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Não bastam boas intenções: é preciso fazer direito

Alexandre Ramos da Silva

O menos mau dos governos é aquele que se mostra menos,


que se sente menos e que se paga menos caro.
Alfred de Vigny

Quando cientistas políticos comparam a transição de governo nos EUA com a mudança do
Gabinete na Inglaterra, invariavelmente observam, em favor da segunda, o fato de que na máquina
administrativa mudam apenas o primeiro-ministro e os secretários. Nos EUA muda tudo, do
presidente ao ascensorista, e a nova equipe, que normalmente tem experiência em governo estadual,
leva um bom tempo para se adaptar à nova situação. Na Inglaterra, um corpo burocrático
profissionalizado e experiente faz com que a mudança do Gabinete ocorra sem sobressaltos, o
período de transição seja menor e o funcionamento da máquina administrativa não seja sequer
retardado, quanto mais emperrado.
Mesmo ocorrendo aqui e ali algumas injustiças, já que é perfeitamente provável que entre os
“parentes do poder” existam pessoas qualificadas para os cargos que ocupam, a sociedade brasileira
entende, e entende certo, que colocar a família inteira em cargos públicos é demais. É verdade que o
“aparelhamento” do Estado, como o PT fez no Rio Grande do Sul e faz agora no governo federal
também é algo grave e deve ser combatido, mas os sucessivos fracassos dos governos petistas, de
modo especial o governo federal, que oscila a cada semana entre a incompetência e a corrupção, já
nos tranqüilizam um pouco.
A medida de combate ao nepotismo trará, a médio e longo prazo, a formação de quadros
qualificados nos governos de todos os níveis, que serão efetivamente servidores públicos, e não
desta família ou daquele partido. A profissionalização dos servidores públicos, o enxugamento dos
quadros funcionais dos governos, o pagamento de salários compatíveis com o mercado e o fim ou
pelo menos a minimização de distorções como o nepotismo, o “aparelhamento” e a estabilidade no
serviço público são fundamentais para a operação de um governo moderno e eficiente.
A PEC 51/2005, cuja intenção é alterar a Constituição do Estado do Rio de Janeiro para
combater o nepotismo, além da redação duvidosa da justificativa, me parece que foi longe demais
em seu alcance, já que a medida proíbe não apenas a contratação de parentes (os quais, aliás, não
são mencionados em parte alguma), mas de qualquer outra pessoa para preencher cargos de
confiança, restringindo as opções aos “servidores de carreira técnica ou profissional” ou “que
tenham ingressado na estrutura administrativa do órgão ou Poder considerado, através de concurso
público, inclusive os que já estejam aposentados”. Ou seja: um secretário de governo, nos termos da
medida, só poderá escolher para cargo de confiança (que é um atributo estritamente pessoal)
funcionários que ele provavelmente nem conhece. É claro que em princípio todos são merecedores
de confiança salvo prova em contrário, mas no caso da formação de uma equipe de trabalho essa
confiança se baseia numa relação pessoal anterior.
A proposta também não explica como e por quem será feita a avaliação das qualificações das
pessoas indicadas para os cargos de confiança, quem vai determinar se possuem “experiência,
qualificação e confiabilidade”. A meu ver, isso só pode ser feito por quem indica, por quem monta a
equipe com a qual vai trabalhar. É verdade que, enquanto não forem feitos os necessários ajustes na
legislação em todos os níveis, desde já a sociedade pode cobrar dos nomeados, parentes ou não, a
necessária qualificação para os cargos ocupados. Não é muito difícil, basta comparar a descrição do
cargo com o currículo do ocupante.
A intenção da PEC de que “os partidos políticos possam indicar pessoas com visões
programáticas e políticas” também é preocupante, pois retira do secretário de governo a liberdade
de escolha de sua equipe e a transfere para o partido, promovendo assim o “aparelhamento”, tão
indesejado e nefando — se não pior — quanto o próprio nepotismo.
Há ainda uma questão importante: se a Constituição Federal ainda não proíbe a contratação de
parentes para cargos de confiança, tal proibição em nível estadual poderá ser derrubada por
inconstitucionalidade. De modo que se o fim do nepotismo, do “aparelhamento”, dos salários
distorcidos e da garantia eterna de emprego no serviço público são objetivos a serem alcançados
para que o Estado sirva à sociedade e não o contrário, vamos então fazer as coisas direito.

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