dentro dele e sua própria morte. O galpão significa o corpo de sua mãe, ele
mesmo e também sua mãe internalizada. O coito perigoso representado pelo ônibus destruindo o
galpão ocorreu em sua mente, tanto a sua mãe como a ele mesmo, mas, ademais e esta é a razão
dominante de sua ansiedade, a sua mãe dentro dele. O não ser capaz de ver o que sucede no sonho
indica que, em sua mente, a catástrofe foi um acontecimento interno. Também soube, sem vê-lo,
que o galpão "ia ao tacho". O ônibus indo para ele, além de significar o coito e castração pelo pai,
significa "um acontecimento dentro dele” 19 . As duas pessoas abrindo o teto desde atrás
(assinalou meu cadeirão) éramos ele e eu olhando dentro de seu interior e dentro de sua mente
(psicanálise). As duas pessoas também significavam: eu mesma como a figura dos pais "maus"
combinados e contendo o pai perigoso; daí suas dúvidas de que o olhar dentro do galpão (a
análise) pudesse ser-lhe de utilidade. O ônibus sem freios representava também a ele mesmo em
perigoso coito com sua mãe e expressava seus medos e culpa sobre a maldade de seus próprios
genitais. Antes da morte de sua mãe, quando já tinha começado sua grave doença, seu auto tinha
chocado acidentalmente contra um poste sem sérias conseqüências. Este acidente parecia ser uma
tentativa de suicídio inconsciente que significava destruir aos pais maus internos; também

255
representava a seus pais em coito perigoso dentro dele e foi assim uma realização tanto como uma
externalização de um desastre interno.

19 Um ataque ao corpo desde fora representa um acontecimento interno. Já assinalei que algo representado como em
cima ou muito cerca de um significa o mais profundamente interno.

As fantasias dos pais combinados em coito "mau" ou, ainda mais, a acumulação de emoções de
diferentes índoles, desejos, temores e culpas que as envolvem, tinham revirado muito sua relação
com ambos os pais e jogado um papel importante, não só em sua doença, senão também em seu
desenvolvimento total. Através da análise destas emoções referidas à relação sexual dos pais, e
particularmente através da análise destas situações internalizadas, o paciente pôde experimentar
realmente o LUTO por sua mãe. Toda sua vida, no entanto, tinha-se defendido da depressão e
pena de perdê-la e isto se originava em seus sentimentos infantis depressivos, e assim negou seu
grande amor por ela. Inconscientemente tinha reforçado seu ódio e sentimentos de perseguição
porque não queria sofrer o medo de perder a sua mãe amada. Quando decresceram suas ansiedades
surgidas de sua própria destrutividade fortaleceu sua confiança em seu poder de restaurá-la e
preservá-la, diminuiu a perseguição e surgiu seu amor por ela. Mas, ao mesmo tempo,
experimentou, em forma crescente, pena e ânsia por ela, sentimentos que ele tinha reprimido e
negado sempre, desde os primeiros dias. Enquanto passava por este LUTO com dor e desespero,
seu amor tão profundamente enterrado por sua mãe ressurgia cada vez mais e se modificou sua
relação com ambos os pais. Um dia, falando deles e referindo-se a uma recordação agradável de
sua infância, disse deles: "Meus velhos queridos" -o que significava um pensamento novo para
ele.

Mostrei aqui e em artigos anteriores, as razões mais profundas da incapacidade de um sujeito para
vencer com sucesso a posição depressiva infantil. O fracasso neste sentido origina depressão,
mania ou paranoia. Assinalei (op. cit.) um ou dois métodos pelos que o eu tenta escapar ao
sofrimento, conectados com a posição depressiva: a fugida para os objetos bons internos (que
pode conduzir a uma psicose grave) e a fugida para os objetos bons externos (que fazem possível
o vencimento da neurose). Mas ademais existem muitos modos que, segundo minha experiência,
serve para o mesmo propósito de capacitar ao indivíduo para fugir dos sofrimentos causados pela
posição depressiva; variam de indivíduo a indivíduo, e se baseiam em defesas obsessivas,
maníacas e paranoides (e todos estes métodos, como já assinalei, utilizam-se no desenvolvimento
normal). Costumam observar-se claramente durante a análise de pessoas que não podem
experimentar o LUTO. Sentindo-se incapazes de salvar ou reinstalar de um modo seguro os
objetos bons dentro deles, podem afastar-se dos mesmos e, portanto, negar seu amor por eles. Isto
pode significar, que suas emoções se façam mais inibidas: em outros casos, são só os sentimentos
de amor os que se sufocam, enquanto o ódio aumenta. Ao mesmo tempo, o eu utiliza diversos
modos para tratar os temores paranoides (que são mais fortes quanto mais se reforçou o ódio).
Por exemplo, os objetos maus internos se subjugam maniacamente, imobilizam-se, e ao mesmo
tempo se negam, tanto como se projetam fortemente no mundo externo. Há pessoas que, incapazes
de experimentar o LUTO, podem escapar a um ataque maníaco-depressivo ou de paranoia só por
uma grave restrição em sua vida emocional que empobrece sua personalidade total.

Nestas pessoas, o manter uma verdadeira medida de equilíbrio mental, depende com frequência
do modo em que interagem os diversos métodos e de sua capacidade de manter com vida, em
outras direções, algo do amor que negaram a seus objetos perdidos. As relações com pessoas que
em sua mente não estão intimamente relacionadas com o objeto perdido, o interesse em coisas e
atividades, podem absorver algo do amor que corresponde ao objeto perdido. Ainda que essas

256
relações e sublimações terão um caráter maníaco ou paranoide, podem ainda assim, dar alívio e
tranquilizar a culpa, porque através delas, o objeto amado perdido que foi recusado e assim
destruído, é em certa medida restaurado e retido no inconsciente.

Se em nossos pacientes, a análise diminui a ansiedade pelos pais internos, destrutivos e


perseguidores compreendem-se que o ódio e a sua vez a ansiedade diminuam, e que sejam capazes
de revisar sua relação com os pais -vivos ou mortos- e reabilitá-los ainda tendo motivos de
ressentimento Esta maior tolerância faz possível para eles alojar com firmeza em sua mente
figuras parentais boas junto com objetos maus internos, e mais ainda mitigar o medo aos objetos
maus pela confiança nos objetos bons. Isto os capacita para experimentar emoções -pena, culpa e
tristeza, tanto como amor e confiança-, e trabalhar o LUTO, vencê-lo, e finalmente, vencer a
posição depressiva infantil na que eles fracassaram na infância.

Em conclusão: no LUTO normal, tanto como no patológico, e nos estados maníaco-depressivos,


reativa-se a posição depressiva infantil. Sentimentos complexos, fantasias e ansiedades, incluídas
sob este termo, são de uma natureza que justifica minha afirmação de que o menino, em seu
desenvolvimento temporão, passa através de estados maníaco-depressivos transitórios, tanto
como por estados de LUTO, que depois são modificados mediante a neurose infantil. A posição
depressiva infantil se supera quando desaparece a neurose infantil.

A diferença fundamental, entre o LUTO normal, por uma parte, e pela outra o LUTO patológico
e os estados maníaco-depressivos, é a seguinte: os enfermos maníaco -depressivos e os sujeitos
que fracassam no trabalho de LUTO ainda que as defesas possam diferir amplamente uma de
outra, têm em comum o não ter sido capazes, em sua temporã infância, de estabelecer objetos
bons internos e de sentir segurança em seu mundo interno.

Realmente, não venceram nunca a posição depressiva infantil. No LUTO normal, no entanto, a
posição depressiva temporã, que se reviveu com a perda do objeto amado, modifica-se uma vez
mais e se vence por métodos similares aos que usou o eu na infância. O indivíduo reinstala dentro
dele seus objetos de amor perdidos reais e ao mesmo tempo seus primeiros objetos amados, em
última instância, seus pais bons, a quem quando ocorreu a perda real, sentiu também em perigo
de perdê-los.

Quando o sujeito em LUTO reinstala dentro de si aos pais bons e às pessoas recentemente
perdidas e reconstrói seu mundo interno, que esteve desintegrado e em perigo, pode vencer sua
pena, vontade nova segurança e consegue harmonia e paz verdadeiras.

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