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07/03/2023, 09:12 Compreendendo a Desfusão Cognitiva - Portal Comporte-se

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Compreendendo a Desfusão Cognitiva


Por Igor da Rosa Finger Sáb, 03/09/2016, Às 01h04 PM  8.8k Views  1
(Esse artigo é uma continuação do anterior. Sugiro ler esse texto antes de
continuar)

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), em sua teoria, apresenta o modelo


de Flexibilidade Psicológica, que é organizado em seis processos. Os processos
não são protocolos ou etapas da terapia. Na verdade, eles estariam interligados
entre si, relacionados uns aos outros. Ao trabalhar com um, é bem provável que
estejas trabalhando com outros. Um desses processos se chama Desfusão
Cognitiva. O nome desse processo advém do contrário, a Fusão Cognitiva. Essa
última, por sua vez, está relacionada aos contextos da linguagem: dar razão,
avaliação, controle e, principalmente, literalidade.

Fusão Cognitiva (FC) é estar fundido, fixado, preso aos eventos privados,
considerando-os verdadeiros ou reais. Quanto maior a FC, mais incapaz a pessoa
será de diferenciar esses eventos privados das contingências ambientais (Luoma,
Hayes & Walser, 2007). Ou seja, pensar ou sentir literalmente é o que está
acontecendo no ambiente fora de mim. Considerando a evolução das espécies e a
famosa seleção natural, se temos facilidade de estarmos fundidos cognitivamente,
é porque isso funciona e é útil para nossa adaptação e sobrevivência. Não há
dúvidas disso. Afinal, chegamos onde estamos muito pela habilidade que temos
de, entre outras, classificar, prever, explicar, comparar, preocupar e julgar.
Proteção e adaptação parecem ser as funções da cognição.
1

O problema é que a linguagem se desenvolve a partir de relações que são


arbitrariamente definidas e derivadas (não necessariamente provindas) da
experiência vivida. Ou seja, é possível que a cognição nos proteja de algo que já
aconteceu, nunca aconteceu, não esteja acontecendo agora ou nem se sabe se

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vai acontecer. Hayes já disse que “quando tomamos o pensamento literalmente,


estamos à mercê de toda a experiência da vida” (Hayes & Smith, 2005). Então o
problema não é ter fusão cognitiva (ela é muito útil), mas não conseguir
discriminar quando a fusão está sendo útil ou não para dirigir a vida ao que vale a
pena.

Desfusão Cognitiva (DC) nada mais é do que procurar mudar as funções dos
eventos privados (pensamentos, emoções, lembranças, etc.), principalmente
quando lutamos contra eles (“não quero pensar nisso”, “não quero sentir isso”).
Visa mudar a forma como nos relacionamos e interagimos com nossos
pensamentos. É observar os pensamentos e não observar a partir deles (Luoma,
Hayes & Walser, 2007).

Você já viu filme 3D no cinema? Metaforicamente, a DC seria como uma sessão


de um filme de cinema em 3D. O filme em si, na verdade é em 2D (largura e

altura). O 3D (profundidade) é possível porque se grava com d óculos 3Duas


câmeras, uma ao lado da outra, como se fosse nossa visão. O óculos usado para
ver em 3D permite passar certas cores em uma lente e outras na outra lente e isso
nos dá a noção de profundidade, de
perspectiva. Voltando a DC: temos diversos comportamentos governados por
regras. Alguns desses são muito úteis para nos aproximar do que é importante
para nós; outros são mantidos por consequências aversivas. DC é tomar uma
perspectiva desses pensamentos/regras. É “usar um óculos” para ter uma noção
de “profundidade” dessas regras, assim como se tem essa mesma noção das
cenas de um filme em 3D.

O cuidado que temos que ter é que as práticas de DC não existem para eliminar
ou controlar o sofrimento associado aos eventos privados (até porque, como
vimos no texto anterior, isso só mantem o sofrimento). Na verdade, praticar a DC é
aprender a estar no momento presente, de forma mais ampla, gentil e flexível
possível. E é aí que exercícios de1 mindfulness colaboram para a prática da DC.
Uma prática possível é de, durante o exercício, propor que a pessoa se imagine
sentado em um cinema e que cada pensamento, emoção, lembrança que seja
desagradável ou sofrida, e que a pessoa tenha vivido ou esteja vivendo, seja
“jogado” na tela do cinema, com se fosse um filme. Ou ainda imaginar-se em um

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parque, próximo de um riacho, com folhas passando pela água, seguindo seu
curso, e que em cada folha conste o pensamento ou emoção que esteja
associado ao sofrimento.

Também é possível praticar a rotulação dos pensamentos, isto é, pontuar que o


pensamento é um pensamento. Treina-se esse distanciamento do pensamento
através da diferença entre “Sou um fracasso” e “Estou tendo um pensamento de
que sou um fracasso”. O interessante é que as relações e significados do
“Fracasso” permanecem na experiência do sujeito. Mas o treino leva à diminuição
da literalidade dessas relações e faz com que o sofrimento associado à
literalidade também diminua.

Outra forma de treinar a habilidade de considerar o pensamento como ele


realmente é (apenas pensamento) é colocando o pensamento associado ao
sofrimento em um contexto diferente do esperado. Por exemplo: cantar o
pensamento “minha vida não vale nada” como se fosse parabéns a você ou o hino
do seu time de futebol. É algo que foge do contexto. O interessante é notar o que
acontece com as emoções quando as mesmas palavras são colocadas em outro
contexto (música): tendem a mudar também. A ideia é mostrar que o sofrimento
associado as palavras do pensamento perde a função quando as mesmas
palavras são colocadas em outro contexto. Ou seja, o pensamento é apenas
palavras que arbitrariamente foi relacionado àquela emoção desagradável. O
pensamento em si não diz o que a pessoa é, fez ou faz. Muitos outros exercícios
podem ser feitos ou criados com o objetivo de auxiliar a pessoa a notar que ela
não é seus pensamentos ou emoções (na verdade, é muito mais do que isso).
Use a sua criatividade como terapeuta para desenvolvê-los.

Há uma tendência a fazer DC com pensamentos e emoções relacionadas ao


sofrimento, pois a literalidade desses eventos privados pode levar à esquiva da
experiência, o que, por reforço negativo, mantém o comportamento de lutar contra
esse próprio sofrimento, desenvolvendo
1 a inflexibilidade psicológica. Somente a
desfusão cognitiva não faz com que a pessoa se aproxime de uma vida valiosa.
Também não é um botão que liga e desliga: “agora estou desfundido e estarei
desfundido sempre”. Na verdade, passamos a maior parte do dia na Fusão
Cognitiva (e isso é ok). Desfusão é um treino discriminativo que nos auxilia a ter

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maior disposição ao contato com o momento presente, no aqui agora, sem


julgamento e em maior contato com as contingências, favorecendo a aceitação da
experiência vivida.

Referências:
Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2007). Learning ACT: an acceptance
& commitment therapy skills-training manual for therapists. New Harbinger
Publications.

Hayes, S. C., & Smith, S. (2005). Get out of your mind and into your life: the new
acceptance and commitment therapy. New Harbinger Publications.

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Escrito por Igor da Rosa Finger


Psicólogo (PUCRS). Doutor em Psicologia (PUCRS). Mestre em Psicologia, com ênfase em Psicologia
Clínica (PUCRS). Colaborador do Grupo de Pesquisa Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitiva e
Comportamental (PUCRS). Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética (Behavioral
Tech/2016). Professor de disciplinas em diversos cursos de formação e especialização brasileiros. Diretor da
Vincular. Membro da ACBS.

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