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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

LFBS
Nº 70065523292 (Nº CNJ: 0237707-86.2015.8.21.7000)
2015/CÍVEL

APELAÇÕES CÍVEIS. ECA. DIREITO À SAÚDE.


FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO FORA
DO DOMICÍLIO (TFD). ATENDIMENTO
PRIORITÁRIO DAS DEMANDAS DE SAÚDE DA
POPULAÇÃO INFANTO-JUVENIL.
RESSARCIMENTO DE VALORES RELATIVOS AO
TRANSPORTE E HOSPEDAGEM DE VIAGEM QUE
NÃO FOI PREVIAMENTE NOTICIADA E CUJO
CUSTEIO NÃO FOI PREVIAMENTE REQUERIDO
AO JUÍZO. DESCABIMENTO.
1. Sendo incontroverso que o infante iniciou
acompanhamento médico e interdisciplinar no
Hospital Sarah, na cidade de Brasília, tendo-lhe
sido deferido, inicialmente, pela via administrativa,
o Tratamento Fora Domicílio (TFD), e prementes as
suas necessidades de continuar o referido
tratamento naquele nosocômio, imperiosa a
manutenção da sentença atacada, para que seja
devidamente fornecido o tratamento fora do
domicílio ao infante, com custeio das despesas
relativas ao transporte e hospedagem, ante a
absoluta prioridade devotada a demandas que
envolvam a saúde de crianças e adolescentes, de
acordo com os arts. 196 e 227 da CF e com os arts.
7º e 11, caput, do ECA. A par disso, sobressai o
fato de que o ente federado demandado, que
inicialmente anuiu com a realização do Tratamento
Fora do Domicílio pelo menor demandante, não
comprovou a possibilidade de que
acompanhamento de igual padrão de qualidade
fosse disponibilizado à criança dentro do Estado.
2. Descabe impor ao ente demandando o
reembolso de despesas havidas com viagem que
não foi previamente comunicada e cujo custeio,
consequentemente, não foi previamente requerido
ao Juízo a quo, porquanto o deferimento da tutela
antecipada não eximia a parte de requerer
previamente que o demandado custeasse as
despesas com as viagens que a criança viesse a
necessitar durante o transcurso do feito. Assim,
somente se cogitaria de bloqueio de valores, caso
o Estado, devidamente intimado previamente para
fornecer o transporte e a hospedagem, não
cumprisse o comando judicial.
NEGARAM PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO
ESTADO E DA PARTE AUTORA. UNÂNIME.

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Nº 70065523292 (Nº CNJ: 0237707-86.2015.8.21.7000)
2015/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL OITAVA CÂMARA CÍVEL

Nº 70065523292 (Nº CNJ: 0237707- COMARCA DE PORTO ALEGRE


86.2015.8.21.7000)

E.R.G.S. APELANTE/APELADO
..
J.G.L.F. APELANTE/APELADO
..
S.M.L.F. APELANTE/APELADO
..
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Oitava Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento às
apelações do Estado do Rio Grande do Sul e da parte autora.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os
eminentes Senhores DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS E DR.
JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT.
Porto Alegre, 06 de agosto de 2015.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,


Presidente e Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE E RELATOR)


Adoto o relatório constante do parecer ministerial nesta
instância:

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Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo


ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e por JOEL G. L.
F. nos autos da ação ordinária ajuizada pelo segundo,
representado por sua genitora.

A sentença julgou procedente o pedido, condenando o


requerido ao pagamento de despesas decorrentes de
deslocamento e estada na Capital Federal, inclusive
aquelas decorrentes a um dos genitores, bem como as
despesas concernentes ao tratamento médico a que
se submete Joel G. L. F. (fls. 364/366).

Opostos embargos declaratórios pelo autor (fls.


369/370), a demanda foi julgada parcialmente
procedente para o fim de a) condenar o Estado ao
pagamento de despesas decorrentes de deslocamento
e estadia na Capital Federal, bem como as despesas
concernentes ao tratamento médico, mediante prévio
requerimento e autorização judicial, podendo futuras
despesas serem deferidas na execução da presente
sentença; b) indeferir o pedido de reembolso dos
valores postulados às fls. 354/357.

O ESTADO afirma que de acordo com a Portaria n.º


11/94 da Secretaria da Saúde, o tratamento fora do
domicílio (TFD) consistente em atendimento a ser
prestado quando esgotados todos os recursos de
tratamento, por meio do SUS, na localidade de sua
residência, desde que haja possibilidade de cura total
ou parcial. Aduz que no caso em tela, não restou
demonstrada a imprescindibilidade do tratamento na
rede hospitalar Sarah, sendo que a única diferença do
tratamento é que todos os profissionais estão
disponíveis no mesmo local. Salienta a inexistência de
laudo firmado por peritos da SES ou da confiança do
juízo referendando a indicação do tratamento
postulado e tece comentários sobre seu elevado custo,
bem como sobre a escassez de recursos públicos para
o atendimento de problemas de saúde. Pede
provimento para o fim de ser julgada improcedente a
ação (fls. 373/374v.).

JOEL G., por sua vez, insurge-se contra o


indeferimento do reembolso das despesas apontadas
nos documentos das fls. 354/357. Alega que nenhum
pedido de custeio efetuado no curso do feito foi
atendido antes da respectiva viagem e atendimento
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médico, sendo que todos os valores alcançados se


deram através de reembolso. Argumenta que o
Hospital SARAH dá apenas uma previsão de
atendimento, confirmando as consultas e
procedimento em média com um mês de
antecedência, prazo que se mostrou exíguo no
decorrer da demanda. Alega que seus genitores
esgotaram seus recursos financeiros, de modo que o
reembolso de tais despesas,no valor de R$ 4.067,20,
é de suma importância para a família. Noticia que
todas as despesas foram devidamente comprovadas,
assim como a necessidade de realização das viagens.
Afirma que a exigência de prévia autorização judicial
para fins de reembolso, na prática, inviabiliza a própria
evolução do tratamento, pois, como dito, a marcação
das consultas ocorrem em prazo exíguo incompatível
com a morosidade processual. Compromete-se a
efetuar o prévio requerimento judicial de todas as
despesas necessárias ao seu tratamento médico, bem
como prestar as respectivas contas. Pede provimento
a fim de ser deferido o reembolso do valor de R$
4.076,20 referente à viagem realizada em 2013,
ficando, expresso, que eventual demora na concessão
dos valores necessários às viagens e tratamentos
médicos, não impedirá o respectivo reembolso
mediante comprovação de tais despesas (fls.
375/386).

Contrarrazões pelas partes (fls. 390/396 e 402/405) e


parecer ministerial quanto à admissibilidade recursal
(fls. 408/409v.)

O Ministério Público opina pelo parcial provimento do recurso


do Estado e pelo provimento da apelação do autor.

Vieram os autos conclusos, restando atendidas as disposições


dos arts. 549, 551 e 552 do CPC, pela adoção do procedimento
informatizado do sistema Themis2G.

É o relatório.

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VOTOS

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE E RELATOR)


Como consectário natural do direito à vida, o direito à saúde é
assegurado pela Constituição Federal em seu art. 196, reproduzido a seguir:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do


Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.

Com relação às crianças e adolescentes, o ECA, em seu art.


7º, assim prevê:

Art. 7° - A criança e o adolescente têm direito a


proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e
o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições
dignas de existência.

Especificamente quanto à responsabilidade do poder público


pela promoção efetiva da saúde da criança e do adolescente, o ECA não
deixa dúvidas:

Art. 11 - É assegurado atendimento médico à criança


e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde,
garantido o acesso universal e igualitário às ações e
serviços para promoção, proteção e recuperação da
saúde.
(...)
§ 2° - Incumbe ao Poder Público fornecer
gratuitamente àqueles que necessitarem os

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medicamentos, próteses e outros recursos


relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Assim, havendo previsão expressa a respeito do fornecimento


de medicamentos e outros atendimentos na área da saúde por parte do
poder público a crianças e adolescentes, conforme se demonstrou, e tendo o
SUS estabelecido critérios e competências específicas para tanto, não
subsiste a alegação de que não há direito subjetivo ao fornecimento de
tratamento fora do domicílio ao menor demandante. Ademais, a própria
Constituição Federal, em seu art. 5º, § 1º, dispõe que “as normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.

No caso, como se infere dos relatórios médicos das fls. 27-28,


2930-31, 32, 33 e 34, a situação do menor JOEL, portador de paraplegia
flácida, disfunção neuromuscular não especificada da bexiga e dorsopatia da
região occipito-atlanto-axial (CID G82.0, N31.9 e M41) é deveras grave,
devendo ter continuidade o tratamento iniciado no Hospital de Sarah, na
cidade de Brasília, o que justifica o fornecimento do tratamento fora do
domicílio que ora postula nesta demanda, com o custeio das despesas
relativas a transporte e hospedagem.

No ponto, vale ressaltar que o autor afirmou, na petição inicial,


que iniciou o tratamento no Hospital Sarah antes mesmo do ajuizamento da
presente demanda, tendo-lhe sido deferido inicialmente, na via
administrativa, o Tratamento Fora do Domicílio (TFD). A documentação
acostada com a exordial corrobora esta alegação, comprovando que o
infante já havia sido avaliado naquele nosocômio. Por sua vez, o Estado
apelante, na contestação, não refutou essa alegação, tornando este fato
incontroverso. Logo, tendo o ente federado demandando anuído, ainda que

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inicialmente, com a realização do Tratamento Fora do Domicílio pelo menor


JOEL, deve, agora, viabilizar a continuidade deste tratamento, até mesmo
porque o ente público não comprovou a possibilidade de que
acompanhamento de igual padrão de qualidade fosse disponibilizado à
criança dentro do Estado. Friso que o local de tratamento indicado pelo
Estado demandado procedeu à avaliação da criança, indicando que: “(...) A
conclusão foi de que o paciente era inelegível para tratamento na Instituição
após ser avaliado por toda a equipe técnica (...)” (fl. 166).

Neste contexto, diante da absoluta prioridade devotada a


demandas que envolvam a saúde de crianças e adolescentes, de acordo
com o art. 227 da CF1 e os arts. 7º e 11, caput, ambos do Estatuto da
Criança e do Adolescente, imperiosa a manutenção da sentença atacada,
para que seja fornecido o tratamento fora do domicílio ao infante, devendo a
tutela de sues interesses se dar, pois, com primazia.

A par disso, também não prospera a irresignação veiculada


pela parte autora em seu recurso de apelação, cujo pedido de reforma da
sentença cinge-se ao indeferimento do reembolso de despesas havidas com
a viagem realizada no mês de agosto de 2013, na ordem de R$ 4.067,20.

Isso porque a referida viagem não foi previamente comunicada


ao Juízo de origem, e, consequentemente, tampouco o custeio do transporte
e hospedagem pelo Estado do Rio Grande do Sul foi requerido ao Juízo
previamente. Veja-se que na petição das fls. 295-296, protocolada no mês

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Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
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de junho de 2013, o demandante somente informou sobre o procedimento


cirúrgico realizado anteriormente, no mês de abril, nada referindo sobre a
necessidade de fornecimento de transporte e hospedagem para nova
intervenção cirúrgica, a ser realizada posteriormente. Destaco, assim, que a
viagem feita em agosto de 2013 somente foi informada nos autos dois
meses depois, em outubro de 2013, quando requerido reembolso das
despesas havidas (fls. 315-317).

Nesse panorama, com a devida vênia do entendimento


externado no parecer ministerial nesta instância, tenho que descabe impor
ao ente demandando o reembolso das despesas havidas com viagem
realizada em agosto de 2013, considerando que esta viagem não foi
previamente comunicada e seu custeio não foi previamente requerido ao
Juízo a quo. Friso que a concessão da tutela antecipada – que já havia sido
deferida, à época - não eximia a parte de requerer previamente que o
demandado custeasse as despesas com as viagens que a criança viesse a
necessitar durante o transcurso do feito. Assim, somente se cogitaria de
bloqueio de valores, caso o Estado do Rio Grande do Sul, devidamente
intimado previamente para fornecer o transporte e a hospedagem, não
cumprisse o comando judicial, afigurando-se, pois, descabido o pretendido
ressarcimento.

Outrossim, o argumento de que as tentativas administrativas se


revelaram frustradas não se presta para justificar este proceder, de antecipar
“por conta própria” as despesas com transporte e hospedagem, sem
comunicar previamente ao Juízo, até mesmo porque, em todas as outras
oportunidades anteriores à viagem realizada em agosto de 2013, sempre foi
requerido previamente no bojo do processo o custeio do TFD.

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Por todo o exposto, ante a inexistência de solicitação prévia de


custeio, tenho que, na linha do que opinou o próprio Ministério Público na
origem (fl. 330 e verso), bem andou o Magistrado a quo ao indeferir o
reembolso em questão, nos seguintes termos (fl. 371 ):

Ocorre que, conforme se verifica, todos os gastos


foram comprovados previamente à expedição das
liberações de valores, o que não ocorreu com os
últimos. A viagem para Brasília ocorreu nos dias
19/08/2013 a 14/09/2013, sem conhecimento do
Juízo e do Estado, o que impossibilitou adquirir as
passagens com custo mais módico. Ademais,
importante referir que havia tempo hábil para fosse
postulado o fornecimento das passagens ao ente
Estatal. (grifei)

Por tais fundamentos, não merecendo reparos a sentença


atacada, NEGO PROVIMENTO às apelações do Estado do Rio Grande do
Sul e da parte autora.

DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT (REVISOR) - De acordo com


o(a) Relator(a).

DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - Presidente - Apelação Cível nº


70065523292, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO ÀS
APELAÇÕES DO ESTADO E DA PARTE AUTORA. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: CARLOS FRANCISCO GROSS

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