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A NATUREZA JURIDICA DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 40 E 48 DA LEI DE CRIMES

AMBIENTAIS

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República aposentado

Estabelece o artigo 40 da Lei 9.605/1998:

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o
art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Art. 40. (VETADO) (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas,


Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais
e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas
Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público.

§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas,


as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida
Silvestre. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das


Unidades de Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.

§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das


Unidades de Conservação de Proteção Integral será considerada circunstância agravante para
a fixação da pena. (Redação dada pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art. 40-A. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção


Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas
Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas
Particulares do Patrimônio Natural. (Incluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)

§ 2o A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das


Unidades de Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a
fixação da pena. (Incluído pela Lei nº 9.985, de 18.7.2000)
§ 3o Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. (Incluído pela Lei nº 9.985, de
18.7.2000)

Qualquer pessoa pode causar esse crime, seja pessoa física ou jurídica.

Causar dano significa originar, produzir, ocasionar, dar lugar a prejuízos,


deteriorações, de qualquer ordem, contra a flora ou a fauna locais.

Há problemas com relação ao tipo penal. Fala-se em causar dano direto ou


indireto. O que vem a ser dano indireto? Observa-se, na abordagem de Luz Regis Prado(Crimes
contra o ambiente, 1998, pág. 90), que “este último seria o dano realizado através ou por
intermédio de, por meio de subterfúgio, mediato, derivado, oblíquo, ou remoto?Pensa-se em
dano indireto culposo? Quid inde? Trata-se de norma inconstitucional. A produção do dano diz
respeito à produção material e ao modo de executá-la(imediato ou mediato).

Os objetos materiais são as Unidades de Conservação e as áreas que as


circundam, num raio de dez quilômetros(artigo 27, Decreto nº 99.274/90).

Unidades de Conservação são porções do território federal, estadual ou


municipal, incluindo as águas circunscritas, com características naturais de relevante valor, de
domínio público ou de propriedade privada, legalmente instituídas sob regimes especiais de
administração, às quais se aplicam garantias adequadas de proteção(Dicionário de direito
ambiental, 1998, pág. 351).

Entende-se por Unidades de Conservação, a teor do disposto no parágrafo


primeiro: Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais,
Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção
Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem
criadas pelo Poder Público. Por sua vez, Florestas Públicas são espaços de manejo sustentado,
que se sustentavam legalmente com base no artigo 5º, alínea b, do Código Florestas, que
determinava a criação de Florestas Nacionais, Estaduais, e Municipais com fins econômicos,
técnicos e sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir
aquele fim.

As Reservas Biológicas Nacionais, Estaduais ou Municipais são locais onde a


atividade de utilização, perseguição, caça, apanha ou introdução de espécimes da fauna e flora
silvestre e domésticas, bem como modificações do meio ambiente a qualquer título, são
proibidas, ressalvadas as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade
competente. São instituídas tendo a finalidade de oferecer proteção integral à flora e fauna
locais, bem como aos atributos que a circundam. Em sua defesa, são estabelecidas
providências de recuperação de seus ecossistemas alterados e o manejo das espécies que o
exijam no intuito de preservar a biodiversidade.

As Reservas Ecológicas constituem uma estrutura biofísica básica e


diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características
ecológicas específicas, garante a proteção de ecossistemas e a permanência e intensificação
dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das atividades
humanas(Dicionário de direito ambiental, pág. 351). Seu conceito pode ser encontrado no
artigo 9º da Lei nº 6.938/81, alterada pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Seu
disciplinamento pode ser encontrado no Decreto nº 89.336/1984 e ainda Resolução CONAMA
nº 4, de 18 de setembro de 1985.

As Reservas Ecológicas podem ser constituídas de terras do domínio público ou


do domínio privado, cabendo ao CONAMA estabelecer as condições de uso.

As Estações Ecológicas são Unidades de Conservação disciplinadas pela Lei nº


6.902/1981 e são conceituadas como áreas “representativas de ecossistemas brasileiros
destinadas à realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção do ambiente
natural e ao desenvolvimento da educação conservacionista”(artigo 1º).

A Área de Proteção Ambiental é Unidade de Conservação destinada a proteger


e conservar a qualidade ambiental e os sistemas naturais ali existentes, visando a melhoria da
qualidade de vida, da população local e também objetivando a proteção dos ecossistemas
regionais(Dicionário de direito ambiental, pág. 59).

Áreas de Relevante Interesse Ecológico são declaradas quando, além dos


requisitos estipulados de definição deste termo, tiverem extensão inferior a 5.000
hectares(cinco mil hectares) e houver ali pequena ou nenhuma ocupação humana por ocasião
do ato declaratório. Quando estiverem localizadas no perímetro de Áreas de Proteção
Ambiental, integrarão a Zona de Vida Silvestre, destinada à melhor salvaguarda da biota
nativa(Dicionário de Direito Ambiental, pág. 61).

As Reservas Extrativistas figuram ainda como instrumento da Política Nacional


do Meio Ambiente, nos termos do artigo 9º, VI, da Lei nº 6.938/1981, com alterações trazidas
pela Lei 7.804/1989 e objeto de disciplinamento pelo Decreto nº 98.897, de 30 de janeiro de
1990.

O Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, regulamenta a Lei nº 6.902, de 27


de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que, dispõem, respectivamente
sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente. No artigo 27, daquela norma, se prescreve que “nas áreas
circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade
que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo Conama”.

Consuma-se o crime com o efetivo dano que não exige que o prejuízo ocorrido
seja passível de aferição econômica, nas áreas historiadas, sendo possível a tentativa.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo.

Estuda-se a natureza jurídica do crime material, plurissubsistente.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em diversos julgados, onde salienta-


se o RSE 200361060026287, dentre outros, considera que o artigo 40 da Lei nº 9.605/98
configura um crime instantâneo , de efeitos eventualmente permanentes, ou seja, o momento
consumativo se completa num só instante, mas a situação danosa criada pelo agente se
prolonga no tempo. Nessa espécie de crime a continuação do dano decorrente da conduta
penal já completada, diante da descrição típica, não significa que o delito prossegue.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu, no julgamento do REsp 1.402.984/DF,


Relator Ministro Moura Ribeiro, DJe de 28 de abril de 2014, ao analisar o artigo 40, caput, da
Lei 9.605/1998, que se tratando de construções em área de proteção permanente ocorre um
crime instantâneo de efeitos permanentes, cujo termo inicial da prescrição se dá com a
edificação irregular. Na mesma linha, há outra decisão, no HC 124.820/DF, Relator Ministro
Celso Limongi(Desembargador Convocado do TJ/SP), DJe de 22 de agosto de 2011, envolvendo
a construção de casa de adobe em área de preservação ambiental, onde se dizia que a
construção constituía dano direto instantâneo de efeitos permanentes.

Destaca-se aqui caso julgado pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal
da 5ª Região onde foi reconhecido que pessoa jurídica, que havia instalado viveiros
destinados à carcinicultura – criação de camarões – numa área de 63, 8 hectares de mangue,
localizado no estatuário do Rio Mamanguape, no interior de área de Preservação Ambiental,
na Paraíba, foi condenada por realizar obra, potencialmente poluidora, que foi feita sem
licença do órgão ambiental competente. Foi a ré condenada a recuperar a área de mangue e
pagar uma multa no valor de R$500.000,00(quinhentos mil reais). Por sua vez, os proprietários
da empresa foram condenados e receberam pena de dois anos e seis meses de reclusão,
substituída por prestação de serviços à comunidade e fornecimento de cinco cestas básicas
por semana, durante esse período, a colônias de pescadores na Região do Tinto. Entenda-se
que a pessoa jurídica instalou os tanques de carcinicultura, sem licença ambiental, em uma
área de mangue, provocando um impacto ambiental gravíssimo. Veja-se a importância da
proteção ao manguezal, um ecossistema habitado por diversas espécies aquáticas e terrestres
e considerado como área de preservação permanente.

Diverso é o que se vê com relação ao delito do artigo 48 da Lei de crimes


ambientais quando a consumação não se dá instantaneamente, mas, ao contrário, se protrai
no tempo, pois o bem tutelado é violado de forma contínua e duradoura, renovando-se a cada
momento a consumação do crime. Então o crime do artigo 48 da Lei 9.605/1998 é
permanente, como se vê da leitura:

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Trata-se, aqui, de crime de menor potencial ofensivo, cabendo a concessão de


benefícios de transação penal(artigo 76 da Lei nº 9.099/95) e ainda suspensão condicional do
processo(artigo 89 da Lei nº 9.099/95).

O tipo é doloso e o crime é material.

É crime de dano no qual o evento lesivo se concretiza em um acontecimento


destacado da ação.
O delito tem por sujeitos ativos quaisquer pessoas físicas ou mesmo jurídicas e
o sujeito passivo é a coletividade.

Neste tipo penal impede-se a regeneração natural que é ato ou efeito de


tornar a gerar, de reproduzir o que estava destruído, dar nova vida, reconstruir, restaurar. A
conduta envolve, pois, impedir ou dificultar. Impedir é obstruir, não permitir, tornar
impraticável. Dificultar é tornar difícil , custoso, demorado.

A regeneração produzida pelo tipo é a natural que é a espontaneamente


produzida de forma independente da ação humana, que venha por florestamento,
reflorestamento ou ainda reposição florestal. O florestamento é prática econômica, dentro da
engenharia florestal, de cultivo intenso de árvores para a produção de madeira, celulose,
carvão vegetal etc. O reflorestamento é cultivo que se dá com árvores nativas, objetivando a
recuperação do ecossistema nativo. Por sua vez, a reposição florestal é o conjunto de ações
desenvolvidas que visam estabelecer a continuidade do abastecimento de matéria prima
florestal aos diversos segmentos consumidores, através da obrigatoriedade de recomposição
do volume explorado, mediante o plantio com espécies florestas adequadas.

A consumação pode se dar por meio de uma única ação ou omissão suficiente
por si só para a caracterização da conduta de impedir ou dificultar a regeneração(por exemplo:
a aplicação de herbicida sobre área de recuperação), ou por meio de ações ou omissões
somadas que isoladamente não atingiriam suficientemente o bem jurídico a ponto de se ter
por consumado o delito(a doutrina dá como exemplo a manutenção de criação de gado em
área passível de regeneração natural). É possível a tentativa.

Neste crime do artigo 48 da Lei de crimes ambientais, constituem objetos


materiais, as florestas e demais formas de vegetação, como cerrados, manguezais etc. Trata-se
de tipo aberto a ser integrado a partir de elementos externos à descrição típica. Há um
entendimento de que se estaria diante de norma penal em branco. Será crime dificultar ou
impedir a regeneração de vegetação, objeto de proteção legal. Vem a pergunta: Será crime o
dano a uma vegetação de menor porte? Penso que não, trazendo como exemplo o caso das
chamadas matas ciliares(vegetação ripária , também chamada mata ciliar, vegetação ripícola,
que ocorre nas margens de rios e mananciais) ou a reserva legal em regiões onde não se
formam “florestas”, no sentido estrito, tais como cerrado e caatinga.Tanto poderá ser sujeito
ativo o responsável pela destruição original como o usuário seguinte do imóvel. Aquele que
adquire ou passa a possuir área de vegetação protegida previamente degradada e continua a
utilizá-la indevidamente comete o delito em tela.

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