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Transtorno Esquizoafetivo

Introdução e validade nosológica


Desde que foi designado com esse nome, em 1933 por Kasanin, o transtorno esquizoafetivo
sempre foi alvo de discussão acerca de sua definição e seus limites.
Estudos sobre epidemiologia, validade nosológica, neuroimagem estrutural e funcional,
genética e cognição revelam que o transtorno esquizoafetivo guarda diferenças e similitudes
tanto com a esquizofrenia quanto com o transtorno bipolar e reforçam a hipótese de que
esses quadros corresponderiam a um espectro de transtornos psicóticos.
A sobreposição de padrões genéticos, neuroanatômicos e neurocognitivos sugere que o
transtorno esquizoafetivo é uma patologia cerebral generalizada.
As alterações cerebrais do transtorno esquizoafetivo foram detectadas principalmente em
áreas comumente relatadas como anormais na esquizofrenia e, em certa medida, no
transtorno bipolar, o que pode explicar a sobreposição clínica e etiológica desses distúrbios.
Ainda não é possível afirmar que o transtorno esquizoafetivo constitui uma entidade
totalmente diferenciada destas outras condições. Contudo, na hipótese de haver um espectro
entre elas, o transtorno esquizoafetivo estaria localizado mais perto da esquizofrenia do que
do transtorno bipolar, ao menos no que diz respeito a parâmetros biológicos.

Diagnóstico

Quanto ao diagnóstico, há 2 sistemas diferentes que a descrevem de formas diversas: o DSM5


descreve o transtorno esquizoafetivo como uma doença longitudinal num indivíduo que tenha
sintomas psicóticos semelhantes aos da EQZ associados a sintomas de humor com duração
significativa em relação aos primeiros. Já na CID10 e na CID11,
valorizasse mais a presença de um episódio de humor atual num indivíduo com sintomas de
EQZ concomitantemente.

DSM 5 –

O Critério C para transtorno esquizoafetivo especifica que os sintomas de humor que


satisfazem
os critérios para episódio depressivo maior ou maníaco devem estar presentes durante a
maior parte da duração total das fases ativa e residual da doença. O Critério C exige a avaliação
dos sintomas de humor durante todo o curso de uma doença psicótica. Se os sintomas de
humor estão presentes durante apenas um período relativamente curto, o diagnóstico é
esquizofrenia, e não transtorno esquizoafetivo. Ao decidir se a apresentação do indivíduo
satisfaz o Critério C, o clínico deve revisar a duração total da doença psicótica (i.e., sintomas
ativos e residuais) e determinar quando sintomas de humor significativos (não tratados ou
precisando de tratamento com antidepressivo e/ou medicamento estabilizador do humor)
acompanharam os sintomas psicóticos.
CID 11 - O diagnóstico do transtorno esquizoafetivo inclui a presença simultânea de sintomas
da EQZ e de um episódio de humor. O diagnóstico se refere ao episódio atual da doença e não
remete a um quadro longitudinal estável, diferentemente do conceito apresentado no DSM5.

A maioria dos estudos mostra que o transtorno esquizoafetivo tem mais semelhanças com a
EQZ do que com os transtornos do humor, porém foram feitos com amostras reduzidas e
critérios diagnósticos diferentes. Poucos estudos examinaram as diferenças qualitativas em
amostras representativas como o SHIP de 2015, Australian Survey of High Impact Psychosis. O
estudo baseou-se em dados demográficos e variáveis clínicas de um grande banco de dados
nacional, com 1.469 pessoas com diagnóstico, segundo critérios da CID10, de EQZ (857), TB
com sintomas psicóticos (319) e transtorno esquizoafetivo (293).Nesse estudo, pacientes com
transtorno esquizoafetivo apresentaram mais sintomas depressivos, positivos e menos
sintomas negativos do que indivíduos com EQZ. O funcionamento psicossocial mostrou-se
semelhante em ambas as condições. Os autores concluem que os dois quadros apresentam
mais diferenças do que similitudes e reforçam a hipótese de que eles se distribuiriam num
espectro de transtornos psicóticos, com os pacientes com TB em um extremo, EQZ no outro e
o transtorno esquizoafetivo entre ambos.

Epidemiologia e Prognóstico
A prevalência do transtorno esquizoafetivo tem sido estimada em 0,3% na população geral, ou
seja, menos comum do que a EQZ (0.5 - 0.8%) e TAB (0.4 a 0.6%) e TDM (10-15%). Sua
prevalência é mais alta no sexo feminino, principalmente devido a um aumento na incidência
do tipo depressivo. O risco de suicídio ao longo da vida para esquizofrenia e transtorno
esquizoafetivo é de 5%, e a presença de sintomas depressivos tem correlação com risco mais
alto de suicídio. A idade habitual de início do transtorno esquizoafetivo é o começo da fase
adulta, embora possa ocorrer a qualquer momento da adolescência até mais adiante na vida.
As taxas de recuperação no transtorno esquizoafetivo são bastante variáveis (29 a 83%) e
cerca de 20 a 30% dos pacientes apresentam curso deteriorante e persistência de sintomas
psicóticos. O transtorno esquizoafetivo costuma apresentar prognóstico intermediário entre a
EQZ e o TB.
O funcionamento profissional costuma estar prejudicado, mas não se trata de um critério
definidor (diferentemente do que ocorre na esquizofrenia). Contato social restrito e
dificuldades com o autocuidado estão associados ao transtorno esquizoafetivo, mas os
sintomas negativos podem ser menos graves e menos persistentes do que os encontrados na
esquizofrenia. Anosognosia (i.e., insight prejudicado) também é comum no transtorno
esquizoafetivo, mas os déficits no insight podem ser menos graves e generalizados do que os
da esquizofrenia

Genética
A descoberta de marcadores genéticos, neuroanatômicos e neurocognitivos proporcionaram a
validação do transtorno esquizoafetivo como uma entidade biologicamente distinta da EQZ e
do TB. Outra consequência da identificação de biomarcadores é a possibilidade de
mapeamento de fatores de risco. Até onde se sabe, fatores de risco, personalidade pré-
mórbida, características clínicas e comprometimento funcional parecem estar presentes em
um espectro de intensidade que varia das psicoses não afetivas aos transtornos de humor com
sintomas psicóticos. O próximo passo, portanto, será identificar se o transtorno esquizoafetivo
é uma doença categoricamente diferente ou se repousa na mediana de um espectro entre a
EQZ e o TB.
Familiares de pacientes com transtorno esquizoafetivo apresentam risco aumentado de
apresentarem TB ou EQZ, demonstrando uma predisposição genética amplamente
compartilhada. A herdabilidade é de 85%, sendo 87% no subtipo maníaco e 80% no subtipo
depressivo. Pacientes com transtorno esquizoafetivo subtipo maníaco tem maior risco para
EQZ e TAB e os com subtipo depressivo tem maior risco para ESQ, TAB e depressão unipolar.
A soma desses achados pode sugerir que o tipo depressivo do transtorno esquizoafetivo seja
uma versão menos grave de EQZ e que o subtipo bipolar do transtorno esquizoafetivo
represente uma dimensão mais grave do TB.
Estudos epidemiológicos e de genética molecular sugerem que a coexistência de sintomas
psicóticos e afetivos seja causada pelo compartilhamento de genes que conferem
suscetibilidade para ambas as doenças. Estudos de linkage sugerem a existência de pelo
menos 4 regiões cromossômicas que podem conter genes de suscetibilidade compartilhados
entre EQZ e TB.
A partir dos estudos com famílias, gêmeos, filhos adotivos e GWAS, como os já citados, é
possível afirmar que há uma sobreposição genética na ordem de 60% entre transtorno
esquizoafetivo, EQZ e TAB. Essa sobreposição, contudo, não coloca o transtorno esquizoafetivo
exatamente em uma mediana entre estas outras condições, pelo contrário. A partir de estudos
poligênicos, pode-se afirmar que a sobreposição do transtorno esquizoafetivo com a EQZ é
maior do que aquela com TB.

Neuroimagem
Existem poucos estudos, com neles paciente com EQZ e transtorno esquizoafetivo
apresentaram redução no volume da substância cinzenta em diversas áreas cerebrais,
enquanto pacientes com TB não apresentaram. Os autores concluíram, assim, que o padrão de
acometimento estrutural de pacientes com transtorno esquizoafetivo os aproximava mais da
EQZ do que do TB. As áreas mais afetadas são: córtex pré-frontal superior, o córtex cingulado
anterior e posterior, as áreas pré-frontais orbitofrontal e dorsolateral, os córtices parietal,
temporal e occipital, a ínsula, o cerebelo, o hipocampo e os núcleos talâmicos

Tratamento
Os antipsicóticos, em monoterapia, são a classe de medicação mais bem estabelecida para
tratamento do transtorno esquizoafetivo. A paliperidona é a única medicação com aprovação
do FDA para tratamento do transtorno esquizoafetivo. O tratamento da fase aguda
normalmente requer o uso de antipsicóticos, que, em geral, são mantidos no tratamento de
longo prazo. Após os antipsicóticos, os estabilizadores de humor aprecem ser a classe com
melhor evidência para o tratamento combinado, seja nos subtipos bipolar ou depressivo do
transtorno esquizoafetivo. Os antidepressivos, dado o baixo nível de evidência disponível até o
momento, têm seu uso justificado apenas em pacientes que persistam com sintomas
depressivos mesmo após tentativas de troca do antipsicótico e potencialização do tratamento
com um estabilizador do humor. Quadros refratários podem se beneficiar do uso da clozapina
ou eletroconvulsoterapia (ECT).

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