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O Pequeno Príncipe: Uma análise do percurso gerativo de sentido

entre a raposa e o menino.

Catarina Fernandes Suman


Graduanda em Letras
Universidade Castelo Branco.
(catarinasuman3@gmail.com)

RESUMO:

O presente artigo tem por objetivo realizar um percurso gerativo de sentido do


capítulo XXI da livro O Pequeno Príncipe levando em consideração a obra de Fiorin
e Diana Luz Barros, afim de demonstrar a partir dos conceitos semióticos as
semelhanças de um mundo real construído a partir do imaginário criado na relação
entre os dois personagens.

Palavras-chave: Semiótica. O Pequeno Príncipe. Percurso Gerativo de Sentido.

Introdução
O presente artigo possui como objetivo realizar uma análise de um texto
tendo como embasamento os pressupostos teóricos da Semiótica Discursiva.
Selecionamos o capítulo XXI da obra O pequeno príncipe, do escritor Antoine de
Saint-Exupéry. O motivo dessa escolha se deu pela popularidade da obra e pelas
reflexões que ela traz. Buscamos verificar o percurso gerativo de sentido no texto,
ou seja, o modo como o sentido nele se constrói. Posto que possuímos dois sujeitos
na tira,o Príncipe e a raposa, analisaremos a construção dos sentidos entre ambos.
Discorreremos sobre o percurso gerativo de sentido e seus níveis: fundamental,
narrativo e discursivo; atrelando, desse modo, os conceitos sobre esses itens com a
análise do texto. Basicamente, verificaremos no nível fundamental, as categorias
semânticas opostas que o constituem; no narrativo, como se estrutura a sequência
canônica, que compreende quatro fases (manipulação, competência, performance e
sanção); e, por fim, no nível discursivo, como se concretizaram as formas abstratas
do nível narrativo.
Sendo assim, no próximo capítulo, a teoria semiótica greimasiana será
descrita.

2. Teoria Semiótica
A semiótica é uma teoria que procura descrever e explicar o que o texto diz e
como ele faz para dizer o que diz (BARROS, 2005, p. 12). Ela analisa o texto em
suas várias camadas criando assim um percurso, chamado de percurso gerativo de
sentido. Para explicar “o que o texto diz” e “como o diz”, a semiótica trata de
examinar os procedimentos da organização textual e, ao mesmo tempo, os
mecanismos enunciativos de produção e de recepção do texto. (BARROS, 2005, p.
12)
O percurso gerativo de sentido é constituído de três níveis: estruturas
fundamentais, narrativas e discursivas, que formam o simulacro metodológico das
abstrações que o leitor faz, ao ler determinado texto. (FIORIN, 2000). No entanto,
essas estruturas não são indissociáveis entre si, já que um nível pressupõe o outro.
No percurso gerativo de sentido, o nível mais abstrato, ou seja, o das estruturas
fundamentais, pressupõe oposições semânticas, “a partir das quais se constrói o
sentido do texto” (BARROS, 2005, p. 14). Reforçando essa premissa e ampliando a
compreensão de que, mesmo opostas, estas mantêm-se relacionadas pela
identidade, Fiorin (2000) afirma que a significação se constrói sobre a diferença, mas
esta se ergue sobre a identidade, a exemplo da dicotomia “vida versus morte”, que a
um tempo se ligam e se opõem semanticamente. Vistos como categorias
semânticas componentes de uma estrutura, o termo “vida” só faz sentido porque se
estabelece como negação do termo “morte” e vice-versa. Enfim, “o sentido nasce da
descontinuidade, da ruptura, da percepção da diferença.” (BARROS, 1988, p. 17).
O segundo nível do percurso, nível narrativo, é aquele que ocorre a
narratividade, definida por Fiorin (2000) como “uma transformação situada entre dois
estados sucessivos e diferentes”. Assim, entre o estado inicial, a transformação e o
estado final, ocorre uma narrativa mínima. É no nível narrativo que se instauram os
valores dos objetos. Objetos modais são o querer, dever, saber e poder, necessários
para a obtenção de outro objeto, que é a realização da performance; o objeto de
valor é aquele em que o sujeito entra em conjunção ou disjunção (FIORIN, 2000).
Ambos são posições presentes na sequência narrativa.
Numa narrativa, aparecem dois tipos de objetos: objetos modais e
objetos de valor. Os primeiros são o querer, o dever, o saber e o
poder fazer, são aqueles elementos cuja aquisição é necessária
para realizar a performance principal. Os segundos são os objetos
com que se entre em conjunção ou disjunção na performance
principal [...]. O objeto modal é aquele necessário para se obter
outro objeto. O objeto-valor é aquele cuja obtenção é o fim último de
um sujeito (FIORIN, 2016a, p. 36 -37).

Assim, a mudança de estado configura-se a partir de relações de junção dos


enunciados de estado e de fazer (FIORIN, 2000). Os enunciados de estado são
entendidos “como os que estabelecem uma relação de junção (disjunção ou
conjunção) entre um sujeito e um objeto” (FIORIN, 2000). Os enunciados de fazer
são os que apresentam as transformações ocorridas de um estado a outro.
A última etapa do percurso gerativo de sentido é o nível discursivo, por sua
vez regido pelas estruturas narrativas. É nas estruturas discursivas que se
concretizam os outros níveis, através de temas e figuras, constituindo-se a
semântica discursiva. Também nesse nível, pela sintaxe discursiva, manifestam-se
as categorias de pessoa, tempo e lugar.
Há ainda em uma análise semiótica o conceito de veridicção, que discute a
verdade como efeito de sentido do texto, através de um efeito de realidade.
Manifesta-se, portanto, o fazer-crer do enunciador, ou seja, o fazer-persuasivo, e o
crer-verdadeiro do enunciatário, o fazer interpretativo. Assim, aceitar a verdade de
um texto depende da relação de confiança estabelecida entre enunciador e
enunciatário.

A “verdade”, para ser dita e assumida, tem de deslocar-se em


direção às instâncias do enunciador e do enunciatário. Não mais se
imagina que o enunciador produza discursos verdadeiros, mas
discursos que produzem um efeito de sentido “verdade”: desse
ponto de vista, a produção da verdade corresponde ao exercício de
um fazer cognitivo particular, de um fazer parecer verdadeiro que se
pode chamar, sem nenhuma nuance pejorativa, de fazer persuasivo.
Exercido pelo enunciador, o fazer persuasivo só tem uma finalidade:
conseguir a adesão do enunciatário (GREIMAS & COURTÉS, 1979
apud SOUZA & BATISTOTE, 2015).

As modalidades veridictórias articulam-se como categoria modal, em /ser/


vs. /parecer/. Dessa forma, a modalização do ser, isto é, a relação do sujeito com
seu objeto pode estabelecer-se pode ser considerada verdadeira, falsa, mentirosa
ou secreta. Assim, quando o sujeito, suas ações e valores /parecem/ e /são/ tem-se
a verdade; quando /não-parecem/ e /não-são/ tem-se a falsidade; quando /parecem/
e /não são/ há mentira; quando /não-parecem/ e /são/ há o segredo.
Após esse breve resumo sobre a teoria semiótica, analisaremos a obra em
questão.

3. Percursos metodológicos
Baseando-se nas obras de Fiorin (2018) e Diana Luz Pessoa Barros sobre a
teoria semiótica vamos analisar o capítulo XXI da obra O Pequeno Príncipe
seguindo os níveis do percurso gerativo de sentido.

4. Análise da obra
Nesta seção, o foco está na análise do percurso gerativo de sentido do
capítulo XXI da obra “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, em
relação aos níveis fundamental, narrativo e discursivo conforme descrito na
obra de José Luiz Fiorin.

4.1.Nível fundamental
A partir daqui, analisaremos a relação do Pequeno Príncipe com o
personagem Raposa à luz dos conceitos semióticos vistos acima. A relação entre o
animal e o menino, levando em consideração o primeiro nível do percurso, pode ser
estabelecida como /indomesticada/ versus /domesticada/. Para a categoria
/indosmeticada/ vamos atribuir um valor de disforia e para /domesticada/ atribuímos
um valor de euforia, de acordo com a história. Estes dois valores se referem à
amizade que os dois constroem ao longo do capítulo. Estar domesticado (ou
cativado em outras edições da obra) atribui um sentido positivo para a relação deles
como pode ser visto no trecho a seguir: .
É claro – disse a raposa. - Você ainda nada é para mim além de um
menininho, totalmente igual a cem mil menininhos. E eu não preciso
de você. E você também não precisa de mim. Eu nada sou para
você além de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se você me
domesticar, nós teremos necessidade um do outro. Você será para
mim único no mundo. Eu serei para você única no mundo... (p. 100)

É válido observar que “euforia e disforia não são valores determinados pelo
sistema axiológico do leitor, mas estão inscritos no texto” (FIORIN, 2005, pg. 23).
Assim, se em outro texto “estar domesticado” pode ser uma maldição, algo com
valor negativo e, aqui, “estar domesticado” tem valor positivo, somos levados a
entender que o contexto é o que dita se algo é positivo ou negativo.

4.2.Nível Narrativo
Segundo Fiorin (2005, pg. 27), “a narratividade é uma transformação situada
entre dois estados sucessivos diferentes”, ou seja, existe um estado inicial, que é
quebrado, um percurso, e um estado final, para que possamos dizer que existe uma
narrativa.
Na semântica do nível narrativo da análise baseada em Fiorin, é tratado sobre
objetos, que ele define sendo de dois tipos: os objetos modais e os objetos de valor.
Os Objetos modais são aqueles que “usamos”, ou seja, são as ferramentas que nos
levam até o nosso objetivo final. Já os objetos de valor são justamente o nosso
objetivo final, aquele que queremos entrar em conjunção ou disjunção no final. No
capítulo escolhido, podemos classificar como objeto modal o tempo que o príncipe e
a raposa passam juntos, pois é somente assim que eles conseguem atingir o
objetivo final. Já o objeto valor é a amizade que nasce entre os dois.
Já na fase da competência, segundo Fiorin (2005), o sujeito que realizará a
transformação, é dotado de um saber, de um poder, de uma competência. Em O
Pequeno Príncipe, o sujeito competência é a raposa que, com sua inteligência e
conhecimentos sobre as relações mundanas, consegue “criar laços” com o menino e
assim perpetuar a amizade dos dois, mesmo após a partida do príncipe.
Temos ainda a fase da performance (FIORIN, 2005), onde acontece a
mudança central da narrativa, quando acontece a mudança de um estado para
outro. Ao passar mais tempo juntos, o príncipe e a raposa realizam a performance, e
assim entram em conjunção (vai de um estado para outro) com a amizade.
E, finalmente, sobre a fase da sanção, que de acordo com Fiorin é quando
são distribuídos os prêmios e os castigos, o prêmio, naturalmente, é entrar em
conjunção ou disjunção com o que se desejava, Na obra aqui analisada o prêmio foi
a domesticação entre a raposa e o menino.

4.3.Nível Discursivo
É no terceiro e último nível, o discursivo, que “as formas abstratas do nível
narrativo são revestidas de termos que lhe dão concretude.” (FIORIN, 2002, p. 29)
Sendo assim, nessa relação entre níveis narrativo e discursivo, quanto mais
“profundo o nível, [...] mais simples são as unidades, assim como mais abstratas.
Quanto mais superficial, mais essas unidades se complexificam e se concretizam.”
(LARA; MATTE, 2009, p. 20-21)
Visto isso, os sujeitos do nível narrativo se concretizam como a raposa e o
príncipe. Quanto ao objeto de valor de ambos os sujeitos, a concretização se dá de
forma diferente, pois “o nível discursivo produz as variações de conteúdos narrativos
invariantes.” (FIORIN, 2002, p. 29) Desse modo, enquanto a raposa pretende estar
em conjunção com seu objeto de valor, ser domesticado e criar laços, o Principe
busca encontrar amigos aqui na terra e conforme se relaciona com o animal percebe
sua ligação especial com a rosa de seu planeta e assim entra em conjunção com a
relação deles.
Considerações Finais
Após analisar cada item do percurso gerativo de sentido podemos observar
como neste capítulo as etapas constroem o sentido do texto e como os
personagens criam laços de amizade verdadeira. O sucesso de O Pequeno Príncipe
seja, talvez, justamente um reflexo de suas escolhas narrativas mais complexas, o
que permite aprofundar os personagens e sua escolha por temas comuns do
cotidiano como a construção de uma relação de amizade entre os dois.
Embora tenhamos atingido tal objetivo, reconhecemos a importância de uma
exposição mais aprofundada dos conceitos, assim como uma análise mais
detalhada da obra.

Referências Bibliográficas:

BARROS, Diana Luz Pessoa. Teoria Semiótica do Texto. 4.ed. São Paulo: Ática,
2005.
_______. Teoria do Discurso: fundamentos semióticos. 3.ed. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2002.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto,
2000.
SAINT-EXUPERY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. São Paulo: Pé da Letra, 2016.
SOUZA, B. G. e BATISTOTE. M. L. F. Um novo mundo concebido pela
linguagem: um olhar semiótico em “O Pequeno Príncipe”. Artigo. Disponível em:
<https://desafioonline.ufms.br/index.php/papeis/article/view/3053/2471> Acesso em
10 de dezembro de 2020.
VARGAS, Emanuelly Menezes e PETERMANN, JULIANA. Protagonismo Feminino
em Hora de Aventura: Uma Análise do Percurso Gerativo de Sentido em “A Bruxa do
Céu”. In: XXXIX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO,
34., 2016. São Paulo. Anais [...] São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, 2016. Disponível em:
https://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-3010-1.pdf. Acesso
em: 20 de setembro de 2021.

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