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O acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) por pessoas autistas:

algumas problematizações

The access to the Continuous Cash Benefit (CCB) by people with autistic
spectrum disorders: some problematizations
DOI: 10.55905/revconv.16n.12-016

Recebimento dos originais: 27/10/2023


Aceitação para publicação: 30/11/2023

Alessandro Andrade Minuzzi


Graduado em Direito
Instituição: Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)
Endereço: Pelotas - RS, Brasil
E-mail: alessandro_minuzzi@yahoo.com.br

Mara Rosange Acosta de Medeiros


Doutora em Serviço Social
Instituição: Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)
Endereço: Pelotas - RS, Brasil
E-mail: mara.medeiros@ucpel.edu.br

Claudiane Rockembach Gonçalves


Graduada em Serviço Social
Instituição: Universidade Católica de Pelotas (UCPEL)
Endereço: Pelotas - RS, Brasil
E-mail: claudiane.goncalves@sou.ucpel.edu.br

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apontar dificuldades no acesso dos benefícios
assistenciais, mais especificamente, do Benefício de Prestação continuada (BPC) pelas pessoas
com transtorno do espectro autista (TEA). Partindo de uma revisão bibliográfica e de dados sobre
o Transtorno, este trabalho iniciará expondo, ainda que brevemente, quais elementos podem
caracterizar uma pessoa autista, dentre os quais, algum grau de comprometimento no
comportamento social, na comunicação e na linguagem especial havendo, na maioria das vezes,
a necessidade de acompanhamento de diversos profissionais. Ademais, tornam-se necessárias
medidas que garantam a inclusão na escola, atendimento à saúde, apoio familiar e a possibilidade
de um auxílio financeiro que dê conta de garantir qualidade de vida e inserção social. Nesse
cenário surge a necessidade de verificar situações ligadas à proteção social das pessoas
diagnosticadas com o Transtorno, em especial sob a forma de acesso ao Benefício de Prestação
Continuada (BPC), previsto na Política de Assistência Social. Assim, à guisa de fechamento, esse
trabalho se ocupará da exploração bibliográfica e documental, além da interpretação de dados
coletados por organismos oficiais e associações que trabalham em prol das pessoas autistas,
apontando eventuais medidas proativas a fim de garantir o acesso aos direitos e a almejada
qualidade de vida dessas pessoas.

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Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista (TEA), política de assistência social, Benefício
de Prestação Continuada.

ABSTRACT
The aim of this study is to point out the difficulties related to the access of assistance benefits,
more specifically, the Continuous Cash Benefit (CCB) by the people with Autistic Spectrum
Disorder (ASD). Since a bibliographic review and data about the disorder, it will be briefly
presented, which elements can describe an autistic person, in a certain level of commitment in
the social behavior, in the communication and in the special language, having most of the times,
the necessity of assistance with several professionals, as well as steps in order to guarantee the
school inclusion, health service, family support and the possibility of a financial to ensure the
quality of life and the social insertion. In this scenario, there is the necessity to verify situations
related to social protection of diagnosed people, in particular the way of accessing the Continuous
Cash Benefit (CCB), provided for the Social Assistance Policy. In conclusion, this study will
have the bibliographic and documentary research, in addition to the data comprehension collected
by official organizations and associations that work in favor of people with this disorder,
proposing possible proactive measures in order to guarantee the access to the rights and the
desired quality of life of these people.

Keywords: Autistic Spectrum Disorders (ASD), social assistance policy, Continuous Cash
Benefit (CCB).

1 INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do desenvolvimento
caracterizado por prejuízos precoces na interação e comunicação social, bem como
comportamentos e interesses restritos e estereotipados. Pode-se caracterizar o TEA como um
contínuo de alterações na comunicação social. Pessoas com TEA podem apresentar,
adicionalmente, um quadro variado de sintomas como déficits cognitivos, hiperatividade,
agressividade, ansiedade, entre outros. Esses sintomas podem dar um diagnóstico mais preciso a
partir dos três anos. Mesmo sem confirmação diagnóstica, a intervenção precoce pode e deve ser
instituída, tendo em vista que ela pode gerar uma inclusão nos serviços de saúde existentes e
maior receptividade nas escolas, haja vista que muitas destas instituições resistem em acolher
essas crianças, afirmando que não possuem estrutura física e nem recursos humanos com
profissionais preparados para tal demanda.
Isso posto, cabe revitalizar a discussão acerca dos direitos e garantias dessas pessoas, já
que muito esforço foi necessário para se chegar à Lei Nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012,

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que instituiu o a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista.
Embora exista esse importante marco legal, é possível demarcar uma lacuna em relação
à análise de alguns requerimentos do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pelo Instituto
Nacional da Seguridade Social (INSS), onde a avaliação da deficiência tende a limitar o acesso
ao benefício, exigindo que este seja, muitas vezes judicializado. Outro elemento que reduz o
acesso ao BPC está vinculado à questão da renda per capta de ¼ do salário mínimo do núcleo
familiar. Com tais apontamentos, ambiciona-se discutir estratégias capazes de ampliar o acesso
à assistência social, em especial, na forma do benefício correlato.

2 METODOLOGIA
Foi utilizado o método de pesquisa exploratória com a finalidade de analisar o arcabouço
legal acerca dos direitos das pessoas com TEA, partindo de uma revisão bibliográfica composta
por autores e pessoas engajadas na luta por esses direitos. Em referência às disposições
normativas, este trabalho passará pela verificação normativa desde a Constituição Federal até leis
ordinárias, eventualmente alguns atos infralegais. A finalidade é traçar uma linha entre as
previsões normativas, a fim de apurar a lacuna existente na concessão do BPC e, com isso,
apontar estratégias viabilizadoras do acesso a esse direito.
Cabe reforçar que, em relação às normas revisadas, há que se abordar a Constituição
Federal de 1988 (CF/88), as Leis Federais 8.742, de 07 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da
Assistência Social); Lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (direitos da pessoa com TEA) e a
Lei 13.146 de 06 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Como objeto empírico, abordar-se-á a constatação do aumento de casos de pessoas com
TEA, conforme estudos estatísticos da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a
eventual ausência de dados relativos à concessão do BPC, em especial, concedido à crianças e
adolescentes.
Partindo dos conceitos apresentados por autores da área e a legislação vigente, o trabalho
analisará a problemática do alcance do BPC no quesito da comprovação de dois anos da
deficiência. Para isso, será necessária uma pesquisa documental e bibliográfica. Por fim, o estudo
terá caráter essencialmente qualitativo, com ênfase na observação e estudo documental, paralelo
ao cruzamento do levantamento realizado com a pesquisa bibliográfica feita.

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3 DISCUSSÕES E RESULTADOS
Cabe iniciar descrevendo o TEA, ainda que brevemente. Tal caracterização e apanhado
geral serão necessários, senão úteis, à conexão com os principais aspectos legais inerentes à
política de assistência social e ao BPC e, também, com a lacuna existente em relação ao alcance
desse benefício.

3.1 DIAGNÓSTICO E QUADRO GERAL DO TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA


Embora as Nações Unidas apontem que há no Brasil, mais de 2 milhões de pessoas
autistas, há ainda um certo desconhecimento acerca das características e níveis de impacto na
vida cotidiana das pessoas que recebem esse diagnóstico. De acordo com Volkmar e Wiesner
(2019, p.1), “transtornos do espectro autista, ou TEAs, são transtornos que compartilham déficits
significativos na interação social como sua principal característica definidora. Esse déficit social
é bastante severo”.
Estudiosos apontam que este transtorno afeta tanto o desenvolvimento neurológico
quanto a falta de interação social. De acordo com Hevelin Almeida e Jane da Silva (2020), o
autismo possui classificações que determinam o grau que o transtorno afeta o indivíduo, os quais
podem ser: leve, moderado e severo e, dependendo deste grau de intensidade, se faz necessário
um acompanhamento multidisciplinar.
Em publicação veiculada em seu sítio eletrônico, a Organização Pan-Americana de
Saúde1, destaca algumas características do transtorno, apontando:

[...] uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no


comportamento social, na comunicação e na linguagem, e por uma gama estreita de
interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva.
O TEA começa na infância e tende a persistir na adolescência e na idade adulta. Na
maioria dos casos, as condições são aparentes durante os primeiros cinco anos de vida.
Indivíduos com transtorno do espectro autista frequentemente apresentam outras
condições concomitantes, incluindo epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O nível de funcionamento intelectual em
indivíduos com TEA é extremamente variável, estendendo-se de comprometimento
profundo até níveis superiores (OPAS, 2022, grifo nosso).

Para a Organização Pan Americana da Saúde, quando mais cedo for realizado o
diagnóstico, mais efetivos podem ser os resultados em relação à inclusão e ao desenvolvimento
social dessas crianças. Para esta entidade, é importante que, uma vez identificadas, as crianças

1
https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista

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com TEA e suas famílias recebam informações relevantes, serviços, referências e apoio prático
de acordo com suas necessidades individuais, pois não existe cura para o transtorno (OPAS,
2022).
Diante desse breve apanhado, é possível afirmar a importância de políticas sociais e
serviços que possam contemplar, em sua totalidade, as necessidades de saúde, educação,
cuidados e serviços de reabilitação, ampliando as possibilidades de maior inserção dessas pessoas
na vida social.
Sobre o diagnóstico precoce, que interessa ao escopo deste artigo, encontra-se na
literatura diversas menções. De acordo com Volkmar e Lisa Wiesner (2019, p. 143) na primeira
infância, “os pais começam a ficar preocupados quando o filho não desenvolve palavras, não
responde a sons ou parece socialmente desconectado”. Estes autores destacam também que em
crianças menores de um ano, é comum perceber que não costumam olhar para as pessoas, não se
sentem motivados para participarem de jogos interativos e também gostam de ficar sozinhos, não
apresentando respostas quando ouvem seu nome.
Isso posto, cabe destacar a importância do diagnóstico correto no começo da vida, embora
a maioria dos autores apontem que, somente aos três anos, há a probabilidade de se ter um
diagnóstico realmente correto. De acordo com Volkmar e Lisa Wiesner (2019, p. 148), ‘’o
diagnóstico é mais sólido quando feito por indivíduos ou equipes experientes”.

3.2 DAS LUTAS DOS FAMILIARES E CUIDADORES À LEGISLAÇÃO


Feitas as anotações sobre o que é e as hipóteses diagnósticas, passa-se à verificação do
arcabouço legal, pelo menos das principais normas em vigor no direito brasileiro para, após,
abordar o problema de que se encarrega esse artigo. À guisa de introdução, transcrevemos um
depoimento obtido na bibliografia estudada, acerca da criação de uma Lei específica para este
segmento:

A esperança é o motor de quem convive com o autismo. Primeiro, tem-se a esperança de


que o olhar distante e o silêncio sejam timidez, que comportamentos descontextualizados
sejam excentricidade, que diagnósticos feitos sem exames (!) sejam mais uma de tantas
opiniões equivocadas de médicos. Por fim, passado o luto, nasce a esperança de que
poderemos, um dia, sentar à mesa e perguntar à pessoa amada como foi seu dia e ouvir,
entre um trejeito e outro (excentricidade), que esta pessoa resolveu uma questão no
trabalho, mas não entendeu muito bem por que todos fizeram festa, que experimentou um
novo tipo de doce no almoço e a garganta nem pinicou, e que, enfim, entenderá a piada
contada no jantar do dia anterior, achando-a muito engraçada (HUGUENIN; ZONZIN,
2016, p.13).

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Em relação à necessidade de o Estado garantir um atendimento de qualidade, conforme
preceitua a legislação em vigor, Erlenia Sobral, assistente social e mãe de uma criança autista,
em depoimento ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), destaca:

Muitos atendimentos necessários ao desenvolvimento das crianças não são ofertados


pelos equipamentos públicos, colocando a responsabilidade quase que exclusivamente
para a família e no campo privado. Ainda que a inclusão seja obrigatória, muitas escolas
privadas colocam restrição, até mesmo na matrícula. (CFESS, 2022, p.3)

Dessa forma, é possível sinalizar a existência de uma distância entre o aspecto legal,
ditado pela Lei, e o aspecto demarcado pela realidade que perpassa o cotidiano de muitas famílias
que possuem integrantes com TEA. Este contexto evidencia a necessidade de se criarem
processos de articulação e de união com vistas à efetivação do que está posto em Lei, a fim de
que estes direitos ultrapassem as meras normatizações e materializem-se na vida destas pessoas.
De acordo com Jose Augusto Huguenin e Marlice Zonzin (2016), a união entre pais e
cuidadores de pessoas autistas, da cidade de Volta Redonda (RJ) foi responsável pela criação da
Associação de Pais de Autistas e Deficientes Mentais (APADEM), que surgiu do desejo de
algumas mães de crianças autistas, que seus filhos e filhas pudessem se tornar sujeitos da própria
história. Para estes autores, a APADEM “oi planejada e organizada para trabalhar em defesa dos
direitos da pessoa com autismo, com a missão de divulgar o autismo, apoiar e orientar as famílias
do autista e defender seus direitos de cidadão’’ (Huguenin; Zonzin, 2016, p.15). Para a
APADEM, havia a necessidade de criação de uma Lei específica voltada para as pessoas com
espectro autista.
Como resultado dessa luta, o texto dessa Lei foi encaminhado pelo Senador Paulo Paim
(PT/RS) sendo aprovada a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista no ano de 2012.
Essa Lei, embora aprovada com vetos e mudanças em relação ao texto original, instituiu
a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Em
seu primeiro artigo, a Lei 12.764/2012 buscou definir, para os efeitos da sua aplicação, o quadro
a ser diagnosticado para que a pessoa com transtorno do espectro autista seja reconhecida como
tal.
Refere, então, que será considerada pessoa com TEA aquela que possui síndrome clínica
caracterizada na forma da deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e
da interação social, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal;

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ausência de reciprocidade social; impossibilidade de desenvolver e manter relações apropriadas
ao seu nível de desenvolvimento; existência de padrões restritivos e repetitivos de
comportamentos e interesses restritos e fixos, dentre outras manifestações. Importante destacar
como a lei se refere ao status de pessoa com o transtorno: “a pessoa com transtorno do espectro
autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”2 (BRASIL, 2012,
grifo nosso).
Em linhas gerais a política nacional prevê a intersetorialidade no desenvolvimento das
ações e das políticas e no atendimento à pessoa com TEA; a participação da comunidade na
formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o
controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação; a atenção integral às
necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico
precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; o estímulo à
inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as
peculiaridades da deficiência e as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente); a responsabilidade do poder público quanto à informação pública
relativa ao transtorno e suas implicações; o incentivo à formação e à capacitação de profissionais
especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e
responsáveis; o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos
tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do
espectro autista no país. Acerca dos direitos específicos, indica:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:


I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade,
a segurança e o lazer;
II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas
necessidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
b) o atendimento multiprofissional;
c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;
d) os medicamentos;
e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;
IV - o acesso:
a) à educação e ao ensino profissionalizante;
b) à moradia, inclusive à residência protegida;
c) ao mercado de trabalho;
d) à previdência social e à assistência social.

2
Lei Federal 12.764/2012, Art. 1º, §2º

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Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do
espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV
do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado. (destaque nosso) (Brasil, 2012,
grifo nosso).

Note-se que a lei buscou incorporar o quadro sintomatológico do transtorno, ainda que
condensado em dois incisos. Alguns saberes da medicina, da psicologia, entre outros, também
foram incorporados no texto legal. Chega-se a essa conclusão comparando o apanhado feito
inicialmente com o primeiro artigo da lei.
Seguindo nessa leitura normativa, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei
13.146/2015, define que a exteriorização da deficiência, ou seja, a presença de impedimento de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, deverá ser de longo prazo3.
Como o Estatuto não definiu o que seria o “longo prazo” devemos considerar o que diz a
Orgânica da Assistência Social, Lei 8.742/1993, em seu artigo 20, sendo importante a sua
reprodução na quase totalidade, dada sua relevância ao trabalho:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal


à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida
por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o
cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto,
os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito
ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a
pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto)
do salário-mínimo. [...]
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente
ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no
regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não
serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o
§ 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo,
aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

3
Lei 13.146.2015. Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

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§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser
utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo
familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda
mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-
mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.
§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as
inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento.
§ 13. (Vide medida Provisória nº 871, de 2019)
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até
1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade
ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de
prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no
cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de
2020)
§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma
família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (destaque nosso) (Brasil,
1993, grifo nosso).

Como dito anteriormente, por encapsular com certo detalhamento o quadro geral para
acesso ao benefício assistencial, optamos por uma reprodução bastante longa, do artigo legal.
Então, a fim de ser vista, notada, pela política de assistência social, em especial a
concretizada no BPC, a pessoa deve provar que padece daquele quadro de impedimentos de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial por no mínimo dois anos (BRASIL,1993).
Assim, chega-se a algumas questões que esse artigo busca problematizar: como
compatibilizar diagnóstico precoce do TEA com o alcance do BPC? Quanto a pessoa portadora
e sua família precisam sofrer até serem notadas? Retomando algumas abordagens, pense-se o
seguinte: uma pessoa com TEA pode apresentar sintomas desde os doze meses de idade. O
diagnóstico, conforme consenso na literatura especializada, assume maior precisão a partir de
três anos de idade. Caso o perito oficial entenda que não foi demonstrada desde um ano de idade
a existência da deficiência, essa pessoa ficará desassistida pelo menos até os 5 anos de idade de
forma a consolidar o estado probatório da deficiência. Isso vai na contramão dos compromissos
assumidos pelo Estado brasileiro, desde a Constituição Federal/1988, passando por Convenções
e Tratados Internacionais voltados para a proteção integral da pessoa com deficiência.
Mesmo que a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista tenha afirmado que a pessoa possui deficiência para todos os efeitos legais,
outras normas do direito brasileiro, inclusive o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Lei
Orgânica da Assistência Social irão definir que os impedimentos tem de ser de longo prazo e que
este será de no mínimo dois anos. Isso sem adentrar na problemática operacional e estrutural,

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como a ausência de dados por parte do INSS acerca dos indeferimentos relacionados ao autismo
e o conhecimento geral de que faltam profissionais especializados envolvidos na realização das
perícias, a exemplo de especialistas em neurologia.
Num quadro de vulnerabilidade, em que o BPC é a garantia de um mínimo existencial à
pessoa e sua família, cabe reforçar que esse contexto apresentado distancia a realidade do alcance
dos objetivos constitucionais de dignidade da pessoa humana, dos direitos sociais tidos como
mínimos, entre eles o de assistência aos desamparados e de proteção à infância. Também
demonstra que a assistência social, ao contrário do que preconiza o artigo 203 da CF/884 NÃO
será prestada a quem dela necessitar, afinal há uma enorme distância entre necessitar e comprovar
essa necessidade de acordo com as normativas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, inicia-se por capitular considerações realizadas ao longo do
trabalho. Partindo da caracterização clínica do transtorno, em especial o diagnóstico precoce,
nota-se que esse não só é necessário como representa uma garantia de melhor qualidade de vida
da pessoa portadora desde a tenra idade. Ocorre que, quando se chega à costura entre as principais
previsões legais em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, observa-se que, mesmo que haja o
diagnóstico precoce, a pessoa portadora está longe da proteção social, na forma do BPC.
Isso porque, como visto, há uma enorme lacuna social ocasionada pela previsão legal de
que a deficiência deve ter no mínimo dois anos de existência. De um lado, há uma família
vulnerável duplamente, uma vez que está fora do mercado de trabalho, economicamente
informal, com renda de um quarto do salário mínimo ou mesmo que com pouco mais que isso e
que luta sozinha para garantir qualidade de vida para a pessoa com TEA e, de outro, estão os
técnicos, seguindo os regramentos previstos em Lei.
Cumpre ainda destacar que faltam dados acerca da administração do BPC, em especial
acerca dos indeferimentos. Além disso, a autarquia, como a maioria na atualidade, tem problemas
estruturais na forma da falta de recursos humanos, problema esse generalizado, eis que faltam
desde técnicos do seguro social até peritos especializados. No caso dos médicos, especialistas em
neurologia seriam mais que bem-vindos na correta caracterização do transtorno no momento da

4
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social, e tem por objetivos:

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perícia. Os profissionais e servidores públicos em atividade trabalham sobrecarregados e fazem
o possível para atender a demanda. Também não estão livres de adoecerem por conta desse
quadro de sobrecarga ou por verem a situação de vulnerabilidade em que se encontram as famílias
e se sentirem impotentes por não garantir o benefício.
Dessa forma, a principal contribuição deste trabalho, pode ser expressa na necessidade de
se garantir melhorias no sistema de concessão dos benefícios. Essa luta visará mudanças
legislativas que promovam, no texto legal, a necessária visão prospectiva do quadro de sintomas
de pessoas com TEA. Ora, se é sabido que os diagnósticos são de longo prazo, que não há cura,
somente intervenções de várias especialidades para que essas pessoas tenham seus sintomas
mitigados a fim de romper barreiras de convivência e atuação em sociedade, o texto legal deverá
abarcar que certos diagnósticos não precisam do prazo de dois anos. Demonstrados desde o
diagnóstico pelo médico assistente e pelo perito, deve o benefício ser concedido. Não há que se
falar em prejuízo aos cofres públicos porque o texto legal refere que os benefícios assistenciais
são revisados de dois em dois anos.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Hévelin Caroline Melo De; SILVEIRA, Jane Silva da. A eficácia da Lei nº 12.764/12,
que resguarda os direitos dos portadores do Transtorno do Espectro Autista, no que tange a
inclusão em escolas de ensino regular. Âmbito Jurídico, São Paulo, XXIII, n. 201, outubro 2020.
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/a-eficacia-da-lei-no-
12-764-12-que-resguarda-os-direitos-dos-portadores-do-transtorno-do-espectro-autista-no-que-
tange-a-inclusao-em-escolas-de-ensino-regular/ . Acesso em 09 jun 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível


em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 10
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______. Organização Pan-Americana de Saúde. Transtorno do Espectro Autista. OPAS, 2022.


Disponível em https://www.paho.org/pt/topicos/transtorno-do-espectro-autista . Acesso em: 10 jun.
2022.

______. Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social
e dá outras providências. Disponível em:
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