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I

Verônica

O dia já havia começado nublado, o céu tinha uma cor estranha de


vômito de gato e mesmo que naquela estação do ano não fizesse tanto frio,
Verônica congelava com o vento. As calçadas estavam cheias de poças
d’água, assim como a beirada das ruas, e alguns lugares tinham tanta lama
que seria impossível caminhar. Mas não poderia ficar mais em casa, já havia
perdido as oportunidades de sair ontem à procura de um emprego. Em outros
tempos, ela nem importaria tanto em continuar se empurrando num trabalho
em que não estava totalmente satisfeita, mas depois de ter dado uma surra no
próprio patrão que lhe falou algumas gracinhas e tentou se insinuar para ela,
seu currículo ficou manchado, assim como o céu de hoje. Para alguém que
está quase um mês desempregada, não se pode perder mais tempo.
Verônica Bittencourt é uma mulher decidida e segura de si. Daquelas
que não se curvam perante os homens e não aceitam tudo de boca calada, é
daquelas que discutem, debatem e acima de tudo, se afirmam numa
sociedade machista. Ela diz que não é dessas roceiras que abaixam a cabeça
e dão aos homens poderes universais, ela é urbana. Alguns a chamam de
marrenta. Sentada numa das últimas cadeiras vazias num cantinho lateral da
barca a mulher ainda termina de se arrumar, passando seu batom como se
fosse um escudo. Quero ver sair de casa sem uma maquiagem... Ajeita a
saia preta de grife famosa, confere seu visual no espelho do celular e checa
as mensagens. Enquanto não atravessa a Baía de Guanabara até a cidade do
Rio de Janeiro, continua ali observando a paisagem lá fora. É possível ver
os pássaros voando paralelos à linha da água em busca de alimento, mas uma
corrente de lixo os atrapalha, a água está poluída e escura.
Demora cerca de quinze minutos para que desembarque do catamarã
social numa avalanche de pessoas correndo como se a sobrevivência delas
dependesse daquilo, parecia até que uma bomba estava prestes a explodir no
interior da embarcação para que saíssem tão desesperadas. A mulher
arrumada e pronta para abalar numa nova entrevista de emprego anda junto
da multidão seguindo o fluxo sem nem saber ao certo o endereço onde deve
comparecer, as únicas informações que tem é o horário combinado, o nome
do edifício e um ponto de referência. Esperava encontrar com facilidade.
Continua andando na mesma calçada, com sua bolsa a frente do corpo
protegendo-se de assaltos. Nos últimos tempos, a cidade tem ficado muito
perigosa e violenta, qualquer caminhar diferente já é suspeito, ninguém está
imune. Verônica acelera o passo, não que carregasse algo valioso, mas seus
documentos estavam ali. No meio do caminho questiona algumas pessoas
acerca do prédio que precisa encontrar, alguns são até solícitos em ajuda-la,
mas a maioria não sabe o ponto ao certo. Atenta aos movimentos no redor,
pega o celular e telefona para Aurora, sua melhor amiga com quem divide
apartamento, e que provavelmente ainda está dormindo, mas com um pouco
de insistência, acaba atendendo.
_ O que foi? _ sua voz não é das melhores, pelo visto não ficou muito
satisfeita em ter sido acordada.
_ Preciso de um favor urgentíssimo seu _ confessa _ Pesquisa pra mim
aí o endereço de um edifício, vou te mandar o nome por mensagem e me
responda rápido, é que eu não sei onde fica. Estou com pouca internet.
_ É impressão minha ou você foi fazer uma entrevista de emprego sem
nem saber o local da empresa?
_ Eu não sabia que seria tão difícil encontrar! _ tenta se desculpar, com
uma voz um pouco rouca.
_ Aguarda alguns minutinhos que ainda estou em processo de despertar.
Não acordei totalmente. Tchau!
As duas terminam a ligação, Verônica manda os dados por mensagem e
aguarda. Depois continua num caminhar desinibido, rebolando o máximo
possível como se a calçada de concreto fosse sua passarela particular. Por
mais que ela estivesse por baixo, nunca perdia a pose, continuava a desfilar
como uma modelo. Até que...
_ Ahhhhh! _ grita com o que acaba de acontecer.
Um carro preto de última linha e de enorme porte, com um motorista
desatento que utiliza o celular enquanto dirige, passa numa poça d’água e dá
literalmente um banho em Verônica. É impossível dizer que alguma parte do
seu corpo havia continuado seca. Sua maquiagem ficara completamente
destruída e o que escorria pela sua face pareciam lágrimas negras. O olhar
fuzilante da mulher para o carro retratava que tinha incorporado a própria
Fúria em seu corpo. E não era pra menos, o rico homem de terno e gravata
que estava dentro do carro nem parou pra prestar qualquer tipo de ajuda ou
pedir desculpas. Seguiu viagem fingindo que nada tinha acontecido, talvez
nem tivesse percebido. Ela só conseguiu ver de relance o homem, mas foi o
suficiente para captar sua aparência na memória.
Completamente tomada de raiva, a mulher já havia xingado aquele
imprudente motorista de todos os palavrões conhecidos e outros ainda
indecifráveis, qualquer palavra ruim que lhe vinha à cabeça já era gritada
como se aquilo pudesse secar seu corpo, mas talvez aliviasse um pouco seu
ódio. Pobre não dá sorte na vida. Sem saber o que fazer, Verônica segue
pelas ruas procurando alguma alternativa para a troca de suas vestimentas,
qualquer brechó ou lojinha de roupas a preço popular talvez desse um jeito
nisso. É claro que não encontraria nenhuma saia de marca como a que usava
e também nem teria dinheiro para esses luxos, mas talvez ainda houvesse
alguma esperança, ela não podia desperdiçar aquela oportunidade de
emprego.
A alguns muitos quarteirões de distância, consegue encontrar um
pequeno corredor espremido com milhões de roupas jogadas umas em cima
das outras, algumas peças de péssimo gosto ficavam penduradas numa arara
na entrada e no interior da loja uma mulher maltrapilha com uma verruga
grande no nariz, as sobrancelhas unidas e uma pele suja se encontrava
sentada com um bebê chorão no colo. Até se oferece para ajudar a cliente,
mas esta imediatamente recusa, vendo que a funcionária não daria conta de
duas tarefas ao mesmo tempo.
Enquanto Verônica escolhe algo que seja vestível, o que é quase uma
tarefa impossível encontrar algo de gosto menos pior possível, seu celular
vibra. É uma mensagem de Aurora informando exatamente o endereço da
entrevista. Ufa! Confere no relógio e tem apenas dezoito minutos para se
apresentar, seria péssimo aparecer atrasada justamente na entrevista, nem
passaria na admissão. Em poucos minutos ela escolhe as peças, paga um
valor bem considerável em relação ao real valor das roupas, mas não tem
outra opção. Adquire também uma camiseta velha para servir de toalha e
acaba se trocando no banheiro imundo da loja cujos azulejos deveriam ter
sido esfregados pela última vez no período antes de Cristo.
Por incrível que pareça, logo que veste as peças e se olha no espelho,
sente-se bem. A blusa preta de manga longa junto com uma calça jeans azul
não ficou dos piores modelitos. Lava o rosto, chorando por ter desperdiçado
horas do seu dia fazendo aquela maquiagem para um idiota borrá-la.
Verônica nunca foi o tipo de mulher que se maquiava para conquistar homem.
Eu não tenho 78 cores de batom para impressionar alguém que não sabe a
diferença entre laranja e carmim. Mas era importante estar apresentável
para aquela entrevista. Sai do banheiro da loja sem muito tempo para se
compadecer da criança de colo que continua chorando e corre até o
conhecido endereço que lhe fora informado pela amiga.
Nervosa, ansiosa, tremendo e fedendo a água podre, Verônica entrega
os documentos no balcão da empresa e informa para o senhor alto e elegante
que veio para a entrevista. Ele olha pra ela com olhares de desejo e más
intenções, mas é simplesmente ignorado. Verônica odeia quando isso
acontece, será possível que algum dia as mulheres poderão andar nas
calçadas sem que os homens olhem suas bundas e passem cantadas
estúpidas? O homem indica um corredor cumprido com várias portas
grandes e luxuosas. Uau! Devido à ânsia de chegar no horário certo,
Verônica nem tem tempo de analisar o espaço a sua volta, mas quando
caminha pelo corredor é impossível não reparar nas janelas de vidro, jardins
de margaridas bem cuidadas e portas de madeira enormes típicas das
mansões que se veem nas novelas.
Chega ao local informado e atrás do balcão encontra uma mulher baixa,
com cabelos loiros, faces rubras e um leve sobrepeso mexendo no
computador. Para por um instante sua digitação e observa Verônica de cima a
baixo, com um olhar desdenhoso, como se tivesse olhando uma mendiga
pedindo pão debaixo do viaduto, depois retoma suas atividades na máquina.
Uma pequena plaquinha no seu peito informa seu nome: Adriana.
_ Oi, eu sou Verônica, vim pra entrevista de emprego.
_ Chegou atrasada... _ diz sem nem olhar para a candidata, sua voz ecoa
junto com o barulho do dedilhar nas teclas.
_ Desculpe, ocorreu um pequeno imprevisto no caminho. Mas já trouxe
todos os meus documentos para agilizar _ informa procurando os papéis na
bolsa, eles estavam numa pasta e foram salvos. _ Eu tenho experiência nesse
tipo de serviço, já fui secretária num consultório de dentista...
Adriana continua com os olhos fixos na tela do computador e Verônica
fica em dúvida se a mulher está ouvindo suas informações. Um homem vem
andando em direção ao balcão e se põe ao lado da funcionária mal-educada.
_ Jorge, atende essa mulher! Eu não tenho paciência pra quem tá
começando _ fala com desdém e se retira.
O homem fica sem graça e acaba rindo do comentário desnecessário
feito pela colega de trabalho. Este pede desculpas pela atitude da senhora e
conduz Verônica na empresa, mostrando um pouco dos setores e explicando
como tudo funcionava. Ela iria trabalhar como secretária de um dos
executivos da empresa de telefonia. Passou o olho pelo currículo da
candidata e elogiou sua trajetória, tinha ficado por muito tempo nos dois
primeiros empregos, só no terceiro que teve o deslize de dar uma surra no
patrão, mas esses dados não constavam no currículo e felizmente o
funcionário não indagou nada sobre isso.
Continuaram andando e ele explicando que era importante conhecer
todos os setores da empresa para se comunicar com as várias áreas, disse
também que o meu patrão era um pouco exigente e precisava de uma
secretária urgente. Desde que esse novo patrão não tente me agarrar...
Jorge e Verônica caminharam até o setor de recursos humanos para
acertarem toda a papelada e ele diz que já está contratada, já que seu chefe
precisa de uma secretária urgente, a última tinha fugido para o Piauí com um
cara por quem se apaixonou. Verônica queria ser assim, louca do tipo que se
joga na vida pra viver aventuras únicas e apaixonantes.
Quando o assunto é a vida amorosa de Verônica é preferível nem
comentar. Tinha tido alguns relacionamentos duradouros, mas ultimamente
vivia de casos com desconhecidos que encontrava nas noitadas, satisfaziam-
se um ao outro por uma noite e depois nem lembravam se de nada. Ter 28
anos não há tornava nada experiente em relações, lembrar isso só aumentava
seus lamentos em pensar que estava ficando velha e ainda não tinha
arrumado ninguém. Desde que mudou há três anos para o atual apartamento,
despertara uma paixonite pelo vizinho gato e sarado, marrom bombom com
sorriso mais meigo do mundo, mas o caso com ele não ultrapassou os poucos
beijinhos numa madrugada embriagada em que os dois passaram numa festa.
_ Você pode começar amanhã? _ pergunta Jorge, com uma voz máscula
de despertar interesses maliciosos.
_ Claro! Quando o senhor quiser.
_ Me chame de você _ olha no fundo dos seus olhos e Verônica percebe
que mais uma vez conseguiu o emprego por conta de seus atributos físicos.
_ Obrigada _ agradece.
_ Vou levá-la até seu chefe, mas precisa esperá-lo terminar uma
reunião. Estão negociando novas promoções para quebrar a concorrência.
Ah, todos os funcionários da empresa têm direito a um plano ilimitado com
direito a internet, mensagens e ligações ilimitadas. Se quiser aguardar na
sala de recepção, fique à vontade. Espero que tenha paciência com Adriana
também, ela tem um gênio meio difícil, mas é gente boa. Vou ver o horário do
término da reunião e volto pra te avisar.
_ Ok _ assente.
Verônica senta no sofá mais confortável do mundo que sua bunda já teve
o prazer de repousar. Enquanto aguarda o retorno de Jorge, checa suas
mensagens no celular. Uma delas é de Aurora falando que não estará em casa
à noite, pois vai se encontrar com o namorado. O homem é tão misterioso
que mais de três meses de namoro e Verônica nunca o viu, nem por fotos. Só
tem uma foto em seu perfil do Whatsapp que mal dá pra ver alguma coisa,
mas a amiga diz que o trabalho dele envolve um pouco de risco, então não
pode ficar se expondo muito, nem tirando fotos. Trabalha num cargo
importante numa empresa.
Outra mensagem é de Oswaldo, um primo que tem depressão. Já
ameaçou se jogar da ponte, de um prédio e até do último andar de um
shopping. Verônica não pode negar atenção a ele já que é a única pessoa de
sua família com quem ainda mantêm contato, é dever dela cuidar de quem lhe
ajudou quando mais precisava. É engraçado perceber o quanto as pessoas
são movidas por relações de interesses e cair na teia é uma mera
casualidade. Responde a mensagem com pena do primo que lhe pede pra
passar com ele seu aniversário que é daqui a quinze dias, já que não tem
amigo nenhum, Verônica não pode recusar.
E por último, a terceira mensagem era dele. Ahhhh! Igor! O vizinho
gato/gostoso/delícia! O moreninho marrom bombom mais lindo e fofo que já
existiu na face da Terra. Ele morava com a mãe e a irmã no apartamento que
tinha de frente para sua casa. De vez em quando, eles trocavam mensagens,
mas era sempre nesse chove não molha. Igual esse vez novamente, um
simples oi. Quando Verônica achava que finalmente ia rolar, não rolava. Igor
era um pouco complicado e provavelmente tinha medo de se envolver
amorosamente com alguém. Fazia a linha cafajeste mal lavado que quer
pegar todo mundo e não se apegar a ninguém, enquanto sua vizinha tinha uma
visão totalmente oposta de vida. Verônica não estava acostumada a lidar com
a rejeição, mas quando se tratava de relacionamentos, tinha aceitado que
amar era um verbo intransitivo. Verônica só queria uma companhia que não
lhe despisse apenas a roupa, mas também as crenças, os preconceitos e as
ansiedades. Ela só queria alguém que lhe fizesse bem.
Fica tão empolgada com a mensagem dele que acaba telefonando, já
que não tem nada pra fazer enquanto espera o término da reunião. Ele não
atende. Pra que eu liguei hein? Era melhor não ter feito isso. Verônica se
arrepende no mesmo momento e percebe o quão imatura é e despreparada
para lidar com relacionamentos, ainda tem muito o quê se aprender com a
vida. Viver não é nada fácil, amar, menos ainda.
_ A reunião acabou. _ Jorge aparece sabe-se lá Deus de onde _ Vamos
lá?
Levanta-se do sofá e acompanha o homem até uma sala no penúltimo
andar, o elevador da empresa é espaçoso e sofisticado. Quando chegam ao
local, Jorge abre a porta para que ela entre e os olhos de Verônica saltam da
órbita. Dá de cara com o CEO: um ser espantadoramente lindo, de olhos
verdes, pele corada e cabelos espetados. Cara de executivo sexy que
enlouquece qualquer secretária. Verônica teria dito a esse chefe que poderia
agarrá-la à vontade se não houvesse um porém: ele é o imbecil que me deu
um banho de água suja agora pouco.
II
Aurora

A lua estava linda naquela noite, parecia até que tinha se preparado para
abrilhantar o encontro romântico de Aurora e seu namorado. Os dois se
conheciam pouco, e quanto mais ela descobria dele mais se encantava, com
o amor e a leveza daquela paixão que lhe invadia completamente. Parece que
quando se estão apaixonados, tudo ao redor é mais belo: as cores, as flores,
o mundo! Acreditar no amor é acreditar que a vida tem sempre uma chance
de se reerguer e recomeçar, pelo menos com ela tinha sido assim. Aurora
saíra de um relacionamento complicado em que seu ex nem sequer lhe
permitia usar um biquíni na praia e migrado para uma nova relação suave,
tranquila e sem cobranças. Um amor de coração leve, e não aquele que lhe
partia aos pedaços como o anterior.
Mesmo ainda faltando mais de uma hora para o encontro, a mulher já
estava toda arrumada. Deu uma alisada nos seus cabelos vermelhos cor de
fogo, passou uma maquiagem leve em seu delicado rosto, colocou um salto
alto pra ganhar alguns centímetros a mais de tamanho já que era bem
baixinha. Resolve comer alguma coisa pra não ficar de estômago vazio perto
do cara e querer devorar tudo que ver pela frente. Tenho um buraco negro
no lugar do estômago. Come um pão com manteiga para forrar e não parecer
uma desesperada no jantar, já que parece abrigar uma solitária em seu corpo.
Continua um pouco ansiosa com o encontro da noite, é normal quando
se está apaixonada sentir aquele friozinho na barriga ao estar perto da
pessoa e maior ainda quando a encontra. Senta no sofá e encara a televisão
por longos minutos até resolver ligá-la. Procura o controle remoto e prepara-
se para a espera tediosa, passeia rapidamente pelos canais até finalmente
escolher uma reportagem sobre o câncer de mama. Na matéria, várias
mulheres que sobreviveram davam seu depoimento e explicavam um pouco
como aquela doença afetou suas vidas de seus familiares, outros relatos
também eram das enfermeiras que conviviam diariamente com tais pacientes
numa clínica. A reportagem era bem interessante e ficou um enorme tempo
assistindo até o telefone tocar.
_ Oi, Aurora _ diz seu namorado do outro lado da linha, com uma voz
grossa, áspera e sedutora _ Já está pronta?
_ Boa noite, querido. Estou sim, tô aqui te esperando.
_ Ok, então! Acabei de sair de casa, estou um pouco atrasado porque
precisei passar na residência da minha mãe, ela está um pouco adoentada,
mas em meia horinha estou chegando _ avisa.
_ Tudo bem, amor. Pode dar atenção a sua mãe, eu lhe espero.
_ Daqui a pouco estou aqui, liguei só para avisá-la. Beijo. _ E falou a
última palavra com um tom provocante e tentador.
_ Beijo! _ Aurora respondeu com um sorriso de orelha a orelha em seus
lábios, parecia uma adolescente de quinze anos completamente apaixonada.
A última parte de fato era verdade.
Desliga o telefone e fica ali sorrindo sozinha abraçada com uma
almofada como se fosse o maior amor da sua vida. Sua pulsação ficava
acelerada só de ouvir a voz daquele homem que conseguira conquistá-la de
imediato. Os dois se conheceram muito ao acaso numa lanchonete, num dia
quando ela acabara de dar aula e tinha ido comer algo já que morria de fome
e ele tinha saído de uma complicada reunião de negócios. Ela estava toda
descabelada, cheia de livros e tentando equilibrar tudo que carregava nas
mãos, ele estava morrendo de pressa pra chegar logo em casa, só foi até o
balcão, pediu um hambúrguer assado e uma Coca-cola pra viagem e quando
retornou, tudo aconteceu. Ele derrubou todos os livros dela, acabaram
lanchando juntos e ofereceu para levá-la em casa. Daí em diante é possível
presumir toda essa história repleta de linhas tortas que acabou entrelaçando
um casal fogoso e apaixonado.
Amar é como ter um guarda-chuva no meio de uma tempestade: ele
pode até não te proteger de toda a chuva, mas irá se sacrificar o quanto for
possível para você não se molhar. É uma comparação tola, mas o amor
também é assim. Amor é aquele último pedaço da pizza que ele estava doido
pra comer, mas diz que não e te oferece. Amor pode ser aquela brisa que
vem nos dias de calor exaustivo que refresca a alma, é o vento que sopra do
céu. Aurora continua ali sentada delirando sorrisos e amando refletir em seu
encontro com Victor Hugo. Aquele ser sexy trabalha numa empresa rica e
por isso não pode se expor muito, sabe também que ele sempre visita a mãe
doente, que malha às terças e quintas, que joga futebol às quartas, que mora
sozinho em seu modesto apartamento na zona sul do Rio, que é viúvo e tem
um filho adolescente que lhe visita às vezes.
Vinte e cinco minutos depois, Victor Hugo liga avisando que já estava
na entrada do prédio, Aurora se anima, levanta correndo para dar uma última
conferida no espelho, mexe um pouco no cabelo e sai. Quando está trancando
a porta pelo lado de fora, dá de cara com Verônica, vestida com roupas
simples que a melhor amiga não se lembrava de alguma vez ter a visto com
aquelas peças.
_ Que roupa é essa, Verônica? _ indaga, chocada com o modelito
underground da amiga.
_ Boa noite pra você também _ responde mal humorada, seus olhos
parecem cansados e seu corpo desleixado _ É uma longa história, está com
paciência?
_ Não. Resume porque tenho um compromisso agora, meu amorzinho
está me esperando lá embaixo já.
_ Um filho da mãe me deu um banho de água suja quando passou numa
poça, precisei comprar roupas seminovas num brechó pra me apresentar na
empresa, e depois quando descubro quem será meu patrão dou de cara com o
mesmo imbecil que me molhou. E o cretino ainda é um puta de um gostoso.
_ Nossa, que vida hein! Depois quando eu voltar a gente conversa
melhor.
_ Juízo! _ alerta Verônica.
_ Isso é de beber? _ debocha _ Quem te vê falando assim vai até pensar
que é muito responsável. A última vez que saímos quem saiu beijando todo
mundo na festa e bebeu até vomitar não fui eu não, tá querida!?
_ Eu não quero falar sobre isso _ Tenta esconder seu sorriso que está
quase escapulindo pelo canto da boca _ Vai lá, ah, e use camisinha.
_ Você acha que eu sou burra, Verônica? _ As queridas amigas
começam a provocar uma a outra.
_ Sinceramente, acho. _ risadas.
As duas se despedem com beijos, sorrisos e abraços. E enquanto
Verônica aproveita pra entrar no apartamento com a porta já aberta, Aurora
pula pra dentro do elevador de seu prédio, que é um cubículo apertado onde
cabem apenas três pessoas, mas se for o vizinho do quinto andar, só cabe
ele. Logo ela está lá embaixo correndo para os braços do namorado que está
na esquina do outro lado da calçada. Victor Hugo tem um olhar marcante e
sedutor, sua estatura é considerável em relação a ela, é dono de um sorriso
encantador. Os cabelos daquele homem eram sedosos e relativamente longos
no estilo dos atores gatos de cinema hollywoodiano. Seus olhos eram pretos
que nem jabuticaba e sua barba era aquela barba de deixar Aurora com
vontade de alisá-la a noite toda.
Eles se beijam antes mesmo de trocar qualquer mísera palavra, a
necessidade mútua de possuir as recíprocas bocas é bem maior do que
qualquer comunicação. Depois de alguns longos amassos na entrada do
prédio eles finalmente se tocam e concluem que já deu pra matar um pouco a
saudade. Afinal, estavam há uma semana sem se ver. Como um bom
exemplar de cavalheiro, Victor Hugo abre a porta para a dama entrar, depois
da a volta e para ocupar o lugar do motorista. O homem gira a chave na
ignição e da a partida no carro, rumo a sabe lá Deus onde.
_ Pra onde a gente está indo? _ indaga Aurora depois de uns longos
minutos de viagem em que eles tinham trocado apenas algumas palavras a
respeito do dia a dia, mas acima de tudo trocavam olhares, sorrisos e
carícias.
_ Surpresa! Estamos um pouquinho longe, mas tenho certeza que você
vai gostar _ Victor Hugo olhou para ela de modo provocante.
Será que a gente vai pra casa dele e não vai ter jantar?
Aurora permaneceu em silêncio e aceitou a ideia dele. Ela era uma
menina mulher que adorava ser surpreendida, estava mil vezes mais ansiosa
do que quando ele ainda nem tinha chegado, morrendo de curiosidade para
saber o destino final daquela viagem. Os olhos dele saboreando a tensão da
mulher rapidamente nos instantes de engarrafamento em que os dois se
olhavam e sorriam. O amor é tão bobo.
_ A gente já está chegando _ informa Victor Hugo depois de quarenta
minutos no trânsito, pelo menos o fluxo estava bom naquele horário.
Cinco minutos depois, Victor Hugo estaciona o carro debaixo de uma
árvore alta e desce antes para abrir a porta. Mais uma vez cavalheiro, ele a
ajuda a sair do carro e de mãos dadas vão andando até o restaurante. A
fachada já a agrada de cara, a porta parece a página de um livro. Aurora fica
encantada logo quando entra. Algumas paredes eram escritas parecendo uma
folha de caderno, enquanto do outro lado haviam várias prateleiras repletas
de livros. As mesinhas eram rústicas e românticas, haviam alguns espelhos
dourados pendurados numa única parede vermelha detrás do caixa, a maior
parte do interior do recinto era de madeira. Sobre as mesas, tinham velas
brancas acesas e vasinhos de rosas da mesma cor. Victor Hugo acena para o
garçom que os leva até uma das mesas num canto, o ambiente estava
aconchegante e tinha apenas mais meia dúzia de pessoas ali.
_ Se a intenção é agradar uma professora de Literatura, você está se
saindo muito bem.
_ Obrigado, deu pra perceber sua paixão pelos livros.
_ Eu estou adorando este lugar _ ela só sorria, maravilhada, desde que
entrou ainda olhava para os mínimos detalhes do ambiente e cada hora
descobria uma coisa nova que lhe despertava ainda mais paixão.
_ Que bom! Meu objetivo é fazer você feliz.
_ Já está fazendo _ ela se aproxima dele e lhe dá um selinho _ Você é
lindo.
_ Você também é linda _ e sorri.
Um garçom moreno e com a sobrancelha direita raspada na ponta
aparece do nada interrompendo o momento de romance do casal e entrega os
cardápios. Dá um leve sorrisinho para os dois, Victor Hugo permanece com
o olhar fechado enquanto Aurora retribui por educação.
Os olhos de Aurora quase saltam da órbita quando vê o cardápio.
Todas as comidas são oriundas das histórias de livros. Tinha alguns dos 77
pratos do casamento do Rei Joffrey e a rainha Margaery de Game of
Thrones, a dieta vegetariana do sátiro guardião do Percy Jackson, cervejas
amanteigadas diretas do mundo de Harry Potter, tinha também o bife com
molho béarnaise com batatas-fritas e legumes cozidos que Christian Grey e
Anastasia Steele comeram no almoço de reencontro em Cinquenta tons, as
perdizes servidas na ceia que Lúcia participou na casa de Sá no livro
Lucíola... Que show! Para a sobremesa tinha a torta de maçã da Branca de
Neve, bolinho de chuva do Sítio do Picapau, a melancia da Magali da
Turma da Mônica... Tinha muita coisa!
_ Esse é o restaurante mais lindo que existe neste mundo! _ a professora
de Literatura estava apaixonada pelo cardápio daquele restaurante _
Obrigada.
_ De nada. Já escolheu? _ questiona.
_ Mas é tanta coisa... A gente pode pedir os bifes com molho de
Cinquenta Tons _ não falou o nome do molho porque não sabia pronunciar _
cervejas amanteigadas do Harry e bolinho de chuva da dona Benta do Sítio.
Pode ser?
_ Claro _ ele assentiu, com um risinho no canto da boca.
_ Que foi que você tá rindo?
_ Você parece uma criança que soltaram num parquinho de diversão.
Estou muito feliz em te ver assim _ Victor Hugo dá seu sorriso meigo
delicioso e novamente eles se beijam.
_ Muuuuuito obrigada! _ ela repete seus agradecimentos e acaba se
jogando nos seus braços.
Victor Hugo chama o garçom e faz os pedidos. Aurora ainda parece
perdida em sua viagem literária pelo mundo das comidas de livros, enquanto
isso o homem acaba pegando o celular para responder algumas mensagens,
por sorte foi pouco tempo já que é insuportável sair com alguém que não
desgruda do mundo virtual. Ela desce com a mão pelo queixo e vira o rosto
dele para si, puxa-o para perto e sussurra em seu ouvido:
_ Eu te amo _ e sai com a sonoridade perfeita no tom do amor.
_ Eu também _ retribui.
Demora cerca de vinte minutos para que os pratos fiquem prontos,
enquanto isso ela levanta da cadeira e vai até as prateleiras. Aurora, você
está num encontro romântico com um homem ou com um livro? Depois
retoma a consciência de quem realmente merece a atenção naquela noite, e
sabe muito bem que depois disso terá tudo que quiser. Os homens parecem
bonzinhos, mas são completamente manipuladores, fazem as vontades das
mulheres apenas para receber agrados durante a madrugada. Eles querem
beijos, amassos, carícias... Eles querem fazer você se apaixonar por eles
cada dia mais um pouco, mesmo que ela pensasse que não teria como o amar
mais. O garçom trás os pratos e os olhos de Aurora brilham.
Victor Hugo prova a bebida.
_ Esses bruxos sabem mesmo produzir uma bebida boa hein... _ e acaba
rindo _ Meu filho é fã de Harry Potter.
_ Entendo seu filho. Falando dele, como é a relação de vocês? _ Aurora
perguntava as coisas delicadamente, não sabia se podia perguntar aquilo,
ficava com medo de cair num campo minado.
_ Nós temos uma boa convivência, tento ser um pai presente na medida
do possível. Eu o visito sempre que tenho uma folga no trabalho, o que é um
pouco raro, mas pelo menos uma vez por mês marcamos de almoçar. Mora
com os avós maternos, mas não quero que se esqueça do pai. Faço festa de
aniversário, pago a escola dele, tento ser um bom pai, óbvio que na maioria
dos casos eu acabo errando, mas a gente erra por amor né, por amar demais.
_ Victor Hugo iria chorar a qualquer momento, não que fosse um homem de
poucas palavras ou de muitas lágrimas, mas parecia que o assunto do filho
mexia um pouco com ele _ A mãe do garoto sofreu um acidente e morreu em
pouco tempo, os tratamentos não foram capazes de recuperá-la. Meu filho
ainda tinha oito anos, hoje tem dezoito.
Aurora o abraça.
_ Fica assim não! Você deve ser um ótimo pai, você é um exemplo, meu
amor. Quero um dia poder conhecer seu filho. E sua mãe, você acha que ela
está preparada pra me conhecer? Vamos fazer quatro meses juntos em breve
e eu não conheço ninguém da sua família.
_ Vou começar a prepará-la para isso. E a sua família?
_ Bem, minha mãe já morreu, meu pai eu nunca soube quem era. Sou
filha única, só tenho parentes distantes, a única com quem eu tinha um
vínculo maior era minha madrinha, mas mora na minha antiga cidade bem no
interior. Tenho minha melhor amiga que mora comigo, somos irmãs de
barrigas diferentes.
_ Um dia tenho que conhecê-la _ comenta o executivo.
_ Tem sim, ela também está louca para conhecer o famoso Victor Hugo.
_ Famoso?! _ ele ri.
_ Sim, você é um dos assuntos mais comentados na minha casa _ eles se
entreolham _ Meus assuntos preferidos são livros, beijos, cinema,
maquiagem, roupa, Victor Hugo... Não necessariamente nessa ordem.
_ Hum... Os meus assuntos preferidos são você, você e você.
_ Você fala muito de mim?
_ Menos do que eu gostaria, mas melhor do que falar de você é estar
com você. Beijá-la. Abraçá-la. Amá-la. Quer ir dormir na minha casa hoje à
noite?
Olhares de desejo tomam conta dos dois, as bochechas de Aurora ficam
vermelhas como se tivessem sido esbofeteadas. Timidez? Um sorriso meigo
invade a boca dela enquanto um malicioso permanece na dele. Os olhos se
encontram num emaranhado de vontades que explodem dentro de seus
corpos, suas almas pareciam que iam saltar de si e se possuírem ali na mesa.
Aurora responde pelo olhar: sim, eu quero passar a noite na sua casa, na
sua cama. Por instantes, apreciavam o prato como se fossem os próprios
personagens do livro que viveram aquela cena.
_ Acho que a gente poderia pular a sobremesa ou então pedir pra
viagem, o que acha?
III
Victor Hugo

Os pombinhos passaram juntos uma das noites mais quentes do casal até
o momento, com direito a sexo romântico com pitadas de safadeza, depois
dormiram agarradinhos aquecendo um ao outro e se envolvendo debaixo das
cobertas. Mas acontece que os sonhos uma hora tem fim e é preciso voltar à
realidade. Aurora foi a primeira a levantar, acordou com um sorriso
amassado e levantou quietinha para não acordar Victor Hugo que continuava
viajando pelo paraíso do sono. Para ele, a cama continuava tão macia que se
pudesse ficaria dormindo ali para sempre. Mas a vida é dura, e se quisesse
ser quem era, precisaria trabalhar bastante.
Levantou preguiçoso esticando seus braços, continuou de pijama e
resolveu escovar os dentes, Aurora não estava mais do seu lado,
provavelmente devia estar preparando algo na cozinha como sempre gostava
de fazer. Antes, conferiu se ela não lhe olhava, e digitou uma rápida
mensagem de celular. Atento aos movimentos da mulher, enviou logo seu
texto e foi correndo para o banheiro.
Depois de escovar os dentes, lavar o rosto e ter no mínimo uma cara
apresentável foi até a cozinha ao encontro de sua garota. Aurora estava
deliciosamente linda usando apenas um pijama vermelho que ele mesmo
tinha comprado para ela e deixado na sua casa. Precisou comprar várias
coisas novas para aquele apartamento, senão iria parecer que ninguém
morava ali. Aquela mulher era uma das mais perfeitas que já tinha visto, com
uma professora dessas eu iria querer repetir em Literatura para sempre.
Quem sabe ela não me leve para um canto e me dê umas aulas sobre a
literatura das línguas. As pernas dela eram lisas e provocantes, nuas
daquela maneira lhe faziam perder os sentidos, a razão e o juízo. Pensar
naquilo lhe faria adiar o trabalho, porém não poderia faltar o contrato com
uma holding. Aquele seria o negócio da sua vida e triplicaria a renda da
empresa.
_ Bom dia, bebê. _ Aurora lhe cumprimenta e dá um terno beijo
molhado em seus lábios, sua boca era doce e mística _ Dormiu bem?
_ Sim, abraçado a você tive os melhores sonhos _ Sonhei que tinham
três mulheres na minha cama _ Sonhei que você estava fazendo um bolo de
cenoura pra mim. _ diz olhando para o forno e sentindo um cheiro
maravilhoso.
_ Então seus sonhos se tornaram realidade _ sorri _ Fiz um bolinho
para nós, está quase pronto. Não tem nada nessa casa hein, como você
consegue viver aqui? Tem muitos utensílios, isso não posso reclamar, mas a
dispensa estava quase vazia e as panelas são praticamente novas. Você não
come não?
_ Erh... É que eu não almoço muito em casa, como moro sozinho só
apareço mais para dormir, fico o dia inteiro no trabalho e acabo almoçando
na rua. Alguns finais de semana almoço com minha mãe, outros com meu
filho. Tenho uma empregada que vem uma vez por semana e arruma tudo, faz
comida aí nesse dia eu como aqui, mas não compro muita coisa senão os
alimentos perecem. _ Victor Hugo sentiu-se um mestre da oratória, conseguiu
mentir perfeitamente sem nem gaguejar ou enrolar a história que foi
elaborada no instante em que falava.
_ A tá. Quando quiser me chame que faço janta pra você.
_ Quero que você seja minha mulher, não minha empregada.
_ Dou perfeitamente conta das duas tarefas, e fazer comida pra você
não é ser tratada como empregada, a não ser que você não goste do meu
tempero...
_ Claro que eu gosto! _ ele ri e a pega no colo fazendo-a dar um
gritinho de susto, mas se entrega aos envolventes beijos dele. Quem dera se
o mundo fosse esse mar de rosas...
◆◆◆

De terno, gravata e cara de executivo salafrário, Victor Hugo chegou


atrasado em seu trabalho, foi logo correndo para sua sala, pegou o elevador
de serviço que subiria mais rápido e chegou em seu andar. Reparou que a
secretária nova já estava sentada perante a mesa de vidro e vestida no
uniforme da empresa, tinha ficado maravilhosa naquela roupa. Gostosinha
ela, belos peitos! Correu os olhos pelo corpo da mulher avaliando-a com
mais atenção do que no dia anterior e pediu que o acompanhasse até a sala.
A pobre mulher parecia ter ficado com medo dele, mas não era pra menos,
logo no primeiro dia o patrão chega atrasado falando em tom rude para que o
acompanhe até o escritório.
Dentro da sala, o CEO começa a dar milhões de ordem para a mulher e
pela cara que fazia, já tinha esquecido a maioria das orientações. Entregou-
lhe alguns papéis e ela prontamente segurou-os para levar até sua mesa e
catalogá-los, conforme lhe era pedido.
_ Quero isso com muita urgência, tente agilizar para antes do almoço.
Qual é mesmo seu nome? _ Tenta buscar na memória, mas eram tantas
preocupações em sua cabeça que a última coisa que Victor Hugo se
recordaria era o nome da nova secretária gostosa, poderia até lembrar
exatamente como era a comissão de frente dela, mas para um cara como ele,
isso seria impossível esquecer.
_ Verônica, senhor _ ela responde educadamente e sua voz é um pouco
estranha.
_ Então, Verônica, em primeiro lugar não precisa me chamar de senhor,
sou apenas um pouco mais velho que você, na verdade eu tenho 37 anos, mas
não comenta com ninguém _ dá uma risadinha _ Segundo, gosto de agilidade,
odeio que atrasem ou que me entreguem tarefas mal feitas. Quero que você
se dedique inteiramente a este trabalho e será muito bem recompensada para
isso, não analisei suas referências, nem tive muita oportunidade de conversar
com você porque eu queria uma secretária o mais urgente possível. Não
estou dizendo que contratei qualquer uma, mas quero agilidade e
compromisso, e mais, tudo que acontece aqui morre aqui. Nada deve ser
comentado em casa, na família ou com os colegas do trabalho na hora do
cafezinho nem em hora nenhuma.
_ Sim, senhor. Quer dizer, você. _ Sim, você!? _ Pode contar com minha
discrição e empenho _ ela ainda parecia nervosa.
_ Fico agradecido.
Verônica se vira em direção a porta e Victor Hugo não resiste a dar uma
longa olhadela na bunda da mulher, que assim como sua comissão de frente,
era bem avantajada. E ainda mais naquela saia preta apertada da empresa
ficava tudo bem mais definido. Adoro esse uniforme. Ele contempla aquela
imagem perfeita desenhada por Deus e antes que ela se retire, faz uma última
observação:
_ Ah, Verônica, temos um trabalho muito intenso aqui na empresa e
pode ser que alguns dias eu precise que você fique até mais tarde. Espero
que seu namorado não se importe. Não é sempre que isso acontece, mas
estou te avisando de uma vez para não haver reclamações posteriores.
_ Sem problemas, eu não tenho namorado.
_ Ah sim... _ uma espécie de sorriso maligno invade os lábios do chefe.
Ela se retira da sala e ele começa finalmente seu trabalho.
Quando era criança, seu sonho era ser um homem de negócios, um CEO.
Hoje seu sonho virou pesadelo. Lidar com as finanças, a bolsa de valores, a
oscilação do dólar e ainda ter que aplicar tudo aquilo nos números da
empresa gerando lucro nunca foi uma tarefa fácil. Pelo menos, seu esforço
valia a pena, pois continuavam crescendo e lucrando cada vez mais, também
as empresas de telefonia em geral cresceram. As pessoas hoje em dia não
desgrudam de seus celulares, independente de qual classe social que seja,
todo mundo tem um aparelho móvel e crescem também os números de adesão
a planos telefônicos.
Checa os e-mails e faz ligações, se irrita com um dos diretores da
empresa que o responde furioso pelo atraso dos novos planos de adesão.
Mentalmente, Victor Hugo manda seu superior ir tomar naquele lugar. Acaba
o ignorando, o diretor já está tão gagá que nem sabe muito bem o que está
falando, uma vez dessas atrás o chefe teve uma indisposição intestinal que
acabou fazendo suas necessidades na cueca. Depois disso o homem perdeu
todo o – pouco – prestígio que tinha e começou a rolar nos corredores um
apelido para ele: diretor das pregas soltas.
Fica ali duas horas digitando coisas no computador e elaborando as
propostas que o diretor das pregas soltas havia solicitado. Que velho chato!
Parou apenas quando deu o horário do almoço e a funcionária nova apareceu
entregando tudo que havia pedido, conferiu e estava melhor até do que havia
pedido.
Após o almoço, Victor Hugo pede a secretária que localize Jorge e
peça-o para comparecer a sua sala. Oito minutos depois, seu funcionário
braço direito aparece.
_ Pois não, Victor. Mandou me chamar?
_ Mandei, quero saber se já providenciou o que eu pedi.
_ Sim. Está aqui! _ estende um majestoso embrulho preto com bolinhas
rosa adornado com fitas e entrega ao seu patrão.
_ Ótimo. Pode se retirar. Chame a secretária.
_ Com licença _ Jorge sai da sala.
Alguns segundos depois, houve-se duas suaves batidinhas na porta e
logo após Verônica entra. Com suas feições leves, sua maquiagem
comportada e um sorriso no rosto. Ela tinha uma face meio triangular e um
nariz fino, era alta e tinha pernas longas.
_ Com licença, deseja alguma coisa?
_ Verônica, você pensa que eu me esqueci ou não notei, mas sei que fui
eu quem lhe deu um banho de água suja ontem e gostaria de me desculpar.
Não quero que crie nenhuma imagem negativa da minha pessoa, eu não parei
para ajudá-la por conta do meu atraso, mas eu estava completamente errado,
erradíssimo. Me perdoe, por favor! Aqui está uma roupa nova para tentar
reparar no mínimo suas vestes que devo ter destruído.
Ele estende-lhe o embrulho, e ela, acanhada, hesita em aceitar, mas no
fundo seus olhos brilham loucos de vontade de rasgar aquele papel como
uma criança desesperada em seu aniversário. Por fim, acaba aceitando
depois de um pouco de insistência do patrão.
_ Abra o embrulho, vê se gostou. Se quiser, pode trocar, nesta loja aí
que está na embalagem.
_ Meu Deus! _ exclama, surpresa _ Essa grife é muito cara! Não
precisava ter se preocupado comigo, não guardei nenhum rancor de... você _
aquele pronome de tratamento soa inadequado para ela, mas o trata assim _
Obrigada.
Quando abre o presente, seus olhos parecem duplicar de tamanho, a
peça é realmente muito linda e pelo sorriso no rosto de Verônica, ele
provavelmente acertou.
_ Essa roupa é linda, deve ter custado uma fortuna!
_ Nada que você não mereça. Sei também que meu presente não vai
comprar você, mas vamos esquecer o que houve ontem e começar de agora.
_ Ok.
_ Agora quero que vá até a recepção, lá embaixo. Entregue essa
papelada para Adriana _ estende um bolo de folhas _ Cuidado que ela é um
pouco agressiva às vezes, mas só um pouco.
☐☐☐
Completamente exausto, Victor Hugo chega em casa aos pedaços. Seus
olhos estão quase fechando e a voz pesada, mais um dia de trabalho duro
para sua coleção. Pelo menos tudo em sua luxuosa mansão estavam às
ordens, logo que entra a empregada já corre para recolher sua pasta e levar
até o escritório, a maior parte das luzes da casa estão acesas e sua esposa
está sentada no sofá.
Sua mansão era incrivelmente espetacular e cheia de personalidade,
daquelas organizadas por decoradores ícones de revista Casa Vogue. A sala
era elegante, modesta e sustentável. O ambiente espelhava o gosto
determinado e excêntrico dos donos, mesclado com cores vivas, estampas
expressivas e certa sensibilidade clássica. O sofá era enorme e daqueles que
puxam e viram uma cama espaçosa, e ficava praticamente embaixo da escada
que estava a uma altura bem considerável. A escada era quebrada e colada
na parede, quando chegava ao meio, ela fazia uma curva para a direita. Ao
lado do sofá também tinha alguma cadeiras grandes, espaçosas e de estilo
rústico. Mesinhas de vidro com alguns cactos bem cortados e esculturas
caríssimas de colecionadores frescos. No teto, ficavam pendurados milhares
de origamis de passarinhos, dando um tom delicado à decoração. Na parede
tinha uma pintura abstrata de um pintor francês.
_ Lembrou que eu existo! _ debocha Cecília, levantando do sofá e
ajeitando seus óculos.
_ Cecília, por favor. Eu estou cansado do trabalho, mandei mensagem
pra você avisando que não dormiria em casa. Estou fechando um negócio
muito importante na empresa e preciso impor alguns sacrifícios, isso é pro
nosso bem.
_ Eu não quero dinheiro, Victor! Eu quero sua atenção! Você é meu
marido e eu passo mais tempo com a empregada do que com você.
_ Já conversamos sobre o meu trabalho, sou um CEO, esqueceu? Mas já
que você quer minha atenção vai ter, vamos jantar.
_ Ok, vou pedir para Carina ajeitar o jantar enquanto toma seu banho.
Dão um selinho e ele sobe para o quarto. Exausto, Victor Hugo percebe
o quão arriscada tem sido sua vida de dupla jornada e aumenta a
proximidade da escolha. Sabe que em algum momento terá que escolher
entre suas duas mulheres. Acontece que gosta bastante de Cecília, ela
conhece todas as suas vontades, sempre faz tudo para lhe agradar, além de
que é oriunda de uma família rica e a iminência de um divórcio causaria um
desfalque e tanto em sua conta bancária, Victor Hugo não queria abandonar
seu título nobre de pertencer à família dos Gouveia Vasconcellos. Mas por
outro lado, Aurora também é um amor doce e delicado que lhe conquista de
uma maneira única e tentadora, Aurora satisfaz suas vorazes necessidades.
Contudo, não foi nada fácil entrar para os Gouveia Vasconcellos e agora não
poderia desperdiçar todo seu esforço. Aurora não lhe trazia nenhum retorno
social, infelizmente.
Despiu-se do peso de sua roupa e de sua consciência para finalmente
relaxar. Tomou uma chuveirada para limpar sua alma, a água parecia tão
mágica que despertava seus pensamentos e aliviava sua tensão. Cecília
apareceu no banheiro pra conversar, ficou ali sentada em cima do vaso e
como a conversa ia rendendo, ela acabou se aproximando da porta e ele teve
uma ideia malvada.
_ Ahhh, Victor! _ Ela gritou quando seu marido sacudiu seus dedos
molhados em sua face _ Você está me molhando!
_ Mas essa era a intenção _ os dois começam a rir como um casal de
adolescentes.
_ Anda logo, vai acabar com a água do planeta. Não vê que o mundo
está em crise? Estou te esperando na mesa do jantar.
Cecília desce na frente para a mesa e logo depois seu marido lhe
acompanha. A doméstica trás o suco de laranja gelado que é um dos
preferidos do patrão, dois cubos de gelo da maneira como gosta. O jantar é
quase uma refeição de livro também, tem frango assado com maionese, arroz
integral e salada de grão de bico com rúcula. Cecília come pouco, pois já é
algo característico seu, por isso é tão magra e tem um rosto meio ossudo,
ausência de carne, deveria comer mais. Mas Victor Hugo acaba comendo
pelos dois, pelo menos mantêm a forma já que faz bastante treinamento físico
impondo seu corpo a ritmos frenéticos de malhação e atividade esportiva.
A empregada da casa retorna para a mesa do jantar perguntando se já
poderia servir a sobremesa, Carina já servia aquela família há anos, desde
que os dois se casaram e conhecia todos os segredos daquela casa. Se um
dia ela for demitida terão que matá-la e enterrar seu corpo no jardim, pois a
mulher sabe muito mais do que desejaria saber.
_ Pode trazer a sobremesa, Carina _ autoriza Cecília e a serviçal se
retira. _ Seu filho ligou hoje te convidando para uma apresentação na escola,
terça-feira que vem, à noite.
_ Terça que vem tenho compromisso. Um empresário de Hong-Kong
vem negociar com a empresa e eu vou terei que representar a corporação,
vamos jantar.
_ É seu filho, Victor Hugo. Você nunca participa de nada na vida do
garoto, e é o último ano dele na escola.
_ O homem é dos Tigres Asiáticos, a empresa dele é uma potência. O
grupo é referência em comunicação no mundo, eu represento uma empresa de
telefonia, não posso recusar um encontro com um representante no Brasil
assim, milhares de executivos dariam a alma para estar no meu lugar. Meu
filho posso ver todo dia _ argumenta.
_ Então porque não o faz? Tudo você se esconde nessa desculpa de ser
um CEO.
_ Cecília! Eu faço tudo que está ao meu alcance. Pago escola cara pro
garoto, dou tudo que me pede...
_ Você e essa sua mentalidade que dinheiro compra tudo.
_ Vamos comer a sobremesa? _ tenta trocar de assunto, mas Cecília já
está aborrecida com ele e nem uma sobremesa é capaz de adoçá-la no
momento.
_ Pavê de pêssego, mergulhei os biscoitos de maisena no conhaque do
jeito que o senhor gosta _ informa a doméstica.
_ Ah Carina, o que seria de mim sem você...
O pavê estava tão irresistível que Victor Hugo come três pedaços e sua
esposa dois, sendo o último apenas uma lasquinha, pois alegava que muito
açúcar faz mal para a saúde. Depois do doce, retiraram-se para a cama.
Antes disso ele foi ao banheiro escovar os dentes e aproveitou para mandar
uma mensagem de boa noite escondido para Aurora. Ela respondeu
rapidamente e aproveitou para apagar toda a memória do celular, é melhor
prevenir do que remediar.
O casal ainda conversou um pouco antes de dormir, mas quando Cecília
deu por si estava falando sozinha e seu marido roncando do seu lado.
No dia seguinte, quando Victor Hugo acorda sua esposa já havia
levantado há tempos, estava sentada no jardim tomando sol e lendo uma
revista de fofocas. Logo quando vê que o marido já havia acordado e já está
arrumado de terno e gravata para ir pro trabalho, vai para a mesa do café
acompanhá-lo.
_ Bom dia, querido!
_ Bom dia, amor! _ os dois tocam seus lábios de leve. Ele se senta na
cabeceira da mesa e ela ao seu lado direito.
_ Estava te esperando para o café, resolveu sair um pouco mais tarde
hoje?
_ Ontem eu estava exausto, precisava descansar até mais tarde.
Cecília serve o café na sua xícara predileta e quando ele estende a mão
para uma fatia de melancia que estava na mesa a esposa fica ressabiada.
_ Onde está sua aliança? _ espanta-se ao ver o dedo vazio do marido.
_ Minha aliança?! _ repete a pergunta para ganhar tempo _ Devo ter
esquecido no banheiro.
_ Posso buscar para o senhor _ diz Carina, que surge da cozinha do
nada.
_ Eu pego _ sua voz rude não admite nenhum questionamento, tinha
tirado a aliança desde que se encontrara com Aurora e agora com uma nova
secretária gostosa resolveu não arriscar, mas quando chegar ao trabalho tira
novamente _ Acho que guardei no bolso da bermuda.
Termina seu café comendo mais duas fatias pequenas de melancia e
bebe um pouco de iogurte, depois de ter tomado seu quentíssimo café preto
que lhe queimou a língua de tão quente, mas o iogurte aliviou. Correu até o
banheiro e recuperou a aliança, enfiou-a no dedo com o intuito de ostentar
para os moradores naquela casa, mas assim que entrou no carro tirou-a para
chegar à empresa com pinta de solteiro. Quando chegou todo marrento e de
óculos de sol, a secretária o consumiu por inteiro apenas com os olhos.
IV
Aurora

A rotina de Aurora finalmente havia lhe presenteado com uma folga.


Depois do conselho de classe e de ter acabado de corrigir cinco pilhas de
provas, eis que no fim do túnel surge uma luz: os alunos dela iriam viajar, e
ela não ia à viagem. Descanso! Uma professora que trabalha de sol a sol
estava extremamente necessitada daquela folga, não aguentava mais olhar
pra cara dos seus alunos que não queriam nada com os estudos, e
infelizmente a maioria era assim. Mas Verônica não teve a mesma sorte,
precisava trabalhar.
No dia seguinte seria o aniversário de Oswaldo, primo da amiga e que
era perdidamente apaixonado por ela, o cara diz ter superado mas não é o
que parece. Na maioria das vezes que eles se encontram não é tão agradável
porque Oswaldo acaba dando umas cantadas nela. Mas o homem tinha
depressão, então a amiga fazia o possível para não aborrecê-lo e aumentar
ainda mais seu sofrimento. Era estranho porque não tem muitos amigos, na
verdade ele não tem amigos, e de vez em quando ameaça se suicidar e sobra
pra Verônica a responsabilidade de cuidar do caso.
Em vista disso tudo, Aurora não poderia se negar a ir àquela festa de
aniversário, já que possivelmente poucas pessoas compareceriam e era um
dever social as duas amigas marcarem presença no evento. Oswaldo era um
pouco mais velho que a prima, cerca de três ou quatro anos, tinha um rosto
meio gordo e sujo, além de ter um corpo desleixado. Estava tão animado
com a comemoração que seria um pecado se elas não aderissem. O maior
sentimento que Aurora nutria em relação a ele era pena, só Victor Hugo que
não entendia muito bem isso, morrera de ciúmes quando soube que iria com
a amiga para a festa de um cara que já foi apaixonado por ela. Talvez não
devesse ter contado, mas agora não tinha como voltar atrás e o namorado
acabou assentindo, também não teria muito poder para proibi-la de nada.
Gostaria de passar o dia de folga com o namorado, mas como não seria
possível, resolveu se dedicar às compras. Poderia ir à rua com sua vizinha
Dora que adora bater perna e dar uma olhada numa roupa nova para usar no
aniversário de amanhã, não que precisasse comprar nada, pois seu armário
tinha bastante coisa, porém adorava essas desculpas pra comprar mais
peças: sapatos, bolsas, acessórios... Preciso me renovar! A moda é muito
instável. Se bem que hoje é dia 27, é impossível dia 27 do mês uma
professora ter dinheiro. Sorte que o namorado iria pagar.
Aproveitou o dia para dormir até mais tarde, já que raramente fazia isso
e mandou mensagens para o celular de Dora convidando-a para sair, fazer
compras e almoçar juntas. Na verdade, ela poderia ter simplesmente ido até
o apartamento ao lado e feito isso, mas achou mais prático utilizar a
tecnologia ao seu favor. Até se fosse lá correria o risco de dar de cara com
Igor e os dois ficariam horas e horas conversando, já que o marrom bombom
era um amor de pessoa e aproveitaria para alfinetá-lo jogando a amiga pra
cima dele, mas era um pouco lento. Com Verônica, as coisas têm uma
velocidade mais frenética, ela é voraz e não perdoa.
Dora combinou de passar no apartamento da frente em meia hora,
precisava apenas tomar seu banho e desamassar sua cara amarrotada de
quem foi atropelada por um trator no dia anterior, santa maquiagem! Aurora
também precisava passar por alguns processos de preparo para sair de casa,
não era tanto quanto Verônica que ficava horas perante o espelho, mas
resolveu se aprontar direitinho pois após as compras pretende passar no
trabalho da best friend e fazer uma surpresinha. Esperava que ela não
ficasse brava, mas já trabalha lá há duas semanas então não vai ter aquele
susto caso aparecesse nos primeiros dias. Ela vai adorar minha surpresa!
Veste uma regata com alças de corrente e um pano fresco estampado
que exibia um pouco da barriguinha, uma calça jeans do cós alto, com uma
sandália laranja de tiras e com santo alto. Olha-se no espelho e se sente
apaixonada por sua própria imagem, coisa que raramente acontecia: gostar
de uma roupa que vestia. Geralmente, na maioria dos casos ela
experimentava umas sete combinações pra poder escolher uma, isso quando
alguma das sete ainda servia, tinha vezes que trocava mais ainda até achar a
peça ideal. Passa uma leve maquiagem, pega a bolsa e vai sentar no sofá pra
esperar a amiga.
Tin-don! A campainha soa e Aurora se levanta para atendê-la. É a
amiga Dora que está com um vestido ameixa maravilhoso muito além dos
parâmetros de um dia normal para ir andar à toa na rua, tudo bem que
valorizou sua pele negra, mas parece mais que vai num evento grandioso ou
uma festa luxuosa.
_ Que vestido é esse? Tá indo pra alguma boate? _ alfineta.
_ Toma conta dos seus panos que eu tomo dos meus _ ri, balançando a
barra do seu vestido e dando um beijinho no ombro.
_ Hum... arrogante! Vamos? _ coloca a bolsa de baixo dos braços e sai
fechando a porta, antes disso dá dois beijinhos no rosto da vizinha.
_ Vamos. Pegou dinheiro? Por que você que vai pagar o almoço.
_ Larga de ser pão-dura. Seu irmão nem sua mãe são assim. Deve ter
puxado seu pai.
_ Meu pai era super mão aberta, coitadinho. Deixou dinheiro até pra
pagar o caixão antes de morrer. E não precisa pagar nada pra mim não, não
sou mendiga pra precisar que me paguem coisas. Mas tem um ditado que diz:
quem convida, paga!
As duas disparar a rir e se abraçam como amigas que não se viam há
muito tempo e não dispensaram uma bela dose de sarcasmo e deboche, pois
eram mestres naquilo. Pegam o elevador e descem contando piadas e rindo.
Dora conta que estava conhecendo melhor um cara que morava no prédio ao
lado e inclusive convidou a vizinha para ir à piscina do condomínio junto
dela e dar uma conferida no material. Aurora também não quis ficar por
baixo e comenta que o relacionamento de três meses com Victor Hugo estava
indo muito bem.
_ Me mostra uma foto dele? _ pede.
_ Não tenho fotos. Ele só usa uma no perfil que mal dá pra vê-lo.
_ E vocês nunca tiraram nenhuma foto juntos? _ duvida.
_ Infelizmente, não. Victor Hugo tem uma crença meio estranha de que
fotos captam a alma das pessoas, já falei pra ele que isto é mito, mas não
gosto de contrariá-lo, nem discutir por convicções religiosas.
_ Então ele não tira foto com medo de roubarem a alma dele? _ Dora
tinha um tom debochado e duvidoso na voz.
_ Não é exatamente assim. Ele também é CEO numa empresa e não
gosta de se expor muito. Também não ligo muito para fotos, não preciso ficar
ostentando-o numa vitrine como se fosse meu troféu. Posso muito bem
namorar um homem lindo sem precisar que o mundo inteiro saiba disso _
defende-se Aurora.
_ Não é questão do mundo inteiro saber _ diz saindo do elevador _ Só
sua vizinha. E Divônica, já o viu? _ Dora chamava Verônica de Divônica na
maioria das vezes e esta retribui chamando a vizinha de Dora aventureira.
_ Não, mas ainda vamos marcar um jantar um dia lá em casa. Acontece
que Victor Hugo é um homem de negócios, ele trabalha muito, precisa cuidar
da mãe doente também e quando tem horário livre gasta seu tempo comigo.
Não a nada melhor do que ficarmos juntinhos e sozinhos um dia inteiro no
apartamento dele. Então aproveitamos as horas vagas para ficar juntos, mas
vocês ainda irão conhecê-lo. Como diria sua mãe, posso garantir que é um
pitelzinho. _ As duas riram.
_ Nem me lembre desses assuntos, mamãe está terrível. Nem eu nem
Igor sabemos o que vamos fazer com ela.
Dona Heloísa era a mãe da casa ao lado. Era muito mais que uma
vizinha, pois as duas meninas do apartamento da frente acabaram vendo nela
uma figura materna, já que a mãe de Aurora já havia falecido e a de Verônica
não matinha muito contato. Heloísa tinha 65 anos, era enfermeira aposentada,
viúva há doze anos e uma das mulheres mais felizes que teriam oportunidade
de conhecer. Ela corria na avenida, fazia ginástica, cozinhava e acima de
tudo amava mexer no computador e no celular. Achava o maior barato a
possibilidade de conversar com pessoas a quilômetros de distância com um
simples clique.
Porém o descontrole dela na internet acabava preocupando os filhos,
que não conseguiam impor limites ao uso. Heloísa começara a conhecer
estranhos na internet e marcar encontros com eles, e isso era muito perigoso
ainda mais para uma senhora idosa que poderia facilmente ser roubada ou
ser vítima de alguma outra maldade. Aurora já a assistira inúmeras vezes
conversando com alguns pitelzinhos no Whatsapp. O irritante era que não
sabia falar Whatsapp direito e nem mesmo mexer no aplicativo, então era
preciso muita paciência para auxiliá-la.
Andando, as duas chegaram em cinco minutos no ponto de ônibus,
alertas aos movimentos, guardam celulares e seguram a bolsa na frente do
corpo. Era perigoso utilizar qualquer aparelho celular no ponto ou então
brincos ou colares muito chamativos. Continuaram conversando a respeito
da mãe enquanto esperavam um transporte para o centro da cidade. Dora fica
irritada quando um homem magricelo, de bigodes e um boné torto na cabeça
passa olhando-a de cima a baixo e ainda disse “Gostosa!”. A vontade dela
foi dar na cara do cidadão, será possível que nunca poderá sair com uma
roupa que se sente bem porque pode ser vítima de várias cantadas
constrangedoras e abusivas!? Isso é Brasil.
_ Acredita que mamãe marcou encontro com um garoto que era mais
novo que Igor? _ irritou-se Dora _ E ela tinha encontrado o rapaz num
aplicativo dois dias depois.
_ Igor tem quantos anos mesmo?
_ Ele é cinco anos mais novo que eu, tem 27.
Dora também não é filha legítima de dona Heloísa, por isso é bem mais
negra que o irmão que é moreno, como diria Verônica, um marrom bombom.
A mãe de Dora era negra enquanto seu pai moreno, como Igor, quando a
bebê tinha seis meses sua mãe acabou falecendo e quando seu pai casou
novamente a menina foi criada como uma própria filha pela nova esposa,
nunca houve nenhuma distinção de tratamento ou coisas do tipo.
_ Vocês precisam vigiá-la, esses encontros pela internet são perigosos.
Como ela conseguir conquistar alguém de vinte e poucos anos?
_ Mamãe disse que era uma mulher madura, loira, peituda e com olhos
azuis. Quando o cara leu mulher mais velha pensou que fosse alguém de 40
anos ou algo do tipo, não imaginava que seria uma mulher muito mais velha.
_ Já viu o Whatsapp dela? _ indaga.
_ Eu investigo tudo que mamãe faz, conto para Igor, mas ele não leva a
sério. Acha que é apenas uma bobeira que ela logo vai esquecer. Eu não sei
muito que fazer, talvez eu devesse levá-la num psicólogo _ Dora parece
realmente preocupada.
_ Sinceramente, o que sua mãe procura na internet? Um relacionamento,
relações casuais, amigos?
_ Também não sei, mas preciso controlar o uso dela na tecnologia.
Mamãe está descontrolada. Tive que proibi-la de ir ao forró. Quer ir pro
forró todo dia! Proibi! Agora vai uma vez por semana e está muito bom.
Outro dia quis ir pra casa do cara que conheceu no baile. Não sei o que vou
fazer _ bufa.
_ Vou pedir Verônica pra conversar com ela, já que as duas tem uma
empatia melhor e se dão bem. Ah! Tá vindo o ônibus.
Aurora estica o braço fazendo sinal para o ônibus e duas mil pessoas
resolvem entrar na condução junto delas. É quase impossível conversar no
interior do veículo, pois estão tão apertadas que não existia um vácuo sequer
capaz de caber sua voz. Não poderiam respirar muito também, pois 1) tinha
alguém muito fedido ali dentro que não convivia com um desodorante há
mais de uma semana, no mínimo e 2) se elas comprimissem o diafragma para
respirar era capaz de alguém ocupar o espaço. Ficaram um pouco longe uma
da outra, mas cerca de meia hora depois o coletivo começou a esvaziar e
mais dez minutos elas chegaram ao destino.
Caminhavam pelas ruas movimentadas observando todas as vitrines e
boquiabertas, apaixonadas por tudo que viam, porém alguns números eram
ainda mais chocantes. As peças não admitiam nenhum preço que não tivesse
no mínimo três dígitos antes da vírgula e quando Aurora entrou numa loja pra
perguntar o preço de uma calça que estava na entrada ficou tão chocada que
quase perguntou se estavam aceitando um rim como pagamento. Da próxima
vou trazer um tabelião para transferir logo meu apartamento para o nome
da loja.
Felizmente, encontraram uma boutique fina e elegante a preços
razoavelmente acessíveis, óbvio que se ela pedisse a Victor Hugo ganharia
bastante coisa cara da loja, mas o relacionamento era algo recente ainda e
não queria parecer interesseira – por mais que fosse. Iria gastar o mínimo
possível, nada de estourar o limite do cartão do bofe. Porém sua relação
com o executivo é fruto de amor, não de interesse. Aurora consegue
finalmente se decidir por jaqueta amarela de couro com um cinto preto de
detalhes dourados na fivela para deixar a cintura marcada, para usar por
baixo, compra uma blusa preta básica com um pequeno decote, uma calça
skinny escura e para completar um sapato alto de bico fino amarelo. Havia
visto a recomendação do look num blog na internet e achou superinteressante
a dica para mulheres mais baixas de usar a jaqueta na altura do ossinho do
quadril. Como ultimamente tinha feito um friozinho seria ideal vestir aquela
combinação. Era bom comprar roupa nova e boa, pois poderia usar em
várias ocasiões, além disso a loja dividia tudo em dez vezes no cartão. Amo
pagar no cartão!
Dora também não desperdiça a oportunidade de comprar, mas limita-se
a adquirir um sobretudo cinza que estava na metade do preço. A peça
também era usada por uma atriz de novela. Quando acabaram as compras e
saíram da loja já era quase uma da tarde e resolveram ir almoçar.
_ Divônica não vai comprar nada novo pro aniversário não!? É a festa
do primo dela né!
_ Acredita que ela ganhou um conjunto de roupa caríssimo do patrão,
depois dele ter dado um banho de água suja nela acabando com as peças
usadas?
_ Nossa, que sortuda! Se meu patrão me der um banho de água suja é
capaz de me culpar dizendo que estava andando no lugar errado. Uma vez um
imbecil também passou numa poça e me deixou encharcada, mas não ganhei
nenhuma roupa nova.
_ É, ela teve sorte. Mas eu ainda acho que este novo patrão está sendo
generoso demais com ela, sei lá.
_ Será que tem algum lance a mais? _ Dora alfineta.
_ Bem, ainda é muito recente pra se dizer alguma coisa. Ela está há
quinze dias só na empresa, homens não são bonzinhos por acaso, pelo menos
não a maioria deles, sempre há uma segunda, terceira, quarta e quinta
intenção em tudo que fazem.
_ Verdade. E essa festa de Oswaldo hein, o que podemos esperar?
As duas se entreolham e riem, não é preciso falar mais nenhuma
palavra, mas acabam mesmo sublimando o assunto quando são interrompidas
por um garçom gato com um corte estiloso que lhes entrega a comanda,
enquanto o olhar invasivo de Dora desejava que o papel fosse um bilhete
com o telefone do funcionário. Você não é desenho animado, mas é Ben 10!
O homem parecia não retribuir muito o olhar dela. Depois olha para a mãe
dele, aliança, é noivo. Aff.
Entram no aconchegante restaurante e se sentam numa mesinha simples
e simpática no canto do salão, sobre ela tem um vasinho de flores roxas e
uma toalha meio puída. Uma das paredes do recinto é feita de tijolos
aparentes, com prateleiras que servem de suporte para robustas velas que
ficam acesas. As duas servem-se da comida e pesam na balança, Aurora se
surpreende com seu apetite voraz e percebe o quanto tem despertado uma
fome repentina às vezes. Dora é mais contida e acaba comendo pouco.
_ Vai ao aniversário do Oswaldo? _ indaga Aurora logo assim que se
sentam e começam a devorar a comida.
_ Ele marcou a festa para sete horas da noite. Sete horas! Vai ser
aniversário de um aninho ou celebração de casamento? Nunca vi uma festa
começar tão cedo.
_ Também fiquei profundamente horrorizada. Deve dormir cedo que
nem velho.
_ Minha mãe é velha e nem por isso dorme cedo.
_ Espero que os entretenimentos da festa não seja jogar bingo ou
baralho _ comenta Aurora, destilando veneno no pobre do Oswaldo.
_ Mas vamos relevar, é o Oswaldo, lembre-se disso. Eu sinceramente
tenho pena, só irei à festa porque fico compadecida de alguém como ele.
Seria terrível se ninguém comparecer.
_ Também penso nisso, mas a gente faz a festa. Além do mais, terá
bebida liberada. Só ele não poderá beber porque toma remédios
controlados. Bebida grátis é sinônimo de presença confirmada da Aurorinha.
_ E da Dorinha também _ disparam a rir.
_ Brincadeira, eu nem bebo. E Igor, vai comparecer? _ indaga, curiosa,
por conta da melhor amiga.
_ Por acaso está colhendo informações para Divônica?
_ Óbvio, acho que seu irmão e minha irmã do coração fariam um casal
perfeito. Verônica tem um amor além desse mundo por ele, é louca pelo
marrom bombom.
_ É, eu sei. Seria legal tê-la como cunhada, e também faço gosto da
relação. Acontece que Igor é um cafajeste mal lavado. Só tem carinha de
anjo, mas do resto...
_ Talvez Verônica consiga convertê-lo.
_ É. Talvez _ repete um talvez com um tom solene de pêsames. Talvez
provavelmente não.
Em silêncio, continuam a almoçar, bebem um suco de laranja e Dora
chama novamente o garçom para reclamar que não tem açúcar na mesa. Na
verdade ela escondeu o restinho que tinha na bolsa, só pra ver o garçom gato
desfilando. Terminam o almoço, pagam a conta e se retiram do restaurante.
Resolvem fazer uma surpresa para Verônica e ir até o trabalho da moça
visitá-la. Compraram correndo um bilhete da barca enquanto o X vermelho
já piscava na entrada. Correram desesperadas como se suas vidas
dependessem daquilo. O pior seria se o cartão de uma passasse e a outra
precisasse esperar a próxima embarcação, que naquele horário demoraria
mais meia hora. Dora e Aurora correram para as catracas uma ao lado da
outra e passaram o cartão. Sinal verde! Ufa! Conseguiram passar. E quando
olham para o lado os outros passageiros ficaram presos. O segurança
informa-os que será preciso esperar a próxima embarcação.
Esperem a próxima, seus babacas! Aurora olha para trás com um
propenso ar de soberania, conseguir serem as últimas passageiras do
transporte era uma legítima definição de sorte. Quando entraram na barca,
não tinha mais lugar para sentar, então ficaram paradas próximas a porta de
saída sentindo a leve brisa do vento que vinha do mar tocar suas faces, era
uma deliciosa sensação de frescor que lhes aquecia o corpo e o coração.
As mulheres começam a utilizar o celular checando algumas de suas
mensagens e Dora fica rindo à toa olhando para o aparelho, o motivo não
poderia ser outro: paixão. Estava finalmente se acertando com o cara do
prédio ao lado, mostrou uma foto para a amiga que ficou encantada. O
peguete da aventureira Dora era uma gracinha: rosto fino, nariz adunco,
barbinha sexy e sorriso malvado. Seus cabelos eram espetados para cima e
seus braços eram fortes e definidos. A foto do perfil dele era de sunga. Meu
pai amado, era realmente de molhar as calcinhas. Se Divônica visse
aquela foto já estaria ovulando.
_ Tá podendo, hein! _ Aurora cutuca a amiga com o braço.
_ Tá pensando o quê?! Que só você pode pegar um gostosão misterioso
que ninguém viu a cara nem o corpo pra comprovar se é gostosão mesmo?
_ Já falei que vocês irão conhecê-lo. Qualquer dia quando ele estiver
disponível marcaremos um jantar lá em casa.
_ Ok _ naquele instante calam-se com a fala decorada anunciando a
chegada ao Rio de Janeiro: “Por favor, permaneçam em seus lugares até o
término da atracação...” Toda viagem era a mesma ladainha.
É um tumulto desesperado para desembarcar na Praça XV, uma
avalanche de pessoas sai da barca caminhando a largos passos apressados,
se alguém estranho desacostumado desse ritmo frenético da metrópole visse
o desembarque, provavelmente pensaria que o transporte estava afundando.
Mas em poucos segundos, todos já estavam do lado de fora.
Caminharam um pouco em direção ao prédio do trabalho de Verônica,
porém no meio do caminho encontram um pequeno corredor com uma
mensagem pintada na parede de maneira muito chamativa às duas: Descubra
o seu futuro! Madame Dinorah lê nas cartas! As duas se entreolharam e não
resistiram a entrar na sala de atendimento da cartomante.
Era estranho frequentar aquele lugar, elas já tinham ido algumas vezes a
locais como este, dava calafrio pelo corpo todo e Dora suava de modo
descompassado, mas Aurora adorava ouvir as predições do futuro, por mais
que não colocasse tanta fé nos relatos ditos. A maioria das vezes que ia a
tais ambientes, não lhe diziam nada com nada, eram informações vagas e sem
muito direcionamento, mas tinha muita curiosidade de saber tudo. Já Dora
tinha medo de mexer com esse tipo de coisas.
A cartomante era uma mulher um tanto engraçada, usava roupas
vermelhas com desenhos de luas e outros símbolos cósmicos e era repleta de
colares e demais acessórios que pendurava no pescoço. Para dar um ar mais
carregado de espiritualidade, desenhos de cartas e ícones sagrados ficam
espalhados pela pequena sala de atendimento que continha uma mesa
redonda no meio cercada por quatro cadeiras e no teto da sala, num dos
cantos, ficava pendurada uma samambaia.
_ Boa tarde, as moças desejam saber do futuro?
_ Só ela só _ avisa Dora, um pouco espantada com a voz profunda da
mulher.
_ E a moça deseja saber tudo? Nem sempre as cartas dão bons recados.
_ Pode falar tudo, eu aguento _ aceita Aurora.
_ Qual é seu nome?
_ Aurora.
_ Vou buscar meu baralho para iniciarmos a consulta.
Levantando lentamente, ela caminha para uma outra sala anexa a
primeira, enquanto Dora cochicha no ouvido da amiga que está com medo da
mulher e precisa urgentemente sair dali. Aurora orienta-a a deixar de ser
frouxa, as duas acabam ficando de mãos e de braços dados, bem
agarradinhas, como se fossem um casal . Em questão de segundos, a
cartomante retorna com o baralho e indica-o para Aurora cortar em três
partes.
_ Hum... A senhora gosta de uma pessoa. E seu amor é algo doce,
leve... Ele também te ama. Bem lá no fundo, ele te ama. _ como assim bem
lá no fundo? Victor Hugo não me ama na superfície também não!? _ O
amor é um sentimento que pode despertar nossos lados mais ocultos, o amor
nos comove, mas também nos destrói. A segunda carta... Bem, essa não é das
melhores. A carta do desgosto.
_ Desgosto? _ Aurora se espanta.
_ Espero que não seja de mim _ diz Dora num tom melancólico.
_ Infelizmente, as pessoas mais próximas a nós são as que mais têm o
poder de nos machucar. O desgosto é fruto de uma terrível decepção.
_ Isso vai ser quando? _ Aurora foi objetiva e rápida na sua pergunta,
não estava gostando muito das previsões da cartomante.
_ Eu não sei, as cartas não tem datas, apenas preveem os
acontecimentos, cada coisa tem seu tempo.
_ Abre logo essa última carta! _ brada Dora morrendo de vontade de ir
embora e esticando a mão aberta em direção a carta.
E abriu...
A cartomante esbugalha os olhos, depois os fecha rapidamente, agarra
firme nas mãos de Aurora e diz, de olhos fechados e com uma voz
apavorante:
_ Não entra nesse carro! Aconteça o que acontecer...
☐☐☐
Aurora ainda estava um pouco – nada pouco, na verdade – transtornada
com o relato da cartomante, no trajeto até o trabalho de Verônica, as duas
não trocaram mais uma palavra sequer, tudo que Dora dizia ela acabava
ignorando e só dava sentido às falas da amiga meia hora depois. Talvez o
vermelho fogo de seus cabelos tivessem derretido seus neurônios, ou talvez
a mulher das cartas houvesse embaralhado seu cérebro mais do que
embaralhara as cartas.
Dora continuava perguntando se estava tudo bem e a outa simplesmente
balançava a cabeça, concordando. Mas parecia estar em outro mundo, aquele
lance do carro tinha mexido um pouco com ela, mas na verdade essas
cartomantes não sabiam de nada, só falavam qualquer coisa sem pensar que
vinha a cabeça em troca de um pagamento. Acontece que ninguém gosta de
ouvir uma previsão ruim – mesmo que não tenha qualquer resquício de
comprovação científica e que a gente tenha certeza que é pura enganação. Até
parece que eu vou deixar de andar de carro por conta do que uma
cartomante louca falou. Se eu tiver que morrer, vou morrer independente
de entrar num carro ou não.
Chegam ao trabalho de Verônica e ficam surpresa com a beleza e o luxo
do prédio. Parecia prédio de novela. Do lado de fora era todo de um
mármore preto maravilhoso e por dentro de cor marfim, espelhos enormes
nas paredes, quadros de obras de arte caríssimas e homens transitando de
terno e gravata, e com uma maleta na mão, eles tinham cara de ricos e corpo
de milionários. Cada roupa num luxo maior que o outro, algumas mulheres
usavam saias de seda importada e blusas daquela marca que Aurora teria
que vender um rim para comprar. Victor Hugo deve trabalhar em algum
prédio tipo esse. Dora andava pelos corredores igualzinha uma criança
pobre do interior que anda pela primeira vez de escada rolante. Estava toda
sorridente.
Uma mulher com ar de soberba observava as duas por trás do balcão na
recepção. Ela debatia alguma coisa com um homem gato ao lado dela. Os
dois observavam as duas visitantes que pareciam perdidas e desnorteadas.
_ Você viu, Adriana, o que passou no jornal hoje? Teve arrastão em
cinco praias ontem com esse monte de pivetes. Depois vem esses caras da
faculdade, que se dizem estudiosos e entendidos, fazer protesto na praça
contra a redução da maioridade penal. Quero ver quando um desses
moleques roubar eles ou então matar algum parente ou coisa assim. Aí vão
querer justiça. Um absurdo esse arrastão né!?
_ Sinceramente, Jorge, hoje eu não tô com saco pra denúncia social.
_ Ihh, estressada!? _ o homem recua.
_ Ah, não tem aquele macarrão de goela de pato? Ontem resolvi fazer
uma receita nova e fiquei a noite inteira enfiando presunto e queijo dentro do
macarrão, realmente ficou uma delícia, mas nunca mais faço. Dá um
trabalho... _ finalmente olha pras duas moças que estão paradas na sua frente
esperando apenas que terminem a conversa _ Desejam alguma coisa?
_ Boa tarde, eu gostaria de falar com minha amiga, Verônica, será que
saberia informar o andar que ela trabalha? _ Aurora pergunta com muita
educação e cordialidade, sua irmã do coração já havia informado que a
recepcionista não era das mais simpáticas com o público.
_ Ela está em horário de trabalho _ informa, impaciente.
_ Ah, mas eu só queria buscar uma coisa que esqueci com ela, não
vamos demorar nem dois minutos _ interfere Dora, tomando as rédeas do
discurso.
_ É no vigésimo andar. Podem pegar o elevador ali _ aponta o gostosão
chamado Jorge. Por isso que eu adoro os homens, eles são muito mais
simpáticos!
_ Victor Hugo odeia que os funcionários resolvam assuntos particulares
durante o expediente _ interfere Adriana enquanto as moças nem lhe davam
mais atenção, acabavam de entrar no elevador. Victor Hugo, que
coincidência! O patrão de Verônica tem o mesmo nome do meu namorado.
Por isso que ela diz que o patrão é o maior gato! O nome deve atrair
beleza.
Descem no andar indicado e dão de cara com uma moça elegante com
pose de secretária chique.
_ Divônica! _ brada Dora correndo com os braços abertos em direção a
colega.
Verônica ri, faz um rápido sinal pedindo silêncio, mas quando as três se
abraçam, ela diz:
_ Ah, pode gritar, meu patrão não tá aí. Foi embora mais cedo hoje e eu
fiquei pra dar rumo em alguns papéis.
As três melhores amigas dão o abraço mais apertado e feliz que já
foram capazes de dar. Um abraço de irmãs que se amam.
V
Victor Hugo

Até que o homem estava conseguindo se desdobrar bem com suas


mulheres: sua esposa e a outra. Hoje resolvera abandonar o serviço após o
almoço para se dedicar a sua família, chegou mais cedo em casa, tomou uma
ducha e acabou apagando no sofá enquanto assistia a um filme junto de sua
amada. Quando acordou, parecia um pouco mais disposto e animado,
resolveu convidá-la para passar uma noite fora e jantar.
_ Finalmente! _ comemora Cecília ajeitando os óculos. _ Pensei que
fosse precisar pegar uma senha pra jantar com você.
_ Deixa de drama, Ceci _ e a beija ternamente na boca, segurando seus
cabelos e dando um leve puxão _ Eu sou todo seu, só às vezes você precisa
me dividir um pouco com o trabalho.
_ Às vezes sempre _ vocifera _ mas tudo bem. Sou paciente e esperei
minha vez de jantar _ os dois riram. _ Mas teremos um convidado especial
esta noite.
_ Convidado especial? _ Desde que não seja aquela minha sogra
velha super chata insuportável dos Gouveia Vasconcellos está tudo bem.
Se precisasse escolher entre jantar com sua sogra ou com Ozama Bin Laden,
Victor obviamente iria preferir a segunda opção. E talvez até pedisse alguns
conselhos de como explodir sogra.
_ Sim, seu filho.
_ Isaac vem aqui? _ fica um pouco espantado, o filho não costumava
visitá-lo com frequência, depois que... depois de tudo que aconteceu na
família, as estruturas ficaram um pouco abaladas. Mas já fazia tempo, e
ainda assim não conseguiam recuperar as rédeas da relação pai-filho.
_ Que foi? Não está feliz em saber que seu filho vem te ver?
_ Sim, estou sim. Só fiquei um pouco surpreso por não costuma nos
fazer visitas.
_ Eu liguei para o menino e convidei-o _ disse massageando os fios
sedosos do cabelo do marido que voltou a deitar em seu colo, logo após a
surpresa. Victor Hugo adorava quando sua esposa mexia em seu cabelo
daquela maneira.
Cecília era uma esposa exemplar, não merecia ser traída por Victor
daquela forma. Procurar outra não foi questão de necessidade e infelicidade
no casamento, Aurora simplesmente aparecera, batendo na porta de seu
coração e não teve como recusar. Tudo bem que ele deixava de usar aliança
muitas vezes quando estava fora de casa, mas acontece que nunca foi homem
de uma mulher só. Não poderia recusar satisfazer necessidades prioritárias
das mulheres, se estava faltando exemplares do sexo masculino no mercado,
resolveu se oferecer para atender as demandas escassas.
O filme que passava na TV era hilário, era bom assistir filmes assim
para divertir e distrair alguém com a mente conturbada. Carina trouxe pipoca
e refrigerante para o casal apaixonado que repousava no sofá, conhecia tão
bem aquela família que já trouxera tudo antes mesmo de pedir.
_ Carina, é verdade que está dando uns pegas no jardineiro novo? _
questiona o patrão, com um riso sarcástico no canto da boca.
_ Que por sinal é uma gracinha! _ complementa Cecília, mas acaba
sendo censurada pelo olhar cortante do marido.
_ Eu, senhor Victor!? _ fez-se de desentendida como se estivesse
profundamente ofendida _ Sou uma moça recatada.
_ Ah, sim! Poxa, fazia maior gosto da relação.
_ Felizmente ou não, não tenho nenhuma relação com o Emanuel.
_ Emanuel!? Sabe até o nome _ Victor Hugo continua rindo e
provocando.
_ É de bom tom saber o nome dos empregados da casa. Os senhores
irão jantar em casa esta noite?
_ Mudando de assunto, Carina!? _ o patrão adorava provocá-la, era tão
incrível observar a intimidade que o homem tinha com os empregados.
_ Não, senhor. Só pensei que gostariam de fazer algo especial para
Isaac.
_ Não precisa preparar nada _ orienta Cecília _ Iremos jantar fora.
_ Ok. Com licença _ Carina faz uma mesura e retorna para a cozinha.
Continuaram ali, deitados, como um casal de adolescentes apaixonados,
curtindo um dos raros momentos que tinham de passar um dia juntos. Casar
tem um pouco disso, curtir momentos sozinhos a dois mesmo quando tudo ao
redor pareça desabar para um deles. Casar é acreditar que a outra pessoa
será seu amigo fiel e escudeiro, disposto a te proteger de tudo e de todos.
Talvez casar seja uma guerra de desejos que morrem num beijo, num abraço,
numa cama...
Algum tempo depois, o filme acaba e Victor Hugo resolve dar um
mergulho na piscina. Era fim de tarde, mas o calor ainda não havia os
abandonado. Cecília recusa terrivelmente a ideia de cair na água e estragar o
penteado que havia feito no cabeleireiro pela manhã justamente para a noite
do encontro com Isaac. Sem companhia, acaba indo assim mesmo.
Despe-se dos trajes despojados que vestia e mergulha na piscina de
cueca mesmo, estava em sua casa e até se quisesse mergulhar nu teria todo o
direito. Não tinha ninguém ali fora, exceto o jardineiro novo que se mantinha
a alguma certa distância e não tinha muita intimidade para ficar por perto
conversando com o patrão. Victor sempre foi tranquilo em relação aos
empregados, tentava manter o máximo de cordialidade e amizade que fosse
possível conquistar, porque até mesmo se alguém descobrisse algo ficaria do
seu lado por conta de sua simpatia e também para manter-se no emprego,
mas uma relação coesa é fundamental com os empregados no caso dele.
Por mais que não estivesse sendo assíduo com seus treinos musculares
– ele tinha aparelhos de ginástica na própria casa. Sim, uma academia
particular – seu corpo continuava sarado como um modelo de cuecas,
daqueles que aparecem na embalagem, sempre colocam pessoas saradas na
propaganda. A única coisa que ele não apreciava era raspar os pelos, não
que seu peito ou o resto de seu corpo fosse cabeludo, tinha apenas pelos
curtinhos e organizados, nada no estilo Tony Ramos. Cecília reclamava que
tinha casado com um homem, não com um lobisomem, por isso aparava-os
com frequência.
O homem tinha as coxas grossas, fruto da prática esportiva assídua, uma
vez por semana jogava futebol e também fruto da natação. Sempre que tinha
tempo, fosse dia, tarde, noite ou até mesmo de madrugada, se jogava na
piscina da casa – que é enorme, quase uma piscina olímpica – e nadava por
horas. Era seu passatempo preferido, Aurora também dizia que ele tinha
coxa torneadas igual daqueles caras que vão à academia de segunda a
sábado. Sentia-se o próprio Nemo nas águas.
Victor se sentia tão relaxado quando estava na piscina que mais parecia
estar recebendo uma maravilhosa massagem. Acaba tirando sua cueca e nada
pelado mesmo. O mal era que a água contraía certas coisas. Nem se
incomoda com o jardineiro que fica um pouco espantado quando repara que
o chefe estava sem nenhum traje de banho. Mas depois continua seu trabalho
de poda com as rosas vermelhas do jardim e ignora o peladão na piscina.
Victor não estava nem aí, não tinha porque ter vergonha de seu corpo. A casa
é minha, tenho todo o direito de ficar pelado.
Faz todos os tipos de nado que conhecia, fica por uma hora relaxando
na piscina e depois, sem nem ter pegado toalha nem nada, sai andando
pelado pelo jardim até que o jardineiro vai até o interior da residência e
traz-lhe uma toalha para se enrolar.
☐☐☐
Isaac não demorou muito para aparecer na mansão, logo assim que deu
oito horas, a campainha ressoou e quando o segurança acompanhou-o até a
porta a primeira pessoa da casa que ele cumprimentou foi a serviçal. Carina
ficou um pouco acanhada quando percebeu que o menino havia ido até ela
antes mesmo de falar com o pai, mas o abraçou como se fosse um amigo de
infância que a muito não encontrava. A empregada havia sido criada no
interior da residência e quando sua mãe se aposentou, ela acabou assumindo
o serviço e dando continuidade ao trabalho. Assistiu Isaac crescer naquela
luxuosa mansão e tinha-o como um quase-filho, já que suas diferenças de
idade era cerca de cinco anos, ela adorava segurá-lo no colo e brincava com
o menino de mãe e filho na infância.
_ E aí, Ca!? Alguma novidade?
_ Nada, menino. Continua tudo do mesmo jeito _ informa a amiga.
_ Cecilia, tudo bem? _ o garoto vai até ela e lhe abraça.
_ Sim, querido. E você?
_ Na medida do possível, tudo tranquilo _ ele tinha uma voz meio
arrogante.
Isaac tem dezoito anos, não é muito grande, havia puxado a família da
mãe, é loiro, tem olhos azuis, sua barba ainda é um pouco rala, mas
começava a ganhar um formato. Seu rosto é meio triangular, o nariz fino e
suas canelas finas como varetas de bambu, o menino é bem magricela, mas
não que passasse necessidades, muito pelo contrário, comia igual a um
búfalo, mas nunca engordava. Poucos têm essa sorte!
_ Pai, e aí, fazendo muita merda? _ estende-lhe a mão.
_ Mais respeito que eu sou seu pai hein garoto!
_ Calma, pai. Foi só uma brincadeirinha _ Isaac tira a paciência de
qualquer pai!
_ Está tudo bem comigo também _ e aperta a mão do filho.
_ Estava ansioso para revê-lo. Estou com sede. Alguém me acompanha
até a cozinha? _ pede o garoto.
_ Cecília vai com você enquanto eu vou terminar de me arrumar pra
gente sair e jantar fora _ diz Victor Hugo se retirando para o segundo piso da
casa.
Paciência era a palavra-chave para lidar com o filho e Isaac era
especialista em acabar com a do pai. O garoto nunca foi fácil de lidar, até
mesmo quando a mãe ainda era viva, ele já apresentava algumas tendências à
rebeldia. Depois que perdeu a progenitora e foi morar na casa dos avós,
ficou num mimo só. Faziam todas as vontades dele na intenção de que aquilo
suprisse a falta da mãe. Por mais que a família materna tivesse boas
condições, o pai sempre ajudou na medida do possível, comprava-lhe
videogames, brinquedos, celulares, computador e tudo mais que o filho
pedisse. Mas infelizmente não foi capaz de preencher um vazio que o menino
sentia e seu dinheiro era impróprio para comprar o amor de Isaac.
Era triste que seu único filho lhe tratasse com tons de desprezo e
deboche, mas sua natureza sempre fora assim. Talvez o menino não soubesse
expressar direito seus sentimentos e era meio incompreendido. Victor
também nunca fez muitos esforços para compreendê-lo, mas estava tentando
mudar aquilo. Porém, nunca dava certo. Sempre que convidava o filho para
algum programa em família, tipo ir ao cinema, tomar um banho de piscina,
ensiná-lo a dirigir ou até mesmo jantar com ele e Cecília, as mínimas
palavras entrecortadas ou olhares dispersos já eram motivos para
desentendimentos. Da última vez que os três foram num parque de diversões,
Isaac saiu gritando da montanha-russa e xingando o pai de tudo quanto é
nome quando este havia feito apenas uma brincadeira de jogá-lo pra fora do
carrinho quando chegaram lá em cima.
Em questão de segundos, enfiou-se numa calça azul clara, vestiu uma
blusa branca com estampa de pássaros e calçou um sapato básico. Victor
nunca ligou pra moda ou se vestir bem, qualquer trapo lhe servia, mas para
um executivo de porte como era, não soava bem sair por aí mal vestido. Vai
que encontra alguma nova peguete por ai...
Quando dá por si, Cecília já estava lhe gritando no andar de baixo.
Espero que Isaac não faça da noite de hoje uma visita ao andar de baixo,
isso sim. Passa seu perfume preferido e desce pronto para domar a fera.
Aliás, ele era o pai do garoto e não devia obediências a uma criança mimada
que se esqueceu de crescer e virar um homem.
Desce as escadas e encontra-se com o filho e a esposa já lhe esperando
para sair de casa. Pegaram o carro e foram até o shopping. Isaac queria
comer pizza e era costume do pai fazer suas vontades, até porque também
preferia comer a mesma coisa. Cecília que era meio natureba ficou com um
pé atrás, mas acabou cedendo na condição de beber suco, para que a
situação não ficasse tão pior no caso do acompanhamento ser refrigerante. A
noite estava sendo agradável ao lado do filho que, até então, não tinha feito
nenhuma merda. Era um espanto sua resistência a acidentes catastróficos.
_ Pai, que dia você vai me levar para conhecer seu trabalho? Quero
aprender alguma coisa do que o senhor faz.
Victor fica espantado com o interesse do filho no mundo dos negócios,
ultimamente nem ele estava tendo paciência para a papelada e os números
que não paravam de crescer no quadro da bolsa de valores. O preço do
dólar não sossegava nunca.
_ Você interessado pelo meu trabalho!?
_ Sim, não posso não!? Também quero ser um CEO.
_ Claro que pode! Fico muito feliz em poder despertar sua vontade
pelos negócios. Um dia vou te levar para conhecer a empresa, é só ver uma
data que não tenha tantos compromissos escolares e me ligar que poderá ir
conhecê-la.
_ Será ótimo! Quem sabe não segue os caminhos do pai? _ sugere
Cecília com um sorriso de satisfação no canto do rosto e um pedaço de pizza
no garfo.
_ É, quem sabe _ concorda num tom incrédulo.
O telefone de Victor começa a tocar baixinho, e seu coração
simplesmente para. O medo de ser uma ligação de Aurora o toma
completamente. E agora? Não poderia atendê-la na frente da família e caso
atendesse de qualquer maneira informal despertaria dúvidas dos dois lados.
Ele continua a comer como se não tivesse ouvindo nada.
_ Pai, seu telefone está tocando.
_ Não é o meu não _ rosna, rápido.
_ Claro que é, não tem mais ninguém nesse mundo com um toque tão
escroto quanto o seu _ declara. Que filho impertinente!
Bufando, acaba colocando a mão no bolso e tirando o aparelho. Com
um sorrisinho amarelo no canto do rosto confessa que era mesmo o seu. E
puta que pariu! É uma ligação dela. Por sorte, o nome da moça não aparece
nos contatos, um amante experiente não daria um mole desses.
_ Quem é Aurélio? _ indaga a esposa arregalando os olhos na direção
do celular para ler o nome no visor.
_ É um funcionário chato da empresa, provavelmente está me ligando
pra reclamar de alguém. Não tenho paciência para essas briguinhas tolas de
empregado.
Guarda o telefone no bolso e ignora a ligação.
_ Talvez seja melhor atender, vai que é importante _ sugere a esposa.
_ Ah, ele pode muito bem conversar comigo amanhã, se for urgente
deixará mensagem na caixa postal. Esses funcionários não sabem respeitar o
tempo particular de seus patrões. Seu um CEO, não uma babá que precisa
ficar resolvendo problemas de funcionários. Eles pensam que nós somos
deuses que estamos disponíveis 24 horas para atendê-los. Pensam que a
gente não come, nem passeia, nem dorme, nem mija e...
_ Pai! _ corta Isaac, com um olhar de reprovação _ Estamos comendo.
_ Desculpa _ justifica-se Victor _ Melhor mudarmos de assunto. E as
namoradinhas, Isaac?
_ Será que meus parentes só servem para perguntar se eu estou
namorando? Não, não estou _ responde, contrariado.
Pior que esta era a mais pura verdade, quando Victor também era jovem
todo mundo perguntava isso, e ele respondia que estava namorando duas ao
mesmo tempo. Coisas de criança que se perpetuam e viram coisas de adulto.
_ Hum... _ Talvez devesse perguntar dos namoradinhos então, as
coisas andam tão liberais hoje em dia _ E seus avós? Tem tempo que não
os vejo. Convide-os para passar uns dias lá em casa conosco.
_ Eles estão bem sim, não saem muito, pois não tem tanta disposição e
jovialidade, mas saímos sempre que possível.
_ Seus avós são uns amores, lembra do presente que nós deram de
casamento, Vic? Um dia de rei e rainha no SPA. Nossa, foi um dos melhores
dias que já tive na vida. Estou pensando sinceramente em passar uma semana
inteirinha no SPA.
Uma semana inteirinha no SPA... Uma semana inteirinha no SPA...
Uma semana inteirinha no SPA... Aquela ideia começa a latejar na cabeça
de Victor Hugo, seria genial despachar Cecília num lugar isolado e ele
poderia passar uma semana com a outra, na maior tranquilidade.
_ Pois acho uma ótima ideia, você merece, meu amor, um tempo de
descanso só pra você, um contato com a natureza e com a espiritualidade
para se renovar.
_ Vou trabalhar melhor esse pensamento, estou levando isso a sério.
Esse mês já estou bastante atarefada, também não posso abandonar meu
trabalho do nada. Mas mês que vem...
Cecília era fonoaudióloga e não tinha tantos clientes, trabalhava quando
queria, porque era milionária e não precisava disso. A mulher era a
principal herdeira da família podre de rica dos Gouveia Vasconcellos, além
de tudo ainda ostentava um dos sobrenomes mais importantes da cidade. Era
um sonho de consumo de qualquer um pertencer aos Gouveia Vasconcellos, e
Victor havia realizado.
_ Posso pedir minha secretária para dar uma olhada pra você nos
melhores SPA da cidade, minha esposinha querida merece _ deram um
selinho.
_ Você está muito carinhoso, Vic. Tá igual criança quando quer ganhar
um brinquedo novo _ desconfia Cecília.
_ Nossa, eu sou uma pessoa tão ruim assim, que qualquer gesto de amor
é sinal de desconfiança?! _ faz cara de adolescente forever alone na balada.
_ Poxa, Ceci. Coitado do papai, ele merece um gesto de confiança _
Isaac me defendendo!? _ Por mais que ele dê alguns deslizes, de vez em
quando acaba acertando. A probabilidade também aponta que alguém que faz
tudo errado em algum momento vai acabar fazendo alguma coisa certa _
sabia que ia me chicotear na primeira oportunidade.
Um sorriso de orelha a orelha invade o rosto de sua mulher, estava
encantada com o carinho e afeto que o esposo demonstrara em relação a ela.
Por mais que algumas vezes ele fosse um homem tosco e grosseiro, viciado
em trabalho que raramente lhe dava atenção ou separava um momento que
fosse de seu tempo ocioso para lhe dar amor, Victor Hugo também tinha um
lado emocional que se preocupava com os outros, que via a necessidade
daqueles que estavam ao seu redor e que fazia de tudo para ver aqueles que
ama felizes. A mulher, o filho, a amante, os empregados da casa e da
empresa... Victor sempre cativava todos que estavam ao seu redor com sua
alma iluminada, por mais cafajeste e ordinário que fosse, o homem tinha bom
coração.
_ Obrigada! _ Cecília abraça o marido e lhe dá outro beijo, lambuzado
de maionese e de paixão.
☐¥☐
A noite tinha sido incrível, finalmente estava conseguindo se acertar
com seu filho, por mais complicada que fosse a relação dos dois, tudo
começava a normalizar-se e entrar nos trilhos. Tudo em sua vida estava
dando certo, talvez Aurora fosse seu amuleto da sorte que veio para
transformar sua existência e dar um pouco mais de beleza aos seus dias, ele
gostava das duas. Chegaram à mansão tarde da noite, já eram quase onze e
Isaac havia ficado tão contente com a recepção de seu pai que resolvera
dormir com eles. Victor também estava feliz por isto.
Logo que chegou, Cecília foi direto para o quarto, tomou um de seus
comprimidos e desabou na cama. Dormiu em cinco minutos de tão cansada.
Isaac dormiria no quarto de visitas, então Carina foi aprontar tudo para que o
garoto se sentisse o mais a vontade possível. O pai deixou o menino sozinho
com a empregada no quarto, quem sabe ele não tinha puxado o pai e...
Melhor não comentar!
Victor desce para a cozinha e senta-se na extensa mesa mangue que
tinha na cozinha e onde faziam a maior parte das refeições. Os pés da mesa
imitavam os galhos atolados no manguezal, uma obra inspirada no design
habitat e que Cecília havia ganhado de presente de uma prima dos Gouveia
Vasconcellos na época do casamento.
Aproveita o silêncio da noite e já que ninguém estava na cozinha
telefona para Aurora. Disca o número de “Aurélio” e imediatamente ela
atende.
_ Oi, amor! _ diz Victor Hugo, atento aos movimentos da casa.
_ Oi. Por que você não me atendeu? _ indaga do outro lado da linha e
Victor já tinha certeza que ela perguntaria aquilo.
_ Eu estava na cozinha preparando o jantar de mamãe e meu celular
ficou na sala. Ela tem até uma ajudante, mas adora quando eu cozinho. Fica
toda contente! E ficamos conversando por horas que só agora reparei sua
chamada perdida.
_ Hum... _ parecia ter acreditado na mentira _ Vai dormir aí hoje com
ela?
_ Vou.
_ Poxa, queria você aqui pra dormir comigo e fazer otras cositas más...
_ Podemos fazer otras cositas más no meu apartamento amanhã.
_ Amanhã quem não pode sou eu.
_ Por quê? _ indaga Victor, atento no silêncio da mansão.
_ É aniversário do primo da minha amiga, vou na festa de aniversário
dele.
_ Aquele tal de Oswaldo né, que é gamado em você! _ fica irritado,
consumido pelo ciúme.
_ Pode parando com essa voz arrogante. Até parece que eu vou trocar
meu file mignon por ovo frito. Sou só sua! Eu que deveria ter ciúmes de
você, um homem sério, rico e executivo, um CEO, deve estar cheio de
piriguete correndo atrás.
_ Só tenho olhos para uma mulher na minha vida.
Houve um barulho na cozinha, de alguém esbarrando em alguma coisa e
Victor se assusta. Puta que pariu, tem alguém me vigiando!? O ruído parece
ter vindo da lavanderia e ele se levanta vagarosamente para investigar.
_ Aconteceu alguma coisa, amor? _ questiona Aurora no telefone.
_ Erh... mamãe que foi na cozinha. Vou ver o que aconteceu. Vou
desligar, boa noite.
_ Boa noite, sonhe comigo. Beijos.
_ Beijos _ e desliga.
Quando Victor Hugo abre a porta que dá para o jardim, a piscina e a
área externa da casa, se depara com o novo jardineiro todo assustado. Seria
difícil dizer qual susto foi maior: o do empregado ou do patrão.
_ Desculpa, senhor. Eu só vim buscar uma garrafa d’água. Desculpe se
o incomodei _ o homem estava todo retraído e morrendo de vergonha, meio
tímido, olhava direto para baixo evitando ao máximo o contato visual com o
patrão.
_ Calma, rapaz! Entra! _ convida-o para o interior da residência _
Senta aí _ aponta-lhe a cadeira e o jardineiro se assenta, todo acanhado,
parecendo um bicho do mato _ Quer tomar um café?
_ Não, senhor. Obrigado.
_ Não precisa me chamar de senhor _ Victor procurava algo no
armário, até finalmente encontrar um pacote de biscoito recheado _ Toma!
Come _ estende o alimento para o rapaz que depois de certa resistência,
acaba aceitando.
O jardineiro parecia um completo enigma, retraído e esfomeado devora
o pacote de biscoito com tamanha facilidade enquanto o patrão lhe fazia
algumas perguntas.
_ Você ouviu alguma coisa da minha conversa no celular?
_ Não, não ouvi nada. Nem percebi que o senhor estava falando ao
telefone.
_ Bom. Muito bom. Continue assim, fiel ao seu patrão que será sempre
respeitado e valorizado por isso. Você veio pra cidade grande por conta do
emprego apenas?
_ Vim também pra fazer faculdade. Faço relações internacionais _
prefiro outras relações.
_ Boa sorte, Emanuel! E que você consiga realizar seu sonho, eu vou
pagar sua faculdade.
O rapaz ficou em choque, perplexo e surpreso com o presente que
acabara de ganhar.
_ O senhor o que!?
_ Isso mesmo, vou bancar sua faculdade. Pessoas batalhadoras e
guerreiras que correm atrás de seus sonhos despertam minha admiração. Em
troca você vai ser meio fiel escudeiro, dentro e fora desta casa. Quero que
você descubra tudo a respeito de uma pessoa _ Victor faz umas anotações
num papel e entrega ao jardineiro _ Este é o endereço que ele mora, seu
nome é Oswaldo.
_ Farei tudo que o senhor mandar _ dá um acanhado sorriso e depois
aperta a mão de Victor, selando um novo pacto.
☐¥☐
Victor Hugo chega relaxado ao trabalho, finalmente tinha tirado o dia
anterior de folga e agora poderia retornar muito mais disposto para seu
mundo dos negócios. Retira a aliança antes mesmo de entrar no prédio.
Cumprimenta de modo cordial a recepcionista da empresa, Adriana, que não
parecia tão disposta a lhe retribuir o sorriso, mas ainda assim o fez
forçosamente. Na hora que iria entrar no elevador dá de cara com o diretor
mais chato do mundo/universo/galáxia/sistema Solar, o diretor das pregas
soltas que o olhava com um misterioso olhar de desgosto.
_ Bom dia, Dr. Campos _ Vai à merda, Dr. Campos _ Tudo bem?
_ Estou decepcionado com seu andamento na nossa companhia
telefônica _ problema é seu! _ Procurei sua secretária ontem querendo
marcar uma reunião com você e soube que não estava mais na empresa, isso
ainda eram duas da tarde.
_ Um CEO tem muitos compromissos, Dr. Campos. Creio que minha
secretária tenha lhe esclarecido sobre isso. Especialmente ontem, eu tive
uma indisposição e precisei meu ausentar no período após o almoço. Mas o
senhor pode agendar nossa reunião sem problema nenhum com ela mesma,
caso não saiba os secretários são contratados para resolver assuntos como
esses. _ E alguns outros também.
_ Eu sei muito bem pra que serve uma secretária, Victor Hugo _ foi
ríspido _ E sua secretária não havia me informado sua condição de saúde.
_ Pois é, eu não costumo dar satisfações aos empregados, disse apenas
que não retornaria após o almoço, e preciso subir pois meu elevador já subiu
e acaba de descer novamente. Tenho muitas pendências a resolver hoje já
que me ausentei ontem.
_ Bom trabalho! _ deseja o diretor.
_ Obrigado _ e deu um sorriso idiota. Vá pro inferno! _ Pro senhor
também.
Entra no elevador xingando Dr. Campos de todos os palavrões
conhecidos e outros ainda não desvendados pela humanidade. Sua vontade
era torcer o pescocinho daquele velho que o envergonhou na frente dos
demais funcionários da empresa logo na recepção. Tá pensando que só
porque tem doutorado em Economia é alguém. Bela porcaria! Cargos não
servem para rotular pessoas como capazes ou não. Victor Hugo poderia
muito bem ocupar o lugar do homem e fazer um serviço até mesmo superior
ao dele. Mas não poderia impedir que um simples puxão de orelha de um
alguém que nada sabe destruísse seu dia.
Não poderia mesmo! Logo ao ver a impecável secretária com um batom
rosa naqueles lábios graciosos que sorriam para ele... Ah, secretária! Se
você soubesse os desejos que desperta em mim... Que patrão não adoraria
ter uma secretária prestativa e apetitosa como esta? Ainda mais naquele
uniforme da empresa. Já disse que adoro esse uniforme?
_ Bom dia, Victor! _ Verônica sorri para ele.
_ Oi, Verônica. Bom dia! E aí, correu tudo bem ontem na minha
ausência?
_ Sim _ ela responde balançando a caneta em suas mãos _ Dr. Campos
agendou uma reunião com o senhor. Disse que era um assunto urgente em
relação aos rendimentos da empresa, parecia um pouco abalado e não estava
com a melhor das caras _ desde quando esse homem teve uma cara boa!? _
Marcou um encontro com o senhor amanhã.
_ É _ concorda. _ Encontrei-o no elevador. Aqueles papéis que te
passei, já conseguiu dar um jeito?
_ Ainda estou terminando. Posso entregá-lo tudo após o almoço?
_ Pode _ dá um sorriso angelical de Judas e caminha para sua sala.
Percebeu ter causado alguma reação interior nela, e pelo visto, isso era
positivo _ Ah, daqui a pouco leva um cafezinho na minha sala, por favor _
ela assente com a cabeça.
Victor adorava despertos desejos secretos nas mulheres – ou não tão
secretos assim – e assistir Verônica se derreter daquela maneira com um
simples bom dia era um tanto quanto comovente. Pelo visto, ela não estava
mais tão marrenta quanto era no início. O homem ficava rindo à toa em saber
que tinha as garotas aos seus pés, sentia-se um príncipe. Um príncipe sapo.
Parou um pouco de exaltar suas qualidades e resolveu se dedicar ao
exaustivo trabalho. Abriu a caixa de e-mails e viu a terrível mensagem do
Dr. Campos que não parecia muito feliz ao escrever extensas frases tudo em
maiúsculo, gritando com o funcionário. PARA DE GRITAR COMIGO! Acho
que ele e sua esposa dona Luzia estão muito tempo sem dar uma
granitada, por isso está tão revoltado.
Para extravasar o clima revoltado com o qual estava sendo recebido na
empresa, acabou ligando uma música qualquer no computador para se
distrair enquanto trabalhava.
E a sequência dos acontecimentos não teve como ser embalada por
outra trilha sonora. Verônica entra na sala com uma bandeja pequena
trazendo o cafezinho do patrão, encosta levemente a porta com uma das
pernas e Victor não tira os olhos dos membros inferiores da mulher. Belas
pernas! Logo que vê que o patrão tinha um olhar diferente, fica tremendo
tanto como se suas pernas fossem duas menininhas indefesas. Os dois se
olham fixamente, parecia que os olhos do homem tinha alguma espécie de
magnetismo que atraía os de Verônica para ele. Desperdiçar uma delicinha
dessa seria crueldade demais, até pecado! Os olhares lascivos continuam
os mesmos, os dois não trocam uma palavra sequer, Victor Hugo não ia
permitir qualquer ruído sonoro que não fosse a música naquele instante. Os
lábios molhados do executivo convidam os de Verônica para exaltar aquele
encontro de um modo único. Aquela mulher tinha alguma coisa de
diferente, de especial... Sua beleza é de alguma forma perversa e sedutora,
como um enigma, seus cabelos arrumados formam uma tênue linha na testa,
era provocante, assim como o resto de todo seu apetitoso corpo.
Eles estão cada vez mais próximos, a mulher ainda parece preocupada,
mas também curtindo o momento logo que coloca a bandeja com o café num
canto da mesa e o patrão se aproxima. Uma das mãos de Victor Hugo foi
parar atrás de pescoço da secretária enquanto a outra já se enroscava em sua
cintura. Não houve nenhuma reação negativa, pelo contrário, os pelos de
Verônica começam a se arrepiar, revelando o desejo dela de beijá-lo. Olhos
nos olhos, fizeram o que tanto queriam. Ele foi bem lento e cauteloso em seu
beijo, com o calor necessário naquele instante. A mulher ia se rendendo ao
encanto e delicadeza com que era tratada. O beijo dela era perfeito, e Victor
continuava de olhos fechados aproveitando ao máximo possível tudo aquilo,
estava com medo de, ao acabar o beijo, ter sido apenas um sonho
melancólico entre um patrão e uma secretária.
Aos poucos, suas mãos foram descendo pelas costas dela, apertando
sua bunda. Ela continuava envolvida nos lábios dele que agora dava outro
destino para aquelas mãos firmes, que se enveredavam por dentro do
uniforme e começavam a conhecer a entrada da calcinha dela, até que
instantaneamente Verônica parece recobrar a consciência, ele é meu patrão.
Não posso!
Abriu os olhos devagar e era verdade: tinha beijado Verônica que
estava completamente perdida e com os olhos arregalados.
Que foi que eu fiz!?
_ Eu... Desculpe! Eu me descontrolei. Perdão! _ O homem gagueja,
passa a mão pelos cabelos mostrando que não sabe o que fazer ou falar _ É
que...
_ Eu... Eu... Eu preciso ir _ e ela sai cambaleando da sala, atordoada.
A única reação de Victor Hugo é disparar a rir, satisfeito com o
resultado. Afinal, um cafezinho e uma safadeza não se nega a ninguém.
VI
Verônica

Um frio adolescente ainda pairava no estômago de Verônica, parecia


que um carnaval de borboletas dançava ali dentro sem parar. Não era todo
dia que se beijava um CEO. Da última vez que tinha acontecido de ser
beijada por um chefe, ela deu uma surra no homem. Mas este era diferente,
primeiro pelo fato de que seu novo patrão era um pedaço de mau caminho e
segundo porque ela havia consentido em beijá-lo, não de uma maneira
escancarada, mas não tinha feito nada para impedi-lo e acabou retribuindo
com o movimento de seus lábios. Se entregar aquele beijo não era apenas um
favor e sim um prazer. Victor Hugo despertava seus desejos mais ocultos e
ela tinha medo do risco que isso poderia trazer para sua profissão, não
poderia ser demitida mais uma vez.
Sem saber o que fazer após aquele beijo, saiu correndo da sala em
direção ao banheiro. Ficou se olhando no espelho passando a mão em seus
lábios e desejando nunca mais lavar aquela boca. Que homem é esse!?
Verônica se sentiu culpada por ter tomado a atitude de sair correndo do
escritório, o homem deve ter ficado chocado e provavelmente nunca mais irá
tentar nada devido a sua reação. Precisava ter se mostrado natural e
condizente com o acontecimento, ela precisava ter deixado claro que gostara
do beijo, mas se assim fizesse não seria tratada como uma qualquer
oferecida!? E aquela mão boba dele? Com que cara ia olhar o patrão de
agora em diante?
Para aliviar seu nervosismo e recuperar a fala, resolve repetir seu
mantra para desembolar a língua: “Três pratos de trigo para três tigres
tristes. Três pratos de trigo para três tigres tristes. Três pratos de trigo
para três tigres tristes”. Fala tudo errado nas duas primeiras vezes e só
consegue se concentrar na última tentativa. Recompondo-se no espelho e
passando novamente o batom que carregava num dos bolsos, já que estava
com a boca borrada de quem acabara de beijar, sai do banheiro de volta
para seu posto de secretária.
Tenta continuar seu trabalho, mas interrompendo seus devaneios pela
paraíso da memória, Victor Hugo a chama novamente para o interior de sua
sala. Só vou se rolar beijo novamente! Essa foi sua vontade mas teve que se
conter e não morrer de vergonha de olhá-lo novamente. É engraçado quando
você beija alguém e depois fica tímido de falar com o indivíduo.
_ Pois não, Victor _ atende-o com objetivismo e rigor.
_ Quero conversar sobre o que acabou de acontecer. Me desculpe se
desrespeitei você, isso não vai acontecer novamente. _ Não vai!? _ Eu não
sei o que deu em mim, quando retomei a consciência nós já estávamos... _
Ele parecia não saber descrever o ocorrido.
_ Beijando _ completa Verônica.
_ Exato. Me perdoe.
_ Desculpe-me também. Não sei o que deu em mim. É melhor
esquecermos isso e continuar nossa relação profissional sem nenhum
constrangimento ou recordações desnecessárias _ Verônica fica até
espantada com sua desenvoltura com as palavras naquele instante. Pelo visto
o exercício de trava-língua tinha ajudado.
_ Exatamente assim que desejo a continuidade de nossa relação.
Estritamente profissionais. Quero que você de uma atenção maior àqueles
papeis que lhe entreguei ontem, preciso deles com urgência.
_ Sim _ faz uma mesura e se retira da sala _ Com licença!
Verônica estava se sentindo a pessoa mais culpada do mundo, se ela
não tivesse reagido daquela maneira tão tosca e louca saindo da sala
revoltada após o beijo, provavelmente o tratamento dele com ela agora seria
outro. O homem iria dizer que aquilo se repetiria todos os dias. Mas
infelizmente a vida não é esse mar de rosas.
Continuou fazendo seu trabalho com dedicação para que pelo menos
tivesse um reconhecimento profissional do patrão, já que nada além daquilo
poderia acontecer. Seja profissional, Verônica! Seja profissional! Fez tudo
que o chefe pediu e ainda foi elogiada, mas depois daquele dia o tratamento
não poderia ser o mesmo. Toda a vez que olhava o homem ela relembrava do
beijo, mas Victor já parecia nem pensar tanto nisso. Ai meu Deus, Divônica!
No término do expediente ela se despede educadamente do homem
como uma simples secretária, por mais que o beijo não tivesse passado de
um momento de fraqueza, tinha sido um beijo. Mas a sexta-feira ainda estava
apenas começando, era o aniversário de seu primo chato Oswaldo, iria usar
a roupa nova que ganhou de presente por ter dado um banho de água suja
nela, mas depois daquele beijo, estava completamente perdoado,
perdoadíssimo. Se eu for ganhar um beijo toda vez que você me molhar,
pode me dar três banhos de água suja por dia que eu nem ligo. Quando
Aurora soubesse de seu beijo ficaria com inveja, ela não tinha um patrão
gato, a patroa dela era mulher e Aurora não era lésbica. Seu namorado deve
ser feio, já que não mostra o homem pra ninguém, essa desculpinha de não
poder se expor não convence.
☐☐☐
Verônica parecia uma socialite com o vestido mais bonito da história da
moda. O patrão não tinha sido simplesmente uma pessoa generosa, ele tinha
comprado o vestido mais caro de toda a grife que já era caríssima. Ela não
queria gastar seu vestido novo numa ocasião simples como o aniversário do
primo chato, mas não tinha muitas outras opções, não teria nenhum outro
acontecimento em mente para usá-lo e poderia muito bem repeti-lo, já que
poucas pessoas iriam à festa. Provavelmente só ela, a melhor amiga e o
primo. Falando em melhor amiga, Aurora ficou passada quando soube que o
patrão havia beijado Verônica.
_ Estou falando que este cara está te querendo! _ enfatiza Aurora.
_ Ele não quer nada comigo, Aurora. Foi só um momento de fraqueza _
comenta sobre o ocorrido, mas um riso frouxo tomava conta de seu rosto,
mesmo sem querer. Relembrar aquele beijo seria bastante desagradável se
não fosse tão bom.
_ É tá com esse riso frouxo aí no canto do rosto por quê? _ provoca.
_ Porque foi muito boooooom e ele é muito gostosoooooo!! _ começa a
gritar, rindo e salta nos braços da amiga para abraçá-la.
_ O engraçado é que nós duas temos um Victor Hugo.
_ Pois é, será que o seu Victor Hugo é o mesmo que o meu? _ e riu.
_ Deus me livre! Se você tiver pegando o meu Victor eu te dou uma
surra _ e continuam rindo.
_ Mas não posso nem chamar esse Victor Hugo de meu, o homem só me
deu um beijo e não passara disso.
_ Se depender de você passará sim _ insinua a professora de Literatura.
_ Por acaso está insinuando que eu sou uma piriguete!? _ pergunta
sentando-se no sofá para calçar os sapatos, enquanto a amiga ainda
terminava a maquiagem.
_ Não estou insinuando _ continua se maquiando _ Estou afirmando!
Verônica atira uma almofada na amiga que fica revoltada.
_ Verônica! Você borrou minha maquiagem, sua vara de vira-tripa.
_ Sua anã de jardim! _ a troca de elogios continua.
_ Bambu!
_ Cidadã verticalmente prejudicada!
_ Secretária piriguete!
_ Agora você passou dos limites _ atira outra almofada e as duas
começam a rir desesperadoramente.
Verônica termina de calçar o sapato e passa para a última fase - e a
mais demorada - de sua preparação para sair: maquiagem. Era impossível
sair de casa antes de, no mínimo, uma hora de frente pro espelho até
finalmente acertar o tom da base e escolher a cor da sombra que combine
com o batom. Depois de muitos testes, finalmente acertou.
_ Estou pronta! _ informa Verônica se admirando no espelho e se
sentindo satisfeita com a imagem refletida. Divônica!
_ Ainda são oito e cinco da noite.
_ E Oswaldo já me mandou vinte mensagens perguntando se estamos
chegando. Coitadinho! Só apareceu uma pessoa até agora na festa, o vizinho
da frente que – por incrível que pareça – conseguia ser mais chato do que
ele.
_ Claro, resolve fazer festa sete horas da noite. Sair esse horário eu
nem saio, só estou abrindo uma exceção porque é seu primo. Dora e Igor vão
também?
_ Não sei, e eles vão deixar dona Heloísa sozinha em casa? _ confessa
como se fosse o maior pecado do mundo fazer aquilo.
_ Dona Heloísa por acaso agora é uma criança de dois anos que corre
risco de se jogar da janela ou colocar fogo na casa? _ Aurora defenda a
senhora.
_ Ela já é uma senhora de idade, e está cada dia mais irresponsável. Já
até conversei com ela pra parar com esse lance de marcar encontros virtuais.
É bem capaz de, se ficar sozinha no apartamento, levar pra lá alguém que
nem conhece.
_ Achei que você ficaria contente se Igor fosse... Ah, esqueci que agora
você está apaixonada pelo seu patrão.
_ Não estou apaixonada por meu patrão e adoraria que o marrom
bombom fosse, só que também preciso ver as questões práticas da coisa, não
quero que a senhora fique sozinha só pra eu ter companhia noturna.
_ Tá pretendendo dar uns pegas no moreninho?
_ Pegar dois boys gostosos num mesmo dia!? Acho que infarto.
_ Achei que você desse conta...
_ Eu dou conta! _ observa-a com seu olhar perfurante. Divônica é uma
mulher ousada que poderia muito bem fazer uma limpa nos homens gatos
deste planeta, ela recolheria todos pra montar um harém.
_ Vamos logo pra essa festa antes que eu desista de sair. Só vou fazer
xixi antes de sairmos, apesar de que irei ao banheiro umas cinquenta vezes
antes da meia noite.
_ Mulher é assim, bebe um copo d’água, mija uma caixa d’água!
Enquanto isso vou dar um pulo nos vizinhos perguntando se vão.
_ Ok, a gente se encontra na entrada do prédio então, o táxi já deve
estar chegando.
_ Nós vamos de táxi!? _ Verônica fica surpresa, apesar de ter adorado a
ideia. Odiava andar de ônibus e ainda mais tão produzida. O problema era
que as condições financeiras das duas não lhes davam tanta liberdade para
isso _ E quem vai pagar? Eu sou pobre.
_ Meu namorado vai pagar, ele disse que não me queria andando de
ônibus por aí. Não que ele esteja me controlando, apenas me poupando do
cansaço do dia a dia. Então deixou o telefone de um taxista amigo dele
sempre que precisar é só ligar que depois ele acerta. Óbvio que eu recusei _
Burra! _ Mas o homem insistiu tanto que eu não tive outra opção senão
aceitar.
_ Fez certo, se não tivesse aceitado eu iria te bater. Onde já se viu
recusar um táxi particular!?
_ Eu não sou interesseira que nem você _ Aurora se defende falando do
banheiro. Verônica podia até ouvir o barulho das substâncias sendo
eliminadas e entrando em contato com a água do vaso. O barulho era como
uma cachoeira.
_ Estou saindo _ ela bate a porta e vai até a vizinha.
Toca a campainha e espera alguém segundos até que Igor marrom
bombom delícia apareça na porta e... Jesus, que visão é essa!? Igor sem
camisa. Estou ovulando. Verônica não sabia decidir qual dos dois homens
que faziam parte de seus sonhos românticos todas as noites era o mais
interessante. Aquele garoto era a beleza em forma de vizinho. Tinha os
cabelos curtinhos e meio enrolados colados na cabeça, um peitoral sarado,
pernas cumpridas e musculosas, olhos pretos como jabuticabas e um rosto
meio oval com um sorrisinho besta e umas bochechas tão fofas que dava
vontade de apertar. A barba do homem era meio rala e falhada.
_ O...oi! _ cumprimenta toda envergonhada, ficara mais vermelha que
um tomate maduro.
_ Oi, Vê. Tudo bem!? _ Melhor agora que você está sem camisa. Quer
tirar o short também não!?
_ Tudo sim. Só vim dar uma passadinha rápida pra saber se vocês vão à
festa do Oswaldo.
_ Dora deve ir sim, está acabando de se arrumar. Eu que não estou tão
disposto. Sei lá, ainda estou pensando. Vai ser meio chato né, não vou ter
companhia nenhuma...
_ Eu posso muito bem te fazer companhia, vai ser um prazer ficar ao
seu lado, só não sei se você vai me aturar.
_ Vai querer mesmo passar a noite inteira me fazendo companhia? _ um
sorrisinho inocente no rosto dele encantava a mulher e a derretia.
_ Óbvio que sim. Vamos! Coloca uma roupa qualquer aí e partiu. Se
quiser vocês podem ir agora de carona com a gente.
_ Se Dora puder ir com vocês eu agradeço, que aí depois eu posso ir de
moto. Ainda preciso ver se tenho algo adequado pra vestir _ Pode ir pelado,
sem problemas.
_ Vai ter pouquinha gente lá, só os mais íntimos mesmo. Não precisa
nenhuma produção especial _ falou a mulher que estava com o vestido mais
caro da grife.
_ Você está muito bem arrumada para uma festa com pouquinha gente.
_ São seus olhos, só coloquei um vestido mais arrumadinho. Bem,
preciso ir descendo que Aurora já deve estar lá embaixo revoltada com
minha demora. Dora já está pronta?
_ Alguém falou de mim? _ grita a mulher do interior da casa e quando
aparece esta muito bem vestida com uma calça jeans clara no estilo
manchada e uma blusa preta longa com uma enorme margarida estampada _
Estou pronta! _ fala aparecendo na porta com a bolsa preta de paetê nas
mãos e dando dois beijinhos na vizinha.
_ Vamos então _ diz Divônica e se vira para o irmão gato da vizinha _
Te espero lá hein, Ig.
_ Pode deixar _ e se despedem, o homem fecha a porta e as duas entram
no elevador. Verônica estava se sentindo a mulher mais desejada no mundo
naquele dia.
Os dois já tinham ficado algumas vezes, apesar de a relação ser algo
apenas superficial e momentâneo, eles tinham uma intimidade incrível, por
isso se chamavam de apelidos carinhosos como Vê e Ig. Apesar dos desejos
escondidos e incompreendidos, existia ali uma relação de amizade
verdadeira, mesmo que houvesse também segundas, terceiras, quartas,
quintas e sextas intenções naquilo tudo.
_ É impressão minha ou você está querendo pegar meu irmão esta
noite? _ indaga Dora olhando diretamente para a porta do elevador.
_ Impressão sua _ responde sem criar nenhum contato visual, e a porta
do elevador se abre.
Quando saíam, deram de cara com uma vizinha estranha que vendia
salgadinho e que Aurora havia apelidado carinhosamente de Nossa Senhora
da Acne. A mulher tinha tanta oleosidade na pele que dava até nojo só de
olhar, seu rosto era cheio de espinhas, cravos e verrugas horrorosas. Se o
pensamento de Dora que falar mal da vida alheia faz mal pra pele, aquela
mulher era realmente uma pessoa muito linguaruda que estava literalmente
sentindo na pele o peso de suas palavras.
As três se entreolharam de um modo grosseiro, apenas assentindo com a
cabeça como se aquilo fosse um comprimento. Depois as vizinhas amigas
olharam uma para a outra e fizeram cara de nojo, não precisou falar mais
nada que Aurora já soltava fogo pelas ventas quando as duas finalmente
chegaram até o táxi.
_ Achei que tinham desistido de ir à festa, estava quando falando pro
taxista me levar direto para o apartamento do meu namorado _ fala logo que
as três se ajeitam dentro do carro, Dora vai no banco da frente.
_ Falando-se em namorado, quero saber quando vou conhecer esse
homem _ questiona Dora _ Ainda continuo achando que ele é um personagem
daqueles livros que você adora ler. Nunca vi uma mulher pra ler tanto livro,
deve ser a poeira daquela velharia que está mexendo com seu cérebro e te
fazendo imaginar coisas.
_ Meu namorado não é imaginário, inclusive resolvi marcar um jantar
na minha casa semana que vem para todos conhecê-lo. Está convidada.
_ Só vou se eu souber o cardápio primeiro, porque odeio ir na sua casa
quando tem carne moída.
_ Abusada! Vai na minha casa comer de graça e ainda reclama.
_ Pelo menos eu lavo a louça de agradecimento.
As duas continuaram discutindo questões tolas e rindo de suas
brincadeiras enquanto Verônica continuava delirando, com o rosto alegre de
uma boba apaixonada. Ficava tocando em seus lábios e relembrando uma
das melhores manhãs de toda a sua vida que tinha sido a de hoje. Pensava
também que a noite poderia contribuir para selar o dia como um dos
melhores de sua vida. Ficou ali de olhos fechados e coração aberto
imaginando um beijo no vizinho. Movimentava a boca como uma maluca.
_ Está rezando, Verônica? _ assusta Dora interrompendo os sonhos
beijoqueiros.
_ Ai, garota. Me esquece.
_ Deixa ela, está apaixonada _ interrompe.
_ Eu não estou apaixonada! _ rosna e depois cutuca o ombro do
motorista _ Moço, já estamos chegando? _ ela tinha mania de chamar os
homens desconhecidos de “moço”.
_ Sim, daqui a dez minutos.
Não demorou muito, porém mais do que o sugerido pelo taxista, para
chegar até o local marcado. Eram 9:11h quando desceram do carro e se
despediram do motorista. Pareciam as três meninas super poderosas quando
caminharam até a portaria do prédio e informaram a intenção da visita.
Foram liberados sem nem mesmo precisar interfonar para o apartamento
pois o porteiro lembrava que Verônica e Oswaldo eram primos.
Chegaram até o apartamento e era possível ouvir os ruídos da música
antes mesmo de chegar a porta. Graças a Deus não é música clássica!
Oswaldo tinha mania de ouvir músicas deste estilo, nada contra, porém não é
essa que se toca numa festa com os amigos, as pessoas precisam de algo
envolvente e agitado para dançar. Estava tocando uma música nova da
Anitta, e era uma das funkeiras preferidas do trio que acabava de chegar a
festa, já chegaram cantando.
Quando toca a campainha ninguém escuta, então Verônica vai logo
metendo a mão na porta e abrindo-a, era da família, era de casa. Toma um
susto com a visão que teve.
Ela previa que a festa de Oswaldo seria o evento mais fracassado de
todo o ano, era bem possível que no evento do Facebook o número de
confirmações fosse negativo, mas o que pretendia ser o maior fiasco do ano
estava abarrotado de gente. Quem faz evento no Facebook hoje em dia né?
As amigas começavam a pensar que o homem contratou figurantes só pra
mostrar que era muito querido e milhares de pessoas compareceram ao seu
aniversário. Mais parecia aquelas maratonas de música eletrônica que às
vezes passava na televisão, num canal pago.
A casa está tão lotada que a prima do aniversariante não conseguia nem
vê-lo. Várias rodinhas de pessoas que as recém-chegadas convidadas não
faziam a mínima ideia de quem eram despejavam litros de bebida alcoólica
para dentro. Diversas garotas seminuas e de pouca idade dançavam no meio
da sala ao som do batidão. Verônica começa a achar sua roupa refinada
demais para a ocasião. Alguns garotos estão na cozinha em torno de uma
geladeira que foi colocada deitada no chão repleta de cerveja, vodka e
demais bebidas. De onde Oswaldo tirou essa gente toda?! Pelo menos
aquela noite ela poderia extravasar e curtir todas. Beber todas, já que é tudo
de graça. As meninas estavam maravilhadas com o tanto de homem bonito
que tinha ali, mudaram completamente a opinião de que a festa seria um
fracasso.
_ Oi, meninas! _ elas reconhecem a voz e quando viram para o lado dão
de cara com um Oswaldo bem soltinho que saiu sabe-se Deus de onde _ Até
que enfim chegaram, hein!
_ Oswaldo, que gente toda é essa? _ quer saber a prima.
Verônica estava meio dividida, por um lado preocupada com a
quantidade de gente que tinha ali e a destruição em que deixariam a casa –
festa domiciliar sempre destrói algo, seja o corrimão da escada, o cano da
caixa d’água... pelo menos uma coisa eles vão destruir–, mas por outro
contente pelo primo se sentir tão feliz e amado com tanta gente comemorando
seu aniversário. Depois que o primo se acometeu da depressão, nunca tinha
o visto tão feliz e disposto quanto hoje.
_ Parabéns, Oswaldinho! _ Dora se jogou nos braços do homem e as
demais também fizeram o mesmo e o felicitaram.
_ Obrigado, meninas. Vão beber o que? _ só agora que Verônica repara
na garrafa de vodka que ele carrega nas mãos.
_ Acho que eu vou te acompanhar na vodka.
_ Eu, tequila.
_ Acho que eu vou querer um suquinho de melancia, tem? Tô meio
enjoaga _ pergunta Aurora.
_ Você sempre foi enjoada _ Verônica cutuca.
_ Para de ser cafona, vai beber comigo e comemorar a felicidade do
meu dia. Ela quer uma tequila também.
_ Vamos todos te acompanhar até a cozinha que virou um bar
improvisado _ informa Dora, até porque não era bom deixar que
preparassem sua bebida sem ver o que estavam colocando em seu copo.
No bar, as amigas acabaram se estendendo nas bebidas, primeiro
tomaram tequila as três juntas num ritual cósmico que seguiam em todas as
festas que iam juntas. Sal, tequila e limão. Aurora sempre se confundia com
a ordem dos fatos e depois que tomava tudo num só gole ficava mais confusa
ainda. Depois Dora e Verônica escolheram uma batida de morango com
vodka, já a outra se limitou ao suco de melancia que queria no início da
noite, era fraca pra bebida.
_ Não vai dar PT hoje não hein! _ alertam a amiga que sempre
vomitava.
_ Fica quieta, Verônica. Não vou fazer vexame nenhum.
_ Assim espero.
Um homem baixinho, loiro, do cabelo espetado, olhar marcante e ossos
que lhe saltavam o corpo se aproximou de Dora elogiando-a e convidando
para conversar. A garota deu um sorriso para os amigos e foi logo em
direção ao pretendente. Dora nunca foi de tipo que fazia jogo duro ou era
difícil. Essa era fácil, facílima.
As duas amigas encaminharam-se para o sofá da sala e ficaram ali
conversando, por mais que a festa estivesse bem animada, não se sentiam tão
à vontade com aquela quantidade exorbitante de gente no minúsculo cubículo
que era a casa de Oswaldo. Pelo menos tinham dois quartos, mas uma
pergunta não queria calar na mente da prima: De onde saiu tanta gente!? Os
dois estreitaram a relação de parentesco quando vieram morar em Niterói e
ele foi o único da família que a apoiou em todas as suas decisões e que
sempre esteve ao lado dela pro que der e vier. Ela conhecia-o perfeitamente
bem e sabia que nem metade daquela gente parecia estar ali para comemorar
com o primo seu aniversário. Aquelas pessoas talvez nem conhecessem
Oswaldo, mas como estariam ali?
Ficaram uma meia hora sentadas no sofá sendo atrapalhadas
esporadicamente por engraçadinhos que as chamavam para os cantos “pra
conversar”, mas as duas se apresentaram como comprometidas. Aurora até
era, mas Verônica só tinha olhos para Igor naquela noite, já que não poderia
ficar com a primeira opção, serviria a segunda. E os demais que vieram
cumprimentá-la nenhum lhe despertou interesse, estavam todos entupidos de
bebidas, com bafo de álcool e só queriam um beijo fútil que em menos de
uma hora nem se recordariam de ter dado. Relações descartáveis dessa
forma não suprem as necessidades de uma diva. Divônica!
A todo instante surgiam novos convidados e a casa atingiria sua
superlotação antes mesmo de Igor chegar. Toda vez que alguém irrompia
pela porta, Verônica ia logo espichando os olhos de olho no seu marrom
bombom e tomando muito cuidado para que nenhuma piriguete voasse em
cima do garoto, as meninas de hoje estão assim, elas mesmas tomam a
atitude, não esperam nem o homem chegar nelas.
Oswaldo já estava bem dopado, tinha tomado todas e mais algumas
quando foi até elas e sentou-se no sofá. Parecia o aniversariante mais feliz
do mundo.
_ Está gostando da minha festa, Aurora?
_ Sim _ esquiva-se dele _ Está bem bacana, parabéns!
_ Você podia me dar um beijo de feliz aniversário _ sugere.
_ Não força, Oswaldo! _ Verônica levanta e abrindo espaço se senta
entre os dois _ Ela tem namorado e aqui, da onde saiu essa gente toda?
_ Convidei todos os alunos de uma faculdade aí, falei que podiam
trazer quem quisesse e que ia ter bebida liberada até durarem os estoques.
Só mandei contribuírem com uma garrafa de vodka quem pudesse.
_ Você convidou um bando de universitários que nem conhecia? _
Verônica estava chocada e completamente surpresa, não imaginava que
Oswaldo fosse capaz de um ato como aquele, era apelativo demais.
_ Nunca pensei que você tinha atingido um estágio tão alarmante que
precisasse convidar qualquer pessoa que encontre na rua para não se sentir
sozinho, a necessidade de encher sua casa de desconhecidos apenas pra
dizer que teve um aniversário lotado te faz realmente bem? _ Aurora acaba
provocando-o sem ter tido essa intenção.
_ Aurora! _ vocifera Verônica entre dentes, chamando a atenção da
amiga pelo rumo que a conversa estava tomando.
_ Eh... Eu vou pegar mais um suquinho de melancia, está uma delícia! _
avisa, levantando-se do sofá e indo em direção a cozinha.
Agora, só os dois sozinhos, Verônica aproveita para dar-lhe um puxão
de orelhas.
_ Oswaldo, mesmo que você tenha pouco amigos, todos nós te amamos
e te acolhemos do jeito que você é, não precisa ficar oferecendo coisas para
atrair a atenção de pessoas que nem conhece. Essas pessoas só estão aqui
pra beber da sua bebida e comer a sua comida. Nem querem saber quem
você é!
Uma lágrima começa a surgir no semblante abatido do primo, se a
intenção era apenas fazê-lo refletir o que tinha feito, não estava dando muito
certo, ela estava apenas ressuscitando a tristeza absoluta que reinava no
coração do homem e tinha dado uma trégua.
_ Nada de choro! Hoje é sua noite! Vamos brindar! _ comemora
levantando seu copo e enxugando uma lágrima inoportuna do rosto do primo,
ele ri.
_ Te amo, prima! _ e se abraçam.
_ Eu também te amo, mas não faz mais isso _ alerta-o.
E de repente, a porta da casa se abre mais uma vez, por um momento
Verônica até cogita a possibilidade de ser o síndico para reclamar do
barulho, mas ainda era relativamente cedo. Era seu príncipe encantado, todo
sensual, logo que o viu seus olhos congelaram na bela figura do vizinho que
estava uma delícia numa camiseta com a estampa dos Ramones, uma
bermuda azul forte, tipo lápis de cor e um All-Star bem surrado. Mas ela não
estava nem aí pro sapato surrado, sua intenção era deixar Igor bem surrado,
sem forças, depois daquela noite.
Levanta-se como uma lady do sofá, parecia aquelas típicas moças
comportadas no primeiro dia na casa da sogra, e vai caminhando lentamente
até ele como se fosse uma modelo na passarela. Em cada passo firme e
sensato que dava, era uma ação de seu nervosismo que recolhia todos os
cacos e se reconstruía no interior de si, parecia uma adolescente encontrando
o garoto que ia lhe dar o primeiro beijo.
_ Que bom que você veio _ disse rapidamente, mas Igor fez uma cara
de interrogação que por si só já mostrava não ter ouvido nada. O som
explosivo que agora tocava impedia qualquer um de conversar.
_ Desculpa, eu não te ouvi _ ele grita.
Verônica aproveita a oportunidade para apimentar o momento de uma
maneira descontraída, como se fosse simplesmente pela necessidade do
momento, mas estava cheia de segundas intenções. Aproxima seus lábios no
ouvido do rapaz e sussurra novamente, bem devagar, o que havia dito,
saboreando na boca o gosto de cada uma de suas palavras.
_ Você está linda _ e levemente bêbada.
_ Você está gostoso _ acaba confessando seu o mínimo pudor, o bom da
bebida é que dá liberdade para as pessoas se expressarem livremente.
_ Ia falar a mesma coisa de você, Vê, mas me contive em palavras mais
comportadas.
_ Não precisa se conter, essa é uma noite pra se libertar _ estava
precisando gritar para que se fizesse ser ouvida.
_ Essa música está muito alta! _ reclama.
_ Vamos dar uma volta pela festa, bebe alguma coisa _ convida-o.
Os dois se dirigem à cozinha, Verônica permanece agarrada no braço
do vizinho como se fossem um casal. Algumas garotas até o olharam, mas
logo ela destila seu olhar de reprovação pra cima das oferecidas que se
contêm. Tira o olho piriguete, esse aqui já é meu! Aproveitou para beber
um pouquinho mais junto com o boy magia, que ria a toa das piadas bobas
que ela contava.
Continuam nos risos frouxos e olhares libidinosos, mas Verônica está
cheia de maldade, e resolve convidá-lo para outro lugar.
_ Isso daqui está muito barulhento, a gente podia continuar essa
conversa no quarto do Oswaldo. Lá é mais tranquilo e silencioso _ está com
medo de o homem achá-la oferecida ou de recusar o convite.
_ Acho ótima ideia _ concorda com uma expressão facial safada.
Essa é a minha noite!
_ Espere aqui que vou rapidinho até Oswaldo buscar a chave do quarto.
Deve estar trancado para impedir que qualquer um vá entrando.
Sai da companhia do rapaz dando passinhos saltitantes tomados de
felicidade, no meio do caminho encontra Aurora que estava mais perdida
que cego em tiroteio, depois de ter sido abandonada pela melhor amiga
ficando na companhia de um suco de melancia e um admirador bêbado. Mas
quando lhe explica que era por uma boa causa acaba assentindo. Resolve
procurar Dora e ver se já tinha desapegado do loirinho.
Encontra Oswaldo terrivelmente bêbado, com o semblante carregado de
tanta cachaça. Trocam meia dúzia de palavras das quais o homem mal
conseguira decifrar, porém encontra em seu bolso a chave do quarto.
Reconhece pelo chaveiro de urso que usava.
Retorna a cozinha e Igor não está no mesmo lugar que ela o havia
deixado. Meu Deus, cadê Igor? Fica apavorada, pois justamente no
momento que conseguira prendê-lo em sua teia o homem simplesmente
desaparece. Corre os olhos pelo redor do bar improvisado, mas nada dele.
Seu medo era encontrá-lo beijando qualquer outra piriguete, pois no estado
em que estava poderia até beijar um poste e dizer que aquilo tinha pegada.
Em dois minutos de preocupação e desespero pelo desaparecimento de
seu peguete, finalmente sua ansiedade descansa em verdes pastos quando
deparou com um pedaço de chocolate ambulante e delicioso saindo do
banheiro. Ufa! Verônica fica tranquila e aliviada. Vai andando até ele com
um bendito sorriso no rosto e uma terrível má intenção na mente.
_ Vamos pro quarto? _ balança o chaveirinho horrível de urso na
direção dele que seguiu-a até o cômodo.
_ Vamos _ assente com a cabeça.
Os dois entram no quarto e Verônica fecha a porta, apaga as luzes,
contendo sua vontade de ver o rosto do rapaz e olhar fixamente para os seus
olhos, mas ele é rápido e voraz, ao arrastá-la até a parede, correr a mão
pelos seus cabelos e voar sobre a sua boca. Mordendo. Rasgando.
Possuindo. Suas mãos continuam a passear pelo belo corpo da mulher e ela
arfando, solta gemidos abafados reagindo aos beijinhos leves e quentes que
ganhava no pescoço.
Os beijos continuam frenéticos embalados pelo ruído abafado da
música que inundava o silêncio do quarto. O atrito dos corpos era intenso,
enquanto as bocas continuavam espertas. Tentadoras. Desejosas.
Provocantes. Igor só tinha cara de santinho, pois quando o prendem num
quarto escuro é capaz de fazer coisas inimagináveis. Completa: era assim
que Verônica se sentia ao concluir que tinha pego os dois caras que mais lhe
despertavam interesse num mesmo dia. Pelo visto, os rumos da maré estavam
mudando para a pobre coitada. Não queria pensar no CEO, não agora...
As bocas úmidas eram um completo caminho para o paraíso, era só
raspar os lábios um no outro que uma adrenalina diferente consumia o corpo
da mulher, as mãos dele eram safadas e ia descendo cada vez mais em sua
cintura. Verônica queria congelar aquele momento para lembrar eternamente
do quanto era bom se entregar a alguém que realmente gosta. Igor, você é
uma delícia! E ela tinha uma incrível sorte de ser vizinha deste marrom
bombom.
As mãos dela são salientes e vão direito ao encontro do membro rijo
dele dentro da calça. Nossa! Ele estava realmente duro, muito duro, a ponto
dela conseguir sentir as veias pulsando. A boca dele continua saliente na
dela, e as mãos dele empurram a roupa dela para baixo e vão de encontro a
sua calcinha, por trás e a puxa, deixando a bunda dela à mostra e pronta para
uns bons tapas.
Ela é voraz e não perde tempo em ajoelhar e tê-lo em sua boca, puta
que pariu, que piroca gostosa! Seus lábios devoram o pênis do garoto que é
um monumento a parte, seu cheiro é inebriante e o gosto incrivelmente
hipnotizante. Se pudesse, ficaria ali chupando-o pela noite inteira, mas não
iria se limitar só a um oral. Ah, ainda tinha muitas coisas para fazer com
ele.
Porém, um conhecido ditado diz que “alegria de pobre dura pouco.”
Alguém começa a bater na porta. No início eles até ignoraram e continuaram
na sessão de sexo, mas num determinado momento as batidas continuam cada
vez mais fortes. A música tinha parado. Alguém gritava desesperadamente lá
fora. O que está acontecendo?
Ajeitam suas roupas e caminham até a porta, recompondo sua postura e
o cabelo. Quem quer que tenha atrapalhado o momento de prazer precisaria
ter uma desculpa bem convincente para que não tomasse uma boa surra de
Verônica que estava curtindo a noite às mil maravilhas.
Era Aurora. Vou te dar uma surra, Aurora! Sua cara era a estampa de
um completo desespero.
_ Você não vai acreditar no que aconteceu.
VII
Victor Hugo

Era uma hora da manhã quando seu celular começa a berrar


desesperadamente. Quem é filho da mãe que resolveu interromper meu
sono!? Meio grogue, estende o braço dormente até o criado mudo ao lado da
cama e pega o aparelho. Puta que pariu, era Aurora. E agora? Se ele
atendesse estaria sujeito à inquisição da esposa ao seu lado perguntando
quem era, o que queria, por que estava ligando aquela hora da madrugada e
outras milhões de perguntas que já teriam deixado o homem sem fôlego até
pra pensar em alguma desculpa. Pega rápido o telefone e desliga, mas se a
outra estivesse precisando urgentemente dele? Não teria muito o que fazer,
estando preso dentro de casa com a esposa e sair no meio da noite seria um
tanto quanto suspeito. Recusa a ligação.
_ Quem era!? _ Uma voz meio fraca e pálida vem da mulher ao lado.
_ Não sei, era número desconhecido. Não atendi, deve ser trote _
informa com uma voz sonolenta.
Incomodado com aquela ligação repentina no meio da noite, acaba
perdendo o sono. Cerca de quinze minutos depois, levanta da casa a passos
silenciosos e calados, recolhe o celular escondendo-o dentro da cueca,
mesmo tendo medo de desenvolver algum câncer em tal região do seu corpo.
Vai até o banheiro do corredor, evitando o da suíte e liga de volta para
Aurora.
_ Oi, amor. Aconteceu alguma coisa? _ pergunta com a voz baixinha.
_ Victor, desculpa te ligar essa hora, mas é que estou precisando muito
da sua ajuda _ a voz da garota soava muito preocupada do outro lado da
linha _ Eu estava na festa de aniversário do Oswaldo até que o síndico
apareceu para reclamar da música alta, aí rolou uma briga feia, o
aniversariante meteu uma garrafa de vodka na cabeça do cara, saiu uma
porradaria louca. Resumindo: eu estou na delegacia precisando urgentemente
de um advogado. Aí lembrei de você, que é um cara de negócios, CEO, tem
muitos contatos... pensei que talvez conheça alguém que possa me ajudar.
Aurora parece realmente aflita do outro lado da linha, não era à toa que
não queria que ela fosse a festa, mas não tinha nenhum controle sobre a
garota que nem era sua esposa. Mas agora ligara pedindo um advogado para
o cara de quem ele sentia ciúmes. A situação era mesmo complexa, mas
então se lembrou do advogado que sempre resolvia-lhe as pendências.
_ Eu tenho um advogado, ele é ótimo, vou passar o contato por
mensagem e você fala com ele que é indicação minha. O nome do homem é
Gustavo, espero que dê tudo certo aí.
_ Ai, amor. Obrigado! Não sei o que seria de mim sem você. Muito
obrigado e desculpe mais uma vez por ter te acordado. Amanhã a gente se
fala, ok!?
_ Claro, querida. Amanhã eu te ligo e a gente marca de se ver.
_ Estarei um pouco enrolada, a noite não foi só esse incidente, mas
depois conversamos. Está tudo sob controle, não precisa se preocupar. Boa
noite, sonhe comigo.
_ Eu estava fazendo isso _ mente _ Beijos! _ e desliga. Encaminha o
número de telefone do Gustavo por mensagem.
A vida era mesmo bem louca, imagina a amante ligar para o cara
pedindo ajuda pra tirar um safado que dava em cima dela da cadeia? Victor
Hugo não ficou nada satisfeito com os rumos que esta festa tinha tomado, ela
disse que seria apenas uma festinha de família, mas pela pequena descrição
dos fatos, provavelmente foi uma coisa enorme com milhares de convidados.
Deve ter rolado bebidas e drogas a noite toda, e muitos marmanjos dando em
cima da sua pretendente. Porém Aurora é uma propriedade particular, espero
que ela não tenha bebido e ficado soltinha.
Volta para a cama e deita-se novamente, agora com um pequeno ponto
de interrogação flutuando em sua cabeça, querendo saber o que ela quis
dizer com: “a noite não foi só esse incidente”, mas provavelmente não
seria nada que ele precisasse se preocupar, algum adolescente louco deve ter
se entupido de vodka e vomitado em cima do aniversariante ou então entrado
em coma alcoólico. Nada que já não fosse muito comum nesse tipo de festa.
Fecha os olhou e viaja, pensando nos beijos de Aurora, no de Verônica
e no quanto desejava foder as duas seu apartamento secreto que ninguém
conhecia, mas que para ela, era a residência oficial do executivo.
No dia seguinte, acorda atrasado para o café, trata de tomar uma ducha
rápida para se refrescar, já que tinha amanhecido o dia como se estivesse
numa sauna, havia revirado a noite toda na cama como hambúrguer na chapa,
sem saber se era culpa da ligação da outra ou do calor mesmo. Refrescou o
corpo apenas para aquecê-lo mais ainda dentro do terno, mas era inevitável
manter-se vestido adequadamente na empresa. Adequadamente é algo muito
subjetivo, mas para eles adequado é vestir terno e gravata. Passa seu
perfume, calça o sapato, ajeita o penteado olhando no espelho e desce.
_ Bom dia! _ deseja Carina logo que seu patrão aparece na mesa do
café.
_ Bom dia! _ corresponde sentando-se na cabeceira.
O que deveria ser um simples café da manhã parecia um banquete para
cem convidados, tinha vários tipos de fruta diferente: maçã, laranja,
melancia, pêssego; pães para todos os gostos: trançado, mineiro, massa fina;
suco natural, leite desnatado, requeijão, queijo trufado, presunto, patê de
alguma coisa que Victor não foi capaz de reconhecer, biscoitos, mel, aveia e
propriamente o café. Sentia-se quase um rei perante aquela mesa farta, só lhe
faltavam a coroa e alguns escravos abanando-o.
Cecília está sentada na sua direita e seu olhar logo pela manhã parece
infeliz, além de cansada. Algum tom no seu rosto mostra que ela não tinha
caído na história de que era ligação de um número desconhecido passando
trote.
_ Quem te ligou ontem? _ indaga, desconfiada.
_ Era número desconhecido, provavelmente trote, não atendi.
_ E por que logo depois você saiu do quarto? _ continua, sem dar-lhe
chances de respirar.
_ Porque eu queria ir ao banheiro.
_ E porque não foi no banheiro da suíte? _ a Inquisição tinha voltado
apenas para punir Victor Hugo e aquela pergunta havia complicado um
pouco.
_ Eu estava com dor de barriga. Iria empestear o quarto inteiro e você
não conseguiria nem dormir. No banheiro do corredor já ficou uma catinga
danada, imagina como ficaria se eu usasse o do quarto. Tenho que dar
satisfação até do meu cocô agora? _ explica-se.
_ É apenas o cheiro do seu interior.
_ Meu interior fede pra caralho _ confessa, rindo _ E vamos falar de
outra coisa, por favor, porque não gostaria de debater esse assunto na hora
do café, chega me embrulhar o estômago. _ Soube se sair bem da situação.
Continuam o café, apesar de Cecília não ficar tão satisfeita com as
respostas obtidas, mas enganar uma mulher não era uma tarefa fácil. Elas têm
uma espécie de faro, um radar ou qualquer coisa do tipo que apita sempre
que vê algo suspeito ao redor. E no caso de Victor o alarme estava apitando
repetidas vezes.
Ignora qualquer olhar insatisfeito da mulher e levantou-se da mesa,
dando um leve selinho roubado nela. Recolhe sua pasta e vai para o carro
que lhe aguarda na garagem. Antes de dar a partida liga para a outra. Ela
atende.
_ Oi, amor. E aí, conseguiu resolver? _ \ele não estava nem um pouco
interessado em tirar o homem da cadeia, pelo contrário, preferia até que o
primo dessa tal amiga com quem Aurora divide apartamento ficasse mesmo
preso, assim não teria motivos para ciúmes.
Óbvio que novos amores poderiam surgir na vida dela a qualquer
instante, já que era uma mulher linda, encantadora e intensa. Porém ele sentia
que a paixão perdidamente descontrolada que ela nutria pela sua pessoa, o
único que ainda lhe causava alguma pontada de ciúmes era esse Oswaldo
que soube já ter gostado dela antes e, aliás, deve gostar até hoje.
_ Na medida do possível, sim.
_ Será que a gente poderia se ver? _ pede, com uma ânsia incontrolável
de tê-la em seus braços _ Estou mais tranquilo agora pela manhã, menos
trabalho.
_ É que eu estou no hospital.
_ Queria que você fosse ao meu apartamento... _ só então ele raciocina.
_ Espera aí, no hospital? O que aconteceu? Está doente?
_ Não. Na delegacia o seu advogado me ajudou muito, Oswaldo foi
soltou ontem de madrugada mesmo, o síndico retirou a queixa e ficou
combinada uma indenização que terá que pagar. Mas o problema não era só
esse, além da briga com o síndico, uma pessoa também começou a passar
mal na festa. Um homem entrou em coma alcóolico e como Oswaldo ainda
não se recuperou, eu quem tive que vir acompanhá-lo até o hospital.
_ E ele não estava com nenhum amigo ou não tem nenhum parente para
avisar?
_ O problema é esse, ninguém sabe quem é o cara e nem o que estava
fazendo na festa. Quando acordar terá que responder algumas perguntas, já
estou elaborando um questionário na minha cabeça.
_ Onde fica esse hospital? Me passa o endereço por mensagem que
estou indo te encontrar.
Despedem-se e Victor espera a mensagem com endereço. Liga o carro,
dá partida e saí da garagem. Seu celular apita informando a chegada de
mensagens e quando vê o endereço lembra-se onde é, era no caminho para o
trabalho, melhor ainda que não precisaria pegar nenhuma rota alternativa.
Por mais que Niterói não fosse tão grande e já morasse ali desde sempre, às
vezes ainda ficava perdido.
Chega ao endereço informado em trinta minutos, teria chegado mais
rápido se não fosse um acidente que havia ocorrido pela madrugada e fizera
com que um trecho da via funcionasse em meia pista.
Estaciona o carro depois de umas seis voltas até encontrar uma vaga, a
única que tinha era de deficiente, mas seria apenas míseros minutinhos, não
ia atrapalhar a vida de ninguém. Colocou seu veículo ali mesmo com o olhar
furioso de uma senhora de cabelos lisos e curtinhos próxima a ele. Que foi!?
É só um minutinho! Fez seu ritual de todos os dias que era tirar a aliança do
dedo antes de encontrar Aurora ou Verônica.
Resolveu ir até a recepção e perguntar, mas o que diria? Conhece
algum homem que entrou em coma alcóolico ai no hospital!? Não sei o
nome, endereço e muito menos a fisionomia. Ignora essa hipótese e vai
andando pelos corredores a procura de alguma ruiva, por sorte uma
cabeleira vermelha se destaca na imensidão alva do hospital. Era ela.
Corre para os seus braços e abraça-a calorosamente. Seus olhos
estavam profundos de insônia, bem certo que não dormira a noite toda, seu
rosto era pálido e sua fala cansada.
_ E aí, me explica a história toda.
_ Então, ontem eu estava na festa _ explica pausadamente como se
Victor Hugo fosse uma criança de sete anos _ Oswaldo brigou com o síndico
e deu uma garrafada na cabeça do homem, chamaram a polícia e tal, mas
ainda bem que doutor Gustavo resolveu tudo, dos males este foi o menor.
_ E o maior?
_ Esse homem que está aí internado. Apareceu do nada na festa e
ninguém sabia quem era. Oswaldo não se lembra de tê-lo convidado, mas
convidou tanta gente que descobrir se ele é um penetra ou não seria quase
impossível. Os homens que estavam distribuindo bebida no bar disseram que
ele bebeu pouco, provavelmente desacostumado com o álcool, acabou
vomitando e desmaiando.
_ E já acordou? _ Victor está intrigado com o caso, talvez pelo fato de
que na infância também havia cogitado a possibilidade de ser um detetive.
_ Por enquanto não, vamos lá até o quarto dele ver se tem alguma
novidade.
Os dois saem de braços dados caminhando pelos corredores do
hospital, parecia meio macabro aquele ambiente todo branco e com pouco
movimento. Victor se sentia perdido num dos episódios de The walking dead
e seu medo era olhar pra trás e dar de cara com vários zumbis vindo em sua
direção. Mas logo voltou a realidade quando chegaram ao quarto do
paciente.
Victor Hugo teve que se controlar para não dar um pulo de susto quando
viu quem era o paciente desacordado da festa: seu jardineiro, Emanuel! Que
merda! E agora!?
Parecia que seus olhos iam saltar a qualquer momento de órbita ocular,
mas precisou conter sua reação na presença de Aurora, se ela soubesse que o
homem era seu jardineiro e estava infiltrado na festa para investigar os
passos de Oswaldo, que indiretamente refletiam sobre os dela, a relação
poderia muito bem entrar em cheque. As mulheres têm esse lance de não
gostar de serem questionadas ou até mesmo que desconfiem delas, um pouco
de ciúmes é bom para apimentar a relação e para que elas se sintam
valorizadas, mas só um pouco.
Deram um selinho calmo, pois não poderiam ficar aos longos beijos no
meio de um ambiente hospitalar. Victor ainda está um pouco preocupado
pensando no que fazer, então resolve que a melhor alternativa seria ligar
para Carina e dizer que ligaram para ele do hospital falando que seu
jardineiro tomou um porre. Isso, ótima saída. Pelo menos assim a
empregada recolheria o embriagado e quando chegasse em casa, o homem
lhe contaria tudo que descobriu na festa.
_ Aurora, não seria responsabilidade da sua melhor amiga ficar com ele
já que foi por causa do primo dela que tudo isso aconteceu?
_ Sim, mas ela estava aqui.
_ E onde está ela agora? _ questiona.
_ Ela saiu agora pouco, mas precisou sair para o trabalho, o chefe da
minha amiga é um homem muito exigente.
_ Hum...
_ Mas não se preocupe, vocês vão se conhecer em breve. Resolvi fazer
um jantarzinho especial lá em casa no próximo final de semana, assim todos
se conhecem finalmente _ e ri.
_ É uma boa ideia. Sexta que vem?
_ Prefiro sábado.
_ Prefiro sexta, é que final de semana é meio problemático para mim. É
o único tempo que tenho para descansar, meu trabalho exige muito de mim,
durmo pouco durante a semana. Às vezes também levo mamãe para sair,
visitar os parentes...
_ Você quase nunca passa um fim de semana comigo.
_ Estou conversando com um dos meus superiores e pretendo tirar uma
semana inteirinha de folga no mês que vêm. Vida de CEO não é fácil, meu
bem! Mas aí poderemos ficar 168 horas juntos, quero ver se vão me
aguentar.
_ Você que não vai me aguentar. Principalmente se eu estiver naqueles
dias...
_ Eu te amo, Aurora. É um prazer para mim te aturar _ suspira,
beijando-a novamente.
_ Eu também te amo, para sempre. Vou te amar por toda minha vida, até
quando tiver bem velinha, com uma penca de netos correndo a nossa volta no
quintal.
_ Sua presença me faz bem, mas infelizmente tenho que ir embora. Já
estou atrasado para o trabalho, e se não chegar na hora meus supervisores
vão começar a repensar as minhas curtas férias.
_ Ah, então vai logo! Não quero perder essa oportunidade de ter você
todo meu, mas e sua mãe? _ preocupa-se.
_ A companheira de quarto dela pode auxiliá-la, além do mais eu ligo
pra mamãe todos os dias, conheço na voz dela quando está bem. Mas ela é
uma mulher forte, vai ficar bem enquanto eu estiver fora.
_ Estiver fora? _ fica curiosa.
_ Sim, não quero desperdiçar nossa semaninha ficando aqui em Niterói.
Vamos viajar e o destino ainda é surpresa.
_ Considerando sua última surpresa no restaurante, estou apaixonada e
morrendo de curiosidade a respeito do seu próximo mistério. Confio no seu
bom gosto.
_ Agora vou _ se beijam, carinhosamente outra vez _ Tchau, amor!
_ Bye, baby! _ e acena com a mão.
Retorna para o carro e conclui que nenhum deficiente morreu pelo fato
de ele ter ocupado sua vaga. Parte rumo seu trabalho e em poucos minutos já
está lá. Quando entra no prédio da empresa, Adriana parece toda atrapalhada
batendo nas costas de um homem desesperadamente.
_ Um bicho! Um bicho! _ berra _ Odeio o reino animal!
O homem que recebera fortes tapas nas costas lhe olha revoltado, seu
rosto parece rude e fechado que expressava uma incrível vontade de
retribuir o gesto. Ela encolhe seu corpo e curva a cabeça, entregando-lhe um
papel e pedindo-lhe desculpas. O homem sai.
_ O que aconteceu aí, Adriana? _ Um riso de sarcasmo mora no rosto
de Victor Hugo.
_ Esse senhor que apareceu aí agora estendia a mão nas costas direto,
eu achei que fosse um bicho que tivesse voado nele. Você sabe que eu sou
meio escandalosa, né!? Mas não era nenhum bicho, ele tinha era um tique-
nervoso que coçava as costas com frequência.
O executivo não controla um riso e dispara. Jorge, que estava ao lado
da recepcionista, também ri. A mulher é a única com a face truncada que não
acha graça nenhuma no caso. Victor se despede e toma o elevador e se
lembra de ligar para Carina informando o acontecido com o jardineiro.
Entra na sala e cumprimenta a secretária delícia que ele havia beijado
no dia anterior, o olhar dela indicava que já tinha esquecido o ocorrido, mas
aquilo não era verdade. Aposto que sempre que me vê sua cabeça lateja
lembrando-se do beijo. Você quer mais que eu sei... E se olham de uma
maneira diferente, ela parece saber, mas ele precisa se controlar, um passo
de cada vez e conseguirá tudo que quer.
_ Olá, Verônica, tudo bem? _ cumprimenta de modo profissional.
_ Tudo bem, Victor. E você?
_ Na medida do possível sim. Me trás um cafezinho daqui uns quinze
minutos, por favor.
Ah... O cafezinho! Controle-se, Victor Hugo! Você não pode se
mostrar muito interessado, senão Verônica irá pensar que está caidinho
por ela. Provoque! Instigue a marrenta!
_ Pode deixar _ balança a cabeça e parece feliz. Se está pensando que
vai rolar beijo, infelizmente essa não é a intenção do patrão.
Ele entra na sala, jogando logo o paletó numa das cadeiras, o calor
estava intenso e mesmo com ar condicionado ligado, não dava condição de
gelar. Pega o telefone e liga para a empregada, demorou alguns minutos para
que ela atendesse, provavelmente trabalhando, deve ter deixado no
silencioso para não atrapalhar o serviço. Mas perseverando, ela acaba
atendendo.
_ Alô, Carina. É Victor. Telefonaram para mim do hospital, acharam um
papel com meu número, não sei como, na carteira dele e me ligaram.
Emanuel foi a uma festa ontem e passou mal. Bebeu muito e está no hospital,
será que você pode ir auxiliá-lo? Os enfermeiros disseram não ter
conseguido contato com nenhum parente.
_ Sim, senhor. Devo avisar dona Cecília?
_ Não precisa incomodá-la com esse tipo de assunto, se precisar de
dinheiro me ligue. Use aquela quantia que deixei separada na gaveta secreta
debaixo de uma das cadeiras na sala. É naquele hospital que tem aqui perto
do meu trabalho.
_ Pode deixar, estou indo agora mesmo. Mais alguma coisa?
_ Não. Me mantenha informado. Tchau! _ e desliga.
Senta-se bem relaxado na cadeira de frente para o laptop, distanciando-
se um pouco da mesa e coloca os pés sobre ela se sentindo um legítimo rei.
Coloca o computador sobre o colo e começa a checar os e-mails recebidos e
ver o que precisaria fazer no dia. Tarefas e mais tarefas de CEO. Meia dúzia
das mensagens recebidas era do seu superior, o diretor das pregas soltas se
lembrando da reunião. O velho que esquece as coisas não sou eu. Responde
os e-mails na maior cordialidade, mas com vontade de atirar qualquer coisa
que visse pela frente em cima do diretor logo que o visse.
Exatos quinze minutos depois, alguém dá duas batidinhas na porta e vai
logo entrando. É Verônica com o cafezinho, a maquiagem dela no dia de hoje
havia vindo um pouco mais carregada, parecia tentar esconder alguma
olheira, será que se divertiu a noite inteira? Seria mil vezes melhor se
tivesse se divertido com ele, a mulher tinha uma expressão misteriosa e
cativante que despertava os mais profundos desejos de um homem. Talvez
Aurora cativasse verdadeiramente o coração de Victor, Cecília acalentava
os medos dele e Verônica... Ah, Verônica despertava intenções e
necessidades ocultas que negava a aceitar. Seu corpo estava tenso e acabou
tendo uma ideia deliciosa.
_ Seu café _ estende a bandeja, mantendo certa distância.
_ Obrigado.
Ela já ia se virando e caminhando em direção à porta de saída do
escritório, caminhando bem devagar, com o incrível desejo de que ele lhe
chamasse de volta, lhe agarrasse pelos braços e lhe roubasse um beijo. O
olhar da moça denuncia toda esta intenção. Ah marrenta...
_ Ah, Verônica. Espere um pouco. Pode me fazer um favor?
_ Se estiver ao meu alcance... _ ao seu alcance vai estar a minha boca.
_ Está sim. É que eu estou completamente tenso hoje, aconteceram
alguns problemas e isso está me prejudicando.
A secretária ainda o observa curiosa para saber qual era o pedido do
homem.
_ E o que posso fazer para que se sinta mais disposto para o trabalho?
Ah... Você poderia fazer muitas coisas, mas por enquanto vou me
contentar com...
_ Uma massagem. Aqui nos ombros _ diz, pondo-lhe as mãos _ Estou
todo duro nesta área.
_ Sim, sou excelente com massagens! Minha amiga que mora comigo
diz que eu tenho as mãos de fada.
As mãos da secretária se aproximam de seus ombros e começam a
trabalhar. Ai! Ui! Que isso! Ela aperta sua pele de um modo delicado e
profundo, aliviando seus pontos de tensão. Amassa as partes doloridas e
acariciava, pra depois socar como uma louca, de uma maneira que deixava o
homem arfando. Doía, mas era delicioso, suas mãos de fada tinham a
capacidade de levá-lo ao inferno e empurrar até o paraíso. E das condições
que tinha, estava preferindo a segunda opção. Acordar no paraíso com as
mãos de Verônica em seus ombros. Sentia-se tão relaxado que chegou fechar
os olhinhos e sonhar. Poderia dormir ali se ela continuasse naquele ritmo
carinhoso.
Não poderia deixar de aproveitar os talentos que a mão daquela mulher
tinha, e então, discretamente desabotoou as calças, e deixou sua cueca bem a
mostra, com o membro pulsante lá dentro, criando um volume absurdo sobre
o pano. Os olhos de Verônica quase pularam da órbita ao perceber que o
calibre era bastante interessante. Nossa, como era grosso!
Victor Hugo não precisa falar nada e ela rapidamente entende o recado.
Suas mãos saem dos ombros e começam a passear pelo peitoral firme dele e
descem até a cueca, se enveredando para dentro e pegando o pau. A
respiração dele fica ofegante com o movimento de vai e vem que ela faz,
agora ainda mais encostada em seu cangote, seu hálito doce ali próximo as
orelhas e o trabalho ágil que fazia com as mãos o deixava louco. E ela se
doava aquela tarefa com vigor, apertando o falo e o fazendo suspirar a cada
apertada que dava.
Ela se aproveita e dá uma leve mordidinha no pescoço dele o deixando
ainda mais perturbado com aquilo. Que filha da puta, essa sabe como
enlouquecer um homem! A vontade que Victor Hugo tinha era comer ela ali
e agora, mas o que estava fazendo com as mãos e a boca estava tão, mas tão
gostoso que era até um pecado interromper. E também era arriscado, se Dr.
Campos entrasse em sua sala agora estaria no olho da rua, não há currículo
de CEO capaz de mantê-lo numa empresa se fosse pego com uma secretária
masturbando-o. O pecado sabe ser bastante irresistível.
Se ela era capaz de fazer aquilo tudo com a mão, só de imaginar o que
ela mulher não deve saber fazer com a boca já deixava Victor alucinado. Ah
que vontade...
O celular toca e Verônica interrompe a massagem.
_ Não pare! _ Ordena. _ Vou atender o telefone e você continua seu
trabalho.
A mulher obedece às ordens e continuou enquanto o patrão bufava só de
ver o nome no visor do celular. Ligação de seu filho querido Isaac que só
liga pra pedir as coisas e atrapalhar os melhores momentos. Provavelmente
quer dinheiro, acha que eu sou um banco.
_ Fala Isaac _ Sua voz sai como um gemido.
_ Pai, tá tudo bem?
_ Tá, fala logo que eu estou muito ocupado.
_ Só liguei pra te convidar pro festival de música que vai ter na minha
escola. Vai ser amanhã. Eu vou tocar, num número só meu. _ Isaac gostava de
chamar a atenção, puxara o pai.
_ Flauta!?
_ É clarinete, pai! _ corrigi-o _ E sim, vou tocar clarinete. Vai ser às
sete da noite, na minha escola.
Victor Hugo revira os olhos, e Verônica dá um aperto no pau dele que é
possível sentir uma pontada na alma. Que porra gostosa! Estava a ponto de
gozar, mas não poderia sujar o terno.
_ Vou fazer o máximo possível para comparecer...
_ Pai, você não vai em nenhum evento da minha escola desde ano
retrasado. Eu já não tenho mãe. Sabe o quanto eu sofro quando todos os
alunos correm para os braços do pai ou da mãe quando termina o espetáculo
e eu não tenho nenhum dos dois ao meu lado. Mas tudo bem, pelo menos
tenho meus avós. Se quiser ir vai.
_ Eu vou, Isaac.
_ Tchau! _ desliga na cara do pai.
Que filho ingrato!
_ Eu quero esporrar na sua boca, ajoelha. _ Ela cumpre a ordem. _ Isso,
boa garota. Agora abre bem a boquinha. Ah, isso _ E cinco jatos quentes de
porra foram direto para a boca da sua secretaria putinha. Agora sim poderia
relaxar e continuar o dia.
☐☐☐
À tarde, precisou se submeter à sessão chatice com o diretor Dr.
Campos. Nunca havia visto um homem tão chato capaz de esgotar todo o
estoque mensal de paciência de uma pessoa em um simples encontro. Mas
Dr. Campos era alguém que superava limites, quebrava as expectativas e as
xícaras de café.
_ Desculpa! _ lamenta logo que esbarra sem querer na xícara
parcialmente vazia no canto da mesa e a derrama sobre o chão, sorte não ter
caído no tapete _ Mil perdões, estava distraído.
_ Tudo bem, Dr. Campos. Isso acontece o importante é que o senhor não
se sujou nem se queimou. Vou chamar a secretária.
Disca o ramal da secretária e pede que esta providencie uma faxineira
para dar conta do café derramado no chão da sala. E então continuam o
trabalho.
_ Acho que você conseguiu pegar a essência deste projeto. Precisamos
de uma boa imagem pra vender no mercado editorial, sabe que a propaganda
é a alma do negócio. As pessoas querem falar, precisam falar e os nossos
planos são a melhor opção do público. Já liguei para o pessoal da
publicidade, sua tarefa é ver as possibilidades de custo reduzido e algo que
se adeque aos rendimentos da empresa _ para Victor Hugo, aquilo tudo era
um blá-blá-blá. Como se já não soubesse de cor e salteado que precisavam
compactuar com o cartel escondido no qual sobrevivia a empresa.
_ Sim, encaminharei os valores pelo e-mail semana que vem.
_ Preciso para amanhã.
_ Amanhã!? _ Victor acaba alterando o volume de sua voz, dando um
leve grito, perplexo _ Ainda preciso fazer vários cálculos para ver os
rendimentos da empresa, não posso elaborar um projeto como esse do dia
para a noite.
_ Victor Hugo, nessa empresa, nós precisamos de um CEO que se
comprometa com nossa missão, que é proporcionar aos indivíduos o melhor
sistema de comunicação ao preço mais acessível do mercado. Queremos
executivos que trabalhem do dia para a noite. Espero esse e-mail na minha
caixa de entrada até amanhã.
_ Tudo bem, terá! _ brada _ e se o senhor puder me dar licença, eu
agradeço. Pois tenho muito que trabalhar hoje _ diz se levantando,
caminhando até a porta e indicando a saída para o diretor. A porta da rua é a
serventia da casa!
O diretor sai com um sorriso satisfeito no rosto, a vontade de Victor é
atirar o laptop na cabeça do chefe ou então jogá-lo do vigésimo andar e vê-
lo virar gelatina lá em baixo. Seria uma boa estratégia de marketing associar
a queda do diretor com a dos preços dos planos oferecidos pela empresa.
Fecha a porta e quis atirar o primeiro objeto que visse pela frente pelos
ares, porém o que viu foi um laptop caríssimo, pensa duas vezes antes de
tomar tal atitude e resolve se dedicar ao trabalho, teria muita coisa a fazer
caso quisesse entregar a planilha em dia.
☐☐☐
_ Por que chegou tão tarde? _ dessa maneira que foi recebido em casa,
dando de cara com um Cecília super desconfiada.
O pior é que desta vez não estava fazendo nada de mais, realmente tinha
ficado o dia inteiro enfurnado naquele hospício que era o seu trabalho
atendendo às exigências de um supervisor salafrário.
_ Estou com uma vontade de matar aquele maldito Dr. Campos _
esbraveja atirando a mala no sofá e correndo até sua garrafa de uísque. _
Preciso beber alguma coisa hoje senão eu vou explodir.
A esposa percebe sua atitude descompassada e perde qualquer
desconfiança que tinha alimentado a seu respeito pensando que ele poderia
ter caído na gandaia. O marido estava mesmo trabalhando e se dedicando ao
máximo para ser reconhecido na empresa e também garantir um bom pé de
meias para os dois. Aquele marido era mesmo um santo!
_ Ah, desculpa meu amor. Estava preocupada com você _ vai até ele e
o abraça, tentando acalmá-lo _ O que aconteceu?
_ Aquele imbecil de merda que não tem nada pra fazer da vida e vive
me aporrinhando. Tivemos uma reunião hoje e ele quer que eu lhe apresente
um conjunto de novos planos comerciais para amanhã. Do dia pra noite. E
ainda veio me falar que o trabalho naquela empresa exige esforço e
disciplina _ debocha tentando imitar a voz do diretor que era seu supervisor.
_ Tem alguma coisa que eu possa fazer pra te ajudar?
Não me fazer perguntas já é uma grande ajuda!
_ Ir ligando o ar condicionado do quarto, quero chegar, deitar e dormir.
Na moral, aquela empresa me esgotou hoje.
_ Quer que eu peça a Carina pra preparar alguma coisa para você
comer?
Carina! Tenho que ver o que aconteceu com o jardineiro.
_ Melhor, pode deixar que eu vou pra cozinha e me viro, só ajeitar o
quarto pra mim já está de bom tamanho.
_ Ok, vou subindo _ e se beijam de maneira terna e carinhosa.
Victor vai direto para a cozinha e dá de cara com Carina lavando a
louça. Vira-se logo quando vê o patrão e já vai derramando as verdades
sobre ele.
_ Boa noite! O jardineiro já está bem, está repousando no quartinho lá
fora.
_ Vou lá falar com ele, prepara um leite quente pra mim que daqui a
pouco eu volto pra tomar, estou exausto.
_ Sim, senhor.
Abre a porta da cozinha que dá para o jardim dos fundos da casa e é
caminho da piscina. Num dos cantos onde fica a sauna, tem um pequeno
anexo disponível para o empregado. Aproxima-se a passos lentos e dá duas
batidas na porta anunciando sua entrada, não espera que ninguém abra, vai
logo entrando.
O jardineiro está deitado numa pequena cama de madeira, coberto com
um pequeno lençol fino bem puído e maltratado. Toma um susto logo que o
patrão entra em seu quarto que acaba sentando-se encostado na cabeceira e
põe rapidamente os óculos para atender seu chefe.
_ Boa noite, senhor Victor. Desculpe-me pelo ocorrido.
_ Oi, quero saber o que você descobriu, espero que este sacrifício todo
tenha valido a pena.
_ Erh... Eu tenho quase certeza que sim. O senhor me pediu para
investigar o Oswaldo e eu descobri que teria uma festa de aniversário no
apartamento dele aberta para todo mundo. O cara tem depressão e se sente
muito sozinho então acabou convidando quem visse pela frente para a festa.
Quando cheguei lá fui muito influenciado para beber e não tive como fugir
desta alternativa _ soluça. _ Não tenho muito estômago para bebida então
acaba passando muito mal e vomitando.
_ E o que descobriu? _ Victor Hugo queria ouvir verdades, não estava
disposto a se desgastar com ladainha de funcionário que bebe numa missão.
_ Eu tenho certeza que descobri algo muito importante, mas acontece
que eu esqueci. Apaguei! Não me lembro basicamente de nada que ocorreu
na festa _ lamenta Emanuel.
_ Nada!? _ o homem se estressa e altera o tom do voz.
_ Na... Nada, senhor _ gagueja _ Lamento muito, mas tenho certeza que
vou me lembrar, é que tudo está muito confuso ainda na minha cabeça.
_ Então espero que você se desconfunda logo se quiser continuar
trabalhando para mim, te dei uma missão e era seu dever descobrir o que eu
queria, não sair bêbado pra se divertir em serviço.
Emanuel até que tentou se defender, falar alguma coisa, mas as palavras
não saíam de sua boca e quando saíram foram tons incompreendidos que
Victor aceitou como um pedido de desculpas. O jardineiro não teve outra
opção senão abaixar a cabeça e consentir com a culpa.
_ Eu... Eu vou lembrar _ promete.
_ Acho bom mesmo _ sai do quarto.
Retornando à cozinha toma seu copo de leite quente, vai exausto para o
banho e desaba, mais exausto ainda em cima da cama, sua cabeça está a mil
pensando no que vai fazer para entregar tudo a tempo para o diretor, mas
antes mesmo de encontrar uma solução, desaba no sono.
No dia seguinte, acorda bem mais relaxado e disposto a enfrentar um
novo dia de trabalho. O dia prometia ser de muitas emoções, pois ainda
precisaria correr contra o tempo para atender as demandas do diretor e ainda
tinha que ir assistir à apresentação do filho na escola. Isaac se sentiria muito
mal se o pai não fosse mas uma vez numa de suas atividades escolares que
necessitava do incentivo dos responsáveis. Victor iria ouvir o filho tocar,
aconteça o que acontecer, ele irá.
O café da manhã foi o mesmo tédio de sempre e pelo menos desta vez
Cecília evitou os interrogatórios ou seus comentários indisciplinados.
Informa ao marido que iria visitar a mãe, na luxuosíssima mansão dos
Gouveia Vasconcellos que Victor Hugo tinha a convicta certeza que iria
herdar logo assim que enterrasse os velhos. E disse também que depois o
encontraria direto na escola de Isaac para assistir o número musical, ela
sabia que a vida do marido era muito corrida e provavelmente ele não
voltaria em casa para tomar banho, iria direto do escritório.
Chega à empresa com uma cara de que um trator havia atropelado seu
corpo, o cansaço do dia anterior parecia não ter se despedido dele depois do
sono, havia acordado um pouco mais disposto, mas logo depois do café toda
essa disposição se dissipa. Mas olhar Verônica o animava, animava de uma
maneira além do entendimento. E não gosta nada quando saiu do elevador no
seu andar e deu de cara com um dos funcionários da empresa que nem
conhecia conversando com sua secretária e os dois riam felizes. A
desinibida ria junto daquele desconhecido, aquela risada deliciosa que dá
vontade de qualquer um rir junto sem nem mesmo saber a graça da piada.
Victor Hugo nunca intendera a mania que Cecília tinha de não gostar de
uma pessoa sem nem mesmo conhecê-la, mas agora estava explicado.
Algumas pessoas não é preciso nem conhecer pra saber que não gostamos
delas. O funcionário era um desses.
_ Bom dia, Verônica _ brada, visualizando o funcionário através de seu
olhar fuzilante. Suma daqui, maldito!
_ Oi, Victor. Estava recebendo uma nova remessa de papel. Aquilo que
me pediu para imprimir já está em cima da sua mesa, e foram tantas cópias
que acabou o papel da impressora.
_ Ah, ok. E pelo visto o rapaz já concluiu o trabalho _ pondera, olhando
novamente para o funcionário com cara de poucos amigos.
_ Sim, senhor _ informa o homem _ Já estou indo. Com licença, senhor
Victor. Verônica _ balança a cabeça e se retira.
Verônica!? Senhorita Verônica! Ninguém deu intimidades a ele para
chamar minha funcionária daquela forma. Ou será que ela deu?
Entra na sua sala revoltado mais uma vez. Não tinha nenhum direito
sobre a moça, não é só porque haviam se beijado e ela o masturbado e
engolido seu gozo. A secretária não era nenhuma de suas propriedades
particulares, mas queria que também fosse. Queria foder aquela marrenta de
todas as formas e todos os jeitos, e só de vê-la conversando com outro cara
já deu vontade de castigá-la por isso.
Liga o computador e começa a fazer o que deveria. Calculadora do seu
lado e milhões de papéis, planilhas e tudo que pudesse auxiliá-lo de alguma
maneira. Eu deveria ter escolhido ser detetive. Mas agora não dava mais
pra mudar, era um homem de negócios e precisava agir como tal. O novo
negócio seria uma ideia revolucionária no mercado, os novos planos
celulares acessíveis fariam o maior sucesso, de acordo com a proposta do
diretor das pregas soltas.
Às 11 horas da manhã foi surpreendido com uma doce ligação daquela
pessoinha que fazia do seu dia mais especial, ouvir a voz dela o
tranquilizava de uma forma única. Aurora era seu delírio e sua redenção.
Precisava encontrá-la pra extravasar tudo que estava preso dentro de si,
senão iria explodir. Como conseguia ser tão viciado em mulher assim?
Precisava de uma esposa, uma amante e uma secretaria puta para dar conta
de seus desejos.
_ Oi, amor.
_ Oi, querido! Estou ligando pra te avisar que deu tudo certo ontem no
hospital. Apareceu uma moça informando que trabalhava com ele, aí eu
fiquei mais tranquila.
_ Ah que bom! _ fez-se de desinformado _ Estava querendo tanto te ver
hoje, o problema é que estou atolado de serviço até na alma. E à noite
preciso ir assistir a uma apresentação musical do meu filho na escola.
_ Hum... se quiser posso ir com você.
Pelo amor de Deus, não! Cecília vai estar lá.
_ Erh... É que eu acho ainda um pouco precipitado. Isaac é bem
complicado e ainda não superou o fato de que eu sou um homem livre,
desimpedido e tenho todo o direito de reconstruir minha vida. Acha que
preciso viver eternamente de luto por sua mãe. Preciso conversar primeiro
com ele sobre nossa relação. Ele é improvável e tenho medo que te trate
mal.
_ Tudo bem, talvez seja mesmo melhor assim. Talvez possamos marcar
um encontro com ele e sua mãe pra conhecer os dois de uma vez só.
_ Claro! _ eu só preciso contratar uma atriz e um ator primeiro para
interpretar esse papel de mãe doente e filho rebelde _ Você conhecerá os
dois em breve.
_ E falando em conhecer, estou ligando também para lembrá-lo do
jantar na minha casa na sexta. Você vai finalmente conhecer minha melhor
amiga. O nome dela é Verônica.
Hum... Verônica. Espero não ser tão interessante quanto minha
secretária senão vai acabar roubando o foco da noite. Tomara que esta
beleza toda não seja nada decorrente de nome. Na verdade as mulheres
lindas costumam sempre ter uma amiga feia, deve ser a dessa Verônica.
_ Ok, qual é o estilo dela para eu comprar um presente?
_ Ah, não precisa! Sua presença já é o melhor presente _ sugere.
_ É feio ir visitar alguém sem levar ao menos uma lembrancinha, não
fique com ciúmes, pois vou levar algo pra você também. E não responda
pelos outros, só Verônica pode dizer se quer presente ou não _ e ri. _ Mas
não vou comprar nada extravagante. Só preciso saber um pouco do estilo
dela porque o seu eu já conheço.
Foi possível ouvir um suspiro romântico bem no fundo da ligação.
_ Verônica é minha melhor amiga desde sempre, ela gosta de
romantismo, gosto de flores, chocolate, corações, ursinhos de pelúcia. É fã
de vermelho _ Victor revira os olhos _ e de beijos picantes, mas esta última
parte não lhe diz respeito.
_ Não mesmo, só tenho olhos pra você. E boca também.
_ Seu corpo é todo meu! _ sentencia sua outra, mal sabendo de seu
incólume casamento.
_ Sim, sou seu homem objeto.
_ Assim que eu gosto _ esbraveja do outro lado da linha _ Agora
preciso desligar, meu intervalo entre uma aula e outra já está terminando.
_ Beijos _ e ele desliga. Gostava de Aurora porque o amor e o sexo
escondidos dos dois tinham um ar de leveza. Transmitia uma felicidade que
nunca teve casado com Cecília. E gostava do ar de aventura que Verônica o
despertava.
Chama Jorge até a sala e dá algumas instruções para que ele compre
dois presentes interessantes e que chamem a atenção das presenteadas, deu-
lhe todas as instruções para acertar na escolha.
Continua seu trabalho de CEO e antes das sete da noite consegue
terminar tudo, amém! Envia as planilhas para o diretor logo assim que
finaliza os trabalhos e a vontade é gritar exatamente aquilo que as torcidas
gritam para times rivais na arquibancada de um jogo de futebol, e geralmente
os versos não são tão amigáveis. Só lamento.
Faltam quinze minutos para a apresentação de Isaac na escola, despede-
se rapidamente da secretária e balbucia um elogio indecoroso a ela quando
entra no elevador. Corre até a garagem, entra no carro e segue rumo ao
colégio do filho.
Quando uma pessoa está atrasada, parece uma lei universal do planeta
que tudo ao redor conspire para que o cidadão fique mais atrasado ainda. O
trânsito está um inferno, também, era hora de todo mundo voltar para casa,
cansados e estressados. O sangue de Victor começava a ferver em suas
veias, nervoso. Se continuasse daquela maneira, seria mais fácil deixar o
carro num estacionamento rotativo e ir a pé.
O semáforo já havia aberto e fechado seis vezes e ele não avançara nem
cinco metros. Pelo visto, só chegaria ao destino quando acabasse o festival
musical. O celular dispara a tocar e era uma ligação de Cecília, com a voz
aflita.
_ Onde você está, Victor Hugo? _ esbraveja, indagando o esposo.
_ Preso no trânsito.
_ Seu filho está uma pilha de nervos com medo do pai não vir, se você
ousar faltar a apresentação esse menino vai ficar arrasado.
_ E você acha que eu escolhi não chegar na hora? Que eu escolhi ficar
preso no trânsito? Acha que eu estou adorando isso? _ rebate, revoltado.
_ Só estou te dando o recado, não precisa ser arrogante comigo.
_ Desculpa, eu tô nervoso! _ revira os olhos _ Vou desligar. Daqui a
pouco chego aí!
_ Ok, tchau!
Joga o celular no banco do carona e o trânsito finalmente anda, aleluia!
Em determinado ponto as vias se aumentam e o fluxo segue melhor. Por
sorte, consegue chegar às 7:40h.
Outro parto é conseguir uma vaga, mas um dos flanelinhas é rápido em
auxiliá-lo e Victor dá algumas moedas para o senhor maltrapilho que não
tinha nem meia dúzia de dentes na boca. Estaciona o carro e saí correndo
para a escola, havia tirado o terno e agora usava apenas a camisa social azul
clara toda amarrotada com a calça social. Como disse, quando se está
atrasado tudo conspira contra. Victor fica perdido nos corredores do colégio
sem nem saber onde seria a apresentação.
Vou ligar pra Cecília. Põe a mão no bolso e merda! Esqueci o celular
no carro.
Continua vagando pelos corredores até dar de cara com uma senhora
humilde que varia a escola. A mulher informa-lhe o local das apresentações
e vai correndo para lá. Seu filho estava no palco.
Isaac era o centro das atenções, estava no meio do palco e tocando uma
música internacional no clarinete. O pai fica todo babão. Não assumia, mas
seu coração estava derretido por conta daquele menino. A sementinha tinha
crescido e Isaac agora era um homem cheio de talento. Aquele era seu filho!
Contendo suas lágrimas, toma um susto quando Cecília aparece do nada
ao seu lado cutucando seus braços como se fosse a própria morte pronta pra
levá-lo, ainda mais com o vestido preto que usava. Mas acima de tudo
estava elegante.
_ Quer que eu busque um babador para você?
As lágrimas acabam escorrendo pelo rosto de Victor, e Cecília não
resiste em abraçá-lo.
_ Por mais que seu filho seja atentado, ele é um talento. Nunca vi
alguém conseguir tal proeza com um instrumento musical.
_ Puxou o pai! _ comemora, secando as lágrimas.
Cecília dá uma gargalhada e depois percebe que chamou atenção
demais naquele silêncio que pertencia apenas a Isaac. Abaixa a cabeça
fingindo não ter sido ela a dar uma risada tão chamativa.
_ E você por acaso tem uma veia artística? _ sussurra em tom de
deboche.
_ Uma só não, tenho várias _ a arte de trair, a arte de despertar
paixões, a arte de seduzir... _ Só não demonstro.
_ A tá _ concorda.
O número musical continua e o pai da estrela se emociona mais ainda,
as lágrimas surgem sem serem convidadas no rosto de Victor Hugo e não
resiste ver um filho alcançando êxito na vida em algo maravilhoso, como
ainda não tinha aberto os olhos para o menino!? Preferia mil vezes que ele se
dedicasse a empresa e seguisse o caminho dos negócios, ser músico não vai
levá-lo a nada, só vai passar fome. Mas tem uma família rica e o trabalho de
Victor Hugo já era demasiado infernal para querer que o filho se
embrenhasse nessa moita também. Deixe-o ser feliz!
Quando Isaac toca a última nota e termina o número, o público vai ao
delírio, mas ninguém aplaude mais que o pai que, sem pensar em mais
ninguém, sai correndo pelo corredor do meio, sobre no palco e surpreende o
filho abraçando-o.
_ Parabéns, meu filho! _ dispara a chorar.
_ Obrigado, pai! _ o menino chora também e dessa vez a plateia
aplaude de pé.
☐☐☐
Minha avó sempre dizia um velho ditado: “Angu de um dia não
engorda cachorro”. Não adianta nada uma demonstração linda de afeto num
dia e depois voltar para as eternas brigas de gato e rato. Aqueles dois não
tinham muito jeito, no final de semana seguinte Isaac já ressuscitou os
problemas querendo que o pai levasse-o a um show já que os avós eram
idosos e não poderiam acompanhá-lo, mas o problema que ele escolheu
justamente o dia do jantar com Aurora. Teve que dizer não para o menino
que ficou novamente brigado com o pai.
Avisa a Cecília que teria mais um jantar de negócios naquela noite e
não sabia que horas iria voltar, a vontade era não dormir em casa, mas não
tinha nenhuma boa desculpa para tal e seria um pouco arriscado usar
qualquer fala esfarrapada. A mulher não fica tão contente com aquilo, mas
não tem como reclamar.
_ Possivelmente vou estar dormindo quando chegar, então boa noite _
diz a mulher de camisola na sala de televisão, com o controle na mão
passeando pelos canais.
_ Ok, boa noite! _ e sai da casa, usando um terno básico e um pouco
desajeitado.
Óbvio que não iria daquela forma para um jantar na casa da namorada,
antes disso passa no seu apartamento de fachada e se arruma todo
novamente, agora sim coloca uma camisa cinza com uma estampa de uma
banda famosa, uma bermuda vermelho bem forte e um tênis cinza da Colcci.
Passa seu perfume Essencial que já tinha virado uma de suas marcas
registradas, um gel no cabelo e ajeita seu penteado. Pronto, já estava lindo e
adequado para um encontro casual.
Vai para o carro e confere os presentes, para Aurora seu encarregado
havia comprado uma caixinha de músicas com uma bailarina que dançava ao
som de uma canção dum filme infantil de princesas; para a amiga dela,
Verônica, comprou um quadro de tarefas no formato de um coração, era pra
fazer anotações de coisas para não esquecer. Isso lá é presente que se
compre? Mas Jorge havia lhe garantido que a moça iria adorar. Se ela não
gostasse iria descontar tudo no pobre funcionário.
Gira a chave na ignição e dá partida no carro. As ruas estavam pouco
movimentadas, então não demora tanto para chegar até o prédio da amante
que achava ser simplesmente namorada. Estranho a rapidez, era sexta-feira,
mas não tinha ninguém nas ruas.
Deixa o carro num estacionamento rotativo, pois naquela parte da
cidade seria mais seguro, já que estavam roubando tudo que viam pela
frente. Desce do veículo em direção ao prédio de Aurora. Toca o interfone e
se identifica. A voz da namorada é engraçada na transmissão, ela abre o
portão e ele encaminha-se para o elevador.
Entra no elevador. Seu celular toca. Não tinha o número salvo em seu
aparelho telefônico e quando atende se surpreende com a voz do jardineiro
cachaceiro. O que será que ele queria!?
_ Oi, senhor Victor Hugo. Desculpa não te esperar chegar em casa, é
que o assunto é importante.
_ Então fala logo _ não estava com muita paciência para o rapaz._ Eu
lembrei do que aconteceu na noite da festa, lembrei do que eu descobri.
_ Diga! _ ordena logo assim que desce no andar da pretendente.
_ Oswaldo é um homem solitário que sofre de depressão, ele só tem um
parente em Niterói, sua prima Verônica que mora com a melhor amiga
chamada Aurora.
_ E o que tem de importante nisso!? _ indaga andando a passos lentos
até a porta do apartamento.
_ Acontece que esta Verônica é... _ faz um certo suspense _ Sua
secretária!
_ O que!? _ Victor Hugo dá um grito rude. Parece que acaba de
descobrir que tem uma doença sem cura ou então que sua mãe havia falecido.
A reação é tão imprevisível quanto.
_ Isso mesmo que o senhor ouviu.
_ Tenho que desligar! _ finaliza a ligação sem mesmo se despedir.
E agora!? Não tinha mais como correr, já estava na porta e não
precisara nem abrir que Aurora acabara de fazer isto.
_ Oi, amor! _ diz se jogando em seus braços e beijando-o. _ Entra, vem
cá conhecer minha melhor amiga.
O rosto do homem estava completamente pálido como se toda a
melanina houvesse fugido de sua pele, e seus pesadelos se confirmaram
quando os passos de alguém ecoam pela casa e chega na sala também
tomando um susto. O copo escorrega de sua mão estilhaçando-o no chão,
mas nenhum dos dois perde o contato visual.
_ Essa é Verônica, minha melhor amiga! _ fala Aurora apontando para a
amiga, mas Victor Hugo parece petrificado.
Que merda! Minha secretária e minha amante são melhores amigas.
VIII
Aurora

Que Verônica era uma completa desastrada, isso a melhor amiga já


sabia antes mesmo de ver o copo espatifar-se no chão, por sorte não foi a
travessa com o jantar. Mas parece que a beleza do namorado era tão
magnífica em toda sua plenitude que acabou deixando a mulher sem
palavras. Verônica ficou congelada provavelmente suspirando e morrendo de
inveja, Victor Hugo era mesmo um pedaço de mau caminho e tinha que ter
muito talento e sorte para conseguir agarrá-lo.
_ Olá, sou Victor Hugo. Muito Prazer. _ O homem toma uma atitude
aproximando-se de Verônica e saudando-a com dois beijinhos no rosto.
_ Prazer, sou Verônica _ sorri educadamente. _ Seja bem vindo a nossa
casa. Fica à vontade _ diz convidando-o para se sentar no sofá enquanto
Aurora encosta a porta.
Verônica agacha perto do copo quebrado e recolhe os pedaços maiores
para que ninguém se fira.
_ Depois eu varro os caquinhos _ avisa a morena.
_ Isso mesmo, amor. Fica à vontade, o nosso jantar já está saindo _
avisa sentando-se no meio deles no sofá _ Preparei um caneloni de frango
pra gente que está no forno, espero que goste.
_ Tenho certeza que vou adorar, tudo que tem seu toque fica mais
especial.
Verônica olha para ele com um olhar misterioso e incompreensível,
espero que não seja inveja, porque o namorado é meu, só meu! Tá
repreendido!
_ Trouxe uma lembrancinha pra vocês _ informa estendendo-lhes os
respectivos embrulhos, ainda parecia estar com vergonha pois seu semblante
estava pálido.
_ Eu disse que não precisava se importar, querido.
Verônica desembrulha o papel do seu presente mais rápido que um
garotinho de cinco anos que rasga todo o embrulho enquanto Aurora vai
retirando os pedacinhos de durex delicadamente para reutilizar a embalagem
num momento posterior. Esta é a mais delicada das duas, e olha
grosseiramente para a amiga que parece um tiranossauro rex picotando tudo.
Seus olhos saltam da órbita ocular quando se depara com um dos
presentes mais lindos e fofos que já havia recebido em toda sua vida. Uma
caixinha de música vinho em formato de um coração, que na parte de baixo
comportava duas gavetinhas para joias e em cima, quando levantava o
tampão, uma pequenina bailarina surgia e começava a dançar num fundo de
vinho com algo por baixo que rodava parece aqueles lances de hipnose,
porém o mais romântico era que junto com a dança tocava uma música e não
era qualquer música, era “Thinking out loud” de Ed Sheeran. Que isso
Brasil, quer me fazer chorar, fala! Merda, não posso chorar senão vai
borrar a maquiagem que eu fiquei duas horas pra fazer, deixa pra chorar
depois, Aurora!
Comovida, Aurora salta sobre os braços de Victor Hugo dando um
susto no homem pela reação imprevisível da garota, lança-se aos beijos nem
se importando com a presença da melhor amiga ali, mas o homem fica um
pouco acanhado que não retribui os beijos com a mesma intensidade, mas
parece gostar da atitude.
Verônica observa os dois inerte, com aquele típico olhar de quem está
segurando uma vela de sete dias e incomodada com a situação, mas por
dentro provavelmente está feliz em poder compartilhar da felicidade da irmã
do coração. Aurora contém-se em seus amassos e retorna para seu lugar no
sofá ao lado do homem e não no colo dele. Verônica continua observando
seu presente, se não ficou muito satisfeita com o gracejo, soube disfarçar
muito bem com aquele sorrisinho falso que a amiga reconhecia de longe. Ela
tinha ganhado um vidro estranho para fazer anotações, até que era
bonitinho.
Os três ficam sentados sem ter o que dizer, morrendo de vergonha um
do outro. Parecia dois adolescentes tímidos colocados à prova numa
experiência científica para ver se teriam alguma capacidade de se
comunicar, mas ninguém puxava assunto. Qual foi, Verônica!? Se tem uma
coisa que você não é, é tímida! As amigas se entreolharam e Aurora lhe
observa no fundo da alma, para bom entendedor, meia palavra basta! E pra
boas melhores amigas, meio olhar também já basta!
_ Então Victor, minha amiga falou muito bem de você. Disse que você é
um profissional muito bem sucedido também, com o que você trabalha?
_ Bondade dela, ainda não consegui atingir o êxito que desejo na
empresa, mas minha maior ambição é me tornar o mais CEO que aquela
companhia já viu. Mas tenho profissionais muito dedicados e competentes,
não tenho nada a reclamar da minha secretária, do meu assistente, da
recepcionista... Trabalho numa empresa de telefonia.
_ Igual Verônica _ intromete-se Aurora _ Mas hoje em dia o que mais
tem é companhia oferendo plano de celular, me ligam direto querendo falar
com Aurora Maria dos Santos Oliveira. Falo que ela faleceu.
Os três riem, só assim pra quebrar aquele clima de velório que tomava
conta da sala.
_ O engraçado é que o patrão dela também se chama Victor Hugo.
_ Bonito nome _ elogia o dono, arrancando risadas de Aurora, enquanto
Verônica permanece calada.
_ Estou muito feliz em você finalmente poder vir na minha casa, quatro
meses de namoro já estava mais do que na hora. E é preciso passar pela
navalha de dona Verônica, somos quase irmãs e ela tem que dar a aprovação
_ diz rindo.
_ Quem decide com que você namora é você. _ Verônica olha pro
homem e lhe dá outro sorriso forçado.
_ Ela avalia meus namorados e eu avalio os delas, o último foi o
melhor que ela arranjou até agora, eu vou parar neste _ fala enroscando um
de seus braços no ombro de sua propriedade.
_ Ah, você tem namorado? _ Victor indaga a ela. Tá querendo saber
por quê? _ Podia tê-lo convidado pra jantar com a gente _ justifica. A tá.
_ Mentira! _ rosna como um animal selvagem e depois percebe o
descontrole em suas emoções, dá uma tossida e retoma o assunto com uma
voz mais calma. _ Quer dizer, eu não tenho nenhum namorado, Aurora que
adora fazer piadas.
_ É, ela tem apenas um rolo com nosso vizinho.
_ Aurora! _ esbraveja entredentes morrendo de vergonha.
Sua face está rubra e pelo visto, seu maior desejo naquele momento era
ser um avestruz para enfiar a cabeça no chão, tamanha foi sua vergonha que
até um chão de cimento seria capaz de perfurar.
_ Desculpa, estou expondo demais minha melhor amiga. A vida
particular de cada um não deve ser nosso tema em pauta _ Aurora parece
estar provocando, mas não tinha nenhuma tendência maliciosa em suas
palavras, ou pela menos aquela não era a sua intenção. _ Bem, vou dar uma
olhadinha no nosso caneloni pra não queimar.
Ela se levanta do sofá e Verônica lhe olha daquele jeito que entende
bem, a amiga não estava nada feliz com os comentários inoportunos que a
outra havia feito. Aurora resolve se conter a partir de agora e não falar nada
que invadisse a particularidade de ninguém, não precisava expor na mesa
assuntos impertinentes ao debate, poderia falar de questões sociais, política,
religião ou vida profissional. Qualquer coisa que não atingisse diretamente
um ser específico.
Caminha até a cozinha enquanto os dois ficam na sala conversando
qualquer assunto profissional a respeito de empresas de telefonia que Aurora
não entendia nada. Só entendia de como domar capetas em uma sala de aula,
entendia de livros também. O cheiro da comida por si só já está delicioso,
imagina então o sabor. Só de olhar o queijo derretido com orégano já
deixava qualquer um salivando. O executivo tinha dado muita sorte de
arranjar uma mulher prendada: lava, passa e cozinha. Acontece que eu não
sou sua empregada, meu amor. Quando casarmos quero ter no mínimo uma
faxineira, uma cozinheira, um lacaio pra me abanar e um alguém pra me
dar uvas na boca. Espeta um garfo e constata que a refeição já estava no
ponto ideal.
Retorna para a sala de supetão e os dois pareciam estar brigando:
_ Tão debatendo o que aí hein!?
_ Erh... Nada! Estávamos debatendo sobre questões políticas, mas claro
que não vamos deixar isso abalar nossa noite.
_ Ah, é verdade! Futebol e religião cada um tem o seu e eu não me meto
nisso.
_ O jantar já está pronto? _ indaga Verônica, como se tentasse fugir do
assunto.
_ Está, madame. Podemos ir para a mesa.
Dá a mão esquerda ao seu namorado e arrasta-o até a mesa do jantar.
Está tudo muito bem arrumado, uma toalha branca de crochê que tinha
ganhado da mãe quando se mudara, um vidro brilhando de tanto produto de
limpeza que havia esfregado. A mesa é de quatro lugares e cada um senta-se
numa lateral.
_ Ia pedir Verônica para pegar a travessa no fogo, mas como sei que ela
é desastrada, pode me ajudar, amor!? _ estende-lhe os olhos piedosos e uma
toalha de prato nova daquelas que se compra na Alfândega e vem até com um
versículo escrito.
_ Claro! _ dispôs.
_ Cuidado que está quente _ avisa quando o homem se aproxima do
forno e é capaz de jurar que ouviu o estômago de Verônica roncar. Mal-
educada! Também, as pessoas não têm controle sobre suas reações
estomacais.
Victor Hugo leva a travessa para a mesa com muito cuidado, era visível
a fumacinha que saída da massa declarando sua quentura. O namorado e a
melhor amiga se entreolharam de maneira tensa, estranho, mas possivelmente
era um aviso de “cuida bem dela, você não vai conhecer alguém melhor
que ela”, e tal pensamento dá uma ótima ideia pra Aurora.
_ Gente, vou ligar uma música baixinha no computador, posso?
_ Sim _ declaram em uníssono.
Ela se retira da cozinha e vai até seu quarto retornando com o laptop,
vai até a sala, deixa tocando uma música ambiente, e quando retorna à
cozinha os dois ainda estão conversando baixinho.
_ O que vocês tanto fofocam hein!? _ brinca.
_ Acontece que não somos escandalosos que nem você, a gente fala
baixo, não precisamos ficar gritando _ responde Verônica alterando a voz
para pronunciar a última expressão aos gritos.
_ Hum... _ reflete _ Já podemos comer.
Senta-se ao lado do namorado e coloca a mão discretamente sobre a
perna dele e o olha nos olhos.
_ Te amo _ sussurra aproximando seu lábios dos dele e dando um
delicado selinho.
_ Eu também _ ele devolve o sussurro em seus lábios.
Aurora se iludia tão fácil com homens. Apaixonava-se perante qualquer
oi mais romântico. Alheia ao momento de amor, Verônica toma as rédeas, vai
logo cortando a lasanha e toda atrapalhada arrasta um pedaço para seu prato,
deveria ter deixado a visita se servir primeiro, mas ele não parecia estar
com tanta fome, e ela estava cansada do trabalho e doida pra comer. Amor
não alimenta ninguém!
_ Era pra visita ter se servido primeiro, né Verônica? Você é uma
péssima anfitriã _ debocha.
_ Ué, eu estava com fome e vocês estavam aí se beijando, não quis
atrapalhar o momento único do casal _ defende-se num tom autoritário como
se fosse uma advogada formada e com anos de experiência no ramo.
Melhores amigas têm um lance chamado telepatia. Elas não precisam de
palavras, nem gestos e muito menos atitudes para explicar alguma coisa.
Basta um olhar, era inevitável e uma tentava fugir dos olhos cortantes da
outra. Não iam brigar agora na frente do visitante.
_ Tudo bem, amiga! _ não está nada bem amiga, vou dar na sua cara
quando ele sair por aquela porta _ Está gostoso?
_ Tá ótimo! _ diz tomando um gole do refrigerante e fazendo barulho
que nem uma pobre que não tem o mínimo de etiqueta e decência para fazer
uma refeição na presença de desconhecidos porque passa vergonha. Uma
porca à mesa do jantar!
Victor Hugo serve seu prato com um caneloni e uma pequena colher de
arroz para acompanhar depois Aurora faz o mesmo, usando de toda sua
delicadeza e educação para se portar à mesa. Os dois se entreolham e dão
um sorriso apaixonado. O arroz era cheio de firulas, tinha milho, ervilha, uva
passa, entre outros.
Comem num incrível silêncio deixando a música ocupar o espaço,
esporadicamente o homem faz alguns comentários e elogios à organização da
casa, à comida e valoriza a amizade das duas. Verônica também vai se
soltando aos poucos, mas parece meio rude e com garras prestes a atacar
alguém. Victor Hugo provavelmente estava pensando que aquele era um
daqueles dias da mulher.
O jantar realmente estava uma delícia. Aurora tinha um tempero de
deixar a tia Anastácia do Sitio do Picapau Amarelo com inveja, havia
aprendido aquele prato com a mãe enquanto esta ainda era viva, sua mãe era
ótima na cozinha e em tudo que fazia. Foi uma perda e tanto quando a mulher
partira para o céu.
_ É uma receita da minha mãe.
_ Delícia! _ disse olhando para a moça que não soube se o elogio era
para o prato ou para ela.
_ De fato, ficou muito bom. _ Verônica está com mania de falar “de
fato”.
A campainha toca, interrompendo a conversa descontraída dos três e
como Verônica não entendeu que aquela era uma deixa pra ir atender a porta,
Aurora acaba indo ela mesma, insatisfeita. Verônica não serve nem pra
abrir uma porta!
Caminha a passos pesados e tensos até a porta e abre num puxão
revoltado, sem nem olhar no olho mágico que era a criatura. Dá de cara com
uma senhora com o cabelo igual o da Hebe, a finada.
_ Dona Heloísa! _ cumprimenta com um sorrisinho forçado.
_ Dona é a senhora sua mãe, eu sou só Heloísa. Já falei pra não me
chamar assim senão os outros vão pensar que eu sou velha _ repreende a
pobre garota.
_ Nem vou chamá-la para entrar porque não poderei lhe dar muita
atenção. Estou recebendo uma visita.
_ Ah, desculpa _ sussurra _ Sabe o que é!? É que eu estou tentando
enviar um nude pra um cara no Whatsapp e não consigo, queria sua ajuda _
continua a falar baixinho e Aurora tem que se segurar o máximo possível
para não dar uma gargalhada.
_ Nude!?
_ Você não sabe o que é não!? _ espanta-se Heloísa, ela dá uma olhada
rápida para os dois cantos do corredor e depois coloca a mão no canto da
boca como se tivesse contando um segredo _ É foto pelada. Queria mandar
uma minha, mas só estou mostrando um pouco dos meus peitos _ caídos, por
sinal.
_ Dora está sabendo disso?! _ questiona.
_ Claro que não, e nem vai saber. Ia pedir Verônica para me ajudar, até
mandei um áudio pra ela, mas só visualizou e não respondeu.
_ Eu estava ocupada trabalhando _ ouve-se um grito agudo vindo da
cozinha.
_ Desculpe, Heloísa. Mas não posso compactuar com isso, Dora vai
brigar comigo se souber que te ajudei nessa empreitada.
_ Ah, vou me virar sozinha então. E não conta nada pra Dora nem pra
Igor, senão nunca mais sou sua amiga. E se Verônica ousar falar alguma coisa
pro meu filho, não vai rolar mais beijo nenhum, nem beijo nem nada _ grita
para que a amiga no interior da residência possa ouvi-la.
Como que ela sabe que os dois ficaram na festa? Esses velhinhos
parecem que não sabem de nada, mas eles têm mil vezes mais esperteza do
que a gente. Também, são quase filhos do século passado, são a voz da
experiência.
_ Não se preocupe, não vou contar seu segredo _ garante Aurora.
_ Ok, obrigada. Comportem-se hein, estou de olho em vocês duas, são
quase minhas filhas. Tchau!
_ Pode deixar Helô, beijos _ encosta a porta e respira aliviada.
Era só o que faltava. Uma senhora idosa se dando ao desfrute de trocar
fotos pelada na internet com um desconhecido, o pudor não conhece mesmo
os limites. Aurora retorna para a mesa onde encontra os dois morrendo de rir
da situação e ela acaba se despejando no riso também. Os três se sentiam
leves e até que a piada dona Heloísa tinha servido para descontrair o clima.
_ Esse pessoal da terceira idade está se superando a cada dia _
comenta o homem.
_ Não é!? Vê se pode, quer até me ensinar vocabulário virtual.
_ Ah, isso você está mesmo precisando. Adora se prender ao português
protocolar cheio de regrinhas. Odeio gente que fica corrigindo minhas
palavras erradas. Só porque eu misturo singular e plural fica me culpando
como se fosse um pecado imperdoável ou um crime inafiançável.
_ Claro, você fala os menino, as criança... Não tem como não deixar
passar. Eu me esforço pra segurar. Pareço boazinha, mas vou corrigindo
todos os seus erros de português mentalmente.
_ E eu vou dando alguns tapas mentalmente nessa sua cara.
_ Calmem, meninas! _ Victor Hugo tenta apartar a situação, mas mal
sabe que as duas sempre foram assim que nem gato e rato, brigam no mínimo
umas três vezes ao dia, porém se amam. _ Os ânimos aqui estão muito à flor
da pele.
_ Fica tranquilo que aqui em casa é sempre assim _ avisa a anfitriã. _
Quer mais refrigerante?
_ Não, amor. Obrigado! Não tenho costume de beber refrigerante, sou
mais adepto aos sucos já que é mais saudável.
_ Quer suco? Tem na geladeira?
_ Não, estou bem assim. Tomo refrigerante também, porém não com
tanta frequência _ explica-se.
_ Tá vendo, Verônica!? Devia aprender com meu namorado, você fica
comprando várias coisas calóricas cá pra casa e eu acabo comendo também.
Não quero ficar gorda.
_ Não quer então não come. É até melhor assim. Às vezes eu coloco um
pedaço de pudim na geladeira e quando vou ver ele já está foragido. Nunca
mais acho.
_ Minha mãe sempre disse um ditado muito certo: “Quem guarda com
fome, o cachorro vem e come”.
_ No seu caso, a cachorra né?
_ Garotas, parem com isso _ a voz de Victor Hugo era de
constrangimento. Coitado! Olha o que você está fazendo, Verônica!
_ Desculpe. Aurora estava me contando que você tem uma mãe doente,
não é mesmo!? O que ela tem?
_ Ela tem problema de coluna, nos rins e algumas outras pequenas
complicações que vão surgindo com a idade.
_ Ah sim.
_ Pelo visto, Aurora deu minha biografia completa _ ri.
_ Não tão completa _ solta e o comentário fica no ar.
_ Então, alguém quer comer mais ou posso trazer a sobremesa? _
indaga a professora de Literatura, quase retirando o prato do namorado sem
antes perguntá-lo.
Com o sinal negativo balançando as cabeças de um lado para o outro,
dessa vez Verônica cai na real e resolve ajudar numa parte, levanta da mesa,
recolhe os pratos e tira a travessa que agora já está fria levando-a de volta
ao forno. Vai até a geladeira buscar a sobremesa enquanto o casal
apaixonado dá mais um leve selinho, deve ser estranho beijar logo depois de
comer. Deve não, é!
Retorna à mesa com a sobremesa: pavê de maria mole. A escolha da
receita tinha sido uma homenagem à história de um livro em que tinha um
casal apelidado desta forma.
_ Não sou tão fã de doces, mas este aí não tem como recusar.
_ Gente, que homem é esse que eu arranjei!? É o namorado mais
saudável do mundo.
_ Só faço um esforço para manter o corpo. _ E que corpo hein! Um
caminho para a perdição.
_ Pode comer. O doce não engorda não _ diz Verônica _ Quem engorda
é você! _ e ri como uma louca metódica.
Depois de pegar as tigelas e servir um pedaço para cada um, Verônica
senta-se em sua cadeira, delicada como uma dama e finalmente sossega não
fazendo mais nenhum comentário. Ela está estranha, talvez seja a presença
do homem bonito que a deixara daquela forma, arisca.
Cada um come sua fatia do doce e até repetem, depois Verônica recolhe
a louça para a pia e diz que precisaria fazer uma ligação e resolve se
recolher no quarto. Óbvio que aquilo era uma desculpa para deixar o casal
sozinho na sala e à vontade.
Aurora dá a mão ao seu namorado e voltam juntos para o sofá, senta ao
lado dele e começa a sessão de beijos. A mão dele segura no cabelo dela
enquanto a outra rodava em sua cintura envolvendo a mulher. Ser possuída
por aquela boca era a melhor diversão da noite, acalmava e relaxava.
Diziam que ler um livro era uma viagem, mas beijar daquela maneira era
uma viagem melhor ainda, para o paraíso.
De olhos fechados, sentia o hálito fresco de Victor passeando pela sua
pele, depois que deixa a boca dela começa a descer pelo pescoço dando
leves mordidinhas em seu ombro. Ela abre os olhos e desta vez ele a olhava.
Parecia bom manter o contato físico e corporal ao mesmo tempo. A mão do
homem desce até sua coxa e seu rosto é tomado por um sorriso perverso.
Nunca tinha visto o homem daquela forma, ele está intenso, frenético,
provocante e desejado. Esse é o resumo que passava por sobre seus olhos e
sua boca quando invadia a dela novamente com a língua, puxado seu lábio e
distribuindo mordidas. Será que existia no mundo algum homem tão bom
em beijos e outras coisas mais como Victor Hugo?
_ Você é uma delícia _ resmunga nos ouvidos da namorada.
_ Meu homem _ sussurra dando uma mordidinha debaixo da boca do
rapaz, em seu queixo.
_ Seu homem...
Os beijos retornam num ritmo frenético e quando Aurora se dá conta,
Verônica está escondida atrás de uma pilastra ao lado da porta observando
tudo que acontece entre os dois. Quando constata que a beijoqueira tinha
notado sua presença retira-se para outro lugar.
Apaixonada, está completamente perdida no amor daquele homem que
desperta desejos que esta nem conhecia. Seus corpos estão cada vez mais
próximos, suas respirações cada vez mais entrecortadas e seus corações
cada vez mais insensatos.
_ Vamos pro quarto?
_ Sim _ suspira e em dois tempos já estão dentro do cômodo, se
beijando alucinadamente.
Victor Hugo parecia um pouco tenso no início, bem provavelmente em
virtude da Verônica também estar na casa. É estranho transar sabendo que
tem alguém no cômodo do lado sabendo que você está transando, mas a boca
de Aurora o fez rapidamente esquecer aquele pensamento.
Aurora era perspicaz, sabia como conquistar a atenção de um homem, e
depois de deixá-lo nu, começou sua lenta atividade de retirar peça por peça
do seu corpo, expondo aos poucos sua pele nua. Conquistava os olhares
atentos dele a cada pedaço de pano que ia caindo no chão e acompanhá-lo
enlouquecer pouco a pouco de tesão era surreal de bom.
O olhar de Victor Hugo para ela parecia uma fera. Um leão louco para
devorar a gazela. Ela tira a calcinha como ato final de sua striptease e pula
sobre ele, surpreendendo-o com sua voracidade. Encaixa o pênis dele em
sua boceta molhada e vai relaxando, enquanto o homem suspira, preso nos
lábios dela e segurando seus cabelos por trás. Estava louca para quicar em
cima dele e aproveitar o máximo possível aquele homem forte e viril que
dava tapas em sua bunda deixando-a vermelha. Ele tinha uma mão tão forte,
e cada tapa ia acompanhado de uma estocada voraz.
A respiração começa a ficar mais intensa e ele a come nas diversas
posições possíveis, colocando-a de quatro e depois de ladinho para sentir o
vai e vem do seu pênis dentro dela. Os gemidos dela eram fracos e
constantes como se tentasse buscar forças de outro planeta para aguentar
aquela tora dentro de si, mas queria mais e muito mais. Clamava para que
não parasse nem tão cedo, até que depois de muitas metidas, ele goza
fartamente dentro dela e só então conseguem relaxar da tensão.
☐¥☐
Ontem tinha sido um dos dias mais deliciosos da vida de Aurora, por
mais que Victor tivera que ir embora antes mesmo da meia noite. Por mais
que quisesse ficar e dormir com ela não podia, disse que hoje precisava
acordar cedo. Deveria ir para casa que era bem próxima ao trabalho, se
dormisse ali iria pegar um trânsito terrível para chegar a empresa. Aurora
entende e lamenta vê-lo partir depois de uma noite linda.
Pela primeira vez em um mês de trabalho, a melhor amiga tinha ganhado
um prêmio: folga. Dois dias, pois domingo ninguém trabalhava. Ultimamente
elas passavam pouco tempo juntas e aquele seria um momento para ficar em
família e curtir, relaxar.
Verônica acorda com uma cara terrivelmente amarrotada e uma
maquiagem destruída, caminha até a mesa do café rastejando que mais
parecia um zumbi, uma morta-viva ou simplesmente alguém que ainda não
havia despertado. Aurora já havia levantado da cama faz tempo, preparado o
café e cantarolado versos românticos de Vinícius de Moraes. Gente bem
fodida tem uma alegria contagiante.
_ Bom dia, amiga! _ saúda com uma euforia de outro mundo. _ Dormiu
bem?
_ Dormi mal e acordei pior! _ rosna. _Mas e você? Pelo visto a noite
foi boa.
_ Foi ótima, mas não se anime pois foi embora ontem mesmo. Disse que
hoje cedo pegaria muito trânsito.
_ Hum...
_ Victor Hugo é um doce né, ele disse que você foi muito simpática em
recebê-lo, apesar de eu não ter concordado. Ele é educado, não reclamaria
de você comigo.
_ Claro, não tem nada para reclamar de mim _ informa partindo um pão
ao meio com as mãos e alimentando-se de uma metade. _ Achei-o muito
esnobe.
_ Você nem sabe o significado dessa palavra.
_ Sei sim, e ela se encaixa perfeitamente na descrição do tipo dele. Se
acha que o homem é merecedor do seu amor, nada posso fazer para impedir.
Mas que tem cara de cafajeste, isso tem.
_ Você está querendo insinuar que só porque é bonito não pode ser de
uma mulher só. Está duvidando da minha capacidade de seduzir um bom
partido? _ Aurora senta-se também à mesa comendo metade de um mamão
com a mesma colher que usou pra mexer o café.
_ Não estou duvidando das suas capacidades de persuasão, mas sei
reconhecer um homem pelo olhar de águia.
_ Você está é com inveja. Meu namorado é lindo!
_ É, até que ele bonitinho _ desdenha.
_ Quem desdenha quer comprar hein... _ disse terminando de comer o
mamão e levantando-se da mesa em direção ao banheiro.
Depois de escovar os dentes, retorna para a sala recolhendo seu
material escolar escondido numa gaveta do armário. Precisava ver seu
cronograma de provas, ainda tinha que preparar algumas avaliações para
enviar ao coordenador chato de um dos colégios em que trabalhava. Aurora
sempre foi muito organizada, tinha até um calendário em que acompanhava
seu ciclo menstrual.
_ Ihhh... Minha menstruação não veio. Está atrasada há dois dias, nem
tinha percebido. Daqui a pouco vem, meu ciclo é completamente irregular _
consente, abrindo a agenda e concluindo que tinha uma prova a preparar para
daqui a duas semanas.
Revira os olhos só de lembrar para qual turma que era, um dos
primeiros anos mais terríveis de todas as escolas. Aquela turma parecia
enviada pelo capeta apenas para atormentá-la, ainda estava trabalhando Os
Lusíadas, de Camões, mas ninguém dava a mínima para o clássico. Vou
ferrar essas pragas, também! Aurora não era uma professora boazinha.
Fica ali por uns quarenta minutos elaborando questões e anotando numa
folha avulsa para depois digitá-la, enquanto isso a melhor amiga tirava a
cutícula da unha do pé na mesa do café mesmo, causando certa repulsa. Mas
a outra já estava acostumada com a ausência de boas-maneiras naquela
residência, infelizmente.
Termina de preparar a prova e respira aliviada, mas o sorriso logo
desaparece do rosto quando recorda que ainda havia uma pilha de provas
para corrigir e os alunos já estavam até mandando mensagens para ela no
Facebook lembrando-a das provas pra corrigir. Acredita que um infeliz viu
uma foto minha na piscina e ainda comentou que eu deveria estar em casa
corrigindo prova!
Finalmente teve uma ideia esplêndida para aproveitar melhor aquele
sábado. Que tal ir à praia? Tinha tempos que as duas não davam um passeio
pra observar o desfile de corpos sarados na areia. Dizem que água com
açúcar acalma, mas é mesmo a água com sal que relaxa, precisavam de um
banho de mar.
_ Vê, vamos à praia? _ convida.
_ Não posso, tenho que descansar minha pele.
_ Quando morrer você vai ter toda a eternidade pra descansar essa
pele. Tem muito tempo que a gente não sai juntas, amiguinha! _ diz correndo
em direção a ela e lhe fazendo cócegas.
As duas disparam a rir e caem na brincadeira como se fossem crianças
de três anos, pelo visto as brigas da noite anterior já tinham sido esquecidas
e voltaram aos mil amores.
_ A gente pode chamar o Oswaldo? _ pede a prima dele.
_ Ai, Oswaldo é muito chato!
_ Ele tem carro, não quero ir de ônibus pra praia que nem uma farofeira
carregando cadeira, bolsa, canga, baldinho...
_ Você vai levar baldinho, Verônica? _ Aurora controla sua vontade de
rir.
_ Claro! Depois que eu sair da areia e chegar no calçadão, quero lavar
meu pé. Aí eu carrego um balde d’água pra me limpar.
_ Verônica, ninguém precisa saber que você é pobre.
_ Fica me ofendendo que não vou à praia nem te levo de carro _
chantageia.
_ Nem me leva de carro!? O carro nem seu é, se toca! E chamar de
pobre agora é alguma ofensa!? Só estou falando a verdade. Liga logo pro
Oswaldo antes que eu mude de ideia. Vou convidar Dora também.
Enquanto uma telefona para o primo a outra telefona para a vizinha,
seria mil vezes mais prático sair de casa e bater na porta da frente, mas
corria o risco de ser atendida por dona Heloísa e ressuscitar toda aquela
história da noite anterior das fotos no Whatsapp.
Oswaldo aceita de imediato o convite e disse que em meia hora estaria
na residência das garotas. Claro, esse não tem nada pra fazer! Elas
começam a correr para trocar o biquíni. Verônica reclama dos pelos de sua
perna, mas ainda estavam bem curtinhos e ninguém a associaria nenhum
lobisomem, Aurora havia conseguido falar com Dora que também tinha
confirmado presença no evento na praia. Iriam os quatro para um banho de
mar.
Até pensaram em convidar Igor, mas a peguete dele não quis. Disse que
se sentiria um pouco envergonhada em ficar seminua perto dele, mas na
verdade aquilo seria até uma maneira sensual de provocá-lo um pouco mais
e despertar o calor do homem, Vê ainda parecia incomodada com alguma
coisa, desde o jantar.
Coloca um biquíni vermelho na parte de cima e preto em baixo que
valorizava o contorno do corpo de Aurora dando destaque as suas curvas,
por mais que fosse baixinha era pura beleza de uma mulher contida em tão
pequeno espaço. Passa seu protetor solar pelo rosto, pois tinha a pele muito
branca e espalha o produto pelo resto do corpo, sempre que ia à praia
precisando tomar banho de protetor senão voltava pra casa parecendo um
camarão e mal conseguia dormir. A sorte de Verônica é que era mais morena
e quando pega sol ganha aquela maravilhosa marquinha na pele.
_ Estou pronta _ informa quando Verônica ainda nem havia escolhido o
que usar _ Vou preparando um lanchinho pra gente levar _ avisa caminhando
para a cozinha.
Recolhe várias frutas que encontra na fruteira e alguns biscoitos
recheados no armário, coloca tudo numa bolsa térmica da vaquinha.
_ Não vai levar nenhum frango com farofa não hein, favelada!
_ Favelada é a sua avó! _ rebate Aurora _ Eu sou moça fina.
_ Aurora é um biscoito fino _ riram relembrando uma novela da TV por
qual as duas tinham predileção. Eram viciadas em novela, por mais que não
assistam assiduamente. _ O que você acha, vou com esse ou com o outro?
Verônica estende dois de seus biquínis para que a melhor amiga auxilie-
a na escolha, os dois são bonitos e chamativos. O primeiro é amarelo
fluorescente com um retorcido entre os dois bojos, meio trançado com a
calcinha preta, o segundo é rosa de redinha, mais humilde. Mas ela não era
alguém muito chegada em peças humildes, então com a concordância da
outra aceitou de bom grado o apoio e incentivo para o uso da primeira.
Pacientemente, senta-se no sofá e começa a mexer no celular enquanto a
amiga ainda termina de se trocar. Manda mensagens para a vizinha que
informa já está preparada também, disse que quando fossem sair era pra
passar na casa dela e chamá-la. Aproveitou para mandar alguns emoticons
de coraçãozinho para o namorado, vigia também o status dele que continuava
inalterado a um bom tempo e vê a última visualização que tinha sido efetuada
às 6:54h da manhã. Tava vendo mensagem de quem às 6:54h!? Aurora
estava fazendo o máximo possível de esforço para não ser uma namorada
ciumenta e se controlar, mas não obtivera tanto êxito neste projeto.
O interfone toca e era o chato/enjoado/insuportável do Oswaldo,
avisando que tinha chegado e ainda foi capaz de fazer uma piadinha
totalmente sem graça da qual Aurora foi obrigada a rir e me recuso a
reproduzir aqui. A prima ainda está trocando sua roupa e finalmente termina
em dez minutos. Carregam a bolsa e as cadeiras, enquanto uma delas vai à
vizinha e chama-a.
Descem as três conversando assuntos de menininha e rindo animadas
com o passeio na orla. Dora então era fã da maresia, ela sempre dizia que os
homens sarados que desfilavam ao por do sol eram quase uma pintura de
Debret de tão magníficos que eram, uma beleza surreal.
O carro do homem está estacionado a poucos metros da entrada do
prédio e Verônica corre os olhos primeiro para o veículo para depois notar o
primo. Aurora fica reparando os trapos no qual o homem está vestido,
depois continua solteiro pelo resto da vida e não sabe porquê! Vestia-se
como um mendigo, com uma bermuda preta e uma camisa florida bem maior
que seu corpo, de uma cor forte e chamativa, mas chamativa do tipo ruim,
cafona. Se tinha uma palavra para defini-lo era esta: ca-fo-na! E a
sandalinha então? Sem comentários.
_ Prima! _ Oswaldo e Verônica se abraçam.
_ E aí, primo!? Espero que tenha se recuperado da festa _ Aurora não
segura uma risadinha tola.
_ Ah, estou ferrado ainda. Estou tendo que vender minha alma para
pagar aquele advogado que Aurora me arrumou.
_ Está reclamando do advogado!? _ ela se sente ofendida e estufa o
peito _ da próxima eu te deixo preso.
_ Brincadeirinha, Aurora querida. Vem cá me dá um abraço!
Não estou disposta! Mas acabam se abraçando, mesmo que de uma
maneira tímida e desajeitada. Depois Dora também o cumprimenta com um
aperto de mão e os quatro entram no carro.
No trajeto até a praia, Aurora tem vontade de se desintegrar pelos ares
todas as vezes que aquele infeliz dava-lhe uma cantada, pelo visto não
desistia, mesmo sabendo que não teria nenhuma chance. O caminho demora
cerca de vinte minutos, mas já estava sendo uma tortura de um século
permanecer no mesmo veículo que um completo imbecil, o mais
incompetente possível na arte da sedução.
Quando chegam à praia, todos vão logo se despindo e expondo suas
belezas ao sol, salva as exceções. Algumas pessoas simplesmente não têm
senso de ridículo, essa foi a conclusão a qual Aurora chega quando vê uma
enorme pança de fora espantando qualquer um, se ele entrasse na água, as
criancinhas sairiam correndo pensando que era um hipopótamo revoltado
nadando.
As três montam as cadeiras e estendem as cangas, expondo as bundas
pra pegar um bronze. Dora coloca os óculos de sol e fica na cadeira, era fã
daquele artifício de poder observar demoradamente todo mundo por baixo
das lentes sem ninguém ter certeza de que era alvo de suas observações.
Oswaldo resolve retornar para seu habitat natural que é o mar.
_ Adoro passar as tardes com vocês, já que nunca saio. Nunca tem
ninguém pra curtir um sábado à noite _ lamenta indo em direção à água.
Dora espera alguns minutos até fazer seu maldoso comentário.
_ Divônica, desculpa comentar, mas seu primo virou uma ofensa ao
nossos olhos _ desabafa.
_ Pode comentar porque isso é a mais pura verdade _ concorda
mudando de posição na areia e revirando os olhos logo que vê o primo
hipopótamo.
_ Sinceramente, que roupa foi aquela que ele estava usando? Não sei
dizer se o prefiro com camisa ou sem. Odeio as duas imagens _ e ri, Aurora
era maldosa.
As três começam a cantar em coro a música que tinham criado para o
primo de Verônica: “Um Oswaldo incomoda muita gente. Dois Oswaldos
incomodam muito mais. Três Oswaldos incomodam incomodam incomodam
muito mais...”
O sol está delicioso hoje. A praia não está tão lotada como se acontece
em alguns dias e a surpresa maior acontece em cinco segundos quando um
loirinho lindo e perfeitamente desenhado pelas mãos de Deus aproxima-se
das três. Aurora fica nervosa como se nunca tivesse sido desejada, não
gostaria de dar um fora no cara porque ele era uma delícia, mas ela era
comprometida.
_ Oi, gata! _ ele cumprimenta Dora.
Dora!? Não que a garota fosse feia, mas sempre que as três saíam
juntas, Aurora e Verônica recebiam a maioria das cantadas.
_ Oi _ ela levanta e dá um beijo na bochecha dele escorrendo pelo
canto e quase beijando-o na boca, pareciam conhecidos.
_ Tá lembrando de mim? _ o garoto tinha um sorriso meigo e carinhoso.
_ É claro, não teria como esquecer. Da festa do Oswaldo.
_ Sim sim _ agraciou-a com outro sorriso.
_ O aniversariante inclusive está lá na água _ aponta para o hipopótamo
e o loirinho vira para olhá-lo.
_ Pra falar verdade eu nem conhecia o aniversariante _ sussurra para
ela e acaba arrancando risadas das duas que estavam deitadas na canga.
_ Nem você nem oitenta por cento das pessoas que estavam naquela
casa. _ Aurora se intromete na conversa sem nem ser convidada, mas
continua imóvel na canga, com a bunda virada para cima.
O loiro continua rindo como se a única coisa que soubesse fazer na vida
fosse aquilo, mesmo se fosse a única coisa, seria a coisa mais linda do
mundo.
_ Eu só não lembro seu nome... _ confessa.
_ Dora. Também não lembro o seu _ talvez ela até lembrasse, mas
gostava de fazer a linha difícil, se você não lembra o meu também não vou
lembrar o seu. Não podia se mostrar muito... apegada.
_ Sou Nathan! _ apresenta-se novamente.
_ E aí Nathan, veio dar um mergulho?
Não! Veio estudar português. Às vezes eu vou à praia para estudar
português. Trago até meus caderninhos.
_ É, gosto de surfar, mas nada muito notável. Estou com uns amigos _
aponta para um grupo distante de pessoas descoladas e Aurora vira o rosto
para observar quem são as criaturas. Adoro pessoas descoladas! Tiro maior
onda perto delas, me sinto popular. Nossa, Aurora, que piada péssima!
Está aprendendo com Oswaldo.
_ Ah sim _ parece sem assunto mas doida pra conversar _ Eles estavam
na festa também?
_ Estavam.
_ Não vi ninguém naquela festa _ agora é a vez de Verônica se
intrometer, parecia até que estava dormindo, pois não havia se intrometido
ainda. A especialidade dela é se intrometer na conversa alheia
_ Claro, né! _ e revira os olhos para ela rindo de uma piada interna.
_ Também quero saber a piadinha _ salienta Dora olhando para as
amigas e ignorando o moço.
_ Estamos falando do seu irmão.
_ A tá, ele gostou de ficar com você, Verônica. Nem aceitou o convite
de uma garota pra sair hoje, preferiu ficar em casa com mamãe. Deve estar
pensando em você. _ volta sua atenção para o rapaz _ Você mora por aqui?
Um sorriso libertino invade o rosto de Verônica e mesmo com o rosto
virado para baixo, Aurora consegue perceber.
_ Há cinco minutos daqui, não sei se você conhece um condomínio
grande, com uma fachada verde e de frente pro mar _ Meu Deus, ele é rico.
Beeeem rico.
_ Ahn... Sei sim _ Dora parece fazer de conta que não está chocada com
o fato de um milionário dar em cima dela.
_ A gente podia se conhecer melhor... Sair hoje à noite, o que acha? _
convida, resgatando aquele sorriso incrível.
_ Eu... _ gagueja, sonsa! Tá só fazendo cena _ Acho ótimo. Pode me
buscar em casa.
_ Que horas te pego?
A noite toda se você quiser! Essa teria sido a resposta de Aurora se a
pergunta fosse a ela. Porém era comprometida e muito bem comprometida.
_ Às oito.
_ Me passa seu telefone _ pede.
A garota diz pausadamente os nove dígitos enquanto o surfista digita em
seu celular, depois lhe dispensa um sorriso.
_ Tá marcado então. Vou ali pegar um coco, quer um?
_ Sim _ mexe a cabeça em sinal afirmado.
_ A gente também quer _ diz Verônica aproveitando-se da riqueza do
garoto.
_ Ok, quatro então. Só quero ver como vou carregar.
_ Dora vai com você _ só faltou embrulhar um lacinho na amiga para
oferecê-la de presente ao surfista rico. Com amigas assim, quem precisa de
inimigo!?
Depois de fazer um olhar 43 para Nathan, retorna seus olhos vorazes
para as amigas, mas no fundo está feliz por conseguir mais uns minutinhos à
sós com o boy. Quando os dois atingem certa distância, Aurora puxa assunto
com a nunca-silenciosa Verônica que neste momento está silenciosa demais.
_ Tá triste, Vê?
_ Não! _ vira para a amiga _ Por quê?
_ Porque você está muito quieta e você não é dessas.
_ Acontece que estou tendo planos maravilhosos aqui na minha cabeça
_ dá um sorriso de vilã de novela.
_ Hum... E posso saber que planos são esses? _ indaga, curiosa.
_ Então, Dora vai sair com o cara logo à noite, Oswaldo está solteiro
da Silva querendo alguém para passar um sábado, dona Heloísa adora
marcar encontros com admiradores secretos, e seria uma pena se Igor ficar a
noite inteira sozinho em casa...
_ Verônica, você não está pensando em...
_ Sim _ interrompe a amiga _ Eu estou pensando exatamente nisso!
IX
Verônica

Quando chegaram em casa às três horas da tarde depois de terem


almoçado num restaurante bem aconchegante e razoavelmente caro, Verônica
estava radiante, rodopiando como uma princesa e cantando uma música
internacional. Só sabia o refrão, nunca fez curso de inglês e mal entendia o
verbo To be. Mas nada nem ninguém era capaz de roubar dela aquela infinita
felicidade que lhe consumia, sentia-se uma gênia da lâmpada.
Está tão empolgada que sai correndo pela casa recolhendo tudo quanto
era revista velha que encontra em seu caminho. Aurora fica analisando-a,
curiosa, mas Verônica queria que sua ideia fosse surpresa. No entanto, logo
que pega uma tesoura de ponta arredondada e sai recortando grandes letras
para compor uma frase, fica claro qual seria sua ideia genial. Sim, ela iria
mandar uma carta anônima para dona Heloísa marcando um encontro com
Oswaldo.
Para o primo havia dito simplesmente que lhe apresentaria uma amiga
super carinhosa e simpática, o homem ficou muito animado, mal sabia que
estaria sendo lançado na cova dos leões. Também, ele não quis saber se era
loira ou morena, nova ou velha... qualquer uma que fosse mulher já servia.
Espero que ele se vista decentemente para a noite!
Prepara uma misteriosa carta anônima repleta de letras desalinhadas e
de diferentes tamanhos dizendo: “Heloísa, já estou notando sua beleza faz
tempo, espero que me dê uma chance. Te encontro hoje às oito horas no
bar da esquina, estarei na mesa dos fundos. Seu admirador”. As duas
melhores amigas leram a carta com uma voz sensual e morrendo de rir da
confusão que estava armada para mais tarde.
Dora iria curtir os badalos de um sábado à noite na companhia do
riquíssimo e loiríssimo Nathan, dona Heloísa iria ter um encontro romântico
com priminho chatonildo e Igor ficaria sozinho, quietinho e tristinho em casa.
Preciso ir até lá para consolá-lo. Sábado à noite tudo pode acontecer.
Coloca a carta anônima num envelope vermelho da cor da paixão, vai
quietinha, como se fosse uma meliante, até a porta da vizinha e joga-a por
baixo. Precisa também fazer alguma coisa para que a senhora seja a primeira
a ver a carta, pois é bem possível que um dos filhos encontre o bilhete e
jogue fora, destruindo todo o plano infalível de Verônica.
Quando retorna para seu apartamento, implora a Aurora que ligue para
dona Heloísa convidando-a para vir na sua casa resolver os problemas que
tinha no Whatsapp.
_ Ah não, Verônica! Ela vai fica enchendo meu saco _ reclama.
_ Eu sempre faço tudo que você pede... _ chantageia. _ Se eu ligar vai
ficar muito na cara que estou querendo ajudar ela e eu nunca ajudo ninguém.
Você é a mais boazinha da nossa família.
_ Ai, Vê... _ fala com aquela voz de rebelde que só ela sabe usar _ O
que eu vou receber em troca?
Nada nessa casa é de graça, tudo é a base da chantagem. Tudo nessa
vida tem um preço.
_ O que você quer receber? _ se oferece de corpo e alma para agradar
a amiga e para que esta faça-lhe o favor.
_ Uma massagem nos pés.
_ Mas você tem muito chulé.
_ É pegar ou largar _ fez um olhar de soberana, do tipo não-preciso-
disso.
_ Tá bom _ aceita, depois de revirar os olhos.
Após acatar o pedido da moça, telefona para dona Heloísa e fala que
pode vir até sua residência para aprender a enviar fotos pelo Whatsapp,
assim ela precisaria passar pela porta e pegar a carta do admirador secreto.
Demora cerca de oito minutos até que a senhora dá três desesperadas batidas
na madeira.
Aurora atende-a com um sorriso radiante no rosto enquanto Verônica
está sentada no sofá trocando mensagens com o marrom bombom na internet.
Ela precisava de alguém que lhe fizesse esquecer o quão terrível tinha se
sentido logo que descobriu quem era o homem responsável por despertar
uma pontada de seu amor e tesão, maldito Victor Hugo cafajeste, cretino,
filho da mãe! Os pensamentos a respeito daquilo continuam a martelar em
sua cabeça sem ainda decidir ao certo qual atitude tomar na segunda-feira,
quando retornar ao trabalho. Com que cara iria olhar para ele?
Mas agora não deveria gastar seu tempo com preocupações, era hora de
pensar em maneiras de conquistar Igor já que aquele CEO nunca teria.
Precisava de Igor para colocar seus pensamentos no lugar e jogar seus
sentimentos todos pelo ar. Sabia muito bem que o vizinho gato era apenas um
cara para dar uns pegas de vez em quando, ele nunca iria querer um
relacionamento sério com ela e com ninguém. Era bicho solto no mundo, mas
era um bicho solto delicioso.
A vizinha vai entrando para a sala e sentando-se num dos sofás, ao lado
de Verônica que ri sozinha das piadas de Igor, tão bem humorado como
sempre. Os dois mantinham uma relação amigável e sempre conversavam,
até mesmo quando nenhum interesse em beijos e cheiros está importunando-
os.
_ Oi, Divônica. Tudo bem? _ Heloísa chama a vizinha da mesma
maneira que Dora _ Vocês não vão acreditar no que me aconteceu _ diz,
sorridente.
_ Conta pra gente! _ anima-se Verônica como se não soubesse de nada.
Falsiane!
_ Recebi uma carta anônima de um admirador secreto. _ As palavras
nem aguentam ser pronunciadas com os intervalos necessários e acaba
atropelando a informação.
_ Que isso hein! Quem é seu admirador? _ indaga Aurora.
_ Aurora, tem certeza que você é ruiva!? Às vezes penso que você
deveria ser loira. Se é um admirador secreto ninguém deveria saber.
_ Ah é!? _ E dá uma risada totalmente envergonhada, ficando mais
vermelha do que já era _ E o que ele queria?
_ Marcar um encontro hoje à noite.
_ E a senhora vai? _ questiona Verônica.
_ A senhora eu não sei _ debocha _ Mas eu é claro que vou. Deve ser
um pitelzinho... Assim espero.
_ Você ainda está interessada em ajuda para enviar aquela foto?
_ Se eu fosse depender de vocês duas eu não pegaria ninguém, já me
virei e consegui enviar. Mas eu quero uma outra ajuda sua, preciso comprar
um conjunto de sombras maravilhosas que estão na promoção na internet. Já
até tentei, mas não consegui. Eu dei meu número de cartão e minha senha mas
mesmo assim não efetuou a compra.
_ O número do cartão e a senha!? _ As amigas se entreolharam.
_ Sim.
_ Heloísa, não é confiável ficar dando informações confidenciais assim
sem nem saber se a compra é garantida. É bom investigar os sites e tudo
mais antes de sair comprando qualquer coisa _ alerta Verônica.
_ Mas estava tão barata, menos de vinte reais.
_ Pior ainda! Quando oferecem produtos tão baratinhos assim é bem
possível que queiram apenas saber seu cartão e sua senha para clocar, ou
algo do tipo. Não confie nos sites sem nem pesquisar antes _ avisa a outra.
_ Hum... _ parece arrependida ou desconfiada. _ Estou sentindo cheiro
de queimado.
_ Ai meu Deus! _ Aurora pula do sofá correndo para a cozinha _
Esqueci a assadeira ligada, meu pão já virou carvão.
Heloísa levanta-se do sofá e vai andando pela casa analisando a
decoração, parecia deslumbrada com cada uma das fotos que via no porta-
retratos. Para numa foto infantil que encontrou das duas melhores amigas da
infância.
_ Que fotinha linda! Nunca tinha visto. Vocês pareciam crianças tão
doces, pena que cresceram. _ Todas gargalham.
☐☐☐
Uma hora antes das oito, Verônica já tinha começado a se arrumar para
a grande noite, Igor nem sabia que ela iria aparecer na sua casa, então não
poderia ir muito preparada ou arrumada. O cabelo da mulher estava tão
oleoso que até os piolhos deveriam ter o colesterol alto, mas logo se sentiu
limpa e usou um condicionador de criança que deixava um cheirinho
delicioso na cabeça. Vestiu uma branca colada no corpo e com um decote
proeminente no estilo V, uma calça preta de couro e um sapato discreto
também da mesma cor. Passou uma maquiagem bem leve, não queria roubar
o emprego do Patati e Patatá, e admirou-se no espelho. Divônica! Exalando
beleza de janeiro a janeiro!
_ Cadê meu perfume, Aurora!? _ Dá um grito do banheiro quando
conclui que o vidro do perfume caríssimo está foragido _ Foi você né!? Bem
que senti um cheiro adocicado vindo de você ontem. Acha que precisa disso
pra conquistar Victor Hugo!?
_ Para de gritar! _ Grita de volta da sala, ainda bem que a casa era
pequena _ Eu não preciso disso e odeio aquele seu perfume. Fala sério!
Verônica sai andando revoltada atrás da amiga, está com uma escova de
cabelo na mão pronta para ameaçá-la e fará uso da arma se for preciso.
_ Me fala aonde está! _ ordena.
_ Eu não sei, já disse.
_ Você está usando xampu de laranja? _ muda completamente de
assunto.
_ Não, porquê?
_ Seu cabelo está um bagaço. Vai lavar essa cabeça, sua oleosa! Daqui
a pouco dá pra fritar um ovo nessa sua testa. Devolve meu perfume!
_ Já disse que não fui eu! _ se irrita.
Retorna a passos bruços para o quarto, parecia um cavalo correndo a
trote e fica muito constrangida com vontade de enfiar a cabeça num buraco
depois de dar de cara com a perfume na mesinha de cabeceira. Na cozinha,
pede desculpas.
_ Foi mal, estava no meu quarto.
_ Na próxima eu te processo por injúria.
_ Estou indo lá! _ esfrega as mãos uma na outra, parecendo um
mosquito quando está tramando um plano maligno _ Me deseje sorte.
_ Sorte! _ E abraça a amiga-irmã.
Retira-se pelo corredor do prédio dando pulinhos como uma gazela,
tentando conter sua animação, mas nada era capaz de limitar sua felicidade.
Dá duas batidinhas de leve na porta e o moreno gostoso logo abre, dispondo
de um sorriso tentador e cativante. Ele está sem camisa, estou ovulando. E
usando apenas aquele shortinho flanelado de dormir. Estou ovulando muito!
_ Oi, Vê. Entra aí. Desculpa. Eu não estou vestido nos trajes
necessários. _ Ele entra e encosta a porta.
_ Você está nos melhores trajes _ diz encurralando-o entre a porta e ela,
mal deixa o garoto processar as informações e vai logo apagando a luz.
_ Nossa, Verônica. Que rápida!
Aquelas foram as últimas palavras que foram capazes de ouvir antes de
suas bocas se ocuparem. Verônica precisava descarregar em alguém aquela
volúpia ardente que lhe corroía, e era Igor o único capaz de saciá-la da
melhor maneira possível. Seus olhos estavam fechados e seus pensamentos
voando a mil.
Igor toma uma atitude e mostra sua pegada, agarra nos braços de
Verônica e roda-a mudando de posição e desta vez quem ficava encurralada
era ela. As bocas continuaram unidas possuindo seus cheiros e devastando
seus desejos. Quando acabam o beijo, ficam se admirando e um sorriso
libertino invade as duas faces marejadas de emoção.
Os olhos dela estão erguidos para o rosto do moço, entregando-se na
intensidade do olhar dele. É como se eles se pegassem pela primeira vez,
era tão bom quanto a primeira vez. Inclinando-se novamente, ela fecha os
olhos e o beija, extasiada. Ele enterra os dedos no cabelo da moça e ouve-a
soltar um gemido abafado de prazer. De repente, a natureza do beijo se altera
passando de algo doce e respeitoso para um beijo carnal, devorador. O
desejo percorre o sangue e desperta cada nervo dando uma sensação única
de necessidade mútua.
Sem trocar uma palavra sequer, ela vai com as mãos por baixo da blusa
dela, tocando seus seios e puxando seu mamilo enquanto sua boca desce,
com furor, pelo pescoço da moça. E vai descendo por ali, roubando espaço
em sua pele até abocanhar os seios e deixá-la gemendo de prazer. Como
precisava daquilo! Precisava dar um jeito de esquecer o CEO e só com um
moreno marrom bombom daqueles para desviar os pensamentos de Victor
Hugo.
As mãos de Igor eram caprichosas, sabiam o ponto certo onde deveriam
tocar. Parecia uma orquestra, em que suas mãos e sua boca estavam na mais
perfeita harmonia. A sinfonia que seus dedos produziam ao caminhar
lentamente para dentro da calcinha e começar a apresentação pelo indicador,
depois mais um e Verônica já estava entregue.
Queria mais, muito mais. Aproveitou para esticar os pés, agora com os
dois jogados pelo tapete da sala e alisou com os dedos o volume que crescia
na calça do rapaz. Porra, era avassalador e estava bastante acordado! Era
uma tortura deliciosa ainda não poder tê-lo, pois Igor parecia ter planos
ainda mais safados.
Agora, Verônica já estava nua sobre o tapete e Igor, enfim, abre a calça,
revelando seu mastro, pronto para saciá-la. Então, puxa um preservativo
numa caixinha vintage que ficava na mesa de centro - Verônica sempre achou
que aquele fosse um receptáculo de bijuterias de dona Heloísa, mas fica
chocada quando descobre um fundo falso com camisinhas – e se veste,
pronto para penetrá-la.
_ Devagarzinho, por favor... _ ela suplica ao observar o tesão
incontrolado nos olhos do rapaz e ele concorda com a cabeça.
Em questão de instantes, está dentro dela metendo lentamente como
havia pedido e com as mãos na nuca dela, com o olhar mergulhado de
desejo. Quando ela se acostuma, e relaxa sua vagina pronta para vê-lo meter
com vigor, Igor então aumenta a pressão, fazendo-a gemer como uma cadela.
Entretanto, não conseguia parar de pensar no outro, no beijo do outro, nas
mãos do outro, no pênis do outro...
Ah, Victor Hugo... Ah, meu CEO...

☐☐☐
Depois de sábado ter sido um dia maravilhoso, como um sonho,
segunda precisava retornar àquele terrível escritório e seus nervos já
estavam à flor da pele antes mesmo de chegar lá. Seu domingo tinha sido
dedicado totalmente ao repouso, dormiu mais que bela adormecida à espera
do príncipe encantado. Até que o projeto de príncipe já tinha chegado,
porém ogro demais.
Hoje era o dia de tomar as rédeas do destino e colocar de uma vez um
ponto final naquela relação. Precisava deixar claro pra o patrão que não era
nenhum – ou mais um – de seus objetos, não seria uma putinha nas mãos
dele. Ele estava namorando a sua melhor amiga e precisava impor respeito
àquele contato que tinham. Como poderia ser tão cafajeste a ponto de
namorar a mulher e ainda querer dar uns pegas na secretária!? Verônica
achava que aquilo tudo era um romance e que o homem de seus sonhos tinha
finalmente aparecido, era mais um...
Acorda já irritada sabendo o que lhe esperava naquele dia, parecia um
filho morrendo de nervoso de chegar em casa logo quando a mãe diz: “Em
casa a gente conversa”, quem nunca passou por isso não sabe o real
significado da palavra nervosismo. Pega a barca lotada mais uma vez para ir
para sua empresa que ficava no Rio de Janeiro, ali bem ao lado. Um homem
negro com bigode de pedreiro e aparência de mafioso não parava de olhar
para ela com olhos perversos. Tão incomodada ficara que não bastou
destilar nele seu olhar de reprovação, ele não parava. Ela acabou mudando
de lugar.
Quando chega ao destino, o grupo inteiro sai correndo como ratos
apavorados num navio prestes a afundar e a secretária segue o fluxo,
agarrada a sua bolsa e ajeitando a saia do uniforme de trabalho que pelo
movimento das coxas acaba subindo.
Para chegar até sua empresa, era preciso passar por várias áreas meio
sombrias e pouco movimentadas que não lhe despertavam muito conforto em
ter que atravessá-las. Andou alguns minutos até que observando todo o fluxo,
olha pra trás e da de cara com o mesmo homem da barca. Ele estava tão
próximo que nem cinquenta metros era a distância que os separava.
Merda! Esse homem está me seguindo.
O controle policial nas ruas tem aumentado muito, mas não se pode
dizer que os estupros sessaram e os roubos também. Verônica não sabia o
que queria aquele cara, mas pelos olhos dele uma certeza ela tinha: esse
cara quer alguma coisa, e comigo. Apressa o passo com um aperto terrível
no coração, talvez seja quase indescritível falar como uma mulher se sente
quando percebe estar sendo seguida, e por um homem. Mas era um
sentimento tão pesado no coração que acelerava seu corpo e soltava
adrenalina por todos os poros. Perigo! Perigo! Um alerta vermelho invisível
soava numa sirene também invisível que pairava sobre sua cabeça.
À medida que os passos dela aceleravam os deles aumentavam também
o ritmo. Sentia-se uma zebra que fugia inutilmente de um leão. Até quando
seremos reféns dessa maneira!? Percebe seus olhos marejados, a qualquer
momento ia disparar a chorar antes mesmo de alguma coisa ter de fato
acontecido. Controle-se, Verônica! Você é uma mulher forte e não vai cair
nas garras desse cara. Quando olha para trás, um sorriso libertino ainda
morava naquele rosto esquisito e malvado.
Olha pelas ruas à procura de qualquer pessoa que possa ajudá-la, pensa
em entrar em algumas ruas perpendiculares, mas nenhuma delas parecia
realmente confiável. Tinha medo de entrar em qualquer lugar, depois não
saber sair e acabar ajudando o golpista a agarrá-la. Poucas pessoas seguiam
nas calçadas, aquele era um horário em que muita gente já tinha começado o
trabalho, então a probabilidade de estarem rodando pelas ruas era bem
reduzida.
Fecha os olhos rapidamente e sussurra alguma coisa que parece ser uma
oração, não era muito adepta a religião, pois já tinha concluído o quão
terrível as pessoas eram capazes de ser em nome de Deus. Porém, acreditava
fielmente em Deus, aquele que amava a todos de igual maneira e protegia
seus filhos. “Senhor, me envie um anjo!” e continua a andar, seu trabalho
nunca tinha parecido tão longe, suas pernas nunca tinham parecido tão
bambas e os minutos nunca tinham parecido tão longos. Já tinha passado por
situações parecidas outras vezes, esse é um dos dramas de se ser mulher
numa cidade grande como essa, tem muitas pessoas honestas, mas também
muitos seres desrespeitadores que acreditam poder ter uma mulher de
qualquer maneira, mesmo que ela não queira.
Contudo, todas as outras vezes que ela correra algum risco era porque
não tinha se prevenido ou desenvolvido alguma maldade pra lidar com estes
casos. Uma vez foi quando resolveu pegar ônibus num ponto deserto às nove
horas da noite e outra foi quando caminhou por uma rua deserta no mesmo
horário. Mas hoje era chocante por ser algo à luz do dia.
Ele está próximo, ele está próximo... Talvez menos de dez passos era a
distância que os separavam. Ele vai me agarrar, ele vai me agarrar... Era
bem possível que tivesse alguma faca ou qualquer objeto escondido no bolso
para ameaçá-la e evitar que gritasse alertando outras pessoas. Será que eu
devo gritar de uma vez?
De repente, uma mão repousa nos seus ombros e Verônica não sabe se
grita, não sabe se chora, não sabe se fingi um desmaio para fugir daquela
situação, talvez aquela seria a pior de todas as opções. Se fingisse um
desmaio seria bem mais prático ser sequestrada e estuprada.
_ Gabi, tudo bem amiga? Quanto tempo! _ quando vira para o lado dá
de cara com uma moça um pouco mais nova que ela, gordinha e de baixa
estatura. Está com uma fita amarrada no cabelo e um sorriso encantador. _
Entra no jogo! _ murmura baixinho quando depara com Verônica olhando-a
com cara de interrogação.
Meu anjo! Ela veio me salvar!
_ Sandrinhaaa! _ exalta-se _ Estava morrendo de saudades de você, por
onde você anda?
_ Ah menina, estou trabalhando muito. Sabe como é né, treinar para
entrar pra polícia não é mole _ avisa.
_ Ah sim! Mas e seu treino, já chegou na faixa preta de kung fu? _
Verônica nem sabia se a faixa preta era de kung fu, karatê ou capoeira, mas
qualquer assunto que demonstrasse que aquela mulher era sua reserva de
força e defesa naquele instante era importante.
_ Tô quase! _ e solta uma risadinha meiga e tranquila, mas um pequeno
sinal de tensão esconde-se na sua face. Ela também está preocupada. _
Vamos tomar um café?
_ Claro! _ Verônica/Gabi segue o plano de Sandra seu anjo.
Elas continuam conversando e rindo, finalmente chegam a um local
mais movimentado e desta vez já está próxima ao seu trabalho. Quando olha
de volta para seu trajeto, o homem estranho já havia desaparecido. Ufa! O
anjo de Verônica tinha concluído sua tarefa com êxito e agora as duas
estavam próximas a entrada da empresa.
_ Nossa! Nem sei como te agradecer! _ a secretária respira, aliviada. _
Você foi um anjo na minha vida. Se não tivesse aparecido, não sei o que
seria de mim.
_ Percebi seu desespero, já passei por isso também e senti que tinha
que ajudá-la naquele momento. Também tenho medo de andar sozinha nas
ruas, mas preciso trabalhar e todos os dias temos que nos arriscar nessa
sociedade inescrupulosa na qual não temos o mínimo de segurança _
desabafa.
_ É, menina. Aliás, qual é seu nome? Não deve ser Sandra meu anjo! _
e riram.
_ Me chamo Samira, e você Gabi?
_ Sou Verônica. Muito obrigada! Moro em Niterói e pego a barca todos
os dias nesse horário pra vir ao trabalho.
_ Você também!? _ fica surpresa _ Também moro lá do outro lado.
Venho trabalhar aqui, só que meu horário é um pouco mais cedo. Hoje que o
patrão me deu uma folguinha, mas saio sempre às sete da noite. E moro de
medo esse horário! Eu trabalho ali naquele prédio _ aponta.
_ Que beleza, pertinho do meu _ e mostra a empresa em que trabalha _
Também saio às sete e tenho o mesmo desespero. Podemos marcar de ir
embora juntas sempre. Me passa seu telefone.
As duas trocam números de telefone e sentem-se amigas de infância,
como é bom quando as pessoas têm atitudes de coragem dignas de
reconhecimento e Samira era uma daquelas defensoras dos direitos
feministas, segundo ela. Ficaram ali conversando por alguns minutinhos e a
secretária até insiste para a colega ir com ela tomar um café. Pode não ser
dona da empresa, mas agora que tem o CEO em suas mãos poderia carregar
seu anjo para tomar um humilde café.
_ Não precisa! Obrigada! Não posso me atrasar e está quase na minha
hora _ confere no relógio de pulso _ Foi um prazer conhecê-la.
_ Igualmente. _ As duas dão dois beijinhos no rosto e se despedem com
um sorriso, estava feliz por ter feito uma nova amiga-anjo.
Entra na empresa toda sorridente esquecendo-se do eventual problema
no trajeto até lá e pensando apenas na ajuda que recebera. Pena que seu
sorriso não era contagiante o suficiente para atingir Adriana também. A
mulher estava com a cara trunfada mais uma vez, como se aquilo fosse
alguma novidade, parada ao lado de Jorge, parecendo a dupla Pink e
Cérebro. O homem retribui o olhar feliz da moça, mas a recepcionista não.
Pensou que depois de um certo tempo de convivência as coisas iriam mudar,
seria tratada razoavelmente bem com a maioria dos outros funcionários, mas
aquela mulher da portaria tinha uma certa cisma com Verônica que esta nunca
iria entender. Tem coisas que o tempo não consegue mudar, e uma delas é a
cara de fuinha da Adriana. Para de me olhar assim! Sorria, meu bem!
Chupou um limão?
_ Está atrasada! _ aquela mulher era uma pedra no sapato. Que direito
ela pensa que tem de vigiar a vida dos funcionários?
_ Isso é problema meu, por acaso você é alguma fiscal? _ Não
aguentava mais aquela mulherzinha metida tomando conta da sua vida.
_ Nossa, que rebelde! _ debocha.
_ Olha aqui, sua piranha! _ Verônica não está muito disposta a aturar
desaforo, foi logo apontando o dedo na cara da recepcionista _ Eu sou uma
funcionária muito dedicada ao meu trabalho, chego sempre no horário certo e
mereço o respeito de ser tratada como uma igual. Me respeite que eu não te
dou confiança _ explode.
Adriana percebe que as coisas não estavam ficando muito boas para o
seu lado e acaba aceitando aquela provocação de boca calada, também, não
tinha muito o que rebater, pois o jeito da secretária mostrara que, qualquer
mínima palavra que dissesse em sua defesa poderia ser motivo para um tapa
na cara ou coisa pior. Portanto, resolve manter seus cabelos bem presos ao
coro cabeludo, pois aquela barraqueira poderia a qualquer momento voar
nas suas madeixas.
_ Victor Hugo vai ficar sabendo disso _ não se controla e diz bem
baixinho para o Jorge enquanto Verônica caminhava em direção ao elevador,
o que mal sabia era que tinha sido escutada _ Tomara que ele a demita.
_ Não se preocupe! _ grita para a colega de trabalho, esquecendo-se da
educação e boas maneiras necessárias no ambiente _ Eu mesma vou pedir
demissão.
_ Não vou discutir com você não porque hoje estou passando mal.
_ Então que morra de uma vez!
Sobe o elevador bufando, com o olhar severo e a cabeça a mil, tinha
voltado aquele lugar com um propósito: pedir demissão. Depois do que
descobriu sobre Victor estar namorando sua melhor amiga e ainda assim tê-
la beijado, não seria nada bom para a relação com Aurora que isto tenha
acontecido. É melhor parar por aqui e se continuasse trabalhando próxima
aquele homem, provavelmente não ajudaria.
Já é hora de Verônica voltar para a sala de entrevistas, a mulher passa
mais tempo desempregada do que no serviço propriamente dito. Hora de
retornar para o balcão de empregos, era uma pena ter que deixar a empresa,
pois se sentia tão bem ali, tirando Adriana, todos os outros funcionários
eram muito solícitos com ela e não só por isso, o salário que recebia
superava em muito as expectativas do mercado.
Quando vai até a sala do patrão sente seu coração na boca. Era agora
ou nunca. Era estranho, pois a vontade de chorar dava um nó no estômago da
mulher. Demitida! Outra vez. Estava cansada de uma vida em que não pode
trabalhar por conta de ser uma mulher bonita, sempre arranja problemas por
conta disso.
Victor Hugo não estava, ainda não havia chegado. Um peso que
carregava nas costas parecia ter se tornado um pouco mais leve, mas adiar
aquele momento não traria benefício nenhum. Volta a seu posto de secretária,
só sente-se perdida se deve ou não fazer o trabalho recomendado para fazer
naquele dia, já que pedirá demissão.
Por sorte, seu patrão chega em cinco minutos, perfeitamente lindo e
gostoso com aquele terno preto bem cortado e com uma gravata cinza
altamente sedutora. Seus olhos abrigam uma emoção contida e
descontrolada, sorriso malvado de salafrário. Cretino! Pegou minha melhor
amiga e quer me pegar também! Não é assim que a banda toca por aqui...
Ele lhe sorri, mas não tem a expressão retribuída.
_ Bom dia, Verônica!
_ Bom dia _ responde, seca, não há nenhuma emoção em suas palavras.
_ Já providenciou a papelada do plano novo? _ pergunta legitimamente
profissional, como se nada do que acontecera na sexta à noite houvesse de
fato acontecido.
_ Não. E preciso conversar com você _ diz, severa.
_ Entra! _ sua expressão muda, seguindo a rigidez da dela.
Os dois caminham juntos para o interior da aconchegante sala do
escritório, o ar condicionado acalma a tensão de Verônica, mas nada diminui
a complexidade do fato.
_ Quer se sentar? _ pergunta, num tom comedido, como se tivesse
pedindo desculpas por algum mal feito.
_ Não fale como se nada tivesse acontecido _ repreende com um olhar
sério.
_ Perdão _ lamenta.
Você cometeu todos os pecados, Victor Hugo. Deus perdoa, mas eu
não!
_ Victor Hugo, você namora minha melhor amiga e ainda assim me
beija. Vou é um cafajeste de marca maior e não posso mais conviver com
você. Fique tranquilo pois não falei com ela que você era meu patrão, mas
saiba que não aprovo em nada seu comportamento. Não vou atrapalhar a
relação de vocês, mas também não trabalho mais para o senhor _ retoma o
tratamento formal de empregados e patrões.
_ Não! _ solta um gemido desgarrado e surpreso, parecia que ela era o
amor da sua vida que estava prestes a deixá-lo _ Você não pode fazer isso!
_ Tudo bem, eu cumpro todas as exigências da lei. Pago aviso prévio,
ficarei mais alguns dias até que o senhor providencie uma nova secretária.
_ Não, Verônica. Por favor! _ diz se aproximando dela e segura em seu
braço para que ela nunca mais vá. Seu olhar é sincero, parecia o gato de
botas do filme do Shrek, só que sem as botas, dando seu máximo para
convencê-la.
Puxando seu braço, ela consegue se desprender das mãos dele. O olhar
do homem é apaixonante, Verônica se sente uma pessoa cruel em ter de
abandoná-lo, e quase se esquece de tudo que ele causou, de todo o
desconforto emocional que manter aquela relação, mesmo que profissional,
traria para a amizade dela com Aurora.
_ Não posso continuar... _ dessa vez, sua voz é comedida, calma e
desamparada. _ Eu... Eu... Continuar aqui vai me trazer muitos problemas _
as palavras fogem de sua boca e nada que possa falar é capaz de preencher o
vazio.
_ O que vai ser de mim sem você? _ indaga como se fossem um casal.
_ Sou só uma secretária, o senhor irá arranjar alguém para me
substituir, assim como fez com a anterior. O que não falta é pessoa
desempregada nessa cidade.
_ Você não é apenas uma secretária, você é bem mais que isso. Você já
conhece o meu jeito, minhas necessidades... Por favor, Verônica. Não me
deixe! _ implora ajoelhando-se na frente dela.
_ Levanta! _ Sua palavra não tem tanta expressão assim de ordem, no
fundo ela gostara de vê-lo se humilhando em sua presença.
_ Só vou levantar quando disser que vai continuar aqui _ chantageia,
ainda no chão.
_ Então pode preparar seus joelhos para ficar aí para sempre _
debocha, agora estando mais tranquila, já que sua capacidade para fazer
piadas apenas aflora quando não está nervosa.
Ficam por longos segundos ali apenas se observando com olhos
quietos, desejosos e preocupados. Tinha um emprego ótimo, um salário
digno e um patrão maravilhoso, será que ele não poderia ser um pouquinho
menos lindo e gostoso? O desespero de saber que teria que começar tudo de
novo até lhe fazia pensar duas vezes antes de recusar a proposta.
_ Eu não posso... _ Sua fala era tão vulnerável e sem nenhum resquício
de decisão.
_ Verônica _ ouvir seu nome nos lábios daquele ser era algo
profundamente tentador. Ele é namorado da sua melhor amiga! _ Eu sei que
vocês duas não têm uma condição financeira muito favorável.
_ Não estou passando necessidades! _ sente-se ofendida com o que o
homem disse, mas era a mais profunda verdade. _ Tudo bem que não tenho
dinheiro sobrando, mas nada me falta. Recebo bem neste emprego, mas não
posso continuar aqui. Se quiser me ajudar pode me transferir de setor, então
_ Ele se levanta.
_ Quer ser recepcionista? _ oferece _ Com um pouquinho de jogo de
cintura, convenço Adriana a substituí-la e levo você para o posto dela.
Adriana me ajudar? Sua vontade foi dar uma gargalhada histérica.
Óbvio que ela não vai aceitar, mas não custa tentar.
_ Tudo bem, pode ser. Mas duvido muito que queria fazer qualquer
coisa para me ajudar.
_ Ela vai ajudar sim _ declara com uma convicção louvável, parecia
até que alguma cumplicidade ou segredos do passado permeava a relação
dos dois. _ Me faça um favor, telefone para a recepção e peça-a para vir
aqui com urgência.
_ Acabamos de ter uma briga terrível, não gostaria de ser eu a fazer
esta ligação. _ Agora que tinha Victor Hugo nas mãos, sente-se no direito de
fazer exigência. Qualquer passo em falso ela poderia denunciá-lo para a
amiga.
_ Ok _ retorna para sua mesa, telefona para a recepcionista e trocam
algumas palavras estritamente objetivas. Finaliza a ligação _ Que bom que
tenha ficado. Gosto de você.
Gosta como? E gosta quanto?
_ Você é um bom patrão. Obrigada por ter insistido. E pode contar
comigo para conquistar Aurora. Quero que vocês sejam muito felizes _ O
discurso da futura recepcionista muda completamente, sua voz agora é doce
e afável.
_ Obrigado! _ e sorri, daquele jeito delicioso.
_ Agora posso me retirar? _ indaga ela, aliviada por não ter perdido o
emprego, pelo menos não por enquanto. Na recepção, terá um mínimo
contato com ele e não correrá riscos.
_ Pode só me ajudar a afrouxar essa gravata? Acho que apertei demais.
_ Ele pede e ela desconfia dos reais interesses contidos ali.
_ Tudo bem _ aceita, aproximando-se do pescoço dele.
Agora, estavam próximos demais. O perfume do CEO era hipnotizante.
Estar perto demais dele era muito perigoso. Extremamente perigoso. Ele
segura nas mãos da jovem, indicando onde a gravata mais o aperta, mas a
boca dele parece não querer só dar aquelas instruções. Os lábios dele
clamam pela da garota cheia de marra que tinha acabado de tirar as novas
regras do jogo.
Entretanto, se cometeram um pecado, que o tenham consumado. É
melhor pecar por excesso, do que por falta. Se seria incriminada por ter
dado um beijo no patrão e ainda ter chupado o pau dele num momento de
rompante que ainda não processara direito o que tinha lhe dado na cabeça,
que fizesse o serviço completo.
O olhar dos dois parece ligado e nenhum deles consegue desviar o
foco. Victor Hugo pega as mãos dela que estavam em sua gravata e leva até o
volume que cresce exponencialmente dentro de sua calça e ela então se
entrega. Nos segundos seguintes, ele voa sobre a boca dela que se rende ao
beijo avassalador. Precisava dele, precisava ser comida por ele das mil e
uma maneiras possíveis. Queria sentir aquele pau latejando dentro dela e era
isso que faria.
Victor Hugo abre o zíper e Verônica já está molhada o suficiente para
ser penetrada, mas ele não queria isso logo, queria outra chupada daquelas,
igual ela tinha feito aquele dia que havia o levado às alturas. Quando o
assunto era boquete, Divônica merece uma coroa. E caiu de boca passando a
língua pela cabecinha e depois o engolindo por completo. O pau dele era
macio, a sensação de tê-lo entre os lábios era extasiante demais. Não queria
parar de fazer aquilo nunca, embora fosse o mesmo pau que penetrava a
buceta da amiga. Espantou o pensamento que veio de relance e continuou.
Quando já estava calibrado o suficiente, ele puxou um preservativo do
bolso e a penetrou com furor. Não queria saber de ser bonzinho, era um
safado sedutor e iria foder a boceta dela como tal. Iria rasgar aquela
bocetinha molhadinha que estava piscando pedindo piroca. E então, a comeu,
recostada sobre a mesa, com os papéis empurrados para o lado e ele ali
atrás dela, metendo com força, e segurando a boca da marrenta para que ela
não gemesse muito alto e corresse o risco de alguém ouvi-los.
Depois, acelerou a metida até gozar, e urrou de prazer, tentando
controlar seus gemidos, quando gozou. Ela também ficou plenamente
saciada, mas quando reabilitaram-se ajeitando as roupas, a consciência
pesou novamente e Verônica só quis correr dali. Era uma cretina,
igualzinha a ele!

☐☐☐
Por incrível que pareça, não me pergunte como, Adriana acaba se
convencendo em ser a nova secretária de Victor Hugo. Com uma oferta de
um reajuste salarial, flexibilidade de horário e alguma treta do passado fica
combinado o novo posto da cara de fuinha. É bem possível que algo que
aconteceu em tempos anteriores tenha transformado a relação dos dois, pois
a mulher sempre acata as ordens dele e parecem se dar bem. Como alguém
pode se dar bem com uma criatura irritante como essa?
Terça-feira parece ser o dia mais feliz da vida de Verônica, não sabia
estritamente o porquê, mas acordara animada e pela primeira vez em anos
não reclamara para levantar da cama. Um balanço geral dos últimos
acontecimentos revelava-a como uma funcionária exemplar que tinha o
apreço do CEO e do novo chefe, Jorge, uma ótima amiga que abdicara de um
cargo em prol da amizade e uma excelente vizinha que cultivava políticas de
boas vizinhanças com Igor. Seu último final de semana tinha sido uma visita
ao paraíso que não fazia há séculos, superada a verdade de saber que o ex-
chefe (porém chefe do chefe dela) namorava Aurora.
Logo pela manhã, manda mensagem para sua nova colega de trajeto
para o trabalho e as duas se encontram no terminal das barcas e atravessam a
Baía de Guanabara conversando como se fossem amigas de infância. Samira
tinha um ar descontraído e engraçado que transformava um simples encontro
num triunfo de risadas, no dia anterior à noite as duas também tinham
retornado juntas para a casa na maior animação. Ainda mais agora que
Verônica estava indo mais cedo para o trabalho calhava das duas saírem no
mesmo horário.
_ É meu sonho! Eu moro com meus pais e meu irmão _ conta Samira,
depois de Verônica ter contado que mora com melhor amiga.
_ E as coisas do coração? Há quantas andam?
_ Ah, minha filha! Nem me fale. Eu terminei meu namoro de um ano e
quatro meses na semana passada. Namorar é pra beijar na boca, ser feliz, se
for pra brigar fico em casa com meu irmão.
Samira arranca gargalhadas histéricas de Verônica, um sorriso tímido
de um rapaz sentado ao lado e depois as duas ficam vermelhas, já que tinham
chamado muita atenção.
_ Concordo plenamente, Sasá _ Conheço a pessoa num dia e no outro
já estou chamando de Sasá. Sou dessas! _ Eu estou dando uns pegas no meu
vizinho, mas é uma relação estritamente casual, nada sério nem que tenha
futuro.
_ Melhor coisa que você faz da sua vida. Não se apega, não! _
aconselha.
_ Eu não posso me apaixonar mais, a última paixão que estava
começando a despertar em mim era uma das piores do mundo. Sabe aquele
lance de amores impossíveis?
_ Ah, nenhum amor é impossível. Quem quer, arruma um jeito. Quem
não quer, arruma uma desculpa.
_ Mas no meu caso não tem jeito. Ele era meu patrão até ontem e ainda
é o namorado da minha melhor amiga, aquela que eu te falei que mora
comigo.
_ Caralho! Que roubada hein!? Mas ele era seu patrão até ontem? Te
demitiu?
_ Não! Eu pedi demissão, mas ele recusou. Rolou uma cena lá pra me
convencer a ficar e tal. Conclusão da história: mudei de setor. Agora eu
trabalho na recepção da empresa.
_ Menos mal, pior seria ficar sem emprego, com essa crise...
_ Verdade.
Começam a se ajeitar para desembarcar e lutam para não se
massacradas. Por sorte, Samira era um pouco gordinha e ia na frente abrindo
caminho em meio ao bando revoltado. Ter uma guarda-costas tinha sido um
bom investimento.
Dessa vez, o trajeto até o trabalho foi bem mais tranquilo, nada de
sujeitos suspeitos, e as duas se despediram desejando um bom trabalho e
dependendo do horário de saída, possivelmente retornariam juntas. Mal
sabia Verônica que o dia lhe reservava surpresas um tanto quanto
desagradáveis.
Ajeita-se na bancada de recepcionista bem ao lado de Jorge, o chefe do
seu setor e consequentemente, seu chefe, e seu trabalho foi bem light durante
toda a manhã, era mil vezes melhor ser recepcionista do que secretária, não
conseguia entender como Adriana tinha suportado a troca. E agora que os
papéis se invertiam, a cara de fuinha que se sentia na obrigação de
cumprimentá-la, mas nem assim o fez. Subiu o elevador de cara emburrada
como fazia sempre.
A manhã corre tranquila, o que a espantou foi quando saiu para o
horário do almoço e viu 58 ligações perdidas de Aurora. Quando uma
pessoa insiste ligando 58 vezes é que alguma coisa muuuuuito grave
aconteceu. Na caixa de mensagens só tinha um recado: “Me ligue, é
URGENTE! Estou desesperada. Preciso de você!”. Liga de volta para a
amiga.
☐☐☐
_ Vim o mais rápido que pude! _ Verônica se joga nos braços de Aurora
dando-lhe um abraço apertado _ Por favor, para de chorar.
Aurora está aos prantos e nem sempre as melhores amigas sabem o que
dizer quando se deparam com uma situação como essa. A única coisa que
consegue formular foi o que acabou saindo de sua boca, sem nem ter certeza
se aquilo de fato era uma verdade.
_ Vai ficar tudo bem.
A probabilidade de ficar tudo bem não era lá das melhores, mas suas
expectativas de que aquilo não atingisse outro grau mais alarmante era a
única opção que tinham.
_ Será mesmo, Verônica!? Se não der certo...
_ Vai dar certo, Aurora! _ afirma. _ Só tem de ter certeza que é esta
mesma sua escolha? Uma vez feita não tem como voltar atrás nem se
arrepender. Vou estar sempre do seu lado pro que der e vier. Mas como isso
foi acontecer?
_ Essa não é a hora para querer me repreender ou me dar puxões de
orelha. Aconteceu pelo meio tradicional. Espero que você saiba, ou vai
querer que eu te explique?
_ Dispenso. _ Dá um sorrisinho irônico mesmo em meio ao terror do
momento. Ainda se sentiu culpada pelo que tinha feito com o namorado dela,
mas não poderia se martirizar para sempre. Supera rapidamente a culpa. _
Tem certeza que quer fazer isso? _ repete sua pergunta.
_ Eu tenho direito de escolher o que quero fazer com o meu corpo, e
sim, quero fazer isso. _ Sua voz não parecia tão certa da escolha.
Uma estende o braço para a outra que se agarra fortemente a ele, e saem
caminhando pelas ruas com o olhar desnorteado e um peso terrível incidindo
em seus ombros, algumas decisões podem muito bem ser as piores escolhas
que teremos que fazer em todas as nossas vidas. O braço de Aurora estava
tão trêmulo que era preciso que a mão da amiga incidisse sobre ele com
força para segurá-lo, os pés da mulher tremiam como os galhos finos no topo
de uma árvore em dias de tempestade. Ainda bem que tinha descoberto
aquilo tudo a tempo de reverter a situação.
Caminharam mais alguns passos até chegar a um beco fedorento e com
as paredes pichadas, o corredor fedia a mijo de gato e a aparência do lugar
não era nada convidativo.
_ Tem certeza que é aí? _ pergunta.
_ Certeza eu não tenho porque nunca fiz isso na minha vida, mas pelo
que Dora me informou foi aqui que uma colega do trabalho dela fez.
_ Eu não teria coragem. _ Depois de ter dito que Verônica foi perceber
o peso das suas palavras. _ Quer dizer... É... O local não é muito
convidativo.
_ Claro, tem que ser algo bem disfarçado _ salienta.
_ Tá, mas não precisava disfarçar tanto assim. _ Seu tom foi um pouco
sonoro demais para a ocasião.
_ Vamos entrar logo antes que eu saia correndo daqui!
As duas entraram, talvez o desejo delas fosse o mesmo: não entrar. Uma
parte de Verônica ordenava que ela continuasse ali dando apoio à amiga
neste momento difícil e fizesse exatamente o que estivesse ao seu alcance,
enquanto outra parte, não sabe se era sua razão ou sua emoção que
comandava assim, mas a outra parte queria desesperadoramente que as duas
saíssem correndo. Mas correr pra onde? Não adianta fechar os olhos para
situações como essas, uma hora a verdade vem à tona.
As lágrimas escorriam espontaneamente dos olhos marejados de
Aurora, era tão palpável sua desilusão e desespero que a única atitude que
Verônica poderia tomar era abraçá-la ainda mais apertado, segurando firme
em seus braços. A cada passo que davam naquele labirinto infernal era como
se fossem atingidas por várias flechas. Cada passo uma flecha afligia ainda
mais o coração da pobre jovem.
_ Victor Hugo nunca vai poder saber disso _ salienta a namorada dele.
_ Não prefere conversar com ele antes?
_ Não, o corpo é meu e eu quem decido. Ele e o resto dessa sociedade
hipócrita vão querer me culpar pelas minhas escolhas, acontece que o corpo
é meu e mereço ter todos os direitos de escolha sobre ele.
_ Você tem toda razão _ assente Verônica mexendo a cabeça.
_ O aborto já deveria ter sido legalizado há muito tempo, esse pessoal
vem querer tratar um embrião na minha barriga como um bebê. Depois essa
criança cresce sem nenhuma infraestrutura, porque não tenho condições para
criar, já não oferecem nem um mínimo de educação ou saúde, depois vira
bandido e vem falar que bandido bom é bandido morto! Quanta hipocrisia! _
lamenta.
Cessam-se os assuntos quando as duas chegam ao final do corredor,
entram por uma pequena porta de madeira carcomida. Parecia um lugar
abandonado. Já não bastava o ar do ambiente ser pesado por conta do clima
que demandava a situação, ainda estava cheio de poeira e sujeiras no
pequeno sofá furado da sala de recepção.
Quero ir embora desse lugar! Esse foi o primeiro pensamento logo
quando se aproximaram do balcão. Ela nunca tinha ido à uma clínica de
aborto, até mesmo porque nunca tinha ficado grávida e pensava não ser
muito a favor do aborto, mas ainda não tinha uma opinião plenamente
fundamentada acerca do assunto. Ia simplesmente pelo pensamento social e
religioso, talvez respeitando o direito de todos à vida. Mas entregar um bebê
indefeso a um mundo tão cruel quanto esse era algo digno de se pensar duas
vezes.
Uma mulher baixinha, meio idosa, com rosto saliente e malvado, e um
bigode proeminente atende-as logo na chegada, dispensando sua cortesia e
sendo o mais rígida possível na objetividade dos assuntos. Verônica fecha os
olhos e a única coisa que faz é chorar ao lado de Aurora. Afinal, não é pra
isso que servem as amigas?
X
Victor Hugo

Finalmente chegara o dia que Cecília iria passar uma semana inteira no
SPA, acabou se adiando um pouco, mas chegou. Se a felicidade fosse capaz
de tomar forma de gente seria personificada no corpo de Victor Hugo. O
CEO precisava se conter ao máximo possível para não transparecer o quanto
animado estava em ficar sete dias ao lado de sua amante. Ultimamente ela
tinha estado um pouco estranha, mas era bem provável que fosse falta de
atenção. Não é fácil conciliar tudo para agradar as mulheres, se alguém fosse
escrever um manual de como entendê-las era bem possível que gastasse
todos os papéis já fabricados no mundo e nem assim chegasse a uma solução
prática.
Entendê-las nunca foi uma tarefa fácil, nem nunca será. Mas com o
tempo e sua experiência havia aprendido que de uma coisa elas gostavam:
carinho. Carro carinho, passeio carinho, jantar carinho. Tudo do mais caro
sempre cativava um sorriso no rosto delas. Assim foi depois de ele ter pago
uma estadia daquelas bem expressivas num hotel fazenda maravilhoso para
ele e Aurora; e ainda pagou a semana da esposa no SPA.
A situação com sua secretária estava parcialmente resolvida, trocar ela
de posto fora suficiente para que continuasse perto dele. O homem não
conseguia se controlar e sabia que alguma parte do seu corpo sentia um
despertar diferente por aquela mulher espetacular. Seu pau? Talvez. Mas
afastar Verônica de seus pensamentos e sua convivência não lhe faria bem.
_ Bom dia, senhor Victor Hugo _ cumprimenta o jardineiro logo assim
que passa pelo patrão de sunga, relaxado numa cadeira ao lado da piscina e
mexendo no celular. Aurora só ficaria livre depois do horário do almoço e
Cecília ainda estava arrumando as malas.
Fazia uma semana que a esposa estava arrumando as malas e ainda
assim não acabara de separar tudo que precisaria. Cada dia se lembrava de
uma nova bugiganga pra carregar. O jardineiro estava bem maltrapilho
usando um macacão jeans do século passado e uma camiseta vermelha por
baixo. Suas mãos estavam sujas de terra e seus olhos desejavam um
mergulho naquela piscina. Victor Hugo tinha superado o fato de ele ter
bebido além da conta na festa e ter contato que as duas gostosas eram
melhores amigas. Acontece.
_ Bom dia! Quer tomar banho de piscina? _ convida.
_ Eu, senhor!? _ Emanuel fica assustado com o convite, porém surpreso
e agradecido. _ Desculpe senhor, mas tenho muitos afazeres para dar conta
no momento.
_ Chega aqui _ pede-o para se aproximar e depois disso fala em tom
mais baixo _ Se quiser pode entrar na piscina amanhã. Você e Carina, estou
convidando. Eu irei passar uma semana fora, mas Cecília não deve saber
nada a respeito disso. Está entendido? _ olha-o nos olhos com ar de
autoridade.
_ Entendido. Obrigado! O senhor é um ótimo patrão.
_ E espero que você corresponda à altura sendo um ótimo funcionário
também. Gosto de agradar meus empregados e espero ter a confiança de
todos eles.
_ Pode contar comigo sempre, serei eternamente grato a tudo que tem
feito.
Victor Hugo podia ter todos os defeitos, mas era uma pessoa de muito
bom coração disposta a ajudar os outros e cativar quem estivesse ao seu
redor como amigos. O homem tem uma aura que encanta qualquer um e não
era estritamente interesseiro, tomava atitudes de compaixão e dignas de
louvor por simplicidade e amor ao próximo. De que lhe valeria tanto
dinheiro se não pudesse usufruir da melhor maneira possível, ajudando que
precisa e gastando à medida do necessário?
Depois de fazer uma mesura, Emanuel retira-se pela lateral da piscina
em direção aos canteiros de rosa que estão muito bem cuidadas e tratadas,
num vermelho vivo e radiante. O jardineiro também parece bem animado,
possivelmente com a possibilidade de usufruir da piscina junto com a
empregada, de uma coisa Victor tinha certeza: está rolando um clima!
Sua manhã foi das mais agradáveis possíveis, só de conseguir uma
semana de folga de seu trabalho infernal já era mais que motivo para
comemorar. Aturar Dr. Campos é quase uma penitência, não sei qual
infâmia terrível cometi para ter que passar por isso. Continuou ali tomando
sol e uma caipirinha deliciosa, o álcool lhe relaxava. Odeio bebidas
alcoólicas, bebo para por fim em todas elas.
Na hora do almoço, Cecília já tinha descido para a mesa a fim de fazer
a última refeição antes de partir. Victor Hugo vestiu um roupão azul com seu
nome gravado em letras bem desenhadas e foi sentar-se junto à esposa.
_ Está sorrindo porque vai se livrar de mim? _ provoca.
_ Mas você é mal-agradecida mesmo. Estou feliz por você, finalmente
minha esposinha querida vai poder tirar uma folga de mim e relaxar.
_ Estou brincando com você, Vic! _ fala se aproximando dele e
apertando bem de leve sua bochecha. _ Obrigada! Não vá aprontar na minha
ausência hein, Carina será meus olhos nesta casa _ avisa enquanto a
empregada trás as travessas para a mesa.
O almoço é servido em poucos minutos: tem arroz a piemontese,
picanha assada com aquele caldinho provocante escorrendo, farofa amarela,
salada de macarrão com salsa, cebolinha e cubinhos de presunto. Tem
também um molho de azeitona preta que o homem adora. Pra beber: suco
natural de manga, Cecília tem pavor de refrigerante e sucos de caixinha, tem
mais produto químico do que em um laboratório.
☐☐☐
À tarde tudo muda, depois que sua esposa burguesinha saiu com seu
carro que o pai havia lhe dado de presente, o homem nem espera mais que
vinte minutos para pegar o outro veículo e partir com pressa rumo à casa de
sua namorada. Havia marcado de buscá-la em sua casa às três horas e dali
iriam direto para a surpresa.
Levou pouco tempo para chegar até a residência da garota, já havia lhe
mandado mensagem pelo celular avisando que estava chegando. Ela desceu
com as bagagens e a amiga veio a tiracolo. Ah, Verônica... O olhar da sua
antiga secretária era provocante e sensual de uma maneira que nunca tinha
encontrado em outra mulher, parecia se lembrar do nosso último encontro.
Mas Aurora que era sua namorada e ela também estava bem à altura de
realizar suas vontades. Paixão é uma coisa muito supérflua para um cara
como ele, mas não podia rejeitar as belezas que a vida lhe ofertava.
_ Olá, meninas _ disse logo assim que saiu do carro e foi cumprimentar
as duas.
Verônica continuava inerte realmente parecendo só tê-lo visto uma
única vez, era tímida e reservada em seus cumprimentos e conversas, uma
verdadeira atriz em mostrar que não o conhecia há tempos. Qualquer um que
olhasse para os dois, sequer seria capaz de imaginar que algum dia eles
tinham se beijado e transado. Que beijo gostoso... Os lábios de Victor até
ficavam úmidos em recordar aquela ocasião.
_ Oi, Victor Hugo _ fala Verônica, ausente de qualquer emoção na voz.
_ Oi, amor! _ Aurora era tão escandalosa que foi logo se jogando sobre
a boca do homem nem lhe dando tempo pra pensar ou respirar, roubou-lhe o
fôlego num só instante quase o deixando sem ar _ Estava com saudades!
_ Eu também, querida _ sorri para ela.
Recolhe as bagagens da mulher, que por sinal é uma quantidade bem
considerável, e coloca no porta-malas. O que essas mulheres tanto
carregam? O passeio que iria durar apenas uma semana tinha malas
suficientes para quem iria passar um mês fora. Se tinha um detalhe marcante
na namorada era o exagero. Recolheram tudo e se despediram da outra.
_ Promete que vai ficar bem, amiga? _ indaga a namorada.
_ Óbvio que vou Aurora, sei muito bem me cuidar. Além do mais, tenho
ótimos vizinhos que podem me ajudar.
_ Olha a sem-vergonhice no meu apartamento, hein.
_ Seu apartamento, querida!? _ debocha _ Não sabia que era você
quem pagava todas as contas.
_ Brincadeirinha! _ sorri e as duas dão uma abraço apertado de irmãs.
_ Boa sorte, que dê tudo certo _ recomenda.
_ Vai dar, Verônica. Vai dar! _ trocam um olhar estranho e misterioso,
parecendo que alguma coisa tinha acontecido.
Depois de um certo sentimentalismo na despedida, entram no carro e
partem rumo a mais uma surpresa. O hotel-fazenda era numa cidade mais
interiorana, porém não ficava a uma distância muito longa dali, cerca de uma
hora e meia estariam no local destinado. E a companhia no veículo tinha um
ar agradável e jovial, uma conversa tranquila e um amor na voz capaz de
conquistá-lo.
_ Tenho certeza que você vai adorar o destino da nossa viagem _ vira
pra ela com um sorriso estampado no rosto e comenta logo assim que dá a
partida.
_ Com você eu iria até ao inferno, meu amor. O que me importa é ter
você ao meu lado. Será a melhor semana da minha vida!
Para Aurora até que possa ser, mas provavelmente a surpresa que
aguarda o namorado não será das melhores, não é todo dia que a gente
acorda preparado para ouvir uma desastrosa notícia.
Seguiram viagem curtindo a brisa campestre cada vez mais que iam
afundando para o interior do Estado. Era possível ver um sorriso estampado
no rosto da garota ao admirar o imenso verde das pastagens e a suavidade
que parecia ser a vida no campo. Victor Hugo não sabia dizer ao certo se
morar num daqueles locais afastados seria bom, sempre tinha convivido com
o ritmo conturbado da vida nas metrópoles e havia adquirido aquela
progressão na sua existência, não saberia se seria capaz de se desacelerar e
viver afastado.
O campo pode reservar muitas belezas e ter também sua tranquilidade,
uma brisa fresca e uma paisagem paradisíaca. Chegaram até a passar na
frente de um sítio imenso, com lago, barquinhos e peixes na borda, a água
era tão clara que era possível perceber os bichinhos nadando no interior
dela. A entrada era linda com uma placa de madeira no estilo rústico e
várias árvores, a maioria eram pés de jambo, cuja copa estava a uma altura
considerável do chão e que criavam um caminho até a casa da fazenda.
_ Você gosta de sítios? _ pergunta o homem para Aurora que parece
bem entretida admirando a paisagem e cantando bem baixinho junto com o
rádio a música que tocava no rádio.
_ Oi!? _ voltou sua atenção para ele que teve de repetir a pergunta.
_ Você gosta de sítios?
_ Adoro! Mas só pra passear. Eu já morei um tempo numa cidade do
interior, mas era uma chácara um pouco afastada da rua, morava com meus
pais, mas depois que eles faleceram acabei me juntando a minha melhor
amiga e investimos no fluxo intenso da cidade. Nós éramos muito urbanas
para ficar restritas a uma cidadezinha como aquela que não tinha nada para
oferecer a mulheres tão desenvolvidas como nós.
_ É, cidades do interior é muito diferente das grandes metrópoles. Lá
falta muito emprego também.
_ Cidade pequena é tudo pequeno, menos a língua do povo.
Victor Hugo ri.
_ Verdade! Acontece que lá eles não têm muito o que fazer, acaba que a
maior diversão é comentar sobre a vida alheia.
_ A única coisa que eu gostava de lá eram os rapazes. Tinha cada
garoto bonitinho da minha cidade... A beleza está no interior _ provoca
recebendo um olhar sério de volta. _ Tô brincando com você!
_ Não gosto de brincadeiras a essa hora do dia _ incorpora o cara sério
que ele nunca foi e os dois voltam a rir.
O pé descontrolado de Victor apertava o acelerador ao limite, fazendo
os outros veículos comerem poeira e ultrapassando a maioria da velocidade
permitida, Aurora tinha até que firmar o corpo e segurar para não voar para
os lados. Mas era bom que adquirisse um ritmo mais acelerado para que
chegassem ao local antes do por do sol e dar pra aproveitar pelo menos um
pouco do dia. Viagem é sempre assim, o primeiro dia é quase dado como
perdido.
Quando atravessaram outra cidade, Victor Hugo ficou impressionado
com os animais que encontrava no meio do caminho e que não via há muito
tempo. Uma vara de porcos corria descontrolada para um lamaçal, guiados
por um senhor de cabelos esbranquiçados e estatura baixa. Na outra ponta da
estrada, num caminho paralelo, mas que não comportava carros, seguiam três
vacas amarelas e bem gordas.
O homem fica maravilhado em ver animais daquele porte, bichos como
aqueles só costumava ver na infância, quando ia visitar um tio dono de uma
fazenda no interior. Como sempre gostou de cálculos e negócios, quando ia
lá anotava os nomes de todas as vacas, registrando quanto cada uma delas
tinha rendido em litros de leite e anotava também quando bezerros tinham. O
empregado da fazenda ficava louco, pois o menino acordava cinco horas da
manhã para acompanhá-lo na jornada do dia, às vezes acordava antes mesmo
do vaqueiro e ia bater na porta de seu puxadinho.
_ Estamos quase chegando _ informa, nem sabendo ao certo se aquela
informação era mesmo verdade, mas segundo o GPS, faltavam apenas passar
por três cidades e chegariam ao destino.
_ Estou curiosa _ avisa com um olhar matreiro no rosto e ganha um
sorriso como resposta.
Quando o condutor do veículo retorna os olhos para a estrada fica
espantado depois de cruzar com um carro vermelho antigo que lhe pisca os
faróis, recomendando-lhe atenção, pois alguma coisa aconteceu.
_ O que será que houve? _ indaga Aurora _ Morro de medo de
acidentes de carro, depois do que uma cartomante me falou fiquei até um
pouco espantada.
_ Você já foi à cartomante? _ Victor estava rindo.
_ Já. Pare de rir e preste atenção na estrada. _ O condutor reduz para a
terceira marcha e percebe que todo o burburinho causado era por conta de
uma família de marrecos que atravessava o asfalto. _ Ah, que fofos! Vamos
levar um pra casa?
_ Se ele for ficar no seu apartamento... Ou a gente pode fazer pato no
tucupi, é uma receita bem famosa no Nordeste.
_ Ai, você é cruel.
_ Você ainda não viu nada. _ E deu-lhe seu olhar de conquistador
barato.
Depois de vinte e cinco minutos chegam ao destino. Só de passar pela
entrada do hotel-fazenda, Aurora já se sente uma criança de tão empolgada
com o clima e a natureza do lugar. Na entrada, tem um lago enorme em que
os visitantes têm a oportunidade de pescar, para o outro lado tem uma
floresta onde podem fazer trilhas, caminhadas e até acampar, segundo as
informações contidas numa pequena placa metálica logo na entrada quando
passaram pela porteira. Fora Victor que saiu do carro para abri-la e ainda
assim teve que voltar para abrir de novo, já que tinha escorado um pedaço
de pau muito desajeitado para contê-la.
Passando dali tinha um pomar imenso com pés de fruta de tudo quanto é
coisa que se possa imaginar, alguns deles carregados e poder saborear uma
fruta direto do pé é uma maravilha. Seu sabor até parece diferente, muito
melhor daquelas que se encontram no mercado e que estão repletas de
agrotóxicos e outras substâncias nocivas utilizadas para conservá-las.
Aurora fica impressionada.
Há fazenda tinha vários chalés, num estilo colonial, e uma piscina
imensa. Segundo as informações que o homem tinha consultado no site, ainda
gozava de uma cachoeira linda com uma tirolesa que despencava direto na
água. Além de sauna, cavalos num estábulo a disposição para cavalgar pela
fazenda, eventos organizados pela administração do hotel para divertir e
animar seus convidados, coisa que os faria se sentir um casal adolescente.
Tinha também um grande salão de festas onde cada dia da semana acontecia
um evento noturno diferente.
Quando desembarcaram do carro e foram até a recepção do hotel
acertar tudo, Aurora lia um panfleto dizendo que a estimativa de visita eram
cem pessoas por dia.
Victor Hugo vai falar com a recepcionista enquanto Aurora fica em pé
ao lado como um cão de caça, e depois que a atendente – como se Victor já
não tivesse um faro aguçado para recepcionistas – sorri para ele de uma
forma tão agradável. É aí que a namorada fica mais revoltada e agarra no
braço dele mostrando que aquela é sua propriedade.
Depois de retirar a chave na recepção e apresentar a devida
documentação, os dois se direcionam de carro para o chalé número 16. As
distâncias são bem consideráveis e o terreno é um pouco irregular de modo
que o carro chega derrapar numa estradinha repleta de pedregulhos e é a
única para chegar ao chalé reservado.
_ Simpático o pessoal daqui.
_ Odiei aquela mulher da recepção.
_ Por quê? Ela me pareceu tão prestativa.
_ Claro, ela estava dando em cima de você.
_ De mim!? _ finge-se de desentendido.
_ De mim que não seria.
_ Sei lá ué _ ri _ Ela me pareceu lésbica.
_ É a primeira lésbica que vejo se acender por namorados alheios.
_ Você tem algum preconceito com as lésbicas? _ Victor cutuca.
_ Não! Eu sou super mente aberta! _ defende-se. _ Mas que aquela lá
não era lésbica coisa nenhuma. Eu tenho certeza, vi nos olhos dela.
_ Tem como ver nos olhos de alguém a orientação sexual da pessoa? _
ele continua provocando e com uma vontade extrema de disparar a rir.
_ Ai, chega desse assunto! Ela não é lésbica e ponto final.
Ao chegar, deparam-se com uma beleza de arquitetura: a entrada é
padrão, mas a cor mostarda se destaca entre os demais. O interior da
habitação é ainda mais aconchegante, com uma rede na varanda do segundo
andar que deixa a garota enlouquecida. Ainda eram quatro e pouca da tarde,
resolveram correr para trocar de roupa e aproveitar as últimas horas antes
do por do sol para dar um passeio romântico e segundo a programação do
hotel, naquela noite teria música country no salão. Victor tinha certo apreço
por tal som.
_ Vou só dar uma ligadinha pra Verônica avisando que já chegamos,
senão ela fica preocupada _ Aurora recolhe o celular e sai andando pelo
chalé _ Vou aproveitar pra fazer um xixi.
_ Fazer um xixi _ repete seu namorado rindo da expressão. _ Eu falo
mijar.
_ É porque você não tem etiqueta _ salienta caminhando para o
banheiro.
_ Desde quando precisa ter etiqueta pra mijar!? _ Aurora ignora-o.
Sorte a dele que a garota se recolheu no outro cômodo, parecem até
linhas tortas da vida, pois Cecília liga para ele exatamente naquele instante.
Ufa! Se Aurora tivesse ao lado dele entraria numa cama de gato.
_ Alô _ atende com a voz meio abafada.
_ Oi, Vic. Estou só ligando para avisar que cheguei bem. Fique bem
sem mim. Amanhã mando mensagem pra você, já que vai estar trabalhando e
talvez não seja possível atender.
_ Ok. Bom descanso aí _ foi correndo com o assunto antes que a amante
retornasse do banheiro.
_ Obrigada, cheguei tem quinze minutos e já estou adorando. Acredita
que já estou até recebendo massagem nos pés!?
_ Acredito, mas deixa as novidades pra me contar depois, vai ser uma
surpresa ouvir tudo _ revira os olhos.
_ Sim, amor. Beijinhos! Vou desligar pra aproveitar minha massagem
aqui.
_ Tudo bem, querida. Tchau!
E desliga a ligação.
_ Quem é querida? _ Aurora aparece sabe-se lá Deus de onde e Victor
Hugo quase tem um infarto.
_ Caramba, que susto!
_ Pessoas que tomam susto assim é porque estão fazendo alguma coisa
de errado.
_ Era minha secretária, Adriana. Eu largo o trabalho mas o trabalho não
me larga. Já veio me perguntar sobre um plano de celular do ano passado se
o preço dele poderia se manter. Parece que eles não entendem o real
significado da palavra férias. E nem o da palavra inflação.
_ Hum... Talvez eu possa dar algumas aulinhas de português para eles.
Vamos dar uma voltinha no pomar? Depois que eu vi um pé de jabuticaba,
meu amor... Só saio de lá amanhã.
_ Você poderia me dar aulas de outra coisa _ provoca todo saliente,
mas depois retorna ao assunto anterior. _ Acontece que a noite os morcegos
vão lá colher frutas. Eles adoram jabuticabas.
_ Se você estiver tentando me colocar medo pode tentar novamente
porque eu sou quase a versão feminina do Batman. Não tenho medo de
morcegos! _ avisa.
Entregue aos sorrisos, Aurora se aproxima dele e lança-se em seu colo,
beijando-o de uma maneira tão tentadora e saliente que era capaz de sufocar
o homem daquela forma, mas Victor parecia aceitar de bom grado ser
sufocado pelos beijos de uma mulher completamente apaixonada. Para saber
beijar bem, é preciso que os dois corpos entre numa sintonia e interajam,
assim como faziam as mãos dele passeando pelo corpo dela enquanto as da
mulher afagavam os cabelos do namorado.
É tudo mais intenso quando se ama com os dedos que saem passeando
pela face, pelos braços e pela roupa desvendando cada centímetro onde
nasce o prazer, encontrando a paz de um beijo e sussurrando no ouvido dela
o quanto lhe deseja.
_ É melhor a gente ir logo que isso daqui não vai prestar... _ recomenda
Aurora fugindo dos beijos, por mais que sua vontade seja se entregar a eles.
_ Vamos ficar aqui mais um cadinho!
_ Mas o sol já vai embora, quando ele for a gente volta pro chalé e faz
o que você quiser.
_ O que eu quiser!? _ uma voz safada tomou conta das cordas vocais
dele.
_ Sim, o que você quiser _ repete sendo o mais sensual possível.
_ Agora sim vi vantagem.
Dando as mãos, saem do chalé em direção ao pomar, no portão de
entrada há um aviso das recomendações sobre o que fazer e como não
proceder no interior dele, salientando que nenhuma muda pode ser retirada
sem a expressa autorização da administração e demais coisas de natureza
obrigatória. É apenas uma espécie de manual de instruções daqueles que
ninguém lê.
Enquanto ela vai para o lado das jabuticabas, ele corre atrás do pé de
goiabas, mas não tem tanta sorte de ver o pé carregado, tem apenas algumas
mais no topo, praticamente impossível alcançá-las. Desistindo de pegá-las,
volta atrás de Aurora e se rende às bolebas pretas.
_ Amo jabuticaba! _ confessa ela.
_ Amo você!
_ Amo você e jabuticaba _ cativa o sorriso dele _ Mas não
necessariamente nesta ordem.
_ Está querendo dizer que ama mais as jabuticabas do que eu?
_ Não necessariamente.
Depois disso, ele a agarra por trás e morde sua orelha como expressão
do seu amor, é uma mordidinha bem de leve, mas mesmo assim não deixa de
arrancar suspiros, e acaba a imprensando entre o tronco da árvore e seu
corpo quente e intenso. Quando dão por si, a boca de um está colada
novamente na do outro despertando o amor e a paixão avassaladora que os
consome naquele instante. Os beijos eram provocantes e inspirados, Victor
não sabia dizer qual beijo preferia, mas provavelmente o de Aurora estava
entre os melhores, já que acontecia de uma forma doce, mas a agressividade
dos lábios de Verônica tinha também seu valor.
Esqueça essa mulher, Victor Hugo! Seu subconsciente sussurrava em
seu ouvido, não era possível beijar alguém e ficar desejando outra pessoa.
Ele precisava era se organizar para administrar todas essas mulheres, em
algum momento uma iria descobrir da outra, não se pode levar uma vida de
fachada para sempre, ainda mais com a melhor amiga de uma delas
trabalhando no mesmo prédio que o dele.
_ Acho melhor a gente voltar pro quarto... _ sugere o homem que já está
completamente consumido pelo desejo.
_ Concordo _ responde, com os lábios colados nos dele.
☐☐☐
São oito horas da noite, Victor Hugo já se considera arrumado, depois
de ter vestido uma bermuda branca e uma camiseta azul com o desenho de
uma lâmpada, gostava de se vestir de um jeito simples, porém estiloso e se
sentia bem estando daquela forma. Aurora ainda precisaria de pelo menos
mais meia hora pra terminar a maquiagem, escolher um dos sapatos já que
tinha trazido uma sapataria inteira dentro de uma mala e fazer mais milhões
de coisas que as mulheres garantem que é de extrema necessidade passar por
todos esses passos antes de sair de casa.
Já que estava pronto e a mulher ainda demoraria, deita-se na rede e fica
mexendo no celular, por mais que tenha uma aparência séria o homem é a
maior criança que quando não tem ninguém por perto fica jogando Campo
Minado pelo celular. Depois que tinha descoberto a versão adaptada não
parava mais de jogar, era um vício só.
Depois de perder trezentas mil partidas, enfim desiste e começa a
conversar pelo Whatsapp com seu filho já que fazia tempos que não
conversavam e a última vez que haviam se visto fora na apresentação da
escola, onde tinha arrancado choro e riso dos presentes e o próprio pai era
quem havia roubado a cena e a admiração dos demais. O pai que ficou com
todo mérito, mas Isaac não se importava de dividi-lo.
Não demorou muito para que Isaac mostrasse as garras, mesmo que por
trás de uma simples conversa de Whatsapp, provavelmente ele pensa que
sou algum sócio de um banco na Suíça, quem me dera pertencer ao
paraíso fiscal, ou então acha que sou Papai Noel. Queria mais dinheiro
para participar de um concurso mundial de bandas que teria e iria se
apresentar em Cancun, só que cada um dos integrantes teria que pagar sua
viagem, e óbvio que Isaac queria comprar o pacote mais caro da excursão.
Aceita ajudar o filho, mas logo desliga a internet para que o menino não
continue a aporrinhá-lo, aquela noite era só dele e de Aurora e faria o
máximo possível para que continuasse daquela forma. Todo mundo merece
um dia de paz, e um dia com Isaac é um dia de guerra.
_ Já está pronta, Aurora? _ ele grita da varanda, balançando-se deitado
na rede.
_ Só mais uns minutinhos. _ Os minutinhos dela eram os mais
demorados do planeta Terra.
Ele acaba soltando um palavrão e é repreendido pela amante que o
mandara controlar sua impaciência que já estava quase ficando à altura de
sair com ele.
Depois de quarenta minutos – o que foi tempo suficiente para Victor
Hugo cochilar na rede – ela finalmente está arrumada. Pelo visto toda a
espera tinha valido a pena, agora ela usava um vestido curto e colado no
corpo, de um azul espontâneo, brilhoso e repleto de babados. Nos pés, um
sapato de salto agulha cor preta e nos cabelos uma única trança linda que
caía-lhe na frente dos ombros, a maquiagem estava adequada, com uma
sombra azul escuro sobre os olhos, mas decididamente perfeita.
_ Vamos? _ chama-lhe e depois que esta mexe a cabeça, ele lhe estende
o braço como um legítimo cavalheiro.
_ Agora! _ concorda, aceitando seu braço.
Os dois saem andando do chalé como um legítimo casal apaixonado
parecendo estar em plena lua de mel. Andam uma certa distância até o salão,
preferindo abdicar do carro pois bem provavelmente irá beber e é possível
que não esteja em plenas condições para dirigir de volta e além do mais
aquela era uma noite para se divertir, não queria ter a responsabilidade de
beber pouco por conta de estar conduzindo um veículo, qualquer coisa os
funcionários do hotel os levaria num táxi gratuito que circula pela
propriedade.
Chegaram ao local da festa em quinze minutos de uma caminhada lenta,
o barzinho adaptado parecia bem agradável, com mesinhas espalhadas,
garçons passeando e servindo bebidas das mais variadas, música num
volume ambiente que tanto agitava os apaixonados quanto não impedia que
os presentes conversassem entre si. Odeio música alta, é horrível ter de
gritar para ser ouvido!
O susto de Victor Hugo é tamanho quando dá de cara com Iago e
Pâmela, um casal conhecido dele, o que estavam fazendo ali? É engraçado
que quando alguém quer fugir pode se esconder até no fim do mundo que é
capaz de encontrar alguém que lhe conheça. Iago é ex-marido de uma das
primas de Cecília, daquela raça Gouveia Vasconcellos que nunca fora muito
fã de nenhum dos homens que aderiam à ela, sempre julgavam ser cretinos
interesseiros, e não podia negar, pois Iago nunca foi muito flor que se cheire.
Mas poderia botar tudo a perder naquele encontro, seu coração acelera logo
assim que os dois se aproximaram.
_ Victor Hugo! _ cumprimenta Iago na maior empolgação e Aurora olha
pra ele com uma cara de “quem é esse cara!?”
_ Iago! _ os dois se abraçam como se fossem daqueles parceiros que
jogavam futebol juntos nos tempos áureos. _ Quanto tempo, cara! Deixe-me
apresentar minha namorada _ e pelo olhar parecia disser: “Não faça
nenhum comentário sobre Cecília! Não faça nenhum comentário sobre
Cecília!...”.
Apresentando Aurora como se fosse o troféu de algum torneiro, os dois
se cumprimentam com um aperto de mão e dois beijinhos, depois é a vez
dele de apresentar a acompanhante.
_ Esta aqui é Pâmela, a minha noiva.
Pâmela parecia não ter mais de uns trinta anos, tinha um rosto meio
esticado, plastificado e os peitos eram explicitamente silicone. Usava um
vestido tão curto que era possível ver o colo do útero da mulher.
_ Prazer _ Aurora a cumprimenta, os quatro acabam sentando numa
mesinha do bar como se fossem velhos amigos. Se esse cara me ferrar eu
ferro ele de volta! Se me atacar eu vou atacar!
_ Então, como veio parar aqui? _ estava curioso em descobrir como seu
esconderijo tinha sido descoberto.
_ Ah, eu e meu amor _ dá um sorriso para a Pâmela _ resolvemos
passar uns dias num hotel-fazenda pra poder dar uma relaxada, fugir do fluxo
intenso da cidade, ai vimos que este era um dos melhores da região e
fizemos uma reserva. Por sorte calhou de ser na mesma data da sua.
_ De onde vocês se conhecem? Desculpe perguntar _ Aurora se
intromete no assunto enquanto Pâmela continua observando tudo como mera
expectadora.
_ Que isso, pergunte à vontade. Eu e Victor Hugo nos conhecemos há
muito tempo desde a época dos...
_ A época dos dinossauros! _ corta o executivo com medo de Iago falar
demais da conta _ Somos amigos desde a pré-história, não é verdade!?
Dá um tapinha nas costas do amigo, mas dizer que foi um tapinha era um
terrível eufemismo por aquela mão carregava o peso de uma mentira e Iago
rapidamente entende o recado de que boca fechada não entra mosquito. Os
dois eram ótimos para arranjar amantes, o ex-quase-cunhado já tinha sido
deflagrado uma vez na cama com outra e deve muito bem se compadecer
daqueles que passam pela mesma situação, pelo menos é o que eu espero.
_ Eu e Iago nos conhecemos quando ainda estava casado com minha
primeira esposa, mas depois vieram os contratempos da vida e cada um
seguiu para um rumo diferente.
_ Deixa ele falar, Victor. Você é muito ditador! _ repreende a namorada.
_ É que esse cara sempre foi mil vezes melhor com as palavras do que
eu. _ Iago defende o discurso do colega.
_ Mas e aí, Pâmela!? Vi que recebeu uma aliança muito bonita de
presente. O casamento é pra quando? _ muda de assunto sabiamente, mas
Aurora não parecia ter engolido muito bem a história.
_ Ah menino, esse seu amigo é um enrolado. _ A voz da siliconada
tinha um tom profundo e meio de piriguete, carregado de sotaque puxando no
S _ Espero que seja logo, tínhamos marcado uma data anterior só que uma
das daminhas morreu dias antes.
_ Ai que horror! _ Aurora se compadece do sofrimento que havia na
voz de Pâmela e isto fez Victor se acalmar um pouco, mas ainda trocava
sérios olhares com Iago.
_ Foi terrível, menina _ encosta uma mão no ombro de Aurora como se
tivesse intimidade suficiente para isso _ Morreu de meningite. Ainda
estamos em choque, aí tivemos que desmarcar. E o padre é muito
compromissado só tem vaga pro ano que vem.
_ Troquem de padre _ sugere o executivo.
_ Nem pensar, me confessei a vida toda com ele, quero que faça meu
casamento. Além do mais ele tem uma batina vermelha que vai combinar
perfeitamente com a decoração que eu quero. Tudo em vermelho, cor da
paixão, né meu amor!? _ de mera espectadora, Pâmela tinha tomado o posto
de ditadora dos assuntos, desde que ela não tocasse nos assuntos particulares
da vida dele estava tudo ótimo.
_ Quando alguém acompanha nossa trajetória é difícil abrir mão né!? _
Aurora estava bem comunicativa e se inteirando bem com a outra _ Eu nem
sei se quero casar. Minha ambição é ser feliz!
_ Vamos pegar umas bebidas? _ sugere Pâmela, e Victor Hugo concorda
veemente _ Querem tomar o que, rapazes? _ Vergonha na cara! Tem essa
opção? A voz de Pâmela era irritante, era voz de gente que está mentindo ou
sendo falsa.
_ Uísque _ tem fascinação por uísque.
_ Vodka, você sabe do jeito que eu gosto.
_ Pode deixar! Vamos comigo? _ as duas mulheres saem lado a lado em
direção ao bar conversando como se já se conhecessem faz tempo.
Permanecem na mesa os dois que agora respiram aliviados e tem a
oportunidade de conversar abertamente por poucos minutos.
_ O que foi isso, Vitão!?
_ Não conte nada pra ninguém, eu ainda estou casado com Cecília, mas
estou saindo com Aurora também. Você sabe que eu sempre te ajudei em
tudo, espero poder contar com sua gratidão agora.
_ Que isso, parça! Tamo junto! Sou X9 não _ Iago era cheio de gírias _
Filezinha hein, você não dá mole não.
_ Se for pra ter outra, tem que ser alguém de categoria né!? _ Os dois
riem, esses homens não valem nada.
Dois minutos depois elas já estavam de volta com bebidas à mão e
sorrisos no rosto.
_ Sabe o que eu estava pensando? Poderíamos fazer uma caminhada na
mata amanhã pela manhã nós quatro _ sugere a siliconada _ O que acham?
_ Ótima ideia, amor _ e dão um selinho, parecendo aqueles casais que
querem mostrar pra todo mundo que estão juntos. _ Você não bebe não,
Aurora?
_ Não sou muito fã de bebida, mas vou tomar um vinhozinho só. _ Está
querendo se soltar, né... Ela ainda parecia um pouco estranha. Alguma coisa
parece estar acontecendo.
☐☐☐
Já era tarde quando os dois retornam para o interior do chalé e Victor
senta-se levemente embriagado no sofá da sala com Aurora ao seu lado.
Toma coragem para perguntar a ela o que estava acontecendo, pois não era
de hoje que havia notado ela distante, um pouco aérea e até meio
desamparada.
_ Está acontecendo alguma coisa, amor?
_ Está _ responde com a voz calma e a cabeça baixa.
_ Me conte.
_ Então, Victor. Eu pensei em várias maneiras de dizer isso, e ainda não
decidi qual seria a melhor forma de te contar, acontece que chega um
momento que você precisa saber. _ dá uma pausa _ Bem, você tem
conhecimento que tivemos relações desprotegidas ao longo do nosso
relacionamento e acontece que o inesperado aconteceu.
Ela não esta querendo dizer que... Não pode ser!
_ Escolhi interromper esta gravidez porque o corpo é meu e tenho todos
os direitos de escolher o que fazer sobre ele, sei também que está decisão
não era somente minha já que você é o pai da criança.
Ela abortou!?
_ Cheguei ir à uma clínica de aborto clandestina acompanhada de
Verônica, dei até entrada no procedimento, mas de última hora voltei atrás.
Não abortei. Não tive coragem suficiente para interromper o crescimento de
um pequeno pontinho que nascia em mim. Tive certeza que depois de perder
toda a minha família, aquela era uma nova chance pra recomeçar, uma
chance de viver ao lado de pessoas que me amamos, e eu já amo algo que
cresce no meu ventre... _ Uma lágrima escorre por seu rosto e ninguém faz
nada para impedir. _ Tudo bem que eu não tinha planejado nada disso e
simplesmente aconteceu. E a vida é assim, ela simplesmente acontece. Tem
coisas que não estamos preparados para vivê-las, mas não quer dizer em
momento nenhum que o nosso despreparo irá ter um resultado negativo.
Victor continua calado sem saber o que falar ou fazer. As informações
ainda se processam lentamente em seu cérebro: Minha-amante-está-
grávida. Estou-ferrado!
_ Esperei um pouco para ter certeza se estava realmente grávida. E sim,
estou. De sete semanas.
Puta que pariu! Quase dois meses já!? Vou ser papai, merda! E
agora? Em estado de choque, ele permanece mudo.
_ Fala alguma coisa, Victor Hugo! _ implora a mulher, preocupada com
a ausência de reação do namorado.
_ Erh... Vamos ser pais! Que maravilha! _ e sorri se sentindo a maior
falsiane do universo.
_ E são gêmeos _ acrescenta.
Gêmeos!? Tô ferrado!
XI
Verônica

Passar uma semana inteira sozinha no apartamento era o melhor


presente que Verônica já tivera recebido em toda a sua vida. Tudo bem que
neste período devia continuar trabalhando, não é todo mundo que tem a vida
ganha e pode sair curtindo férias, mas a noite era pura alegria.
Aquela noite estava marcada para acontecer uma sessão-recordação da
festa de Oswaldo e do sábado na casa do vizinho, mas não poderia ir saindo
descaradamente convidando o garoto para o quarto dela logo de uma vez.
Porquê não, se já tinha feito isso da última vez?! Precisava fazer uma cena,
Verônica achava ridículo o fato de as mulheres não poderem sair dando em
cima dos homens e ter que se dar o valor. “Mulher não pode chegar no
homem, ele que tem que tomar a atitude”, ela odiava que dissessem essa
frase.
Arruma a casa para receber seus convidados noturnos, colocou um pano
bonitinho no sofá, varre os cômodos e enfeita a sala com seus objetos
preferidos. Aurora não tinha um gosto muito refinado na opinião de
Verônica, e como ela ficaria sozinha poderia fazer tudo para se sentir bem
naquele espaço.
Mesmo que Aurora fosse sua melhor amiga, às vezes precisava ficar
sozinha, só com seus pensamentos e reflexões, principalmente depois da sua
traição. Esqueça isso! Verônica tinha mania de encostar-se ao peitoril da
janela, observando todo o movimento que corria lá fora nas ruas e pensar o
que seria da sua vida.
De tudo que já tinha enfrentado nessa vida para chegar até ali, Verônica
Bittencourt tinha tudo para se orgulhar de ser uma mulher guerreira e
batalhadora que não abre mão de seus objetivos em prol de conversinhas
alheias. A felicidade própria sobrevive acima de tudo. Mas às vezes ela se
sentia meio Oswaldo, sabe quando bate aquela deprê sem nenhum motivo
declarado? Era assim que ela estava se sentindo, perdida em que mundo
viver e como continuar. A bad bateu em minha porta e eu abri.
Mas por um lado estava bem pelo fato de sua vida estar finalmente
entrando nos trilhos: tinha se acertado com Igor, mesmo que em termos de
compromisso zero, mas estavam juntos e era isso que lhe importava. Viver a
coisa do momento. Abandonara o cargo de secretária ao lado de Victor
Hugo, sabia muito bem que não poderia se envolver com ele e continuar ali
muito próximos não ajudaria em nada reverter a situação, Aurora era sua
melhor amiga e não poderia desrespeitá-la daquela forma.
A programação para a noite seria a melhor do século: convidara Dora e
Igor para comer pizza na casa dela, dona Heloísa havia descoberto seu plano
maligno de jogá-la nas garras de seu primo depressivo e ainda estava
profundamente magoada. Levando em consideração como convive essa
grande família, daqui a no máximo uma semana já estarão se cheirando
novamente. Elas não conseguem ficar muito tempo separadas e óbvio que
uma pizza serviria muito bem para estreitar os laços dessa relação, mas a
senhora já tinha um compromisso.
Óbvio que não era com Oswaldo, porque nem mesmo uma mulher da
terceira idade ele era capaz de conquistar, a respeito do encontro, os dois
ficaram quietos sentados na mesa e tudo quanto é assunto que Heloísa
puxava, ele tratava com desinteresse e chatice. Oswaldo é graduado na
UFC: Universidade Federal da Chatice.
Oswaldo ficou revoltado com o encontro que a prima havia preparado
para uni-lo à vizinha, ele tinha dito simplesmente que gostava de mulher,
então mesmo se fosse branca, preta, parda, colorida ele teria que aceitar. Até
mesmo uma idosa. Algum preconceito com a terceira idade? E além do
mais, dona Heloísa era uma mulher super prestativa, boa e experiente,
provavelmente sabia muito mais da vida do que ele. Verônica tivera sido tão
prestativa e fez tudo com o único intuito de ver duas pessoas felizes (e poder
se livrar dos dois de uma vez só). Até porque as pessoas que amam são mil
vezes menos chatas.
Ainda eram sete e meia da noite, já tinha tomado um banho e misturado
um milhão de cheiros até escolher um perfume que lhe agradasse, pois
nenhuma das fragrâncias eram capazes de demonstrar a sua essência. Vestiu
um comportado vestido amarelo que Aurora sempre dizia que a amiga
parecia legítima banana prata naquela roupa. Ligou para a pizzaria que já
estavam acostumadas a pedir e encomendou uma pizza grande de
marguerita, sempre pedia aquele sabor e sabia que Dora e Igor também
gostavam. Precisava encomendar uma hora antes para que entregassem, mas
valia a pena porque tinha um entregador gato que sempre soltava umas
cantadas maravilhosas e até já tinha despertado interesse por Verônica. E ela
também já tinha despertado seu interesse por ele. Ai como eu tô bandida!
Só precisava ainda convidar os vizinhos, pois não havia falado nada e
queria fazer-lhes uma surpresa, sabia que era dia de semana e não
costumavam sair, e também conversara com Dora pelo Whatsapp e esta tinha
dito que ficariam a noite toda em casa. Ela trabalhava no dia seguinte,
ficaram horas no telefone trocando mensagens sobre o novo melhor partido
do mundo que Dora tinha conquistado, Nathan era rico, bonito e legal; e a
amiga não se cansava de suspirar por ele. Contou também do terrível
preconceito que sofreu num restaurante por ela ser negra e ele branco.
Sinceramente, um absurdo!
Pessoas que ficam comentando da vida alheia, na opinião de Verônica,
sempre foram mal amadas. É aquele tipinho que ninguém quer e querem
também que os outros sejam infelizes assim como eles são. Mas não se
deixavam abater, a vizinha tinha representado, falado poucas e boas ao
gerente e ainda assim ganhou um outro jantar de cortesia como um pedido de
desculpas. Dora era bem esperta e ameaçou processar o estabelecimento, era
do tipo que ameaçava processar todo mundo para preservar seus direitos e
estava certíssima, depois que Aurora contou que Dr. Gustavo era um
excelente profissional, acabou até usando o nome do homem e dizendo que
era seu advogado há anos sem sequer conhecer o rapaz.
Corre até a porta da vizinha e dá duas batidinhas, está devidamente
arrumada de uma maneira simples e espontânea, daquele tipo de quando se
arruma para receber alguém, mesmo que fossem ficar em casa não precisava
andar maltrapilha com suas roupas velhas e rasgadas que costuma vestir pra
ficar em casa e que mais parece o figurino de uma mendiga.
_ Surpresa! _ surpreende Dora logo assim que esta abre a porta.
_ Oi. _ Seu “oi” soa tímido e perdido.
_ O que foi? _ não é preciso nem resposta quando Verônica se intromete
correndo os olhos pela casa.
No sofá, estão sentadas duas pessoas e aos beijos parecendo um casal
apaixonado, até ai não teria problema nenhum se não fosse o fato de que
quem estava se beijando era uma outra vizinha do terceiro andar e Igor.
Igor!
_ Cretino! _ Verônica está completamente transtornada e descontrolada
quando entra pela casa e vai logo distribuindo uma sessão de tapas no corpo
do vizinho marrom bombom.
_ Calma, Verônica! _ Dora tenta agarrar nos braços da amiga mas não
surte muito efeito.
Igor fica tão espantado que suas pupilas dilatam de uma maneira nunca
antes vista, a vizinha do terceiro andar que não tinha nada a ver com a
situação acaba apanhando também, mas não é intencional. Os tapas que
Verônica distribui acabam ressoando sobre ela e faz a traída se sentir bem
por isso. A moradora se levanta rápido e corre pra outro canto com medo de
ser atingida.
_ Controle-se, Vê! _ Desta vez ele é sério e agarra nos braços dela
impossibilitando-a de tomar qualquer outra atitude, mas ela tem uma força
descontrolada e bem além do comum.
_ Não me chame de Vê! _ grita, mas nessa hora sua voz é um soluço
engasgado e estrangulado. A pobrezinha está chorando.
_ Alice, será que você pode nos dar licença? Depois eu te explico tudo
que aconteceu, desculpa esse imprevisto. _ Ah, agora eu virei um imprevisto
na vida dele!?
Não vai ter depois entre vocês, eu vou acabar com a sua raça,
piranha! Sentada no sofá com os braços imobilizados pela força de Igor e
por seu consentimento ao fato, mira com olhar de ave de rapina para a outra
moradora do prédio. Agora que passa um pouco da raiva, ela nem sequer
tenta se soltar dos braços do marrom bombom, mas preferia ser agarrada
pelo macho de outra forma.
_ Eu te acompanho até a porta _ prontifica-se Dora.
_ Me admira você Dora se prestando a este papel, e eu pensando que
você era minha amiga.
_ Não piora a situação _ pede Igor enquanto sua irmã acaba de
dispensar Alice pela porta.
_ Não piora a situação, você! _ A mulher traída fala numa voz aguda em
tom de ordem, retomando o controle da situação e se levanta do sofá. _ A
gente estava se dando muito bem juntos, até encomendei uma pizza agora e
vim convidar você e sua irmã para lanchar comigo lá em casa. Mas estou
mesmo num ninho de cobras, não sei como pude ter sido tão idiota a ponto
de acreditar num cara como você. Óbvio que você era só um cafajeste
qualquer, mas você me deu esperanças, você me cativou de uma forma que
despertou minha atenção, meu interesse...
_ Seu amor _ corta ele. _ Acontece que desde o início eu deixei bem
claro pra você que nossa relação seria mera casualidade, não tínhamos
nenhum compromisso e qualquer um dos dois poderia muito bem ficar com
quem quiser.
_ Eu sei... _ Verônica o interrompe, mas não consegue dizer mais nada
além daquilo.
A mulher forte e decidida se desmorona novamente no sofá, sentindo-se
frágil e desprotegida. Era como se suas pernas desaprendessem a andar e sua
boca ficara tão vazia que tinha a sensação de nunca ter falado uma palavra
sequer, tentava formular algum conceito, algum comentário, qualquer coisa
que pudesse dizer em defesa daquela paixão. Tudo bem que havia sido
avisada da impossibilidade de viver seu amor com aquele homem, ele havia
dito muito bem: “não se apaixone por mim”. Acontece que não era ela a
dizer ao seu coração quantas batidas ele tinha direito a dar por alguém e
naquele caso, seu órgão vital tinha extrapolado todos os limites.
Fecha os olhos tentando pensar por um instante que nada daquilo que
aconteceu foi de fato real. Igor não estava beijando Alice no sofá. Igor não
estava beijando Alice no sofá... Mas suas palavras não produziam efeito
nenhum em sua consciência. Às vezes a gente tenta se enganar o máximo
possível pra se sentir bem, mas nada era capaz de mascarar aquela realidade
terrível: Verônica é a mais nova chifruda do pedaço.
_ Estou me sentindo péssima _ sussurra Dora.
_ E eu estou com vontade de dar na sua cara! _ grita. _ Pensei que era
minha amiga, mas na verdade é uma cobra em pele de vizinha. Sempre soube
da minha relação com seu irmão e ainda assim tem a cara de pau de receber
ele e a amante bem debaixo do próprio teto.
_ Alice não é minha amante, nem temos uma relação, Ve...rônica _
corrigi antes mesmo que esta reclamasse.
_ Você está um pouco alterada, depois conversaremos melhor, mas pode
ter certeza que eu sou sua amiga e não tenho nada a ver com as escolhas do
meu irmão.
_ Eu estou alterada!? _ grita gesticulando de uma maneira visivelmente
descontrolada, tentando extravasar a tensão com as mãos pra não dar na cara
de ninguém _ Quem está alterada aqui!? Quem está alterada!? _ Sua voz
atinge um agudo ensurdecedor _ Eu estou calma, calmíssima. Não sei quem
está alterada!
_ Será que você pode se controlar? Você é capaz de ter uma conversa
digna comigo? _ pede Igor e desta vez não há mais nenhum sinal de
delicadeza em seu lindo rosto.
_ Quem é você pra querer vir falar de dignidade comigo? _ Vão, eu não
posso me controlar porque sua uma pessoa completamente descontrolada e
vou dar na sua cara, seu imbecil.
_ Tudo bem, você não é capaz de dialogar _ Igor vira as costas para ela
e se encaminha para outro cômodo da cara.
_ Eu vou buscar uma água pra você. _ A amiga também se retira da
sala. Eu não preciso de água! Mas Verônica não diz nada, apenas fica ali
ausente de companhia física, mas repleta de fantasmas mentais.
Tenta se fazer de forte mais uma vez, mas nada mais é capaz de segurar
seu choro, as lágrimas brotam em seu rosto e escorrem descontroladamente
sem nem mesmo terem sido convidadas. Desmoronava todo o seu interior e
toda uma relação futura, os nomes dos filhos, a decoração da casa em que
morariam juntos, e a raça do cachorro... todas as suas ideias tinham virado
pó. Maldito seja Igor que destruiu todos os meus sonhos! Uns cinco
minutos depois quando Verônica toma seu copo d’água e adquire um estado
emocional menos agressivo, o marrom bombom retorna à sala e senta-se no
sofá ao lado dela.
_ Será que agora a gente pode conversar? _ pede.
_ Fala o que você tem pra dizer _ continua olhando para qualquer outro
ponto da casa que não seja os olhos dele.
_ Olha pra mim, Verônica.
_ Não quero te olhar.
Ele segura o rosto dela com as mãos e modifica o ponto de visão da
garota que agora incide diretamente sobre o dele. Seu semblante tristonho
ameaça chorar mais uma vez, mas resiste.
_ Eu não te trai, porque nunca tivemos nenhum compromisso. Só
pessoas que admitem alguma relação podem falar em traição. Você sabia
muito bem o tipo de cara que eu sou e nunca te ilude quanto a isso. Nossa
relação nunca teria futuro.
_ Você só queria me usar pra se divertir, é isso? E agora me troca por
uma piranha qualquer?
_ A moradora do terceiro andar não é nenhuma piranha.
_ Para de defender ela não minha cara! Disfarça pelo menos.
_ Olha Verônica, desculpa se eu te magoei e confundi seus sentimentos,
mas essa nunca foi minha intenção. E segundo, eu não usei você pra me
divertir porque a sensação de prazer era mútua. Pensei que fosse mais
desencanada quanto a isso.
Eu também achava que era.
_ Ok, tudo bem. Não vou guardar nenhuma mágoa ou ressentimento de
você, só preciso colocar minha cabeça no lugar. Eu... Eu tenho que ir embora
_ levanta do sofá, vai abrindo a porta e corre para seu apartamento.
O trajeto até ele é o mais rápido possível, corre como se pudesse de
alguma forma fugir de tudo aquilo. Quando chega em casa dá um grito
ensurdecedor e tem vontade de atirar o primeiro objeto que vê sobre uma
mesa de centro na parede, mas aí lembra que é pobre. Senta-se no chão,
encostada na parede com as mãos na cabeça e chora todas as lágrimas que
tinha no estoque, dessa vez não economiza. Verônica era o tipo de pessoa
que chorava quando via filhotinhos de cachorro abandonados pela mãe, não
iria chorar agora que tinha perdido definitivamente todas as esperanças com
o amor da sua vida?
Como se isso fosse melhorar alguma coisa, vai até o laptop de Aurora e
coloca “Someone like you” de Adele pra tocar. Quando a pessoa está triste,
é necessário colocar uma música mais triste ainda só pra piorar a situação. E
isso só piora. Tem vontade de ligar pra melhor amiga, pois naquelas horas
só ela tinha as palavras certas para aliviar a dor. Por mais que nada pudesse
fazer aquilo passar de repente como gostaria que acontecesse, só o tempo
será capaz de sarar essa ferida. O amor de Igor era a granada que explodia
dentro do corpo de Verônica e perfurava todo o seu ser, estilhaçando tudo e
invadindo-a com a dor mais insuportável do planeta. O mal do amor é esse,
às vezes parece algo bom, mas na verdade tudo aquilo era uma ferida
terrível que invadia seu peito. Alguns machucados do coração parecem
amor, mas não são.
Não ia incomodar a melhor amiga no passeio com o namorado,
principalmente no primeiro dia de viagem, ela tinha muito pra curtir e
Verônica não podia mostrar que não sabe passar um dia sequer sozinha.
Aliás, Aurora estava passando por problemas bem piores que o dela, afinal
estava grávida e precisava contar para o pai da criança sobre toda essa
situação, ainda nem sabia se o homem já tomara conhecimento. Aurora tinha
combinado de contar ainda hoje à noite e provavelmente só ligaria amanhã
de manhã pra contar a reação dele.
Verônica chorou mais uma vez borrando toda a maquiagem que tinha
feito, estava tão arrumada se sentindo linda e pronta para agarrar o bofe, mas
seu plano da pizza tinha ido todo por água abaixo. Agora, além de sozinha, ia
ficar gorda porque iria comer a pizza enorme toda sozinha.
Por mais que aquele amor não fosse o sentimento mais sólido e
construtivo que derivava de sua vida, era como se tivessem roubado um
pedaço de si que mantinha todo um equilíbrio emocional dentro dela. Era
como se tivessem lhe desorganizado do pior modo imaginável e agora
demoraria tempo pra tentar se organizar. Reconstruir-se após a frustação de
um relacionamento vai ser sempre um sofrimento. Mas uma hora passa, o
problema era que Verônica queria que essa hora fosse daqui a cinco minutos,
mas todo mundo precisa de um tempo para engolir seu próprio luto e enterrar
uma emoção perdida.
O interfone tocou e a mulher, jogada no chão, pensou muito até se
convencer de levantar. Estava se sentindo tão destruída que sua maior
vontade era dar uma de Oswaldo, tomar uma cartela de comprimidos e tentar
desaparecer do mapa.
Quando caminha até o interfone da casa e no meio do caminho depara
com um espelho quase toma um susto com o exú que vê refletido, aquele
fantasmagórico ser pálido com lágrimas negras escorrendo pela face
definitivamente não era ela. Corre de sua imagem e atende o porteiro.
_ Oi, Seu Bernardo _ atende o porteiro como uma voz de alguém que
tinha acabado de chorar um rio de lágrimas.
_ Boa noite, dona Verônica _ para de me chamar de dona Verônica que
o senhor é muito mais velho do que eu! _ É que tem um rapaz aqui, um
moreno alto, disse que é da pizzaria e veio entregar uma pizza.
Um moreno alto!? Conte-me mais sobre isso.
_ Ah sim, eu encomendei. Peça-o para subir que estou um pouco
impossibilitada de descer.
_ Está tudo bem com a senhora? _ indaga o porteiro intrometido.
_ Tá tudo bem sim.
_ Se a senhora quiser posso ir até aí e buscar o dinheiro sem
problemas.
_ Não! Pode deixá-lo subir. Eu quero pedir uma informação sobre a
pizzaria a ele também _ inventa a primeira desculpa que vem pela cabeça.
_ Ok! Ele está subindo. _ E desliga o interfone.
Num instante Verônica se recompõe para receber o moreno alto: corre
até o banheiro e lava a maquiagem borrada, para um leve toque de base no
rosto para esconder as marcas de choro e ajeita o vestido meio amarrotado.
Nada melhor do que um moreno para curar o pé na bunda dado por um outro.
Quando a campainha soa, ela já está parada próxima a porta pronta para
atender, mas faz um charme e demora alguns segundos para não soar muito
oferecida.
Abre a porta e dá de cara com um belo rapaz bem afeiçoado, com os
olhos claros, a boca carnuda, era bastante alto e tinha um corpo musculoso.
Até que serve! Não era das pessoas mais lindas do universo, mas era
bonitinho.
_ Oi _ cumprimenta-o de um modo tímido que mais parecia estar num
encontro.
_ Tudo bom? A senhora que pediu uma pizza? _ a voz dele era abafada
e profunda.
_ Você, por favor. Me chame de você. E fui eu sim. Pode entrar, vou
buscar o dinheiro.
O entregador de pizzas entra acanhado na residência ajeitando o boné e
com a caixa da pizza nas mãos e Verônica fecha a porta com chave. Ninguém
sai! Ela encaminhasse para o quarto pra buscar o dinheiro enquanto continua
conversando com o homem aumentando a voz a medida que se distancia
mais.
_ Pode deixar a pizza aí em cima da mesa! _ grita do quarto, conferindo
o dinheiro e até reserva um pouquinho a mais para a gorjeta. _ Aqui! _
entrega o dinheiro na mão dele que confere _ pode ficar com o troco _ ele
guarda no bolso.
_ Obrigado! _ agradece já se virando em direção a porta de saída.
_ Não quer comer uma fatia da pizza? É que meus amigos não vieram e
eu vou engordar se comer tudo sozinha...
Entendendo o recado, dá um sorriso safado pelo canto do rosto e dessa
vez Verônica começa até a reavaliar o conceito que tinha dado ao rapaz, ele
não era lindo, mas também não era feio e seu sorrisinho tinha lhe deixado um
pouco mais atraente.
_ Tenho uns quinze minutos _ avisa o entregador olhando para o
relógio.
_ Quinze minutos é tempo suficiente _ e quando percebe já estão se
beijando.
A boca do entregador é voraz sobre ela e nesse momento é tudo que
precisa: de um macho viril que saiba como foder uma mulher de jeito. A
pegada dele é surreal, suas mãos seguram com força a bunda dela, que se
mostra astuta, necessitada de um sexo selvagem. E então, entendendo as
regras da noite, rasga o vestido de Verônica revelando seus peitos, já que
estava sem sutiã. Ah, por acaso ele sabe quanto custou essa peça? É de
grife!
Logo esquece seu prejuízo, valeria a pena. Sem sorte, não pode fazer o
mesmo com a roupa dele, mas logo puxa a camisa para fora do corpo e se
depara com um abdômen sarado de homem trabalhador. Adora um macho
que faz serviço braçal, são os melhores! Corre as mãos para dentro da calça
dele e observa um volume generoso. Quando abre o zíper da calça, fica
ainda mais espantada, constatando a grossura. Pra que tanta grosseria?
_ Me come _ ordena, ajeitando a calcinha para o lado e o rapaz ajeita a
camisinha.
Obediente, vê o moreno escorregar para dentro de si. Naquela noite não
pediria para ir devagar. Queria ser fodida com bastante força, só assim, com
a boceta inchada de tanta pirocada, conseguiria esquecer aquele cretino
gostoso do vizinho.
_ Mais forte _ continua a instigá-lo enquanto geme descontroladamente
sentindo-o ir ao fundo, quase rasgando-a. _ Por acaso você sabe o
significado da palavra forte? _ provoca.
Ele se sente desafiado, não podia fazer feio. Segura no quadril dela e
começa a meter com pressão, fazendo-a gemer como uma vadia. Como
gostava dos sexos safados e pornográficos. Ainda mais com um homem
daqueles, com um pau delicioso daqueles! Queria congelar naquela posição
em que o sentia por inteiro, e quando o relógio possivelmente indicava que
ele acabava de extrapolar os quinze minutos, quase que em sincronia, os dois
gozaram.

☐☐☐
Alguns meses depois...
A rotina de Verônica segue a mesma por algum tempo, mas mal sabia
ela que sair de casa naquele dia lhe traria informações indesejadas. Óbvio
que a gente quer saber o máximo possível de coisas, mas tem verdades que é
preferível que permaneçam secretas. E estava prestes a descobrir a maior de
todas as verdades secretas que Victor Hugo escondia.
Depois de mal ter dormido no dia anterior por conta de um ataque de
pernilongos, acorda revoltada. Se existisse uma décima primeira praga no
Egito sem dúvida seriam pernilongos, aquilo é um satanás com asas.
_ Quando eu for rica vou comprar um ar condicionado.
_ Nossa, que sonho da classe média hein. Ser rica pra comprar um ar
condicionado.
_ Ah, e você!? Gostaria de ser rica pra quê?
A barriga de Aurora estava enorme. As duas já começavam a se
estranhar numa delicadeza ímpar logo pela manhã, já tinham tomado um café
reforçado, pois Verônica havia feito uma compra considerável com o vale
alimentação e Aurora também estava contribuindo bastante, pois Victor Hugo
resolveu abrir uma conta pra ela no banco e deposita mensalmente uma
quantia para ajudar com os gastos, já que estava grávida precisa ficar de
olho na alimentação.
_ Gostaria de ser rica pra ajudar os pobres, me compadecer realmente
de quem precisa.
_ Nossa, Aurora, você é tão filantrópica. Devia ter feito faculdade de
Serviço Social, não Letras.
_ Me poupe, Verônica. Vai se arrumar logo senão vai chegar atrasada. _
Aurora está realizando sua higiene pessoal no único banheiro da casa.
_ Se você me permitisse usar o banheiro, ficaria agradecida _ debocha.
_ Usa. _ Dois segundos depois Aurora sai em direção à cozinha.
Continuando seus afazeres do trabalho, Aurora lava a sua louça suja do
café da manhã, pois a amiga já havia lavado a dela. Casa sem empregada
doméstica funciona desta forma: cada um lava o que sujou. Verônica ainda
está se maquiando no banheiro, não houve um dia sequer de sua existência
que não tenha passado um mínimo que fosse de base e corretivo. Seu celular
toca.
_ Vê quem é ai pra mim, amiga! _ grita do banheiro enquanto passa o
lápis de olho.
_ É a tal de Samira _ Aurora não tinha conhecido a garota pessoalmente
mas lhe era muito agradecida por sua atitude corajosa e angelical para com a
irmã.
_ Ah, atende pra mim e avisa que em vinte minutinhos estarei no
terminal das barcas esperando por ela.
_ Ok.
☐☐☐
Existe o cafona, o muito cafona, o extremamente cafona e o vestido de
Adriana. Até uma pessoa sem nenhuma informação ou conhecimento a
respeito de moda pode muito bem perceber que aquilo mais parecia uma
rede de pesca mal costurada do que especificamente uma roupa. E ela estava
se sentindo o último biscoito do pacote. O último sempre vem quebrado,
querida! Passa pela recepcionista toda de nariz em pé e, como de costume,
não cumprimenta ninguém. Só é surpreendida quando Jorge puxa assunto.
_ Está a passeio hoje? _ brinca _ Cadê o uniforme?
_ Dormi fora de casa _ e esnoba um sorrisinho no rosto. Que foi minha
filha, acha que eu estou com inveja da sua rebeldia? Deve ter dormido
debaixo de ponte pra ter vindo com uma roupa dessa. _ Aí não havia
levado. Vou ver se Victor arranja um outro pra mim.
O que essa mulher tem tanto com Victor Hugo que eles se dão tão
bem? Aí tem alguma treta... Mas tretas maiores já lhe esperavam um pouco
mais tarde e ela acaba tendo que deixar a primeira delas para segundo plano.
Sobe pelo elevador enquanto Verônica continua seu trabalho ao lado de
Jorge auxiliando-o em algumas ligações e distribuindo recados. Logo após a
visão do inferno ter subido, Dr. Campos também chega à empresa e distribui
um delicado sorriso para a recepcionista, rapidamente olhando a pequena
placa metálica no seu peito que informa o nome.
_ Bom dia, Verônica. _ É a primeira vez que ele a chama pelo nome,
mas já havia dado olhares indecorosos, daqueles de deixar a pessoa
constrangida, outras vezes _ Tudo bem?
_ Tudo sim, Dr. Campos. E o senhor? _ É solícita em cumprimentá-lo.
_ Eu também _ encaminha-se ao elevador ignorando a presença do
outro funcionário, Jorge, que a olha daquela maneira desconfiada.
_ Velho safado, né!? _ comenta o homem e os dois morrem de rir.
O dia passa tranquilamente, talvez preparando Verônica para a notícia
que teria mais tarde. Depois do que ela e o CEO haviam feito, ficara um
pouco desconfiada a respeito das reais intenções dele para com Aurora, mas
agora ela já estava grávida e saber que tinha sido traída com a melhor amiga
não resolveria muito os problemas. Entretanto, tudo ainda estava prestes a
mudar, e pra pior.
Após o almoço, especificamente as duas horas da tarde, Jorge precisa
fazer algumas entregas de documentos deixados na recepção aos demais
executivos no andar de Victor Hugo e acaba deixando a recepcionista
sozinha em seu posto. A mulher, sem nada pra fazer, fica teclando em seu
celular, bem escondida, para que ninguém veja.
Uma bela mulher, com óculos de grau e cabelo bem escovados vem
entrando na empresa e se encaminha até o balcão da recepção. Ela é um
pouco mais baixa que Verônica, temos olhos estreitos, a pele lisa e
discretamente maquiada, um nariz pequeno e uma boca cheia de sorrisos. Só
pela elegância em caminhar, a recepcionista já percebe que é uma mulher
fina e de altos padrões de etiqueta.
_ Boa tarde _ diz educadamente quando se aproxima do balcão, sua
delicadeza é tão fofa que deixa Verônica com vontade de lhe apertar as
bochechas.
_ Boa tarde. Deseja alguma ajuda? _ prontifica-se a atendê-la.
_ Ah sim, é que eu raramente venho aqui e nunca sei direito em qual
andar que fica. Queria falar com meu marido só que ele não atende ao
telefone de jeito nenhum. Estou ligando desde de manhã. Não sei se você o
conhece. Queria ir no andar de Victor Hugo, ele trabalha com a parte
financeira. Victor Hugo Schneider Gouveia Vasconcellos.
Victor Hugo Schneider Gouveia Vasconcellos... Meu marido...
Aquelas palavras começam a latejar tanto na cabeça da recepcionista que ela
acaba ficando seu fala. Aquele imbecil é casado! Não posso acreditar! Isso
não está acontecendo. Não pode ser! Ele não podia ter feito isso com
minha melhor amiga. Atônita, acaba não dando nenhuma resposta ou sequer
esboça alguma reação para a esposa traída que estava de pé na sua frente.
_ Então!? _ faz cara de interrogação _ Sabe em qual andar ele trabalha?
_ Erh... _ Ele tá te traindo. Teve vontade de dizer. _ Vigésimo andar. A
senhora quer que eu dê um toque para lá informando sua presença. Posso
pedi-lo pra descer e encontrá-la aqui em baixo.
_ Ok, vou aguardar aqui no sofá. _ Vira-se em direção ao assento que
fica num dos cantos da luxuosa e imensa recepção.
_ A senhora aceita um cafezinho, uma água...?
_ Não precisa não, querida. Pode me chamar de Cecília. _ vira-se para
a porta de entrada e vê uma outra mulher alta, com sorriso simpático e olhar
misterioso _ Sabrina! _ chama sua companhia que lhe aguarda na entrada,
esta também tem um perfil bem estiloso e refinado _ Vem sentar aqui comigo,
meu marido já deve estar descendo. Só preciso ver uma coisinha com ele
antes de irmos ao cabeleireiro.
Cecília era tão delicada e simpática que Verônica estava atormentada
com a capacidade que aquele homem tinha de trair uma princesa daquelas,
tão educada que a recepcionista ficara tão compadecida que teve vontade de
entregar os pontos ali mesmo, mas também não tinha nada a ver com a vida
particular das pessoas e talvez a traída até soubesse do chifre e consentisse,
cada um com seus problemas.
Porém, não poderia deixar aquela situação assim, fica raciocinando
enquanto telefona para Victor Hugo pensando o que vai fazer, o cretino nunca
ia de aliança para o trabalho, como poderia aparecer do nada casado? No
lugar de uma melhor amiga, qual seria a decisão a tomar? Será que o CEO
merecia uma mísera chance? Também se ela contasse acabaria entrando em
maus lençóis, pois a amiga iria querer uma justificativa de como ela havia
descoberto.
A cabeça de Verônica voa a mil, um turbilhão de informações com a
qual não sabe lidar e aquilo fazia um eco em seu cérebro. Victor Hugo é
casado. Victor Hugo é casado. Victor Hugo é casado...
_ Alô! _ O executivo atende do outro lado da linha.
_ Boa tarde, senhor Victor Hugo _ manteve a educação e a hierarquia
para se dirigir a um funcionário que pertencia a um grau de competência
superior ao seu _ Aqui é a Verônica, recepcionista. Estou ligando para
informar que sua esposa, dona Cecília, o aguarda na recepção _ sua voz era
muito tendenciosa para quem de fato soubesse reconhecer.
_ Cecília!? _ Não saberia capaz de dizer quem teve um choque maior
com a notícia. A ex-secretária ou o executivo _ Como é que...? Já estou
descendo. Pelo amor de Deus, Verônica, você não disse nada não, né!? _ Ele
falava de um modo tão descontrolado que acabava engolindo certas
palavras.
_ Não, senhor. _ Sua expressão parece estritamente profissional, com
intuito de que a corna não desconfie.
_ Obrigado _ suspira, aliviado. _ Vou despachá-la e logo assim te
explico tudo.
Não precisa de explicações, eu já entendi tudo.
_ Como desejar. _ Finaliza a ligação, vira-se para a esposa do CEO e
lhe informa _ Ele já está descendo.
_ Obrigada! _ sorri e volta a conversar com sua amiga Sabrina.
Os segundos seguintes são os piores possíveis: depois de descobrir que
o homem por quem estava apaixonada era o namorado da melhor amiga,
acaba descobrindo que o namorado da melhor amiga é casado. Fica
indecisa, perdida na história e sem saber se deve ou não contar toda a
verdade para esta. Se desmascarar Victor Hugo, também perde seu disfarce.
Como iria revelar para Aurora que já havia transado com seu namorado? E o
pior, sabendo disso! Continuou perdida em seus pensamentos, como se um
filme passasse na sua cabeça com vários finais diferentes e nenhum deles era
uma opção viável.
Em três minutos o elevador se abre e de dentro dele salta um
fantasmagórico ser aflito e suado, mais preocupado do que um peru em
véspera de Natal. Seu maior medo era que a recepcionista o degolasse, mas
ela já fazia isso só com os olhos e tentava se controlar ao máximo possível
para que a esposa sentada no sofá não percebesse a troca de olhares
indecorosos. Eu vou acabar com a sua raça, seu infeliz! Você mexeu com
minha melhor amiga!
Ele aproxima-se da esposa e os dois dão um leve selinho na boca,
Verônica abaixa-se na frente do balcão para ajeitar seus pertences
escondidos ali embaixo. Na primeira oportunidade que Jorge retornasse para
seu posto, ela fingiria um desmaio, diria que estava passando muito mal ou
inventaria qualquer outra desculpa esfarrapada pra ir embora mais cedo do
trabalho. Precisava tomar uma atitude em relação aquilo tudo. Devia fazer
alguma coisa e não ia deixar impune o culpado por ferir o coração da amiga,
Aurora estava grávida de um CEO cretino.
Verônica já tinha perdido as contas de quantas vezes havia segurado o
mundo dos outros e deixado o seu próprio cair, ninguém estava lá para lhe
ajudar quando Igor fez uma cachorragem e desde então não havia mais se
relacionado com ninguém, depois de um tempo distanciada dos vizinhos da
frente, agora consegue finalmente olhar na cara de Dora. Todavia, confiança
é que nem uma folha de papel que depois que você amassa, é impossível
voltar ao estágio anterior. Igor ainda era um assunto complicado para
debater, preferia fugir das conversas e se negava demonstrar seus
sentimentos. Mas sabia que podia contar sempre com Aurora para o que
desse e viesse, precisava livrá-la desse mal. Não poderia compactuar com
aquilo.
Deixa a bolsa devidamente separada e pronta para deixar a empresa a
qualquer momento, esperando apenas patrão Jorge retornar. Quando vê, o
casal está se despedindo e Victor dá um aperto de mão em Sabrina.
_ Tchau, Vic _ despede-se Cecília depois de dar um selinho na boca do
marido. Vic!? _ A noite a gente se fala.
_ Tchau, amor. _ Dá um sorriso culpado.
De mãos dadas, as elegantes mulheres saem pela porta da frente, o
sorriso delicado continua no rosto das duas, o que dá a entender que não
desconfiaram de nada. Como um homem consegue ser tão cara de pau!? Oh
raça... Os olhos de Verônica transpareciam fúria quando Victor Hugo
aproxima-se dela e segura suavemente em sua mão.
_ Sobe pra minha sala que eu preciso conversar com você. _ Seu tom é
de ordem.
_ Tá. _ Dá uma resposta curta e grossa. Espere sentado, queridinho!
Retorna pelo elevador pela sua sala, antes de chegar ao cubículo prata,
dá uma folgada em seu colarinho apertado por uma gravata vermelha que
deixa Verônica com vontade de se aproximar e enforcá-lo com seu próprio
acessório.
Jorge não demora muito para retornar à recepção, mas para ela parece
passar uma eternidade no tempo em que este permanece ausente. Nunca tinha
ficado tão feliz por reencontrar alguém como quando fica quando vê o patrão
voltando.
_ Ai Jorge, pelo amor de Deus, me ajuda! Estou passando muito mal,
preciso que você fique no meu lugar.
_ Mas... ok! Quer que eu chame alguém para acompanhá-la ao hospital?
Está sentindo o que?
_ Uma tontura terrível está invadindo meu cérebro _ avisa,
cambaleando um pouco para dar mais veracidade a sua mentira _ Preciso ser
liberada.
_ Sim, só você passar o ponto e trazer o atestado depois. Quer que ligue
pra alguém? _ Ele parece realmente acreditar naquela mentira.
_ Não precisa, já estou me sentindo mal desde de manhã, agora que a
dor aflorou mais ainda. Já liguei pra uma amiga minha, Samira, que trabalha
aqui perto. Ela combinou de me encontrar na esquina. Pode deixar que eu
consigo ir sozinha.
Pega sua bolsa, vai até o setor para registrar sua saída do trabalho e sai
correndo, sem nem mesmo dar tempo de Victor Hugo notar sua ausência. Se
o homem descobrisse alguma coisa iria correr muito atrás dela, tentar
impedir de todas as formas que esta revele toda a verdade. Mas nada nem
ninguém poderia detê-la. Ninguém poderia lhe calar. E sua missão era chegar
em casa antes de Victor Hugo pra contar toda a verdade à melhor amiga. Se
o CEO alcançasse Aurora primeiro, provavelmente vai inventar uma mentira
pra levar a situação a diante e uma boba apaixonada e grávida teria uma
propensão muito maior a acreditar.
Seus pés mantem uma aceleração constante para chegar ao terminal das
barcas a tempo de pegar a primeira embarcação disponível, pois segundo
seus cálculos a próxima estaria partindo em dez minutos, mas Verônica era
péssima em cálculos. Então era melhor chegar o mais rápido possível, já que
uma mulher prevenida vale por duas.
Pensa em ligar pra Aurora e pedir que lhe espere em casa, pois o
namorado poderia muito bem ligar pra ela pedindo pra encontrá-lo em algum
lugar, já que era um imbecil sem escrúpulos, portanto, podia-se esperar
qualquer atitude dele. Qualquer medida que fosse possível para separar uma
fofoqueira de uma grávida pode bem saber que o executivo tomaria.
Qualquer atitude que pudesse refrear a ação explosiva que a bomba da
verdade traria para aquela nova família era da índole dele tomar.
Nova família... Era isso que mais doía no coração de Verônica, aquilo
lhe causava um aperto no peito e ao mesmo tempo um arrepio. Estava
completamente dividida, pois a mínima atitude que tomasse teria efeitos
catastróficos, destruindo uma família: pai, mãe e dois filhos. Mas também
continuar naquela relação acabaria com a outra família dele com Cecília. E
não podia ser conivente com tal mentira. Relacionamentos não podem se
construir a base de enganação. Por mais que aquilo lhe doesse, tinha que ser
feito.
Na metade do tempo planejado conseguiu chegar ao terminal das barcas
na Praça XV, ela e o que sobrou do seu fôlego atravessam a catraca com a
luz vermelha já piscando, foi uma vencedora em conseguiu uma das únicas
vagas que ainda tinha pra ir sentada. Segurou sua vontade de ligar pra
Aurora, pois aquela atitude só a deixaria preocupada e curiosa. Não se deve
fazer isso com uma grávida de quase sete meses. A barriga dela estava tão
enorme que Verônica até desconfiava que fossem trigêmeos, não era possível
ter apenas dois ali dentro. A amiga tinha uma barriga linda!
Àquela hora já teriam notado sua ausência e Victor Hugo faria o
máximo possível para ir até a ex-secretária e impedi-la de fazer uma
loucura. Sentiu-se uma vilã fugitiva em último capítulo de novela com um
sorrisinho no rosto logo assim que embarca em seu helicóptero. Verônica
adorava se sentir uma vilã de novela! Mas no seu caso tinha que se contentar
com as variações, era uma fugitiva numa embarcação da classe C. Nada de
cenas chocantes ou atrativas ao público.
Sentiu o telefone vibrar no bolso, provavelmente Victor Hugo acabara
de perceber que havia fugido e estava prestes a contar a verdade para a
grávida. Quando pega o celular, vê o nome do dito-cujo no visor e ignora a
chamada. O homem insiste telefonando mais três vezes e depois a secretária
acaba recebendo uma mensagem de celular que diz: “Não faça o que está
pensando fazer, posso muito bem te explicar tudo se você atender minha
ligação.”. Porém não era preciso mais nenhuma justificativa, Cecília já tinha
dado todas as respostas.
Quando desembarca em Niterói sua única intenção é sair correndo para
seu apartamento e despejar logo tudo em cima de Aurora, aconteça o que
acontecer, pelo menos falei a verdade. Ou uma parte dela, pois não iria
contar do sexo com o cara.
Seu celular toca mais uma vez. Ela revira os olhos, não adianta que eu
não vou te atender, Victor Hugo! Os homens são tão insistentes! Quando
pega o aparelho, dá de cara com o nome de Oswaldo no visor.
Oswaldo!? Será que Victor Hugo sequestrou meu primo pra poder me
chantagear?
_ Alô! _ ela atende.
_ Verônica! _ Sua voz é de choro _ Eu vou me matar!
Era só o que me faltava. Lidar com um primo depressivo nunca foi
fácil para ela, mas ele e Aurora eram sua Ohana. Como diria Stitch, do filme
Lilo e Stitch, Ohana quer dizer família, família quer dizer nunca mais
abandonar ou esquecer.
_ Onde você está? _ suspira ela, cansada de lidar com a doença, mas
era paciente por conta do amor que tinha pelo primo que sempre a apoiava
em todas as decisões. Ninguém escolhe ter depressão.
_ Na ponte Rio-Niterói. E eu vou me jogar _ ao fundo ouvem-se buzinas
desesperadas, provavelmente ele estava fazendo um rebuliço danado.
E agora? Salvo Oswaldo ou salvo Aurora?
XII
Aurora
A vida para Aurora tinha mudado completamente desde o dia em que
havia ficado grávida, não era nada fácil carregar duas crianças dentro da
barriga e ainda assim continuar fazendo as coisas que sempre fazia, sentia
como se carregasse duas melancias enormes debaixo do vestido. Numa das
últimas ultrassonografias foi possível descobrir o sexo dos bebês, mas
desejou que fosse uma surpresa, então acabou comprando todo o enxoval
unissex.
O pai das crianças havia prometido para ela que assim que os bebês
nascessem, se mudariam todos para o seu apartamento, disse também que já
estava organizando tudo e se adaptando para receber os novos membros da
família. Agora Aurora iria viver uma vida nova ao lado de pessoas que irá
amar para sempre. Quando fossem morar juntos, ela finalmente iria conhecer
Isaac e a sogra.
Aceitou a proposta na condição de que casassem logo assim que parisse,
no máximo alguns meses depois, mas apenas para legitimar a relação. A
nova mamãe já estava sofrendo eternamente por dentro em saber que teria de
abandonar a melhor amiga sozinha, não poderia fazer isso com a tia de seus
filhos. Mas acontece que uma hora cada uma delas teria que seguir seu
próprio rumo, dar seus passos separadamente, mas iriam continuar coladas
para sempre, mesmo morando cada uma em seu canto.
Vou fazer Verônica me prometer que vai me visitar pelo menos três
vezes na semana. Mas o que ela vai fazer nesse apartamento todo sozinha?
Mal sabe fritar um ovo. Um aperto no peito já invadia o coração da outra
antes mesmo que tudo acontecesse. Antes mesmo de partir dali já sentia tanta
saudade. Ela finalmente iria realizar seu sonho de infância por completo. O
primeiro passo era conhecer o príncipe encantado, agora a cartada final era
ter dois filhos dele, e faria isto de uma vez só. Mas quando todo o plano
chega ao fim dá uma sensação de vazio, como se sua missão já estivesse
completa e não teria nada a fazer dali em diante.
Não queria comprar uma vida monótona daquelas que se estampam em
revistas de fofoca, não queria ser uma mulher fútil com uma vida baseada em
ir ao cabeleireiro, ter de usar uma roupa nova em cada evento diferente que
acompanhasse o marido, cuidar dos filhos e levá-los na escola. Não queria
ser simplesmente a esposa de um cara com uma boa condição financeira e
que a impedisse de trabalhar, sempre foi independente e pretende que sua
vida continue da mesma forma, por mais que tudo mude.
Tudo vai mudar... A sensação de uma vida nova de repente pode até
chocar alguns e dar medo do que o futuro pode reservar, mas tendo Victor
Hugo ao seu lado, Aurora se sentia muito mais tranquila e leve. Ele vai me
fazer feliz. Tinha certeza que encontrara o homem dos sonhos e a vida de
casada vai ser boa, repetia isso pra si mesma tentando se convencer que
nada mudaria no relacionamento com a melhor amiga. Verônica também
estava muito feliz em poder compartilhar desta gravidez com ela.
Com a maior dificuldade do mundo para se locomover até em casa,
precisando usufruir da ajuda de um aluno do ensino médio que acabara de
sair da escola para atravessar a rua, conseguiu chegar ao seu prédio. Nunca
pensara que ir até a quitanda comprar duas sacolinhas de fruta seria tão
cansativo, parecia que estava carregando dois quilos de chumbo em cada
uma das sacolas e era como se seus braços houvessem esfarelado e não
tivessem a mínima força para levantar uma pena.
Seu Bernardo auxiliou-o com as sacolas, abandonando momentaneamente
a portaria. Esse porteiro nunca fica na portaria, não sei pra que eu pago
condomínio. Os dois subiram pelo elevador de serviço que havia descido
mais rápido e a grávida se sentiu profundamente aliviada com a ajuda que
recebera. Sentiu que não seria capaz de andar nem mais meio metro com
aquelas sacolas, Seu Bernardo era um anjo da guarda. Verônica que mais
reclamava dele, também, não há uma pessoa sequer de quem ela não
reclame. Aff.
Depois de agradecer a ajuda que o porteiro deu levando as sacolas até a
mesa da cozinha, encaminha-se para a sala, liga a televisão e se senta,
recolhendo o controle remoto para si. Ufa! Respira quando descansa, depois
de ter realizado uma Via Crucis, e troca de canal duas vezes até encontrar
qualquer um que passe uma coisa digna de se assistir, ao resto eram só
receitas, filmes chatos e reality shows desgastados. Parou a programação
num jornal local e tomou um susto com a reportagem.
“Homem ameaça se suicidar na ponte Rio-Niterói.” Segundo as
imagens, uma multidão de pessoas começava a se aglomerar em volta dele
gritando palavras inaudíveis e buzinas alarmantes reclamavam do péssimo
fluxo decorrido de sua tentativa de suicídio. Alguns tentavam se aproximar,
com movimentos cautelosos pedindo para que o suicida se afastasse da
borda, mas nada era de convencimento amplo e o que este fazia era se
aproximar cada vez mais, estava a poucos centímetros de uma morte fatal. O
congestionamento era tamanho que as duas pistas mais próximas à lateral
estavam praticamente tomadas e o horário não era propenso a
engarrafamento convencional. Ele tinha causado tudo aquilo.
Contudo, o que mais desesperava a grávida não era simplesmente o fato
de que um homem qualquer ia tentar se matar, nas grandes metrópoles o que
mais se vê são suicidas desesperados tentando encontrar algum conforto na
morte, pois este mundo já é mesmo muito cruel. O problema era quem era o
suicida. Precisava ligar urgentemente para Verônica, mas a distância até o
telefone era tamanha que teria que se arrastar até ele o mais rápido possível
antes que o primo da amiga se matasse.
Vencendo a dor, o cansaço e o tremor terrível que invadia seu corpo
como se seus membros fossem esfarelar, alcançou o celular que se escondia
dentro da bolsa. Um aperto no peito doía na alma, se esse homem pular, não
sei o que vai ser de Verônica. Por mais que Oswaldo nunca tivera sido
aquela pessoa que conquista o coração de todo mundo por onde quer que
passa, Aurora até tinha um pedacinho mínimo do seu amor separado para
ele, era mais uma compaixão que nutria pelo homem, por mais que não
gostasse de assumir, seu sentimento por ele era o pior do mundo: pena.
Telefonou para Verônica que atendeu rapidamente com a voz arfando.
_ Oi _ o “oi” da amiga tinha um tom severo e misterioso.
_ Não tenho uma notícia boa pra te dar. _ Aurora dispensou os
cumprimentos e pulou logo para a parte objetiva da questão.
_ Se for sobre Oswaldo eu já estou sabendo.
_ Ah, acabei de ligar o noticiário e estão transmitindo ao vivo, odeio ter
que te dar essas informações, mas ainda bem que já sabe. Está indo pra lá!?
_ Sim, estou num moto-táxi, tentando chegar lá o mais rápido que
conseguir, mas com o trânsito que ele proporcionou não tá ajudando muito.
Estou na entrada da ponte, espera aí na ligação rapidinho _ pede Verônica.
Ao fundo ouvem-se vozes tumultuadas, a amiga estava pagando o moto-
taxista e resolvera ir andando até o primo suicida. Oswaldo já ameaçara se
suicidar diversas vezes, mas nunca tinha tomado uma medida tão drástica
como essa de querer se jogar da ponte. Os remédios que tomava nem sempre
surtiam o efeito desejado e ultimamente nem davam mais conta de controlá-
lo.
_ Tive que descer e ir a pé _ retoma a ligação _ Vai conversando comigo
e me mantendo informada. O que está passando aí na televisão?
_ Agora um senhor está conversando com ele, os olhos de seu primo
estão repleto de lágrimas, ele... _ foca sua atenção na legenda do telejornal _
Ele está gritando seu nome.
_ Meu nome!? _ Verônica se assusta. _ Ai meu Deus! Tenho que salvar
meu primo, acho que dessa vez é mesmo sério. Ele me ligou dizendo que ia
se matar, preciso desligar, vou ligar pra ele.
_ Sim, faça isso. Boa sorte, Vê! _ E finaliza a chamada com o coração na
mão. Grávidas não podem ficar aflitas desta maneira.
Continua assistindo à TV como se fosse um filme de ação em que a
protagonista precisava lutar contra o tempo para salvar o nada-mocinho da
história que pretendia se jogar da ponte. O sensacionalismo barato do jornal
começa a fazer marketing a partir da história do homem e até uma
reportagem acerca da depressão entraria no ar logo em seguida, a mídia faz
de tudo para conseguir audiência, mas não podia reclamar, pois se eles
parassem de cobrir os acontecimentos na ponte ficaria ainda mais
preocupada e sem notícias.
Alguém bate na porta, mas Aurora não tem ânimo suficiente pra ir até lá
abrir, mas julgando-se pelo fato de que o porteiro não interfonou para avisar,
era bem possível ser um dos vizinhos da frente.
_ Quem é? _ grita, mas seu grito não é dos mais altos.
_ Dora _ avisa, do lado de fora.
_ Pode entrar, a porta está encostada _ informa.
Irrompendo pela passagem surge uma Dora mais branca que leite, alguma
coisa muita grave tinha acontecido para sua pele preta ter adquirido aquele
tom pálido e provavelmente não era nenhuma base nova lançada no mercado.
_ O que foi? _ questiona a grávida, sentada no sofá.
_ Ah, você também está vendo o noticiário _ constata logo após olhar
pra televisão _ Estou muito preocupada, vim te avisar sobre isso, tentei ligar
pra Verônica mais estou sem crédito e a ligação a cobrar não completou.
_ Senta aí e faça o favor de se acalmar. Estou grávida e não é pra você
me deixar mais preocupada do que já estou.
Dora senta-se ao lado da amiga e fica alisando a barriga dela com um
sorriso no rosto. Nesse tempo todo, ainda nem sequer tinha conhecido o pai
das crianças pessoalmente, mas chegou a ver fotos dele no celular da outra.
Pelo visto, ele finalmente desencanou daquela história de que fotografias
roubam a alma da pessoa.
_ Quando você for embora daqui eu vou chorar, sabia!? _ lamenta.
_ Eu sei disso, você já chora por tudo mesmo. Chorou até quando foi
demitida do emprego.
As duas riem recordando o acontecido há alguns anos, quando tinha sido
demitida de uma loja de roupas em que trabalhava e chorou. Era engraçado
pensar naquilo daquilo forma, como tinha ficado triste por um motivo tão
bobo. Poderia muito bem trabalhar em outro lugar, mas foi como se sua vida
estivesse ali e a demissão era arrancar as raízes de uma árvore sólida que
cresceu num terreno fértil.
_ Ah, eu chorei porque tinha muitos amigos lá, já tinha adquirido uma
rotina de trabalho e não queria deixá-la. Aí eu chorei.
_ Isso foi infantil_ salienta a barriguda.
_ Infantil foi você chorando no final daquele livro quando o cara foi pro
inferno.
_ Mas eu fiquei com pena _ defende Aurora que sempre fora uma leitora
voraz e tudo quanto é livro lhe fazia chorar.
_ Ele era do mal, Aurora.
_ Mas eu gosto de personagens malvados, eu queria que ele tivesse se
arrependido e fosse para o céu. Aquele escritor é muito bom, na moral.
Adoro os livros dele. E a história daquela mulher que tinha a cicatriz no
rosto? Nossa, aquela doida me fez rir sozinha.
_ Eu sei que você ama livros e principalmente que ama aquele escritor.
Talvez um dia você ainda consiga um autógrafo dele pra sua coleção.
_ Espero que eu não morra antes disso.
_ Mas falando em morrer, olha lá! Oswaldo está cada vez mais na
beirada.
As duas voltaram suas atenções para a tela da televisão, e de repente,
uma heroína surge para salvar o suicida.
_ Olha lá, Verônica está na TV! _ comemora Dora como se a vizinha
fosse uma nova artista global _ Televisão engorda né!?
Verônica corre em direção ao primo, quebrando qualquer barreira que os
vários corpos tinham produzido para impedir que alguém se aproximasse,
mas quando os dois se abraçam, o choro é iminente. Até as telespectadoras
sentadas no sofá não conseguem controlar as emoções, e julgando pelo fato
de que já eram muito propensas a isso, choram. Nunca tinha visto um abraço
tão sincero em toda a sua vida como o de dois primos que se amavam e
faziam de tudo para proteger um ao outro. Família é a base de toda relação e
Oswaldo era o único laço de sangue de Verônica. A cena parecia uma
despedida de tão apertado e comovente que era o abraço. Os curiosos que
haviam se aglomerado no local e demais que tentavam contribuir de alguma
forma para que aquela novela tivesse um final feliz dispararam a aplaudir.
Até o apresentador do jornal ficou com os olhos marejados.
_ Família é tudo.
_ É, família é tudo.
_ Ainda bem que essa história teve um final feliz.
_ Ainda bem _ Um sentimento terrível que estava tomando conta do
coração da grávida finalmente se dissipa e pode enfim respirar aliviada.
Dois minutos depois, ouve-se leves batidas na porta.
_ Quem é? _ indaga a dona da casa.
_ Sua vizinha mais linda do mundo _ ouve-se a voz rouca da idosa.
_ Estava demorando... _ Dora revira os olhos e sussurra para a grávida
quando sua mãe entra no apartamento.
_ Tudo bem, Heloísa? _ a senhora se aproxima dela e lhe da um beijo
terno na bochecha.
_ Tudo sim, minha filha. Sua barriga está linda! _ fica admirada. _
Trouxe um pedaço de bolo de cenoura pra você _ só então repara no
embrulho que a vizinha carrega nas mãos que exala um cheiro delicioso
deixando a grávida cheia de vontade.
_ Ai, estava mesmo com desejo de comer um doce! _ agradece com um
sorriso nos lábios. _ Você adivinhou! Me dá pra cá.
Estende as mãos, pega a vasilha e vai logo abrindo feliz da vida, o
cheiro é maravilhoso e quando experimenta um pequeno pedaço tem a
certeza absoluta que nunca comeu algo tão maravilhoso quanto aquele bolo,
era magnífico.
_ Meu Deus, que delícia! _ saboreia.
_ Eu quero também, mãe _ pede Dora.
_ Vai lá em casa buscar ué, só faço mimos em grávidas, os antigos
diziam que não pode comer nada perto de uma grávida sem oferecer, senão a
pessoa fica com terçol _ fala dos antigos como se ela fosse muito nova.
_ Mas eu sou sua filha _ tenta convencer a mãe.
_ Mas você não tá grávida. Deveria estar né, está passando da hora de
me dá um neto. E aquele tal de Nathan é uma gracinha, eu aprovo a relação.
Aurora e Dora se entreolham como se estivessem se perguntando a
facilidade com que dona Heloísa tinha acesso às informações, pelo jeito que
gosta tanto de celular, deve ser alguma hacker que descobriu disso
quebrando sigilo de informações.
_ Esse bolo tá muito bom! _ repete o elogio.
_ Peguei essa receita no Google, tem no Youtube também o passo a passo
ensinando a fazer. Aprendo tudo na internet.
_ É, nós sabemos _ concorda a filha.
_ Mas mudando de assunto _ puxa Heloísa _ Adorei o final da novela.
_ Que novela, mãe!?
_ Aquela do garoto que queria me namorar, passou agora na TV. Ele é
primo da Verônica. O rapazinho tem cara de quem não sabe beijar na boca.
_ Aquilo não era uma novela.
_ Não era não!? _ duvida. _ Mas parecia ser. Adorei ver Verônica na
telinha, agora ela vai ficar famosa. Será que vão chamar ela pra fazer alguma
novela?
_ Ah, devem chamar _ sugere a filha rindo da situação.
_ Para de rir, Dora. Estou falando sério! A menina foi excelente no papel
de salvar o primo.
Sem fazer qualquer cerimônia, Heloísa se encaminha até o sofá e senta
ao lado da grávida colocando levemente a mão na barriga desta para sentir
as crianças.
_ Ele chutou! Ele chutou a minha mão! _ comemora depois de um minuto
ali tentando captar qualquer movimento do bebê.
_ Devem tá chutando pra você tirar a mão daí _ repreende a aventureira.
_ Me deixa quieta, garota. Eles vão ser crianças agitadas quando nascer,
você também era uma agitação terrível quando era pequena _ Dora lembra
de não ter saído da barriga de dona Heloísa _ mesmo não tendo saído de
dentro de mim. Mas quando eu fiquei grávida de Igor quase morri. Vomitei
direto. Você fica muito enjoada?
_ Fico _ concorda.
_ Ainda mais grávida de dois, deve ficar enjoada em dobro. São que
horas hein, gente?
_ Vinte para as quatro _ informa sua filha depois de olhar para o relógio
no pulso.
_ Já!? _ fica chocada. _ Eu tenho Pilates às quatro. Preciso ir _ informa
se agachando no sofá e dando um beijo na barriga da grávida _ Fiquem
direitinhos tá, bebês. Vovó ama vocês _ fala olhando para o umbigo de
Aurora como se conseguisse conversar com as proles e usa aquela vozinha
fina imitando a de uma criança.
_ Ah, eles sabem do seu amor. Você vai ser uma vovozona pra eles,
muito obrigado por tudo, Heloísa. _ As duas dão um abraço de
agradecimento.
_ Conta sempre comigo, menina. Sei que neste apartamento tenho mais
duas filhas. Também são mães aquelas que escolhem amar filhos da barriga
de outras mulheres. E seus filhos vão ter a melhor avó do mundo, eles vão
me ajudar a mexer no Whatsapp quando crescerem um pouco, hoje em dia já
nascem conectadas e sabem mil vezes mais que a gente.
_ Verdade _ concorda a futura mãe.
_ Agora eu preciso ir. Filha, o bolo está no fogão e a porta eu vou deixar
encostada pra você entrar. Seu irmão foi na academia, agora que ele tá
namorando aquela tal de Alice quer ficar sarado pra agradá-la.
_ Ele tá namorando a Alice!? _ Aurora fica impressionada. _ Nem fala
isso perto de Verônica hein!?
_ Pode deixar, minha boca é um túmulo! _ Se tem uma coisa que sua
boca não é, essa coisa é um túmulo. _ Estou indo embora.
_ Eu também vou pra casa _ informa.
_ Fica mais! _ convida a dona da casa. _ Adoro sua companhia!
_ Eu também adoro a sua, só que tenho que trabalhar também. Meu
dinheiro não cai do céu, e não é porque estou saindo com um cara rico que
vou ficar às custas dele.
_ Vocês estão namorando? _ questiona a grávida.
_ Não, ainda estamos nos conhecendo.
_ Mas já estão se conhecendo há meses, já deu tempo suficiente pra
conhecer tudo que tinha pra conhecer.
_ Também acho, já pode casar _ concorda dona Heloísa.
_ A gente vai ficando, estamos bem dessa maneira. Beijos! Vamos
embora, mãe! _ As duas dão os braços e saem, encostando a porta na saída e
a grávida continua ali, assistindo a matéria sobre depressão que entrou no ar
logo após o fim do caso Oswaldo e comendo seu pedaço de bolo de cenoura
com calda de chocolate. Seu Deus admitisse algum corpo físico, pode ter
certeza que iria se incorporar naquele bolo.
Ficou cerca de vinte minutos ali, matutando e querendo esquecer que dali
a dois meses sua vida iria mudar para sempre, abandonando sua existência
pacata que sempre levou ao lado da melhor amiga e indo morar com o
homem da sua vida e seus filhos. Mas mal sabia ela que Victor Hugo estava
mais pra sapo do que pra príncipe.
O interfone toca e Aurora se sente a moradora mais badalada daquele
prédio, nunca recebera tantas visitas em tão curto prazo de tempo. Depois de
três minutos, consegue chegar ao interfone, com passos lentos e pesados, não
costumava andar assim apenas pela gravidez, mas depois de fazer compras
se sentia bem cansada.
_ Oi, Seu Bernardo _ atende.
_ Oi, dona Aurora. Tem um moço aqui querendo visitar a senhora, é o
seu namorado e pai dos seus filhos. _ O porteiro dava a ficha completa do
cidadão, como se a moradora não soubesse quem era o pai de seus filhos _
Estou apenas lhe avisando que ele está subindo. Ok!?
_ Sim, mande-o subir! _ Aurora tinha adorado a surpresa.
_ Pode subir, Seu Victor Hugo _ autoriza o porteiro e a grávida consegue
ouvir no fundo sua voz. O CEO frequentava tanto o prédio que Seu Bernardo
já até sabia o nome do homem.
Aurora fica tão feliz que até recupera suas forças a ponto de ir esperar
seu amor parada na porta de entrada da casa. Seu sorriso tinha se estampado
no rosto, ajeita o cabelo e a roupa, mas não obtêm muito sucesso. Abre a
porta antes mesmo de ele ter subido e fica ali o esperando, muito contente
pela visita inesperada. Amor é assim, chega sempre sem mandar aviso. E
Aurora adorava esse tipo de metáforas.
_ Oi, amor! _ faz um miniescândalo quando seu namorado surge no andar
e vem andando até ela.
_ Oi _ Os dois dão um beijo, mas sem emoção e ânimo.
_ Aconteceu alguma coisa? _ indaga.
_ Precisamos conversar. _ A expressão de felicidade no rosto da mulher
logo se desmancha.
_ Tá, entra _ e os dois entram no apartamento.
Depois de encostar a porta, segura em sua mão e se encaminham até o
sofá, ela não diz mais nada e fica apenas esperando-o dar alguma direção na
conversa e dizer o que precisam debater. Aquilo estava deixando-a nervosa.
Provavelmente ele não conseguiu comprar o berço grande que eu queria e
não tá com clima pra me contar. Acontece.
_ Fala logo! _ diz ansiosa.
_ Nem sei como te dizer isso _ ele lamenta.
_ Você está me deixando nervosa, se for me contar que não vai dar pra
gente casar logo depois dos bebês nascerem tudo bem, eu entendo. Sei que
esse lance de casamento é demorado, tem que ajeitar papelada...
_ Não é isso _ interrompe, estando de cabeça baixa.
_ Ah, mas se você não tiver conseguido comprar o berço maior também
não tem problema, a gente compra dois pequenos. É até melhor, um pra cada
um.
_ Não, Aurora! Quem dera que fosse isso.
_ Então qual é o problema? _ preocupa-se
_ Eu não posso me casar com você porque eu... eu sou casado.
O sentimento que destrói Aurora naquele momento é impossível de
explicar com palavras. Era como se alguém tivesse acorrentado cada um de
seus membros às patas de um cavalo e começasse a chicotear os animais e
cada um lhe puxasse numa direção diferente tentando espedaçar seu corpo,
mas o que tinha partido dentro dela era algo muito além do que sua estrutura
física: sua alma tinha sido perfurada. E não poderia ser verdade o que
aquele homem inescrupuloso estava dizendo. Como assim tinha se envolvido
com um cara casado e ainda por cima tinha engravido dele, de gêmeos!? Não
sabia dizer se o chão havia aberto um buraco em que tinha caído ou se o teto
desmoronava sobre ela.
_ Como assim casado? _ pergunta como se não soubesse o significado
daquele estado civil _ Você tem outra?
_ Me desculpe, mas não me julgue como um cafajeste _ abaixa a cabeça,
se você não é um cafajeste, é o quê!? _ Vou te explicar a história toda.
_ Não sei se isso pode ter uma explicação. _ Sua voz não é mais serena
como antes, Aurora era bem mais tranquila pra lidar com essas situações do
que Verônica, mas as duas sempre foram intensas, talvez por isso fossem
melhores amigas e se identificassem tanto.
_ Minha esposa se chama Cecília, antes mesmo de conhecer você eu não
sentia mais nada por ela, estamos casados por um longo tempo depois que
minha primeira mulher faleceu, mas o sentimento esfriou. Depois de um
tempo, ela não me despertava mais nenhuma atração nem interesse, mas
sempre fomos amigos. Não tivemos filhos. Nunca quis trair, pois tal atitude
não fazia parte da minha índole. Várias outras mulheres já me despertaram
interesse, mas continue fiel a minha esposa. Rejeitei. Tentei não sentir.
Tentei não me apaixonar! Pensei em me separar e dei início em toda a
papelada do divórcio, o Dr. Gustavo, aquele que te indiquei. _ Aurora
apenas concordou com a cabeça, não disse nada. _ Ele estava tratando de
tudo, já havia informado Cecília que não estava feliz continuando num
casamento como o nosso, ela concordou. Aceitou tranquilamente se separar,
seria um divórcio consentido e sem brigas, isso estava acordado para
acontecer dois meses antes de te conhecer. Até que eu descobri uma coisa
que ela tentou esconder de mim de todas as maneiras possíveis.
Victor Hugo abaixa a cabeça e uma lágrima sincera escorre pela face
sincera do homem, transparecia em seu semblante o terror que era contar a
verdade, e Aurora lutava por dentro pra sobreviver aquilo. A história tinha
algum pano de fundo que pudesse justificar.
_ O que ela escondeu de você? _ quis saber.
_ Ela escondeu de mim que tem câncer em estágio terminal _ fala,
chocado. _ ☐ câncer no colo do útero, não fez o exame de papanicolau e
acabou tendo um diagnóstico tardio. É o segundo tipo de câncer que mais
mata mulheres no Brasil. As chances de cura seriam grandes se descoberto
há tempo, mas Cecília se tornou uma portadora de lesões cancerígenas
graves e acabam chegando ao óbito na maioria dos casos _ lamenta.
Aurora continua apenas observando-o.
_ Ela vai morrer e eu não poderia abandoná-la no último momento de
vida, eu não seria um homem cruel a tal ponto. Ela me escolheu para passar
o resto de seus dias ao seu lado até que a morte nos separe. E... E eu não
poderia dá-la esta decepção. Eu não iria terminar com minha esposa que
estava prestes a morrer _ murmura.
Aurora encolhe os braços ao entorno da cintura dele e chora, a gravidez
tinha lhe deixado emotiva demais para determinados assuntos e seus
sentimentos ficavam abalados quando o assunto era perdas. Victor Hugo
sempre fora um homem de ouro e tal atitude só mostrava ainda mais a
grandeza de sua alma. Perante toda aquela história comovente não teria como
perdoá-lo.
E agora!? Perdoo ou não!? Mas aquela traição tinha um motivo tão
nobre. Ele era um homem fofo que simplesmente não tinha se separado da
esposa porque ela tinha câncer. Aurora não sabia se queria que a outra
mulher morresse ou não. Por mais que perdê-la seja o fim da existência dela,
seria o início da vida deles.
_ Os médicos disseram que ela nem seria capaz de virar o ano. _
Faltavam três meses para a virada _ Cecília vai morrer. E se você não me
perdoar, ficar com raiva de mim ou quiser me matar pode ficar à vontade. Eu
não posso ser um insensível que abandona uma mulher à beira da morte.
_ Eu... E eu não posso ser uma insensível que feche os olhos para esta
atitude. Eu sinceramente não sei o que dizer, o que você me escondeu é muito
grave, mas também é muito humano. Eu acho que preciso pensar mais um
pouco, fui pega desprevenida. Óbvio que eu não gostaria de ter que dividir
você, mas levando em consideração as condições eu não consigo crucificá-
lo. Nós vamos ser muito felizes ainda. E sinto muito por Cecília. Enfim,
preciso processar isso tudo com calma.
_ Obrigado por me entender. _ Dá um sorriso molhado de lágrimas.
Os dois dão um terno beijo descarregando a tensão daquelas revelações,
o dia tinha sido de muitas emoções para uma grávida de sete meses, se
bobear as crianças nasceriam até antes por conta de tanta agitação.
_ A história da minha mãe era tudo mentira, precisei inventar essa lorota
pra driblar a existência de Cecília, mas meu filho Isaac é verdade. Um dia
vocês ainda irão se conhecer.
_ Sua esposa sabe que você tem outra mulher que esta grávida de dois
filhos seus?
_ Ela sabe que eu saio às vezes e provavelmente desconfia que é pra me
encontrar com outra mulher, que no caso é com você. Nem pode saber que
serei pai, seu sonho sempre fora engravidar e seria terrível descobrir que
outra quem me daria esse prazer, algo que nunca conseguiu.
_ É verdade, melhor manter em segredo... _ concorda.
_ Eu te amo, Aurora. É só isso que importa entre nós e eu vou fazer de
tudo pra te ver feliz. Eu vou fazer tudo para te ver sempre com um sorriso no
rosto e dar a essas duas crianças que estão aí dentro o melhor, fruto do nosso
esforço e dedicação.
_ Você vai ser o melhor pai do mundo. _ Uma lágrima escorre dos olhos
dela e mais uma vez se beijam.
Permanecem ali por longos minutos se curtindo no sofá enquanto Aurora
ainda processa as informações e todo o choque de um dia só. Ela se deita
sobre o rosto do futuro marido que mexe em seus cabelos provocando um
leve frenesi delicioso que percorre todo seu corpo.
Depois de um tempo, o homem levanta e vai até a cozinha preparando um
café da tarde para os dois. Acaba preparando uma vitamina com banana,
maçã e biscoito de maisena e a grávida, desconfiando da capacidade que
este tinha, depois que provou a bebida retirou seus pensamentos de dúvida.
A vitamina estava tão divina quanto o delicioso bolo de cenoura feito
pela melhor vizinha/mãe do mundo. Para comer a única opção é torrada com
patê de atum e a grávida se sente envergonhada em só ter aquilo pra oferecer
a um CEO de nível e requinte. Mas este não se importa e acaba devorando
com prazer.
_ Eu te amo, Aurora. De todo o meu coração _ se declara.
_ Eu também, de toda a minha alma _ e se beijam outra vez.
O beijo é paciente, meigo e carinhoso. Os dois se envolvem pelas mãos
e continuam a passear com os dedos pelo rosto, se admirando e sonhando
com a divina corrupção que é entregar-se aquele amor, um amor corrompido,
um amor de outra mulher. Mas aquele amor de outra mulher tinha prazo de
validade e em breve seria seu, totalmente.
Certo tempo depois, ouve-se um barulho de chave virando na porta e
quem entra com olhar preocupado e misterioso na casa é Verônica, de braços
dados com Oswaldo.
_ Verônica, quanto tempo! _ Um sorriso perverso estampava-se no rosto
do CEP.
O susto que Verônica toma é indescritível, nem um milhão de palavras
seria capaz de explicar qual tinha sido a reação dela em vê-lo ali.
_ Victor Hugo!? _ Sua fala era surpresa.
_ O que foi, amiga!? _ Aurora fica perdida na conversa _ Meu namorado,
ué, ele veio me fazer uma visita surpresa, mas não precisa ficar tão
surpreendida assim. É só uma visita de cortesia.
O homem sentado no sofá se levanta e caminha até ela, cumprimentando-
a com dois beijinhos em seu rosto. Ainda parece atônita pela presença do
executivo ali. Verônica é estranha, mas hoje está se superando.
_ Oswaldo. _ A grávida se levanta para dar-lhe um terno abraço, tinha
recuperado um pouco de suas forças depois de descansar no sofá e a
situação pela qual ele havia passado merecia ao mínimo um conforto. _
Como é que você está? Quer um café?
_ Não. Eu tô bem. Obrigado. _ Você não está nada bem, aquilo era
nítido em seu semblante.
Victor Hugo não gosta nada da simpatia com a qual a mãe de seus filhos
trata o primo da amiga. Ciúmes era uma frase que o definia, mas não poderia
muito exigir exclusividade se ele mesmo já se relacionava com ela estando
casado. Quanta hipocrisia! As pessoas constroem suas relações baseadas na
fidelidade, mas se esquecem da confiança. É preciso se entregar por
completo ao cônjuge e acreditar que este será respeitoso.
_ Oi.
_ Oi. _ ☐s dois homens se cumprimentam apenas com um aperto de mão
e um sorrisinho falso. Estão apenas sendo educados, mas a vontade de Victor
parece ser girar o braço de Oswaldo até quebrá-lo.
Já disse mil vezes a ele que não tenho nada com Oswaldo, mas ciúmes
é uma coisa terrível. Até parece que eu ia trocar meu deus grego por um
hipopótamo. Algumas pessoas não têm limites em seus descontroles.
_ Oswaldo, vem cá comigo pra cozinha enquanto eu preparo um café pra
você, deixe os dois a sós aí na sala.
Verônica não está bem. Sua voz tem um leve tom de desespero e
descontrole emocional que preocupa Aurora. Óbvio que a melhor amiga não
estaria calma depois de tudo que passou à tarde com seu primo querendo se
jogar de uma ponte, é triste saber que um parente tão próximo não se sente à
vontade com a vida e quer tirá-la.
Contudo, não parecia ser só aquilo. A grávida a conhecia muito bem para
não se deixar enganar. A perda de Igor já pareia estar finalmente
cicatrizando no coraçãozinho dela. Algumas pessoas são assim, frágeis para
relacionamento e que se entregam de corpo e alma para paixões que não
podem ser completamente suas. Alguns diriam que sua incapacidade para
lidar com relações era por pura imaturidade, mas talvez a ausência de
sentimentos recíprocos fosse a maior causadora de suas feridas. Talvez uma
alma tão leve e humilde como a de Verônica não estivesse mesmo preparada
para sofrer num mundo tão cruel.
Aurora estava sempre ao lado da amiga para ajudá-la no que fosse
preciso, as duas sempre foram coladas desde pequenas. Talvez fosse também
algum problema no trabalho, ela falava sempre de uma tal de Adriana que
nunca lhe dava paz, é bem possível que tenha sido obra da cretina. Algumas
pessoas parecem entrar no nosso caminho simplesmente para atrapalhar e
não se sentiriam satisfeitas se não fossem, pelo menos, uma pedra em seu
sapato. A inveja é o mal que mais alimenta todos eles. A beleza
incomoda e a simpatia também. Acontece que esses invejosos nunca
conseguem atingir algum patamar de renome e destaque, então se alimentam
do ódio que sentem pelos que são capazes de atingir seus objetivos e
realizar seus sonhos. Deve ser isso, algum problema no trabalho.
_ Se Oswaldo quiser, pode sentar aqui pra ver televisão _ convida, e
precisa lidar com seu um namorado que lhe tortura com os olhos.
_ Oswaldo não quer não _ informa Verônica, como se o primo não
tivesse boca para responder, ou então parecendo aquelas mães que recusam
as coisas em nome dos filhos enquanto suas proles estão morrendo de
vontade de aceitar.
_ É, não quero não _ concorda, indo coma prima para a cozinha.
Verônica está muito revoltada! E não era pra menos.
_ Posso preparar um leite com café bem quentinho pra você? _ oferece a
morena um pouco impaciente mas se esforçando ao máximo para ter calma
com o primo. Aurora continua prestando atenção na conversa deles na
cozinha e acaba ignorando as falas do futuro marido.
Victor Hugo continua lhe fazendo carícias nas pernas e aquilo é muito
agradável e bem vindo, gostaria até de pedir-lhe uma massagem nos pés, mas
fica com vergonha, pois andara direto na rua com um calçado fechado e nem
sequer tomara um banho quando chegou em casa. Deveria estar com um
chulé capaz de matar qualquer um por intoxicação.
_ Ela é sempre assim? _ sussurra, questionando o humor instável da
amiga. Ele percebeu o quanto estava indelicada e até uma criança sem a
mínima noção já teria notado.
_ Não, só às vezes quando está muito aporrinhada. O primo dela tentou
se suicidar _ informa com as palavras mais serenas possíveis e percebe que
o namorado precisa fazer leitura labial pra entender alguma coisa já que o
volume de sua voz é quase nulo.
_ Ah sim. Chato, né!?
Os dois lamentam, mas depois se beijam outra vez. Aurora nem percebe,
mas Oswaldo observa-os com um semblante tristonho da cozinha,
lamentando não poder ser ele a realizar aquela felicidade da ruiva.
_ Amor, eu já tenho que ir né, você sabe.
_ Que pena! Mas te entendo, nem sei se consigo desejar melhoras pra sua
esposa _ Verônica que os observa da cozinha parece espantada com a
expressão “melhoras para sua esposa”, vou passar por um interrogatório
logo assim que ele sair _ Espero que ela possa descansar em paz e que
tenha os melhores últimos dias ao seu lado. Vocês ainda...? Ah, você sabe.
_ Não, nós não fazemos isso desde quando decidi me separar pela
primeira vez. Desde antes de te conhecer. Fica com Deus.
_ Vá com ele. Ah, esqueci de te entregar um negócio. _ Ela tira do bolso
uma foto dos dois juntos e abraçados. _ Escrevi uma pequena cartinha atrás
_ Ele guarda no bolso do terno e depois se beijam.
_ Pode deixar que eu te acompanho! _ Verônica surge da cozinha
gritando com um semblante nada bondoso.
_ Ah, não precisa, eu sei o caminho até a porta _ Victor dá um sorriso
meigo.
_ Vou te acompanhar até a portaria, preciso ir à rua comprar umas frutas
_ informa.
_ Eu comprei, Vê. Está ali na sacola _ Aurora indica a bolsa de compras
do supermercado.
_ Quero comprar outras que você não comprou. Vou comprar pêssego pra
fazer um doce que Oswaldo adora, né primo?!
Oswaldo concorda mexendo a cabeça e encostado no portal da cozinha.
_ É, pêssego, eu realmente não comprei _ a grávida lamenta.
_ É bom que seu namorado me escolta até lá. _ Um tom debochado
parece vir da voz da amiga.
_ Já que você insiste... _ diz o CEO.
_ Eu faço questão. _ Seu tom é autoritário e debochado mais uma vez.
Alguma coisa estranha está acontecendo...
XIII
Victor Hugo
Sentia-se um mestre na arte da mentira depois de enganar perfeitamente
Aurora daquela maneira, mas seus problemas não estavam acabados.
Inventar que a esposa tinha um câncer em estado terminal só iria ajudar a
empurrar um pouco mais essa farsa, mas em algum momento Cecília
precisaria morrer naquela história. Mas aquilo não aconteceria tão cedo e ia
precisar de uma desculpa bem melhor do que aquela. Contudo, até lá teria
um pouco mais de tempo, cerca de alguns meses a mais pra pensar em
alguma boa solução, possivelmente ajudaria.
O problema maior da situação era ex-secretária marrenta-porém-linda
que iria envenenar a mãe de seus filhos contra ele. Precisava se defender e
dar um jeito nela. Quando se ofereceu para acompanhá-lo até a portaria do
prédio sabia muito bem que boa coisa não o esperava, mas arriscou
contemplar a beleza da companhia dela no elevador. Vem chumbo grosso!
Os dois se encaminham até o elevador evitando o máximo possível o
contato visual. O peso da respiração dela incidia nos ombros dele causando-
lhe certa repulsa e pavor. Aquela mulher estava completamente transtornada
depois da revelação que tivera acerca do compromisso conjugal do CEO e
como era bem mais esperta do que a pobre ruiva apaixonada não cairia na
conversa. O amor deixa algumas pessoas cegas, e a maioria delas são as
mais vulneráveis. Victor não podia negar também que nutria um sentimento
muito forte em relação à sua amante.
O elevador finalmente chega, mas os poucos minutos esperando-o sem
trocar uma palavra sequer pareciam ter durado horas e da única vez que se
virou e olhou para o rosto maravilhoso dela todo fechado teve certeza que
estava bem encrencado. Um homem alto, magro e bem afeiçoado sai do
elevador, dá um boa noite, já são quase seis horas e sorri educadamente para
Verônica.
_ Oi, Vê. _ Que íntimos.
_ Oi, Igor _ sorriem um para o outro, mas parece ser algo apenas por
educação.
Depois que entram, o silêncio continua a reinar, Victor Hugo finalmente
quebra o clima e fala:
_ Aquele que é o seu ficante?
_ Não! _ responde, grosseira _ Eu não tenho nenhum ficante, ao contrário
de uns e outros que tem ficantes até demais. E até se ele fosse isso não é dá
sua conta. Estou profundamente revoltada com as suas atitudes e morrendo
de vontade de dar na sua cara. Posso até ser obrigada a pagar umas cestas
básicas por isso, e pago com gosto, se eu puder dar uns bons tabefes na sua
cara para deixar de ser cretino. Quero saber qual foi a história que você
inventou pra enganar Aurora.
Depois que ela desabafa e lhe cospe um milhão de palavras desaforadas
numa rapidez ímpar, o elevador chega ao térreo e os dois desembarcam,
andando em direção ao pátio. Dessa vez, o porteiro não está na portaria.
_ Eu somente falei a verdade.
_ A verdade é que você é um cretino, filho da mãe, enganador barato...
_ E incrivelmente gostoso _ ele sorri percebendo a boca desejosa dela
em possuir seus lábios mais uma vez.
_ E incrivelmente esnobe. Que se acha. Você não é a última coca cola do
deserto, Senhor Victor Hugo. Você pode ser bonito, mas aprenda a lidar com
o fato de ser rejeitado. Eu não quero você e saiba que é namorado da minha
melhor amiga. Quero saber o que você disse para ela. Fala! _ Sua última
ordem sai como um rugido louco.
_ Você não me quer apenas porque namoro sua melhor amiga, porque se
as condições fossem outras... Enfim, já que quer saber, minha esposa tem
câncer em estado terminal. Ela tem cerca de três ou quatro meses de vida
ainda.
_ E você tem vinte e quatro horas.
_ Vinte e quatro horas?
_ Pra escolher uma das duas, tome uma decisão senão eu tomarei a
minha. E saiba que quando eu tomo as rédeas da situação, minhas atitudes
não são nada boazinhas. Ela vai saber de tudo. Você tem vinte e quatro horas.
_ Olha pro relógio do celular _ Seu tempo tá correndo.
☐☐☐
Chega em casa cansado, abatido e pensativo. Verônica havia imposto a
ele uma condição de escolher uma das duas mulheres, mas aquilo estava
completamente fora de cogitação. Amava as duas, seu problema sempre fora
esse de ter grande coração. Tirou o terno logo assim que entrou em casa e
jogou no sofá. Cecília veio descendo as escadas com um sorriso simpático
no rosto e aproxima-se dele dando-lhe um selinho e perguntando como tinha
sido o seu dia.
_ Cansativo como sempre, pra variar.
_ Quer que eu prepare um uísque pra você? _ Oferece a mulher que
parece viver em função dele.
_ Ah, por favor. Vou subir pra tomar uma ducha e relaxar um pouco a
cabeça. Não, vou fazer melhor. Pede o jardineiro pra ligar a sauna.
_ Você vai pra sauna a essa hora da noite!? _ espanta-se a esposa.
_ O que seria da vida se não pudéssemos curtir altas aventuras? Vamos?
_ Ai Victor! Você só inventa moda!
_ Ah, vem comigo. É só uma sauninha, depois a gente pula na piscina.
Hoje está um calor terrível, vamos nos refrescar. Temos uma piscina em
casa, meu amor. Vamos festejar a nossa união, celebrar a nossa felicidade _
comemora, mesmo que sua vida estivesse cheia de problemas, precisava
relaxar e esquecer de tudo que não lhe fazia bem aos pensamentos.
_ Ai ai. Tá bom. Vou colocar meu maiô.
_ A gente tá em casa, se quiser pode ir pelada.
_ Não vou me dar o desfrute, temos funcionários caminhando pela casa.
Vou pedir Carina pra preparar um lanche pra gente.
_ Eu vou entrar de cueca mesmo _ informa.
Cecília sorri, no fundo está adorando a novidade de quebrar sua rotina,
fazer coisas diferentes e festejar a beleza da vida. O que seria de cada um de
nós se não pudéssemos aproveitar ao máximo o tempo livre que a vida nos
oferece? A mulher sai em direção a cozinha, toda saltitante, enquanto o
marido se despe ali mesmo na sala, colocando as roupas sujas em cima do
sofá. Tinha certeza que ouviria uma reclamação da esposa, mas como era
uma noite de comemoração, de brindar à vida, talvez ela relevasse e
deixasse passar.
Queria descontrair e espairecer seus problemas, e nada melhor do que
relaxar numa sauna e curtir a água gelada de uma piscina num calor noturno
de Niterói. Sentiu-se um adolescente daqueles que vai em festa de faculdade,
bebe todas, fuma maconha e pula na piscina, não querendo criar estereótipos,
mas uma grande maioria da turma dele da universidade fazia aquilo, ele
também. Só que dessa vez a festa seria vip, número limitado de convidados:
dois.
Depois que sua esposa foi até a cozinha e retornou para a sala, tomou um
susto ao vê-lo seminu, de cuecas e até riu. Como se não tivesse o visto
daquela maneira um milhão de vezes. Riu da situação e subiu para trocar de
roupa, sentindo-se uma adolescente rebelde também.
Nos mínimos trajes, Victor Hugo caminhou até a cozinha e desta vez
Carina quem tomou um susto, tapando os olhos com as mãos, mas deixava
algumas frestas mínimas para poder usufruir ao máximo daquela imagem
maravilhosa do corpo do CEO.
_ Ai meu Deus do céu, que é isso, seu Victor!? _ fica apavorada, mas no
fundo está morrendo de felicidade por poder vê-lo de cueca _Ai, Senhor! _
ela grita e se esconde em baixo da mesa para não ver nada.
Victor dispara a rir.
_ Sai daí, Carina! Até parece que nunca viu um homem de cueca!
_ Já vi até sem _ complementa. _ Só que este homem não era o meu
patrão.
Continua abaixada se escondendo sob a mesa e tentando dar o mínimo de
privacidade possível ao dono da casa, mas aproveitou também para admirá-
lo de baixo pra cima, aquela visão lhe dava um ângulo preciso.
_ Dá pra você sair daí, Carina!?
_ Mas Seu Victor... Eu não quero vê-lo de cueca, com todo o respeito.
_ Estou me sentindo ofendido, será que meu corpo é tão horrível assim!?
_ fala se observando e alisando seus músculos _ Minha malhação três vezes
por semana não tá tendo muito efeito então.
_ Ah, tá tendo sim _ solta sem querer e depois tapa a boca, se arrependo
do que disse _ Desculpa.
_ Pode ficar aí embaixo então, só vim te pedir pra preparar algumas
bebidas e depois levar pra gente lá na piscina. Quero uma caipirinha, melhor
duas.
_ Dona Cecília não bebe _ lembra-o.
_ E quem disse que é pra ela? _ Os dois disparam a rir. _ Vou beber as
duas! Vê pra mim se o Emanuel já ligou a sauna.
_ Ele teve aqui a um minuto atrás me informando que já fez isso.
_ Aqui nesta casa os funcionários fazem de tudo, o jardineiro é quem liga
a sauna.
_ Ah, nessa casa tem bastante funcionário, e creio que estão todos
satisfeitos no emprego, são muito bem remunerados para tudo isso.
_ É, isso é verdade. Quando Ceci descer, avise-a que eu já fui pra sauna.
_ Sim.
Ele se retira da cozinha pela porta lateral e vai caminhando em direção
à sauna, o tempo está quente e o céu limpo, sem nenhuma nuvem. O calor
continuava intenso, perfeito para relaxar numa sauna. Por sorte, tinha um
barbeador que ficava do lado de fora na entrada, pronto para ser usado.
Adorava fazer a barba na sauna, pois a chance de ele se cortar – o que na
maioria dos casos fazia – era menor.
Toma uma chuveirada e sente um leve arrepio percorrendo seu corpo e
acalmando sua pele quente, se refrescar daquela forma é tudo de bom. Entra
na sauna e sente que o clima ainda não está no ponto, mas aos poucos
começa a aquecer, também, havia acabado de ligá-la, não poderia esperar
que esquentasse de um minuto pro outro. Cerca de uns quinze minutos
depois, que demora! Cecília aparece, toda se querendo num biquíni rosa
pink bem provocante.
_ Uau! Não disse que ia colocar um maiô.
_ Mudei de ideia, maiôs são tão... brochantes.
_ Brochantes!? _ ele ri. _ Nunca te ouvi dizendo essa palavra.
_ Você nunca me ouviu dizendo e fazendo muita coisa.
_ Hum... _ começa a se interessar pelo assunto e olha pra ela com um
semblante de desejo _ Tipo o quê?
_ Tipo isso. _ Cecília responde enfiando a mão dentro da cueca dele e
se ajoelhando entre suas pernas para engoli-lo todo em sua boca.
Certamente a esposa estava anos luz de distância de conseguir fazer um
boquete tão maravilhoso quanto o que a marrenta fazia. Aquela lá era sem
comparações, conseguia levar um homem a loucura com um simples olhar, o
que não fazia ajoelhada diante dele? Mas até que os préstimos de Cecília
não eram de se jogar fora.
☐☐☐
Doze horas. Metade do tempo dado por Verônica já tinha corrido e
precisaria tomar alguma atitude para se livrar da ex-secretária. Se ela
fizesse alguma coisa era possível que Aurora acordasse para a realidade e
aquilo não seria nada bom para sua relação com a grávida. Nada bom... Mas
uma luz começava a pairar sobre sua cabeça, como se fosse uma lâmpada
acesa daquelas que aparecem em desenho animado sugerindo uma ideia que
poderia ser bem efetiva na situação em questão.
Acorda pesando mais que uma tonelada, não tem ânimo nenhum para se
levantar da cama. Existe uma teoria de elefantes invisíveis deitam por cima
de nossos cobertores à noite e é isso que nos impede de levantar pela manhã.
Pra variar, Victor receberia a visita de seu não-tão-querido filho
impertinente. A última que ele aprontara foi pedir dinheiro pra viajar com a
banda da escola, mas na verdade queria dinheiro pra comprar bebida e dar
uma festinha na casa quando os avós saíram semana passada pra casa da tia
dele. Isso porque ele já tinha um cartão de crédito praticamente ilimitado,
mas para Isaac, nunca era o suficiente. Victor também não podia culpar muito
o filho, pois também nunca tinha sido aquele adolescente comportado, muito
pelo contrário. Até riu ao lembrar-se da vez que tinha feito a irmã passar
uma vergonha mortal com o pretendente, ela quase matou o irmão mais novo
depois dele ter entornado um copo inteiro de bebida na roupa do garoto.
Lembrar a adolescência era maravilhoso, mas a vida não é feita de
passados. O presente precisava acontecer. Lutando contra os elefantes
invisíveis, consegue finalmente se levantar. Acordou com a mesma cueca que
estava usando no dia anterior, pois depois de certos acontecimentos na
sauna, mergulhou pelado na piscina mais uma vez. Como se já não adorasse
fazer aquilo, nadar do jeito que veio ao mundo e como se fosse um peixe
solto n’água.
Levanta-se da cama e caminha até o banheiro, seus pés descalços tocam
o chão gelado e quando olha pro lado nota a ausência de Cecília, era
possível que a esposa já estivesse na mesa do café aguardando-o ou então se
adiantado e saído para fazer alguma coisa. Que horas são, hein!? Chega até
o banheiro e escova os dentes, molhando o cômodo inteiro e dando mais
alguns motivos para a mulher reclamar da falta de displicência do marido,
acabou urinando na tampa do vaso. Porém, é inteligente, e limpa a urina com
um pedaço de papel higiênico.
Depois de passear pelas roupas do guarda-roupa organizado escolhe uma
camisa social branca bem passada e a típica calça social preta. O dia
acordou tão quente que simplesmente não teria condições de colocar um
terno. Desce para o café da manhã e dá de cara com Isaac e Cecília
conversando as mil maravilhas. Ué, mas já!? O pai fica impressionado com
a presença do filho logo de manhã em sua residência.
_ Bom dia, pai.
_ Oi, filho. Veio tão cedo pra cá hoje, por quê?
_ Nossa, fico feliz em saber o quanto minha presença te anima _
debocha. _ Mas eu estava combinando com Cecília de receber alguns amigos
meus aqui, gosto muito da casa dos meus avós, mas prefiro a piscina da sua
casa.
_ Não seja grosseiro comigo, só achei estranho porque você sempre vem
para cá à tarde depois da aula. Foi só isso, sabe muito bem que pode vir
quando quiser, a casa também é sua.
_ Verdade _ complementa Cecília, por mais que tenha sido a família dela
a bancar a maior parte da construção da mesma, mas a madrasta tinha um
carinho especial pelo enteado.
_ Obrigado pela recepção de vocês.
_ Bom dia, amor _ Victor se aproxima da esposa para dar-lhe um beijo
no rosto, mas se surpreende com a recusa dela afastando-se. _ Que foi?!
_ Não estou bem hoje não _ ela informa se levantando da mesa e indo em
direção às escadas.
_ E eu não posso nem te dar um beijo.
_ Dispenso _ e sua voz tinha um tom de soluço e lamento. O que foi que
eu fiz agora?
_ Você fez alguma merda _ informa o filho logo assim que o pai toma
assento na cabeceira da mesa quebrando o clima tenso que repousava no ar.
_ Nós, homens, sempre fazemos merda. Aprenda isso! Nós estamos
sempre errados.
_ No seu caso você está errado mesmo.
_ Tá sabendo de alguma coisa!? _ o pai pede informações ao filho.
_ Tem alguma coisa a ver com uma mulher ruiva.
Mulher ruiva!? Puta que pariu. É Aurora! Como descobriu!?
_ Como você sabe!? _ interrompe imediatamente sua mastigação
enquanto comia um pedaço de queijo.
_ Não fala de boca cheia! _ repreende Isaac tomando um gole de seu
suco natural de uva. Assim como Cecília, também tinha repulsa a sucos de
caixinha ou pior, de pacotinho.
_ Responde, garoto! _ insiste o pai.
_ Ela viu uma foto da mulher com você, me mostrou e perguntou se por
acaso eu a conhecia.
_ E o que você disse!? _ continua pensativo e preocupado com o quão
catastrófica poderia ser aquela descoberta. É bem possível que o estoque de
desculpas e mentiras do homem estejam chegando ao fim.
_ Eu disse que não ué! Nem sei quem é aquela mulher. Mas pelo visto
Cecília não ficou nada satisfeita em ver uma foto de vocês dois.
_ É uma amiga minha do trabalho _ informa tentando enganar o filho.
_ Pelo visto essa sua amiga e você são muito íntimos... _ começa a
provocar, mas Victor Hugo não cai na ideia do filho.
_ O que Adriana te falou disso? _ tinha certeza que era culpa da nova
secretária fofoqueira, aquela mulher nunca soube se colocar em seu devido
lugar, continuava acreditando que qualquer laço era capaz de cultivá-la
como membra da família.
_ Não disse nada, apenas essa mulher do cabelo vermelho que te mandou
uma foto com coraçõezinhos e um bilhete de amor escrito atrás, por isso que
Cecília está estressada com você.
Que merda! A foto que Aurora tinha lhe entregado ontem na hora de sair
e ele havia esquecido no bolso do terno. Muitas informações estavam
contidas ali, os laços de relacionamento estavam nítidos e não teria como
inventar mais desculpa nenhuma. Precisava falar para Cecília toda a verdade
e aquilo poderia lhe custar muito caro. Não é qualquer um que teria coragem
suficiente para por fim numa relação árdua que lhe trouxe de presente o título
dos Gouveia Vasconcellos. Se tinha uma coisa que os homens desejavam
mais que o dinheiro era o poder, e sem dúvida aquele sobrenome lhe garantia
tudo.
_ Quem é essa mulher hein, pai!?
_ Toma conta da sua vida que você ganha mais, tá Isaac!? Se preocupe
com seus amigos que virão para o banho de piscina. Vá conversar com o
jardineiro e pedir pra ajeitar tudo para recepcionar seus convidados _ diz
após terminar uma última golada no leite desnatado.
_ Ok, só não magoe Cecília nem permita que ela vá embora, pode ter
certeza se isso acontecer vai ser seu fim.
Meu fim... Até parece que preciso ficar correndo atrás de mulher. Sou
bonito, sou gostoso, um CEO... Elas que correm atrás de mim. Meu fim
será o paraíso!
Ignorando o comentário do filho, se retira da mesa e vai em direção ao
seu escritório que existe no primeiro andar, talvez ainda não se sinta forte o
suficiente para ir até a esposa e enfrentá-la tratando daquele assunto. Talvez
tenha lhe fugido um pouco a coragem e ainda refletia seriamente no que iria
fazer. Logo de manhã já tinha uma bomba no café, esse é apenas um dos
problemas que um executivo lindo precisa resolver.
Confere alguns papéis e coloca em sua pasta organizando seus pertences
antes de sair, mas não conseguia focar no trabalho. Não posso deixar
Cecília. Não posso deixar Cecília. O problema era que gostava das duas de
igual maneira, já estava há muito tempo casado, gostava da esposa, mas
algumas diversões na rua lhe chamavam a atenção também e ela precisava
entender aquilo. O pai dele sempre dizia que mulher de casa é que nem
comida sem sal, não tem gosto de nada. E tinha crescido cretino igualzinho o
seu progenitor.
Enquanto organizava alguns papéis no seu escritório, que parecia ter
estocado um milhão de contratos e outras pendências que nunca se
resolviam, seu celular toca.
_ Alô? _ atende impaciente ao não reconhecer de quem era o número.
_ Bom dia, senhor Victor Hugo _ e imediatamente reconheceu a voz da
raiz de todos os seus problemas, sua tinha um tom tranquilo e matreiro ao
respondê-lo com certo frescor e felicidade em torturá-lo.
_ Foi você, sua vagabunda, que contou tudo pra minha mulher? Foi ideia
sua aquele bilhetinho todo colorido né que sua amiga colocou no meu bolso
só pra que minha esposa descobrisse.
_ Nossa, que indelicado você, querido ex patrão. Não tenho nada a ver
com as declarações amorosas de Aurora, pelo contrário, desaprovo
totalmente. E não acredito como ela pode ter sido tão tola em acreditar que
você ainda estava casado porque sua esposa tem câncer. Vocês já estão
juntos há cerca de um ano, desculpe dizer, mas se ela estivesse mesmo
doente já deveria ter morrido há muito tempo.
_ O câncer dela é resistente _ Mente numa naturalidade absurda.
_ Mas eu não! Suas horas estão acabando e eu não irei resistir em tomar
qualquer medida drástica em relação ao assunto. Já escolheu!? Você ainda
tem algumas horinhas para ir atrás de Aurora, confessar que você é um
cretino e dar adeus a ela. As crianças poderão muito bem ter uma mãe e uma
tia. Garanto que, no que estiver ao meu alcance, não faltará nada às proles.
_ Minha esposa resolveu se separar de mim, escolhi ficar com Aurora
que é realmente o amor da minha vida. Mais tarde deve me encontrar com
ela e por favor, Verônica, eu estou te implorando, não fale nadadeste assunto.
Por favor! _ repete a palavrinha-mágica.
_ Você vai pagar, Victor Hugo! Você vai pagar... _ A marrenta continuava
estressada num nível insuportável. O que mais ela queria que eu fizesse!? É
bem provável que continua apaixonada por mim e não consegue lidar com
a ideia de ser rejeitada. As mulheres são assim... Acontece nas melhores
famílias.
_ Eu já estou fazendo tudo que você ordenou, Verônica! _ O homem
desabafa.
_ Isso não apaga o fato de que cometeu um pecado infame. Um erro
grotesco. Uma merda tamanha! Você continua bem encrencado.
_ Fica me ameaçando que eu te tiro da empresa.
_ Ouse fazer isso pra ver o que te acontece. _ Ameaça.
_ Você parece até uma moradora de morro _ depois daquele tom ele
teve até medo. Essa gente barraqueira que tem raiz na favela é barra pesada.
_ Eu não sou cabrita pra morar em morro! E é melhor não arranjar briga
com gente como eu se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca
cheia de formiga. Estou te avisando. _ O aviso de Verônica fez um arrepio
correr por toda a extensão de sua espinha.
Se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca cheia de
formiga... Se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca cheia
de formiga... Demora alguns minutos até que recobre a consciência e
continua a conversa.
_ Desculpa, não vou mais te chantagear. _ Quando percebeu a mulher já
tinha desligado na sua cara.
_ Filha da mãe! _ grita atirando um objeto de porcelana que havia sobre
a mesa na direção da parede tentando de alguma forma extravasar seu acesso
de raiva.
Saí do escritório bufando e de mãos atadas, qualquer atitude que pudesse
tomar seria imprudente perante uma barraqueira de morro, seu destino estava
nas mãos de sua ex-secretária. Sobe as escadas até o quarto e se depara com
uma Cecília chorando de não conseguir conter as lágrimas, seus olhos
estavam encharcados e ela arrumava uma bolsa sobre a cama retirando
alguns de seus pertences mais importantes do armário.
_ O que você está fazendo, Cecília? _ ☐ CEO reprime sua voz falando
da maneira mais delicada possível, não seria possível que a esposa
estivesse fazendo as malas para sair de casa, aquilo era só uma briguinha de
casal.
_ Eu vou embora! _ desabafa em meio aos soluços, chorando tanto que
sua voz é quase indecifrável. Continua chorando. O muro das lamentações é
em Israel, chore lá!
_ Não faça isso, eu te amo _ fala aproximando-se dela e segurando em
seu braço, mas ela se desvencilha dele e o repreende.
_ Você já brincou com meus sentimentos por tempo demais, chega Victor
Hugo! Chega! Tem horas que a gente precisa tomar uma atitude e dar um
basta.
_ Mas a gente se ama, Ceci.
_ Não me chama de Ceci _ grita com ele, em meio a sua redoma de
lágrimas.
_ Nada é capaz de separar um amor verdadeiro, estamos juntos há muito
tempo e não vai ser uma briguinha de casal que vai nos afastar. Ninguém vai
ser capaz de sublimar o amor que eu sinto por você, já superamos problemas
muito maiores pra poder estar junto. Aquela mulher da foto era apenas uma
amiga com quem eu tive um rolo um tempo atrás, mas já demos um basta na
relação, por favor, me perdoe.
_ Deram um basta na relação e ela te manda uma foto assinada com a
data de ontem?
Merda!
_ Ela está me querendo de volta, mas já expliquei que só quem me faz
feliz é minha mulher. Já cansou de me ligar, mandar mensagem, escrever
cartas e enviar fotos de quando estávamos juntos... Mas eu informei a ela que
amo minha esposa e não tenho interesse em mais ninguém. Foi um deslize
meu e eu tô aqui pra te pedir desculpas. _ Victor Hugo e sua exímia
capacidade de atuar _ Me perdoe!
_ Victor Hugo, eu já aceitei todas as suas traições, sofri calada fingindo
que nada estava vendo pra continuar ao seu lado porque eu te amo, mas você
ultrapassou todos os limites. Esses anos todos eu me fiz de burra, boba,
apenas não querendo aceitar a realidade. Eu não queria ver o que estava
estampado na sua testa e repousando sob meus olhos.
_ Você acabou de dizer que me ama, e o amor tudo suporta e tudo perdoa
_ lembra-se de algum versículo bíblico que dizia isto, e acaba apelando para
a religiosidade que nunca foi seu ponto forte.
_ Eu já suportei tudo e mais um pouco, essa última foi a gota d’água _
continuava chorando, mesmo que depois de iniciada a conversa houvesse
diminuído um pouco das lágrimas.
Victor começa a retirar as roupas que a esposa colocava na mala; e ela
recolhia tudo de volta para o interior da bolsa. Depois, o homem segurou nos
braços dela bem forte impedindo-a de continuar com aquela tarefa.
_ Você não vai embora. Eu te amo! _ e brada com a esposa usando todas
as suas forças que ainda restavam em suas cordas vocais.
_ Ela tá grávida! _ grita de volta vomitando as palavras entaladas na face
do marido.
Puta que pariu! Como ela sabe!? Agora tô ferrado!
_ Ela tá grávida, Victor Hugo. A outra vai realizar o sonho que eu
sempre tive que era ter um filho seu _ dessa vez as lágrimas voltam à tona
com todas as forças e uma cachoeira corre dos seus olhos, demonstrando o
quão triste aquilo lhe deixava _ Ela vai ser mãe! Algo que eu nunca vou
conseguir ser.
_ Já disse que a gente pode fazer tratamento. _ O CEO sugere como se
aquela opção não já tivesse sido utilizada.
_ Já fiz milhões de tratamentos. Já engravidei outras milhões de vezes e
perdi. Eu tenho endometriose e é quase impossível que eu tenha filhos.
Quase impossível pra não admitir que é raro. Talvez um caso em um milhão
e eu não sou uma mulher de sorte. Estou cansada de tentar, não quero me
submeter a isso outra vez. _ Chora ainda mais.
_ Você é a única mulher que me completa. _ Nem milhares de elogios
seriam capazes de emocioná-la aquele instante. _ Eu... Eu... _ olha ao redor
do quarto como se a palavra que precisava estivesse escondida entre os
móveis _ Eu não vou saber viver sem você.
_ Ah, vai sim!
_ Cecília, você sobreviveu às minhas piores verdades.
_ E coloque piores nisso! Mas não, isso não _ completa a mulher. _ Eu
relevei a história da sua primeira mulher e precisei ficar contra minha
família que não queria que eu me casasse com você. Depois do escândalo
que foi na cidade a história da mãe de Isaac que eu nunca tive coragem e
audácia de contar a ele.
_ E vai continuar assim _ interfere _ Ele nunca pode saber da história da
mãe.
_ Sim, eu tenho pena dele, por isso não conto. Mas mesmo depois do
escândalo eu desobedeci minha família e casei com você, mas eles tinham
toda a razão. Você é um cretino!
_ Os Gouveia Vasconcellos nunca gostaram de mim porque me julgam
interesseiro, estão pouco se importando com o que aconteceu no passado.
Eles só querem saber de dinheiro e não estão nem aí pra fator felicidade.
_ Eles são meus pais! _ Nesse momento suas bolsas estão quase prontas
e a mulher corre os olhos pelo quarto como se procurasse alguma coisa que
esqueceu.
Um breve silêncio reina no quarto e os dois se entreolham, a mulher às
lágrimas e o homem ainda impassível como se todas as emoções e cores
houvessem fugido de seu rosto, estava tão pálido que sequer sabia o que
fazer. Se terminasse com Cecília, sua vida iria ruir. Precisava tomar alguma
atitude, fazer alguma coisa, mas o quê?
_ Foi Adriana que te contou tudo, não foi? _ quis saber.
_ O que isso tem a ver!? O que importa é que eu sei da verdade.
_ Aquela linguaruda... _ sussurra.
_ Adriana não tem nada a ver com isso, sabe muito bem que ela encobre
todas as suas falcatruas. Eu descobri por conta daquela foto no seu terno
quando peguei hoje de manhã e fui pôr para lavar.
_ Me dá só mais uma chance, Cecília. Eu vou provar que te amo. Eu vou
provar...
_ Você tem até amanhã _ avisa.
Essa história de vinte e quatro horas de novo não...
XIV
Verônica

Mesmo que ainda não se sentisse muito à vontade em conversar com Igor
depois de todo seu envolvimento amoroso com ele, teve que apelar. Não
conhecia nenhuma outra pessoa tão inteligente em matéria de carros quanto o
marrom bombom. Oswaldo até que poderia lhe dar alguma ajuda, mas do
jeito que o primo era um fofoqueiro, bem possivelmente ia contar pra Aurora
que a amiga tentou sabotar o carro do namorado só pra que o homem ficasse
a pé no meio da estrada à noite. Precisava de alguma maneira dar uma lição
naquele cara e mostrar que não estava de brincadeira quando o assunto era
defender sua melhor amiga. E não pouparia esforços para isso.
Tudo poderia ser simplesmente mais fácil para colocar seu plano em
prática se ainda fosse a secretária do CEO, mas como não ocupava mais tal
cargo, precisava dar um jeito de tirar Adriana do posto na hora em que o
patrão se retirasse da sala para o almoço. E para isso teria que usar todo seu
charme e convencer Jorge a ajudá-la. Até que tal tarefa não seria tão difícil e
o chefe do setor já tinha demonstrado algum interesse por ela certo tempo
atrás. Essa parte seria mole.
Ela e Samira chegaram ao prédio da empresa e se despediram antes de
entrar. Foi um abraço caloroso de grandes amigas, parecia até que já sabiam
que aquela seria a última vez em que iriam juntas para o trabalho. É
engraçado imaginar que a gente não tem a mínima noção de qual será o dia
em que nossas vidas irá mudar completamente, até o momento em que ele
chega. E aquele dia estava marcado pra mudar a vida de Verônica e Aurora
para todo o sempre. Sem dúvidas, a melhor amiga nunca mais se esqueceria
daquela data.
Entra no prédio da empresa e cumprimenta Jorge com dois beijinhos
delicados na bochecha e sente um maravilhoso perfume amadeirado
exalando do corpo dele. Estou ovulando! Depois disso, foi até a sala dos
funcionários marcar seu ponto de chegada e retornou para a recepção para
começar sua tarefa diária de não fazer nada, apenas atender uma ligação
aqui, digitar um documento ali, anotar um recado... O plano só entraria
mesmo em prática depois do horário do almoço e quando Victor Hugo
chegasse.
_ Tudo bem com você, Verônica? _ indagou o colega de trabalho
percebendo a preocupação nítida nos olhos dela.
Será que está tão na cara assim!? Preciso controlar minhas emoções!
Nunca sabotei o carro de ninguém, é normal que fique nervosa!
_ Ah sim, tudo bem. É só uns problemas pessoais que me deixaram um
pouco preocupada, mas vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem.... Era isso que repetia para si a
todo momento. Depois que desse uma lição naquele cretino filho da mãe que
acredita poder pegar todo mundo, mexer com os sentimentos das pessoas e
ficar por isso mesmo, está muito enganado. Dessa vez, o CEO seria a presa e
a marrenta, a predadora. Estava tão possuída por um ódio perverso que seria
capaz de voar no pescoço de Victor Hugo logo quando o visse, mas resolveu
se contentar em deixá-lo a pé no meio da noite.
_ O que precisar de mim, estou aqui _ dispõe Jorge. _ Não é porque
trabalhamos juntos que temos que ser estritamente profissionais.
Verônica sente uma pontada de esperteza e saliência em sua voz. Ele não
estava apenas querendo mostrar-se disposto a ajudá-la nos assuntos
pessoais, mas transparecia um interesse um pouco além dos campos rasos.
Ele tinha aquele tipo de interesse que as mulheres são capazes de captar em
seus olhos.
_ Pode desabafar comigo _ continua falando quando percebe a morena
inerte e calada, e ele, não sabendo reconhecer se aquela reação silenciosa
era positiva ou não.
_ É que... acho que eu vou precisar de uma ajuda sua hoje na hora do
almoço. Mas é um assunto extremamente sigiloso, eu preciso entrar na sala
de um funcionário da empresa _ revela contando com a discrição do homem.
_ Olha lá hein Verônica... Não vai sobrar nada pro meu lado não? _
suspeita.
_ Não! Fica tranquilo. Vai dar tudo certo e caso dê alguma coisa de
errado a culpa irá recair toda sobre mim. E até porque o que preciso que
faça não levantará nenhuma suspeita. Mas por favor, não me pergunte o que
pretendo fazer _ diz morrendo de nervoso sem saber se poderia realmente
confiar em Jorge, mas nos últimos tempos ele tinha se mostrado muito mais
do lado dela do que do CEO.
_ Ok, o que eu vou ter que fazer? _ indaga.
_ Só preciso que você distraía Adriana na hora que Victor sair pro
almoço. Preciso entrar na sala dele.
O telefone toca e os dois pausam seus assuntos particulares para executar
as tarefas da recepção. É o Dr. Campos pedindo umas informações sobre o
CEO em questão, mas Victor Hugo ainda não tinha chegado para dar início
ao trabalho. Estava especialmente atrasado em quase uma hora, mas costuma
se sentir acima do bem e do mal, então chega quando bem entende.
Em dois minutos, despacha o diretor que vem com conversas libidinosas
e salientes para cima da recepcionista mostrando seu interesse por ela. Até
quando terei que aceitar isso calada!? Verônica se sentia mal com aquilo,
alguns outros discordariam achando que aquilo lhe valoriza ou que as
mulheres deveriam se sentir bem por serem desejadas. Mas nenhum desses
pensamentos passava na cabeça dela, que pelo contrário, só se sentia
diminuída e tendo que aceitar tal postura para não perder a vaga de emprego
que era difícil conquistar.
Finaliza a ligação, revira os olhos e continua a conversa com Jorge.
_ Você pode fazer isso por mim? _ pede.
_ E o que vou ganhar em troca? _ sente um olhar safado do homem.
_ O que você quer? _ Era uma pergunta respondendo a outra.
_ Sair com você hoje à noite.
_ Tudo bem, acho ótimo. É bom que a gente se conhece melhor _
Verônica aceita logo de cara, até parece que aquilo seria algum sacrifício
para ela. Jorge era lindo, porém fazia o estilo de todos os outros homens que
ela conhecia: cafajeste. Quando será que esses cafajestes vão parar de me
perseguir?
_ Show. Que horas te pego?
A noite toda se você quiser.
_ Pode passar lá em casa às oito. Eu te passo o endereço por mensagem.
_ Ok _ ele aceita.
Cinco minutos depois a raiz de todos os males da sua vida desponta na
recepção. Era Victor Hugo esbanjando sensualidade naquele corpo
incrivelmente delicioso, com olhos magníficos e sedutores ao máximo e um
cheiro embriagante. Verônica não podia se aproximar dele, pois o CEO lhe
fazia delirar e acabava esquecendo-se de seus reais interesses em relação a
ele. Acorda Divônica! Rapidamente retomou sua consciência e fez cara de
séria quando ele se aproximou com um sorriso tentador no rosto.
_ Bom dia, Jorge!
_ Oi, Victor _ responde.
_ Tudo bem, Verônica? _ indaga, tentando hipnotizá-la com sua beleza.
_ Tudo ótimo _ força um sorriso no canto da boca. _ Ah, Dr. Campos
gostaria de falar com você.
_ Por que ele não ligou pra minha secretária? _ quis saber.
Porque eu sou mais bonita que a cara de fuinha!
_ Talvez Adriana não estivesse por lá, o importante é que ele precisa
falar com o senhor com urgência.
_ Obrigado! _ e sai andando em direção ao elevador.
O dia da recepcionista continua fluindo da melhor maneira possível,
saber que em breve conseguiria realizar seu plano maligno lhe deixava muito
mais disposta e ainda por cima seria presenteada com a companhia de Jorge
durante toda a noite. Não pretendia esperar muita coisa daquele encontro,
gostava de se surpreender com o que as pessoas poderiam lhe oferecer, já
havia aprendido e sofrido demais com o fato de esperar dos outros. Aurora
sempre repetia uma frase para a amiga: Não crie expectativas, crie pombos.
Tenho certeza que eles serão bem menos nocivos a sua saúde. Aquilo era a
mais pura verdade.
Aproveita que ninguém vigiava o trabalho na recepção e mexe no celular.
Por incrível que pareça, recebe uma mensagem de Igor todo fofo e
carinhoso. Repreende-se e se proíbe a responder qualquer coisa meiga em
contrapartida. Já sofreu demais com esse amor e acreditar que uma
conversinha boba vai ganhá-la novamente pode esquecer. Já deu!
Responde à mensagem de uma maneira estritamente objetiva e sem
margem para representação de sentimentos ou espaço para flerte. Igor
provavelmente terminou com Alice e quer resgatar Verônica para uma
companhia noturna, mas ela estava cansada de ser objeto na mão dele,
cansada de ser uma solução imediata para problemas costumeiros, cansada
de se contentar com migalhas de amores alheios. Ela não merecia aquilo. Era
uma mulher que merecia coisas extraordinárias, estava na hora de se
agraciar com alguém que realmente lhe cativasse e que fosse um sentimento
recíproco.
Aurora também conversou com ela um pouco por mensagens, estava no
ônibus indo para o consultório chique que o namorado pagava fazer uma de
suas últimas ultrassonografias com a doutora. O sexo das crianças
continuava um mistério, já que a mamãe queria surpresa. Verônica alertou-a
para não utilizar muito o aparelho telefônico na rua, pois uma grávida seria
um alvo bem fácil para os ladrões. Avisou também que pretendia retornar de
táxi, o particular que Victor Hugo tinha contratado para fazer as viagens
dela, mas pela manhã ele estava um pouco ocupado e acabou optando pelo
transporte público.
Mandou também mensagem para Dora perguntando como andava o
relacionamento com Nathan, torceu também para que a maré de azar que
circulava naquele prédio não atingisse as vizinhas queridas. Demorou para
que a colega respondesse pois esta trabalhava direto e seu emprego não lhe
permitia muitas folgas, tinha tarefa o tempo todo. Mas logo que ela se casar
com o loiro surfista vai ficar rica e não precisará disso. Quando respondeu,
informou que o namoro estava firme e forte, que bom que os dois estavam se
dando bem juntos. Pelo menos alguém tinha que beijar na boca e ser feliz,
porque namoro é assim.
Já com o primo não precisava nem puxar assunto que ele já vinha.
Oswaldo não podia ver que a garota estava online para ir logo mandando um
milhão de vídeos sem graça e quaisquer outras chatices que encaminhava
sem o mínimo pudor. Depois ainda perguntava se achou engraçado. Verônica
se limitava a assistir um ou outro dos mais curtos quando não tinha realmente
nada pra fazer, e era até bom quando se sentia a pior pessoa do mundo e
ligava os vídeos encaminhados pelo primo acabava se lembrando que tem
gente mais tosca do que ela. Pensar em Oswaldo era quase um
antidepressivo.
12:17. Já tinha dado a hora do almoço e ainda assim Victor Hugo não
tinha descido para almoçar, geralmente ele saía e ficava um bom tempo fora,
sabe-se Deus onde e com quem. O almoço dos outros funcionários como ela
já tinha acontecido até o meio-dia e Verônica aproveitou para comprar sua
quentinha e comer no refeitório dos funcionários. Será que o homem já tinha
saído antes dela perceber? Fez uma rápida ligação para o andar dele e quem
atendeu foi Adriana.
_ Pois não _ fala com aquela sua voz debochada logo que vê que o
telefonema é da recepção.
_ É a Verônica. Victor Hugo ainda está trabalhando ou já se retirou para
o almoço? _ indaga.
_ Por que quer saber? _ foi ríspida em atender a recepcionista.
_ É que Dr. Campos pediu para procurá-lo, gostaria de saber se ele
conseguiu atendê-lo _ tenta puxar para outro assunto.
_ Conseguiu sim, e já se retirou para o almoço.
_ Ok _ desliga o telefone na cara da funcionária nojenta.
Pronto. O próximo passo de seu plano já poderia ser dado, mas ficou
preocupada se o homem tinha realmente saído para o almoço ou se era uma
invenção da secretária para ludibriá-la. Porém, o pior de tudo seria se o
homem tivesse saído de carro, mas no período que foi secretária dele nunca
saiu de carro. Apenas almoçava com os amigos ou então se retirava para
almoços de negócios de carona com os negociantes.
Respira fundo e olha para Jorge dando um sinal de cabeça autorizando-o
a começar o plano. Era simples, só precisava retirar Adriana de seu posto,
mas não poderia subir o andar pois senão o posto da recepção ficaria
sozinho. Resolveu ligar para Adriana alguns minutos depois para não dar
muito na cara.
Dez minutos depois e Verônica não se aguentava mais de ansiedade.
_ Liga logo! _ pede.
_ Ok, vou ligar _ pega o telefone no gancho e uns segundos depois é
atendido _ Adriana, preciso que você venha urgente aqui na recepção. Por
favor! É o Jorge, vem logo. _ e desliga antes mesmo que a mulher tenha
tempo de refletir ou questionar o que estava acontecendo.
_ Ótimo, agora vou subir rápido pelo elevador de serviço. Do jeito que
Adriana é metida não descerá pelo dos faxineiros de jeito nenhum. Se ela
perguntar, diga que fui até o banheiro. Invente uma história qualquer pra
enrolar ela por alguns minutos. Muito obrigada! _ e joga um beijo saindo
apressada.
Suas pernas tremiam de tanta pressa de subir logo para o vigésimo andar,
teve vontade de correr pelas escadas, porém demoraria muito mais. Era
melhor aguardar o elevador. Cerca de dois minutos ele chegou e seu coração
não aguentava mais no peito, sentia vontade de pular pela boca. Estava
preocupada, se nada der certo estaria completamente ferrada e
desempregada. Victor não toleraria aquela sua atitude.
Chega no andar desejado em poucos segundos, a vantagem de se
trabalhar num prédio chique é que até o elevador de serviço é luxuoso e
rápido. Observa o movimento quando sai e percebe poucas pessoas ali.
Mantenha a postura e haja com naturalidade, como se fosse uma
secretária como todas as outras. Ninguém dispensa qualquer atenção ou
suspeita sobre ela, apenas alguns homens safados reparam em seu corpo e
acompanham as pernas dela com os olhos, mas consegue entrar na sala sem
fazer nenhum alarde.
Quando está dentro da sala, percebe que tudo estava exatamente no
mesmo lugar de quando deixou. Desde a última vez que tinha trabalhado
como secretária do homem nunca mais retornou ali. Repousa os olhos no
mesmo lugar onde meses antes os dois estavam próximos e envolvidos num
beijo tentador, num sexo surreal. Odiava ter que admitir, mas aquele CEO
cretino tinha sido um dos melhores beijos e sexos de toda a sua vida. E o
principal era sua pegada. Que pegada!
Rompendo seus devaneios e pensamentos incabíveis começou a procurar
pela chave do carro sobre a mesa, mas nada. Observa e começa a tatear os
objetos que ficam sobre o armário, mas também não encontra qualquer
vestígio de uma chave de carro.
_ Onde será que esse infeliz enfiou a chave? _ acaba pensando alto.
Se ele tivesse levado a maldita chave no bolso do terno, Verônica estaria
completamente ferrada e seu plano maligno teria ido todo por água abaixo.
Precisava pensar rápido antes que Adriana retornasse ao posto e ficasse
presa dentro daquela sala. Pense, Verônica! Pense! Seu tempo estava
acabando e não fazia a mínima ideia de onde poderia estar escondido seu
mais precioso ouro. Seu coração batia tão acelerado que parecia ter acabado
de correr doze quilômetros numa pista olímpica. Estava nervosa! Muito
nervosa.
Cruza os dedos e fecha os olhos, pedindo a Deus uma luz. Pelos seus
cálculos, provavelmente tinha menos de cinco minutos para encontrar a
chave e se sentia uma criança se escondendo da mãe depois que faz bagunça.
Era como se sentisse a respiração pesada da mãe repousando em seu
cangote. Encontre a chave, Verônica! Continua procurando por toda a sala,
mas nenhum sinal da bendita.
Seu celular apita no bolso e é uma mensagem de Jorge: “Enrolei o
máximo que pude, Adriana já está subindo”. Puta que pariu! Tinha menos
de dois minutos. Um reloginho ressoava na sua cabeça, tic-tac, tic-tac... Até
que lhe surge uma luz no fim do túnel.
_ A gaveta! _ um sorriso brilha em seu rosto, cantando vitória antes
mesmo de encontrar o objeto.
Corre até as gavetas quase derrubando no chão as pastas que repousavam
na ponta da mesa. Mete a mão na primeira e não encontra nada interessante
além de papéis e dinheiro. A segunda nada também. Que merda! Quando
coloca a mão pra puxar a terceira ouve um leve ranger. Trancada.
Antes mesmo de ter tempo pra raciocinar lembrou-se que ele guardava a
chave da gaveta numa caixinha de madeira com um desenho de coração na
tampa e que ficava no armário de documentos.
Retorna rapidamente até o armário de documentos pensando que não lhe
resta nada mais que sessenta segundos até que a monstra do cabelo ruim
retorne ao seu posto. Ainda assim, não tinha certeza nenhuma de que a chave
do carro estaria guardada naquela gaveta, mas sua esperança apostava todas
as fichas ali, tinha que estar lá.
Pega a pequena chave e suas mãos tremem tentando abrir a gaveta, estava
tão nervosa e preocupada que sequer era capaz de girar. Mas finalmente
abriu e seu precioso ouro estava lá. Trancou a gaveta e levou a chave do
carro consigo.
Sai da sala observando todos os movimentos ao lado, quando entra no
elevador de serviço ouve um leve barulho indicando que o elevador social
tinha chegado. Ufa! Consegue sobreviver ao furação Adriana por uma fração
de segundos, mas devolver seria mais fácil, agora que carregava a chave da
gaveta.
Quando retorna para seu posto na recepção, senta-se numa cadeira que
Jorge puxou para ela e bebe a água que este lhe oferece. Estava
completamente pálida e não existia uma vírgula de melanina sequer em sua
pele. Branca como se tivesse acabado de ver um fantasma. Jorge lhe
observava atento querendo saber quem ela tinha visto pra está tão assustada
daquela maneira.
_ Conseguiu? _ indaga.
_ Sim, agora preciso sair por alguns minutos, já volto.
Mal se recompõe e já sai do prédio toda perdida, caçando o carro do
homem no meio da imensa rua. Conhecia o modelo do veículo do namorado
da amiga, só não sabia a placa, vai que encontra algum igual? Mas resolveu
esquecer dessa opção, corre os olhos por tudo quanto é canto completamente
perdida. Será que ele costumava deixar o carro na rua ou em algum
estacionamento? Nunca tinha parado para refletir aquela questão, quanto
mais dava continuidade ao plano, mais percebia os buracos que existiam
nele.
Caminha por mais algumas calçadas até ver um carro idêntico ao do
CEO. Tinha que ser aquele. Aproxima-se tentando manter o máximo possível
de sua naturalidade, mas não consegue. Parece uma fugitiva da polícia
tentando se esconder. Algumas pessoas lhe observam como se ela fosse
assaltar alguém, mas chega até o carro e enfia a chave no buraco. O carro
abre e Verônica comemora.
Mas sua comemoração logo vai por água abaixo com o susto que toma
quando o alarme dispara chamando atenção de todo mundo que estava ao
redor. Merda! Sua cara estava vermelha e tanta vergonha e tenta se conter ao
máximo para não transparecer preocupação. Você não está roubando um
carro, Verônica! Haja com naturalidade. Tentando manter a calma, pega a
chave e aperta o alarme que havia se esquecido de fazer antes de girá-la.
Não entendia nada de automotores, mas Igor tinha a informado para
levantar a tampa da frente, tinha indicado onde poderia estar a alavanca que
liberava para abrir mas nada de encontrar. Rodou tudo quanto é lado, mas
nada lhe fazia descobrir, a solução foi apelar para um garoto de um vinte e
poucos anos que passava na rua, tinha cara de nerd, devia ser universitário e
carregava uma mochila. Não era suspeito a ponto de poder assaltá-la.
_ Garoto, dá um chegadinha aqui! _ faz sinal para que o rapaz se
aproxime.
_ Oi _ ele responde feliz como se ela fosse tascar-lhe um beijo.
_ Será que você pode me dar uma ajudinha pra levantar a tampa desse
carro. Preciso abrir ali na frente que meu marido falou pra eu dar uma
olhadinha numa coisa e não consigo. Será que você sabe? _ fez cara de
boazinha e pedinte, sorrindo para ele de uma forma calorosa e o rapaz não
tirava os olhos do decote dela.
_ Posso tentar dar uma olhada. Terminei a autoescola agora, também fico
um pouco perdido _ responde se aproximando e retirando a mochila das
costas.
O rapaz se aproxima do painel do carro e observa atentamente todos os
detalhes, parece impressionado com o estilo daquele veículo caríssimo até
dar um simples clique num botão que havia escondido quase debaixo do
banco. E abre.
_ Menino, você é um gênio. Muito obrigada!
_ De nada _ sorri _ Precisa de mais alguma coisa?
_ Não, obrigada. Quanto que eu te devo? _ Seria deselegante não
oferecer nenhuma recompensa monetária em prol da ajuda, mas os cinquenta
reais que tinha no bolso já estavam destinados para pagar Lena.
_ Que isso, dona. Nada não _ abaixa a cabeça como se tivesse sido
terrivelmente humilhado. Aquele dona tinha tirado toda a credibilidade dele
como um universitário nerd. _ Eu ajudo as pessoas por ajudar, quero
dinheiro nenhum não.
_ Então muitíssimo obrigada _ e sorri para ele que se vira e continua a
caminhada, meio cabisbaixo como se o dinheiro tivesse lhe ofendido.
Agora com a tampa do carro aberta era só encontrar o tubo indicado
perto da bomba d’água. A água ia escapar bem rápido, o veículo iria ferver
e o cretino ficaria a pé no meio da estrada. Igor tinha garantido que tal
situação não permitiria que continuasse andando por nem vinte minutos a
mais. Retira a tesoura escondida no bolso da roupa e corta o pequeno
tubinho que o vizinho tinha lhe instruído. Ainda bem que ninguém ao redor
olhava para aquilo que ela fazia. As pessoas andavam tão apressadas que
sequer notavam os acontecimentos peculiares.
Guarda a tesoura bem escondida na roupa, abaixa a tampa e tranca o
carro, lembrando-se de acionar o alarme. Retorna para o escritório e entrega
a chave para Lena, uma amiga que trabalha na limpeza da sala de Victor
Hugo e lhe dá a instrução de exatamente com deve proceder.
_ Olha Lena, você vai colocar essa chave exatamente na terceira gaveta
da mesa. Ele não pode sequer perceber que ela sumiu. Coloque o chaveiro
para cima. E toma _ retira disfarçadamente uma nota de cinquenta que
carregava no bolso entregando para a mulher. Cinquenta reais era uma
mixaria para comprar alguém, mas na atual crise financeira, o pessoal
aceitava qualquer suborno.
_ Isso não vai dar problema pra mim não né, dona Verônica!? _ Lena era
uma senhora de seus cinquenta anos e conquistara a amizade da secretária
logo assim nos primeiros dias, às vezes as duas ficavam na varanda de fora
do prédio e conversavam enquanto Lena fumava seu cigarro.
_ Não, desde que você entre logo naquele escritório e guarde a chave.
Seja rápida, pois em breve o homem volta pra lá.
_ Pode deixar _ abaixa a cabeça e segue empurrando o carrinho da
limpeza que passa pelas salas recolhendo o lixo.
Depois de ter chantageado os funcionários para compactuarem com seu
plano maligno, a única coisa que pode fazer é retornar para seu posto na
recepção. Os demais iriam suspeitar se ela continuasse ausente por muito
tempo. Voltou para o lado de Jorge e presenteou-lhe com um gracioso sorriso
agradecendo-o por fazer suas vontades e compactuar com suas ideias loucas.
Victor Hugo também retornou, passou pela recepção e subiu logo para sua
sala. Verônica sorria, sabendo que agora bastava apenas esperar. Ela só não
contava com o potencial destrutivo que poderia ter aquele plano.
☐☐☐
Eram duas horas da tarde quando o supervisor passa pela recepção
concedendo os vinte minutos do lanche. Como estava um pouco estressada
daquele ambiente todo do trabalho, resolve ligar para Samira e marcar de
tomar um café na padaria ali próxima. A colega que também fazia seu
horário de lanche acaba concordando.
Todo o tempo do lanche deveria ser economizado, então correu o
máximo que pode até o local combinado e em três minutos as duas se
encontraram novamente.
_ Quanto tempo, hein amiga_ e as duas riem do fato de terem se visto
pela manhã.
_ Verdade. Hoje estou com vontade de tomar um suco _ informa Samira.
_ Tudo bem, tem aquela lanchonete ali perto, nunca fui não, mas parece
ser boa.
Verônica aponta para uma fachada amarela com anúncios pintados em
azul na parede e as duas se encaminham para lá. A lanchonete não tinha
nenhum requinte ou muita coisa que pudesse oferecer aos clientes, mas era
bem limpinha e organizada. Espalhadas pelos cantos havia mesinhas de
alumínio, daquelas típicas de bar, com um plástico quadriculado sobre ela.
Samira vai até o balcão trazendo dois cardápios e estende um pra colega.
_ Você parece mais tranquila agora, de manhã estava muito agitada.
_ É, problemas com minha amiga né, que divide casa comigo. Descobri
que o namorado dela é um cretino.
_ Ah, mas homem é tudo cretino mesmo. Não negam a raça, são poucos
os que salvam _ comenta.
_ Ah, então me apresente esses que salvam porque até agora não vi
nenhum.
Risos invadem o encontro das duas. Tomando-se da possibilidade de
relaxar e distrair-se com os problemas, Verônica passa o olho no cardápio.
_ Não posso pedir nada muito caro não _ diz a recepcionista. _ Esse mês
estou tão pobre que tô com medo de ir na praça e os pombos ficarem tacando
pão pra mim.
_ Também estou nesse nível. Tô com dinheiro nem pra comprar uma
roupa decente pra eu ir numa festa que vai ter semana que vem. Estou
destruída! Minhas inimigas nem precisam fazer muito esforço pra me
derrubar, porque eu já tô no chão. Se passar um caminhão do lixo perto de
mim é capaz de querer me carregar.
_ E eu menina!? Olha minha cara _ informa aproximando o rosto. _
Minhas maquiagens estão todas acabando. Aliás, vou aproveitar pra retocá-
la que eu trouxe um espelho na bolsa. Minha base líquida está no restinho.
_ Se você quiser um cadinho emprestada tenho aqui na bolsa. Mas é um
cadinho mesmo porque não tem quase nada também _ ri de sua condição
lamentável. _ Acho que vou pedir um suco de graviola e um salgado de
forno.
_ Eu quero o mesmo suco e um pastel de queijo. Ia pedir um misto quente
mas meu tempo não vai dar pra esperar.
_ Também tenho que bater o ponto daqui a.. _ olha no relógio _ oito
minutos.
Verônica abre a bolsa procurando sua maquiagem enquanto Samira se
levanta da mesa e vai até o balcão informando o que desejam comer. Pouco
tempo depois, retorna com dois pratinhos de vidro e a colega ainda procura
seu espelho na bolsa.
_ O garçom já vai trazer as bebidas _ Sua voz é calma como se tivesse
lamentando o fato. _ Garçom bonitinho, viu!? _ comenta aproximando-se de
Verônica e falando o mais baixo possível.
Nesse momento, a outra não perde a oportunidade e corre os olhos à
procura do boy magia. Estou ovulando! Verônica tinha mania de ficar
encantada com todos os homens que via no mundo. Mas aquele também lhe
despertou interesse, tinha os olhinhos puxados, mas não tanto quanto um
japonês nativo e o rosto tinha algo de interessante e indecifrável que ela não
saberia explicar. Seu corpo era sedutor.
_ Pego fácil esse japinha _ encontra o espelho na bolsa. _ Ah, esqueci
que eu tenho um encontro com um funcionário da empresa hoje _ Tenta não
soar tão animada quanto estava, querendo mostrar desinteresse.
_ Meu Deus, como você não me conta isso!?
_ Ele pediu pra sair comigo foi hoje quando cheguei no trabalho _ diz. O
espelho ainda estava sobre a ponta da mesa e deu um tempo para comer
antes de se maquiar.
_ Ai, arranja um peguete pra mim?
_ Eu não tô arranjando nem pra mim, Samira! Agora que dei sorte desse
peixe cair na minha rede.
_ Hum... Só observo.
O tão bem afeiçoado garçom chega até elas carregando as bebidas numa
bandeja metálica. O sorriso de Verônica para ele já diz por si só, era como
se pronunciasse tô-doida-pra-te-pegar com seus olhos. Samira também é
oferecida no mesmo ponto e fica chateada com a colega que já vai pegar um
e ainda quer o outro. Amigas amiga, peguetes à parte.
_ O suco das senhoras.
_ Senhoritas, por favor _ corrige Samira.
_ Desculpe, senhorita _ dessa vez ele sorri carinhosamente para a cliente
mais gordinha. _ Desejam mais alguma coisa?
Você! Mas na impossibilidade disso também aceito seu número de
telefone, pode ser?
_ Não _ respondem em uníssono depois de pensarem, pareciam não
querer dispensar o rapaz de tão imediato, mas seria deselegante da parte das
mulheres darem em cima dele. Quem foi que impôs essa regra de que os
homens devem chegar nas mulheres porque se o contrário acontecer elas
parecerão oferecidas?
O garçom se retira e Samira corre os olhos na comissão traseira que ele
carrega ficando espantada com toda a magnitude.
Começam a tomar o suco e a desajeitada Verônica esbarra no espelho
deixando-o cair e as duas assistem boquiabertas o objeto cair no chão e
espatifar-se em mil pedacinhos.
_ Ah meu Deus! Agora você vai ter sete anos de azar _ lamenta Samira,
acreditando na crendice e pensando que aquele seria o maior dos problemas
da amiga.
_ Foi só um espelho, depois compro outro. O pior é que agora nem vou
poder me maquiar _ avisa curvando-se na cadeira para catar os cacos
maiores espalhados pelo chão.
Como se fosse um anjo que desceu do céu, o garçom gato retorna para
auxiliá-las no incidente. As duas sorriem como se quebrar o espelho tivesse
sido alguma estratégia para atrair a atenção do rapaz.
_ Pode deixar que depois a gente limpa, garotas.
_ Obrigada _ Samira suspira para ele.
_ Fiquem tranquilas, essas coisas acontecem.
Continuam a beber o suco e comer o salgado enquanto Samira ainda fica
encucada com o fato de a colega ter quebrado um espelho e garante que
aquilo infelizmente lhe trará sete anos de azar.
_ Vira essa boca pra lá, menina! _ rebate quando as duas se levantam
para pagar a conta.
As duas dão dos beijinhos e partem de volta para seu trabalho, felizes
por ter estado na companhia uma da outra, pois tinham conversas agradáveis
e se sentiam seguras e bem quando estavam juntas. Samira era um amor de
pessoa!
Quando retorna ao prédio começa a inquisição com Jorge.
_ E aí, Victor continua lá em cima?
_ Acho que ele deu uma saidinha.
_ Acha ou ele deu? _ Não se importa o quão invasiva pode soar com
seus comentários e perguntas continua mantendo o tom ríspido e levemente
agressivo, mas não querendo soar assim.
_ Não sei, Verônica! Não fica vigiando a vida dos outros, quem entra e
sai. _ Toma um fora e sente-se coagida. Também, estava pedindo demais ao
colega.
_ Desculpa _ reprende a si mesma e abaixa a cabeça, depois dá um leve
beijo rápido na bochecha de Jorge que gosta da atitude da mulher.
O silêncio reina no local do trabalho, talvez o homem estivesse um
pouco impressionado com a capacidade persuasiva que a colega tinha ou
talvez tivessem cessado os assuntos e não gostaria de falar nada com ela
para não soar forçado. Ela também manteve a mesma postura, ereta perante o
balcão e distribuindo sorrisos pra quem quer que passasse, esse era o papel
da recepcionista: ser gentil e educada. O problema é que alguns imbecis
acabavam confundindo as coisas e achavam que ela estava dando mole.
É incrível como alguns homens não podem receber um sorriso de uma
criatura feminina pra já ficarem completamente loucos, achando que ela está
a fim, está querendo-o ou pior, dizer que ela está sendo fácil. Só estão sendo
simpática e por favor não confundam as coisas.
Depois de um tempo Victor Hugo volta sorrindo sem sequer olhar para
os dois e sobe. Estava feliz demais pra alguém que estava com a corda presa
no pescoço. Para alguém que tinha pouco tempo para tomar uma terrível
decisão. O sorriso dele incomodava a recepcionista.
Ele está sorrindo demais... E não olhou pra mim.
Verônica sente uma leve vibração no bolso sinalizando que tinha
recebido uma mensagem, mas no exato momento que encaminhava as mãos
ao bolso aparece alguém no balcão.
_ Boa tarde. _ Quando olha, é uma senhora idosa com os cabelos
grisalhos e um olhar terno _ Pode me dar uma informação?
_ Claro! _ prontifica-se a atendê-la.
_ Eu queria ir ao banheiro. Fica pra que lado?
_ O banheiro é naquela direção. _ Aponta para seu lado esquerdo. _ No
final do corredor a senhora vira para a direita e terá uma plaquinha na porta.
A idosa continua com um olhar perdido, como se não tivesse prestado a
mínima atenção no que Verônica tivesse dito ou então tinha alguma limitação
mental que não lhe permitia assimilar as informações. Permanece ali no
balcão como se estivesse pensando e a recepcionista se mantém calada sem
saber o que fazer enquanto olha para Jorge que está numa completa distração
com um inseto que pousou sobre a mesa.
_ Quer que eu lhe acompanhe até lá? _ oferece.
_ Ah, se for possível. É que eu nunca venho aqui. Fico meio perdida.
Não tem como uma pessoa se perder num único corredor.
_ Tudo bem, posso sim.
Sinalizando com o olhar para Jorge, ela anda ao lado da senhora em
direção ao banheiro, até oferece seu braço para auxiliá-la na caminhada, mas
esta diz não ser necessário. Prestativa, mantem seus passos no mesmo ritmo
lento da idosa.
_ Você é muito prestativa, mocinha.
_ Ah, obrigada! _ sorri mais uma vez.
_ Da última vez que tive aqui era uma outra mulher meio antipática na
recepção. _ Adriana. _ Mas percebi que ela ficou puxando meu saco depois
que soube que eu pertencia a uma família de prestígio. Odeio pessoas assim,
que se vendem por conta do dinheiro. Você não, é simpática de graça. _ E ri.
_ Bondade da senhora. _ O trajeto até o banheiro parecia ser enorme por
conta da lentidão com que a idosa andava.
_ Que nada! Tenho que ir visitar meu intragável genro. Está na hora de
cuspir algumas verdades em cima dele. Espero que ele não me responda, não
aguento ouvir nada que sai daquela boca abjeta. Se ele está pensando que vai
fazer a limpa nas propriedades da família Gouveia Vasconcellos está bem
enganado. Está historinha de divórcio não vai colar.
Gouveia Vasconcellos... Gouveia Vasconcellos... Não precisava nem
perguntar, a mulher era a sogra de Victor Hugo. História de divórcio!? Meu
Deus! O homem estava realmente disposto a cumprir com o que ela havia
ordenado e escolher uma das duas. Nesse momento, um peso enorme lateja
na consciência dela.
Finalmente chegaram até o banheiro e Verônica avisa que ficaria na porta
aguardando-a para acompanha-la até a recepção. Mesmo com a idosa
dizendo que não precisava, mas sua voz tinha um tom de incerteza que
acabou aceitando. Aproveita para checar a mensagem que havia recebido no
celular. Era Aurora: “Verônica! Vc não vai acreditar! Victor trabalha aí
pertinho da sua empresa. Encontrei-o agora pouco e ele me emprestou o
carro.”
Não era possível que Aurora tivesse pego o carro justamente agora que
Verônica o havia sabotado. Fica preocupada e liga urgentemente para amiga.
A demora para atender lhe mata de ansiedade, cada tu-tu-tu que o telefone
dava, era mais um mini ataque cardíaco que a morena tinha. Atende!
_ Alô! _ Quem atende o telefone é Oswaldo.
_ Oswaldo!? _ O choque foi em dobro, ela não estava entendendo mais
nada.
_ É que Aurora está dirigindo, eu estava no ponto de ônibus e ela acabou
me dando uma carona.
_ Quero falar com Aurora! _ exigi.
_ Ela não pode falar, está dirigindo.
_ Dane-se! Eu quero falar com ela agora! _ Seu tom de voz era tão
descontrolado que possivelmente a sogra de Victor estaria ouvindo toda a
conversa lá do interior do banheiro.
_ Vou passar pra ela _ diz Oswaldo.
_ Oi, Verônica _ a voz da amiga ecoa pelo telefone.
_ Aurora, sai desse carro agora! _ parecia uma coronel com aquele tom
severo de ordem.
Igor tinha garantido que toda a sabotagem só deixaria o homem a pé no
meio da estrada, não correria nenhum risco de acidente ou coisa assim, mas
era melhor não arriscar. São poucas as pessoas que realmente amamos e
Verônica não saberia o que fazer se perdesse a amiga e o primo.
_ Ih Verônica, eu sei dirigir. Só não costumo fazer isso com frequência,
mas tenho total controle sobre o volante.
_ Auro... _ Não deu nem tempo de terminar o nome da melhor amiga
quando o que ouviu do outro lado foi uma sequências de gritos, batidas e
horrores. _ Aurora! _ dispara a gritar não se importando no quanto estivesse
chamando a atenção das pessoas que estavam ao seu redor.
Lágrimas disparam a rolar dos olhos de Verônica e o que mais lhe
apavora é que ninguém responde ao seu telefonema. A única coisa que
continua ouvindo bem lá no fundo é o barulho do rádio que continuava
tocando.
Eu matei minha melhor amiga e meu primo.
Eu sou uma assassina!
XV
Aurora

A vida é tão estranha que sequer paramos pra pensar que num momento
estamos vivos e daqui a uma hora podemos não estar mais. Assim aconteceu
com Aurora. Quando ela entrou naquele carro mal poderia lembrar que o
aviso da cartomante deveria ser obedecido naquele dia. Acontece que a
gente nunca sabe o dia ou a hora. Ela estava tão feliz depois que fez a
ultrassonografia e soube que os seus filhos estavam bem e depois de Victor
Hugo ter lhe telefonado pedindo para lhe encontrar numa loja ali perto
dizendo que tinha um presente.
Pega uma condução e senta logo nas primeiras cadeiras depois que uma
mulher nova com os cabelos bem escovados e uma maquiagem carregada lhe
cede o lugar. Ao lado dela está uma outra mulher que, com um sorriso no
rosto, fica admirando lhe a barriga.
_ Que barriga linda! Quantas crianças têm aí? _ Soa simpática ao puxar
assunto olhando no fundo dos olhos de Aurora.
_ Obrigada! São gêmeos.
_ Sua barriga está enorme. _ Continua admirada como se a informação
obtida fosse alguma mentira. _ Parecem trigêmeos _ ri.
_ Não, dois já está de bom tamanho.
_ Você está de quantos meses?
_ Vou completar oito em breve _ informa, sendo solícita ao conversar
com a senhora.
_ Eu quando fiquei grávida tinha muitos desejos. Acredita que eu já quis
comer ovo de urubu frito? Meu marido teve que se virar, senão a criança ia
nascer com cara de urubu.
Aurora conteve um riso descarado, se bobear o próprio marido já devia
ser um urubu-rei. Mas guardou o comentário para si e continuou conversando
bem animada com a senhora falando dos projetos para os futuros filhos.
Estava tão animada para ser mamãe e realizar de vez seu sonho... Pena que a
vida é tão injusta às vezes, tiram do nosso caminho pessoas que nos farão
tanta falta. Renato Russo dizia que os bons morrem jovens, talvez ele
estivesse falando de Aurora...
Certo tempo depois se despede da simpática senhora e desce num ponto
próximo a empresa de Victor Hugo, nunca tinha ido lá, mas pelos detalhes
que havia lhe fornecido era por ali. Caminhou a passos demorados em
direção ao ponto de encontro e espantou-se ao perceber que ali era bem
perto de onde sua irmã do coração trabalhava. Se bobear, é capaz de os dois
trabalharem em prédios vizinhos. A vida é mesmo cheia de linhas tortas...
O cheiro que exala de dentro da padaria onde exatamente na frente dela
aguarda o namorado é tentador. Não tem como recusar o convite de um pão
doce trançado que vê na vitrine. Era pecado se negar uma gostosura para
uma grávida. Vai que meu filho nasce com cara de pão!? Pelo menos as
mulheres diriam que ele era um pão. Nossa Aurora, que piada péssima!
Como ainda faltavam alguns minutinhos para o horário certo que marcou
com Victor, resolveu entrar na padaria e comer aquela maravilhosa gostosura
que gritava seu nome, ali exposto. A grávida chegava salivar de tão desejosa
estava em saborear o pão. Foi até o balcão e pediu um deles no pratinho.
Não tinha condições de esperar chegar em casa para comê-lo.
A garçonete prontamente atendeu-a, sorrindo quando viu sua barriga
enorme. Para beber, acabou pedindo um suco de melancia que era dos seus
preferidos. Sentou-se numa mesinha bem escondida nos fundos da padaria e
aproveitou para mandar uma mensagem para Victor Hugo informando que já
o esperava no local confirmado, no interior da padaria. Não seria bom
também mandar mensagens pelo celular estando na rua.
Comeu o pão doce saboreando como se aquilo fosse uma das sete
maravilhas do mundo. É engraçado como tudo que comia durante a gravidez
era o alimento mais delicioso que já havia provado. Parecia que os bebês
tinham aguçado de alguma maneira seu paladar e lhe despertavam uma fome
assustadora de vinte mendigos.
Seu telefone tocou e era Victor, com sua voz meiga e sensual, informando
que já estava a caminho. Era estranho para ela continuar junto dele depois de
todas as revelações sobre o homem ser casado, mas aquilo iria mudar. E não
poderia culpá-lo por ter se apaixonado por ela mesmo estando junto da
outra, não é a gente quem escolhe quantas batidas nosso coração pode dar
por alguém. Às vezes, o amor chega para a gente e na maior parte dos casos
não aceita não como resposta. Aurora era uma mulher que vivia perdida no
mundo dos sonhos e na fantasia dos livros. Era alguém que gostava de viver
suas metáforas particulares, sendo feliz à sua torta maneira. Acreditava que
o amor deveria ser que nem o cigarro e vir com um rótulo informando os
maus causados, porque assim como o tabaco, o amor vicia. E também faz
mal.
Seu amor viciante chegou cerca de três minutos depois e aproximou-se
dela com um sorriso nos lábios e um beijo aguardando sua boca toda melada
de pão.
_ Oi, amor _ sussurra com os lábios ainda presos no dela.
_ Oi, querido. Tudo bem? _ sorri.
_ Comigo sim. E você e nossos filhos? Ocorreu tudo bem na consulta?
_ Sim, eles estão ótimos e com saúde. É isso que importa.
_ Trouxe um presente, mas não é tão exatamente assim pra você. _ Só
nesse instante que ela percebe as mãos dele viradas para trás escondendo
alguma coisa.
_ O que é hein? _ Um sorriso curioso e feliz invade os lábios dela.
_ Surpresa!
E vira aos mãos para ela com um embrulho lindo num papel colorido
com várias bolinhas e um laço de fita enorme na abertura. Só pela
embalagem, já estava completamente efusiva com o presente. Parecia ser um
livro ou coisa do tipo, mas não era só aquilo. Ainda tinha outra embalagem
que era uma caixa pequena e listrada que provavelmente deveria caber algo
um pouco maior que um par de sapatos. Será que é um pra cada criança?
Dois bebês, dois presentes.
_ Gente! O que será isso? _ Ela era a própria criança morrendo de
felicidade pelo presente.
Começa a abrir pelo embrulho maior, está tão entusiasmada com a
silhueta do presente parecer ser de um livro que não teria como optar por
abrir a outra embalagem primeiro. Aurora e livro são duas palavras que
rimam perfeitamente. Com delicadeza, desfaz o laço de fita e retira o objeto
de lá de dentro. Seu sorriso se abre de orelha a orelha. Era o álbum de bebê
mais fofo que já tinha visto na face da Terra.
_ Um álbum do Pequeno Príncipe. _ na capa tinha exatamente o desenho
da capa do livro em questão só que com fundo azul, também trazia escrito
com letras garrafais: “Nosso pequeno príncipe”. Aurora disparou a folhear
toda entusiasmada e cada página que virava era um sorriso mais que o outro.
_ Acho que a gente vai ter que comprar mais um álbum, não!? Pode causar
ciúmes um só para os dois. Mas e se for menina?
_ Não se preocupe _ sorri aproximando-se dela e lhe dando um selinho _
Eu comprei quatro álbuns desse. Dois de menina e dois de menino. Vai que
são duas princesas. Estão lá no carro.
_ Meu Deus! _ fica impressionada. _ Você tem sérios problemas mentais.
_ Tenho. Eu sou louco por você. _ confessa e deixa a mamãe sem ar e
sem fala.
_ Não precisava ter gastado dinheiro comprando quatro álbuns. São
lindos e devem ter sido caros _ repreende depois de um tempo em silêncio
só agraciando a beleza do sorriso dele.
_ Quero dar o melhor para os nossos filhos. E não se preocupe, pois os
álbuns que não forem usados podem devolver na loja e trocar por outra
coisa.
_ Menos mal _ assente esticando a mão para a caixa, ansiosa pelo outro
presente.
_ Abre! _ incentiva, quando ela balança a embalagem, tentando descobrir
o que tem dentro.
_ Deixa de ser estraga-prazer, Victor Hugo! Estou tentando adivinhar o
que tem dentro primeiro.
_ Ah, desculpa _ e passa a mão pelo braço dela alisando sua pele.
Usando mais uma vez sua delicadeza, abre a caixa e sorri. Era duas
roupinhas: um uniforme do Flamengo e outro era um vestidinho preto
estampado na frente: “Meu primeiro pretinho básico”. Incrivelmente lindos
os dois! Aurora fica tão entusiasmada e tem vontade de ter uma filha menina
só pra colocar aquela roupinha.
_ Serão flamenguistas, independente de ser menino ou menina _ sentencia
o pai.
_ Nada disso, eles serão vascaínos.
_ Nem tente levar meus filhos pro buraco junto com seu time!
_ Nossos filhos! Ridículo! _ A reprimenda dela não tem efeito nenhum
logo assim que sorri e o beija. Parecia ter se deixado levar e permitir que os
filhos seguissem o time do pai. _ Eu vou escolher então os nomes deles.
Gosto de Gabriel, é nome de anjo! Gosto de Gustavo também, Bento...
_ Essa escolha deve ser conjunta! _ reclama uma participação.
_ Vou escolher também quais desenhos animados eles poderão assistir e
que música eles poderão ouvir. Não quero meus filhos assistindo galinha
pintadinha ou aquela porca, tal de Peppa. Não suporto aqueles bichos!
_ Meu Deus! _ O futuro marido estava espantado, mas no fundo achando
graça em tudo _ Vai querer escolher a profissão deles também, a cor
preferida, os futuros namorados ou namoradas...?
_ Não, isso não. Eu quero que meus filhos sejam o que eles quiserem. Se
eu morrer diga isso pra ele por mim. Independente das escolhas deles em
relação a isso irei sempre amá-los. Esse é o papel dos pais, amar cada uma
de suas proles, independente do que elas escolham. Óbvio que irei orientar
minhas crianças da melhor maneira possível. Se meu filho quiser gostar de
rosa ou se minha filha decidir brincar de carrinho terão todos os direitos. Se
eles quiserem ser gays, lésbicas, bissexuais ou afins, irei continuar amando-
os infinitamente.
A cara de Victor Hugo não parecia das mais simpáticas com a ideia e
então resolve mudar o rumo da conversa.
_ Eu vou deixar o carro com você, não quero que tenha que ficar
dependendo de ônibus. Sabe dirigir né!? _ e sorri.
_ Sei sim, mas não precisa, amor. Eu ligo pro táxi.
_ Nosso taxista está ocupado e não se preocupe, pois esse será mais um
motivo pra ir na sua casa logo à noite. _ Um sorriso maléfico salta no canto
dos lábios dele.
_ Adorei a ideia, mas... _ não sabia como introduzir o assunto _ E
Cecília? Não vai desconfiar ou ter problema? Ela já está nos últimos dias,
coitada, não quero ser a responsável por acelerar o processo de morte da
mulher...
Aurora conseguia ser a pessoa mais fofa do mundo, sendo a amante de
uma cara e defendendo a mulher deste. Ela sempre tivera essa aura que
encanta a todos, essa mania de entender as pessoas e amá-las além dos
limites, mesmo sem conhecer. Ela se preocupava com os problemas dos
outros e tinha uma capacidade incrível de empatia. Foi isso que lhe
aproximou de Verônica, a empatia tinha tornado as duas melhores amigas.
_ Vai me emprestar seu carro então? _ pergunta, ambiciosa. Nunca tinha
dirigido um carro tão descolado quanto o do namorado, não poderia perder a
oportunidade de pagar de rica e gostosa andando naquele veículo.
_ Vou _ diz tirando a chave do bolso e entregando a ela.
Até a chave do veículo era descolada!
_ Ai meu Deus! _ parecia ter ganhado o próprio carro de presente.
_ Vê se não bate, mas se bater fica tranquila que eu tenho seguro _ alerta.
_ Deus me livre! Bate nessa boca! Eu sou maravilhosa no volante, você
nunca viu uma mulher que dirige tão bem quanto eu. Qualquer dia eu te dou
uma carona, no seu próprio carro _ eles riem outra vez e se beijam.
Levantando vagarosamente da cadeira, o futuro marido lhe toma a
comanda mesmo sob recusa e se encaminha para o balcão do
estabelecimento com o intuito de pagar a conta. A balconista simpática-até-
demais fica cheia de conversinha e sorrisos para cima do CEO, mas logo
para quando Aurora se aproxima dele e segura em sua mão, com a intenção
de dizer “esse aqui é meu”.
Quando os dois se retiram, felizes e sorrindo, ela estende a mão e segura
na dele, que acaba recusando.
_ Que foi? Não quer me dar a mão? _ sente-se ofendida.
_ Desculpa, amor. Mas pode passar alguém aqui que me conheça, eles
sabem que eu sou casado e que minha esposa não é uma ruiva grávida. Por
favor, me desculpe.
A grávida abaixa a cabeça e acaba concordando com a infeliz ideia, não
podia ficar desfilando com o pai de seus filhos, pois ele era casado. Sentia-
se uma criminosa tendo que esconder sua felicidade de todo mundo.
_ Não fica assim... _ pede quando vê um semblante angustiado dela.
Será possível que felicidade é um conceito tão instável e difícil de
atingir? Minutos atrás se sentia a melhor pessoa do mundo ao lado do futuro
marido, pai de seus filhos, que ia lhe fazer a mulher mais feliz do universo e
de repente é só sair do estabelecimento e lembra que não pode dar as mãos a
ele numa simples demonstração de afeto, já que o homem com quem se
envolveu é comprometido. É preciso esperar que a felicidade de alguém
termine para que começasse a dela.
Um aperto enorme lhe invadia o peito, uma sensação ruim que lhe
corroía por dentro e não sabia explicar. Era como se alguém viesse do futuro
avisando que aquele não seria um bom dia ou como se as coisas ao seu redor
simplesmente não estivessem dispostas a cooperar com sua felicidade.
Parecia inerte e viajando em outra galáxia.
_ Aurora? _ repete Victor puxando-a de volta a realidade _ Tá chateada?
_ Não, tudo bem _ não está nada bem _ Alguns sacrifícios são
necessários.
_ Em breve a gente vai resolver essa história toda, não sei se te agrada
saber disso mas ontem o médico de Cecília me ligou e informou que o
câncer já atingiu um nível alarmante e provavelmente ela não vai durar mais
que um mês _ noticia com uma voz rouca, tenra e depressiva.
_ Não, isso não me agrada. Não queria que fosse assim. Não quero que
alguém morra para que eu tenha vida. Ela não é Jesus Cristo pra se sacrificar
por mim! _ Sem entender o que estava acontecendo, dispara a chorar e para
no meio do trajeto que faziam da padaria até o carro.
Atraindo vários olhares ao redor, Victor Hugo, que estava ao lado dela,
se aproxima e lhe abraça. A mulher não consegue segurar os efeitos que seu
coração produz, simplesmente dispara a chorar sem poder dar fim naquilo
tudo, não queria chorar, mas não conseguia controlar. Alguém ia morrer,
mesmo que não conhecesse ou tivesse qualquer tipo de intimidade, muito
pelo contrário, a vida tinha feito das duas oponentes no jogo do amor.
Chorava de uma maneira descontrolada que nada que o namorado dizia
conseguia controlá-la. Os curiosos que nada tinham a ver com a situação
ficavam observando com interesse.
Victor para de falar sabendo que não terão efeitos suas palavras e apenas
segura ela bem apertado e alisa seus cabelos com muito amor e carinho. A
gravidez tinha a deixado instável.
_ Desculpa! _ diz, depois de alguns minutos, olhando para ele e
enxugando suas lágrimas. _ É triste saber que essa é minha verdade.
_ A vida não é fácil, Aurora. A gente precisa aprender a lidar com as
diversas verdades das pessoas. Espero que você não se arrependa de ter se
envolvido comigo, mas eu não posso te oferecer tudo que precisa nesse
momento.
_ Você já é tudo que eu preciso! _ se beijam ali no meio da rua, no
mesmo lugar em que minutos antes não poderiam dar a mão.
Aquele foi o beijo mais profundo e intenso que já tinham dado em todas
as suas vidas, até as proles que estavam guardadas na barriga da mãe
sentiram o carinho do pai em cumprimentá-las num abraço fofo e querido.
Aurora sentia como se seu corpo inteiro estivesse sendo beijado e seu
coração descontrolado mantinha o melhor descompasso possível. Parecia
que suas existências necessitavam daquele beijo como se fosse um terrível
adeus de dois maiores amores da vida que se despedem num aeroporto para
nunca mais se ver. A gente nunca sabe quando vai partir dessa pra uma
melhor, então é preciso se dedicar a todos os beijos como se fossem o
último, gastar todas as suas energias sem pensar em repô-las, esgotar-se de
si para preencher-se dos outros que te amam. Era isso que ela fazia naquele
momento: libertava-se de seus problemas e delirava naqueles lábios.
_ Eu já disse que te amo hoje? _ pergunta Victor enxugando uma última
lágrima que escorregava pela bochecha dela.
_ Já, mas pode dizer de novo. E não precisa enxugar essa lágrima, é de
felicidade.
_ Eu te amo. Não quero ser o homem que borra seu rímel, Aurora. Quero
borrar seu batom, apenas.
_ Own! Você pode borrá-lo quantas vezes você quiser, eu também te amo
_ permiti ela, dando-lhe mais um selinho e sorrindo num turbilhão de
emoções. _ Estou me sentindo uma completa cinquenta tons.
_ É, você tem muitos tons mesmo _ concorda.
Os dois retomam a caminhada em direção ao carro, ela não sabia onde
estava e acaba se deixando guiar pelo namorido. Dessa vez, ele se rende e
acaba andando de mãos dadas dela que não recusa. Indagou a ela se
conseguiria dirigir naquela instável condição emocional, mas ela concorda
dizendo que já está bem. Chegam no carro.
_ Tem certeza que você tá bem né!? _ questiona, pela última vez.
_ Estou.
_ Vai direitinho então, o documento está no porta-luvas. Adoraria de
passar a tarde toda aqui conversando com você, mas eu tenho que ir embora.
Boa viagem, e quando chegar me liga.
Seus passos já parecem apressados para retornar a sua empresa. Ela
entra no carro, regula o banco, os retrovisores e o cinto enquanto o futuro
marido continua observando com certa tensão e dúvida se tinha feito a coisa
certa ao entregar o veículo nas mãos da mulher, mas confiou nela que coloca
as duas mãos presas ao volante e joga um beijinho para ele. Foi preciso
colocar o banco bem pra trás para caber aquela barriga toda ali.
_ Tchau, amor. Beijos! Eu te amo.
_ Beijos, também te amo.
Ele vai andando, mas com os olhos atentos virando a cabeça para trás
toda hora enquanto observa a outra dando ré com o carro e parecia que uma
certa falta de prática andava ao lado no banco do carona. Alguém buzina e é
na verdade um cretino que passa rápido perto da traseira dela fazendo com
que precise esperar um pouco mais para sair. Faz um cara de repúdio para
Victor referindo-se a postura do outro condutor e finalmente sai da vaga.
Encaminha-se para pista, checando mentalmente qual seria o trajeto a
percorrer até sua casa. Para no primeiro sinal que fica mais tempo vermelho
do que verde. A fila de carros era tão extensa num enjoativo engarrafamento
que resolve mandar uma mensagem rápida de celular para a amiga,
informando Verônica o fato curioso de que o namorado trabalhava próximo a
empresa dela. Digita rapidamente, com um olho no semáforo e outro na tela
do celular sua mensagem: “Verônica! Vc não vai acreditar! Victor trabalha
aí pertinho da sua empresa. Encontrei-o agora pouco e ele me emprestou o
carro”.
Depois da mensagem, liga o rádio para desanuviar a cabeça e toca uma
música de um funkeiro que era o estilo da melhor amiga. Se Verônica
estivesse ali pode ter certeza que dançaria loucamente como se estivesse
tendo uma convulsão, independente do fato de estar dentro de um carro.
Acaba cantando junto com o cantor, errando a maioria das partes por não
saber a letra, mas até que o ritmo era bem envolvente e realista.
O trânsito finalmente andou, e Aurora comemorou quando conseguia
passar a terceira no carro já que só andava pouquíssimos metros antes e não
conseguia desenvolver nada. O fluxo seguiu bem nos trechos seguintes e as
músicas do rádio também foram agradáveis. Ela se sentia tão bem no carro
que até foi capaz de colocar a cabeça pra fora do veículo igual um
cachorrinho de madame num momento em que o sinal fechou logo em frente a
praia. Sentia-se tão linda e rica que até se esquecia dos problemas que tinha
e o mal estar que estava antes em seu coração havia aliviado. Estava tão
feliz e distraída que nem reparou uma luz vermelha piscando no painel do
carro, na verdade tinha até percebido, mas não entendia muito da parte
mecânica que acabou desconsiderando o fato, provavelmente era a bateria
do carro que estava ligada. Quando liga o veículo algumas luzinhas ficam
acesas.
Quase um pouco antes de pegar a rodovia que lhe levaria para a ponte
Rio-Niterói vê alguém conhecido num ponto de ônibus, se tem uma coisa
praticamente impossível de se acontecer no Rio de Janeiro é encontrar um
conhecido de carro para lhe dar uma carona. Era Oswaldo bem distraído no
ponto esperando o coletivo, com uma mochila super escrota nas costas e
usava os óculos de sol mais ridículo e cafona de todo o universo, depois fica
se perguntando por que não pega ninguém. Dona Heloísa tinha toda razão
em não querer pegar um trambolho desses.
Faz o que a maioria dos motoristas têm medo de fazer: dá a seta.
Encaminha-se para a faixa da direita e para um pouco próxima ao ponto de
ônibus, aproximando-se da janela do carona e grita pelo primo da amiga. O
homem podia ter todos os defeitos do mundo, mas sempre fora prestativo
com ela e não poderia ignorá-lo e não oferecer uma carona. Sabia que se a
situação fosse inversa ele teria parado para ajudá-la.
_ Oswaldo! _ grita, mas o homem não lhe ouve, está com fones de
ouvido concentrado em observar os ônibus que passam.
Acende o pista-alerta e sai do carro rapidamente dentro dos limites de
uma grávida de quase oito meses de gestação e cutuca os ombros dele que
fica surpreso em vê-la ali e mais surpreso ainda com como a barriga dela
tinha crescido.
_ Aurora! _ diz de uma maneira tão animada que seria capaz de beijá-la
se tivesse permissão, mas ela foi rápida e estendeu a mão pra ele antes que
tomasse a atitude de abraçá-la. _ Sua barriga está linda.
_ Obrigada, estou de carro. Vamos? _ convida.
_ Ah que beleza! Claro.
Ele a acompanha se ajeitando. Tira os fones de ouvido e guarda-os no
bolso, e quando chega no carro de Victor joga a mochila no chão e esconde o
celular nela.
_ Que carro de rica, hein! Seu namorado que te deu? _ indaga enquanto a
ruiva mantém suas atenções no trânsito complicado, dando seta para retornar
à faixa principal, mas ninguém lhe dá abertura para isso.
_ Oi!? Não estava prestando atenção _ responde-o quando finalmente
consegue tomar a pista. _ Desculpa! _ pede ela diminuindo o volume do som.
_ Perguntei se foi seu novo namorado que lhe deu esse carro.
_ Novo não, porque eu já estou com ele há um ano. E Victor Hugo não
me deu esse veículo, não estou com ele por interesses. Apenas me emprestou
o carro _ respondeu e depois percebe o tom da sua indelicadeza, não queria
ter falado assim, mas Oswaldo tem umas conversinhas tendenciosas que a
irritava.
_ Desculpa, não quis te ofender.
_ Tudo bem _ diz sem nem olhar pra ele e aproveita para aumentar o
volume da música como o intuito de calar a boca da companhia.
Continuaram ali, com aquele clima meio pesado, pairando sobre o ar até
que o celular dela tocou. Estica a mão cuidadosamente até o aparelho que
está sobre o painel enquanto ainda mantém sua atenção ao volante. Olha
rápido para a tela e vê que é uma ligação de Verônica.
_ Atende pra mim, Oswaldo? É sua prima _ pede já que a situação do
fluxo não permitia que desviasse o foco. Está numa curva perigosa.
_ Alô _ diz ele, mas não é possível ouvir o que ela responde do outro
lado da linha. _ É que Aurora está dirigindo, eu tava no ponto de ônibus e
ela acabou me dando uma carona. _ Silêncio. _ Ela não pode falar, está
dirigindo.
Vira os olhos para Aurora e esta capta a possível impaciência da amiga
que não vai se contentar em falar apenas com o primo. O que será que era
tão urgente que não poderia esperar um pouco?
_ Vou passar pra ela _ informa Oswaldo estendendo o aparelho para a
condutora do veículo.
_ Oi, Verônica _ atende, tentando dividir sua atenção entre o volante e a
ligação.
_ Aurora, sai desse carro agora! _ a voz da amiga soava realmente
preocupada.
_ Ih Verônica, eu sei dirigir. Só não costumo fazer isso com frequência,
mas tenho total controle sobre o volante _ argumenta em legítima defesa.
_ Auro...
Capoft! Inesperadamente, o carro de Victor Hugo choca-se contra um
motorista descontrolado que vinha de uma entrada, devido à falta de atenção
no fluxo, Aurora não foi capaz de perceber o sinal fechado e chocou-se com
o outro veículo rodopiando várias vezes na pista e a única coisa que a
mulher fez foi se enrolar o máximo possível como uma cobra e envolver sua
barriga nos braços. E a imprudência no trânsito fez mais uma de suas vítimas
diárias.
☐☐☐
Os anjinhos voavam ternamente sobre sua cabeça como se a protegessem
de um mal maior que a perseguia, estava numa maca deitada toda vestida de
branco, seus olhos ainda fechados e continuava inerte a qualquer situação
que acontecia ao redor. Tudo tão branco que parecia ter chegado ao céu, mas
não. Estava num hospital. Aurora havia adormecido e o médico já havia feito
a aviso aos parentes que só era um milagre as crianças terem permanecido
bem. Em relação ao estado de saúde dela, ainda nada poderiam afirmar, mas
chegariam a um diagnóstico contundente assim que ela acordasse. O que
desejavam que acontecesse em breve, já que faziam três dias desde o
terrível acidente de carro em que seu veículo rodopiou na estrada e deixou-a
em coma.
Nesse três dias nada que tinha captado fazia de fato sentido, as vezes
ouvia vozes de pessoas em seu quarto, mas não sabia do que estavam
falando ou talvez sua capacidade de percepção tivesse se desligado junto
com o corpo quando sofreu o acidente. Se recordava de ouvir choro, muito
choro e pessoas falando com vozes agressivas e revoltadas. Aquilo
continuava ecoando em sua mente, mas o quebra-cabeça não queria se
completar. Faltavam peças. Faltava ela abrir os olhos e ver tudo que
acontecia ao seu redor, mas não conseguia. Suas pálpebras eram pesadas
demais e não tinha força suficiente para levantá-las.
Até que as 7:43h da noite abre os olhos. Dá de cara com uma mulher
alta, cabelos pretos longos e sedosos, com um sorriso simpático no rosto e
uma beleza estonteante segurando alguma coisa que parecia ser termômetro
debaixo de seu braço.
_ Acordou, Bela Adormecida! _ A enfermeira cumprimenta-a com um
tom de naturalidade inigualável, já devia estar acostumada com casos assim
na enfermaria, mas sua face denunciava sua idade, e sua idade denunciava
estar a pouco tempo na profissão. Ainda era uma mocinha, devia ter acabado
de terminar a faculdade, mas já parecia bem habituada ao ambiente de
trabalho.
_ Oi. _ A única coisa que sai da sua boca é uma voz engasgada _ O que
aconteceu?
_ Você sofreu um acidente de carro e está precisando de auxílio médico.
Fique tranquilo que você não perdeu os bebês, está tudo bem com seus dois
moços _ informa.
_ Moços?
_ Sim, seus dois meninos.
_ São dois meninos? _ Ela sorri, interessada pela informação.
_ Não sabia!? _ A enfermeira estranha o espanto.
_ É que eu tinha pedido para não me contarem, queria surpresa _ revela a
ela com um pouco de temor de confessar isso.
_ Ai, me desculpa! _ A garota fica tão sem graça e sem saber o que falar,
mas a grávida tinha ficado feliz com a surpresa de descobrir o sexo deles e
saber que permaneciam bem, mesmo depois do ocorrido.
_ Tudo bem, já estava mesmo morrendo de curiosidade. Uma hora ou
outra eu ia saber mesmo _ ri. _ Eu... Eu preciso avisar meus parentes _ e
então lembra-se de sua família.
_ Não se preocupe. Eles já estão avisados. Inclusive já vieram lhe
visitar. Às vezes ficam de plantão aí na porta o dia todo esperando você
acordar, dorminhoca! _ conta, tirando o termômetro de sob o braço direito
dela e verificando a temperatura _ Sua temperatura está estável.
_ Eu estou aqui há quanto tempo? _ suspeita.
_ Três dias.
_ Sério!? _ duvida _ Será que tem alguém ali fora? Eu precisava
conversar com minha amiga ou meu namorado.
_ Quando eu entrei tinha sim, uma mulher morena e alta.
_ Sim, é a minha melhor amiga, queria falar com ela. Ah, e sabe me
informar se o homem que estava comigo no veículo está bem?
_ Sinto muito, mas essa informação eu não tenho. _ Aurora percebe uma
emoção estranha vindo da voz dela, parecia que sabia de algo e não queria
contar, ou não podia.
_ Obrigada. E será que pode me trazer um pouco d’água? _ Uma
sensação terrível de boca seca percorria toda sua garganta que parecia estar
queimada.
_ Claro, tem aqui. _ Vira-se em direção a um pequeno frigobar que
Aurora sequer tinha notado, aliás não tinha notado basicamente nada no
quarto além da enfermeira, e agora corria rapidamente os olhos pela
decoração do quarto: simples e aconchegante. A última coisa que deve se
reparar num quarto de hospital era a decoração.
A enfermeira super prestativa leva até ela um copo plástico com água e
serve em pausados goles na sua boca, já que vários fios imobilizavam os
movimentos manuais da paciente.
_ O meu caso é sério? _ indaga a grávida, preocupada.
_ Você sofreu uma contusão nas costelas e uma fratura no crânio, fina
como um fio de cabelo, mas os sinais vitais estão estáveis e fortes. Um grave
trauma na cabeça também, mas sua atividade cerebral parece normal, vamos
verificar tudo com mais calma agora que acordou, mas não há nenhum
edema. O Dr. Fernandes vai visitá-la em breve e te dará uma explicação
melhor e mais contundente, mas seu caso ainda carece de avaliação e
acompanhamento _ diz a enfermeira fazendo anotações em sua prancheta.
_ Ok, agradecida. Será que posso conversar com minha amiga?
_ Geralmente não permitimos visitas na UTI, mas como você acabou de
acordar e ela e um outro cara costumam vir aqui direto, vou abrir uma
exceção, mas não deixe o doutor saber senão vai brigar comigo.
_ Obrigada _ Sorri para a enfermeira que se retira do quarto e segundos
depois uma pálida e chorosa Verônica entra na sala.
_ Aurora _ fala o nome da amiga chorando e aos poucos vai retomando a
consciência e lembrando de sua ligação telefônica. Alguma coisa tinha
acontecido.
_ Verônica _ responde, mas sem vigor em sua voz, por mais que a amiga
não tivesse tido a intenção, fora seu telefonema quem tinha lhe levado aquela
situação. _ Oswaldo está bem? _ Foi a primeira pergunta que fez e não sabia
se tinha coragem suficiente para ouvir a resposta.
_ Oswaldo morreu. _ Sua voz é um fio fino que vem do fundo da garganta
sem emoção e vontade de dar aquela notícia.
Uma sensação ruim invade Aurora ao receber aquela notícia, não devia
ter atendido aquele telefone, sua imprudência tinha resultado em morte. Por
mais que nunca tivesse tido muito afeição com Oswaldo, ele era alguém que
fizera parte da sua vida por muito tempo, era o único laço sanguíneo da
melhor amiga. Uma lágrima surge inesperadamente em sua face e seu
coração aperta de tanta tristeza. Aquilo não podia ser verdade e sentia-se
responsável pela morte.
_ Não foi culpa sua. _ Verônica acalma-a antes que disparasse a chorar,
já que as lágrimas agora rolavam sem controle.
_ Foi sua! _ acusa a outra sem o mínimo pudor, não se senta bem _ Por
que insistiu tanto na ligação comigo se sabia que eu estava dirigindo? _
pergunta num tom inquisitório.
_ Eu sabotei o carro _ lamenta abaixando a cabeça e entrelaçando os
dedos com a mão abaixo da linha da cintura.
_ Você o quê? _ Está gritando.
_ Tem muita coisa sobre Victor Hugo que você não sabe Aurora.
_ Você se acha muito inteligente, né Verônica!? Mas você não sabe de
nada. _ Cospe as palavras em sua face querendo se levantar da cama e
agarrar no pescoço dela. _ Se está se referindo ao fato de ele ser casado, eu
já sei disso. Eu sei que ele é casado e sua mulher tem câncer. E daí? O que
você tem a ver com isso?
_ Victor Hugo é um falso, cretino e mentiroso. _ Dessa vez a outra quem
está gritando. _ A mulher dele não tem câncer, e só inventou essa história pra
te enganar. Eu havia descoberto na semana passada que ele era casado e dei
vinte e quatro horas para ele decidir com qual das duas queria ficar.
Ameacei a contar tudo caso não tomasse uma atitude e sabotei o carro no
intuito de dar um susto nele. Igor me ajudou e eu apenas fiz com que o
veículo fervesse. Ia acabar a água rápido e o idiota ficaria a pé. Apenas
isso.
_ Ah, apenas isso!? _ repete tentando fazê-la perceber a naturalidade
com que ela contava sua sabotagem, como se não tivesse problema nenhum
fazer aquilo. _ Como você descobriu isso?
_ Victor Hugo era o CEO para quem eu trabalhava e com quem transei!
_ Vo... Você... Você transou com meu namorado? _ gagueja, querendo não
ouvir a verdade. Não conseguia acreditar que sua melhor amiga havia ficado
com seu namorado durante o tempo em que já estava tendo um
relacionamento com ela. _ Eu lembro que você chegou em casa contando que
seu patrão tinha te beijado e que tinha sido o melhor beijo de toda a sua
vida... Que tinham se descontrolado e feito coisas indecentes... _ Uma
sensação de nojo invadia a boca de Aurora, como se a bile do estômago
tivesse voltando e fosse vomitar.
_ Eu não sabia que ele era seu namorado, se tinha um cretino na situação
toda é ele.
_ Vocês dois são cretinos. Como minha melhor amiga devia ter me
contado. Vocês continuaram se pegando?
_ Claro que não! Quer dizer, foi uma única vez, ele me infeitiçou.
_ ☐le te infeitiçou? Não faz essa cara de ofendida, você é uma falsiane!
_ Aurora, tenta me entender! Eu fiz de tudo pra poupar você. Eu sempre
quis o seu bem, você é minha melhor amiga. Eu cheguei a pedir demissão do
emprego para que nada mais acontecesse. Ele recusou, mas acabou me
transferindo de setor por isso virei recepcionista em vez de secretária. Vocês
estavam felizes juntos e fiz tudo para que você ficasse bem até descobrir que
Victor Hugo não era esse bonzinho. Foi pro seu bem!
_ Se tudo isso é pro meu bem, eu não quero o meu bem. Quero o meu
mal! Para de querer me poupar de tudo, eu não sou nenhuma criança! Eu sei
lidar com meus sentimentos. Você é uma ingrata, eu sempre fiz tudo pra você.
_ Eu sei, você é a melhor pessoa do mundo.
_ Não quero ter que olhar para sua cara, Verônica _ desabafa.
_ Desculpa, amiga. Eu te amo.
Elas permanecem em silêncio se olhando, até que Aurora abre um
sorriso tosco e doente e Verônica se aproxima com um sorriso maior ainda
abraçando-a por cima dos lençóis.
_ O pior de tudo é que eu também te amo, sua idiota! Sei que queria me
defender.
_ Desculpa falar, mas é esse Victor é um safado! Ele não vale nada, é um
canalha!
_ Você tem razão. Estou culpando você, mas ele é o maior responsável
por tudo isso. Por favor, se alguma coisa acontecer comigo quero que você
crie meus filhos. Não deixe as crianças na mão dele de jeito nenhum, eu te
imploro. _ Seus olhos estavam esbugalhados.
_ Ai, bate nessa boca! Nós duas vamos criar essas crianças juntas, que nem
um casal lésbico _ e disparam a rir. _ Eu nunca quis que você saísse da
nossa casa mesmo. Depois você vai arranjar alguém que te mereça e será
muito feliz. Acho que a gente tem que juntar dinheiro e comprar uma mansão,
vai morar eu e meu marido e você e seu marido.
_ Você já tem um marido?
_ Não, e nem você. _ As duas riem da situação catastrófica em que se
encontravam. Não está fácil pra ninguém. Naquele momento de tamanha
dor, o melhor era tentar sorrir.
_ Verônica, você sabe que ficaremos juntas para sempre. Você é a pessoa
que eu mais amo, desde quando te conhe...
Sua voz engasga. Sua visão começa a ficar escura. Verônica desparece
de sua vista. Tudo começa a girar. O computador ao seu lado dispara a
apitar. Vozes agudas soam em seu ouvido. A amiga grita e sua voz começa a
ficar distante. E Aurora simplesmente adormece outra vez.
XVI
Victor Hugo

O café da manhã parecia um velório e Victor Hugo sentia-se o próprio


defunto. Sendo observando pelos curiosos olhares de Carina parada no canto
da mesa prontificando-se a auxiliá-los e Cecília, dando-lhe alguns rápidos
lapsos de olho na direção dele, tímida, como se não quisesse admitir que o
esperava falar. Era um silêncio terrível que pairava sobre o ar e o CEO
sentia-se a pior pessoa do mundo. Ele ainda continuava também pensativo a
respeito do que havia conversado com Aurora enquanto ela ainda estava na
sala da UTI sobre o que Oswaldo fazia no carro dela no momento do
acidente. Não havia encontrado uma explicação. E se eles estivessem tendo
um caso e os filhos que ela carregava na barriga não são meus? Mas a
desculpa que a namorada havia dado era que viu-o no meio do caminho e
deu carona.
_ E então, Victor Hugo, já decidiu o que pretende fazer da sua vida? _
indaga a esposa mexendo suavemente o café, com a pequena colher nas
pontas dos dedos e sem olhar para o homem.
Depois de passar as mãos pela testa ajeitando o cabelo, olha fixamente
para a esposa com atenção e afeto.
_ Eu já tomei uma decisão _ e de repente vira sua atenção para a
doméstica. _ Será que poderia nos deixar a sós por alguns instantes, Carina?
_ Sim, senhor.
A criada faz uma mesura e se retira da sala, como se já não soubesse
muito dos segredos daquela família e como se não fosse a responsável por
ajudar a enterrar a maioria deles. Mas o assunto que o patrão tinha para
tratar não o deixava a vontade na frente de outras pessoas não envolvidas na
situação.
_ E então!? _ Cecília dá uma última golada no café e olha diretamente
para ele com desdém.
_ Eu escolhi você. Aceitei sua proposta e vou fazer exatamente o que me
pediu. _ Sua voz é simpática.
Esticando um pouco seu corpo, ele se aproxima da esposa na tentativa de
beijá-la, mesmo que na bochecha. Mas esta se levanta rápido recusando sua
face com um empurrão indelicado. Pensou que sua decisão fosse fazer com
que tudo voltasse ao normal, mas não seria com toda essa rapidez que os
trens voltariam aos trilhos.
Cecília se retira da mesa do café sem nem mesmo enxugar sua boca
daquela maneira doce e suave que sempre fazia e já tinha tornado uma de
suas marcas registradas: a delicadeza.
_ Se está achando que vai ficar de beijinhos comigo da mesma maneira
que fica com aquela mulher... _ Tenta utilizar algum tom solene ou de nojo na
voz, mas é fofa e meiga demais para que soasse dessa forma. _ Aquela
mulher do cabelo de fogo está muito enganado.
_ É aquela mulher de fogo que vai realizar seu sonho.
Indignada, desiste de subir as escadas para o quarto e retorna furiosa se
aproximando da face dele com os olhos esbugalhados por trás dos óculos.
_ Você está realmente defendendo ela na minha frente? Você está fazendo
isso?
_ Eu... Eu... _ gagueja _ Desculpe!
Sem falar uma palavra sequer, ela se vira e retorna o trajeto que tinha
imaginado fazer segundos antes pela escada até o quarto. Revirando os olhos
em virtude da triste e lamentável situação em que se encontrava, o CEO
continua mexendo o café e grita pela criada para que lhe traga mais açúcar.
_ De amarga já basta a vida... _ sussurra.
☐☐☐
Chega já suado no hospital, trabalhara no escritório apenas pela parte da
manhã e logo assim que recebeu um telefonema informando-o que Aurora
havia entrado em trabalho de parto, largou tudo que tinha a fazer e partiu em
direção a ela. Teria que tomar uma decisão aquele dia e não sabia se teria
sangue frio ou estômago suficiente para aquilo. Sua consciência culpava-o
exaustivamente, mas não havia outra opção.
Ficara sabendo pelo telefone que a outra estava tendo algumas
complicações na recuperação e entrou em trabalho de parto bem antes do
tempo. Quando entra no corredor do centro cirúrgico vê lá no fundo uma
Verônica ansiosa sentada numa das cadeiras que havia na frente da porta,
com as mãos entrelaçadas como se estivesse numa oração. A ex-secretária
estava vestida de uma maneira simples e olheiras terríveis repousavam sob
seus olhos.
_ Oi _ diz, tímido, quando se aproxima dela mas como resposta ao
cumprimento ela apenas o olha e faz um aceno de cabeça involuntário como
se tivesse retribuindo o gesto por educação, apenas. _ Alguma notícia?
_ Por enquanto não. Tem uns quarenta minutos que ela entrou ai no centro
cirúrgico.
_ Será que está tudo bem? _ Seu olhar era tenso e realmente preocupado.
_ De que te importa? _ Verônica é ríspida com o pai das crianças. _
Aurora já sabe de toda a verdade e acreditou em mim, pois sou amiga dela
desde que nos conhecemos por gente e pode ter certeza que eu sempre farei
tudo para defendê-la. Nós vamos criar as crianças sem você.
_ Você por acaso é mãe ou pai de alguma das crianças? _ debocha.
_ Sou tia. E não sou nenhuma cretina que mente pros outros, acho que
esse quesito já vale por todos os que me distancie dos bebês. Não é preciso
ter um laço de sangue para ter um laço de amor! _ rebate com toda a sua
grosseira.
_ Eu sinceramente não vou ficar me desgastando com você, mas pode ter
certeza que se Aurora morrer a culpa é sua. Você que matou ela!
_ A culpa é sua! Você que a engravidou e me fez tomar alguma atitude em
relação a isso. Não poderia deixar isso assim. A culpa é unicamente sua.
_ Eu não sabotei carro de ninguém _ defende-se.
_ Era pra você estar naquele carro. Mas o acidente não foi por conta do
veículo.
_ Não. Foi culpa da sua ligação, mas um motivo para tomá-la como a
culpada.
Os dois ficam quietos logo que uma enfermeira baixinha e com cara de
malvada passa fazendo sinal com o dedo indicador sobre os lábios para que
eles ficassem quietos. Aproxima-se dos desesperados com um olhar ríspido.
_ Isso aqui é um ambiente hospitalar. Exijo o mínimo de respeito e
silêncio. Se querem discutir seus problemas particulares por favor se retirem
_ aconselha.
_ Desculpe, doutora. Isso não vai se repetir _ desculpa-se Verônica.
_ Ela não é a doutora, Verônica. Ela é só uma enfermeira _ fala com
certo desdém.
_ Sou uma enfermeira com muito orgulho. E o êxito nos trabalhos de
saúde não dependem apenas dos médicos. Nós enfermeiros também somos
ferramentas essenciais na prática do tratamento. E faça o favor de me tratar
com o devido respeito _ exige.
_ Perdão, senhora _ fala Victor Hugo.
A enfermeira assente com a cabeça e se retira, Victor revira os olhos
sem paciência para os comentários da mulher e os de Verônica que sabia
muito bem como tirá-lo do sério. Mas acontece que a atração que o CEO
tinha pela marrenta parecia ainda permanecer viva. Os olhos dele piscavam
numa mística diferente quando olhava para o corpo da moça, nem mesmo
desarrumada a morena conseguia ficar feia. A essência da beleza está na
simplicidade e aquilo o fazia delirar um pouco mais. Infelizmente precisaria
se livrar da garota se quisesse que seu plano se concluísse como organizou.
Ela volta a se sentar, depois de lançar um olhar severo para ele daquele
tipo não-sou-mais-sua-amiga. Fecha os olhos e aninha os dedos um nos
outros numa prece silenciosa, mexendo a boca suavemente como se
sussurrasse algumas palavras. Ah, aquela boca... Aquela boca que não
poderia ser mais sua. Depois de hoje possivelmente nunca mais a veria. Já
tinha conseguido introduzir alguns pensamentos depressivos na cabeça dela
fazendo-a se sentir culpada pelo acidente da melhor amiga.
Ele se senta a uma cadeira de distância dela, infelizmente não tinham
muitos assentos disponíveis para descansar. Alguns outros familiares
também aguardavam informações sobre os parentes nos outros bancos,
alguns deles até choravam e Verônica estava indo para o mesmo lacrimejante
caminho.
_ Será que vai demorar muito ainda? _ Não se controla e puxa assunto
com a mulher novamente. Se estava querendo ganhar um tapa na cara, teria
em breve.
_ Qual a parte do não-estou-a-fim-de-falar-com-você ainda não deu pra
entender? _ fala cada uma das palavras pausadamente como se ele fosse uma
criança de sete anos que não sabia assimilar as informações ou formar
frases. _ Eu não sou nenhuma médica pra lhe dar um diagnóstico.
_ Por que você é tão agressiva? Isso é falta de homem!
Plaft! Verônica não se controla e quando dá por si sua mão já voou
diretamente na face de Victor Hugo, também ele tinha provocado.
_ Isso é falta de um tapa no meio da sua cara.
Todos que estavam sentados ao redor dela olham estupefatos e a mesma
enfermeira com cara de malvada que andava pelo corredor volta até eles,
apavorada com a postura dos dois num hospital, pareciam crianças do pré-
escolar. O mínimo de maturidade era preciso pra saber lidar com um caso
tão delicado quanto aquele.
_ Olha aqui, eu já pedi uma vez e não voltarei a repetir. Vocês têm que se
retirar daqui.
_ Mas foi ela quem me bateu! _ defende-se.
_ Você é o que da paciente?
_ O pai dos filhos dela.
_ E você?
_ Sou a tia das crianças.
_ Ela é apenas uma amiga _ responde Victor.
_ Então você se retira, só vai ficar o pai aqui _ ordena a enfermeira, mas
Verônica mal tem tempo pra reclamar, já que é praticamente arrastada para a
recepção de braço dado com a funcionária enquanto Victor Hugo continua
com seu risinho de soberba de quem tinha se dado bem com a situação.
O pai das crianças fica um pouco ansioso ao saber que seus filhos
nascerão a qualquer momento, Isaac não seria mais seu único herdeiro.
Algum tempo depois, que parecia ter demorado horas ali aguardando
uma notícia qualquer até que um médico alto, da barba falhada e olhos
profundos fica rodeando o corredor com os olhos como se procurasse
Verônica.
_ Da licença, doutor. Eu sou o pai das crianças da moça que está aí no
centro cirúrgico. Tem alguma notícia? Eles já nasceram? Como ela está?
_ As crianças estão bem sim. Acabaram de nascer. São dois meninos e
um deles tem Síndrome de Down.
_ Síndrome de Down? _ Victor Hugo fica tão chocado com a notícia que
parece que o ar foge de seus pulmões.
Não sabia como reagir, não sabia o que dizer. Não estava fisicamente
nem psicologicamente preparado para ter um filho com limitação. Não sabia
se o teto havia acabar de desabar na cabeça dele naquele instante ou se então
o chão havia lhe fugido deixando um imenso abismo onde acabava de cair.
Não quero um filho doente!
_ Cadê eles? _ Quis saber, ainda tentando se recuperar do choque que
tinha sido receber aquela notícia.
_ Foram levados com a enfermeira para o banho e alguns outros
procedimentos necessários, mas daqui a pouco o senhor já poderá vê-los. Eu
só não tenho uma notícia muito boa em relação à mãe, dona... _ checa no
prontuário médico que carrega com uma prancheta, mas antes que pudesse
descobrir o nome da paciente o próprio namorado dela responde.
_ Aurora. O que tem Aurora? Ele vai precisar continuar internada? Ela
não se recuperou do acidente? Tem algum outro edema cerebral ou coisa
assim? _ Victor Hugo se recusava a pensar no pior possível que a situação
oferecia, na pior das hipóteses ela teria alguma sequela do acidente, mas não
poderia estar morta. Resistia ao máximo a receber aquela notícia e seu
íntimo torcia para que não fosse aquela notícia que o médico daria.
_ O senhor prefere sentar? _ questiona o médico ao perceber o
descontrole emocional do homem que estava a sua frente.
_ Ela... _ segura as palavras o máximo que consegue na boca sem querer
realmente dizê-las _ Ela não resistiu.
_ Nãooo! _ O grito que Victor Hugo dá é ensurdecedor que
provavelmente ecoa por todo o corredor e pelo resto do hospital.
O médico tenta pedir que ele se controle estendendo a mão direita no
entorno de seu ombro para abraçá-lo de uma maneira contida e fria, mas o
CEO não suporta o peso de suas pernas e cai ajoelhado disparando a gritar e
chorar, atraindo a atenção de todos que estão ao seu redor e que vão se
aproximando as poucos, mas também não sabem o que fazer. Não sabem se
deveriam abraçá-lo ou não. A plateia no momento não tem nenhuma palavra
de conforto forte o suficiente que possa consolá-lo. Talvez ninguém que
estivesse ali já perdera um amor para a morte.
_ Não, Aurora não! _ grita outra vez.
E quando olha pro lado, alguém vem abrindo espaço no meio da
multidão. É Verônica, desesperada e com a cara pálida, faz uma pergunta já
praticamente sabendo a resposta e torcendo para que não fosse verdade.
_ O que aconteceu? _ A pergunta sai de sua boca completamente
entravada e só alguém com uma capacidade bem aguçada em decifrar
códigos seria capaz de entender o que ela tinha dito.
_ Você matou Aurora! _ grita Victor apontando seu indicador na direção
dela.
_ Não pode ser! _ grita também. _ Minha melhor amiga não! Não, minha
melhor amiga não morreu!
_ Senhores, eu sei que estão muito abalados com a perda, mas não posso
deixar que fiquem gritando aqui, vou acompanhá-los até uma sala, vocês não
têm a mínima condição de se retirar do hospital agora. _ O médico dá o
braço a cada um deles, erguendo o homem do chão e os dois se empoleiram
nos ombros do doutor que se não fosse realmente bem forte e malhado teria
despencado. _ Enfermeira Flávia! Traga um calmante para esses dois!
Andando e chorando desesperadamente, conseguem chegar a uma sala
que parece ser uma sala de repouso que há no hospital. Os dois disparam a
chorar e começam a distribuir ofensas uma ao outro como se aquilo de
alguma forma pudesse aliviar a dor deles e o sofrimento, mas nada traria
Aurora de volta. Victor estava realmente sentido com a perda e Verônica
permanecia sem chão, não podia ser real, não era verdade.
Não poderia ser verdade que em menos de uma semana havia perdido as
duas pessoas mais importantes de sua vida. A melhor amiga e o primo. Sua
família, sua única família. Ainda permanecia tão inerte às informações que a
ficha ainda não tinha caído pra ela. Não era verdade. Estava tendo um
pesadelo. Anda de um lado para o outro na sala em que estão mas não
consegue fugir do fato.
Victor chora mais, sabia que o fim daquela situação toda não seria nada
agradável, desde o início quando começou a se envolver com a outra já tinha
certeza que alguém sairia ferido nessa história, mas não sabia que estaria
tirando a vida da moça pouco tempo depois de se envolver com ela.
_ Você é uma assassina! _ Victor grita suas palavras infames na cara de
Verônica.
_ Eu deveria ter assassinado você. Se eu tivesse livrado ela de você
enquanto tive tempo nada disso estaria acontecendo. Eu tinha que ter contado
naquele dia do jantar toda a verdade.
_ Você sabotou o carro! _ As mãos dele corriam pelo cabelo jogando-os
para trás para que pudesse respirar e sentir seu rosto livre.
_ Eu... Eu... Eu não quis que nada disso acontecesse. Eu não comecei
esse jogo.
No jogo do amor não é só um alguém que dá as cartas.
_ Você matou duas pessoas _ rosna o CEO.
_ Eu não quis matar ninguém!
_ Mas matou, você deu fim a vida de duas pessoas inocentes. Dois seres
humanos que tinham tanta coisa pra vida pela frente, mas não. Você deu fim
aos milhares de sonhos e planos que eles tinham. Você não permitiu que
continuassem suas jornadas.
_ Eu sou inocente. _ Chora ainda mais.
_ Não! Você é a culpada por tudo isso estar acontecendo. Você matou
Oswaldo! Você matou Aurora! Mas isso não vai ficar assim.
Os ânimos estavam à flor da pele e logo que Victor diz aquilo ,Verônica
fica ainda mais desesperada e perdida.
_ Do que você está falando?
_ Você não vai sair impune. Eu tenho uma gravação das câmeras
indicando que você entrou na minha sala e roubou a chave do meu carro.
Você sabotou meu veículo para eu morrer.
A cara de Verônica era de completo espanto. Parecia curiosa e querendo
saber quem tinha revelado a ele a verdade.
_ Eu não queria matar você! Era para ser só um aviso, um susto. _ Sua
voz é um pedido de desculpas, mas Victor não estava disposto a esquecer o
acontecimento facilmente.
Victor ignora tudo que ela falava, os dois ali perdidos na sala de repouso
enquanto choravam a morte de uma pessoa querida. O CEO pega seu celular
e começa a discar.
_ Tá ligando pra quem? _ pergunta.
_ Pra polícia. Vou denunciar você.
Verônica voa em cima dele e lhe toma o celular, finalizando a ligação e
deixando-o horrorizado com a atitude. Os olhos revoltados dos dois se
encontram na imensidão da tensa nuvem de ar que se formava na sala.
_ Você cometeu um crime. O que você fez é tentativa de homicídio.
_ Por favor, não me prende. Eu nome do nossa curta relação de amizade
durante o período que trabalhei pra você. _ O olhar de Verônica era tão
desesperado que bem possivelmente ela iria se ajoelhar perante ele e beijar
seus pés se fosse necessário.
_ Bem... _ Victor estava se divertindo com a situação, na medida do
possível da sua dor _ Eu posso aliviar a sua barra, mas tem um porém.
_ Que porém? _ Tinha medo de ouvir o porém. Provavelmente nada bom
sairia dali.
_ Você vai embora, vai fugir pra sempre e nunca mais voltar _ sentencia.
_ Como assim? _ Verônica parecia não estar entendendo qual o objetivo
dele.
_ As crianças ficaram comigo e você nunca mais voltará aqui. Vou te dar
um dinheiro bom pra sobreviver por um bom tempo. Se você quiser eu posso
pagar uma clínica psiquiátrica...
_ Clínica psiquiátrica?
_ É Verônica, você é louca. Matou sua melhor amiga para tentar algo
com o namorada dela... Não estou querendo fazer você se culpar por isso,
mas você é uma assassina _ fala num tom solene mas tinha a intenção de
fazê-la ficar ainda pior.
_ Eu não sou uma assassina! E eu não queria nada com você! _ dispara a
gritar incontrolavelmente. _ Eu não quis matar ninguém. Eu não matei
ninguém.
Chora mais uma vez, ajoelhando-se no chão em desespero e chorando
com seu coração estilhaçado aos pedaços. Victor também estava destruído.
_ Tudo bem, que tal uma casa de repouso então? _ sugere outra opção.
Ela tem que sumir daqui! Eu vou criar meu filho junto de Cecília.
_ Casa de repouso?! Quem disse que eu quero repousar?
_ Você tem duas opções: ficar e ser presa ou fugir e continuar em
liberdade.
_ Eu fiz uma promessa _ revela ajoelhada no chão e enxugando as
lágrimas que brotam involuntariamente no rosto. _ Prometi para Aurora que
iria criar as crianças, não posso ir embora.
_ Algumas promessas precisam ser quebradas. Você tem que ir. Fuja! _
aconselha.
_ Eu... Eu... Por favor!
_ Se você ficar, irei denunciá-la. Você tem uma hora pra desaparecer.
Pegue suas coisas e fuja daqui. Não avise a ninguém. Diga que fará uma
viagem e nunca mais volte se quiser continuar com sua liberdade. Você será
uma foragida da polícia se tentar voltar, porque logo assim que souber
qualquer coisa que tentar contra meus filhos saiba que não medirei esforços
para denunciá-la. Suma! _ ordena.
Verônica continua calada jogada no sofá e Victor com uma expressão
sofrida no rosto e um pesar ressoando na consciência. A resposta que a
mulher daria seria a definição de sua vida dali em diante. De toda a sua
vida.
_ E então? _ O pai viúvo quebra o silêncio depois de longos segundos. _
Devo ligar pra polícia?
_ Não _ é rápida em respondê-lo. _ Eu vou fugir. Eu vou. Vou pra uma
casa de repouso. Preciso mesmo pensar. Eu preciso de um tempo pra mim.
Um tempo sozinha. Vai... vai ser bom pra mim. _ Parecia estar prestes a ter
um colapso de tanto nervosismo. Ela iria surtar em minutos.
_ Ótimo então. Eu tenho o número da sua conta bancária no RH da
empresa. Vou te depositar um bom dinheiro pra poder pagar seus gastos. Vou
te dar uma boa quantia também pra você sumir daqui.
Tira a carteira do bolso e pega o talão de cheques. Sua mão ainda está
um pouco trêmula, chocado com tudo que está acontecendo ao redor.
Concentra-se e consegue assinar o título de crédito e estende-o a ela que
agarra e guarda.
_ Eu posso ao menos ficar para o enterro dela?
_ Tudo bem, pode cuidar do enterro dela, mas depois do enterro não
quero ter que ver você. Nunca mais. Entendido?
_ Entendido. _ Uma última lágrima rola de seus olhos.
☐☐☐
Os dois bebês eram as crianças mais lindas que o pai já tinha visto. Na
verdade, todos os bebês têm a mesma cara, acontece que aqueles eram
especiais e bonitos além da medida. Mas não ficariam assim com o tempo, o
primeiro até poderia ser que continuasse belo, mas o outro não. Seria uma
criança rejeitada e teria sempre que ter atenções diferentes. O pai imaginava
que aquele menino seria um atraso de vida, mas já tinha uma opção para a
criança.
Eu não quero ter um filho com Síndrome de Down.
Continua por ali admirando as crianças através do vidro do berçário.
Cecília viria a tarde para buscar o filho dos dois. Iria se chamar Gabriel,
nome de anjo. A mãe queria que aquele fosse a escolha e respeitaria a
decisão da falecida. A esposa dele também concordou. A única maneira de
conseguir o perdão da mulher seria entregando o filho da amante para que
esta criasse. O sonho dela de ter filhos agora estava se realizando, mesmo
que indiretamente.
_ Sinto muito _ a enfermeira aproxima-se dele e repousa uma de suas
mãos no ombro do pai e lamenta.
_ Obrigado! _ ele alisa a mão da mulher sem nem olhar diretamente para
seu rosto, seu foco continuava nos bebês.
_ Sei que esses momentos são difíceis, mas as crianças não podem mais
continuar no berçário. Elas estão bem e saudáveis, mas está na hora de irem
para casa. Sei que o senhor ainda está um pouco perdido, mas... _ não sabia
o que falar. _ O senhor precisará ter alguns cuidados especiais com eles,
sobretudo o que tem Síndrome de Down.
_ Sim. Inclusive vou levá-lo agora para casa. E daqui a pouco voltarei
para buscar o outro. Posso? _ pergunta.
_ Claro. Nesse momento o senhor vai precisar muito da ajuda dos
familiares.
_ Vou sim, minha irmã vai me ajudar _ mente.
_ Vou avisar a enfermeira que cuida do berçário para preparar tudo para
o senhor ir embora com ele.
_ Ok.
Continua colado com os olhos em Gabriel como um pai bobo feliz por
observar o filhinho, enquanto isso as enfermeiras embalam o outro, ainda
sem nenhum nome, num cobertor e depois entregam-lhe a criança.
_ Parabéns, papai! _ fala a enfermeira e ele sorri.
Victor segura seu filho, olha para ele admirando sua carinha fofa, era
uma pena saber que quando crescesse mudaria tudo. Ainda bem que não
estaria com eles para ver o que aconteceria.
Precisava se livrar daquela criança o mais rápido possível.
Ninguém poderia saber que eram duas crianças, para Cecília sua amante
teria tido apenas uma criança.
Apenas uma criança...
_ Vem bebê, sei exatamente o que fazer com você.
CONTINUA...

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