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AULA 1

PSICOLOGIA ESPORTIVA APLICADA


À LESÃO E À REABILITAÇÃO

Profª Mayara Torres Ordonhes


CONVERSA INICIAL

Durante o processo de iniciação, formação, desenvolvimento e rendimento


de um atleta, ele poderá sofrer traumas específicos, que podem vir a desencadear
algumas lesões. Com base nisto, estudaremos sobre as lesões no alto rendimento
e na prática de exercício físico, identificando quais os fatores físicos, sociais
(culturais) e psicológicos que podem vir a contribuir para uma lesão, além de
discutir sobre qual a importância do bem-estar geral e psicológico no esporte de
alto rendimento e, por fim, vamos apresentar as relações existentes entre o corpo
e a mente de um atleta e qual a função do psicólogo esportivo nessa situação.
Vamos lá?

TEMA 1 – LESÕES NO ALTO RENDIMENTO E NA PRÁTICA DE EXERCÍCIO

Compreender os tipos de lesões mais comuns existentes no alto


rendimento e na prática de exercícios físicos é fundamental para que o psicólogo
possa conhecer essas lesões e, a partir disto, entender a gravidade dos quadros,
o tempo de recuperação e as particularidades de cada situação. A partir disto, o
psicológico pode de fato compreender a situação do atleta e ajudá-lo de forma
significativa.
Nos esportes de alto rendimento e na prática de exercício físico, as lesões
mais comuns são as lesões musculoesqueléticas, tais como as lesões
musculares, os entorses, as luxações, as contusões e as fraturas (Castiglia, 2014;
Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010). Tais lesões podem manifestar-se a depender
da especificidade das modalidades esportivas e das necessidades das atividades
desenvolvidas pelos atletas.

1.1 Lesões musculares

Podem ocorrer a partir de três variações sendo elas: lesões musculares


aguda, causada ou por um estiramento muscular ou após uma súbita contração
excêntrica ou concêntrica; por uma contusão ocorrida a partir de um trauma direto
no músculo; e, por fim, a partir de uma dor muscular induzida por algum exercício
extremo (Castiglia, 2014; Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010).
Considerando que as lesões musculares geralmente ocorrem após uma
elevada demanda de explosão e potência são recorrentes em atletas de

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modalidades que necessitam dessas características, tais como o futebol, o futsal,
o tênis, o atletismo, entre outros.

1.2 Entorses

“O entorse consiste em um movimento anormal de uma articulação além


da amplitude possível de ser realizada pelos ligamentos que pode sofrer lesões”
(Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010, p. 284), comuns em joelhos e tornozelos. O
grau de uma lesão advinda de um entorse pode ser mensurado a partir no número
de ligamentos rompidos, além da análise da situação clínica apresentada.

Créditos: Cliparea l Custom media/Shutterstock.

Os entorses podem ocorrer em diversas modalidades esportivas,


considerando a possibilidade de se realizar movimentações inadequadas,
manifestando-se com maior recorrência em modalidades coletivas de contato que
necessitam de mudanças repentinas e rápidas no posicionamento dos atletas.

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1.3 Luxações

Consistem no deslocamento da superfície que compõem uma articulação,


ocorre quando determinada força é direcionada em uma articulação, modificando
a posição normal dos ossos (Castiglia, 2014; Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010).

Créditos: Therads/Shutterstock.

As luxações são comuns em modalidades de combate, no levantamento de


peso, no tênis, no voleibol, entre outros.

1.4 Contusões

A contusão é uma lesão causada a partir de um trauma direto nos tecidos


que provoca dor e edema (Castiglia, 2014; Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010),
sendo uma das lesões mais comuns no esporte.

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Créditos: Try_my_best/Shutterstock.

Considerando que as contusões são causadas a partir do impacto direto,


são mais recorrentes em atletas de modalidades de impacto e dinâmicas, tais
como das modalidades coletivas e as modalidades de combate.

1.5 Fraturas

Consistem na perda da continuidade de um tecido ósseo, podendo ser


causada por trauma (fraturas agudas) ou desencadeada pelo excesso de
atividades e pelo estresse (Castiglia, 2014; Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010).
No esporte, as fraturas agudas são mais recorrentes, entretanto, as fraturas
também podem ocorrer por estresse, em decorrência de um desequilíbrio entre a
força da musculatura e o excesso de carga realizado no tecido ósseo,
acontecendo, por vezes, de forma silenciosa, tendo em vista que o atleta pode
identificar a dor como advinda de outro tipo de lesão e não de uma fratura.

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Créditos: Jaturawutthichai/Shutterstock.

1.6 O diagnóstico

Geralmente, o diagnóstico dessas lesões (lesões musculares, entorses,


luxações, contusões e fraturas) ocorre por meio da análise clínica, de radiografias,
ultrassonografias, tomografias ou por meio de uma ressonância magnética
(Cohen; Ferretti; Marcondes, 2010). Logo, é importante que um atleta seja
encaminhado ao profissional responsável logo nos primeiros sintomas de dores
que podem vir a indicar uma lesão.

TEMA 2 – FATORES FÍSICOS, SOCIAIS (CULTURAIS) E PSICOLÓGICOS QUE


INFLUENCIAM NA LESÃO

E o que poderia contribuir para a existência de uma lesão? Devemos ter


em mente que diversos são os fatores que podem contribuir para a existência de
uma lesão em um atleta, sendo eles os fatores físicos, sociais (culturais), ou ainda,
fatores psicológicos (Samulski; Azevedo, 2009).

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2.1 Fatores físicos

Podem ser um dos primeiros fatores a estarem em evidência quando se


trata da identificação dos intervenientes de uma lesão (Samulski; Azevedo, 2009),
considerando a característica física atrelada ao movimento de diversas
modalidades esportivas. Podemos citar como exemplos desses fatores o
desequilíbrio muscular, o excesso de treino, as diversas possíveis colisões e o
risco de quedas.

2.1 Fatores sociais/culturais

Embora os fatores físicos sejam os primeiros a serem atrelados às lesões,


os fatores sociais e culturais também podem contribuir para que elas ocorram.
Esses fatores estão atrelados ao ambiente social e cultural em que o atleta está
inserido, por exemplo, o predomínio da ideia de que o atleta precisa se sacrificar
para obter um resultado esportivo e que sentir dor é normal para o processo de
rendimento esportivo (Cruz; Dias, 1996).
O resultado desportivo pode ser um dos maiores objetivos dos atletas,
entretanto, é fundamental que o atleta saiba que, para alcançar esses objetivos,
ele precisa estar bem de forma global e respeitar os limites do próprio corpo é
fundamental para se alcançar resultados significativos.
O processo de treinamento de um atleta deve respeitar os limites
individuais dele e os limites estabelecidos devem ser aumentados de forma
gradual, de acordo com as respostas obtidas individualmente. Deste modo, é
importante que o atleta, juntamente com sua equipe técnica e multidisciplinar
estejam alinhados quanto a esse fator.

2.1 Fatores psicológicos

Além dos fatores físicos, sociais e culturais, os fatores psicológicos também


podem contribuir para o surgimento de uma lesão (Samulski; Azevedo, 2009).
Aspectos relacionados a ansiedade, estresse e baixa capacidade para enfrentar
os desafios relativos à sua modalidade também podem contribuir para o
desencadeamento de lesões (Weinberg; Gould, 2017; Samulski; Noce; Chagas,
2009; Cruz; Dias, 1996).
Deste modo, é fundamental que todo atleta possua acompanhamento
psicológico para que consiga alinhar todas as suas necessidades, sejam elas
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físicas, sociais e psicológicas, somente dessa forma, um atleta poderá obter um
bem-estar geral e conseguir se desenvolver de forma completa.

TEMA 3 – ALTO RENDIMENTO E BEM-ESTAR DO ATLETA

Tão importante quanto saber identificar quais os fatores que podem


contribuir para a existência de uma lesão é o fato de considerar que a inter-relação
entre esses fatores é fundamental para se alcançar o bem-estar geral, e a sua
ausência também pode contribuir para o surgimento de lesões esportivas (Cruz;
Dias, 1996). Deste modo, é importante que a equipe multidisciplinar e o psicólogo
saibam identificar alguns sinais que indicam que algo não vai bem com esse atleta,
como:

• Falta de interesse nas atividades


• Perda de apetite
• Irritabilidade
• Ansiedade
• Perda de interesse no contato social
• Entre outros

Além desses aspectos, existem alguns sinais que estão diretamente


relacionados à realidade esportiva, tais como a diminuição da dedicação nos
treinos, baixo rendimento, aumento no número de lesões, isolamento, baixa
motivação, entre outros.
Com base nisto, evidenciamos a influência desses aspectos na vida dos
atletas e a sua relação com o rendimento esportivo, pois, a partir do momento que
todos esses aspectos são considerados de forma global, o melhor nível de
desempenho de um atleta pode ser alcançado, logo, quando algo não vai muito
bem, consequências negativas também podem ser evidenciadas, entre elas,
podemos citar o surgimento de lesões.
Considerando essa importância do bem-estar geral, o autor Martin
Seligman é o precursor de uma teoria relacionada à psicologia positiva, chamada
de modelo Perma (Seligman, 2012). O modelo Perma está pautado na
identificação de cinco aspectos mensuráveis que podem interferir na felicidade e
no bem-estar de um indivíduo, sendo elas:

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• Positive Emotion (emoções positivas)
• Engagement (engajamento, envolvimento)
• Relationship (relacionamentos positivos)
• Meaning (atribuição de significado)
• Accomplishment (realizações)

O principal objetivo dessa teoria do bem-estar é a busca pela melhora


desses aspectos (Seligman, 2012). O primeiro aspecto está relacionado à
importância de se sentir emoções positivas, considerando que elas podem
contribuir para a construção do pensamento do indivíduo. O segundo aspecto está
relacionado ao engajamento, que se refere ao fato de o envolvimento e o
compromisso com os processos influenciarem de forma positiva o seu andamento.
O terceiro aspecto refere-se à importância de se construir relacionamentos
positivos durante a vida, considerando que uma boa rede de relações é
fundamental. O quarto aspecto refere-se ao impacto que o sentido e o significado
das ações proporcionam em seus resultados, sendo fundamental para a
resiliência e continuidade. Por fim, o quinto aspecto refere-se à importância de se
viver as realizações obtidas por meio dos objetivos e das metas pessoais,
contribuindo para a sensação positiva relacionada às ações.
De forma geral, podemos perceber que os indivíduos são seres complexos
e diversos são os aspectos que interferem para o bem-estar (Seligman, 2012). No
alto rendimento, é fundamental que um atleta cuide desses aspectos,
considerando que o bem-estar e a felicidade de uma pessoa podem aumentar as
chances de se obter resultados positivos, assim como também pode evitar o
surgimento de lesões durante a prática esportiva.

TEMA 4 – VÍNCULO COM O ATLETA

No tópico anterior, observamos a importância dos relacionamentos


positivos para o bem-estar (Seligman, 2012). Segundo Rashid e Seligman (2019,
p. 58), as “relações positivas não só nos protegem da psicopatologia; elas também
somam longevidade”. No caso dos atletas, os relacionamentos também exercem
papel fundamental para o desenvolvimento esportivo, deste modo, observamos a
importância de se construir boas relações entre atletas e integrantes da equipe
multidisciplinar.

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Além disto, é fundamental que seja estabelecida uma relação de confiança
entre o atleta e o psicólogo esportivo e que essa relação esteja presente em todas
as fases do processo de treinamento de um atleta (Rashid; Seligman, 2019), entre
elas, a fase relacionada ao processo de recuperação pós-lesão, para que o atleta
compreenda como lidar com as situações adversas existentes nesse momento.
O psicoterapeuta deve transmitir segurança e confiança, sendo sério,
competente, dedicado, honesto e sincero, além de ser alguém com quem os
pacientes (ou, neste caso, os atletas) possam contar em todos os momentos
(Souza; Teixeira, 2004). A confiança é fundamental para a existência de um
vínculo e, além disto, para a continuidade no acompanhamento. Deste modo, o
psicólogo esportivo deve buscar construir um vínculo com os atletas, para que
possibilite um acompanhamento com confiança e, a partir disto, possam ser
trabalhadas questões específicas relacionadas a esse atleta.

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TEMA 5 – AS RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE A MENTE E O CORPO DO ATLETA
E A FUNÇÃO DO PSICÓLOGO ESPORTIVO

Considerando a influência da articulação dos diversos aspectos


relacionados ao bem-estar de um atleta, o papel do psicólogo esportivo é
fundamental. Por vezes, diversas são as demandas que um atleta possui e,
geralmente, ele precisa treinar lidando com essas diversas demandas.

Crédito: Dirima/Shutterstock.

O treinamento de um atleta deve ser realizado de forma integral, desde o


treinamento físico, técnico, tático, específico e também o treinamento psicológico.
Com base nisto, podemos evidenciar a influência da relação existente entre a
mente e o corpo (performance) de um atleta.
A partir disto, o psicólogo esportivo entra em cena com o objetivo de
entender os efeitos dos processos psicológicos sobre o desempenho físico dos
atletas e, a partir disto, realizar diagnósticos, assessorias e propor medidas de
intervenção para as situações diversas.
Além disto, ressalta-se a importância de o psicólogo esportivo lidar com a
influência dos aspectos mentais no comportamento dos atletas, por meio da
Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Essa terapia explica que as mudanças

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cognitivas, ou seja, mudanças no pensamento e nas crenças, pode produzir um
reflexo emocional e comportamental nos indivíduos (Beck, 2013). Deste modo,
pode-se entender que a maneira como os indivíduos interpretam os
acontecimentos pode desencadear pensamentos e sentimentos negativos
(emoções), afetando também o seu comportamento.
Com base nisto, percebe-se a importância de intervir na forma de lidar com
as emoções (Trevelin; Alves, 2019). Questões relacionadas aos aspectos
psiconeurofisiológicos das emoções, da ansiedade, do estresse, da frustração e
outros fatores que podem surgir devem ser trabalhadas pelo psicólogo esportivo,
considerando a importância de o atleta saber lidar com essas questões durante o
treinamento e as competições (Trevelin; Alves, 2019). Além disto, tais aspectos
podem, inclusive, contribuir para o surgimento de lesões esportivas.
Por falar em lesões esportivas, reabilitação e o papel do psicólogo, ressalta-
se que, durante esses processos, o profissional possui atribuições específicas
relacionadas à identificação dos fatores desencadeantes das lesões, assim como
saber identificar as reações e implicações fisiológicas e psicológicas para que
possa contribuir de maneira significativa para o processo de recuperação e
reabilitação (Stefanello, 2007; Andrews; Harrelson; Wilk, 2005; Prentice, 2002),
por meio da execução de técnicas de intervenção eficientes.

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REFERÊNCIAS

ANDREWS, J. R.; HARRELSON, G. L.; WILK, K. E. Reabilitação física do atleta.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

BECK, J. S. Terapia cognitiva-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre:


Artmed, 2013.

CASTIGLIA, M. T. Lesões Traumáticas do Esporte. In: VOLPON, J. B.


Fundamentos de Ortopedia e Traumatologia. São Paulo: Editora Atheneu,
2014.

COHEN, M.; FERRETTI, M.; MARCONDES, F. B. Trauma no esporte. In:


VAISBERG, M.; MELLO, M. T. Exercícios na saúde e na doença. Luna Júnior
LA. Barueri: Manole, 2010.

CRUZ, J. F. A; DIAS, M. A. Factores Psicológicos associados às lesões


desportivas. In: CRUZ, J. F. A. Manual de Psicologia do Desporto. S-H-O
Sistemas Humanos e Organizacionais, 1996.

PRENTICE, W. E. Modalidades terapêuticas em medicina esportiva. Barueri:


Manole, 2002.

RASHID, T.; SELIGMAN, M. Psicoterapia positiva: manual do terapeuta.


Tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2019.

SAMULSKI, D.; AZEVEDO, D. C. Psicologia aplicada às lesões esportivas. In:


SAMULSKI, Dietmar. Psicologia do esporte: conceitos e novas perspectivas.
Barueri: Manole, 2009.

SELIGMAN, M. E. P. Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da


felicidade e do bem-estar. Tradução de Cristina Paixão Lopes. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012.

SOUZA, M. M. de; TEIXEIRA, R. P. O que é ser um" bom" psicoterapeuta?


Aletheia, n. 20, p. 45-54, 2004.

STEFANELLO, J. M. F. Treinamento de competências psicológicas: em busca


da excelência esportiva. Manole, 2007.

TREVELIN, F.; ALVES, C. F. Psicologia do esporte: revisão de literatura sobre as


relações entre emoções e o desempenho do atleta. Psicologia Revista, v. 27, p.
545–562, 2019.

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