Você está na página 1de 10

Disciplina: Introdução à Bíblia

Professor: Dr. Leandro Lima


AULA 06

AULA 06 – A UNIDADE DA BÍBLIA: A DOUTRINA DO PACTO

Leandro Lima

Instruções

Nessa aula avançaremos para a consideração de um tema fundamental para a


interpretação da Escritura: a questão da unidade bíblica. Por unidade, não queremos
apenas dizer que existem coisas em comum nos 66 livros da Bíblia, mas que eles têm
uma mensagem unificada.
Essa será a aula mais longa até aqui em termos de texto, porém, certamente,
será uma das mais fáceis de ler, por causa da simplicidade da terminologia.

Introdução

Apesar de todos os ataques sofridos ao longo da história humana, a Escritura


resiste, e continua sendo o grande instrumento da revelação da vontade de Deus para
o ser humano. Isso só é possível porque o Espírito Santo a inspirou, e porque esse
mesmo Espírito continua iluminando mentes e corações para compreender o grande
plano de Deus revelado nas páginas da Bíblia.
No entanto, para poder interpretar corretamente a Escritura é preciso
compreender em que sentido podemos dizer que ela é “una”, ou seja, em que sentido
contém uma mensagem unificada. Afinal, será que existe um tema central que unifica
a Escritura? Se esse tema existir, entendê-lo será vital para poder interpretar a Bíblia.
No nosso entendimento é a relação pactual de Deus com seu povo que unifica
a Escritura. Portanto, entender a Aliança, ou o Pacto é vital para se entender
profundamente a Escritura e para entender a maneira como Deus dirige e organiza seu
plano para esse mundo, e como se relacionam os Testamentos.
A Aliança é uma espécie de modus operandi Divino. É a maneira como ele se
relaciona com o ser humano. Não há relacionamento entre Deus e o homem fora da
Aliança, pois desde o início Deus estabeleceu sua Aliança com o homem e, até o final,
Deus permanecerá sendo fiel às estipulações dessa Aliança.
Devemos ver todas as ações de Deus na história como cumprimento ou
renovação de sua Aliança. Assim, a Aliança é o tema que unifica o Antigo e o Novo
Testamento que poderiam ser perfeitamente chamados de Antiga Aliança e Nova
Aliança. Há uma só Aliança, pois apesar de haverem várias ministrações da Aliança ao
longo da história bíblica, tecnicamente há apenas uma Aliança. Detalhes particulares
podem variar sendo que há progresso à medida que cada nova aliança é ratificada, até
porque a revelação é progressiva, mas elas unem-se de duas perspectivas: manifestam
unidade estrutural e unidade temática1.
A unidade estrutural pode ser vista pelo fato de que cada vez que Deus iniciava
uma nova aliança com Abraão, Moisés ou Davi, não limpava o quadro e começava tudo
de novo, mas avançava em relação a seus propósitos originais a um nível superior de
realização. Já a unidade temática observa-se porque os temas da Aliança são
desenvolvidos a cada nova ministração.
Algumas correntes teológicas preferem falar em “dispensações” ao invés de
1
Parte da abordagem a seguir pode ser vista em: O. Palmer Robertson. Cristo dos
Pactos. Campinas: Editora Luz Para o Caminho, 1997, p. 85-268.
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

Aliança. A diferença básica entre o dispensacionalismo e a teologia da aliança é que o


dispensacionalismo é dualista em sua visão, pois sugere da parte de Deus um domínio
material e outro espiritual, o primeiro se referindo a Israel (nação) e o outro à Igreja.
A Aliança é uma espécie de contrato que Deus estabeleceu com o ser humano,
especialmente com seu povo, no qual ele promete ser o Deus deles, lhes abençoar, mas
em contrapartida, eles devem ser fieis às estipulações dela.
Aliança é um acordo formal estabelecido entre duas partes. A diferença básica
entre um contrato moderno e a Aliança constitui-se no fato de que um contrato
geralmente é estabelecido entre partes iguais, com direitos e deveres iguais, cujos
termos são definidos através de uma negociação entre as partes. Porém, na Bíblia, assim
como no Antigo Oriente Médio, os tratados entre suseranos e vassalos não tinham pé
de igualdade. Ao contrário, o suserano, o vencedor de uma guerra, obrigava seu vassalo
a assinar um contrato de submissão. O suserano garantia a proteção do vassalo, porém,
não havia negociação nos termos. Podemos dizer, portanto, que enquanto o contrato é
bilateral, a aliança caracteriza-se mais por ser unilateral.
A Aliança é um pacto de sangue. Sem sangue não há ratificação da Aliança. A
necessidade do sangue significa que Deus leva a Aliança até as últimas consequências.
Palmer Robertson define Aliança como um pacto de sangue soberanamente
administrado 2 . É um pacto por causa do elemento de união entre as partes
representadas, que dá a ideia de relacionamento. A ideia do sangue deve-se ao fato de
que Deus leva a aliança até as últimas consequências, pois a vida e a morte são
propostas. Essa ideia já está presente até mesmo na etimologia do termo “fazer” uma
aliança, que no hebraico é “cortar”, pois animais eram cortados no cerimonial da
aliança. O sangue é derramado para garantir a aliança tornando o compromisso
inviolável.
No Antigo Testamento foram cinco as vezes em que a Aliança foi estabelecida
ou renovada, antes de Cristo. Deus estabeleceu e renovou sua aliança com Adão, Noé,
Abraão, Moisés e Davi. O Novo Testamento vem estabelecer o caráter final da Aliança
na pessoa de Cristo. O fato é que todas as ministrações prévias da Aliança deixaram
algum vácuo, algo que não foi preenchido, pois promessas e expectativas não foram
plenamente cumpridas. Somente a Nova Aliança, a Aliança em Jesus, fecha todas as
lacunas.

I. Aliança com Adão


Embora muitos estudiosos discordem, há ampla evidência bíblica para se a
afirmar que a primeira Aliança estabelecida por Deus foi com o próprio Adão. O fato
de o termo Aliança não aparecer no início do Gênesis não implica que não havia aliança,
pois no caso de Davi, em lugar algum aparece o termo aliança, mas ninguém nega que
Deus estabeleceu uma aliança com Davi.
Há duas passagens bíblicas que ensinam que havia uma aliança estabelecida nos
tempos de Adão. A primeira é Jeremias 33.20-21,25- 26 “Assim diz o senhor: Se
puderdes invalidar a minha aliança com o dia e a minha aliança com a noite, de tal
modo que não haja nem dia nem noite a seu tempo, poder-se-á também invalidar a
minha aliança com Davi, meu servo”. A referência à Aliança divina com o dia e com a
noite é entendida como uma referência à criação, quando Deus estabeleceu os dias e as
noites. Essa é uma referência concreta a uma Aliança feita nos tempos de Adão.
Em Oséias 6.7 há uma referência direta à Aliança com Adão: “Mas eles
2
O. Palmer Robertson, Cristo dos Pactos, p. 17.
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim”. O


primeiro homem, quebrou a Aliança com Deus. Se ele quebrou a Aliança é porque
havia uma Aliança.
A evidência conclusiva está no fato de que todos os elementos constitutivos de
uma aliança se encontram antes da aliança com Noé. Assim, a extensão da Aliança
Divina alcança do princípio do mundo ao fim.
Podemos ver a Aliança com Adão antes e depois da Queda. É a mesma Aliança,
mas a situação é diferente. Uma definição possível é que, antes da Queda a Aliança era
das Obras e após a Queda passa a ser da Graça. O que não podemos pensar, no entanto,
é que Deus tenha mudado seu propósito. A Aliança continua visando o bem do homem,
porém, antes da queda o homem era sem pecado, e, portanto, havia base para um
compromisso de obras, porém, após a queda, a graça tem o papel primordial.
Antes da Queda vemos os aspectos da Aliança na instituição do Sábado (aspecto
espiritual), do casamento (aspecto social), e do trabalho (aspecto cultural). O
mandamento explícito de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal também faz parte do aspecto espiritual. O Sábado desempenha papel preponderante
afetando a própria estrutura da história. Ele consuma tanto a obra da criação, quanto a
obra da redenção. O casamento é vital, porque através dele Deus providenciou a “ajuda”
necessária para o homem, possibilitando ainda a propagação da raça através de um meio
natural. E o trabalho não é apenas um aspecto legal da velha aliança, ele pertence
integralmente ao homem que foi feito à imagem de Deus, que é um Deus que trabalha.
Através do trabalho, juntamente com o Sábado e o casa- mento, o homem encontra
significado para sua vida. Deus estabeleceu esse tríplice relacionamento para tornar a
vida do homem agradável, significativa e prazerosa.
Da ordem de se abster do fruto segue-se a necessidade de obediência estrita à
Palavra de Deus. O aspecto do sangue como elemento vital na aliança prova-se através
disso, pois o pacto de vida e morte foi assumido, e uma vez que o homem pecou,
somente o sangue substituto poderá livrá-lo da maldição da aliança. Aqui, muitos
entendem a morte do primeiro animal para fazer as vestes de Adão e Eva como
elemento constitucional da Aliança (Gn 3.21).
Após a Queda, a Aliança se baseia principalmente nas declarações de Deus a
Satanás, à mulher e ao homem. Satanás recebe maldição pura, pois a serpente, como
tipo de Satanás, terá que rastejar, comendo o pó da derrota todos os dias. Deus ainda
garante a destruição de Satanás com a vinda de um descendente que esmagará a cabeça
dele, além de uma guerra sem tréguas entre as duas sementes (a santa e a maligna).
Porém a mulher e o homem recebem uma maldição mitigada (reduzida), na qual Deus
mescla juízo e graça. Juízo porque, de fato, a vida do homem e da mulher seria difícil,
e a morte por fim os consumiria, porém a graça pode ser vista no simples fato de que
continuariam vivendo, se multiplicando e dominando a terra, tirando dela o seu
sustento, até que viesse o descendente.

II. Aliança com Noé


O dilúvio foi a consumação da maldição da Aliança divina sobre o mundo. Uma
vez que “a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente
mau todo desígnio do seu coração” (Gn 6.5), a maldição da Aliança foi impetrada sobre
o ser humano. Porém, a mesma Aliança possibilitou que o dilúvio não fosse realmente
o fim.
A principal característica da Aliança com Noé é seu conceito de preservação.
Deus decidiu separar um homem, e através dele, recomeçou sua história. E quando se
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

apresentou a esse homem após o dilúvio, se comprometeu a não mais destruir a terra,
proveio sustento para o homem, e, além disso, providenciou, através da pena de morte,
freios para a criminalidade, que também aponta a responsabilidade de sangue em
cumprimento da Aliança. O Selo dessa Aliança é o arco-íris que enfatiza o caráter
gracioso da aliança.
Após o tempo de Adão, o ser humano continuou vivendo na terra e desfrutando
da ordem estabelecida por Deus. A princípio, tanto a descendência de Caim quanto a
descendência de Sete desenvolveram o mandato cultural. O ferro foi cultivado e
também a música (Gn 4.21-22). Porém, o mandato social começou a se degenerar.
Lameque casou-se com duas mulheres, contrariando o mandamento de ter apenas uma
(Gn 4.19). E o mandado espiritual foi vituperado, porque Lameque, não só matou um
homem, como escarneceu de Deus, dizendo que não seria punido (Gn 4.23-24).
Por outro lado, havia algumas pessoas que buscavam ao Senhor. A descendência
de Sete começou a invocar o nome do Senhor (Gn 4.26). E logo apareceu Enoque que
andou com Deus (Gn 5.22). Porém, a situação do gênero humano era caótica. Deus
permitiu que Satanás levasse seu intento até às últimas consequências. O reino parasita
do maligno se infiltrou profundamente no Reino de Deus, demonstrando sua imensa
capacidade de destruição. Tal foi a degeneração, que Deus entendeu que não valia a
pena pensar em restauração. O melhor caminho era o aniquilamento. Deus evocou a
maldição da Aliança. O sangue seria requerido por causa da transgressão. Mas, um
homem se manteve dentro do padrão de Deus. Entre todos, Deus achou apenas Noé. O
texto bíblico diz: “Disse o senhor: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei,
o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver
feito. Porém Noé achou graça diante do senhor. Eis a história de Noé. Noé era homem
justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus” (Gn 6.7-9). Noé
é uma figura absolutamente destoante em relação aos demais homens. Com ele, Deus
pôde renovar a Aliança e continuar o plano de trazer o descendente prometido ao mundo
(Gn 3.15).
As palavras de Deus a Noé foram: “Contigo, porém, estabelecerei a minha
aliança; entrarás na arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mulheres de teus filhos”
(Gn 6.18). Para o verbo “estabelecerei” (é um hiphil perfeito no Hebraico), a tradução
normalmente significa “continuar a ser estabelecido”. Se essa tradução for correta,
então, Deus estava dizendo a Noé que continuaria sua Aliança, sendo, portanto, uma
clara referência a Aliança com Adão.
De Noé, podemos dizer, que todos os mandados eram cumpridos. Não porque
Noé fosse bom em si mesmo. O texto é claro em afirmar que ele recebeu graça de Deus
(Gn 6.8). Através dessa graça ele pôde “andar com Deus” cumprindo o mandado
espiritual. Pôde organizar uma família estável com mulher, filhas e genros, num período
em que o caos familiar reinava, e assim, cumpriu o mandado social. E por fim, pôde
construir a própria Arca, através de seu trabalho e inteligência, capacitado por Deus,
desenvolveu o mandado cultural. Em tudo, percebemos que Noé foi um Agente do
Pacto. Ele tinha testemunho (2Pe 2.5).
Após o Dilúvio, Deus assumiu o compromisso de não mais destruir o homem
na terra. As palavras de Deus foram: “Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do
homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei
a ferir todo vivente, como fiz. Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira
e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite” (Gn 8.21-22). Nessa declaração está
explícita a ideia de preservação pactual. Deus continuaria preservando aquele pacto que
havia feito lá no início do mundo, assim continuaria a sementeira, a ceifa, o frio, o calor,
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

a noite e o dia.
No capítulo 9 de Gênesis, Deus retoma os mandados para a família de Noé.
Como havia feito com Adão e Eva, Deus abençoou Noé e seus filhos, restabelecendo o
mandado social através da fecundidade (9.1). O mandato cultural teve dois aspectos.
Eles encheriam a terra (9.1), e dominariam sobre as demais criaturas (9.2-3). Há um
elemento novo que é o medo dos animais em relação ao homem. E também o fato de
que, a partir de agora, eles poderiam usar dos animais para se alimentarem. Porém, as
restrições estão ligadas ao ato de tirar a vida. Dos animais não se comeria o sangue. E
dos seres humanos não se derramaria o sangue. Aquele que derramar, morrerá (9.4-6).
E a vida continuou.

III. Aliança com Abraão


Em Abraão não é formada uma nova Aliança. É a mesma Aliança que é
renovada. O simples fato de Deus chamar Abraão já indica que está agindo de acordo
com planos anteriormente estabelecidos, Ele está trabalhando a partir de uma obra já
iniciada. No linguajar bíblico, ele está se “lembrando de suas promessas”.
Dos filhos de Noé, logo ficou claro quem continuaria a semente divina, e quem
continuaria a semente maligna. Sem foi abençoado. Canaã amaldiçoado. E Jafté
abençoado em Sem (Gn 9.20-27). A partir dos filhos de Noé surgem as nações que
foram separadas após Ninrode ter construído a Torre de Babel. A degeneração do
homem mais uma vez se manifesta e tem seu ápice na construção da torre que ansiava
por estabelecer a notoriedade humana (Gn 11.3-4). O mandado cultural está sendo
usado indevidamente. E se esse está assim, é porque o social e o espiritual já foram
arruinados há muito tempo. Mas, dessa vez, Deus não deixa o ímpeto humano-maligno
chegar às últimas consequências. Sua decisão de interferir na construção é uma
demonstração de sua graça comum, que não deixará o pecado humano alcançar o grau
máximo. Também o pacto é retomado, agora na pessoa de Abraão, que surge a partir
da cidade de Ur, importante cidade dos caldeus e do Império de Ninrode.
O que se destaca nessa Aliança é a promessa divina. Contrariado com as várias
nações subjugadas pelo mal que surgiram a partir de Babel, Deus decide fazer uma
nação para Ele. Uma grande e abençoada nação que abençoaria todas as demais nações
(Gn 12.2-3). Deus promete isso a Abraão. Ele seria o pai dessa imensa e abençoada
nação. O nome que os reis de Babel quiseram para si, Deus daria para seu servo Abraão.
O aspecto soberano pode ser visto pela chamada a Abraão, quando Deus
simplesmente exigiu obediência do seu servo. Deus não está fazendo uma Aliança com
Abraão, ele está simplesmente retomando de forma unilateral a Aliança com Adão que
foi renovada com Noé. Abraão é o próximo degrau nessa escada divina. Porém,
devemos considerar juntamente com Abraão seu filho Isaque e seu neto Jacó. De certa
forma, eles participam de tudo o que Abraão participou, chegando a passar por
situações semelhantes. Do mesmo modo que Deus escolheu e chamou Abraão, também
escolheu e chamou Isaque e Jacó.
O penhor de morte percebe-se na “cerimônia dos pedaços” em que o próprio
Deus passa por entre os pedaços de animais em Gn 15.17, num juramento de auto
maldição, garantindo assim que a Aliança será cumprida. Em Gênesis 15.7-21 Deus se
apresenta a Abraão e estabelece o pacto com ele. O Senhor diz a Abraão: “Eu sou o
Senhor que te tirei de Ur dos Caldeus, para dar-te por herança esta terra” (v.7). No texto
aparecem os proponentes da Aliança: Deus o suserano e Abraão o vassalo. Também
pode ser visto o preâmbulo histórico quando Deus assume a autoria de ter tirado Abraão
de Ur dos Caldeus, além das exigências divinas com relação à Abraão (Gn 17.1-14). E
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

ainda está claro o propósito de Deus em abençoar Abraão, dando a terra por herança.
Mas, aparentemente, falta o aspecto de punição em caso de quebra da Aliança. Porém,
Deus manda Abraão realizar uma cerimônia comum daqueles tempos através da qual
irá revelar muito de seu caráter, propósitos e fidelidade. Abraão precisou cortar alguns
animais ao meio, e colocar as metades umas defronte das outras, deixando um espaço
ao meio onde se poderia passar. Precisamos nos lembrar que nos tempos bíblicos as
alianças eram ratificadas com sangue. Era costume que ambos os proponentes que
estavam entrando em aliança passassem por entre as partes cortadas dos animais3. Com
esse ato, cada parte estava assumindo a responsabilidade integral pela quebra da
Aliança. O sangue do animal simbolizava o sangue do proponente que quebrasse a
Aliança. Mas, no caso de Abraão, o texto mostra uma sensível diferença: “e sucedeu
que, posto o Sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante, e uma tocha de
fogo que passou entre aqueles pedaços” (Gn 15.17). Note que Abraão não passou ao
lado do Senhor na cerimônia de instituição da Aliança, o Senhor passou sozinho. Isso
certamente demonstra que Deus assumiu, ele mesmo, a responsabilidade pelo
cumprimento ou não cumprimento da Aliança. É nesse sentido que devemos entender
a vinda de Jesus a esse mundo. Ele veio cumprir aquilo que a Justiça divina exigia, uma
vez que Deus mesmo havia assumido a responsabilidade de morte em caso de quebra
da Aliança.
Um outro aspecto interessante dessa Aliança é o Selo, a Circuncisão que é
estabelecida como uma garantia de que Deus cumpriria suas promessas (Gn 17). A
circuncisão pretende ser um símbolo visível nos moldes do Arco-íris, para que toda vez
que o homem visse o sinal, lembrasse da fidelidade de Deus. Originalmente
simbolizava a inclusão na comunidade da Aliança pela iniciativa da graça de Deus,
além de indicar e simbolizar o processo de purificação necessária a todos, num ato de
juízo por causa do “extirpar” a pele do prepúcio, o qual também tinha implicações
raciais, pois se relacionava diretamente com a propagação da raça. Mas, o símbolo não
pretendia ser algo apenas externo e superficial, antes queria demonstrar a profunda
transformação que deve ocorrer na vida de uma pessoa, a fim de que possa se aproximar
de Deus.

IV. Aliança com Moisés


Após os patriarcas terem peregrinado na terra da promessa, Deus dirigiu, através
de José, o povo para o Egito. No Egito, permaneceriam 400 anos, até que a medida da
iniquidade dos amorreus (Gn 15.13-16) se completasse, e então, o povo estaria apto
para possuir a terra. No Egito, o povo se multiplicou, porém, acabou se tornando
escravo dos egípcios, de quem sofria grande opressão. É nesse momento que Deus se
“lembra” da sua Aliança (Ex 2.23-25).
A Aliança com Moisés é uma continuação das alianças anteriores. Na verdade,
Deus se lembrou de sua Aliança com Abraão, e por isso decidiu visitar e libertar o povo.
A novidade da Aliança com Moisés se encontra na sumarização da vontade de Deus,
ou seja, principalmente nos dez mandamentos. Mas, a Lei não deve suplantar a Aliança,
pois a Aliança é superior à Lei. A entrega da Lei não veio prover uma nova forma de
salvação, a salvação continuou sendo pela promessa da mesma forma que fora antes,
mas a Lei veio demonstrar com detalhes qual era a vontade de Deus. É o sistema

3 Cf. R. C. Sproul, Verdades Essenciais da Fé Cristã, Caderno I, p. 64-65.


Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

sacrificial instituído juntamente com a Lei que nos demonstra que a salvação continua
sendo pela graça. Embora Deus tenha estabelecido a Lei e exigido seu cumprimento,
cabendo pena de morte ao transgressor, não obstante, estabeleceu um sistema sacrificial
que retirava a culpa do transgressor. O crente do Antigo Testamento não foi salvo
porque guardava a Lei, mas porque confiava nesse sistema sacrificial, que em última
instância apontava para Cristo (Rm 3.19-21; Gl 2.16-21; 3.11).
Uma Aliança é composta de partes ou elementos. Basicamente esses elementos
são: Declaração de suserania, preâmbulo histórico, exigências, testemunhas, bênção e
maldição. Êxodo 20 nos ajuda a entender como funciona a Aliança. O texto diz: “Eu
sou o Senhor teu Deus” (v. 2). Estão explícitos aí os participantes da Aliança. Deus é o
suserano, o povo de Israel é o vassalo. Em seguida vem um preâmbulo histórico: “que
te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (v. 2). Este é o feito divino pelo qual ele
exige o compromisso do povo. Em seguida vem o requerimento do Senhor em relação
aos israelitas: “não terás outros deuses diante de mim...” (v. 3). Ao todo são citados dez
mandamentos como exigências do Senhor dentro da Aliança. As testemunhas nesse
caso são o próprio povo, que viu a manifestação de Deus naqueles dias (v. 18). Noutra
ocasião, ratificando essa mesma Aliança, Deus disse: “hoje, tomo por testemunhas
contra vós outros o céu e a terra, que, com efeito, perecereis, imediatamente, da terra a
qual, passado o Jordão, ides possuir; não prolongareis os vossos dias nela; antes, sereis
de todo destruídos” (Dt 4.26). Também, na Aliança são estabelecidas as punições e as
recompensas para o descumprimento e cumprimento respectivamente: “eu sou o
Senhor teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira
e quarta geração daqueles que me aborrecem, e faço misericórdia até mil gerações
daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos” (v. 5-6). Esse padrão bíblico
pode ser visto em todas as formulações da Aliança como em Moisés, Abraão, Adão e
Jesus.

V. Aliança com Davi


Deus havia cumprido sua promessa a Abraão. O povo tinha se tornado
numeroso, uma nação havia se formado a partir da Aliança com Moisés. E finalmente
a terra prometida havia sido conquistada e dividida entre as tribos. Porém, o tempo dos
juízes demonstrou que o povo não deu uma resposta digna ao tratamento que havia
recebido de Deus. Várias exigências divinas não foram cumpridas. O Sacerdócio se
corrompeu, como se percebe de Eli e seus filhos. A terra não foi completamente
tomada. Cada um fazia o que achava melhor (Jz 21.25). É evidente que aquele foi um
período de transição. Estava nos planos de Deus estabelecer um Reino, conforme ele
mesmo havia prometido a Moisés (Dt 17.14-20), de maneira a demonstrar de forma
mais efetiva seus planos para o mundo. Porém, os israelitas tiveram uma atitude muito
errada ao pedir um rei. Deus os havia ajudado durante todos os dias de Samuel. O que
parecia impossível eles conseguiram derrotando os filisteus. Reconhecendo isso, uma
pedra foi levantada por Samuel entre Mispa e Sem que foi chamada de Ebenézer que
significa “até aqui nos ajudou o Senhor” (1Sm 7.12). Mas, a próxima atitude dos
israelitas foi pedir um rei. Suas palavras dirigidas a Samuel foram: “Vê, já estás velho,
e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora, um rei sobre
nós, para que nos governe, como o têm todas as nações” (1Sm 8.5). Claramente o povo
e Deus tinham perspectivas diferentes em relação a um rei. O povo queria um rei como
as outras nações, Deus queria um rei segundo seu coração (1Sm 13.14). Mas, antes de
lhes dar um rei segundo seu coração, Deus lhes daria um rei como as outras nações
tinham. Esse rei foi Saul. Saul foi por um lado, vítima da pecaminosidade humana, e
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

por outro, exemplo divino que servisse de contraste com Davi. Deus não renovou a
Aliança com Saul, mas sim com Davi.
Na Aliança com Davi, os propósitos redentivos de Deus atingem o ápice em
termos de Antigo Testamento. Mas, há uma íntima relação entre a Aliança Davídica e
as que foram feitas com Abraão e Moisés. Há uma continuidade, tanto em termos de
graça, quanto em termos de condicionalidade. A Aliança é incondicional, porque Deus
levará a cabo seus planos independentemente das circunstâncias, mas é condicional
porque cada integrante da Aliança tem responsabilidades, e Deus pedirá contas de cada
um.
Deus fez uma declaração fantástica a Davi: “Dar-te-ei, porém, descanso de
todos os teus inimigos; também o Senhor te faz saber que ele, o Senhor, te fará casa”
(2Sm 7.11). Davi pensou que seria o responsável pela construção da casa de Deus, no
entanto, o Senhor lhe disse que ele próprio construiria a casa de Davi. Se Davi estava
preocupado com a casa do Senhor, muito mais o Senhor estava preocupado com a casa
de Davi. A Casa de Davi se refere à Dinastia de Davi. Essas foram as palavras de Deus
para Davi: “a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de ti; teu trono
será estabelecido para sempre” (2Sm 7.16). De fato, a dinastia de Davi foi a mais longa
que se assentou sobre o Trono de Israel. Ao todo foram pelo menos 11 gerações da
descendência davídica que se assentaram no Trono de Israel e Judá. Porém, algo parece
não se encaixar: Deus disse que a descendência de Davi se assentaria no trono para
sempre, porém, é evidente que isso não se cumpriu literalmente nos reis que
descenderam de Davi.
A resposta para esse questionamento pode ser vista a partir do entendimento de
quem seria o descendente de Davi, aquele, que construiria a Casa de Deus e se
assentaria no seu trono. Deus disse a Davi: “Quando teus dias se cumprirem e
descansares com teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que
procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e eu
estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele me será por
filho” (2Sm 7.12-14). O cumprimento imediato dessa profecia aconteceu na pessoa de
Salomão, o filho de Davi que herdou o trono de Israel. É um fato histórico que Salomão
construiu o templo de Israel, e assim cumpriu a profecia de que o filho de Davi
construiria a casa ao Senhor.
Algo que deve ser perguntado é: será que esse é o único cumprimento dessa
profecia? De acordo com o Novo Testamento não. Pelo menos treze vezes o Novo
Testamento chama Jesus de “o Filho de Davi”. Quando olhamos para a genealogia de
Jesus podemos perceber claramente que ele é de fato um descendente humano de Davi
(Mt 1.1-16), portanto, para o Novo Testamento Jesus é o descendente de Davi por
excelência. Humanamente falando a descendência de Davi se assentou no trono por um
longo tempo, mas houve um momento que isso acabou. Não existe mais um trono de
Israel e nem um descendente direto de Davi que se assente nesse trono. Jesus cumpre
essa profecia, porque na pessoa dele Deus estabeleceu um trono eterno, e na pessoa
dele a casa de Davi é eterna. O Novo Testamento dá testemunho disso pela profecia de
que Jesus foi alvo quando ainda menino: “Este será grande e será chamado Filho do
Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai” (Lc 1.32). Sobre o alto da
cruz, um testemunho eterno foi colocado, pois estava escrito: “Jesus Nazareno o Rei
dos Judeus” (Jo 19.19).

VI. A Nova Aliança


Como vimos, todas as ministrações prévias da Aliança deixaram algum vácuo,
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

algo que não foi preenchido. É somente a Nova Aliança, a Aliança em Jesus que
consuma todas as expectativas das alianças anteriores.
Após o Reino de Davi e Salomão, quando o propósito pactual de Deus atingiu
o ápice, tendo o Israel se tornado uma monarquia teocrática de influência mundial,
atraindo pessoas de várias nações para ver o que Deus estava realizando em Israel,
seguiu-se o declínio. Davi havia cometido muitos erros, mas sempre teve a qualidade
de se arrepender. Seu filho Salomão, porém, apesar de toda sabedoria recebida, não se
manteve fiel até o fim. Roboão, filho de Salomão causou a divisão do reino. E a partir
daí o declínio foi constante. O reino do Norte atravessou séculos de apostasia, com
raros momentos de reavivamento até que foi subjugado e deportado pela Assíria em
722 a.C. O Reino do Sul aguentou mais tempo, com mais momentos de pureza e
reavivamento, mas por fim capitulou em 586 sob o poder da Babilônia. O povo voltava
para onde tinha saído em Abraão, mil e quinhentos anos antes.
Após os setenta anos de cativeiro, Deus os trouxe novamente para a Terra
Prometida e os ajudou a reconstruir o templo e a nação através de Esdras, Neemias, nos
tempos de Ageu e Zacarias. Por fim, fez algumas promessas finais nos tempos de
Malaquias, por volta de 400 a.C. Uma das últimas promessas foi sobre a vinda do
Senhor ao templo (Ml 3.1). Após isso, foram 400 anos de silêncio da parte de Deus. O
povo passou sucessivamente do domínio Persa, para o domínio Grego, (depois para o
domínio sírio, degeneração do império grego) e por fim para o domínio Romano. Nos
dias do nascimento de Jesus, a religião fervilhava em Israel. O enorme templo
reconstruído por Herodes, a classe sacerdotal no auge da influência, a dedicação do
povo em seguir os regulamentos da Lei de Moisés pareciam desmentir um tempo de
legalismo, frieza e indiferença espiritual. Um tempo de hipocrisia, como o próprio Jesus
descreveu. Apenas aparência. Nesse tempo Jesus nasce, porém, é reconhecido somente
pelos humildes e alguns reis do oriente (sempre o oriente). A religião oficial não está
disposta a recebê-lo.
O fato de que Israel falhou como nação, e perdeu os privilégios da Aliança sendo
arrancado da terra prometida indicava a necessidade de uma ministração da Aliança
que tivesse maior e eficácia e duração. Porque embora Israel tivesse falhado em sua
responsabilidade sob a Aliança, Deus não falhou em seu propósito de separar um povo
para si. A última Aliança une os vários conceitos da promessa através da história. Ela,
portanto, suplanta e traz pleno cumprimento a todos os propósitos divinos revelados ao
longo das várias ministrações anteriores.
Jesus é o âmago de todo esse cumprimento. Em sua pessoa o essencial princípio
da Aliança recebe corpo: “eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo”. Agora não
é somente o princípio Emanuel que está presente, mas o próprio Emanuel.
As principais características da Aliança em Jesus podem ser vistas no retorno
de Israel do cativeiro à terra da promessa, no cumprimento divino dos compromissos
prévios da Aliança, na renovação interna pela obra do Espírito Santo de Deus, no pleno
perdão de pecados e no caráter perpétuo da Nova Aliança. Embora a Bíblia diga que
todas as ministrações anteriores da Aliança também eram perpétuas, podemos entender
que eram perpétuas somente na medida em que se cumpriram na realização da Nova
Aliança.
Há apenas uma Aliança que engloba todos os tempos, desde a fundação do
mundo até a consumação dos séculos. Uma profunda unidade estrutural entre as
Alianças pode ser vista. Deus nunca iniciou uma Aliança totalmente do zero, por
exemplo, com Abraão, Moisés ou Davi. Há apenas uma Aliança, mas ela progride em
cada ministração, quando são acrescentados novos detalhes. É uma continuidade cheia
Disciplina: Introdução à Bíblia
Professor: Dr. Leandro Lima
AULA 06

de novidades. Por exemplo, a inscrição da Lei no coração. A inscrição é nova, mas a


Lei não é. O perdão dos pecados também demonstra novidade. O perdão agora é
definitivo, enquanto antes precisava ser renovado pelos sacrifícios. Assim como a
redenção que agora é completa, enquanto antes era parcial (no sentido de que os animais
somente apontavam para Cristo).
A última Aliança une os vários conceitos da promessa através da história. Ela,
portanto, suplanta e traz pleno cumprimento a todos os propósitos divinos revelados ao
longo das várias ministrações anteriores. Portanto, apesar de haver uma progressividade
evidente entre os testamentos, há uma profunda união entre o Antigo e o Novo
Testamento, pois “tanto o Antigo como o Novo Testamento nos revelam um e o mesmo
pacto da graça, o mesmo Evangelho do pacto, o mesmo Mediador do pacto, a mesma
promessa básica do pacto e as mesmas obrigações do pacto para os membros do
pacto”4.

Recurso adicional

Recomendo assistir a mensagem “A Bendita Aliança de Deus com o seu povo”


Disponível aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Ns8jKbubzFM

4
William Hendriksen. El Pacto de Gracia. Grand Rapids: Libros Desafio, 1985, p.
24-25.

Você também pode gostar