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Desenvolvimento Infantil
Deborah Kerches

Neurodesenvolvimento é o desenvolvimento do sistema nervoso,


incluindo motricidade, competências sensoriais, comunicação e a linguagem,
comportamentos, competências cognitivas, afetos e emoções.
Os anos iniciais do desenvolvimento, desde a fase intrauterina,
estabelecem a arquitetura básica, o funcionamento e a conectividade cerebral.
Seus prejuízos irão impactar no desenvolvimento da saúde física e mental, no
comportamento e aprendizagem de habilidades nas mais diversas áreas ao
longo da vida futura.
Os primeiros mil dias do bebê (em torno de 270 dias da gestação + 720
dias até completar 2 anos) são os mais importantes para o desenvolvimento
cerebral. Neste período os bebês ficam com o dobro de conexões cerebrais e
aproximadamente 5 vezes mais neurônios em comparação a um adulto.
A formação do Sistema Nervoso Central é extremamente complexa e
envolve fatores genéticos e ambientais que já interagem no ambiente
intrauterino. Estes fatores envolvem questões placentárias, nutricionais,
substâncias químicas que circulam dentro do útero, infecções, inflamações,
distúrbios endocrinológicos, traumas e estresse. Desse modo, afetam a
gestação e interagem diretamente com os genes, podendo favorecer o
desenvolvimento de condições ou transtornos do neurodesenvolvimento, assim
como malformações.
A interação entre genes e ambiente se inicia desde a concepção, podendo
interferir em todas as fases do desenvolvimento do Sistema Nervoso Central e
ao longo da vida. Temos bilhões de neurônios no cérebro que possuem o mesmo
código genético (DNA) e que serão diferenciados para suas diversas funções
(por exemplo, visão, audição, tato, comportamento etc.) por meio da epigênese,
que é o processo molecular e celular que governa a função dos genes. Esses
processos incluem metilação do DNA, mudanças na estrutura da cromatina, RNA
não codificador e edição do RNA.

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Estímulos transmitidos ao cérebro pelos circuitos sensoriais através de
experiências vivenciadas nos períodos pré e pós-natal e nos demais estágios da
vida, fazem alterações epigenéticas na função neuronal e nos circuitos
neurobiológicos, influenciando o desenvolvimento em todas as áreas.
Exemplo: Gêmeos idênticos têm o mesmo DNA em seus neurônios
(genótipo), mas não terão as mesmas experiências, o que resultará em
diferenças na forma como esses genes irão se expressar (epigenética),
influenciando em vários aspectos. Se houver carência nutricional em 1 deles,
isso pode acarretar até mesmo em diferenças quanto a estatura final. As
experiências vivenciadas irão ter impacto no comportamento, no quociente
intelectual (QI) e em qualquer outra área afim.
A epigenética tem sua contribuição no desenvolvimento de condições
como Transtorno do Espectro Autista (TEA), esquizofrenia, Transtorno do Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de humor entre outras
condições do neurodesenvolvimento e de saúde mental e física.
A herança genética, os cuidados e experiências vividas nos primeiros
anos de vida têm efeitos importantes sobre a aprendizagem, cognição, saúde
física e mental por todo o ciclo da vida.
O genótipo do indivíduo também tem influência sobre o efeito da
exposição que um estressor ambiental provoca em relação ao desenvolvimento
de transtornos mentais ou do neurodesenvolvimento, ou seja, fatores genéticos
atuam como moderadores do efeito de eventos adversos estressores. A resposta
dos indivíduos a tais riscos e a probabilidade de desenvolvimento destas
condições é heterogênea. Dessa forma, o mesmo estressor pode desencadear
proporções devastadoras em um indivíduo, enquanto em outro pode promover o
crescimento e o fortalecimento pessoal, o que chamamos de resiliência.
Para compreendermos melhor o desenvolvimento cerebral, é importante
conhecermos sobre embriologia. O desenvolvimento começa desde a
fecundação quando um espermatozoide fecunda um óvulo para formar um zigoto
(a primeira célula de um novo ser humano em formação). A partir dela há muitas
reações químicas trazidas pela bagagem genética e influências ambientais que

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vão determinar divisões celulares, replicações de células, nossa arquitetura,
funcionamento cerebral e conexões.
Na concepção, recebemos um material genético do pai e outro material
genético da mãe (o zigoto é formado por 23 cromossomos do pai e 23
cromossomos da mãe), cada um com seu perfil genético, inclusive de
predisposições a erros e anomalias cromossômicas, por exemplo. Além desse
perfil de variantes genéticas herdadas que recebemos, pode ocorrer também
alterações no nosso material genético que não são herdadas, se apresentando
como “mutação de novo”, pequenas deleções (microdeleções) por “erros”
durante o processo, entre outros.
Ao longo do crescimento embrionário alguns genes são ativados e outros
desativados. Dessa maneira surge a diferenciação celular, ou seja, tipos
celulares com formatos e funções distintos que irão formar os diversos tecidos e
que, posteriormente, formarão os órgãos.
Na espécie humana, as principais fases do desenvolvimento do embrião
são a clivagem ou a segmentação, gastrulação e organogênese. Durante a
clivagem as divisões mitóticas são rápidas e dão origem às células chamadas
blastômeros. Diante da velocidade com que as células se dividem, o embrião
apresenta aumento de número delas, mas não de tamanho inicialmente.
O primeiro estágio da clivagem é a mórula, um maciço celular originado
entre o terceiro e quarto dia após a fecundação. A formação da mórula ocorre na
tuba uterina. As células que a formam são células totipotentes, totalmente
indiferenciadas, capazes de formar tanto um indivíduo quanto tecidos
extraembrionários como a placenta. Quando a mórula chega no útero, as células
se reorganizam e começam a ocupar a periferia, formando uma cavidade
chamada blastocística. O interior da cavidade é preenchido por fluido uterino que
penetra pela zona pelúcida. Nesta fase se chama blástula, e sua parte externa,
inserida na parede uterina, contribuirá para a formação da placenta, enquanto a
parte interna formará o disco embrionário, constituindo o início da terceira
semana do desenvolvimento.
Até a fase de blástula as células embrionárias são chamadas de células-
tronco e podem se diferenciar em todos os diferentes tipos de célula do corpo.

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As células-tronco neurais continuam capazes de produzir neurônios e
células da glia na fase adulta e no envelhecimento. No cérebro adulto, neurônios
recém-formados são encontrados especialmente no hipocampo e nos bulbos
olfatórios.
A partir da blástula, inicia a fase de gastrulação, onde o embrião começa
a aumentar de tamanho, surge o intestino primitivo e ocorre a diferenciação dos
folhetos germinativos ou embrionários. Ao final da gastrulação, o embrião é
chamado de gástrula. Os folhetos darão origem aos diferentes tecidos do corpo
e se dividem em ectoderma, endoderma e mesoderma. Ectoderma é a camada
que dá origem ao sistema nervoso central (formado pelo cérebro, cerebelo,
tronco encefálico e pela medula espinhal), sistema nervoso periférico e ao
epitélio sensorial dos órgãos sensitivos.
A última fase do desenvolvimento embrionário é a organogênese, onde
ocorre a diferenciação dos tecidos e órgãos. Começa com a neurulação na 3ª
semana, dando início ao desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso
como um todo, que acontece quando a medula espinhal primitiva (notocorda)
envia um sinal aos tecidos que a recobre para que se tornem mais espessos,
formando a placa neural. A neurulação pode ser dividida em primária e
secundária. A primária ocorre entre a 3ª e 4ª semana de gestação. A placa neural
invagina-se criando o sulco neural. As pregas dentro dele se fundem e se fecham
para formar o tubo neural. Parte do tecido das pregas é bloqueado para originar
a crista neural (futuro sistema nervoso periférico) gânglios das raízes espinhais
dorsais, gânglios sensoriais dos nervos cranianos e gânglios autonômicos.
As células de Schwann que formam a bainha de mielina dos nervos
periféricos também se originam da crista. Defeitos na placa neural podem levar
à cistos e fístulas. Distúrbios da neurulação primária compreendem falências na
fusão do tubo neural e de suas estruturas mesenquimais internas, e suas
principais desordens são os disrafismos cranianos – anencefalia e encefalocele
e espinhais – espinhas bífidas.
A neurulação secundária ocorre entre a 4ª e 7ª semana de gestação, com
a formação caudal do tubo neural ou medula espinhal. O lúmen do tubo neural
dará origem aos ventrículos cerebrais e canal medular. As paredes do tubo

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neural ficam mais espessas pela proliferação das células neuroepiteliais que irão
originar células nervosas primitivas, como neuroblastos e células da macróglia
no SNC (glioblastos) e os vasos sanguíneos. Neste estágio, olhos rudimentares
e vesículas do ouvido começam a surgir. Exemplos de distúrbios nesta fase
seriam Síndrome de Dandy-Walker, hipoplasia cerebelar, medula presa,
mielocistocele, diastematomielia.
A parte cranial do tubo neural que irá originar o encéfalo dilata-se
constituindo o encéfalo primitivo, ou arquencéfalo. A parte caudal irá dar origem
a medula. Na 5ª semana gestacional, a extremidade cefálica do tubo neural
apresenta 3 vesículas encefálicas primárias: prosencéfalo, mesencéfalo e
rombencéfalo. Após as 5 semanas, estas vesículas se diferenciam em 5
vesículas secundárias. O prosencéfalo dará origem ao diencéfalo (tálamo,
hipotálamo, neurohipófise, vesícula óptica) e telencéfalo (hemisférios cerebrais,
putamen, núcleo caudado e globo pálido); o mesencéfalo dará origem aos
pedúnculos cerebrais, lâmina quadrigêmea, colículos anterior (visual) e posterior
(auditivo); e o rombencéfalo dará origem ao mielencéfalo (bulbo) e metencéfalo
(vérmix, hemisférios cerebelares e ponte). A maior parte dos nervos cranianos,
exceto o olfatório (I) e o óptico (II), surgem do rombencéfalo. Os neurônios
motores de cada nervo estão localizados no cérebro, enquanto os sensoriais se
originam fora do cérebro, a partir da crista neural e placódios ectodérmicos.
Distúrbios do desenvolvimento do prosencéfalo (com pico em 5 a 12
semanas) compreendem holoprosencefalia, agenesia de corpo caloso (o corpo
caloso se forma por volta da 10ª semana), agenesia de septo pelúcido, displasias
septo-óptica-hipotalâmica, Dandy Walker.
No lúmen da medula espinhal, o canal central é contínuo com o lúmen das
vesículas encefálicas. A cavidade do rombencéfalo é o quarto ventrículo, a do
diencéfalo é o terceiro ventrículo e a dos hemisférios cerebrais são os ventrículos
laterais. O lúmen do mesencéfalo conecta o terceiro e quarto ventrículos. Este
lúmen se torna bastante estreito e é conhecido como aqueduto de Sylvius. Cada
ventrículo se comunica com o terceiro ventrículo através do forame
intraventricular de Monro. O líquido cefalorraquidiano é produzido nos plexos
coroides do terceiro e quarto ventrículo e dos ventrículos laterais.

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Hidrocefalia congênita pode ocorrer por distúrbios relacionados ao
desenvolvimento cerebral e sua circulação liquórica. Com 6 semanas
gestacionais desenvolve-se o epitélio secretor no plexo coróide, perfuração do
teto do IV ventrículo e a formação do espaço subaracnóideo. Qualquer desordem
nestes eventos pode causar a hidrocefalia. Estenose de aqueduto representa 1/3
dos casos.
A extremidade anterior do tubo neural fecha-se por volta dos 25 dias de
gestação, e a posterior, caudal, por volta de 27 ou 28 dias. As células
neuroepiteliais que se diferenciam em neuroblastos formarão a matéria cinzenta
(através dos corpos celulares). Na camada marginal do tubo neural, as fibras
emergentes dos neuroblastos, mielinizadas, formarão a substância branca.
Os neuroblastos ou células nervosas primárias, inicialmente, apresentam
um prolongamento central que se estende para o lúmen (dendrito transitório), e
quando migram para a camada do manto, este prolongamento desaparece e os
neuroblastos ficam temporariamente redondos e apolares. Com mais
diferenciações, tornam-se bipolares, com um axônio e um dendritos primitivos
surgindo em diâmetros opostos. A célula é conhecida então como neuroblasto
multipolar e após, diferencia-se finalmente em um neurônio.
Durante a proliferação celular formam-se também os glioblastos. Na
sequência, neuroblastos e glioblastos irão migrar das células da matriz
germinativa (região periventricular) para a superfície do cérebro, originando o
manto cortical.
A diferenciação da estrutura cerebral começa então ainda durante o
período embrionário, aproximadamente seis semanas após a concepção. A
diferenciação neuronal é um processo complexo que não consiste apenas na
produção de axônios, dendritos e sinapses com neurotransmissores, mas
também de mecanismos intracelulares e das membranas.
Distúrbios da proliferação e diferenciação neuronal e glial (por volta de 6
a 8 semanas) compreendem a arquitetura cortical anormal, microcefalia,
megalencefalias, proliferação anormal das síndromes neurocutâneas e
neoplasias, displasia cortical focal com células em balão e neurônios displásicos
gigantes aberrantes.

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Com 7 semanas, o embrião tem cerca de 2 cm de comprimento e com as
circunvoluções que se tornarão o tronco encefálico. O cerebelo e o cérebro agora
estão claramente visíveis. Os nervos cranianos e sensoriais também começam
a se desenvolver.
Uma vez formados, os neuroblastos iniciam um processo de migração que
os levará a ocupar seu lugar definitivo, onde se diferenciarão e assumirão as
características dos diversos tipos de neurônios. Os neuroblastos começam a
migrar por volta da 5ª a 6ª semana de vida intrauterina, com o surgimento dos
gliócitos radiais que fornecem sustentação para o movimento de migração, entre
outros mecanismos.
Durante a migração, os neurônios estão se diferenciando. Até o final do
quinto mês se completa a maior parte da migração do que será o futuro córtex
cerebral, mas o processo de continua de maneira mais lenta até́ o nascimento.
Distúrbios relacionados à migração compreendem neurônios imaturos em
posição heterotópica ou desorientação neuronal, que são as heterotipias;
lisencefalia; paquigiria; microgiria; geralmente associada a síndromes genéticas.
A organogênese termina até a 8ª semana de gestação. No final da 8ª
semana estão formadas todas as estruturas do sistema nervoso central do
adulto, ou seja, estão constituídos os arcabouços do cérebro e da coluna
vertebral. O bebê já é capaz de perceber o toque, leva a mão no rosto, seu
coração tem as quatro câmaras e realiza em média 180 batimentos por minuto.
É um ser pronto. Por isso, no final do segundo mês termina o período
embrionário.
Depois da 9ª semana até o nascimento, o indivíduo em formação passa a
ser chamado de feto. O período fetal é relacionado ao crescimento e
diferenciação dos tecidos e órgãos que surgiram durante o período embrionário,
algumas poucas novas estruturas surgem neste período. Também neste período
continuam ocorrendo proliferação, migração, organização neuronal que começa
por volta da 16ª a 20ª semana e a mielinização.
Com 11 semanas gestacionais, o cérebro aumenta de tamanho, olhos e
ouvidos amadurecem, movendo-se para as posições finais. A cabeça ainda é

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grande em relação ao restando do corpo, mas este em breve iniciará um
crescimento mais acelerado.
O uso de ácido fólico é um suplemento amplamente recomendado nos
três primeiros meses de gestação, pois tem seu papel de importância na
formação do tubo neural (neurulação) que é a arquitetura mais inicial do sistema
nervoso (que dará origem ao cérebro que começa a ser formado logo após a
concepção) e nos mecanismos neurobiológicos mais iniciais.
O córtex cerebral no feto torna-se identificável com cerca de oito semanas.
Após a segmentação do tubo neural, o processo de desenvolvimento cortical é
a próxima fase de desenvolvimento do Sistema Nervoso Central. O córtex motor
contém numerosas células piramidais e as áreas sensoriais são caracterizadas
por células granulares. O córtex é um tecido fino que abriga corpos celulares de
neurônios e seu processo de formação é dinâmico. As circunvoluções cerebrais
permitem alojar uma área cortical maior, apenas 1/4 a 1/3 do córtex cerebral está
exposto na superfície.
Por volta da 26° semana, a maior parte do córtex mostra a estrutura típica
de seis camadas, um tanto indeterminadas, de células nervosas com uma
camada de fibra no centro.
Os neurônios corticais não são formados no córtex. Após a proliferação e
diferenciação, as células neurais pós-mitóticas migram a uma distância
equivalente a 1000 vezes o tamanho do seu corpo celular até chegarem no seu
destino no córtex cerebral.
Existem diversos tipos de neurônios e todos eles se comunicam por meio
de filamentos chamados axônios, que são cobertos por uma camada de gordura
e proteína chamada mielina. É como se fossem fios que necessitam de um
revestimento para transmitir impulsos elétricos, através de substâncias
chamadas neurotransmissores.
A posição dos neurônios se correlaciona com o período que em que se
originou; os que vão ficar em camadas mais profundas se originam antes e os
mais superficiais, mais tardiamente, configurando o padrão de laminação cortical
de dentro para fora, perpendicular às fibras radiais gliais. As únicas células que

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são formadas próximas ao seu destino são as células granulares do giro do
hipocampo e as células estreladas do córtex cerebelar.
Os mecanismos da proliferação celular são extremamente complexos,
mas sugerem o contato célula a célula, através de substâncias químicas, fatores
de crescimento, assim como um equilíbrio entre o sistema excitatório (mediado
por glutamina/glutamato produzido pelas células piramidais) e do sistema
inibitório (mediado pelo GABA – ácido gama-aminobutírico).
A multiplicação/proliferação veloz das células nervosas e das suas
conexões, faz surgir uma complexa rede de comunicação que comanda o corpo
todo. Esta conectividade que começa intraútero dá funções às mais diferentes
áreas do cérebro. Para entendermos melhor, é como se o cérebro fosse um
computador e, tais conexões, o sistema operacional. Alterações nesta
conectividade cerebral é encontrada em transtornos do neurodesenvolvimento
como o Transtorno do Espectro Autista e em outras condições ou transtornos.
Por volta da 8ª a 16ª semana de gestação, com a proliferação acelerada
e a migração para as áreas específicas, começa acontecer em grande
intensidade a apoptose celular ou poda neuronal, em que há eliminação de
conexões e/ou células nervosas que não estão sendo utilizadas ou que
proliferaram de maneira inadequada ou migraram para locais inapropriados (esta
morte celular programada ocorre em torno de 30-50%).
O processo de migração e organização cerebral depende de vários
fatores como genéticos e influências ambientais (medicações, uso de álcool e
substâncias ilícitas, infecções, inflamações, traumas físicos, stress que leva ao
stress oxidativo celular, entre outros). Distúrbios relacionados à organização
compreendem, por exemplo, glioses, heterotopias microscópicas, displasias
corticais menores (esquizencefalia, polimicrogiria, microdisgenesias).
Os neurônios nas áreas de associação (áreas de integração que se
ocupam de atividades superiores, como pensamento abstrato e processos
simbólicos) agrupam-se em minicolunas, verticalmente dispostas em relação à
espessura cortical. Cada minicoluna faz conexões com suas vizinhas, formando
colunas, as quais constituem as unidades básicas de integração das
informações.

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Colunas e minicolunas de neurônios, quando dispostos de maneira
desorganizada, em excesso, em localizações não usuais, assim como alterações
das conexões cerebrais nas mais diversas áreas cerebrais como de linguagem,
sensoperceptivas, motoras, de percepção visual, entre outras, estão
relacionados intimamente com transtornos do neurodesenvolvimento e de saúde
mental.
Um grupo de neurônios importante no entendimento do desenvolvimento
de habilidades como imitação; aquisição da linguagem; comunicação e cognição
social; interpretação de ações nas relações sociais; empatia; predizer o
comportamento das pessoas; interpretar o que elas estão fazendo e se antecipar
para os comportamentos dela (Teoria da mente); e outras habilidades, são os
neurônios espelho, que estão distribuídos por partes essenciais do cérebro como
córtex pré-motor, centros de linguagem, empatia e dor. Estes neurônios são
capazes de simular ou imitar uma ação que estamos vendo, mentalmente, assim,
podemos repetir a mesma ação de maneira reflexa como o bocejar, ou então,
este comportamento fica armazenado na memória. Sua disfunção parece estar
envolvida na gênese do espectro do autismo e outros transtornos
neurobiológicos.
Habilidades sociais são comportamentos aprendidos em contato com o
meio e que procuram adaptar o indivíduo a seu ambiente. Assim, acredita-se que
haja relação entre o funcionamento dos neurônios espelhos e o aprendizado de
habilidades sociais. Os neurônios espelho permitem que as pessoas executem
atividades sem necessariamente pensar nelas, apenas acessando o seu banco
de memória, como se fosse um banco de dados.
Além dos neurônios, no Sistema Nervoso Central, temos as células da glia
que se encontram mais numerosas que os neurônios. Dentre as suas funções,
destacam-se a produção da bainha de mielina (“encapa” os neurônios do
Sistema Nervoso Central) pelos oligodendrócitos, a sustentação e nutrição dos
neurônios pelos astrócitos, além da regulação da concentração de diversas
substâncias do sistema neuronal, tendo assim, potencial para interferir nas mais
diversas funções cerebrais. Dessa forma, os astrócitos são responsáveis pela
nutrição dos neurônios facilitando formação de conexões/sinapses de melhor

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qualidade e eficiência, além de auxiliar os oligodendrócitos a organizar a bainha
de mielina. Os astrócitos têm sido amplamente estudados em relação ao seu
papel para compreender os mecanismos neurobiológicos dos transtornos
mentais e do neurodesenvolvimento.
A mielina é uma camada lipoprotéica que envolve e protege a condução
nervosa dos axônios dos neurônios, tornando-a mais rápida e eficaz. Em um
neurônio não mielinizado, a transmissão de informação neuronal é mais lenta.
No axônio mielinizado a transmissão é veloz.
A mielinização do Sistema Nervoso Central, ocorre de maneira bastante
intensa até aproximadamente 2 anos de vida, e a plasticidade do SNC ou
neuroplasticidade, que é a capacidade que o cérebro tem de se moldar, adaptar
e reestruturar de acordo com experiências vividas, acontece durante toda a vida,
porém de maneira mais intensa no período intrauterino e nos primeiros anos de
vida (até aproximadamente 5 anos de vida).
A mielinização das fibras nervosas periféricas, promovida pelas células de
Schwann, ocorre do segundo ao quinto mês, sendo que as raízes motoras são
mielinizadas antes das raízes sensitivas (no sistema nervoso central, a
mielinização inicia nos tratos sensitivos).
Nossos neurônios motores também vão sendo mielinizados,
especialmente durante os primeiros anos de vida, e são extremamente
importantes pois precisamos de uma boa qualidade motora e muscular para que
possamos explorar o ambiente e ter maiores oportunidades de aprendizado.
Esta mielinização vai acontecendo de maneira crânio-caudal, dessa forma, por
exemplo, primeiro firmamos a região cervical até por volta dos 4 meses, e assim
por diante vamos adquirindo mais sustentação o que nos permite explorar, ter
interesse e mais motivação para adquirir experiências e aprendizados.
O período que o cérebro está fazendo mais sinapses/conexões é do 7º
mês gestacional até 2 anos de vida, por isso enfatizamos a importância da
intervenção precoce e das janelas de oportunidade, anos em que temos maiores
oportunidades e velocidade de aprendizagem.
Quanto mais mediada por emoção maior, melhor é a conectividade do
aprendizado. Dessa forma, o cérebro reconhece, se conecta com as regiões que

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estão sendo estimuladas e faz mais conexões e interconexões cerebrais.
Quando mais conexões, maior o repertório. Não podemos esquecer da
importância do enriquecimento do ambiente, pois os aprendizados têm que
acontecer e se generalizar em todo o momento da vida e em qualquer contexto.
No quinto mês de gestação, o bebê é capaz de ouvir e logo mais pode
discernir entre doce e ácido quando sua mãe ingere algum alimento. Então, é
muito importante que, ainda durante a gestação, nós orientemos que os pais
conversem com o bebê, cantem música para que ele comece a ser estimulado,
para que essas sinapses funcionem e se fortaleçam ativamente.
Os neurotransmissores são substâncias químicas que transportam,
estimulam ou equilibram os sinais entre neurônios e outras células do corpo. A
neurotransmissão constitui a base para a maior parte dos eventos de
transferência de informação no sistema nervoso. A acuidade e a complexidade
desses processos durante o desenvolvimento humano formam o substrato para
atividades superiores como aprendizado, memória, percepção e cognição.
A quantidade de neurotransmissores liberada entre dois neurônios, ou na
rede neural como um todo, pode aumentar ou diminuir para responder a
mudanças fisiológicas. Muitos transtornos neuropsiquiátricos ocorrem por conta
desse desbalanço excessivo ou por diminuição de receptores para os
neurotransmissores. Nesse contexto, certos neurotransmissores e muitas
drogas podem modificar o processo de neurotransmissão, produzindo efeitos
adversos ou, por outro lado, corrigindo algumas disfunções.
Basicamente, ao ser acionado, o neurônio receptor passa por uma
transformação química em sua membrana, o que desencadeia uma descarga
elétrica através de seus prolongamentos. Essa corrente elétrica pode ser
transmitida ou inibida por longas distâncias no cérebro, principalmente a partir
da atuação dos neurotransmissores. Alguns dos principais neurotransmissores
inibidores incluem a serotonina e o ácido gama-aminobutírico (GABA).
A serotonina é importante na regulação e modulação do humor, sono,
ansiedade, sexualidade e apetite. Níveis persistentemente elevados de
serotonina poderiam acarretar um déficit na eliminação de sinapses e contribuir
para um aumento no número de minicolunas corticais e, assim, contribuir para

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um desarranjo desta arquitetura e funcionamento. A síntese alterada e elevações
dos níveis de serotonina nas plaquetas costuma ser um achado consistente em
pessoas que se encontram no espectro do autismo. Os inibidores seletivos da
recaptação da serotonina são um tipo de medicação antidepressiva comumente
prescrita para tratar depressão, ansiedade, transtorno do pânico e ataques de
pânico. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina trabalham para
equilibrar os níveis de serotonina, bloqueando a sua receptação.
O GABA contribui para a visão, controle motor e desempenha um papel
na regulação da ansiedade. Os benzodiazepínicos usados para ajudar no
tratamento da ansiedade funcionam aumentando a eficiência dos
neurotransmissores GABA, o que pode aumentar a sensação de relaxamento e
calma.
O glutamato é o neurotransmissor mais abundante encontrado no sistema
nervoso, fazendo parte do sistema excitatório e desempenha papel em funções
cognitivas, como memória e aprendizagem. Quantidades excessivas de
glutamato podem causar excitotoxicidade, gerando hiperexcitabilidade cerebral
e/ou resultando em morte celular. Essa excitotoxicidade causada pelo acúmulo
de glutamato está associada a algumas doenças e lesões cerebrais, como
Alzheimer, crises epilépticas, entre outros.
Um aumento na função excitatória mediada pelo sistema excitatório,
relacionado com glutamina e glutamato em discrepância em relação ao sistema
inibitório gabaérgico, faz com que este cérebro fique sempre em alerta, vígil, o
que pode levar à distúrbios de sono, humor, comportamentos inapropriados,
hiper-resposta sensorial. Esse desequilíbrio está relacionado a mecanismos
neurobiológicos de transtornos do neurodesenvolvimento, como o espectro do
autismo.
Alterações genéticas, hormonais, imunológicas mediadas por linfócitos T,
CD4, citoquinas, interleucinas podem afetar o cérebro estimulando a produzir
mais excitação.
Alguns neurotransmissores, como a acetilcolina (relacionado com
neurônios motores, função muscular, memória e aprendizagem) e a dopamina,
podem criar efeitos excitatórios e inibitórios, dependendo do tipo de receptores

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que estão presentes. O sistema dopaminérgico influencia os mecanismos de
recompensa, motivação e reforço dos comportamentos, e tem sido implicado
tanto na dependência de substâncias como na de comportamentos.
A dopamina também desempenha seu papel na coordenação dos
movimentos do corpo. Na doença de Parkinson, por exemplo, há perda de
neurônios relacionados à dopamina com quadro de tremores e prejuízos
motores. As alterações nas vias dopaminérgicas podem estar subjacentes à
busca de recompensas, no sentido de aumentar a secreção de dopamina e
produzir sentimentos prazerosos. A dopamina também parece estar relacionada
com os mecanismos atípicos encontrados no Transtorno do Espectro Autista por
haver baixas conexões com regiões do cérebro que liberam dopamina em
reposta a recompensas.
A noradrenalina é um neurotransmissor importante no estado alerta
envolvido na resposta de luta e fuga em reposta a perigo ou estresse, entre
outros neurotransmissores.
Durante todo o processo de desenvolvimento cerebral pode haver então
desordens arquiteturais, químicas, funcionais, de conectividade. A
sintomatologia dos transtornos do neurodesenvolvimento e psiquiátricos podem
variar de acordo com as áreas mais afetadas correlacionadas ao transtorno.
Com o nascimento, o cérebro pode apresentar funcionamento típico ou já
apresentar questões atípicas. Como este cérebro irá se desenvolver a partir
desta fase dependerá da sua genética, do ambiente a que foi exposto com suas
experiências e dos possíveis insultos.
A maturação cerebral só estará concluída por volta dos 24-25 anos de
vida com o amadurecimento do córtex pré-frontal. Desde a 3ª semana de
gestação, quando o cérebro começa ser formado, até a velhice, as estruturas,
funções e sinapses/conexões cerebrais estão constantemente em mudança e
isso acontece durante toda a vida. O tamanho do cérebro aumenta rapidamente
na infância e aos seis anos já atinge cerca de 90% do volume que terá no adulto.
Até certo ponto, as alterações encontradas no envelhecimento do cérebro
são inevitáveis. Essas alterações não afetam o cérebro de uma maneira uniforme
e da mesma maneira para cada indivíduo. Com este envelhecimento cerebral,

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as sinapses/redes de conexões neuronais diminuem, assim como há alterações
funcionais, químicas, morfológicas, hormonais e entre outras. O envelhecimento
cerebral tem influência genética e das experiências vividas que irão repercutir de
maneira diferente sobre o comportamento de cada indivíduo. Questões como
hipertensão arterial, diabetes e outras doenças metabólicas, estresse, doenças
autoimunes, entre outras condições, influenciam negativamente neste processo.
Para que as capacidades mentais e cognitivas na velhice sejam mantidas,
o cérebro precisa se manter saudável e ativo.

Anatomia do Cérebro e suas Funções


Através da fissura longitudinal, o cérebro é dividido em duas metades
chamadas hemisférios. Um espesso feixe de fibras nervosas chamado corpo
caloso faz a comunicação entre os hemisférios.
Na grande maioria das pessoas, o hemisfério cerebral “dominante” é o
hemisfério cerebral esquerdo, ou seja, a área da linguagem e do pensamento
lógico estão localizados do lado esquerdo do cérebro. O hemisfério cerebral
direito está relacionado com aspectos de criatividade e pensamento simbólico.
O córtex cerebral é dividido em áreas denominadas lobos cerebrais, cada
uma com funções diferenciadas e especializadas.

Lobo Frontal
Os lobos frontais se localizam anteriormente aos lobos parietais,
separados pelo sulco central e acima e à frente dos lobos temporais (separados
pelo sulco lateral).
As principais funções do lobo frontal estão relacionadas às funções
executivas (capacidade de refletir sobre atos presentes e julgar suas
consequências, pensamento crítico, julgamento social e moral, planejar, idealizar
metas, memória de trabalho, modular e definir comportamentos socialmente
aceitos); capacidade de empatia; respostas afetivas não impulsivas; motivação;
programação motora da fala (área da Broca); manutenção da atenção e
concentração; pensamento abstrato e criatividade; associação envolvendo áreas
de aprendizado e pensamento complexo/associativo.

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Conexões entre o lobo frontal e o sistema límbico são fundamentais para
a percepção, avaliação e memorização de eventos de origem emocional.
O córtex motor localizado no lobo frontal controla e coordena a motricidade
voluntária, sendo que o córtex motor do hemisfério direito controla o dimídio
(hemicorpo) esquerdo, enquanto o do hemisfério esquerdo controla o dimídio
direito.
A maturação cerebral, que começa ainda no útero, só será concluída por
volta dos 24-25 anos quando o córtex pré-frontal, localizado mais anteriormente
neste lobo e responsável pelo comportamento social e empatia se encontra
totalmente amadurecido.

Lobo Temporal
Os lobos temporais são limitados superiormente pelo sulco lateral e
posteriormente pela incisura pré-occipital.
Entre as principais funções do lobo temporal estão o processamento de
informações auditivas e a interpretação da fala, já que ele é a sede do córtex
auditivo primário (localizado na porção posterior e superior do giro temporal
superior), percepção do significado das palavras durante uma leitura,
diferenciação de expressões faciais (giro temporal médio) e está relacionado à
determinadas caraterísticas da fala como o controle da entonação, intensidade
e melodia (giro temporal inferior).
A menor ativação da área fusiforme facial parece ser relacionada com o
grau de prejuízo social. Déficits perceptivos, emocionais e cognitivos podem
estar relacionados com comprometimentos no funcionamento temporal. Regiões
associativas temporais estão estreitamente conectadas aos sistemas sensoriais
associativos frontais, parietais e do sistema límbico.
Ainda no lobo temporal, encontramos uma estrutura chamada hipocampo
que se localiza na porção média deste lobo e está relacionado ao controle e
gerenciamento da memória. Cada acontecimento que vivemos, sentimos e
experimentamos é filtrado pelo hipocampo, que em associação com o
hipotálamo, permite que possamos nos lembrar não somente das experiências,
mas também daquilo que sentimos em relação a elas.

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A amígdala é uma estrutura localizada profundamente no lobo temporal e
é responsável por dar atribuição de significado/"valor" emocional do que é visto.
Está relacionada ao controle do comportamento primitivo, como controle do
comportamento sexual e social, respostas emocionais mais impulsivas,
comportamentos instintivos relacionados, por exemplo, a perigo, medo e
ansiedade. Suas conexões produzem uma reação emocional, mas também
permitem a inibição de comportamentos devido à sua estreita ligação com o lobo
frontal.
Dentro do sistema límbico, a amígdala associada ao hipocampo, também
dá origem a lembranças emocionais.
É de fundamental importância falar sobre o sistema límbico. Sua função
está relacionada com o controle de emoções; processos motivacionais; controle
do sistema nervoso autônomo, que é responsável por enviar sinais aos nervos
para manter um estado de alerta (sistema nervoso simpático) ou para inibir esse
estado (sistema nervoso parassimpático); regulação do comportamento
alimentar; controle dos centros de prazer e recompensa; e função de
aprendizado e memória. Além do hipocampo e da amígdala, o sistema límbico é
formado basicamente pelo tálamo, hipotálamo, corpos mamilares, área septal,
giro do cíngulo e núcleos habenulares.

Lobo Parietal
Os lobos parietais estão localizados posteriormente aos lobos frontais,
logo acima dos temporais, e anterior e superior aos lobos occipitais. São
separados dos lobos frontais pelos sulcos centrais; dos lobos occipitais, pelos
sulcos parieto-occipitais, e dos lobos temporais, pelos sulcos laterais.
A principal função do lobo parietal é a percepção sensorial. É a região do
cérebro responsável por processar os diferentes tipos de sensibilidade, como o
tato, sensação de dor, temperatura, pressão e vibração, exceto olfato, além de
ser importante na integração e interpretação de imagens visuais. Através das
porções mais posteriores do lobo parietal que temos a capacidade de reconhecer
objetos somente pelo tato, sem utilizarmos a visão (o que chamamos de “gnosia
digital”). O lobo parietal direito é responsável pela orientação visual e espacial,

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pela noção de profundidade e reconhecimento do próprio corpo, além ser
importante para o aprendizado da escrita, leitura, cálculos e lateralidade.

Lobo Occipital
Está relacionado com a área visual primária e processamento de
informações visuais. Os lobos occipitais mantêm relação estrutural e funcional
com os lobos parietais, temporais e frontais, uma vez que o processamento das
imagens visuais é bastante complexo.
Lesões que se localizem no córtex visual primário tendem a provocar
alterações visuais de campo, enquanto lesões em áreas associativas (regiões
parieto-occipitais ou têmporo-occipitais) tendem a provocar alterações na
identificação de cores e agrafia.

Ínsula
A ínsula seria um quinto lobo cerebral, que se encontra profundamente no
cérebro, não dá para ser visto na superfície e está relacionado ao
reconhecimento de face humana, empatia.

Cerebelo
O cerebelo é responsável basicamente pelo controle do tônus muscular,
equilíbrio, coordenação dos movimentos. Suas conexões com as demais áreas
corticais estariam relacionadas também com cognição, motivação e emoção. O
cerebelo coordena ainda a aprendizagem motora e a memória de
procedimentos, além de complexas funções sensoriais, emocionais e cognitivas.
As células de Purkinje, encontradas no cerebelo, são neurônios
extremamente diferenciados. Estas células são moduladoras de uma variedade
de funções cerebrais e impactos no processamento da linguagem, planejamento
antecipatório e motor, imagens mentais e sequenciamento programado, e
organização automática da aprendizagem.
A relação da sensopercepção com a motricidade é feita através da
propriocepção e sistema vestibular, que integra estes sistemas aos núcleos da
base, integrando ponte-bulbo-cerebelo.

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Tronco Encefálico
O conjunto do mesencéfalo, ponte e bulbo denominam-se tronco
encefálico.
As fibras nervosas que ligam o córtex cerebral e cerebelar com a medula
espinhal passam pela ponte. A ponte retransmite os impulsos nervosos entre o
bulbo e o mesencéfalo, e de um lado do cerebelo para o outro. Está relacionado
ao controle do ciclo sono- vigília, respiração e nervos cranianos V-VIII.
O bulbo regula o rítmo e a força dos batimentos cardíacos, o diâmetro dos
vasos sanguíneos, e o centro respiratório bulbar de ritmicidade que regula a
frequência da respiração. Há ainda núcleos associados às sensações de toque,
pressão e vibração; núcleos que coordenam os reflexos de deglutição, vômito,
tosse e espirro; e núcleos que recebem a informação sensitiva ou fornecem a
resposta motora dos nervos cranianos VIII-XII. Contém também a formação
reticular.
Bebês que irão desenvolver condições ou transtornos do
neurodesenvolvimento já nascem com questões atípicas o que prejudica
oportunidades de aprendizado desde muito cedo e dificultam a especialização
neuronal.

Poda Neural ou Poda Neuronal


A poda neuronal acontece durante toda a vida, começando ainda
intraútero. Nascemos com aproximadamente 100 bilhões de neurônios prontos
para fazerem inúmeras conexões de acordo com experiências vividas, gerando
inúmeras possibilidades de aprendizado.
Na primeira infância, especialmente nos 2 primeiros anos de vida, nossos
bilhões de neurônios estão fazendo conexões, novos circuitos cerebrais em uma
velocidade extremamente intensa, de acordo com aquilo que experimentamos e
vivenciamos.
Estas conexões são responsáveis por transmitir informações por todo o
Sistema Nervoso Central e nosso organismo para incorporar aprendizados.
Neste período o bebê possui mais que o dobro de sinapses e aproximadamente
5 vezes mais neurônios que um adulto.

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Nestes primeiros anos de vida, estamos sendo apresentados a inúmeras
experiências formando uma base para que, ao longo da vida, possamos nos
“especializar” naquilo que for de maior interesse ou que vivenciamos de maneira
mais intensa, o que é extremamente saudável. Excesso de conexões cerebrais
poderiam deixar nosso cérebro mais hiper excitado e não especializado.
Na medida que a criança recebe estímulos que proporcionarão aprendizados de
novas habilidades em todas as áreas do desenvolvimento, o cérebro passa a
reconhecer quais conexões têm sido frequentemente mais requisitadas e
utilizadas, e as reforçam com significado. Quanto mais experimentamos
determinado estímulo em frequência e intensidade, mais forte estas conexões
também irão se tornando.
Aquelas conexões que não estão sendo muito utilizadas ou que não foram
fortalecidas, serão eliminadas, o que chamamos de poda neuronal. Essa
“limpeza” que acontece no nosso cérebro é importante para ampliar o repertório
de interesses e aprendizados que serão realmente importantes para o
desenvolvimento nas mais diversas áreas.
As podas neuronais mais importantes ocorrem por volta de 1 ano e meio
até 3 anos e na adolescência. Esta poda neuronal da primeira infância tem papel
particular no Transtorno do Espectro Autista. Acredita-se que, durante este
processo, possa haver falhas importantes levando a um excesso de conexões
por uma poda ineficiente, o que acarretaria um cérebro mais desorganizado,
hiper excitado e poderiam levar a perdas de habilidades já adquiridas, caso
ocorra eliminação de sinapses/conexões não fortalecidas, mas que detinham
habilidades adquiridas importantes.
Entendemos que, para que nosso cérebro selecione as conexões que
serão fortalecidas ou eliminadas e faça novos circuitos cerebrais, depende do
quanto que seus respectivos aprendizados foram incorporados com significado
em conexões mais fortalecidas.
Após a poda da primeira infância ocorre nova superprodução de
neurônios e das suas conexões. Esse crescimento é intenso até
aproximadamente onze anos para as meninas e doze e meio para os meninos.
A partir desta idade, o cérebro novamente inicia uma poda neuronal mais

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intensa, fortalecendo neurônios e conexões que estão sendo mais utilizadas e
descartando aquelas que não. Quanto mais usamos algumas conexões,
melhores e mais complexas elas se tornam.
As experiências que vivenciamos durante a adolescência, nossos hábitos
e aprendizados moldam o adulto que seremos. Adolescentes com
desenvolvimento típico ou não podem apresentar seu primeiro evento psicótico
relacionado à esquizofrenia neste período.
A esquizofrenia parece ter relação com esta poda neuronal da
adolescência em alguns indivíduos, uma vez que conexões cerebrais,
interrompidas ou em excesso devido à uma poda ineficiente, têm sido
relacionadas a este transtorno quando associado à predisposição genética.
Estes períodos de poda neuronal mais intensa são importantes para que
nosso cérebro se organize e especialize. Ao mesmo tempo, precisamos estar
atentos a oferecer para nossas crianças e adolescentes, experiências saudáveis
para que possam formar conexões saudáveis e fortalecidas.

Cérebro na Adolescência
A adolescência é um período de grandes transformações físicas,
emocionais, neuroquímicas, maturacionais, hormonais e de grandes desafios.
A forma como nos concentramos, memorizamos, pensamos criticamente,
resolvemos problemas, tomamos decisões, desenvolvemos empatia e nos
relacionamos socialmente vai mudando e amadurecendo ao longo da vida e, em
especial, nesta fase. Também nesta etapa, aumenta a busca por novidades, por
recompensa imediata, por experiências moduladas por emoções e o desejo por
maior engajamento social.
A forma como vivenciamos a adolescência, obtemos novos aprendizados
e fortalecemos conexões vai impactar diretamente no restante de nossas vidas.
Na adolescência ocorre uma segunda importante poda neuronal, a qual, assim
como a da primeira infância, faz um refinamento das sinapses para que o cérebro
se especialize ainda mais.
É importante oferecermos boas experiências nesta fase e estarmos
atentos, pois os adolescentes procuram por experiências que ativem seu centro

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de recompensa. Porém, nem sempre são experiências que desejamos que
fiquem incorporadas. Uma poda ineficiente nesta fase pode desorganizar em
aspectos sensoriais, comportamento mais inapropriados, maiores dificuldades
em relação à compreensão, socialização, flexibilidade e especialização de
aprendizados.
Na adolescência, o cérebro passa por uma enorme reestruturação, parte
do processo de especialização cerebral. As mudanças ocorrem principalmente
em algumas regiões, dentre estas: os núcleos da base, córtex parietal, núcleo
accumbens, córtex pré-frontal e amígdala cerebral.
O cérebro de um adolescente já atingiu o volume de um cérebro adulto. O
processo de amadurecimento cerebral acontece a partir da região posterior para
a anterior, ou seja, de trás para frente. Isso significa que o córtex pré-frontal é a
última região cerebral a estar madura, o que ocorre por volta dos 24-25 anos de
idade. Este amadurecimento naturalmente tardio explicaria a razão pela qual os
adolescentes tomariam decisões menos racionais e mais emocionais.
O córtex pré-frontal é responsável pelo comportamento social, empatia,
percepção e expressão de emoções, autocontrole, planejamento, pensamento
crítico, tomada de decisões e resolução de problemas, motivação, concentração,
atenção e memória de trabalho. Como o córtex pré-frontal não está totalmente
amadurecido, os comportamentos são mediados, em grande parte, pelo sistema
límbico, em particular, pela amígdala, que é responsável por respostas
emocionais mais primitivas, impulsivas, imediatas e reconhecidas e
armazenadas pelo hipocampo que memoriza essas experiências.
Por volta dos 15 anos, registra-se o pico de atividade dos neurônios-
espelho, células ativadas pela observação do comportamento de outras pessoas
e que levam à sua repetição. Esse é um dos motivos pelos quais os adolescentes
adotam comportamentos similares aos pares.
Nesta fase, os vínculos mudam e o adolescente consegue se vincular
mais com os amigos do que com os pais. Além disso, há uma grande
necessidade de ser aceito pelos amigos e o medo da rejeição. É uma fase na
qual a identidade não está absolutamente constituída e o comportamento dos

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pares, para eles, parece ser a forma de experimentar e ter uma “leitura” do
mundo.
Com relação às transformações hormonais, é o amadurecimento cerebral
que dita o início da puberdade. O hipotálamo produz os hormônios sexuais
quando o corpo está pronto para passar por uma série de transformações. Em
particular, o hormônio testosterona, principalmente em meninos, aumenta a
impulsividade e agressividade. A flutuação hormonal também provoca mudanças
no circuito de recompensas.
Associado a isso, há alterações relacionadas aos neurotransmissores,
especialmente à dopamina. Na adolescência, o núcleo accumbens, ligado ao
centro de prazer do cérebro que faz parte do sistema de recompensa, perde por
volta de 1/3 dos receptores de dopamina. Estes receptores vão diminuindo
naturalmente ao longo da vida. A consequência seria um embotamento do
sistema de recompensa, o que explica comportamentos como preguiça, tédio,
apatia.
A necessidade de recompensas imediatas e sentir prazer (com isso,
aumentando níveis de dopamina) faz com que eles se exponham a maiores
desafios, prazeres consumíveis, situações de perigo que trazem essas
sensações de “estar vivo”, de prazer.
O fato de focarem apenas nas sensações positivas, não dando valor aos
riscos e perigos, pode levar a uma tendência maior aos vícios. Todos os
comportamentos e substâncias viciantes incluem a produção de dopamina.
Como os adolescentes estão propensos a novas experiências, eles também
respondem com uma carga maior de dopamina, o que pode levar a um forte
círculo vicioso.
Um outro comportamento gerado pela remodelação cerebral desta fase é
a super-racionalidade, que é a capacidade de pensar apenas em termos mais
concretos, sem olhar para o contexto. Com esse tipo de pensamento, o
adolescente pode ser levado a considerar apenas os benefícios de suas ações
e não pensar nos riscos imediatos. Isso associado à impulsividade da fase e
necessidade de recompensa pode deixá-los ainda mais vulneráveis.

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Conforme os anos vão passando e o córtex pré-frontal vai amadurecendo,
formando novas conexões, os adolescentes conseguem começar a frear seus
impulsos. A adolescência é a fase em que ganhamos a consciência de quem
somos e de quem podemos ser.

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