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|Filipe Rodrigues Garcia |

Para entender prescrição e decadência é necessário fazer uma pequena


retrospectiva sobre direitos subjetivos e potestativos.
Existem os direitos subjetivos que se relacionam a pretensões. O que isso
significa, Filipe? Significa que existem direitos que você pode PRETENDER
(exigir) de alguém que lhe deve.
Basta pensar, aqui, em uma obrigação decorrente do contrato de compra e
venda: pagar o valor acordado. Se eu compro algo e não pago, a outra parte
tem o direito de PRETENDER esse valor. Em outras palavras: tem o direito
de exigir o cumprimento da obrigação.
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Se você der uma espiada no artigo 206
do Código Civil, verá uma série de
exemplos de direitos subjetivos.
Exemplos retirados de lá: direito de o
locador pretender os aluguéis não
pagos pelo inquilino; direito de
pretender indenizações decorrentes de
um ilícito; direito de pretender as
prestações alimentares.
Seguindo a linha de Agnelo Amorim Filho2, uma ação que envolve um
direito subjetivo finda com uma sentença condenatória. O juiz dirá:
“pague!” Ou “faça!” Ou “não faça!”. A partir da sentença, caberá ao
condenado o cumprimento daquilo que lhe foi determinado.
Acontece que esses direitos (chamados subjetivos) podem ser
questionados pela outra parte. Por exemplo: Silvio me deve 3 mil reais e eu
vou lá cobrar; ele me diz assim “meu filho, prestenção!!! Eu já paguei há 2
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Imagem: https://images.app.goo.gl/Yj9TFGnTVLtQ4Nmt9
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http://www.direitocontemporaneo.com/wp-content/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf

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dias, depositei na sua conta, tá aqui o comprovante”. O que me resta?


Voltar para casa com a vergonha nas costas.
Significa, então, que os direitos subjetivos permitem defesa da outra parte.
Ela pode alegar que já cumpriu, que já pagou uma parte, que houve
compensação, etc. Ou seja, pode a outra parte se defender e, assim, afastar
o direito de quem reclama.

Aí vem o ponto importante. Se existe um direito subjetivo, qual é O PRAZO


para o titular desse direito pretendê-lo (exigi-lo)?
Afinal de contas, o titular do direito não pode ficar esperando a vida toda
para exigi-lo, certo? Como dizem os doutrinadores: o Direito não socorre
aqueles que dormem.
Se você for pegar um ônibus e dormir no
ponto, o motorista vai te esperar acordar?
Claro que não. Ele vai embora e ainda vai
buzinar depois de dobrar a esquina pra
você morrer de raiva. Mas tá tudo bem.
Você pode pegar outro ônibus, certo?
ERRADO!!! No Direito, não existe outro
ônibus. Se você não exerceu o seu direito
no tempo certo, já era!
Guarda isso: acabou o prazo, acabou a pretensão. Acabou o milho, acabou
a pipoca. Simples assim.
Então vamos lá, pra colocar ordem nas ideias.
Existem prazos específicos para se pretender (exigir) um direito. Onde estão
esses prazos? Artigos 205 e 206 do Código Civil. São os prazos
prescricionais.
Assim você tem que analisar qual é o seu direito. Se o seu direito se
relaciona a verbas alimentares, o artigo 206, §2º diz que você tem dois anos
pra cobrar, a partir da data do vencimento. Isso quer dizer que você precisa

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sempre consultar esses artigos para saber qual é o prazo de exercício do


seu direito. Como existem várias espécies de direitos subjetivos, os prazos
variam.
Filipe, mas TODOS OS DIREITOS SUBJETIVOS DO MUNDO estão lá? Não, não
estão. Por isso o artigo 205 traz uma previsão genérica: se não houver um
prazo específico para a pretensão do seu direito, aplicaremos o prazo
genérico de 10 anos.

MACETINHO! O artigo 206 traz os prazos específicos de prescrição em 5


parágrafos. O parágrafo primeiro traz as pretensões que devem ocorrer em
um ano. O parágrafo segundo traz as pretensões que devem ocorrer em
dois anos. O parágrafo terceiro, três anos. E por aí vai.
Sabe o que isso indica? Prazo prescricional é sempre EM ANOS.
Daí, se você for lá no Código de Defesa do Consumidor, vai perceber que o
prazo para reclamar os vícios de um produto não durável é de 90 dias. Olha
aí: 90 dias!!! Esse prazo é prescricional?? NÃAAAOOO!! Prazo
prescricional é em ANOS. Esse prazo de 90 dias é um prazo decadencial.

Dúvida comum que surge: se ocorrer a prescrição, eu perco o meu direito?


Não. O seu direito continuará lá, mas você não poderá pretendê-lo mais.
Uai, Filipe, como assim?
Se você deixa de cobrar uma dívida e ela prescreve, você continua tendo o
direito à dívida, mas não poderá pretendê-la judicialmente. Para o Direito,
se você deixou o prazo correr até o final, agora é com você.
Judicialmente você não pode cobrar, porque prescreveu. Açãozinha já era!
Mas você pode ir lá, conversar com a outra parte e choramingar. Se ela
quiser pagar, por uma questão moral, ótimo. Se ela quiser pirraçar e não
pagar, você se lascou. Ou seja, o devedor de uma dívida prescrita só paga
SE ELE QUISER.

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Filipe, mas e se o devedor pagar a dívida sem saber que ela é prescrita? Ele
pode ir lá no credor e pedir o dinheiro de volta?
Pode não! Sabe por quê? Porque o direito ao crédito continua existindo. Se
o devedor pagou, pagou certo, pagou uma dívida que existe. Não pode dar
uma de espertinho e falar “ah, se eu soubesse que tinha prescrito, não
pagaria”. Pagou, não tem volta! Se você ler o artigo 882 vai perceber que
eu não falei nenhuma mentira.
Daí podemos concluir que a prescrição não fulmina (não mata, não acaba,
não extingue) o direito. Antes, a prescrição fulmina a pretensão. Fulmina a
possibilidade de exigir judicialmente o direito. Mas nada impede de o titular
buscar meios extrajudiciais (desde que lícitos) para fazer valer o seu direito.
Aguenta essa rima aí: A prescrição acaba com a pretensão, mas com o
direito não!

Até aqui já concluímos que a pretensão de um direito subjetivo prescreve,


certo? Agora vamos analisar a decadência. Para isso, precisamos
compreender que a decadência envolve direitos potestativos.
E o que é um direito potestativo? Potestas é uma palavra latina que significa
poder. Quem tem direito potestativo, tem poder. Implica dizer que a outra
parte deverá se sujeitar à decisão do titular. Todo direito potestativo
corresponde a um estado de sujeição.
Lembrou do seu papai e da sua mamãe, né? Para fins didáticos, é mais ou
menos isso mesmo. Tem alguém que manda (o pai) e alguém que obedece
(você: o filho).
Filipe, aquele que age em estado de sujeição pode confrontar o titular do
poder potestativo?

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O que acontece se o filho confronta o pai? Pois
é. O filho menor não tem muita chance,
convenhamos. Todos já ouvimos o famoso “vai
ser assim porque EU quero” (os pais são todos
iguais).
Tá, então o direito potestativo dá ao seu titular o poder de decisão. Um
exemplo aplicável: o Código Civil te permite anular negócios jurídicos
com defeito. Então quer dizer que, se o negócio contém um defeito na
manifestação de vontade (erro, dolo, coação, etc), o prejudicado poderá
pleitear a anulação.
E a outra parte envolvida? Deverá simplesmente aceitar, sem direito de se
opor. Afinal, a outra parte deve apenas SE SUJEITAR.
No Código Civil temos como exemplos de prazos decadenciais aqueles que
envolvem a alegação de vícios redibitórios, desfazimento de contratos e
anulações de negócios por defeitos de vontade, dentre outros.

Se o titular do direito potestativo deixa de exercê-lo no prazo determinado,


irá perdê-lo. Sim, neste caso a decadência irá colocar fim ao próprio direito.
Ora, se o titular perde o seu poder, ele não consegue mais agir. É a mesma
situação do filho que sai de casa e arruma um emprego. O pai não tem mais
poder sobre ele. Cabô palhaçada.
Pausa para uma observação: estou me valendo do exemplo de pai e filho,
mas não confundam direito potestativo com poder familiar, ok? O poder
familiar é uma situação jurídica concretizada para a proteção do filho
menor. São outros quinhentos.

Voltando ao ponto: a decadência não deixa sobrar nadinha. Fulmina o


próprio direito.

3 *imagem: https://images.app.goo.gl/Q5fxu8pkkuCL1bZY8

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Um exemplo: o artigo 496 fala que é anulável a venda de ascendente para


descendente se não houver anuência dos outros descendentes e do
cônjuge do alienante. O prazo é de dois anos, contados no negócio.
Se passarem os dois anos e ninguém se manifestar contra a venda, o que
acontece? A venda se mantém. Amém.
Direitos potestativos, quando são disputados, pedirão que o juiz dê uma
sentença constitutiva ou desconstitutiva. Pense no exemplo da venda de
pai para filho. Se um dos filhos não consentir e demandar contra as partes
negociantes para anular o negócio, o juiz vai ter que mandar desconstituir
(desfazer) tudo o que foi feito.
Percebe que, nesse caso, a própria sentença já traz o que o titular do direito
pleiteia? Não é necessária uma postura específica da pessoa em estado de
sujeição. Basicamente, a sentença já dá ao titular o que ele precisa.
Em resumo: se o direito é potestativo, sujeita-se à decadência.

MACETINHO! Quando a lei trouxer a previsão da decadência, trará


também o prazo. Esse prazo pode ser em anos, meses ou dias. Ao contrário
dos prazos prescricionais que estão previstos nos artigos 205 e 206 do
Código Civil, os prazos decadenciais estão espalhados por aí (no próprio
Código Civil ou em outras leis).
Então, ó só: se o prazo for em anos, pode ser prescrição ou decadência.
Se o prazo for em meses ou dia: certamente é um prazo decadencial.

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Põe fim à pretensão de um Põe fim a um direito


direito subjetivo potestativo
Por se relacionar a direitos Por se relacionar a direitos
subjetivos, atingem ações potestativos, atingem ações
condenatórias constitutivas ou
desconstitutivas
Conta com o prazo geral de Não tem prazo geral (para a
10 anos maioria da doutrina)
Previsão nos artigos 205 e Os prazos estão espalhados
206 do Código Civil pelo Código Civil e outras leis
Os prazos são sempre em Os prazos são em anos,
anos meses ou dias
Só se admite a prescrição Admite-se a decadência legal
legal e a convencional
Pode sofrer impedimento, Não pode sofrer
interrupção ou suspensão impedimento, interrupção ou
suspensão
Pode ser renunciada pela Apenas a decadência
parte convencional pode ser
renunciada, a legal jamais

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