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4. A lei não identifica o tempo concreto em que o dono da obra deve exercer os seus ónus, de verificar e de
comunicar.
Mas o nº 2, do mesmo artigo 1218º, a propósito da verificação, faz apelo ao “prazo usual” ou, na falta deste,
ao “período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer”.
Faz sentido usar o mesmo critério para a comunicação. E, neste particular, ao menos por princípio, apontar
para um prazo de 30 dias para realizar essa comunicação, se tivermos em conta as bitolas temporais que os artigos
1220º, nº 1, ou 1224º, nº 1, segmento final, supõem.
Em qualquer destes casos supõe-se um acto prévio do empreiteiro, o acto de disponibilização da obra, este
um verdadeiro vínculo jurídico que carrega sobre o empreiteiro e que o responsabiliza se, no prazo acordado no
contrato, não for por ele cumprido.
O acto de disponibilização constitui, portanto, uma obrigação jurídica, que tem por sujeito passivo o
empreiteiro (devedor) e por credor, ou sujeito activo, o dono da obra. E de tal modo que a este se impõem os
vínculos de credor, no quadro da boa-fé contratual (artigo 762º, nº 2). Designadamente, o credor deve colocar-se em
condições para receber a obra, que lhe seja disponibilizada, e se o não fizer – não praticar os actos necessários ao
cumprimento da obrigação – incorre em mora, a mora do credor (artigo 813º do CC).
É o que se designa, na prática, por recepção provisória. Quer dizer, o dono da obra deve assegurar o
posicionamento, devido e adequado, ao cumprimento pontual, pelo empreiteiro, da sua obrigação de
disponibilização da obra, que o artigo 1218º, nº 2, segmento final, contempla.
Asseguradas, pelo credor, dono da obra, essas condições, o empreiteiro, devedor, disponibiliza a obra.
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E é a partir o momento da disponibilização que fixa o termo inicial do tempo para o exercício dos ónus, do
lado do dono da obra, de verificação e de comunicação.
5. A falta de verificação ou da comunicação, com os efeitos inilidíveis do artigo 1218º, nº 5, opera sempre
que, extinto o período, usual ou razoável, suposto pelo artigo 1218º, nº 2, trecho inicial, esses actos não tenham sido
praticados pelo dono da obra.
Ou seja, este não cumpriu o ónus no tempo estabelecido para o efeito.
E a consequência é a operatividade do efeito jurídico inilidível – a obra tem-se por aceite.
6. Significa isto que, no quadro dos princípios de direito das obrigações, não faz sentido considerar o dono da
obra passível de incorrer em mora (ou em incumprimento definitivo) quanto aos actos de verificação e de
comunicação, ao menos no sentido habitual destes conceitos.
Notemos que estes institutos – mora, incumprimento definitivo – operam no quadro de uma obrigação
jurídica que atinge a esfera de um devedor (artigo 804º, nº 2; artigo 808º). Há um vínculo à realização de uma
prestação (artigos 397º e 762º, nº 1).
Ora, o dono da obra, no contrato de empreitada, não está adstrito, para com o empreiteiro, à realização de
uma prestação; entenda-se, nada obriga aquele, para com este, a verificar ou a comunicar os resultados da
verificação. Fá-lo-á apenas se o quiser.
Certo que, em qualquer dos casos, a posição jurídica do empreiteiro nunca é afectada negativamente.
Ao contrário até: se os actos não forem praticados pelo dono da obra opera iuris et de iure o efeito de
aceitação; com todas as consequências daí inerentes.
Vínculos ao dono da obra, estes sim, existem como sujeito credor, que deve manter-se em condições de
receber a prestação que lhe é oferecida, nada fazendo capaz de prejudicar a realização da prestação do empreiteiro
(devedor), traduzida no acto deste de disponibilização, e que este tem direito a cumprir pontualmente (artigo 777º, nº
1, segmento final). Portanto, vínculos de colaboração de credor (artigos citados 813º e 762º, nº 2), sob pena de
incorrer em mora (mas de credor, não de devedor).
7. O mecanismo do artigo 808º, nº 1, do CC, não tem portanto, neste particular, cabimento.
Designadamente, p. ex., não há que julgar o dono da obra em mora – como devedor – para efeitos de lhe fixar
um prazo admonitório (que seria sempre acrescido ao do artigo 1218º, nº 2), decorrido o qual se considere em
incumprimento definitivo da “obrigação” (de verificar ou comunicar).
Não há aqui obrigação, pura e simplesmente.
Há ónus jurídico. E a natureza deste é impassível de mora ou de incumprimento definitivo.
No ónus, há o tempo próprio para fazer operar um acto. E, nesse tempo, ou opera (permitindo ao sujeito obter
as vantagens inerentes) ou é omitido (deixando o sujeito à mercê do prejuízo dessa omissão).
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A centralidade da mora em causa, que a lei associa à “verificação ou aceitação”, é a mora de credor (que o
dono da obra é); não a de devedor (que o dono da obra não é).
Quer dizer, o dono da obra estará em mora, se se puser em posição de não poder praticar tais actos; se não
assumir a conduta ajustada a poder praticá-los; de outra maneira, se não assegurar as condições exigidas para o
empreiteiro poder pontualmente realizar o seu vínculo de disponibilização; ou ainda, na medida em não assegure o
seu acto de recepção provisória (encargo ou acto de colaboração que, como credor, o vincula).
A respeito deste artigo 1228º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil anotado”, volume II,
3.ª edição revista e actualizada, 1986, página 831):
« A disposição do nº 2 – transferência do risco para o dono da obra, se este estiver em mora, quanto à
verificação ou aceitação da obra – inspira-se no princípio geral do artigo 807º, nº 1. Não seria efectivamente justo
que o empreiteiro sofresse as consequências da perda da coisa ou da sua deterioração, se a não entregou por facto
imputável ao dono dela »