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Neurociência e Transtorno do Espectro Autista

Deborah Kerches

Neurodesenvolvimento é o desenvolvimento do sistema nervoso, incluindo


motricidade, competências sensoriais, comunicação e a linguagem, comportamentos,
competências cognitivas, afetos e emoções. O Transtorno do Espectro Autista é um
transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, é causado e afetado ao mesmo tempo
por ele.

Os anos iniciais do desenvolvimento, desde a fase intrauterina, estabelecem a


arquitetura básica, o funcionamento e a conectividade cerebral e seus prejuízos irão
impactar no desenvolvimento da saúde física e mental, no comportamento e
aprendizagem de habilidades nas mais diversas áreas ao longo da vida futura.

Os primeiros mil dias do bebê (em torno de 270 dias da gestação + 720 dias até
completar 2 anos) são os mais importantes para o desenvolvimento cerebral. Neste
período os bebês ficam com o dobro de conexões cerebrais em comparação a um
adulto.

O Sistema Nervoso Central (SNC) é formado pelo cérebro, cerebelo, tronco


encefálico e pela medula espinhal, sendo que os três primeiros estão localizados no
interior da caixa craniana, enquanto a medula espinhal localiza-se no interior
da coluna vertebral.

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A formação do Sistema Nervoso Central é extremamente complexa e envolve
fatores genéticos e ambientais que já interagem no ambiente intrauterino. Estes
fatores ambientais no ambiente intraútero envolvem questões placentárias,
nutricionais, substâncias químicas que circulam dentro do útero, infecções,
inflamações, distúrbios endocrinológicos, traumas, estresse, que afetam a gestação
e irão interagir diretamente com os genes podendo favorecer o desenvolvimento de
condições ou transtornos do neurodesenvolvimento, assim como malformações.
A interação entre genes e ambiente se inicia desde a concepção podendo
interferir em todas as fases do desenvolvimento do Sistema Nervoso Central e ao
longo da vida.
Temos bilhões de neurônios no cérebro que possuem o mesmo código
genético (DNA). Os neurônios são diferenciados para suas diversas funções (por
exemplo, visão, audição, tato, comportamento, etc.) por meio da epigênese que é o
processo molecular e celular que governa a função dos genes. Esses processos
incluem metilação do DNA, mudanças na estrutura da cromatina, RNA não codificador
e edição do RNA.
Estímulos transmitidos ao cérebro pelos circuitos sensoriais através de
experiências vivenciadas nos períodos pré e pós-natal e também nos demais
estágios da vida, fazem alterações epigenéticas na função neuronal e circuitos
neurobiológicos influenciando o desenvolvimento em todas as áreas.
Exemplo: Gêmeos idênticos têm o mesmo DNA em seus neurônios
(genótipo), mas não terão as mesmas experiências, o que resultará em diferenças na
forma como esses genes irão se expressar (epigenética), influenciando em vários
aspectos. Se houver carência nutricional em 1 deles, isso pode acarretar até mesmo
em diferenças quanto a estatura final. As experiências vivenciadas irão ter impacto
no comportamento, no Quociente Intelectual (QI) e em qualquer outra área afim.
A epigenética tem sua contribuição no desenvolvimento de condições como
Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A herança genética, os cuidados e experiências vividas nos primeiros anos de
vida têm efeitos importantes sobre a aprendizagem, cognição, saúde física e mental
por todo o ciclo da vida.

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Na concepção recebemos um material genético do pai e outro material
genético da mãe (o zigoto é formado por 23 cromossomos do pai e 23 cromossomos
da mãe), cada um com seu perfil genético, inclusive de predisposições a erros e
anomalias cromossômicas, por exemplo. Além desse perfil de variantes genéticas
herdadas que recebemos, pode ocorrer também alterações no nosso material
genético que não são herdadas se apresentando como “mutação de novo”, pequenas
deleções (microdeleções) por “erros” durante o processo, entre outros. Ao longo do
crescimento embrionário alguns genes são ativados e outros desativados.
O uso de ácido fólico é um suplemento amplamente recomendado nos três
primeiros meses de gestação, pois tem seu papel de importância na formação do
tubo neural (neurulação) que é a arquitetura mais inicial do sistema nervoso (que
dará origem ao cérebro que começa a ser formado logo após a concepção).
Após a neurulação (formação do tubo neural) se dá início a proliferação e
diferenciação neuronal e glial que começa entre a quarta e sexta semanas de vida
embrionária e persiste na fase migratória (em que estas células migram para áreas
específicas) com maior pico entre 2-4 meses gestacionais.
Os mecanismos da proliferação celular são extremamente complexos, mas
sugerem o contato célula a célula assim como um equilíbrio entre o sistema
excitatório (mediado por glutamina/glutamato) e do sistema inibitório (mediado
pelo GABA – ácido gama-aminobutírico).
A multiplicação/proliferação veloz das células nervosas e das suas conexões,
faz surgir uma complexa rede de comunicação que comanda o corpo todo. Esta
conectividade que já começa intraútero dá funções às mais diferentes áreas do
cérebro.
No Transtorno do Espectro Autista, estas ligações, conexões entre áreas
importantes cerebrais, se encontram em grande parte alteradas. Para entendermos
melhor, é como se o cérebro fosse um computador e, tais conexões, o sistema
operacional.
Por volta da 8ª - 16ª semana de gestação, com a proliferação acelerada e
migração para as áreas específicas, começa a ocorrer de maneira mais intensa a
apoptose celular ou poda neuronal, em que há eliminação de conexões e/ou células
nervosas que não estão sendo utilizadas ou que proliferaram de maneira inadequada
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ou migraram para locais inapropriados (esta morte celular programada ocorre em
torno de 30-50%).
Após a migração, os neuroblastos, glioblastos irão se diferenciar em
neurônios e células da glia e organizar-se em camadas das regiões cortical e sub
cortical, em um período que envolve o 6º mês de gestação até vários anos após o
nascimento.
Existem diversos tipos de neurônios e todos eles se comunicam por meio de
filamentos chamados axônios, que são cobertos por uma camada de gordura e
proteína chamada mielina. É como se fossem fios que necessitam de um
revestimento para transmitir impulsos elétricos, através de substâncias chamadas
neurotransmissores.

Os neurônios nas áreas de associação (áreas de integração que se ocupam


de atividades superiores, como pensamento abstrato e processos simbólicos)
agrupam-se em minicolunas, verticalmente dispostas em relação à espessura
cortical. Cada minicoluna faz conexões com suas vizinhas, formando colunas, as
quais constituem as unidades básicas de integração das informações.
Em um cérebro de uma pessoa com autismo os neurônios, colunas e
minicolunas de neurônios ficam dispostos de maneira desorganizada, muitas vezes
em excesso, em localizações diferentes, de acordo com as áreas mais afetadas e
correlacionadas com a sintomatologia do autismo, assim como suas conexões. A
diversidade da sintomatologia do espectro do autismo pode ser explicada, entre
outros aspectos, através desses desarranjos e alterações da conectividade nas mais
diversas áreas cerebrais como de linguagem, sensoperceptivas, motoras, de
percepção visual, entre outras.

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Na pessoa com autismo severo, nível 3, estas alterações são muito
significativas e difusas.
Um grupo de neurônios importantes no entendimento do espectro do autismo
são os neurônios espelho que são neurônios que estão distribuídos por partes
essenciais do cérebro como córtex pré-motor, centros de linguagem, empatia e dor.
Estes neurônios são capazes de simular ou imitar uma ação que estamos vendo,
mentalmente, assim, podemos repetir a mesma ação de maneira reflexa como o
bocejar, ou então, este comportamento fica armazenado na memória.
Os neurônios espelho estão relacionados como desenvolvimento de
habilidades como imitação, aquisição da linguagem, comunicação e cognição social,
empatia, interpretação de ações nas relações sociais possibilitando que os
coloquemos no lugar dos outros, predizer o comportamento das pessoas, interpretar
o que elas estão fazendo e se antecipar para os comportamentos dela (Teoria da
mente) e outras habilidades e sua disfunção parece estar envolvida com a gênese do
autismo.
Habilidades sociais são comportamentos aprendidos em contato com o meio e
que procuram adaptar o indivíduo a seu ambiente. Assim, acredita-se que haja relação
entre o funcionamento dos neurônios espelhos e o aprendizado de habilidades
sociais.Os neurônios espelho permitem que as pessoas executem atividades sem
necessariamente pensar nelas, apenas acessando o seu banco
de memória, como se fosse um banco de dados.
Além dos neurônios, no Sistema Nervoso Central, temos as células da glia que
se encontram mais numerosas que os neurônios. Dentre as suas funções destacam-
se a produção da bainha de mielina (“encapa” os neurônios do Sistema Nervoso
Central) pelos oligodendrócitos, a sustentação e nutrição dos neurônios pelos
astrócitos, além de regular a concentração de diversas substâncias do sistema
neuronal, tendo assim, potencial para interferir nas funções cerebrais de um cérebro
autista.
Dessa forma, os astrócitos são responsáveis pela nutrição dos neurônios
facilitando formação de conexões/sinapses de melhor qualidade e eficiência além de
auxiliar os oligodendrócitos a organizar a bainha de mielina. Os astrócitos têm sido
amplamente estudados em relação ao seu papel para compreender os mecanismos
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neurobiológicos do espectro do autismo.

Com relação à mielinização do Sistema Nervoso Central, esta ocorre de


maneira bastante intensa até aproximadamente 2 anos de vida e a plasticidade do
SNC ou neuroplasticidade, que é a capacidade que o cérebro tem de se moldar,
adaptar e reestruturar de acordo com experiências vividas, acontece durante toda a
vida, porém de maneira mais intensa no período intrauterino até aproximadamente
5 anos de vida.
Nossos neurônios motores também vão sendo mielinizados especialmente
durante os primeiros anos de vida e são extremamente importantes pois precisamos
de uma boa qualidade motora, muscular para que possamos explorar o ambiente e
ter maiores oportunidades de aprendizado. Esta mielinização vai acontecendo de
maneira crânio-caudal, dessa forma, por exemplo, primeiro firmamos a região
cervical até por volta dos 4 meses e assim por diante vamos adquirindo mais
sustentação o que nos permite explorar, ter interesse e mais motivação para adquirir
experiências e aprendizados.
Com relação aos neurotransmissores, em relação à dopamina, em um cérebro
de uma pessoa com autismo, haveria baixas conexões com regiões do cérebro que
liberam dopamina em resposta a recompensas. Em relação à serotonina, a síntese
alterada e elevações dos níveis de serotonina nas plaquetas costuma ser um achado
consistente em pessoas que se encontram no espectro do autismo. Níveis
persistentemente elevados de serotonina poderiam acarretar em um déficit na
eliminação de sinapses em cérebros de pessoas com autismo e contribuir para um
aumento no número de minicolunas corticais e assim, contribuindo para um
desarranjo desta arquitetura e funcionamento.
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Um desequilíbrio entre os sistemas excitatório e inibitório também estão
relacionados aos mecanismos neurobiológicos do autismo. Dessa forma, o cérebro no
autismo se apresenta naturalmente mais hiperexcitado, porque há um aumento na
função excitatória mediada pelo sistema excitatório relacionado com glutamina e
glutamato enquanto há uma imaturidade do sistema inibitório gabaérgico.
É um cérebro que parece estar sempre em alerta, vigil, o que pode levar à distúrbios
de sono, humor, comportamentos inapropriados. Quando compreendemos esse
mecanismo, podemos entender que a agitação, alteração de humor de pessoas com
autismo, todo o comportamento em “exagero” frequentemente observado, estaria
relacionado com essa hiperexcitação cerebral associado em grande parte das vezes,
a alterações no processamento sensorial. As ações repetitivas, estereotipadas, se
apresentam como uma forma da pessoa com autismo se regular em momentos de
maior hiperexcitabilidade.

Alterações genéticas, hormonais, imunológicas mediadas por linfócitos T, CD4,


citoquinas, interleucinas podem afetar o cérebro estimulando a produzir mais
excitação.

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O período que o cérebro está fazendo mais sinapses é do 7º mês gestacional
até 2 anos de vida, por isso enfatizamos a importância da intervenção precoce e das
janelas de oportunidade, anos em que temos maiores oportunidades e velocidade
de aprendizagem. O tempo que uma criança até 2 anos consegue aprender uma
habilidade é muito menor do que ela dispenderia por volta de 14 anos de vida.
Quanto mais mediada por emoção, maior é a conectividade do aprendizado, dessa
forma, o cérebro reconhece, se conecta com as regiões que estão sendo estimuladas,
faz mais conexões e interconexões cerebrais. Quando mais conexões, maior o
repertório.

Não podemos esquecer da importância do enriquecimento do ambiente pois os


aprendizados têm que acontecer e se generalizar em todo o momento da vida e em
qualquer contexto.
Em torno de 20-30% das crianças com Transtorno do Espectro Autista
apresentam circunferência da cabeça maior que o percentil 97 (macrocefalia). Em
grande parte das crianças com TEA, especialmente nos 2 primeiros anos de vida, o
cérebro é maior enquanto o cerebelo menor, em comparação às crianças
neurotípicas, mas não significa que estas crianças se tornarão macrocefálicas.
Durante todo o processo de desenvolvimento cerebral podem haver então
desordens arquiteturais, químicas, funcionais, de conectividade.
O cérebro no autismo apresenta uma arquitetura mais imatura, desorganizada
com excessiva presença de células neuronais que se concentram de forma
desproporcional e anormal em várias áreas cerebrais e um funcionamento mais
hiperexcitado, com conexões alteradas.
Estas alterações se encontram especialmente nas áreas relacionadas à
linguagem, empatia, função executiva, motora e sensorial. A sintomatologia varia de
acordo com as áreas mais afetadas correlacionadas ao transtorno.

Anatomia do cérebro e suas funções


Através da fissura longitudinal, o cérebro é dividido em duas metades
chamadas hemisférios. Um espesso feixe de fibras nervosas chamado corpo caloso
faz a comunicação entre os hemisférios.
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Na grande maioria das pessoas, o hemisfério cerebral “dominante” é o
hemisfério cerebral esquerdo, ou seja, a área da linguagem e do pensamento lógico
estão localizados do lado esquerdo do cérebro. O hemisfério cerebral direito está
relacionado com aspectos de criatividade e pensamento simbólico.
O córtex cerebral é dividido em áreas denominadas lobos cerebrais, cada uma
com funções diferenciadas e especializadas.

• Lobo Frontal

É importante conhecer as funções do lobo frontal uma vez que muitas delas
encontram-se comprometidas no Transtorno do Espectro Autista.
Os lobos frontais se localizam anteriormente aos lobos parietais, separados
pelo sulco central e acima e à frente dos lobos temporais (separados pelo sulco
lateral).
A maturação cerebral, que começa ainda no útero só será concluída por volta
dos 24-25 anos quando o córtex pré frontal, localizado mais anteriormente neste lobo
e responsável pelo comportamento social e empatia se encontra totalmente
amadurecido.
As principais funções do lobo frontal estão relacionadas às funções executivas
(capacidade de refletir sobre atos presentes e julgar suas consequências, pensamento
crítico, julgamento social e moral, planejar, idealizar metas, memória de trabalho,
modular e definir comportamentos socialmente aceitos); capacidade de empatia;
respostas afetivas não impulsivas; motivação; programação motora da fala (área da
Broca); manutenção da atenção e concentração; pensamento abstrato e criatividade;
associação envolvendo áreas de aprendizado e pensamento complexo / associativo).

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Conexões entre o lobo frontal e o sistema límbico são fundamentais para a
percepção, avaliação e memorização de eventos de origem emocional.
O córtex motor, localizado no lobo frontal, controla e coordena a motricidade
voluntária, sendo que o córtex motor do hemisfério direito controla o dimidio
(hemicorpo) esquerdo, enquanto que o do hemisfério esquerdo controla o dimidio
direito.

• Lobo Temporal

Os lobos temporais são limitados superiormente pelo sulco lateral e


posteriormente pela incisura pré-occipital.
Entre as principais funções do lobo temporal estão o processamento de
informações auditivas e a interpretação da fala, já que ele é a sede do córtex auditivo
primário (localizado na porção posterior e superior do giro temporal superior),
percepção do significado das palavras durante uma leitura, diferenciação de
expressões faciais (giro temporal médio) e está relacionado à determinadas
caraterísticas da fala como o controle da entonação, intensidade e melodia (giro
temporal inferior).
Em um cérebro de uma pessoa com autismo, parece haver uma diminuição
da ativação do giro fusiforme em resposta à figura de faces com ativação de outras
regiões como frontais e occipitais. Essa menor ativação da área fusiforme facial
independe da idade ou quociente de inteligência (QI) e parece estar relacionada com
o grau de prejuízo social. O comprometimento das funções das regiões temporais
pode explicar grande parte dos sintomas clínicos (déficits perceptivo, emocional e
cognitivo) observados no espectro do autismo. Além disso, as regiões associativas
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temporais estão estreitamente conectadas aos sistemas sensoriais associativos
frontais, parietais e do sistema límbico.
Ainda no lobo temporal, encontramos uma estrutura chamada hipocampo que
se localiza na porção média do lobo temporal e está relacionado ao controle e
gerenciamento da memória. Cada acontecimento que vivemos, sentimos e
experimentamos é filtrado pelo hipocampo, que junto com o hipotálamo permite que
possamos nos lembrar não somente das experiências, mas também daquilo que
sentimos em relação a elas.
A amígdala é uma estrutura localizada profundamente no lobo temporal e é
responsável por dar atribuição de significado/"valor" emocional do que é visto. Está
relacionada ao controle do comportamento primitivo, como controle do
comportamento sexual e social, respostas emocionais mais impulsivas,
comportamentos instintivos relacionados por exemplo a perigo, medo e ansiedade.
Suas conexões produzem uma reação emocional mas também permitem a inibição de
comportamentos devido à sua estreita ligação com o lobo frontal.
Dentro do sistema límbico, a amígdala associada ao hipocampo, também dá
origem à lembranças emocionais.
O sistema límbico se situa no lobo temporal e sua função está relacionada com
o controle de emoções, processos motivacionais, controle do sistema nervoso
autônomo que é responsável por enviar sinais aos nervos para manter um estado de
alerta (sistema nervoso simpático) ou para inibir esse estado (sistema nervoso
parassimpático), regulação do comportamento alimentar, controle dos centros de
prazer e recompensa e função de aprendizado e memória. Além do hipocampo e da
amígdala, o sistema límbico é formado basicamente pelo tálamo, hipotálamo, corpos
mamilares, área septal, giro do cíngulo e núcleos habenulares.

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• Lobo Parietal

Os lobos parietais estão localizados posteriormente aos lobos frontais, logo


acima dos temporais e anterior e superiormente aos lobos occipitais. São separados
dos lobos frontais, pelos sulcos centrais; dos lobos occipitais, pelos sulcos parieto-
occipitais, e dos lobos temporais, pelos sulcos laterais.
A principal função do lobo parietal é a percepção sensorial. É a região do
cérebro responsável por processar os diferentes tipos de sensibilidade como o tato,
a sensação de dor, temperatura, pressão e vibração, exceto olfato, além de ser
importante na integração e interpretação de imagens visuais. Através das porções
mais posteriores do lobo parietal que temos a capacidade de reconhecer objetos
somente pelo tato, sem utilizarmos a visão (o que chamamos de “gnosia digital”). O
lobo parietal direito é responsável pela orientação visual e espacial,pela noção de
profundidade e reconhecimento do próprio corpo, além ser importante para o
aprendizado da escrita, leitura, cálculos e lateralidade.

• Lobo Occipital

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Está relacionado com a área visual primária e processamento de informações
visuais. Os lobos occipitais mantêm relação estrutural e funcional com os lobos
parietais, temporais e frontais, uma vez que o processamento das imagens visuais é
bastante complexo.
Lesões que se localizem no córtex visual primário tendem a provocar
alterações visuais de campo, enquanto que lesões em áreas associativas (regiões
parieto- occipitais ou têmporo-occipitais) tendem a provocar alterações na
identificação de cores e agrafia.

• Ínsula

A ínsula seria um quinto lobo cerebral, que se encontra profundamente no


cérebro, não dá para ser visto na superfície e está relacionado ao reconhecimento
de face humana, empatia. Em um cérebro de uma pessoa com autismo, há menos
células nesta região e as mesmas se encontram de maneira desarranjada.

• Cerebelo

Outra estrutura de grande importância quando falamos em Transtorno do


Espectro Autista é o cerebelo. É responsável basicamente pelo controle do tônus
muscular, equilíbrio, coordenação dos movimentos. Suas conexões com as demais
áreas corticais estariam relacionadas também com cognição, motivação e emoção.
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As células de Purkinje, encontradas no cerebelo, são neurônios
extremamente diferenciados. Estudos demonstraram que o cérebro de uma pessoa
no espectro do autismo possui um número reduzido destas células no cerebelo. Estas
células são moduladoras de uma variedade de funções cerebrais e impactos no
processamento da linguagem, planejamento antecipatório e motor, imagens mentais
e sequenciamento programado e organização automática da aprendizagem.
A relação da sensopercepção com a motricidade é feita através da
propriocepção e sistema vestibular, que integra estes sistemas aos núcleos da base,
integrando ponte -bulbo -cerebelo.
A complexidade do Transtorno do Espectro Autista é imensa. Em resumo, há
alterações que podem acontecer desde os primeiros processos de formação do
Sistema Nervoso Central, ainda intraútero. Estas alterações no cérebro de uma
pessoa com autismo podem ocorrer em nível estrutural, funcional, sensorial e
especialmente na conectividade das mais diversas áreas responsáveis pela
sintomatologia do autismo.
Dessa forma, compreendemos a grande variabilidade sintomatológica do
espectro do autismo e suas diferentes nuances encontradas.

Estas conexões são responsáveis por transmitir informações por todo o


Sistema Nervoso Central e nosso organismo para incorporar aprendizados. Neste
período o bebê possui mais que o dobro de sinapses/conexões e 5 vezes mais
neurônios que um adulto. Nestes primeiros anos de vida estamos sendo apresentado
a inúmeras experiências formando uma base para que ao longo da vida, possamos
nos “especializar” naquilo que for de maior interesse ou que vivenciamos de
maneira mais intensa, o que é extremamente saudável. Excesso de conexões
cerebrais poderiam deixar nosso cérebro mais hiperexcitado e não especializado.
Na medida que a criança vai recebendo estímulos que vão levando a
aprendizagem de novas habilidades em todas as áreas do desenvolvimento, o
cérebro passa a reconhecer quais conexões têm sido frequentemente mais
requisitadas, utilizadas e vão reforçando estas conexões e fazendo novas
conexões mais fortes, com significado. Quanto mais experimentamos determinado
estímulo em frequência e intensidade, mais forte estas conexões também irão se

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tornando. Isso nos remete à importância das intervenções especializadas e
intensivas no tratamento do espectro do autismo.
Aquelas conexões que não estão sendo muito utilizadas ou que não foram
fortalecidas, serão eliminadas, o que chamamos de poda neuronal. Essa “limpeza”
que acontece no nosso cérebro é importante para ampliar o repertório de interesses
e aprendizados que serão realmente importantes para o desenvolvimento nas mais
diversas áreas.
As podas neuronais mais importantes ocorrem por volta de 1 ano e meio até 3
anos e na adolescência. Esta poda neuronal da primeira infância tem papel particular
no Transtorno do Espectro Autista.
Acredita-se que, durante este processo, possa haver falhas importantes. Essas
falhas poderiam levar a um excesso de conexões por uma poda neuronal ineficiente,
o que acarretaria em um cérebro mais desorganizado, hiperexcitado e também
poderiam levar à perdas de habilidades já adquiridas, caso ocorra eliminação de
sinapses/conexões não fortalecidas, mas que detinham habilidades adquiridas
importantes.
Entendemos que, para que nosso cérebro selecione as conexões que serão
fortalecidas ou eliminadas e faça novos circuitos cerebrais, depende do quanto que
seus respectivos aprendizados foram realmente incorporados e com significado.
Para formar conexões fortes em crianças com Transtorno do Espectro Autista,
devemos lembrar das suas particularidades. Uma criança com autismo consegue
aprender melhor com experiências recheadas de emoções prazerosas, que a motivem
e que tenham significado para ela, além de necessitar de muita repetição pois seu
cérebro é mais imaturo, mais hiperexcitado e apresenta maior rigidez mental. A
dificuldade na compreensão do outro e do ambiente, além das alterações de
processamento sensorial que distorcem a forma como experimentam o mundo,
associado à uma programação genética com “falhas”, contribui para conexões mais
fragilizadas.
Este é um período que devemos então estar muito atentos e intensificar as
intervenções a fim de fortalecer e fazer novas conexões para aquele aprendizado que
almejamos.
Com relação à perda de habilidades adquiridas que pode acontecer durante a
poda neuronal da primeira infância, ocorre porque alguns aprendizados podem não
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terem sido consequentes a uma conexão mais forte. Dessa forma, o cérebro durante
essa “limpeza”, acaba descartando estas conexões.
O Autismo Regressivo, que acontece em aproximadamente 1/3 dos casos do
espectro do autismo, parece ter relação íntima com essa poda neuronal da primeira
infância.

Esses casos são caracterizados por crianças que apresentam


desenvolvimento motor, da linguagem, cognitivo, social e emocional aparentemente
típicos ou muito próximo ao desenvolvimento típico, mas, por volta de 15 a 30-36
meses, começam a perder habilidades anteriormente adquiridas.
Os pais relatam, nestes casos, não terem percebido um desenvolvimento
atípico até então. Relatam que seu filho brincava, se comunicava, já falava algumas
palavras, compreendia instruções simples e, de repente, por volta de 15 a 36 meses
de vida, deixou de se comunicar, de falar palavras anteriormente ditas, de apontar,
de fazer tchau, mandar beijos e responder a comandos simples, de compartilhar
atenção e interesses. Que seu filho passou a brincar de maneira não usual, a fazer
ações repetitivas, apresentar por vezes comportamentos mais irritadiços, inquietos e
exploradores ou passou a ficar mais introspectivo.
No autismo regressivo, por mais que a criança apresente aspectos do
desenvolvimento neuropsicomotor e social muito próximos ao desenvolvimento típico,
na grande maioria das vezes, essa criança já apresentava particularidades da
sintomatologia do espectro do autismo, porém de maneira sutil.
Na adolescência acontece outra poda neuronal mais intensa, porém, esta poda
não está envolvida no desencadeamento de comportamentos do espectro autista em
adolescentes com desenvolvimento típico, tampouco em perdas de habilidades
adquiridas nesta fase.
Após esta poda da primeira infância ocorre uma superprodução de neurônios e
das suas conexões. Esse crescimento é intenso até aproximadamente onze anos para
as meninas e doze e meio para os meninos.
A partir desta idade, o cérebro novamente inicia uma poda neuronal mais
intensa, fortalecendo neurônios e conexões que estão sendo mais utilizadas e
descartando aquelas que não. Quanto mais usamos algumas conexões, melhores e
mais complexas elas se tornam.

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As experiências que vivenciamos durante a adolescência, nossos hábitos e
aprendizados moldam o adulto que seremos. Muitos pais têm receio desta poda
neuronal da adolescência com relação à possibilidade de esquizofrenia.
Adolescentes com desenvolvimento típico ou não podem ter esquizofrenia
desencadeada neste período, quando associada a uma predisposição genética. A
esquizofrenia parece ter relação com esta poda neuronal uma vez que conexões
cerebrais interrompidas ou em excesso devido à uma poda ineficiente, têm sido
relacionadas a este transtorno.
Um adolescente no espectro do autismo apresenta um desenvolvimento atípico
cerebral, dessa forma, como a esquizofrenia também envolve questões cerebrais
atípicas, se houver uma predisposição genética, parece haver uma probabilidade
maior.
Pais, cuidadores, educadores e profissionais da saúde precisam ficar atentos
quando perceberem atrasos, comportamentos atípicos, perdas de habilidades antes
adquiridas em uma criança. Tão logo observado, deve-se procurar um especialista e
iniciar intervenção especializada mesmo que não haja um diagnóstico fechado, quer
seja para autismo ou para outra condição ou transtorno do desenvolvimento.

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