Você está na página 1de 11

COMO ASSIM AS LETRAS TÊM SONS?

Por Mariane Assis Dias

Instagram: @marianeassis_dias

As letras têm nomes, isso já sabemos e estão organizadas em um sistema


alfabético. Mas que as letras têm sons, ou melhor, que as letras representam valores
sonoros, você já parou para refletir sobre isso? Esses sons referem-se aos foneas, no
nível mais abstrato, e que os sons efetivamente emitidos são os fones, produzidos
pelo nosso aparelho fonador.

Na linguagem oral, ou seja, na fala, emitimos os sons das letras coarticulados em


sílabas: inclusive, aprendemos a falar por sílabas, por exemplo: MAMA, DADA, PAPA.

Por esse motivo e pesquisas também demonstram que a noção de que a linguagem
falada é composta de sequências desses pequenos sons que são representados pelos
sinais gráficos das letras não surge de forma natural, espontânea ou fácil em nós, seres
humanos. Sem a instrução direta a percepção dos sons da fala escapa completamente
a 25% dos estudantes do primeiro ano, ou sejam, a cada 100 alunos, 25 deles não
terão nenhum consciência quanto a isso (Adams, 2006). Na educação a incapacidade
ou a dificuldade em perceber e manipular esses sons da fala implicarão em
dificuldades para a aprendizagem da leitura e escrita. Pois, sabe-se que conhecer e
identificar os sons das letras significa aumentar a capacidade e a habilidade de
promover a leitura bem sucedida na alfabetização.

OS SONS DAS LETRAS: quais são os fonemas?

Então, a grande questão é: se essa percepção não é natural, onde se encaixa o


conhecimento dos sons das letras na educação de uma criança?
Importante ressaltar que em uma linguagem oral mais rica, através de boas trocas e
interações em diálogos e leitura em voz alta compreendem também indicadores de
melhor desenvolvimento e desempenho em leitura. Porém só isso não basta, é preciso
instruir e ensinar a criança a prestar atenção nessas unidades menores da fala. Não
apenas nas sílabas ou nas palavras que falamos. Além disso, crianças que não foram
expostas a um ambiente oral rico através de interações verbais de qualidade e leitura
em voz alta realizada pelos principais cuidadores se beneficiam do ensino explícito dos
sons da fala.

Morais (1995) defende que o ensino das letras pode e deve ocorrer na pré-escola,
ainda no ensino infantil. Aos três ou no máximo aos quatro anos de idade, a maioria
das crianças está cognitivamente apta para se preparar e aprender a ler e escrever e é
benéfico o ensino explicito e instruído dos sons das letras. Isso não significa que iremos
alfabetizar crianças a partir dos 3 anos, mas sim que começaremos a desenvolver
habilidades essenciais e preditoras de sucesso para a alfabetização.

Montessori (2017) também defendeu a instrução das crianças antes dos 6 anos, em
seu livro “A descoberta da criança - pedagogia científica” a autora contextualiza o
início de um trabalho estruturado na “Casa da Criança” que envolvia desde o estímulo
da autonomia das crianças com atividades de vida prática até instruções sensoriais e
diretas dos sons das letras, em suas palavras:

“[…] eu também me achava enganada pelo preconceito de que somente mais tarde é
que se deveria encetar o ensino da leitura e da escrita, aprendizado esse que deveria
ser evitado até a idade dos seis anos. Mas, no decorrer desses poucos meses, as
crianças pareciam perguntar que conclusão tirar desses exercícios que as haviam tão
surpreendentemente desenvolvido.”

Os sons das letras estão presentes na etapa da consciência fonêmica que por sua vez,
não é apenas conhecer os sons que as letras representam, mas de analisar e refletir de
forma consciente sobre a estrutura da linguagem oral. É o entendimento de que todas
as palavras são compostas por sequências de sons individuais, os fonemas. A
consciência fonêmica é um conhecimento explícito e reflexivo de que os sons da
linguagem oral podem ser separados um do outro e que é possível categorizá-los de
uma maneira que permita compreender como as palavras são escritas. Então aqui já
percebemos claramente a utilidade do domínio dessa habilidade, para avançar na
escrita que é um outro tipo de linguagem. É permitir que um ser humano passe de
uma linguagem oral, falada, para a linguagem textual, lida e tão logo, escrita. Esse é
o papel utilitário da consciência fonêmica. Um papel grandioso que permitirá que um
ser humano saia da condição de analfabeto para alfabetizado. Pois é através da
decodifição dos sons das letras que a criança fará a leitura e posteriormente a
escrita.

O ideal é que leitores em desenvolvimento aprendam a separar esses sons um do


outro e a categorizá-los de maneira que permita compreender como as palavras são
escritas e lidas. E sem instrução não é fácil de estabelecer essa consciência, dado que
isso não é natural ao ser humano. A consciência fonêmica permite ao aluno
reconhecer os menores sons constituintes da linguagem oral e, após a sua
consolidação esses sons devem ser associados as suas respectivas representações
gráficas (associação grafema-fonema). Esse conhecimento torna mais fácil ao aluno
expressar na leitura e na escrita aquilo que se ouve. Um bom desempenho em
consciência fonêmica e do princípio alfabético permitirá a leitura e a escrita de
qualquer palavra. Segundo David Kilpatrick, pesquisador americano, a instrução
explícita e bem instruída dos sons das letras, desenvolvimento da consciência
fonêmica e do princípio alfabético, permitirá que cerca de 95% das crianças de todas
as crianças aprendam a ler até o final da primeira série.

A consciência fonêmica então é mais ampla do que apenas conhecer os sons das letras,
é a habilidade de perceber e manipular os sons das palavras, sendo capaz de identificar
por exemplo, o primeiro e o último som de uma palavra, isolar sons, segmentar sons
individuais de uma palavra, assim como sintetizar ou aglutinar os sons e formar uma
palavra.

Diante disso, quando podemos dizer que a consciência fonêmica está desenvolvida?
Basta saber os sons das letras? Não, ainda que isso seja uma parte importante pois
ter a referência dos sons das letras facilitará o bom desenvolvimento da consciência
fonêmica.

A consciência fonêmica está desenvolvida quando a criança é capaz, por exemplo, de


segmentar oralmente uma palavra em seus fonemas constituintes ou formar uma
palavra subtraindo o fonema inicial e adicionando outro fonema, assim formando uma
nova palavra, como na palavra Mala, ao subtrair o fonema M, o que resulta? Ala.
Ainda, ao ouvir uma palavra como MEIA, a criança deve ser capaz de emitir os sons
isolados das letras.

Muita confusão se faz entre consciência fonêmica e consciência fonológica, mas se


trata de conceitos diferentes. A consciência fonêmica está presente em uma
habilidade maior que é a consciência fonológica. Embora a consciência fonêmica seja
o ponto alto da consciência fonológica durante a pré-alfabetização, ou seja, nas etapas
que antecedem a alfabetização, ela não é a única habilidade a ser desenvolvida nessa
fase.

A consciência fonológica é composta por 4 habilidades: consciência de rimas e


aliterações, consciência de palavras e frases, consciência de sílabas e consciência
fonêmica, veja na figura abaixo.

Figura 1: Habilidades da consciência fonológica.


Nesse artigo o foco é a consciência fonêmica e mais especificamente, os sons das
letras e vamos à pergunta fundamental: se é importante começar pelos sons das
letras, como faço para ensinar esses sons?

 COMO ENSINAR OS SONS QUE AS LETRAS REPRESENTAM?

Primeiro ponto: a apresentação dos sons das letras durante a pré-alfabetização não
depende da criança já conhecer os nomes e grafias das letras. Ainda que apresentemos
a grafia da letra, seu nome e o som que ela representa, esse não é o momento para se
dar ênfase somente aos nomes e grafias. Pois nessa fase o objetivo é fazer a criança
perceber os sons das letras na linguagem oral e não é necessário nenhum contato com
a linguagem textual. O problema está na forma com que é feita comumente a
apresentação das letras, a qual se dá pela memorização das formas das letras e pelos
nomes delas. Nesse momento comumente não há nenhuma menção aos sons das
letras e ensino explícito nesse sentido.

Considerando esse cenário, a possibilidade é trabalhar os sons das letras em paralelo,


através da apresentação de cada som e dramatizações que associem aos sons das
letras e após esse trabalho o educador conduz a criança a pensar nos sons das letras
do seu nome, por exemplo, ao aparecer cada letra o educador pode evidenciar os seus
sons.

Chamo aqui de dramatização de sons o seguinte: ao apresentar um som para a criança


associe a algo, por exemplo, no som da letra A aberta como em Água peça para a
criança lhe imitar tentando espirrar: AAAAtchim. Faça a abertura da boca e sustente o
som da letra A. Dessa forma você estará associando o som a uma dramatização.

Importante deixar claro que a apresentação dos sons das letras pode ocorrer
conjuntamente à exposição das formas gráficas das letras. O essencial é não se
esquecer de apresentar a parte mais importante da letra: o valor sonoro que ela
representa: os fonemas.

Ou seja, mesmo que a criança já tenho sido apresentada na escola ou pela família a
letras, nomes e formatos, a partir de agora que você tem consciência da relevância
da consciência fonêmica, então sempre que aparecer as letras você poderá ressaltar
e dar ênfase aos sons. Prefira explicitar os sons das letras ao invés de chamar a letra
simplesmente pelo nome. Se a criança disser o nome da letra peça sempre para ela
emitir o som. Dessa forma a consciência dos sons das letras vai se expandindo.

Segundo ponto: Qual a ordem para apresentação dos sons das letras?

O mais importante é você saber que as letras não devem ser apresentadas por ordem
alfabética. O alfabeto existe para ordenar o sistema alfabético e para utilização, por
exemplo, do dicionário.

O melhor caminho é apresentar as letras considerando algum critério de dificuldade.


Como tudo na vida precisamos partir do mais fácil ao mais difícil, tal como ocorre com
os bebês, primeiro se aprende a rolar, depois a engatinhar, a andar com apoio, a andar
sem apoio, correr, pular, saltar, etc.

Mas então como definir o que é mais fácil e o que é mais difícil?

Neste artigo proponho começar pelas vogais e seguir pelas consoantes fricativas cujos
sons podem ser estendidos por mais tempo e facilitam a sua percepção, seguida das
consoantes oclusivas. Explicarei os termos citados no decorrer do texto e no final,
indicarei uma ordem de apresentação dos sons das letras.

 Quais são os sons das letras?

Importante você saber também que os sons da fala resultam da ação dos nossos
órgãos sobre a corrente de ar vindo dos pulmões. Então para ter som precisa de
algumas condições, mas basicamente da corrente de ar vinda dos pulmões e do
aparelho fonador, conhecido como órgãos da fala, como pulmões, laringe - cordas
vocais, faringe, boca, língua, fossas nasais, lábios. Logo, de uma forma simplista o som
é produzido da expiração desse ar pelo aparelho fonador.

Os sons são produzidos considerando todo o aparelho fonador e são caracterizados e


podem ser percebidos pelo modo de articulação, ponto de articulação, o papel das
cordas vocais e o papel da cavidade bucal e nasal.
Diante disso os sons que ao serem produzidos exigem menor habilidade articulatória e
são mais facilmente percebidos são as vogais. Os sons vocálicos não exigem habilidade
articulatória muito grande.

As vogais são sempre sonoras (vibram as cordas vocais) e não há obstrução na


passagem do ar, as cavidades supralaríngeas estão abertas ou entreabertas à
passagem do ar. Nas consoantes, por outro lado sempre há na cavidade bucal algum
obstáculo.

Na Figura 2 separei em duas colunas os sons das vogais orais e nasais e sugeri
dramatizações que podem ser feitas para ajudar a criança a memorizar os sons das
letras. Note que as vogais orais dividem-se entre vogais abertas ou semi-abertas e
fechadas ou semi-fechadas. Perceba que nesses casos as vogais têm variações de 7
sons (considerando que a vogal A apesar de ter as variações; aberta ou fechada, o som
não se altera). Além dos sons nasais, quando as vogais, por exemplo, antecedem as
letras M e N ou são acentuadas pelo til. É importante apresentar as variações, pois os
sons se alteram nas palavras e através desse contato prévio a criança já saberá disso.

Figura 2: Apresentação dos sons das vogais orais e nasais.


Nas consoantes a corrente expiatória sempre encontra alguma obstrução para a
passagem do ar, quando a obstrução for total chamamos de consoantes oclusivas e
parcial; consoantes constritivas. Observe na figura 3 o quadro que preparei com as
consoantes separadas quanto ao modo e ponto de articulação, ou seja, onde o
obstáculo (total ou parcial) será produzido na cavidade bucal.

Figura 3: Apresentação dos sons das consoantes segundo modo e ponto de


articulação.

Agora vou explicar brevemente para você sobre o ponto de articulação das
consoantes, que pode ser então:

 Bilabiais: formadas pelo contato entre os lábios.


 Labiodentais: formadas pela constrição do ar entre o lábio inferior e os dentes
superiores.
 Linguodentais: formadas pela aproximação ou contato do pré-dorso da língua a
face interna dos dentes incisivos superiores.
 Alveolares: formadas pelo contato da ponta da língua com a raiz dos dentes
incisivos superiores.
 Palatais: formadas pelo contato do dorso da língua com o céu da boca ou
palato duro.
 Velares: formadas pelo contato da parte posterior da língua com o véu
palatino.

Na figura 3 as consoantes comumente divididas em pares podem apresentar confusão


na emissão ou identificação do som pela criança, nesse caso uma maneira eficiente e
que ajuda a desfazer confusão de som é orientar a criança a observar a vibração das
cordas vocais. Veja por exemplo as letras F e V, ambas são constritivas do tipo
fricativas e têm também o mesmo ponto de articulação, labiodental, porém elas se
diferenciam quanto ao papel das cordas vocais, na letra F as cordas vocais não vibram
e são chamadas de surdas ou menos sonoras enquanto que na letra V elas vibram, ou
seja, são mais sonoras. Peça para a criança colocar a mão na garganta e sentir a
vibração.

Ressalto também que o importante na apresentação das consoantes é fazer a criança


prestar atenção nos sons emitidos e esse conhecimento sistematizado sobre o modo e
ponto de articulação não precisa ser apresentado a todas elas. Chame a atenção para o
som através de atividades orais, como leitura em voz alta de textos que evidenciam as
letras trabalhadas ou trava-línguas. Procure também sustentar os sons das consoantes
constritivas por mais tempo e oriente a criança a fazer o mesmo, isso ajuda ela a
perceber o som mais facilmente. Nas consoantes oclusivas que não é possível a
sustentação do som explique a criança que o ar sai da boca como se fosse uma
explosão, como se saísse um arzinho também. Se ainda assim a confusão persistir você
pode chamar a atenção da criança para as articulações que produzem o som, usando
de um recurso visual e articulatório.

O educador quando domina as características das consoantes conforme descrevi nas


linhas acima consegue conduzir melhor o ensino dos sons das letras e ajudar a desfazer
confusões simples. Para casos mais sérios é necessário sempre o acompanhamento de
um profissional, como fonoaudiólogo. Visto que há crianças com dificuldades de
emissão dos sons por diferentes razões, inclusive por conta de algum limite
articulatório dos órgãos da cavidade bucal.
 Como explicar os sons das letras?

As sugestões de dramatizações dos sons das consoantes segue abaixo:

Tabela 1: Sugestão de dramatização dos sons das consoantes.

Importante ressaltar que os sons das letras exigem treino constante até isso se tornar
natural para você e principalmente para as crianças. No começo pode soar estranho
emitir os sons isolados e ensinar também, mas como tudo, com a prática, torna-se
mais simples e fácil.

Por fim, volto ao segundo ponto que comentei anteriormente e compartilho uma
sugestão de ordem de apresentação dos sons das letras. Perceba que nessa sugestão o
ensino começa pelas vogais, depois para as consoantes constritivas (F, V, S, Z, X, J, L,
R), para as consoantes oclusivas nasais (M e N) e por fim, as orais (P, B, T, D, C, G).

Referências

Adams, M. 2006. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto Alegre, RS:


Editora Artmed.

Montessori, M. 2017. A descoberta da criança - pedagogia científica. Campinas, SP:


Editora Kirion.

Morais, J. 1969. A arte de ler. São Paulo, SP: Editora Unesp.

Você também pode gostar