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TEORIA GERAL

DO NEGÓCIO JURÍDICO

UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO

Licenciatura em Direito

2022-2023

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O NEGÓCIO JURÍDICO EM GERAL

Heinrich Hörster, A parte geral do Código Civil Português, Coimbra, Almedina, 2022
(459-474)

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Rever o conceito de facto jurídico e o seu relacionamento com o conceito
de negócio jurídico - pág. 217-228

Facto jurídico: factos que levam à produção de efeitos jurídicos


(constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas).

Distinguem-se dos factos materiais ou ajurídicos (ex: convite para


almoçar)

Os factos jurídicos podem ser humanos ou naturais

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Relacionamento com a vontade humana:

- factos jurídicos voluntários - podem ser lícitos (actos jurídicos) ou


ilícitos

- Factos jurídicos involuntários (factos legais, factos naturais)

Factos voluntários lícitos (actos jurídicos em sentido lato):

- Negócios jurídicos
- Simples actos jurídicos (actos jurídicos em sentido restrito)

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Critério de distinção: alcance e significado da vontade nos efeitos
produzidos:

- Negócios jurídicos - efeitos são queridos pelas partes - efeitos


produzem-se ex voluntate

- Simples actos jurídicos - produz os seus efeitos independentemente da


vontade das partes, efeitos resultam apenas da lei (ex: art. 805) efeitos
produzem-se ex lege

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Negócios jurídicos - actos jurídicos constituídos por uma ou mais
declarações de vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos,
com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinando o
ordenamento jurídico a produção dos efeitos jurídicos conformes à
intenção manifestada pelo declarante ou declarantes (Pinto Monteiro &
Mota Pinto)

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Elementos do negócio jurídico

§ Essenciais - elementos essenciais de cada negócio típico ou nominado


(ex: compra e venda, locação, doação, mútuo, etc). Ex: na locação, a
obrigação de proporcionar à outra parte o gozo temporário de uma
coisa e a obrigação desta de pagar a correspondente retribuição (art.
1022)

§ Naturais - regras que complementam a regulamentação das partes (ex:


normas supletivas). Não é necessário que as partes configurem
qualquer cláusula para a produção destes efeitos, mas podem ser
excluídos através de estipulação. Ex: arts. 964, 885, 1030

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- Nos negócios do tipo obrigacional as normas supletivas abundam

- Os negócios familiares pessoais contêm quase só normas imperativas

§ Acidentais - cláusulas acessórias dos negócios jurídicos - são


estipulações das partes que não integram o tipo negocial em abstracto
mas se tornam imprescindíveis para que o negócio produza certos
efeitos

Ex: cláusula de juros, cláusula condicional (submetendo os efeitos do


negócio a um evento futuro e incerto), estipulação de lugar e tempo para o
cumprimento da obrigação, etc
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Distinção entre negócios jurídicos unilaterais e bilaterais

Critério da distinção: número e modo de articulação das declarações

§ Negócios jurídicos unilaterais - uma só declaração de vontade ou


várias, mas paralelas (formam um só grupo). Se olharmos os autores
das declarações, há um só lado, uma só parte.

Exemplos: testamento, renúncia à prescrição, procuração

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Os negócios unilaterais:

- ou só afectam directamente uma pessoa, que os pratica (ex: abandono


de um móvel)

- ou afectam outra pessoa, mas atribuindo-lhe uma faculdade ou uma


posição favorável (procuração, testamento)

- ou, se afectam outrem desfavoravelmente, pressupõem um poder


especial conferido por contrato ou pela lei (declarações de resolução,
revogação, escolha da prestação numa obrigação alternativa)

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Nos negócios unilaterais:

- É desnecessária a anuência do adversário - a eficácia do negocio


unilateral não carece da concordância de outrem
- Vigora o princípio da tipicidade ou do numerus clausus (art. 457)

§ Negócios unilaterais receptícios (ou recipiendos): a declaração só é


eficaz se e quando for levada ao conhecimento de certa pessoa

§ Negócios unilaterais não receptícios: basta a emissão da declaração,


sem ser necessário comunicá-la a quem quer que seja (testamento, acto
de instituição de uma fundação, promessa pública, repúdio da herança)
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Os negócios jurídicos plurilaterais são compostos de mais do que duas
declarações, ou melhor, mais do que dois lados ou partes (ex: contrato de
sociedade - art. 980, acto de constituição da associação - art. 167)

Os negócios jurídicos bilaterais (contratos) NÃO são integrados por dois


negócios unilaterais - antes cada uma das declarações (proposta e
aceitação) é emitida em vista do acordo

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Distinção entre:

§ Contratos unilaterais - apenas criam obrigações para uma das partes


contraentes (ex: doação, art. 940)

§ Bilaterais ou sinalagmáticos - geram obrigações para ambas as


partes, obrigações ligadas entre si por um nexo de causalidade ou
correspectividade (ex: compra e venda, locação)

Importância da distinção: excepção de não cumprimento do contrato é


privativa dos contratos bilaterais - art. 428

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Distinção entre:

§ onerosos - cada uma das partes envolvidas faz uma atribuição


patrimonial à outra como contrapartida ou contraprestação

§ Gratuitos - existe um sacrifício patrimonial apenas para uma das


partes

Importância da distinção: em matéria de impugnação pauliana (art.


612/1), de protecção do terceiro adquirente de boa fé a non domino (art.
291/1, etc)
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Os negócios jurídicos também podem ser:

§ Entre vivos - produzem os seus efeitos em vida das partes

§ Mortis causa - produzem os seus efeitos depois da morte das partes ou


de uma delas. São negócios “fora do comércio jurídico” - na sua
regulamentação, os interesses do declarante devem prevalecer sobre
o interesse na protecção da confiança do destinatário. Isto será
relevante quanto a problemas como a divergência entre a vontade e a
declaração, os vícios da vontade, a interpretação, etc

Ex: testamento (2179)


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Os negócios jurídicos podem ser:

§ Solenes ou formais - a lei prescreve a necessidade de observância de


determinada forma, o acatamento de determinado formalismo ou de
determinadas solenidades (ex: art. 875)

§ Não formais (ou consensuais, no caso de contratos) podem ser


celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a
vontade negocial, porque a lei não impõe uma determinada roupagem
exterior para o negócio - principio da liberdade declarativa, liberdade
de forma ou consensualidade (art. 219)

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NÃO confundir com a distinção entre negócios jurídicos:

§ consensuais - o contrato fica perfeito com o simples acordo das partes

§ reais - exigem, além das declarações de vontade das partes


(formalizadas ou não), a prática anterior ou simultânea de um certo
acto material (quod constitutionem)

Exemplos de contratos reais: depósito (1155), mútuo (1142), comodato


(1129)

É um resquício da tradição romanista...


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Os negócios jurídicos podem ser:

§ obrigacionais - princípio da liberdade contratual (art. 405); quanto aos


negócios unilaterais, vigora o principio da tipicidade (art. 457)

§ reais - por exemplo, venda ou doação de coisa certa e determinada.


São os negócios com eficácia real (quoad effectum). A liberdade
contratual está limitada pelo princípio do numerus clausus (art. 1306)

§ Familiares - por exemplo, casamento, perfilhação, adopção. O


princípio da liberdade contratual está excluído quanto à fixação do
conteúdo, ganhando alguma relevância nos negócios familiares
patrimoniais (convenções antenupciais - 1698 ss)

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§ Sucessórios - não há liberdade contratual (excepto no art. 1699, 1 a)
Temos de atender aos efeitos do negócio: o efeito é...

§ obrigacional quando do negócio resulta uma obrigação (ex: compra e


venda; arrendamento; mandato; prestação de serviços). Ver art. 397

§ real quando dele resulta a transmissão da titularidade de um bem;

§ familiar quando reporta à família (ex: casamento; filiação, adoção);

§ sucessório quando se relaciona com uma constituição, modificação ou


extinção de caráter sucessório (ex: testamento)

Existem negócios que produzem mais do que um efeito - ex: compra e


venda tem efeitos obrigacionais e reais (art. 879, ver também art. 954)19
Os negócios jurídicos podem ser (atendendo à natureza da relação
jurídica):

§ Patrimoniais (referentes a disposições e atribuições de bens) -


“negócios do comércio jurídico” - para tutela da confiança do
declaratário e dos interesses do tráfico, a vontade declarada triunfa
sobre a vontade real (reconhece-se o “valor social da aparência”)

§ Pessoais (dirigidos a relações de carácter pessoal ou determinantes do


estado civil). São “negócios fora do comércio jurídico” - atende-se à
vontade real (psicológica) do declarante, não às expectativas dos
declaratários
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§ O negócio unilateral fica completo com a declaração negocial da sua
única parte

Exemplo do testamento – não é necessária a anuência dos futuros


herdeiros para que o negócio fique completo – o negócio é completo
com a declaração negocial do seu autor e este pode ser feito até anos
antes da sua morte

§ Na doação (negócio bilateral), o negócio só fica completo com a


declaração negocial do doador e do que irá receber a doação (art. 945)

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A FORMAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO

Modalidades da declaração negocial; os seus elementos

RECORDAR: Negócio jurídico - uma declaração de vontade privada que


visa a produção de um efeito jurídico que se verifica conforme a ordem
jurídica por ter sido querido pelas partes.

Dois pressupostos essenciais:


- Em termos privados, uma vontade dirigida à produção de efeitos
jurídicos e manifestada numa declaração de vontade
- Em termos legais, a garantia da produção dos efeitos jurídicos pelo
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direito objectivo
RECORDAR:

A declaração de vontade (declaração negocial, art. 217): é um meio de


manifestação da vontade que visa a produção de efeitos jurídicos.

Dois elementos:

- Vontade (elemento interno, subjectivo)

- Declaração / manifestação (elemento externo, objectivo)

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§ Declaração expressa – declarações que usam linguagem
(critério objetivo)

porém, segundo um critério subjetivo, não têm necessariamente de


ser verbais e podem ser simplesmente gestuais, já que expressa o
comportamento finalisticamente dirigido a exprimir ou a
comunicar algo, podendo resultar implicitamente uma outra
declaração, esta agora tácita, desde que dela se deduza com toda a
probabilidade (art. 217/1 CC).

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§ Declaração tácita – é o comportamento do qual se deduz com
toda a probabilidade a expressão ou comunicação de algo,
embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente
dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.

Ex: António (senhorio) propõe a Bernardo (arrendatário) um aumento de renda e


Bernardo não responde. Mas no mês seguinte Bernardo deposita-lhe o montante da
nova renda – logo a declaração foi tácita

Quando um notário não diz que Y comprou, mas diz que Y pagou o preço, a
declaração também é tácita

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§ Art. 234 CC: é dispensável uma declaração expressa de aceitação, que na letra
deste artigo se traduz numa conduta que mostre a intenção de aceitar a
proposta, ou seja, sempre que aquele a quem foi feita a proposta contratual
dá inicio à execução do contrato proposto, sem que tenha declarado
expressamente aceitá-la, deduz-se desse comportamento com toda a
probabilidade, que aceitou a proposta (aceitação tácita)

§ Art. 217/2 CC: a natureza formal de uma declaração não impede que ela seja
tacitamente emitida; requer-se que a forma prescrita tenha sido observada
quanto aos factos de que se deduza a declaração em causa. Este artigo
determina que a forma da declaração tácita é aquela de que se reveste o
comportamento do qual ela, com toda a probabilidade, se deduz

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§ O silêncio difere da declaração tácita, por ser uma ausência de declaração.
Segundo o art. 218 CC, o silêncio só tem valor jurídico quando lhe for
atribuído por:

Lei: sucede no art. 923/2 e no 1163 CC

Uso: o silêncio só vale como declaração negocial quando um uso,


devidamente juspositivado por uma lei, o determine

Convenção: exercício da autonomia privada; o declarante pode,


voluntariamente, inserir-se em ambiências que permitam, do seu silêncio, inferir
uma vontade negocial

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