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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

ANA CLARA DUTRA

CAROLINE AZEREDO CARDOSO

AVALIAÇÃO DE METAFÍSICA II

RIO DE JANEIRO

2023
ANA CLARA DUTRA

CAROLINE AZEREDO CARDOSO

Avaliação obrigatória a ser


entregue para obtenção de
nota integral e aprovação na
disciplina de Metafísica II,
ministrada pela professora
Susana de Castro.

RIO DE JANEIRO

2023
Sexta serie: Sobre a colocação em Séries

Neste trabalho iremos discorrer acerca da “Sexta Série: Sobre a colocação em


Séries”. Para este fim, achamos necessário destrinchar acerca da constituição
da forma serial e as séries heterogêneas e, não menos importante, o paradoxo
de Lacan no que se refere ao estranho elemento (lugar vazio ou ocupante sem
lugar: A loja da ovelha), bem como em Alice e as estantes. Também iremos
abordar questões da forma serial e das séries heterogêneas – como se
constituem? Contudo, antes, achamos importante introduzir alguns conceitos
que são abordados nas séries anteriores para que possamos melhor nos
exprimir no que se refere ao nosso objetivo final respectivo à sexta série. Em
primeiro lugar, vale ressaltar que o conceito acontecimento em Deleuze, está
completamente ligado com o conceito devir, no sentido de que, o
acontecimento subsiste, isto é, é intrínseco à proposição que o exprime, no
mesmo tempo em que “advém às coisas em sua superfície, no exterior do ser”,
e isso, parece ser fatal. Cabe dizer, também, que é próprio do acontecimento
ser dito pela proposição como futuro e passado; isto ocorre porque tudo passa
pela linguagem, Carroll exprime isso na dupla apresentação do acontecimento.
Gilles Deleuze inicia a Primeira Série de Paradoxos, na qual fala sobre o Puro
Devir, afirmando “Alice assim como Do outro lado do espelho, tratam de uma
categoria de coisas muito especiais: os acontecimentos, os acontecimentos
puros”. Utiliza-se do exemplo de “Alice cresce”, sendo assim, se torna maior do
que era e, não obstante, também se torna menor do que é agora para ilustrar
que ela não é nem um nem outro, mas se torna um e outro, ela deixou de ser o
que era, ainda não é o que vai se tornar, tampouco é agora, mas vem-a-ser “na
medida em que se furta ao presente”. O devir tem como essência o avançar, e
o puxar do passado e do futuro ao mesmo tempo. O paradoxo do puro devir,
que vai contra o bom senso, é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo
e a sua capacidade de “furtar-se ao presente”, além da sua identidade infinita
do passado e do futuro. A linguagem aqui é a responsável por tais
delimitações, embora seja ela também quem ultrapassa os limites e “restitui à
equivalência infinita de um devir ilimitado”. Nesse sentido, a inversão do
crescer e do diminuir da Alice na obra de Carroll quando ela se questiona “em
que sentido?”, refere-se a ambos os sentidos. Portanto, Deleuze compreende
os acontecimentos como portadores uma “irrealidade” que só é transpassada
ao saber e às pessoas através da linguagem, sendo as incertezas subjetivas
não dúvidas aquém do que acontece, mas uma estrutura objetiva, incertezas
estas intrínsecas ao acontecimento.

No que se refere aos efeitos de superfície descobertos pelos estóicos, o efeito


é o incorporal, o ideal, todo aquele resto que cai do lado oposto aos corpos e
seus estados, à substância e a causa. Aqui o devir-ilimitado ou devir-louco,
como chamado pelo autor, não está mais no fundo, mas na superfície das
coisas e impassível como “resultado da operação estóica”. Portanto, não se
trata mais de simulacros que escapam ao fundo e se insinuam em tudo, mas
dos efeitos que se anunciam e executam o seu papel. “O que se furtava a ideia,
subiu à superfície”. Nesse ponto onde o mais encoberto se manifestou, os
paradoxos do devir reaparecem como transmutação “o devir-ilimitado torna-se
o próprio acontecimento, ideal, incorporal, com todas as reviravoltas que lhe
são próprias, do futuro e do passado, do ativo e do passivo, da causa e do
efeito. O futuro e o passado, o mais e o menos, o muito e o pouco, o
demasiado e o insuficiente ainda, o já e o não: pois o acontecimento,
infinitamente divisível, é sempre os dois ao mesmo tempo, eternamente o que
acaba de se passar e o que vai se passar, mas nunca o que se passa.” Sendo
assim, o acontecimento não é nem um nem outro, mas o seu comum resultado.
Os acontecimentos não são mais do que efeitos. Novamente, a linguagem é
quem estabelecerá e também ultrapassará os limites, além de que
compreenderá os termos; seus deslocamentos, sua extensão, e tornará
possível uma reversão da ligação em uma “determinada” série, como muito e
pouco, crescer e diminuir. Para Deleuze, a superfície das coisas é o meio pelo
qual devemos nos relacionar com o mundo para que percebamos os
acontecimentos que as acometem para além das coisas e suas imagens. Tudo
o que inferimos das coisas; o que pensamos e o que falamos, passam antes
pela superfície, e a significação da linguagem somente é possível pelo sentido
que a envolve, estando a constituição dessa significação amarrada à
superfície. Os acontecimentos estão para o sentido como a proposição está
para a linguagem e “o acontecimento é coextensivo ao devir e o devir, por sua
vez, é coextensivo à linguagem”. É próprio dos acontecimentos serem
exprimíveis por meio de proposições, Deleuze se preocupa quanto a qual
proposição seria conveniente aos efeitos de superfície e aos acontecimentos.
Na terceira Série onde discorre sobre a proposição, falaremos brevemente no
que importa ao ponto onde queremos chegar, o autor ainda não está
preocupado em falar se a associação das palavras e das imagens é primitiva
ou derivada, pois acredita que isso ainda não pode ser posto. Se preocupa em
afirmar nesse momento que certas palavras na proposição irão servir como
formas vazias para a designação de cada estado de coisas, afirma que não há
como trata-las como conceitos universais, pois são singulares formais cujo
papel se reduz a “designantes” ou “indicadores formais”, bem como: isto,
aquilo; aqui, acolá etc.

O sentido está pressuposto nas coisas desde que o eu começa a falar. Em


última análise, nunca se diz o sentido que é dito, mas o sentido do que é dito
pode sempre ser apreendido como objeto de outra proposição, esta que não
tem seu sentido explanado. O exemplo dado é o do cavaleiro que anuncia o
nome da música que vai cantar: o nome (da canção) pelo qual o nome é
chamado, é por “Olhos esbugalhados”; enquanto que o verdadeiro nome é “O
Velho, o velho homem”; a canção é chamada “Vias e meios”, mas é só como a
chamam; o que ela é de fato, na realidade, é “Sentado sobre uma barreira”.
Portanto, há o nome que designa algo e o nome que designa o sentido
designado sobre esse algo. Essa regressão parece denunciar a potência da
linguagem e da impotência de quem fala; essa série, em seu sentido
regressivo, poderia seguir até o infinito alternando entre um nome real e um
nome que designe determinada realidade. Deve-se levar em consideração que
a condição mínima para o paradoxo da regressão ou proliferação indefinida
requer, minimamente, a regressão de dois termos alternantes, sendo estes “o
nome que designa alguma coisa e o nome que designa o sentido deste
primeiro nome”. O sentido escapa e produz fantasma porque é algo impalpável,
está entre a proposição e a coisa, ele faz parte da proposição e também está
na coisa, além do que, vale. Na dualidade entre as coisas e proposições, o
sentido encontra-se no meio. Ele não é uma coisa ou outra, nem uma terceira
coisa exclusiva e diferente das outras. “Se distinguimos duas espécies de ser,
o ser do real como matéria das designações e o ser do possível como forma
das significações, devemos ainda acrescentar este extra-ser que define um
mínimo comum ao real, ao possível e ao impossível”; os impossíveis são extra-
existentes, insistem na proposição e, vale apontar: o princípio da contradição
não se aplica a ele, senão somente ao real e ao possível.
O paradoxo de que todos os outros derivam é o da regressão indefinida. “A
regressão tem necessariamente a forma serial: cada nome designador tem um
sentido que deve ser designado por um outro nome”. Se somente a sucessão
de nomes for considerada, a série executa uma síntese do que é homogêneo,
pois cada nome será distinguindo do precedente somente pelo nome que o
precede quanto à posição ocupada por ambos, seu grau ou seu tipo. Sendo
assim, Deleuze introduz a teoria dos “tipos”, onde “cada nome que designa o
sentido de um precedente é de um grau superior a este nome e ao que ele
designa”. Contudo, deixando de considerar somente a sucessão de nomes, é
possível perceber que cada nome é tomado, em primeiro lugar, na posição que
ele opera e, posteriormente, pelo sentido exprimido por ele, sendo este sentido
o que serve como designado ao outro nome; a intenção de Carroll era fazer ser
vista essa diferença na natureza. Entretanto, aqui vai se tratar de uma síntese
do heterogêneo, não mais do homogêneo como discorrido acerca da série
anterior. A forma serial se realiza imprescindivelmente na “simultaneidade” de,
pelo menos, duas séries. Ou seja, Aquela série única cujos termos
homogêneos se distinguiriam apenas pelo tipo ou pelo grau, integra
necessariamente duas séries heterogêneas, sendo cada série composta por
termos do mesmo tipo ou grau, no entanto, “diferem em natureza dos da outra
série”. Portanto a forma serial é essencialmente multisserial. O autor utiliza o
exemplo da matemática, afirma que isso acontece dessa forma nessa ciência,
quando uma “série construída na vizinhança de um ponto não tem interesse a
não ser em função de uma outra série”, esta construída em função de outro
ponto que irá ou não divergir da primeira, de maneira regressiva, sendo assim,
então Alice seria uma “regressão oral”.

Essa regressão oral, afirma Deleuze, deve ser apreendida primeiro no sentido
lógico da síntese dos nomes. “A forma de homogeneidade dessa síntese
subsume duas séries heterogêneas da oralidade, comer-falar, coisas
consumíveis-sentidos exprimíveis”; esta seria a forma serial que estaria
associada aos paradoxos de dualidade.

Para além das maneiras diversas pelas quais as séries podem ser
determinadas, o que realmente importa é a possibilidade de construir duas
séries sob uma forma homogênea aparentemente. Quando nos referimos que
as variações das séries não tem nenhuma importância, é no sentido que
Deleuze fala de que elas representam apenas graus de liberdade para uma
organização das séries. “É a mesma dualidade, como vimos, que passa pelo
lado de fora entre os acontecimentos e os estados de coisas, na superfície
entre as proposições e os objetos designados e no interior da proposição entre
as expressões e as designações”. O que importa aqui é demonstrar que é
possível construir duas séries sob uma forma aparentemente homogênea, ou
seja, é possível “duas séries de coisas ou duas séries de acontecimentos; ou
duas séries de proposições, de designações; ou duas séries de sentidos ou de
expressões”. A lei das duas séries simultâneas são as séries que jamais serão
iguais, sendo uma dessas duas séries a que representa o significante,
enquanto a outra; o significado. Entendemos como significante todo e qualquer
signo enquanto apresenta “em si mesmo um aspecto qualquer do sentido”.
Enquanto significado é, de maneira oposta, “o que serve de correlativo a este
aspecto do sentido, isto é, o que se define em dualidade relativa com este
aspecto”. Contudo, significado nunca é o próprio sentido, pelo contrário, ele
está associado, numa compreensão restrita, muito mais a conceito. Enquanto
em uma compreensão ampla, é “cada coisa que pode ser definida pela
distinção que tal ou qual aspecto do sentido mantém com ela”. Cabe também
ressaltar que, no que se refere ao significante, ele estaria associado, em
primeiro lugar, ao acontecimento como “atributo lógico ideal de um estado de
coisas”, enquanto o significado seria o próprio estado de coisas, suas
qualidades e relações reais.

O significante abarca dimensões de designação, manifestação, significação,


portanto, é a própria proposição em seu conjunto, enquanto o significado seria
um termo independente que vai corresponder a essas dimensões, “é conceito,
mas também a coisa designada ou o sujeito manifestado”. Em última análise, o
significante é a única dimensão da expressão, dimensão esta não relacionada
a um termo independente, se o sentido expresso não existe fora da expressão.
Ao passo que o significado seria a própria designação, significação; é a
proposição “enquanto o sentido ou o expresso dela se distingue”. Quando o
método serial é compreendido, seja duas séries de proposições ou expressões,
duas séries de acontecimentos ou duas séries de coisas, a homogeneidade se
torna evidentemente aparente, isto é, sempre uma terá papel de significante
enquanto a outra de significado, independente de mudarem de papel de acordo
com a perspectiva de quem está observando.
Por fim, no que diz respeito à distribuição das séries, Deleuze enfatiza três
pontos que permitem caracterizá-las de maneira geral. Sendo o primeiro ponto
referente aos termos de cada série estarem se deslocando constantemente em
relação aos termos da outra série, esse desnível é necessário, pois introduz
variações necessárias. Sem esse deslocamento relativo a outra série e a
variação derivada disso, não haveria o desequilíbrio perpétuo uma em relação
a outra. Além do mais, esse desequilíbrio deve ser orientado, Deleuze afirma
que uma das duas séries, a que é determinada como significante, apresenta
um excesso sobre a outra; excesso necessário, que embaralha. O ponto mais
importante que assegura tal deslocamento relativo das duas séries e também o
excesso de uma quanto a outra, é a instância paradoxal que “não se deixa
reduzir a nenhum termo das séries, a nenhuma relação entre estes termos”.

Essa instância paradoxal não para jamais de circular nas duas séries, e isso é
o que garante a comunicação entre ambas as séries. Essa é uma instância de
dupla face, no sentido de que se mantem presentem tanto na série significante
quanto na série significada. Esta instância é a certificação de que as duas
séries venham a divergir sem cessar; ela sempre se deslocará de ambas as
séries, com relação a si mesma. Como discorremos anteriormente acerca dos
termos de cada série se deslocarem uns com relação aos outros relativamente,
ocorre porque as séries tem um lugar absoluto que está sempre determinado
por sua distância em relação a esse elemento que não para de se deslocar nas
duas séries, em relação a si mesmo. Portanto, essa instância paradoxal nunca
estará onde a procuramos e nunca a encontraremos onde ela está; como um
espelho, como o sentido inverso. Ela falta a sua própria identidade, a sua
própria semelhança, equilíbrio e origem. Segundo Lacan, ela falta em seu
lugar. Além do mais, é próprio dessa instância estar em excesso na série que
ela constitui como significante e em faltar na que ela constitui como significada,
pois o seu excesso sempre remeterá a sua própria falta e vice versa. Deleuze
afirma, brilhantemente, que “O que é, em excesso de um lado, senão um lugar
vazio extremamente móvel? E o que está em falta do outro lado não é um
objeto muito móvel, ocupante sem lugar, sempre extranumerário e sempre
deslocado?”. Um exímio exemplo é o que Deleuze descreve, como ocorre com
Alice e as prateleiras: a menina fixava os olhos para contabilizar o que havia
nela, mas a prateleira em questão se mostrava sempre vazia, enquanto,
aparentemente, as outras ao redor pareciam repletas de objetos. Enquanto ela
perseguia uma coisa brilhante, ora numa prateleira, ora outra acima, O seu
plano era de perseguir essa coisa até que não tivessem mais prateleira, crendo
que a coisa hesitaria em atravessar o teto, no entanto, a coisa se foi;
atravessou o teto “como se disso tivesse longo hábito”. Parece, portanto, uma
coisa brincalhona e inalcançável; “Das Ding”, termo utilizado por Lacan, ou “A
coisa”, vulgo aquilo que é estranho, mas familiar.
Referências

CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice. São Paulo: Summus, 1980.

DELEUZE, Gilles. (1969). Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2015.

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