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Verônica
A lua estava linda naquela noite, parecia até que tinha se preparado para
abrilhantar o encontro romântico de Aurora e seu namorado. Os dois se
conheciam pouco, e quanto mais ela descobria dele mais se encantava, com
o amor e a leveza daquela paixão que lhe invadia completamente. Parece que
quando se estão apaixonados, tudo ao redor é mais belo: as cores, as flores,
o mundo! Acreditar no amor é acreditar que a vida tem sempre uma chance
de se reerguer e recomeçar, pelo menos com ela tinha sido assim. Aurora
saíra de um relacionamento complicado em que seu ex nem sequer lhe
permitia usar um biquíni na praia e migrado para uma nova relação suave,
tranquila e sem cobranças. Um amor de coração leve, e não aquele que lhe
partia aos pedaços como o anterior.
Mesmo ainda faltando mais de uma hora para o encontro, a mulher já
estava toda arrumada. Deu uma alisada nos seus cabelos vermelhos cor de
fogo, passou uma maquiagem leve em seu delicado rosto, colocou um salto
alto pra ganhar alguns centímetros a mais de tamanho já que era bem
baixinha. Resolve comer alguma coisa pra não ficar de estômago vazio perto
do cara e querer devorar tudo que ver pela frente. Tenho um buraco negro
no lugar do estômago. Come um pão com manteiga para forrar e não parecer
uma desesperada no jantar, já que parece abrigar uma solitária em seu corpo.
Continua um pouco ansiosa com o encontro da noite, é normal quando
se está apaixonada sentir aquele friozinho na barriga ao estar perto da
pessoa e maior ainda quando a encontra. Senta no sofá e encara a televisão
por longos minutos até resolver ligá-la. Procura o controle remoto e prepara-
se para a espera tediosa, passeia rapidamente pelos canais até finalmente
escolher uma reportagem sobre o câncer de mama. Na matéria, várias
mulheres que sobreviveram davam seu depoimento e explicavam um pouco
como aquela doença afetou suas vidas de seus familiares, outros relatos
também eram das enfermeiras que conviviam diariamente com tais pacientes
numa clínica. A reportagem era bem interessante e ficou um enorme tempo
assistindo até o telefone tocar.
_ Oi, Aurora _ diz seu namorado do outro lado da linha, com uma voz
grossa, áspera e sedutora _ Já está pronta?
_ Boa noite, querido. Estou sim, tô aqui te esperando.
_ Ok, então! Acabei de sair de casa, estou um pouco atrasado porque
precisei passar na residência da minha mãe, ela está um pouco adoentada,
mas em meia horinha estou chegando _ avisa.
_ Tudo bem, amor. Pode dar atenção a sua mãe, eu lhe espero.
_ Daqui a pouco estou aqui, liguei só para avisá-la. Beijo. _ E falou a
última palavra com um tom provocante e tentador.
_ Beijo! _ Aurora respondeu com um sorriso de orelha a orelha em seus
lábios, parecia uma adolescente de quinze anos completamente apaixonada.
A última parte de fato era verdade.
Desliga o telefone e fica ali sorrindo sozinha abraçada com uma
almofada como se fosse o maior amor da sua vida. Sua pulsação ficava
acelerada só de ouvir a voz daquele homem que conseguira conquistá-la de
imediato. Os dois se conheceram muito ao acaso numa lanchonete, num dia
quando ela acabara de dar aula e tinha ido comer algo já que morria de fome
e ele tinha saído de uma complicada reunião de negócios. Ela estava toda
descabelada, cheia de livros e tentando equilibrar tudo que carregava nas
mãos, ele estava morrendo de pressa pra chegar logo em casa, só foi até o
balcão, pediu um hambúrguer assado e uma Coca-cola pra viagem e quando
retornou, tudo aconteceu. Ele derrubou todos os livros dela, acabaram
lanchando juntos e ofereceu para levá-la em casa. Daí em diante é possível
presumir toda essa história repleta de linhas tortas que acabou entrelaçando
um casal fogoso e apaixonado.
Amar é como ter um guarda-chuva no meio de uma tempestade: ele
pode até não te proteger de toda a chuva, mas irá se sacrificar o quanto for
possível para você não se molhar. É uma comparação tola, mas o amor
também é assim. Amor é aquele último pedaço da pizza que ele estava doido
pra comer, mas diz que não e te oferece. Amor pode ser aquela brisa que
vem nos dias de calor exaustivo que refresca a alma, é o vento que sopra do
céu. Aurora continua ali sentada delirando sorrisos e amando refletir em seu
encontro com Victor Hugo. Aquele ser sexy trabalha numa empresa rica e
por isso não pode se expor muito, sabe também que ele sempre visita a mãe
doente, que malha às terças e quintas, que joga futebol às quartas, que mora
sozinho em seu modesto apartamento na zona sul do Rio, que é viúvo e tem
um filho adolescente que lhe visita às vezes.
Vinte e cinco minutos depois, Victor Hugo liga avisando que já estava
na entrada do prédio, Aurora se anima, levanta correndo para dar uma última
conferida no espelho, mexe um pouco no cabelo e sai. Quando está trancando
a porta pelo lado de fora, dá de cara com Verônica, vestida com roupas
simples que a melhor amiga não se lembrava de alguma vez ter a visto com
aquelas peças.
_ Que roupa é essa, Verônica? _ indaga, chocada com o modelito
underground da amiga.
_ Boa noite pra você também _ responde mal humorada, seus olhos
parecem cansados e seu corpo desleixado _ É uma longa história, está com
paciência?
_ Não. Resume porque tenho um compromisso agora, meu amorzinho
está me esperando lá embaixo já.
_ Um filho da mãe me deu um banho de água suja quando passou numa
poça, precisei comprar roupas seminovas num brechó pra me apresentar na
empresa, e depois quando descubro quem será meu patrão dou de cara com o
mesmo imbecil que me molhou. E o cretino ainda é um puta de um gostoso.
_ Nossa, que vida hein! Depois quando eu voltar a gente conversa
melhor.
_ Juízo! _ alerta Verônica.
_ Isso é de beber? _ debocha _ Quem te vê falando assim vai até pensar
que é muito responsável. A última vez que saímos quem saiu beijando todo
mundo na festa e bebeu até vomitar não fui eu não, tá querida!?
_ Eu não quero falar sobre isso _ Tenta esconder seu sorriso que está
quase escapulindo pelo canto da boca _ Vai lá, ah, e use camisinha.
_ Você acha que eu sou burra, Verônica? _ As queridas amigas
começam a provocar uma a outra.
_ Sinceramente, acho. _ risadas.
As duas se despedem com beijos, sorrisos e abraços. E enquanto
Verônica aproveita pra entrar no apartamento com a porta já aberta, Aurora
pula pra dentro do elevador de seu prédio, que é um cubículo apertado onde
cabem apenas três pessoas, mas se for o vizinho do quinto andar, só cabe
ele. Logo ela está lá embaixo correndo para os braços do namorado que está
na esquina do outro lado da calçada. Victor Hugo tem um olhar marcante e
sedutor, sua estatura é considerável em relação a ela, é dono de um sorriso
encantador. Os cabelos daquele homem eram sedosos e relativamente longos
no estilo dos atores gatos de cinema hollywoodiano. Seus olhos eram pretos
que nem jabuticaba e sua barba era aquela barba de deixar Aurora com
vontade de alisá-la a noite toda.
Eles se beijam antes mesmo de trocar qualquer mísera palavra, a
necessidade mútua de possuir as recíprocas bocas é bem maior do que
qualquer comunicação. Depois de alguns longos amassos na entrada do
prédio eles finalmente se tocam e concluem que já deu pra matar um pouco a
saudade. Afinal, estavam há uma semana sem se ver. Como um bom
exemplar de cavalheiro, Victor Hugo abre a porta para a dama entrar, depois
da a volta e para ocupar o lugar do motorista. O homem gira a chave na
ignição e da a partida no carro, rumo a sabe lá Deus onde.
_ Pra onde a gente está indo? _ indaga Aurora depois de uns longos
minutos de viagem em que eles tinham trocado apenas algumas palavras a
respeito do dia a dia, mas acima de tudo trocavam olhares, sorrisos e
carícias.
_ Surpresa! Estamos um pouquinho longe, mas tenho certeza que você
vai gostar _ Victor Hugo olhou para ela de modo provocante.
Será que a gente vai pra casa dele e não vai ter jantar?
Aurora permaneceu em silêncio e aceitou a ideia dele. Ela era uma
menina mulher que adorava ser surpreendida, estava mil vezes mais ansiosa
do que quando ele ainda nem tinha chegado, morrendo de curiosidade para
saber o destino final daquela viagem. Os olhos dele saboreando a tensão da
mulher rapidamente nos instantes de engarrafamento em que os dois se
olhavam e sorriam. O amor é tão bobo.
_ A gente já está chegando _ informa Victor Hugo depois de quarenta
minutos no trânsito, pelo menos o fluxo estava bom naquele horário.
Cinco minutos depois, Victor Hugo estaciona o carro debaixo de uma
árvore alta e desce antes para abrir a porta. Mais uma vez cavalheiro, ele a
ajuda a sair do carro e de mãos dadas vão andando até o restaurante. A
fachada já a agrada de cara, a porta parece a página de um livro. Aurora fica
encantada logo quando entra. Algumas paredes eram escritas parecendo uma
folha de caderno, enquanto do outro lado haviam várias prateleiras repletas
de livros. As mesinhas eram rústicas e românticas, haviam alguns espelhos
dourados pendurados numa única parede vermelha detrás do caixa, a maior
parte do interior do recinto era de madeira. Sobre as mesas, tinham velas
brancas acesas e vasinhos de rosas da mesma cor. Victor Hugo acena para o
garçom que os leva até uma das mesas num canto, o ambiente estava
aconchegante e tinha apenas mais meia dúzia de pessoas ali.
_ Se a intenção é agradar uma professora de Literatura, você está se
saindo muito bem.
_ Obrigado, deu pra perceber sua paixão pelos livros.
_ Eu estou adorando este lugar _ ela só sorria, maravilhada, desde que
entrou ainda olhava para os mínimos detalhes do ambiente e cada hora
descobria uma coisa nova que lhe despertava ainda mais paixão.
_ Que bom! Meu objetivo é fazer você feliz.
_ Já está fazendo _ ela se aproxima dele e lhe dá um selinho _ Você é
lindo.
_ Você também é linda _ e sorri.
Um garçom moreno e com a sobrancelha direita raspada na ponta
aparece do nada interrompendo o momento de romance do casal e entrega os
cardápios. Dá um leve sorrisinho para os dois, Victor Hugo permanece com
o olhar fechado enquanto Aurora retribui por educação.
Os olhos de Aurora quase saltam da órbita quando vê o cardápio.
Todas as comidas são oriundas das histórias de livros. Tinha alguns dos 77
pratos do casamento do Rei Joffrey e a rainha Margaery de Game of
Thrones, a dieta vegetariana do sátiro guardião do Percy Jackson, cervejas
amanteigadas diretas do mundo de Harry Potter, tinha também o bife com
molho béarnaise com batatas-fritas e legumes cozidos que Christian Grey e
Anastasia Steele comeram no almoço de reencontro em Cinquenta tons, as
perdizes servidas na ceia que Lúcia participou na casa de Sá no livro
Lucíola... Que show! Para a sobremesa tinha a torta de maçã da Branca de
Neve, bolinho de chuva do Sítio do Picapau, a melancia da Magali da
Turma da Mônica... Tinha muita coisa!
_ Esse é o restaurante mais lindo que existe neste mundo! _ a professora
de Literatura estava apaixonada pelo cardápio daquele restaurante _
Obrigada.
_ De nada. Já escolheu? _ questiona.
_ Mas é tanta coisa... A gente pode pedir os bifes com molho de
Cinquenta Tons _ não falou o nome do molho porque não sabia pronunciar _
cervejas amanteigadas do Harry e bolinho de chuva da dona Benta do Sítio.
Pode ser?
_ Claro _ ele assentiu, com um risinho no canto da boca.
_ Que foi que você tá rindo?
_ Você parece uma criança que soltaram num parquinho de diversão.
Estou muito feliz em te ver assim _ Victor Hugo dá seu sorriso meigo
delicioso e novamente eles se beijam.
_ Muuuuuito obrigada! _ ela repete seus agradecimentos e acaba se
jogando nos seus braços.
Victor Hugo chama o garçom e faz os pedidos. Aurora ainda parece
perdida em sua viagem literária pelo mundo das comidas de livros, enquanto
isso o homem acaba pegando o celular para responder algumas mensagens,
por sorte foi pouco tempo já que é insuportável sair com alguém que não
desgruda do mundo virtual. Ela desce com a mão pelo queixo e vira o rosto
dele para si, puxa-o para perto e sussurra em seu ouvido:
_ Eu te amo _ e sai com a sonoridade perfeita no tom do amor.
_ Eu também _ retribui.
Demora cerca de vinte minutos para que os pratos fiquem prontos,
enquanto isso ela levanta da cadeira e vai até as prateleiras. Aurora, você
está num encontro romântico com um homem ou com um livro? Depois
retoma a consciência de quem realmente merece a atenção naquela noite, e
sabe muito bem que depois disso terá tudo que quiser. Os homens parecem
bonzinhos, mas são completamente manipuladores, fazem as vontades das
mulheres apenas para receber agrados durante a madrugada. Eles querem
beijos, amassos, carícias... Eles querem fazer você se apaixonar por eles
cada dia mais um pouco, mesmo que ela pensasse que não teria como o amar
mais. O garçom trás os pratos e os olhos de Aurora brilham.
Victor Hugo prova a bebida.
_ Esses bruxos sabem mesmo produzir uma bebida boa hein... _ e acaba
rindo _ Meu filho é fã de Harry Potter.
_ Entendo seu filho. Falando dele, como é a relação de vocês? _ Aurora
perguntava as coisas delicadamente, não sabia se podia perguntar aquilo,
ficava com medo de cair num campo minado.
_ Nós temos uma boa convivência, tento ser um pai presente na medida
do possível. Eu o visito sempre que tenho uma folga no trabalho, o que é um
pouco raro, mas pelo menos uma vez por mês marcamos de almoçar. Mora
com os avós maternos, mas não quero que se esqueça do pai. Faço festa de
aniversário, pago a escola dele, tento ser um bom pai, óbvio que na maioria
dos casos eu acabo errando, mas a gente erra por amor né, por amar demais.
_ Victor Hugo iria chorar a qualquer momento, não que fosse um homem de
poucas palavras ou de muitas lágrimas, mas parecia que o assunto do filho
mexia um pouco com ele _ A mãe do garoto sofreu um acidente e morreu em
pouco tempo, os tratamentos não foram capazes de recuperá-la. Meu filho
ainda tinha oito anos, hoje tem dezoito.
Aurora o abraça.
_ Fica assim não! Você deve ser um ótimo pai, você é um exemplo, meu
amor. Quero um dia poder conhecer seu filho. E sua mãe, você acha que ela
está preparada pra me conhecer? Vamos fazer quatro meses juntos em breve
e eu não conheço ninguém da sua família.
_ Vou começar a prepará-la para isso. E a sua família?
_ Bem, minha mãe já morreu, meu pai eu nunca soube quem era. Sou
filha única, só tenho parentes distantes, a única com quem eu tinha um
vínculo maior era minha madrinha, mas mora na minha antiga cidade bem no
interior. Tenho minha melhor amiga que mora comigo, somos irmãs de
barrigas diferentes.
_ Um dia tenho que conhecê-la _ comenta o executivo.
_ Tem sim, ela também está louca para conhecer o famoso Victor Hugo.
_ Famoso?! _ ele ri.
_ Sim, você é um dos assuntos mais comentados na minha casa _ eles se
entreolham _ Meus assuntos preferidos são livros, beijos, cinema,
maquiagem, roupa, Victor Hugo... Não necessariamente nessa ordem.
_ Hum... Os meus assuntos preferidos são você, você e você.
_ Você fala muito de mim?
_ Menos do que eu gostaria, mas melhor do que falar de você é estar
com você. Beijá-la. Abraçá-la. Amá-la. Quer ir dormir na minha casa hoje à
noite?
Olhares de desejo tomam conta dos dois, as bochechas de Aurora ficam
vermelhas como se tivessem sido esbofeteadas. Timidez? Um sorriso meigo
invade a boca dela enquanto um malicioso permanece na dele. Os olhos se
encontram num emaranhado de vontades que explodem dentro de seus
corpos, suas almas pareciam que iam saltar de si e se possuírem ali na mesa.
Aurora responde pelo olhar: sim, eu quero passar a noite na sua casa, na
sua cama. Por instantes, apreciavam o prato como se fossem os próprios
personagens do livro que viveram aquela cena.
_ Acho que a gente poderia pular a sobremesa ou então pedir pra
viagem, o que acha?
III
Victor Hugo
Os pombinhos passaram juntos uma das noites mais quentes do casal até
o momento, com direito a sexo romântico com pitadas de safadeza, depois
dormiram agarradinhos aquecendo um ao outro e se envolvendo debaixo das
cobertas. Mas acontece que os sonhos uma hora tem fim e é preciso voltar à
realidade. Aurora foi a primeira a levantar, acordou com um sorriso
amassado e levantou quietinha para não acordar Victor Hugo que continuava
viajando pelo paraíso do sono. Para ele, a cama continuava tão macia que se
pudesse ficaria dormindo ali para sempre. Mas a vida é dura, e se quisesse
ser quem era, precisaria trabalhar bastante.
Levantou preguiçoso esticando seus braços, continuou de pijama e
resolveu escovar os dentes, Aurora não estava mais do seu lado,
provavelmente devia estar preparando algo na cozinha como sempre gostava
de fazer. Antes, conferiu se ela não lhe olhava, e digitou uma rápida
mensagem de celular. Atento aos movimentos da mulher, enviou logo seu
texto e foi correndo para o banheiro.
Depois de escovar os dentes, lavar o rosto e ter no mínimo uma cara
apresentável foi até a cozinha ao encontro de sua garota. Aurora estava
deliciosamente linda usando apenas um pijama vermelho que ele mesmo
tinha comprado para ela e deixado na sua casa. Precisou comprar várias
coisas novas para aquele apartamento, senão iria parecer que ninguém
morava ali. Aquela mulher era uma das mais perfeitas que já tinha visto, com
uma professora dessas eu iria querer repetir em Literatura para sempre.
Quem sabe ela não me leve para um canto e me dê umas aulas sobre a
literatura das línguas. As pernas dela eram lisas e provocantes, nuas
daquela maneira lhe faziam perder os sentidos, a razão e o juízo. Pensar
naquilo lhe faria adiar o trabalho, porém não poderia faltar o contrato com
uma holding. Aquele seria o negócio da sua vida e triplicaria a renda da
empresa.
_ Bom dia, bebê. _ Aurora lhe cumprimenta e dá um terno beijo
molhado em seus lábios, sua boca era doce e mística _ Dormiu bem?
_ Sim, abraçado a você tive os melhores sonhos _ Sonhei que tinham
três mulheres na minha cama _ Sonhei que você estava fazendo um bolo de
cenoura pra mim. _ diz olhando para o forno e sentindo um cheiro
maravilhoso.
_ Então seus sonhos se tornaram realidade _ sorri _ Fiz um bolinho
para nós, está quase pronto. Não tem nada nessa casa hein, como você
consegue viver aqui? Tem muitos utensílios, isso não posso reclamar, mas a
dispensa estava quase vazia e as panelas são praticamente novas. Você não
come não?
_ Erh... É que eu não almoço muito em casa, como moro sozinho só
apareço mais para dormir, fico o dia inteiro no trabalho e acabo almoçando
na rua. Alguns finais de semana almoço com minha mãe, outros com meu
filho. Tenho uma empregada que vem uma vez por semana e arruma tudo, faz
comida aí nesse dia eu como aqui, mas não compro muita coisa senão os
alimentos perecem. _ Victor Hugo sentiu-se um mestre da oratória, conseguiu
mentir perfeitamente sem nem gaguejar ou enrolar a história que foi
elaborada no instante em que falava.
_ A tá. Quando quiser me chame que faço janta pra você.
_ Quero que você seja minha mulher, não minha empregada.
_ Dou perfeitamente conta das duas tarefas, e fazer comida pra você
não é ser tratada como empregada, a não ser que você não goste do meu
tempero...
_ Claro que eu gosto! _ ele ri e a pega no colo fazendo-a dar um
gritinho de susto, mas se entrega aos envolventes beijos dele. Quem dera se
o mundo fosse esse mar de rosas...
◆◆◆
☐☐☐
Depois de sábado ter sido um dia maravilhoso, como um sonho,
segunda precisava retornar àquele terrível escritório e seus nervos já
estavam à flor da pele antes mesmo de chegar lá. Seu domingo tinha sido
dedicado totalmente ao repouso, dormiu mais que bela adormecida à espera
do príncipe encantado. Até que o projeto de príncipe já tinha chegado,
porém ogro demais.
Hoje era o dia de tomar as rédeas do destino e colocar de uma vez um
ponto final naquela relação. Precisava deixar claro pra o patrão que não era
nenhum – ou mais um – de seus objetos, não seria uma putinha nas mãos
dele. Ele estava namorando a sua melhor amiga e precisava impor respeito
àquele contato que tinham. Como poderia ser tão cafajeste a ponto de
namorar a mulher e ainda querer dar uns pegas na secretária!? Verônica
achava que aquilo tudo era um romance e que o homem de seus sonhos tinha
finalmente aparecido, era mais um...
Acorda já irritada sabendo o que lhe esperava naquele dia, parecia um
filho morrendo de nervoso de chegar em casa logo quando a mãe diz: “Em
casa a gente conversa”, quem nunca passou por isso não sabe o real
significado da palavra nervosismo. Pega a barca lotada mais uma vez para ir
para sua empresa que ficava no Rio de Janeiro, ali bem ao lado. Um homem
negro com bigode de pedreiro e aparência de mafioso não parava de olhar
para ela com olhos perversos. Tão incomodada ficara que não bastou
destilar nele seu olhar de reprovação, ele não parava. Ela acabou mudando
de lugar.
Quando chega ao destino, o grupo inteiro sai correndo como ratos
apavorados num navio prestes a afundar e a secretária segue o fluxo,
agarrada a sua bolsa e ajeitando a saia do uniforme de trabalho que pelo
movimento das coxas acaba subindo.
Para chegar até sua empresa, era preciso passar por várias áreas meio
sombrias e pouco movimentadas que não lhe despertavam muito conforto em
ter que atravessá-las. Andou alguns minutos até que observando todo o fluxo,
olha pra trás e da de cara com o mesmo homem da barca. Ele estava tão
próximo que nem cinquenta metros era a distância que os separava.
Merda! Esse homem está me seguindo.
O controle policial nas ruas tem aumentado muito, mas não se pode
dizer que os estupros sessaram e os roubos também. Verônica não sabia o
que queria aquele cara, mas pelos olhos dele uma certeza ela tinha: esse
cara quer alguma coisa, e comigo. Apressa o passo com um aperto terrível
no coração, talvez seja quase indescritível falar como uma mulher se sente
quando percebe estar sendo seguida, e por um homem. Mas era um
sentimento tão pesado no coração que acelerava seu corpo e soltava
adrenalina por todos os poros. Perigo! Perigo! Um alerta vermelho invisível
soava numa sirene também invisível que pairava sobre sua cabeça.
À medida que os passos dela aceleravam os deles aumentavam também
o ritmo. Sentia-se uma zebra que fugia inutilmente de um leão. Até quando
seremos reféns dessa maneira!? Percebe seus olhos marejados, a qualquer
momento ia disparar a chorar antes mesmo de alguma coisa ter de fato
acontecido. Controle-se, Verônica! Você é uma mulher forte e não vai cair
nas garras desse cara. Quando olha para trás, um sorriso libertino ainda
morava naquele rosto esquisito e malvado.
Olha pelas ruas à procura de qualquer pessoa que possa ajudá-la, pensa
em entrar em algumas ruas perpendiculares, mas nenhuma delas parecia
realmente confiável. Tinha medo de entrar em qualquer lugar, depois não
saber sair e acabar ajudando o golpista a agarrá-la. Poucas pessoas seguiam
nas calçadas, aquele era um horário em que muita gente já tinha começado o
trabalho, então a probabilidade de estarem rodando pelas ruas era bem
reduzida.
Fecha os olhos rapidamente e sussurra alguma coisa que parece ser uma
oração, não era muito adepta a religião, pois já tinha concluído o quão
terrível as pessoas eram capazes de ser em nome de Deus. Porém, acreditava
fielmente em Deus, aquele que amava a todos de igual maneira e protegia
seus filhos. “Senhor, me envie um anjo!” e continua a andar, seu trabalho
nunca tinha parecido tão longe, suas pernas nunca tinham parecido tão
bambas e os minutos nunca tinham parecido tão longos. Já tinha passado por
situações parecidas outras vezes, esse é um dos dramas de se ser mulher
numa cidade grande como essa, tem muitas pessoas honestas, mas também
muitos seres desrespeitadores que acreditam poder ter uma mulher de
qualquer maneira, mesmo que ela não queira.
Contudo, todas as outras vezes que ela correra algum risco era porque
não tinha se prevenido ou desenvolvido alguma maldade pra lidar com estes
casos. Uma vez foi quando resolveu pegar ônibus num ponto deserto às nove
horas da noite e outra foi quando caminhou por uma rua deserta no mesmo
horário. Mas hoje era chocante por ser algo à luz do dia.
Ele está próximo, ele está próximo... Talvez menos de dez passos era a
distância que os separavam. Ele vai me agarrar, ele vai me agarrar... Era
bem possível que tivesse alguma faca ou qualquer objeto escondido no bolso
para ameaçá-la e evitar que gritasse alertando outras pessoas. Será que eu
devo gritar de uma vez?
De repente, uma mão repousa nos seus ombros e Verônica não sabe se
grita, não sabe se chora, não sabe se fingi um desmaio para fugir daquela
situação, talvez aquela seria a pior de todas as opções. Se fingisse um
desmaio seria bem mais prático ser sequestrada e estuprada.
_ Gabi, tudo bem amiga? Quanto tempo! _ quando vira para o lado dá
de cara com uma moça um pouco mais nova que ela, gordinha e de baixa
estatura. Está com uma fita amarrada no cabelo e um sorriso encantador. _
Entra no jogo! _ murmura baixinho quando depara com Verônica olhando-a
com cara de interrogação.
Meu anjo! Ela veio me salvar!
_ Sandrinhaaa! _ exalta-se _ Estava morrendo de saudades de você, por
onde você anda?
_ Ah menina, estou trabalhando muito. Sabe como é né, treinar para
entrar pra polícia não é mole _ avisa.
_ Ah sim! Mas e seu treino, já chegou na faixa preta de kung fu? _
Verônica nem sabia se a faixa preta era de kung fu, karatê ou capoeira, mas
qualquer assunto que demonstrasse que aquela mulher era sua reserva de
força e defesa naquele instante era importante.
_ Tô quase! _ e solta uma risadinha meiga e tranquila, mas um pequeno
sinal de tensão esconde-se na sua face. Ela também está preocupada. _
Vamos tomar um café?
_ Claro! _ Verônica/Gabi segue o plano de Sandra seu anjo.
Elas continuam conversando e rindo, finalmente chegam a um local
mais movimentado e desta vez já está próxima ao seu trabalho. Quando olha
de volta para seu trajeto, o homem estranho já havia desaparecido. Ufa! O
anjo de Verônica tinha concluído sua tarefa com êxito e agora as duas
estavam próximas a entrada da empresa.
_ Nossa! Nem sei como te agradecer! _ a secretária respira, aliviada. _
Você foi um anjo na minha vida. Se não tivesse aparecido, não sei o que
seria de mim.
_ Percebi seu desespero, já passei por isso também e senti que tinha
que ajudá-la naquele momento. Também tenho medo de andar sozinha nas
ruas, mas preciso trabalhar e todos os dias temos que nos arriscar nessa
sociedade inescrupulosa na qual não temos o mínimo de segurança _
desabafa.
_ É, menina. Aliás, qual é seu nome? Não deve ser Sandra meu anjo! _
e riram.
_ Me chamo Samira, e você Gabi?
_ Sou Verônica. Muito obrigada! Moro em Niterói e pego a barca todos
os dias nesse horário pra vir ao trabalho.
_ Você também!? _ fica surpresa _ Também moro lá do outro lado.
Venho trabalhar aqui, só que meu horário é um pouco mais cedo. Hoje que o
patrão me deu uma folguinha, mas saio sempre às sete da noite. E moro de
medo esse horário! Eu trabalho ali naquele prédio _ aponta.
_ Que beleza, pertinho do meu _ e mostra a empresa em que trabalha _
Também saio às sete e tenho o mesmo desespero. Podemos marcar de ir
embora juntas sempre. Me passa seu telefone.
As duas trocam números de telefone e sentem-se amigas de infância,
como é bom quando as pessoas têm atitudes de coragem dignas de
reconhecimento e Samira era uma daquelas defensoras dos direitos
feministas, segundo ela. Ficaram ali conversando por alguns minutinhos e a
secretária até insiste para a colega ir com ela tomar um café. Pode não ser
dona da empresa, mas agora que tem o CEO em suas mãos poderia carregar
seu anjo para tomar um humilde café.
_ Não precisa! Obrigada! Não posso me atrasar e está quase na minha
hora _ confere no relógio de pulso _ Foi um prazer conhecê-la.
_ Igualmente. _ As duas dão dois beijinhos no rosto e se despedem com
um sorriso, estava feliz por ter feito uma nova amiga-anjo.
Entra na empresa toda sorridente esquecendo-se do eventual problema
no trajeto até lá e pensando apenas na ajuda que recebera. Pena que seu
sorriso não era contagiante o suficiente para atingir Adriana também. A
mulher estava com a cara trunfada mais uma vez, como se aquilo fosse
alguma novidade, parada ao lado de Jorge, parecendo a dupla Pink e
Cérebro. O homem retribui o olhar feliz da moça, mas a recepcionista não.
Pensou que depois de um certo tempo de convivência as coisas iriam mudar,
seria tratada razoavelmente bem com a maioria dos outros funcionários, mas
aquela mulher da portaria tinha uma certa cisma com Verônica que esta nunca
iria entender. Tem coisas que o tempo não consegue mudar, e uma delas é a
cara de fuinha da Adriana. Para de me olhar assim! Sorria, meu bem!
Chupou um limão?
_ Está atrasada! _ aquela mulher era uma pedra no sapato. Que direito
ela pensa que tem de vigiar a vida dos funcionários?
_ Isso é problema meu, por acaso você é alguma fiscal? _ Não
aguentava mais aquela mulherzinha metida tomando conta da sua vida.
_ Nossa, que rebelde! _ debocha.
_ Olha aqui, sua piranha! _ Verônica não está muito disposta a aturar
desaforo, foi logo apontando o dedo na cara da recepcionista _ Eu sou uma
funcionária muito dedicada ao meu trabalho, chego sempre no horário certo e
mereço o respeito de ser tratada como uma igual. Me respeite que eu não te
dou confiança _ explode.
Adriana percebe que as coisas não estavam ficando muito boas para o
seu lado e acaba aceitando aquela provocação de boca calada, também, não
tinha muito o que rebater, pois o jeito da secretária mostrara que, qualquer
mínima palavra que dissesse em sua defesa poderia ser motivo para um tapa
na cara ou coisa pior. Portanto, resolve manter seus cabelos bem presos ao
coro cabeludo, pois aquela barraqueira poderia a qualquer momento voar
nas suas madeixas.
_ Victor Hugo vai ficar sabendo disso _ não se controla e diz bem
baixinho para o Jorge enquanto Verônica caminhava em direção ao elevador,
o que mal sabia era que tinha sido escutada _ Tomara que ele a demita.
_ Não se preocupe! _ grita para a colega de trabalho, esquecendo-se da
educação e boas maneiras necessárias no ambiente _ Eu mesma vou pedir
demissão.
_ Não vou discutir com você não porque hoje estou passando mal.
_ Então que morra de uma vez!
Sobe o elevador bufando, com o olhar severo e a cabeça a mil, tinha
voltado aquele lugar com um propósito: pedir demissão. Depois do que
descobriu sobre Victor estar namorando sua melhor amiga e ainda assim tê-
la beijado, não seria nada bom para a relação com Aurora que isto tenha
acontecido. É melhor parar por aqui e se continuasse trabalhando próxima
aquele homem, provavelmente não ajudaria.
Já é hora de Verônica voltar para a sala de entrevistas, a mulher passa
mais tempo desempregada do que no serviço propriamente dito. Hora de
retornar para o balcão de empregos, era uma pena ter que deixar a empresa,
pois se sentia tão bem ali, tirando Adriana, todos os outros funcionários
eram muito solícitos com ela e não só por isso, o salário que recebia
superava em muito as expectativas do mercado.
Quando vai até a sala do patrão sente seu coração na boca. Era agora
ou nunca. Era estranho, pois a vontade de chorar dava um nó no estômago da
mulher. Demitida! Outra vez. Estava cansada de uma vida em que não pode
trabalhar por conta de ser uma mulher bonita, sempre arranja problemas por
conta disso.
Victor Hugo não estava, ainda não havia chegado. Um peso que
carregava nas costas parecia ter se tornado um pouco mais leve, mas adiar
aquele momento não traria benefício nenhum. Volta a seu posto de secretária,
só sente-se perdida se deve ou não fazer o trabalho recomendado para fazer
naquele dia, já que pedirá demissão.
Por sorte, seu patrão chega em cinco minutos, perfeitamente lindo e
gostoso com aquele terno preto bem cortado e com uma gravata cinza
altamente sedutora. Seus olhos abrigam uma emoção contida e
descontrolada, sorriso malvado de salafrário. Cretino! Pegou minha melhor
amiga e quer me pegar também! Não é assim que a banda toca por aqui...
Ele lhe sorri, mas não tem a expressão retribuída.
_ Bom dia, Verônica!
_ Bom dia _ responde, seca, não há nenhuma emoção em suas palavras.
_ Já providenciou a papelada do plano novo? _ pergunta legitimamente
profissional, como se nada do que acontecera na sexta à noite houvesse de
fato acontecido.
_ Não. E preciso conversar com você _ diz, severa.
_ Entra! _ sua expressão muda, seguindo a rigidez da dela.
Os dois caminham juntos para o interior da aconchegante sala do
escritório, o ar condicionado acalma a tensão de Verônica, mas nada diminui
a complexidade do fato.
_ Quer se sentar? _ pergunta, num tom comedido, como se tivesse
pedindo desculpas por algum mal feito.
_ Não fale como se nada tivesse acontecido _ repreende com um olhar
sério.
_ Perdão _ lamenta.
Você cometeu todos os pecados, Victor Hugo. Deus perdoa, mas eu
não!
_ Victor Hugo, você namora minha melhor amiga e ainda assim me
beija. Vou é um cafajeste de marca maior e não posso mais conviver com
você. Fique tranquilo pois não falei com ela que você era meu patrão, mas
saiba que não aprovo em nada seu comportamento. Não vou atrapalhar a
relação de vocês, mas também não trabalho mais para o senhor _ retoma o
tratamento formal de empregados e patrões.
_ Não! _ solta um gemido desgarrado e surpreso, parecia que ela era o
amor da sua vida que estava prestes a deixá-lo _ Você não pode fazer isso!
_ Tudo bem, eu cumpro todas as exigências da lei. Pago aviso prévio,
ficarei mais alguns dias até que o senhor providencie uma nova secretária.
_ Não, Verônica. Por favor! _ diz se aproximando dela e segura em seu
braço para que ela nunca mais vá. Seu olhar é sincero, parecia o gato de
botas do filme do Shrek, só que sem as botas, dando seu máximo para
convencê-la.
Puxando seu braço, ela consegue se desprender das mãos dele. O olhar
do homem é apaixonante, Verônica se sente uma pessoa cruel em ter de
abandoná-lo, e quase se esquece de tudo que ele causou, de todo o
desconforto emocional que manter aquela relação, mesmo que profissional,
traria para a amizade dela com Aurora.
_ Não posso continuar... _ dessa vez, sua voz é comedida, calma e
desamparada. _ Eu... Eu... Continuar aqui vai me trazer muitos problemas _
as palavras fogem de sua boca e nada que possa falar é capaz de preencher o
vazio.
_ O que vai ser de mim sem você? _ indaga como se fossem um casal.
_ Sou só uma secretária, o senhor irá arranjar alguém para me
substituir, assim como fez com a anterior. O que não falta é pessoa
desempregada nessa cidade.
_ Você não é apenas uma secretária, você é bem mais que isso. Você já
conhece o meu jeito, minhas necessidades... Por favor, Verônica. Não me
deixe! _ implora ajoelhando-se na frente dela.
_ Levanta! _ Sua palavra não tem tanta expressão assim de ordem, no
fundo ela gostara de vê-lo se humilhando em sua presença.
_ Só vou levantar quando disser que vai continuar aqui _ chantageia,
ainda no chão.
_ Então pode preparar seus joelhos para ficar aí para sempre _
debocha, agora estando mais tranquila, já que sua capacidade para fazer
piadas apenas aflora quando não está nervosa.
Ficam por longos segundos ali apenas se observando com olhos
quietos, desejosos e preocupados. Tinha um emprego ótimo, um salário
digno e um patrão maravilhoso, será que ele não poderia ser um pouquinho
menos lindo e gostoso? O desespero de saber que teria que começar tudo de
novo até lhe fazia pensar duas vezes antes de recusar a proposta.
_ Eu não posso... _ Sua fala era tão vulnerável e sem nenhum resquício
de decisão.
_ Verônica _ ouvir seu nome nos lábios daquele ser era algo
profundamente tentador. Ele é namorado da sua melhor amiga! _ Eu sei que
vocês duas não têm uma condição financeira muito favorável.
_ Não estou passando necessidades! _ sente-se ofendida com o que o
homem disse, mas era a mais profunda verdade. _ Tudo bem que não tenho
dinheiro sobrando, mas nada me falta. Recebo bem neste emprego, mas não
posso continuar aqui. Se quiser me ajudar pode me transferir de setor, então
_ Ele se levanta.
_ Quer ser recepcionista? _ oferece _ Com um pouquinho de jogo de
cintura, convenço Adriana a substituí-la e levo você para o posto dela.
Adriana me ajudar? Sua vontade foi dar uma gargalhada histérica.
Óbvio que ela não vai aceitar, mas não custa tentar.
_ Tudo bem, pode ser. Mas duvido muito que queria fazer qualquer
coisa para me ajudar.
_ Ela vai ajudar sim _ declara com uma convicção louvável, parecia
até que alguma cumplicidade ou segredos do passado permeava a relação
dos dois. _ Me faça um favor, telefone para a recepção e peça-a para vir
aqui com urgência.
_ Acabamos de ter uma briga terrível, não gostaria de ser eu a fazer
esta ligação. _ Agora que tinha Victor Hugo nas mãos, sente-se no direito de
fazer exigência. Qualquer passo em falso ela poderia denunciá-lo para a
amiga.
_ Ok _ retorna para sua mesa, telefona para a recepcionista e trocam
algumas palavras estritamente objetivas. Finaliza a ligação _ Que bom que
tenha ficado. Gosto de você.
Gosta como? E gosta quanto?
_ Você é um bom patrão. Obrigada por ter insistido. E pode contar
comigo para conquistar Aurora. Quero que vocês sejam muito felizes _ O
discurso da futura recepcionista muda completamente, sua voz agora é doce
e afável.
_ Obrigado! _ e sorri, daquele jeito delicioso.
_ Agora posso me retirar? _ indaga ela, aliviada por não ter perdido o
emprego, pelo menos não por enquanto. Na recepção, terá um mínimo
contato com ele e não correrá riscos.
_ Pode só me ajudar a afrouxar essa gravata? Acho que apertei demais.
_ Ele pede e ela desconfia dos reais interesses contidos ali.
_ Tudo bem _ aceita, aproximando-se do pescoço dele.
Agora, estavam próximos demais. O perfume do CEO era hipnotizante.
Estar perto demais dele era muito perigoso. Extremamente perigoso. Ele
segura nas mãos da jovem, indicando onde a gravata mais o aperta, mas a
boca dele parece não querer só dar aquelas instruções. Os lábios dele
clamam pela da garota cheia de marra que tinha acabado de tirar as novas
regras do jogo.
Entretanto, se cometeram um pecado, que o tenham consumado. É
melhor pecar por excesso, do que por falta. Se seria incriminada por ter
dado um beijo no patrão e ainda ter chupado o pau dele num momento de
rompante que ainda não processara direito o que tinha lhe dado na cabeça,
que fizesse o serviço completo.
O olhar dos dois parece ligado e nenhum deles consegue desviar o
foco. Victor Hugo pega as mãos dela que estavam em sua gravata e leva até o
volume que cresce exponencialmente dentro de sua calça e ela então se
entrega. Nos segundos seguintes, ele voa sobre a boca dela que se rende ao
beijo avassalador. Precisava dele, precisava ser comida por ele das mil e
uma maneiras possíveis. Queria sentir aquele pau latejando dentro dela e era
isso que faria.
Victor Hugo abre o zíper e Verônica já está molhada o suficiente para
ser penetrada, mas ele não queria isso logo, queria outra chupada daquelas,
igual ela tinha feito aquele dia que havia o levado às alturas. Quando o
assunto era boquete, Divônica merece uma coroa. E caiu de boca passando a
língua pela cabecinha e depois o engolindo por completo. O pau dele era
macio, a sensação de tê-lo entre os lábios era extasiante demais. Não queria
parar de fazer aquilo nunca, embora fosse o mesmo pau que penetrava a
buceta da amiga. Espantou o pensamento que veio de relance e continuou.
Quando já estava calibrado o suficiente, ele puxou um preservativo do
bolso e a penetrou com furor. Não queria saber de ser bonzinho, era um
safado sedutor e iria foder a boceta dela como tal. Iria rasgar aquela
bocetinha molhadinha que estava piscando pedindo piroca. E então, a comeu,
recostada sobre a mesa, com os papéis empurrados para o lado e ele ali
atrás dela, metendo com força, e segurando a boca da marrenta para que ela
não gemesse muito alto e corresse o risco de alguém ouvi-los.
Depois, acelerou a metida até gozar, e urrou de prazer, tentando
controlar seus gemidos, quando gozou. Ela também ficou plenamente
saciada, mas quando reabilitaram-se ajeitando as roupas, a consciência
pesou novamente e Verônica só quis correr dali. Era uma cretina,
igualzinha a ele!
☐☐☐
Por incrível que pareça, não me pergunte como, Adriana acaba se
convencendo em ser a nova secretária de Victor Hugo. Com uma oferta de
um reajuste salarial, flexibilidade de horário e alguma treta do passado fica
combinado o novo posto da cara de fuinha. É bem possível que algo que
aconteceu em tempos anteriores tenha transformado a relação dos dois, pois
a mulher sempre acata as ordens dele e parecem se dar bem. Como alguém
pode se dar bem com uma criatura irritante como essa?
Terça-feira parece ser o dia mais feliz da vida de Verônica, não sabia
estritamente o porquê, mas acordara animada e pela primeira vez em anos
não reclamara para levantar da cama. Um balanço geral dos últimos
acontecimentos revelava-a como uma funcionária exemplar que tinha o
apreço do CEO e do novo chefe, Jorge, uma ótima amiga que abdicara de um
cargo em prol da amizade e uma excelente vizinha que cultivava políticas de
boas vizinhanças com Igor. Seu último final de semana tinha sido uma visita
ao paraíso que não fazia há séculos, superada a verdade de saber que o ex-
chefe (porém chefe do chefe dela) namorava Aurora.
Logo pela manhã, manda mensagem para sua nova colega de trajeto
para o trabalho e as duas se encontram no terminal das barcas e atravessam a
Baía de Guanabara conversando como se fossem amigas de infância. Samira
tinha um ar descontraído e engraçado que transformava um simples encontro
num triunfo de risadas, no dia anterior à noite as duas também tinham
retornado juntas para a casa na maior animação. Ainda mais agora que
Verônica estava indo mais cedo para o trabalho calhava das duas saírem no
mesmo horário.
_ É meu sonho! Eu moro com meus pais e meu irmão _ conta Samira,
depois de Verônica ter contado que mora com melhor amiga.
_ E as coisas do coração? Há quantas andam?
_ Ah, minha filha! Nem me fale. Eu terminei meu namoro de um ano e
quatro meses na semana passada. Namorar é pra beijar na boca, ser feliz, se
for pra brigar fico em casa com meu irmão.
Samira arranca gargalhadas histéricas de Verônica, um sorriso tímido
de um rapaz sentado ao lado e depois as duas ficam vermelhas, já que tinham
chamado muita atenção.
_ Concordo plenamente, Sasá _ Conheço a pessoa num dia e no outro
já estou chamando de Sasá. Sou dessas! _ Eu estou dando uns pegas no meu
vizinho, mas é uma relação estritamente casual, nada sério nem que tenha
futuro.
_ Melhor coisa que você faz da sua vida. Não se apega, não! _
aconselha.
_ Eu não posso me apaixonar mais, a última paixão que estava
começando a despertar em mim era uma das piores do mundo. Sabe aquele
lance de amores impossíveis?
_ Ah, nenhum amor é impossível. Quem quer, arruma um jeito. Quem
não quer, arruma uma desculpa.
_ Mas no meu caso não tem jeito. Ele era meu patrão até ontem e ainda
é o namorado da minha melhor amiga, aquela que eu te falei que mora
comigo.
_ Caralho! Que roubada hein!? Mas ele era seu patrão até ontem? Te
demitiu?
_ Não! Eu pedi demissão, mas ele recusou. Rolou uma cena lá pra me
convencer a ficar e tal. Conclusão da história: mudei de setor. Agora eu
trabalho na recepção da empresa.
_ Menos mal, pior seria ficar sem emprego, com essa crise...
_ Verdade.
Começam a se ajeitar para desembarcar e lutam para não se
massacradas. Por sorte, Samira era um pouco gordinha e ia na frente abrindo
caminho em meio ao bando revoltado. Ter uma guarda-costas tinha sido um
bom investimento.
Dessa vez, o trajeto até o trabalho foi bem mais tranquilo, nada de
sujeitos suspeitos, e as duas se despediram desejando um bom trabalho e
dependendo do horário de saída, possivelmente retornariam juntas. Mal
sabia Verônica que o dia lhe reservava surpresas um tanto quanto
desagradáveis.
Ajeita-se na bancada de recepcionista bem ao lado de Jorge, o chefe do
seu setor e consequentemente, seu chefe, e seu trabalho foi bem light durante
toda a manhã, era mil vezes melhor ser recepcionista do que secretária, não
conseguia entender como Adriana tinha suportado a troca. E agora que os
papéis se invertiam, a cara de fuinha que se sentia na obrigação de
cumprimentá-la, mas nem assim o fez. Subiu o elevador de cara emburrada
como fazia sempre.
A manhã corre tranquila, o que a espantou foi quando saiu para o
horário do almoço e viu 58 ligações perdidas de Aurora. Quando uma
pessoa insiste ligando 58 vezes é que alguma coisa muuuuuito grave
aconteceu. Na caixa de mensagens só tinha um recado: “Me ligue, é
URGENTE! Estou desesperada. Preciso de você!”. Liga de volta para a
amiga.
☐☐☐
_ Vim o mais rápido que pude! _ Verônica se joga nos braços de Aurora
dando-lhe um abraço apertado _ Por favor, para de chorar.
Aurora está aos prantos e nem sempre as melhores amigas sabem o que
dizer quando se deparam com uma situação como essa. A única coisa que
consegue formular foi o que acabou saindo de sua boca, sem nem ter certeza
se aquilo de fato era uma verdade.
_ Vai ficar tudo bem.
A probabilidade de ficar tudo bem não era lá das melhores, mas suas
expectativas de que aquilo não atingisse outro grau mais alarmante era a
única opção que tinham.
_ Será mesmo, Verônica!? Se não der certo...
_ Vai dar certo, Aurora! _ afirma. _ Só tem de ter certeza que é esta
mesma sua escolha? Uma vez feita não tem como voltar atrás nem se
arrepender. Vou estar sempre do seu lado pro que der e vier. Mas como isso
foi acontecer?
_ Essa não é a hora para querer me repreender ou me dar puxões de
orelha. Aconteceu pelo meio tradicional. Espero que você saiba, ou vai
querer que eu te explique?
_ Dispenso. _ Dá um sorrisinho irônico mesmo em meio ao terror do
momento. Ainda se sentiu culpada pelo que tinha feito com o namorado dela,
mas não poderia se martirizar para sempre. Supera rapidamente a culpa. _
Tem certeza que quer fazer isso? _ repete sua pergunta.
_ Eu tenho direito de escolher o que quero fazer com o meu corpo, e
sim, quero fazer isso. _ Sua voz não parecia tão certa da escolha.
Uma estende o braço para a outra que se agarra fortemente a ele, e saem
caminhando pelas ruas com o olhar desnorteado e um peso terrível incidindo
em seus ombros, algumas decisões podem muito bem ser as piores escolhas
que teremos que fazer em todas as nossas vidas. O braço de Aurora estava
tão trêmulo que era preciso que a mão da amiga incidisse sobre ele com
força para segurá-lo, os pés da mulher tremiam como os galhos finos no topo
de uma árvore em dias de tempestade. Ainda bem que tinha descoberto
aquilo tudo a tempo de reverter a situação.
Caminharam mais alguns passos até chegar a um beco fedorento e com
as paredes pichadas, o corredor fedia a mijo de gato e a aparência do lugar
não era nada convidativo.
_ Tem certeza que é aí? _ pergunta.
_ Certeza eu não tenho porque nunca fiz isso na minha vida, mas pelo
que Dora me informou foi aqui que uma colega do trabalho dela fez.
_ Eu não teria coragem. _ Depois de ter dito que Verônica foi perceber
o peso das suas palavras. _ Quer dizer... É... O local não é muito
convidativo.
_ Claro, tem que ser algo bem disfarçado _ salienta.
_ Tá, mas não precisava disfarçar tanto assim. _ Seu tom foi um pouco
sonoro demais para a ocasião.
_ Vamos entrar logo antes que eu saia correndo daqui!
As duas entraram, talvez o desejo delas fosse o mesmo: não entrar. Uma
parte de Verônica ordenava que ela continuasse ali dando apoio à amiga
neste momento difícil e fizesse exatamente o que estivesse ao seu alcance,
enquanto outra parte, não sabe se era sua razão ou sua emoção que
comandava assim, mas a outra parte queria desesperadoramente que as duas
saíssem correndo. Mas correr pra onde? Não adianta fechar os olhos para
situações como essas, uma hora a verdade vem à tona.
As lágrimas escorriam espontaneamente dos olhos marejados de
Aurora, era tão palpável sua desilusão e desespero que a única atitude que
Verônica poderia tomar era abraçá-la ainda mais apertado, segurando firme
em seus braços. A cada passo que davam naquele labirinto infernal era como
se fossem atingidas por várias flechas. Cada passo uma flecha afligia ainda
mais o coração da pobre jovem.
_ Victor Hugo nunca vai poder saber disso _ salienta a namorada dele.
_ Não prefere conversar com ele antes?
_ Não, o corpo é meu e eu quem decido. Ele e o resto dessa sociedade
hipócrita vão querer me culpar pelas minhas escolhas, acontece que o corpo
é meu e mereço ter todos os direitos de escolha sobre ele.
_ Você tem toda razão _ assente Verônica mexendo a cabeça.
_ O aborto já deveria ter sido legalizado há muito tempo, esse pessoal
vem querer tratar um embrião na minha barriga como um bebê. Depois essa
criança cresce sem nenhuma infraestrutura, porque não tenho condições para
criar, já não oferecem nem um mínimo de educação ou saúde, depois vira
bandido e vem falar que bandido bom é bandido morto! Quanta hipocrisia! _
lamenta.
Cessam-se os assuntos quando as duas chegam ao final do corredor,
entram por uma pequena porta de madeira carcomida. Parecia um lugar
abandonado. Já não bastava o ar do ambiente ser pesado por conta do clima
que demandava a situação, ainda estava cheio de poeira e sujeiras no
pequeno sofá furado da sala de recepção.
Quero ir embora desse lugar! Esse foi o primeiro pensamento logo
quando se aproximaram do balcão. Ela nunca tinha ido à uma clínica de
aborto, até mesmo porque nunca tinha ficado grávida e pensava não ser
muito a favor do aborto, mas ainda não tinha uma opinião plenamente
fundamentada acerca do assunto. Ia simplesmente pelo pensamento social e
religioso, talvez respeitando o direito de todos à vida. Mas entregar um bebê
indefeso a um mundo tão cruel quanto esse era algo digno de se pensar duas
vezes.
Uma mulher baixinha, meio idosa, com rosto saliente e malvado, e um
bigode proeminente atende-as logo na chegada, dispensando sua cortesia e
sendo o mais rígida possível na objetividade dos assuntos. Verônica fecha os
olhos e a única coisa que faz é chorar ao lado de Aurora. Afinal, não é pra
isso que servem as amigas?
X
Victor Hugo
Finalmente chegara o dia que Cecília iria passar uma semana inteira no
SPA, acabou se adiando um pouco, mas chegou. Se a felicidade fosse capaz
de tomar forma de gente seria personificada no corpo de Victor Hugo. O
CEO precisava se conter ao máximo possível para não transparecer o quanto
animado estava em ficar sete dias ao lado de sua amante. Ultimamente ela
tinha estado um pouco estranha, mas era bem provável que fosse falta de
atenção. Não é fácil conciliar tudo para agradar as mulheres, se alguém fosse
escrever um manual de como entendê-las era bem possível que gastasse
todos os papéis já fabricados no mundo e nem assim chegasse a uma solução
prática.
Entendê-las nunca foi uma tarefa fácil, nem nunca será. Mas com o
tempo e sua experiência havia aprendido que de uma coisa elas gostavam:
carinho. Carro carinho, passeio carinho, jantar carinho. Tudo do mais caro
sempre cativava um sorriso no rosto delas. Assim foi depois de ele ter pago
uma estadia daquelas bem expressivas num hotel fazenda maravilhoso para
ele e Aurora; e ainda pagou a semana da esposa no SPA.
A situação com sua secretária estava parcialmente resolvida, trocar ela
de posto fora suficiente para que continuasse perto dele. O homem não
conseguia se controlar e sabia que alguma parte do seu corpo sentia um
despertar diferente por aquela mulher espetacular. Seu pau? Talvez. Mas
afastar Verônica de seus pensamentos e sua convivência não lhe faria bem.
_ Bom dia, senhor Victor Hugo _ cumprimenta o jardineiro logo assim
que passa pelo patrão de sunga, relaxado numa cadeira ao lado da piscina e
mexendo no celular. Aurora só ficaria livre depois do horário do almoço e
Cecília ainda estava arrumando as malas.
Fazia uma semana que a esposa estava arrumando as malas e ainda
assim não acabara de separar tudo que precisaria. Cada dia se lembrava de
uma nova bugiganga pra carregar. O jardineiro estava bem maltrapilho
usando um macacão jeans do século passado e uma camiseta vermelha por
baixo. Suas mãos estavam sujas de terra e seus olhos desejavam um
mergulho naquela piscina. Victor Hugo tinha superado o fato de ele ter
bebido além da conta na festa e ter contato que as duas gostosas eram
melhores amigas. Acontece.
_ Bom dia! Quer tomar banho de piscina? _ convida.
_ Eu, senhor!? _ Emanuel fica assustado com o convite, porém surpreso
e agradecido. _ Desculpe senhor, mas tenho muitos afazeres para dar conta
no momento.
_ Chega aqui _ pede-o para se aproximar e depois disso fala em tom
mais baixo _ Se quiser pode entrar na piscina amanhã. Você e Carina, estou
convidando. Eu irei passar uma semana fora, mas Cecília não deve saber
nada a respeito disso. Está entendido? _ olha-o nos olhos com ar de
autoridade.
_ Entendido. Obrigado! O senhor é um ótimo patrão.
_ E espero que você corresponda à altura sendo um ótimo funcionário
também. Gosto de agradar meus empregados e espero ter a confiança de
todos eles.
_ Pode contar comigo sempre, serei eternamente grato a tudo que tem
feito.
Victor Hugo podia ter todos os defeitos, mas era uma pessoa de muito
bom coração disposta a ajudar os outros e cativar quem estivesse ao seu
redor como amigos. O homem tem uma aura que encanta qualquer um e não
era estritamente interesseiro, tomava atitudes de compaixão e dignas de
louvor por simplicidade e amor ao próximo. De que lhe valeria tanto
dinheiro se não pudesse usufruir da melhor maneira possível, ajudando que
precisa e gastando à medida do necessário?
Depois de fazer uma mesura, Emanuel retira-se pela lateral da piscina
em direção aos canteiros de rosa que estão muito bem cuidadas e tratadas,
num vermelho vivo e radiante. O jardineiro também parece bem animado,
possivelmente com a possibilidade de usufruir da piscina junto com a
empregada, de uma coisa Victor tinha certeza: está rolando um clima!
Sua manhã foi das mais agradáveis possíveis, só de conseguir uma
semana de folga de seu trabalho infernal já era mais que motivo para
comemorar. Aturar Dr. Campos é quase uma penitência, não sei qual
infâmia terrível cometi para ter que passar por isso. Continuou ali tomando
sol e uma caipirinha deliciosa, o álcool lhe relaxava. Odeio bebidas
alcoólicas, bebo para por fim em todas elas.
Na hora do almoço, Cecília já tinha descido para a mesa a fim de fazer
a última refeição antes de partir. Victor Hugo vestiu um roupão azul com seu
nome gravado em letras bem desenhadas e foi sentar-se junto à esposa.
_ Está sorrindo porque vai se livrar de mim? _ provoca.
_ Mas você é mal-agradecida mesmo. Estou feliz por você, finalmente
minha esposinha querida vai poder tirar uma folga de mim e relaxar.
_ Estou brincando com você, Vic! _ fala se aproximando dele e
apertando bem de leve sua bochecha. _ Obrigada! Não vá aprontar na minha
ausência hein, Carina será meus olhos nesta casa _ avisa enquanto a
empregada trás as travessas para a mesa.
O almoço é servido em poucos minutos: tem arroz a piemontese,
picanha assada com aquele caldinho provocante escorrendo, farofa amarela,
salada de macarrão com salsa, cebolinha e cubinhos de presunto. Tem
também um molho de azeitona preta que o homem adora. Pra beber: suco
natural de manga, Cecília tem pavor de refrigerante e sucos de caixinha, tem
mais produto químico do que em um laboratório.
☐☐☐
À tarde tudo muda, depois que sua esposa burguesinha saiu com seu
carro que o pai havia lhe dado de presente, o homem nem espera mais que
vinte minutos para pegar o outro veículo e partir com pressa rumo à casa de
sua namorada. Havia marcado de buscá-la em sua casa às três horas e dali
iriam direto para a surpresa.
Levou pouco tempo para chegar até a residência da garota, já havia lhe
mandado mensagem pelo celular avisando que estava chegando. Ela desceu
com as bagagens e a amiga veio a tiracolo. Ah, Verônica... O olhar da sua
antiga secretária era provocante e sensual de uma maneira que nunca tinha
encontrado em outra mulher, parecia se lembrar do nosso último encontro.
Mas Aurora que era sua namorada e ela também estava bem à altura de
realizar suas vontades. Paixão é uma coisa muito supérflua para um cara
como ele, mas não podia rejeitar as belezas que a vida lhe ofertava.
_ Olá, meninas _ disse logo assim que saiu do carro e foi cumprimentar
as duas.
Verônica continuava inerte realmente parecendo só tê-lo visto uma
única vez, era tímida e reservada em seus cumprimentos e conversas, uma
verdadeira atriz em mostrar que não o conhecia há tempos. Qualquer um que
olhasse para os dois, sequer seria capaz de imaginar que algum dia eles
tinham se beijado e transado. Que beijo gostoso... Os lábios de Victor até
ficavam úmidos em recordar aquela ocasião.
_ Oi, Victor Hugo _ fala Verônica, ausente de qualquer emoção na voz.
_ Oi, amor! _ Aurora era tão escandalosa que foi logo se jogando sobre
a boca do homem nem lhe dando tempo pra pensar ou respirar, roubou-lhe o
fôlego num só instante quase o deixando sem ar _ Estava com saudades!
_ Eu também, querida _ sorri para ela.
Recolhe as bagagens da mulher, que por sinal é uma quantidade bem
considerável, e coloca no porta-malas. O que essas mulheres tanto
carregam? O passeio que iria durar apenas uma semana tinha malas
suficientes para quem iria passar um mês fora. Se tinha um detalhe marcante
na namorada era o exagero. Recolheram tudo e se despediram da outra.
_ Promete que vai ficar bem, amiga? _ indaga a namorada.
_ Óbvio que vou Aurora, sei muito bem me cuidar. Além do mais, tenho
ótimos vizinhos que podem me ajudar.
_ Olha a sem-vergonhice no meu apartamento, hein.
_ Seu apartamento, querida!? _ debocha _ Não sabia que era você
quem pagava todas as contas.
_ Brincadeirinha! _ sorri e as duas dão uma abraço apertado de irmãs.
_ Boa sorte, que dê tudo certo _ recomenda.
_ Vai dar, Verônica. Vai dar! _ trocam um olhar estranho e misterioso,
parecendo que alguma coisa tinha acontecido.
Depois de um certo sentimentalismo na despedida, entram no carro e
partem rumo a mais uma surpresa. O hotel-fazenda era numa cidade mais
interiorana, porém não ficava a uma distância muito longa dali, cerca de uma
hora e meia estariam no local destinado. E a companhia no veículo tinha um
ar agradável e jovial, uma conversa tranquila e um amor na voz capaz de
conquistá-lo.
_ Tenho certeza que você vai adorar o destino da nossa viagem _ vira
pra ela com um sorriso estampado no rosto e comenta logo assim que dá a
partida.
_ Com você eu iria até ao inferno, meu amor. O que me importa é ter
você ao meu lado. Será a melhor semana da minha vida!
Para Aurora até que possa ser, mas provavelmente a surpresa que
aguarda o namorado não será das melhores, não é todo dia que a gente
acorda preparado para ouvir uma desastrosa notícia.
Seguiram viagem curtindo a brisa campestre cada vez mais que iam
afundando para o interior do Estado. Era possível ver um sorriso estampado
no rosto da garota ao admirar o imenso verde das pastagens e a suavidade
que parecia ser a vida no campo. Victor Hugo não sabia dizer ao certo se
morar num daqueles locais afastados seria bom, sempre tinha convivido com
o ritmo conturbado da vida nas metrópoles e havia adquirido aquela
progressão na sua existência, não saberia se seria capaz de se desacelerar e
viver afastado.
O campo pode reservar muitas belezas e ter também sua tranquilidade,
uma brisa fresca e uma paisagem paradisíaca. Chegaram até a passar na
frente de um sítio imenso, com lago, barquinhos e peixes na borda, a água
era tão clara que era possível perceber os bichinhos nadando no interior
dela. A entrada era linda com uma placa de madeira no estilo rústico e
várias árvores, a maioria eram pés de jambo, cuja copa estava a uma altura
considerável do chão e que criavam um caminho até a casa da fazenda.
_ Você gosta de sítios? _ pergunta o homem para Aurora que parece
bem entretida admirando a paisagem e cantando bem baixinho junto com o
rádio a música que tocava no rádio.
_ Oi!? _ voltou sua atenção para ele que teve de repetir a pergunta.
_ Você gosta de sítios?
_ Adoro! Mas só pra passear. Eu já morei um tempo numa cidade do
interior, mas era uma chácara um pouco afastada da rua, morava com meus
pais, mas depois que eles faleceram acabei me juntando a minha melhor
amiga e investimos no fluxo intenso da cidade. Nós éramos muito urbanas
para ficar restritas a uma cidadezinha como aquela que não tinha nada para
oferecer a mulheres tão desenvolvidas como nós.
_ É, cidades do interior é muito diferente das grandes metrópoles. Lá
falta muito emprego também.
_ Cidade pequena é tudo pequeno, menos a língua do povo.
Victor Hugo ri.
_ Verdade! Acontece que lá eles não têm muito o que fazer, acaba que a
maior diversão é comentar sobre a vida alheia.
_ A única coisa que eu gostava de lá eram os rapazes. Tinha cada
garoto bonitinho da minha cidade... A beleza está no interior _ provoca
recebendo um olhar sério de volta. _ Tô brincando com você!
_ Não gosto de brincadeiras a essa hora do dia _ incorpora o cara sério
que ele nunca foi e os dois voltam a rir.
O pé descontrolado de Victor apertava o acelerador ao limite, fazendo
os outros veículos comerem poeira e ultrapassando a maioria da velocidade
permitida, Aurora tinha até que firmar o corpo e segurar para não voar para
os lados. Mas era bom que adquirisse um ritmo mais acelerado para que
chegassem ao local antes do por do sol e dar pra aproveitar pelo menos um
pouco do dia. Viagem é sempre assim, o primeiro dia é quase dado como
perdido.
Quando atravessaram outra cidade, Victor Hugo ficou impressionado
com os animais que encontrava no meio do caminho e que não via há muito
tempo. Uma vara de porcos corria descontrolada para um lamaçal, guiados
por um senhor de cabelos esbranquiçados e estatura baixa. Na outra ponta da
estrada, num caminho paralelo, mas que não comportava carros, seguiam três
vacas amarelas e bem gordas.
O homem fica maravilhado em ver animais daquele porte, bichos como
aqueles só costumava ver na infância, quando ia visitar um tio dono de uma
fazenda no interior. Como sempre gostou de cálculos e negócios, quando ia
lá anotava os nomes de todas as vacas, registrando quanto cada uma delas
tinha rendido em litros de leite e anotava também quando bezerros tinham. O
empregado da fazenda ficava louco, pois o menino acordava cinco horas da
manhã para acompanhá-lo na jornada do dia, às vezes acordava antes mesmo
do vaqueiro e ia bater na porta de seu puxadinho.
_ Estamos quase chegando _ informa, nem sabendo ao certo se aquela
informação era mesmo verdade, mas segundo o GPS, faltavam apenas passar
por três cidades e chegariam ao destino.
_ Estou curiosa _ avisa com um olhar matreiro no rosto e ganha um
sorriso como resposta.
Quando o condutor do veículo retorna os olhos para a estrada fica
espantado depois de cruzar com um carro vermelho antigo que lhe pisca os
faróis, recomendando-lhe atenção, pois alguma coisa aconteceu.
_ O que será que houve? _ indaga Aurora _ Morro de medo de
acidentes de carro, depois do que uma cartomante me falou fiquei até um
pouco espantada.
_ Você já foi à cartomante? _ Victor estava rindo.
_ Já. Pare de rir e preste atenção na estrada. _ O condutor reduz para a
terceira marcha e percebe que todo o burburinho causado era por conta de
uma família de marrecos que atravessava o asfalto. _ Ah, que fofos! Vamos
levar um pra casa?
_ Se ele for ficar no seu apartamento... Ou a gente pode fazer pato no
tucupi, é uma receita bem famosa no Nordeste.
_ Ai, você é cruel.
_ Você ainda não viu nada. _ E deu-lhe seu olhar de conquistador
barato.
Depois de vinte e cinco minutos chegam ao destino. Só de passar pela
entrada do hotel-fazenda, Aurora já se sente uma criança de tão empolgada
com o clima e a natureza do lugar. Na entrada, tem um lago enorme em que
os visitantes têm a oportunidade de pescar, para o outro lado tem uma
floresta onde podem fazer trilhas, caminhadas e até acampar, segundo as
informações contidas numa pequena placa metálica logo na entrada quando
passaram pela porteira. Fora Victor que saiu do carro para abri-la e ainda
assim teve que voltar para abrir de novo, já que tinha escorado um pedaço
de pau muito desajeitado para contê-la.
Passando dali tinha um pomar imenso com pés de fruta de tudo quanto é
coisa que se possa imaginar, alguns deles carregados e poder saborear uma
fruta direto do pé é uma maravilha. Seu sabor até parece diferente, muito
melhor daquelas que se encontram no mercado e que estão repletas de
agrotóxicos e outras substâncias nocivas utilizadas para conservá-las.
Aurora fica impressionada.
Há fazenda tinha vários chalés, num estilo colonial, e uma piscina
imensa. Segundo as informações que o homem tinha consultado no site, ainda
gozava de uma cachoeira linda com uma tirolesa que despencava direto na
água. Além de sauna, cavalos num estábulo a disposição para cavalgar pela
fazenda, eventos organizados pela administração do hotel para divertir e
animar seus convidados, coisa que os faria se sentir um casal adolescente.
Tinha também um grande salão de festas onde cada dia da semana acontecia
um evento noturno diferente.
Quando desembarcaram do carro e foram até a recepção do hotel
acertar tudo, Aurora lia um panfleto dizendo que a estimativa de visita eram
cem pessoas por dia.
Victor Hugo vai falar com a recepcionista enquanto Aurora fica em pé
ao lado como um cão de caça, e depois que a atendente – como se Victor já
não tivesse um faro aguçado para recepcionistas – sorri para ele de uma
forma tão agradável. É aí que a namorada fica mais revoltada e agarra no
braço dele mostrando que aquela é sua propriedade.
Depois de retirar a chave na recepção e apresentar a devida
documentação, os dois se direcionam de carro para o chalé número 16. As
distâncias são bem consideráveis e o terreno é um pouco irregular de modo
que o carro chega derrapar numa estradinha repleta de pedregulhos e é a
única para chegar ao chalé reservado.
_ Simpático o pessoal daqui.
_ Odiei aquela mulher da recepção.
_ Por quê? Ela me pareceu tão prestativa.
_ Claro, ela estava dando em cima de você.
_ De mim!? _ finge-se de desentendido.
_ De mim que não seria.
_ Sei lá ué _ ri _ Ela me pareceu lésbica.
_ É a primeira lésbica que vejo se acender por namorados alheios.
_ Você tem algum preconceito com as lésbicas? _ Victor cutuca.
_ Não! Eu sou super mente aberta! _ defende-se. _ Mas que aquela lá
não era lésbica coisa nenhuma. Eu tenho certeza, vi nos olhos dela.
_ Tem como ver nos olhos de alguém a orientação sexual da pessoa? _
ele continua provocando e com uma vontade extrema de disparar a rir.
_ Ai, chega desse assunto! Ela não é lésbica e ponto final.
Ao chegar, deparam-se com uma beleza de arquitetura: a entrada é
padrão, mas a cor mostarda se destaca entre os demais. O interior da
habitação é ainda mais aconchegante, com uma rede na varanda do segundo
andar que deixa a garota enlouquecida. Ainda eram quatro e pouca da tarde,
resolveram correr para trocar de roupa e aproveitar as últimas horas antes
do por do sol para dar um passeio romântico e segundo a programação do
hotel, naquela noite teria música country no salão. Victor tinha certo apreço
por tal som.
_ Vou só dar uma ligadinha pra Verônica avisando que já chegamos,
senão ela fica preocupada _ Aurora recolhe o celular e sai andando pelo
chalé _ Vou aproveitar pra fazer um xixi.
_ Fazer um xixi _ repete seu namorado rindo da expressão. _ Eu falo
mijar.
_ É porque você não tem etiqueta _ salienta caminhando para o
banheiro.
_ Desde quando precisa ter etiqueta pra mijar!? _ Aurora ignora-o.
Sorte a dele que a garota se recolheu no outro cômodo, parecem até
linhas tortas da vida, pois Cecília liga para ele exatamente naquele instante.
Ufa! Se Aurora tivesse ao lado dele entraria numa cama de gato.
_ Alô _ atende com a voz meio abafada.
_ Oi, Vic. Estou só ligando para avisar que cheguei bem. Fique bem
sem mim. Amanhã mando mensagem pra você, já que vai estar trabalhando e
talvez não seja possível atender.
_ Ok. Bom descanso aí _ foi correndo com o assunto antes que a amante
retornasse do banheiro.
_ Obrigada, cheguei tem quinze minutos e já estou adorando. Acredita
que já estou até recebendo massagem nos pés!?
_ Acredito, mas deixa as novidades pra me contar depois, vai ser uma
surpresa ouvir tudo _ revira os olhos.
_ Sim, amor. Beijinhos! Vou desligar pra aproveitar minha massagem
aqui.
_ Tudo bem, querida. Tchau!
E desliga a ligação.
_ Quem é querida? _ Aurora aparece sabe-se lá Deus de onde e Victor
Hugo quase tem um infarto.
_ Caramba, que susto!
_ Pessoas que tomam susto assim é porque estão fazendo alguma coisa
de errado.
_ Era minha secretária, Adriana. Eu largo o trabalho mas o trabalho não
me larga. Já veio me perguntar sobre um plano de celular do ano passado se
o preço dele poderia se manter. Parece que eles não entendem o real
significado da palavra férias. E nem o da palavra inflação.
_ Hum... Talvez eu possa dar algumas aulinhas de português para eles.
Vamos dar uma voltinha no pomar? Depois que eu vi um pé de jabuticaba,
meu amor... Só saio de lá amanhã.
_ Você poderia me dar aulas de outra coisa _ provoca todo saliente,
mas depois retorna ao assunto anterior. _ Acontece que a noite os morcegos
vão lá colher frutas. Eles adoram jabuticabas.
_ Se você estiver tentando me colocar medo pode tentar novamente
porque eu sou quase a versão feminina do Batman. Não tenho medo de
morcegos! _ avisa.
Entregue aos sorrisos, Aurora se aproxima dele e lança-se em seu colo,
beijando-o de uma maneira tão tentadora e saliente que era capaz de sufocar
o homem daquela forma, mas Victor parecia aceitar de bom grado ser
sufocado pelos beijos de uma mulher completamente apaixonada. Para saber
beijar bem, é preciso que os dois corpos entre numa sintonia e interajam,
assim como faziam as mãos dele passeando pelo corpo dela enquanto as da
mulher afagavam os cabelos do namorado.
É tudo mais intenso quando se ama com os dedos que saem passeando
pela face, pelos braços e pela roupa desvendando cada centímetro onde
nasce o prazer, encontrando a paz de um beijo e sussurrando no ouvido dela
o quanto lhe deseja.
_ É melhor a gente ir logo que isso daqui não vai prestar... _ recomenda
Aurora fugindo dos beijos, por mais que sua vontade seja se entregar a eles.
_ Vamos ficar aqui mais um cadinho!
_ Mas o sol já vai embora, quando ele for a gente volta pro chalé e faz
o que você quiser.
_ O que eu quiser!? _ uma voz safada tomou conta das cordas vocais
dele.
_ Sim, o que você quiser _ repete sendo o mais sensual possível.
_ Agora sim vi vantagem.
Dando as mãos, saem do chalé em direção ao pomar, no portão de
entrada há um aviso das recomendações sobre o que fazer e como não
proceder no interior dele, salientando que nenhuma muda pode ser retirada
sem a expressa autorização da administração e demais coisas de natureza
obrigatória. É apenas uma espécie de manual de instruções daqueles que
ninguém lê.
Enquanto ela vai para o lado das jabuticabas, ele corre atrás do pé de
goiabas, mas não tem tanta sorte de ver o pé carregado, tem apenas algumas
mais no topo, praticamente impossível alcançá-las. Desistindo de pegá-las,
volta atrás de Aurora e se rende às bolebas pretas.
_ Amo jabuticaba! _ confessa ela.
_ Amo você!
_ Amo você e jabuticaba _ cativa o sorriso dele _ Mas não
necessariamente nesta ordem.
_ Está querendo dizer que ama mais as jabuticabas do que eu?
_ Não necessariamente.
Depois disso, ele a agarra por trás e morde sua orelha como expressão
do seu amor, é uma mordidinha bem de leve, mas mesmo assim não deixa de
arrancar suspiros, e acaba a imprensando entre o tronco da árvore e seu
corpo quente e intenso. Quando dão por si, a boca de um está colada
novamente na do outro despertando o amor e a paixão avassaladora que os
consome naquele instante. Os beijos eram provocantes e inspirados, Victor
não sabia dizer qual beijo preferia, mas provavelmente o de Aurora estava
entre os melhores, já que acontecia de uma forma doce, mas a agressividade
dos lábios de Verônica tinha também seu valor.
Esqueça essa mulher, Victor Hugo! Seu subconsciente sussurrava em
seu ouvido, não era possível beijar alguém e ficar desejando outra pessoa.
Ele precisava era se organizar para administrar todas essas mulheres, em
algum momento uma iria descobrir da outra, não se pode levar uma vida de
fachada para sempre, ainda mais com a melhor amiga de uma delas
trabalhando no mesmo prédio que o dele.
_ Acho melhor a gente voltar pro quarto... _ sugere o homem que já está
completamente consumido pelo desejo.
_ Concordo _ responde, com os lábios colados nos dele.
☐☐☐
São oito horas da noite, Victor Hugo já se considera arrumado, depois
de ter vestido uma bermuda branca e uma camiseta azul com o desenho de
uma lâmpada, gostava de se vestir de um jeito simples, porém estiloso e se
sentia bem estando daquela forma. Aurora ainda precisaria de pelo menos
mais meia hora pra terminar a maquiagem, escolher um dos sapatos já que
tinha trazido uma sapataria inteira dentro de uma mala e fazer mais milhões
de coisas que as mulheres garantem que é de extrema necessidade passar por
todos esses passos antes de sair de casa.
Já que estava pronto e a mulher ainda demoraria, deita-se na rede e fica
mexendo no celular, por mais que tenha uma aparência séria o homem é a
maior criança que quando não tem ninguém por perto fica jogando Campo
Minado pelo celular. Depois que tinha descoberto a versão adaptada não
parava mais de jogar, era um vício só.
Depois de perder trezentas mil partidas, enfim desiste e começa a
conversar pelo Whatsapp com seu filho já que fazia tempos que não
conversavam e a última vez que haviam se visto fora na apresentação da
escola, onde tinha arrancado choro e riso dos presentes e o próprio pai era
quem havia roubado a cena e a admiração dos demais. O pai que ficou com
todo mérito, mas Isaac não se importava de dividi-lo.
Não demorou muito para que Isaac mostrasse as garras, mesmo que por
trás de uma simples conversa de Whatsapp, provavelmente ele pensa que
sou algum sócio de um banco na Suíça, quem me dera pertencer ao
paraíso fiscal, ou então acha que sou Papai Noel. Queria mais dinheiro
para participar de um concurso mundial de bandas que teria e iria se
apresentar em Cancun, só que cada um dos integrantes teria que pagar sua
viagem, e óbvio que Isaac queria comprar o pacote mais caro da excursão.
Aceita ajudar o filho, mas logo desliga a internet para que o menino não
continue a aporrinhá-lo, aquela noite era só dele e de Aurora e faria o
máximo possível para que continuasse daquela forma. Todo mundo merece
um dia de paz, e um dia com Isaac é um dia de guerra.
_ Já está pronta, Aurora? _ ele grita da varanda, balançando-se deitado
na rede.
_ Só mais uns minutinhos. _ Os minutinhos dela eram os mais
demorados do planeta Terra.
Ele acaba soltando um palavrão e é repreendido pela amante que o
mandara controlar sua impaciência que já estava quase ficando à altura de
sair com ele.
Depois de quarenta minutos – o que foi tempo suficiente para Victor
Hugo cochilar na rede – ela finalmente está arrumada. Pelo visto toda a
espera tinha valido a pena, agora ela usava um vestido curto e colado no
corpo, de um azul espontâneo, brilhoso e repleto de babados. Nos pés, um
sapato de salto agulha cor preta e nos cabelos uma única trança linda que
caía-lhe na frente dos ombros, a maquiagem estava adequada, com uma
sombra azul escuro sobre os olhos, mas decididamente perfeita.
_ Vamos? _ chama-lhe e depois que esta mexe a cabeça, ele lhe estende
o braço como um legítimo cavalheiro.
_ Agora! _ concorda, aceitando seu braço.
Os dois saem andando do chalé como um legítimo casal apaixonado
parecendo estar em plena lua de mel. Andam uma certa distância até o salão,
preferindo abdicar do carro pois bem provavelmente irá beber e é possível
que não esteja em plenas condições para dirigir de volta e além do mais
aquela era uma noite para se divertir, não queria ter a responsabilidade de
beber pouco por conta de estar conduzindo um veículo, qualquer coisa os
funcionários do hotel os levaria num táxi gratuito que circula pela
propriedade.
Chegaram ao local da festa em quinze minutos de uma caminhada lenta,
o barzinho adaptado parecia bem agradável, com mesinhas espalhadas,
garçons passeando e servindo bebidas das mais variadas, música num
volume ambiente que tanto agitava os apaixonados quanto não impedia que
os presentes conversassem entre si. Odeio música alta, é horrível ter de
gritar para ser ouvido!
O susto de Victor Hugo é tamanho quando dá de cara com Iago e
Pâmela, um casal conhecido dele, o que estavam fazendo ali? É engraçado
que quando alguém quer fugir pode se esconder até no fim do mundo que é
capaz de encontrar alguém que lhe conheça. Iago é ex-marido de uma das
primas de Cecília, daquela raça Gouveia Vasconcellos que nunca fora muito
fã de nenhum dos homens que aderiam à ela, sempre julgavam ser cretinos
interesseiros, e não podia negar, pois Iago nunca foi muito flor que se cheire.
Mas poderia botar tudo a perder naquele encontro, seu coração acelera logo
assim que os dois se aproximaram.
_ Victor Hugo! _ cumprimenta Iago na maior empolgação e Aurora olha
pra ele com uma cara de “quem é esse cara!?”
_ Iago! _ os dois se abraçam como se fossem daqueles parceiros que
jogavam futebol juntos nos tempos áureos. _ Quanto tempo, cara! Deixe-me
apresentar minha namorada _ e pelo olhar parecia disser: “Não faça
nenhum comentário sobre Cecília! Não faça nenhum comentário sobre
Cecília!...”.
Apresentando Aurora como se fosse o troféu de algum torneiro, os dois
se cumprimentam com um aperto de mão e dois beijinhos, depois é a vez
dele de apresentar a acompanhante.
_ Esta aqui é Pâmela, a minha noiva.
Pâmela parecia não ter mais de uns trinta anos, tinha um rosto meio
esticado, plastificado e os peitos eram explicitamente silicone. Usava um
vestido tão curto que era possível ver o colo do útero da mulher.
_ Prazer _ Aurora a cumprimenta, os quatro acabam sentando numa
mesinha do bar como se fossem velhos amigos. Se esse cara me ferrar eu
ferro ele de volta! Se me atacar eu vou atacar!
_ Então, como veio parar aqui? _ estava curioso em descobrir como seu
esconderijo tinha sido descoberto.
_ Ah, eu e meu amor _ dá um sorriso para a Pâmela _ resolvemos
passar uns dias num hotel-fazenda pra poder dar uma relaxada, fugir do fluxo
intenso da cidade, ai vimos que este era um dos melhores da região e
fizemos uma reserva. Por sorte calhou de ser na mesma data da sua.
_ De onde vocês se conhecem? Desculpe perguntar _ Aurora se
intromete no assunto enquanto Pâmela continua observando tudo como mera
expectadora.
_ Que isso, pergunte à vontade. Eu e Victor Hugo nos conhecemos há
muito tempo desde a época dos...
_ A época dos dinossauros! _ corta o executivo com medo de Iago falar
demais da conta _ Somos amigos desde a pré-história, não é verdade!?
Dá um tapinha nas costas do amigo, mas dizer que foi um tapinha era um
terrível eufemismo por aquela mão carregava o peso de uma mentira e Iago
rapidamente entende o recado de que boca fechada não entra mosquito. Os
dois eram ótimos para arranjar amantes, o ex-quase-cunhado já tinha sido
deflagrado uma vez na cama com outra e deve muito bem se compadecer
daqueles que passam pela mesma situação, pelo menos é o que eu espero.
_ Eu e Iago nos conhecemos quando ainda estava casado com minha
primeira esposa, mas depois vieram os contratempos da vida e cada um
seguiu para um rumo diferente.
_ Deixa ele falar, Victor. Você é muito ditador! _ repreende a namorada.
_ É que esse cara sempre foi mil vezes melhor com as palavras do que
eu. _ Iago defende o discurso do colega.
_ Mas e aí, Pâmela!? Vi que recebeu uma aliança muito bonita de
presente. O casamento é pra quando? _ muda de assunto sabiamente, mas
Aurora não parecia ter engolido muito bem a história.
_ Ah menino, esse seu amigo é um enrolado. _ A voz da siliconada
tinha um tom profundo e meio de piriguete, carregado de sotaque puxando no
S _ Espero que seja logo, tínhamos marcado uma data anterior só que uma
das daminhas morreu dias antes.
_ Ai que horror! _ Aurora se compadece do sofrimento que havia na
voz de Pâmela e isto fez Victor se acalmar um pouco, mas ainda trocava
sérios olhares com Iago.
_ Foi terrível, menina _ encosta uma mão no ombro de Aurora como se
tivesse intimidade suficiente para isso _ Morreu de meningite. Ainda
estamos em choque, aí tivemos que desmarcar. E o padre é muito
compromissado só tem vaga pro ano que vem.
_ Troquem de padre _ sugere o executivo.
_ Nem pensar, me confessei a vida toda com ele, quero que faça meu
casamento. Além do mais ele tem uma batina vermelha que vai combinar
perfeitamente com a decoração que eu quero. Tudo em vermelho, cor da
paixão, né meu amor!? _ de mera espectadora, Pâmela tinha tomado o posto
de ditadora dos assuntos, desde que ela não tocasse nos assuntos particulares
da vida dele estava tudo ótimo.
_ Quando alguém acompanha nossa trajetória é difícil abrir mão né!? _
Aurora estava bem comunicativa e se inteirando bem com a outra _ Eu nem
sei se quero casar. Minha ambição é ser feliz!
_ Vamos pegar umas bebidas? _ sugere Pâmela, e Victor Hugo concorda
veemente _ Querem tomar o que, rapazes? _ Vergonha na cara! Tem essa
opção? A voz de Pâmela era irritante, era voz de gente que está mentindo ou
sendo falsa.
_ Uísque _ tem fascinação por uísque.
_ Vodka, você sabe do jeito que eu gosto.
_ Pode deixar! Vamos comigo? _ as duas mulheres saem lado a lado em
direção ao bar conversando como se já se conhecessem faz tempo.
Permanecem na mesa os dois que agora respiram aliviados e tem a
oportunidade de conversar abertamente por poucos minutos.
_ O que foi isso, Vitão!?
_ Não conte nada pra ninguém, eu ainda estou casado com Cecília, mas
estou saindo com Aurora também. Você sabe que eu sempre te ajudei em
tudo, espero poder contar com sua gratidão agora.
_ Que isso, parça! Tamo junto! Sou X9 não _ Iago era cheio de gírias _
Filezinha hein, você não dá mole não.
_ Se for pra ter outra, tem que ser alguém de categoria né!? _ Os dois
riem, esses homens não valem nada.
Dois minutos depois elas já estavam de volta com bebidas à mão e
sorrisos no rosto.
_ Sabe o que eu estava pensando? Poderíamos fazer uma caminhada na
mata amanhã pela manhã nós quatro _ sugere a siliconada _ O que acham?
_ Ótima ideia, amor _ e dão um selinho, parecendo aqueles casais que
querem mostrar pra todo mundo que estão juntos. _ Você não bebe não,
Aurora?
_ Não sou muito fã de bebida, mas vou tomar um vinhozinho só. _ Está
querendo se soltar, né... Ela ainda parecia um pouco estranha. Alguma coisa
parece estar acontecendo.
☐☐☐
Já era tarde quando os dois retornam para o interior do chalé e Victor
senta-se levemente embriagado no sofá da sala com Aurora ao seu lado.
Toma coragem para perguntar a ela o que estava acontecendo, pois não era
de hoje que havia notado ela distante, um pouco aérea e até meio
desamparada.
_ Está acontecendo alguma coisa, amor?
_ Está _ responde com a voz calma e a cabeça baixa.
_ Me conte.
_ Então, Victor. Eu pensei em várias maneiras de dizer isso, e ainda não
decidi qual seria a melhor forma de te contar, acontece que chega um
momento que você precisa saber. _ dá uma pausa _ Bem, você tem
conhecimento que tivemos relações desprotegidas ao longo do nosso
relacionamento e acontece que o inesperado aconteceu.
Ela não esta querendo dizer que... Não pode ser!
_ Escolhi interromper esta gravidez porque o corpo é meu e tenho todos
os direitos de escolher o que fazer sobre ele, sei também que está decisão
não era somente minha já que você é o pai da criança.
Ela abortou!?
_ Cheguei ir à uma clínica de aborto clandestina acompanhada de
Verônica, dei até entrada no procedimento, mas de última hora voltei atrás.
Não abortei. Não tive coragem suficiente para interromper o crescimento de
um pequeno pontinho que nascia em mim. Tive certeza que depois de perder
toda a minha família, aquela era uma nova chance pra recomeçar, uma
chance de viver ao lado de pessoas que me amamos, e eu já amo algo que
cresce no meu ventre... _ Uma lágrima escorre por seu rosto e ninguém faz
nada para impedir. _ Tudo bem que eu não tinha planejado nada disso e
simplesmente aconteceu. E a vida é assim, ela simplesmente acontece. Tem
coisas que não estamos preparados para vivê-las, mas não quer dizer em
momento nenhum que o nosso despreparo irá ter um resultado negativo.
Victor continua calado sem saber o que falar ou fazer. As informações
ainda se processam lentamente em seu cérebro: Minha-amante-está-
grávida. Estou-ferrado!
_ Esperei um pouco para ter certeza se estava realmente grávida. E sim,
estou. De sete semanas.
Puta que pariu! Quase dois meses já!? Vou ser papai, merda! E
agora? Em estado de choque, ele permanece mudo.
_ Fala alguma coisa, Victor Hugo! _ implora a mulher, preocupada com
a ausência de reação do namorado.
_ Erh... Vamos ser pais! Que maravilha! _ e sorri se sentindo a maior
falsiane do universo.
_ E são gêmeos _ acrescenta.
Gêmeos!? Tô ferrado!
XI
Verônica
☐☐☐
Alguns meses depois...
A rotina de Verônica segue a mesma por algum tempo, mas mal sabia
ela que sair de casa naquele dia lhe traria informações indesejadas. Óbvio
que a gente quer saber o máximo possível de coisas, mas tem verdades que é
preferível que permaneçam secretas. E estava prestes a descobrir a maior de
todas as verdades secretas que Victor Hugo escondia.
Depois de mal ter dormido no dia anterior por conta de um ataque de
pernilongos, acorda revoltada. Se existisse uma décima primeira praga no
Egito sem dúvida seriam pernilongos, aquilo é um satanás com asas.
_ Quando eu for rica vou comprar um ar condicionado.
_ Nossa, que sonho da classe média hein. Ser rica pra comprar um ar
condicionado.
_ Ah, e você!? Gostaria de ser rica pra quê?
A barriga de Aurora estava enorme. As duas já começavam a se
estranhar numa delicadeza ímpar logo pela manhã, já tinham tomado um café
reforçado, pois Verônica havia feito uma compra considerável com o vale
alimentação e Aurora também estava contribuindo bastante, pois Victor Hugo
resolveu abrir uma conta pra ela no banco e deposita mensalmente uma
quantia para ajudar com os gastos, já que estava grávida precisa ficar de
olho na alimentação.
_ Gostaria de ser rica pra ajudar os pobres, me compadecer realmente
de quem precisa.
_ Nossa, Aurora, você é tão filantrópica. Devia ter feito faculdade de
Serviço Social, não Letras.
_ Me poupe, Verônica. Vai se arrumar logo senão vai chegar atrasada. _
Aurora está realizando sua higiene pessoal no único banheiro da casa.
_ Se você me permitisse usar o banheiro, ficaria agradecida _ debocha.
_ Usa. _ Dois segundos depois Aurora sai em direção à cozinha.
Continuando seus afazeres do trabalho, Aurora lava a sua louça suja do
café da manhã, pois a amiga já havia lavado a dela. Casa sem empregada
doméstica funciona desta forma: cada um lava o que sujou. Verônica ainda
está se maquiando no banheiro, não houve um dia sequer de sua existência
que não tenha passado um mínimo que fosse de base e corretivo. Seu celular
toca.
_ Vê quem é ai pra mim, amiga! _ grita do banheiro enquanto passa o
lápis de olho.
_ É a tal de Samira _ Aurora não tinha conhecido a garota pessoalmente
mas lhe era muito agradecida por sua atitude corajosa e angelical para com a
irmã.
_ Ah, atende pra mim e avisa que em vinte minutinhos estarei no
terminal das barcas esperando por ela.
_ Ok.
☐☐☐
Existe o cafona, o muito cafona, o extremamente cafona e o vestido de
Adriana. Até uma pessoa sem nenhuma informação ou conhecimento a
respeito de moda pode muito bem perceber que aquilo mais parecia uma
rede de pesca mal costurada do que especificamente uma roupa. E ela estava
se sentindo o último biscoito do pacote. O último sempre vem quebrado,
querida! Passa pela recepcionista toda de nariz em pé e, como de costume,
não cumprimenta ninguém. Só é surpreendida quando Jorge puxa assunto.
_ Está a passeio hoje? _ brinca _ Cadê o uniforme?
_ Dormi fora de casa _ e esnoba um sorrisinho no rosto. Que foi minha
filha, acha que eu estou com inveja da sua rebeldia? Deve ter dormido
debaixo de ponte pra ter vindo com uma roupa dessa. _ Aí não havia
levado. Vou ver se Victor arranja um outro pra mim.
O que essa mulher tem tanto com Victor Hugo que eles se dão tão
bem? Aí tem alguma treta... Mas tretas maiores já lhe esperavam um pouco
mais tarde e ela acaba tendo que deixar a primeira delas para segundo plano.
Sobe pelo elevador enquanto Verônica continua seu trabalho ao lado de
Jorge auxiliando-o em algumas ligações e distribuindo recados. Logo após a
visão do inferno ter subido, Dr. Campos também chega à empresa e distribui
um delicado sorriso para a recepcionista, rapidamente olhando a pequena
placa metálica no seu peito que informa o nome.
_ Bom dia, Verônica. _ É a primeira vez que ele a chama pelo nome,
mas já havia dado olhares indecorosos, daqueles de deixar a pessoa
constrangida, outras vezes _ Tudo bem?
_ Tudo sim, Dr. Campos. E o senhor? _ É solícita em cumprimentá-lo.
_ Eu também _ encaminha-se ao elevador ignorando a presença do
outro funcionário, Jorge, que a olha daquela maneira desconfiada.
_ Velho safado, né!? _ comenta o homem e os dois morrem de rir.
O dia passa tranquilamente, talvez preparando Verônica para a notícia
que teria mais tarde. Depois do que ela e o CEO haviam feito, ficara um
pouco desconfiada a respeito das reais intenções dele para com Aurora, mas
agora ela já estava grávida e saber que tinha sido traída com a melhor amiga
não resolveria muito os problemas. Entretanto, tudo ainda estava prestes a
mudar, e pra pior.
Após o almoço, especificamente as duas horas da tarde, Jorge precisa
fazer algumas entregas de documentos deixados na recepção aos demais
executivos no andar de Victor Hugo e acaba deixando a recepcionista
sozinha em seu posto. A mulher, sem nada pra fazer, fica teclando em seu
celular, bem escondida, para que ninguém veja.
Uma bela mulher, com óculos de grau e cabelo bem escovados vem
entrando na empresa e se encaminha até o balcão da recepção. Ela é um
pouco mais baixa que Verônica, temos olhos estreitos, a pele lisa e
discretamente maquiada, um nariz pequeno e uma boca cheia de sorrisos. Só
pela elegância em caminhar, a recepcionista já percebe que é uma mulher
fina e de altos padrões de etiqueta.
_ Boa tarde _ diz educadamente quando se aproxima do balcão, sua
delicadeza é tão fofa que deixa Verônica com vontade de lhe apertar as
bochechas.
_ Boa tarde. Deseja alguma ajuda? _ prontifica-se a atendê-la.
_ Ah sim, é que eu raramente venho aqui e nunca sei direito em qual
andar que fica. Queria falar com meu marido só que ele não atende ao
telefone de jeito nenhum. Estou ligando desde de manhã. Não sei se você o
conhece. Queria ir no andar de Victor Hugo, ele trabalha com a parte
financeira. Victor Hugo Schneider Gouveia Vasconcellos.
Victor Hugo Schneider Gouveia Vasconcellos... Meu marido...
Aquelas palavras começam a latejar tanto na cabeça da recepcionista que ela
acaba ficando seu fala. Aquele imbecil é casado! Não posso acreditar! Isso
não está acontecendo. Não pode ser! Ele não podia ter feito isso com
minha melhor amiga. Atônita, acaba não dando nenhuma resposta ou sequer
esboça alguma reação para a esposa traída que estava de pé na sua frente.
_ Então!? _ faz cara de interrogação _ Sabe em qual andar ele trabalha?
_ Erh... _ Ele tá te traindo. Teve vontade de dizer. _ Vigésimo andar. A
senhora quer que eu dê um toque para lá informando sua presença. Posso
pedi-lo pra descer e encontrá-la aqui em baixo.
_ Ok, vou aguardar aqui no sofá. _ Vira-se em direção ao assento que
fica num dos cantos da luxuosa e imensa recepção.
_ A senhora aceita um cafezinho, uma água...?
_ Não precisa não, querida. Pode me chamar de Cecília. _ vira-se para
a porta de entrada e vê uma outra mulher alta, com sorriso simpático e olhar
misterioso _ Sabrina! _ chama sua companhia que lhe aguarda na entrada,
esta também tem um perfil bem estiloso e refinado _ Vem sentar aqui comigo,
meu marido já deve estar descendo. Só preciso ver uma coisinha com ele
antes de irmos ao cabeleireiro.
Cecília era tão delicada e simpática que Verônica estava atormentada
com a capacidade que aquele homem tinha de trair uma princesa daquelas,
tão educada que a recepcionista ficara tão compadecida que teve vontade de
entregar os pontos ali mesmo, mas também não tinha nada a ver com a vida
particular das pessoas e talvez a traída até soubesse do chifre e consentisse,
cada um com seus problemas.
Porém, não poderia deixar aquela situação assim, fica raciocinando
enquanto telefona para Victor Hugo pensando o que vai fazer, o cretino nunca
ia de aliança para o trabalho, como poderia aparecer do nada casado? No
lugar de uma melhor amiga, qual seria a decisão a tomar? Será que o CEO
merecia uma mísera chance? Também se ela contasse acabaria entrando em
maus lençóis, pois a amiga iria querer uma justificativa de como ela havia
descoberto.
A cabeça de Verônica voa a mil, um turbilhão de informações com a
qual não sabe lidar e aquilo fazia um eco em seu cérebro. Victor Hugo é
casado. Victor Hugo é casado. Victor Hugo é casado...
_ Alô! _ O executivo atende do outro lado da linha.
_ Boa tarde, senhor Victor Hugo _ manteve a educação e a hierarquia
para se dirigir a um funcionário que pertencia a um grau de competência
superior ao seu _ Aqui é a Verônica, recepcionista. Estou ligando para
informar que sua esposa, dona Cecília, o aguarda na recepção _ sua voz era
muito tendenciosa para quem de fato soubesse reconhecer.
_ Cecília!? _ Não saberia capaz de dizer quem teve um choque maior
com a notícia. A ex-secretária ou o executivo _ Como é que...? Já estou
descendo. Pelo amor de Deus, Verônica, você não disse nada não, né!? _ Ele
falava de um modo tão descontrolado que acabava engolindo certas
palavras.
_ Não, senhor. _ Sua expressão parece estritamente profissional, com
intuito de que a corna não desconfie.
_ Obrigado _ suspira, aliviado. _ Vou despachá-la e logo assim te
explico tudo.
Não precisa de explicações, eu já entendi tudo.
_ Como desejar. _ Finaliza a ligação, vira-se para a esposa do CEO e
lhe informa _ Ele já está descendo.
_ Obrigada! _ sorri e volta a conversar com sua amiga Sabrina.
Os segundos seguintes são os piores possíveis: depois de descobrir que
o homem por quem estava apaixonada era o namorado da melhor amiga,
acaba descobrindo que o namorado da melhor amiga é casado. Fica
indecisa, perdida na história e sem saber se deve ou não contar toda a
verdade para esta. Se desmascarar Victor Hugo, também perde seu disfarce.
Como iria revelar para Aurora que já havia transado com seu namorado? E o
pior, sabendo disso! Continuou perdida em seus pensamentos, como se um
filme passasse na sua cabeça com vários finais diferentes e nenhum deles era
uma opção viável.
Em três minutos o elevador se abre e de dentro dele salta um
fantasmagórico ser aflito e suado, mais preocupado do que um peru em
véspera de Natal. Seu maior medo era que a recepcionista o degolasse, mas
ela já fazia isso só com os olhos e tentava se controlar ao máximo possível
para que a esposa sentada no sofá não percebesse a troca de olhares
indecorosos. Eu vou acabar com a sua raça, seu infeliz! Você mexeu com
minha melhor amiga!
Ele aproxima-se da esposa e os dois dão um leve selinho na boca,
Verônica abaixa-se na frente do balcão para ajeitar seus pertences
escondidos ali embaixo. Na primeira oportunidade que Jorge retornasse para
seu posto, ela fingiria um desmaio, diria que estava passando muito mal ou
inventaria qualquer outra desculpa esfarrapada pra ir embora mais cedo do
trabalho. Precisava tomar uma atitude em relação aquilo tudo. Devia fazer
alguma coisa e não ia deixar impune o culpado por ferir o coração da amiga,
Aurora estava grávida de um CEO cretino.
Verônica já tinha perdido as contas de quantas vezes havia segurado o
mundo dos outros e deixado o seu próprio cair, ninguém estava lá para lhe
ajudar quando Igor fez uma cachorragem e desde então não havia mais se
relacionado com ninguém, depois de um tempo distanciada dos vizinhos da
frente, agora consegue finalmente olhar na cara de Dora. Todavia, confiança
é que nem uma folha de papel que depois que você amassa, é impossível
voltar ao estágio anterior. Igor ainda era um assunto complicado para
debater, preferia fugir das conversas e se negava demonstrar seus
sentimentos. Mas sabia que podia contar sempre com Aurora para o que
desse e viesse, precisava livrá-la desse mal. Não poderia compactuar com
aquilo.
Deixa a bolsa devidamente separada e pronta para deixar a empresa a
qualquer momento, esperando apenas patrão Jorge retornar. Quando vê, o
casal está se despedindo e Victor dá um aperto de mão em Sabrina.
_ Tchau, Vic _ despede-se Cecília depois de dar um selinho na boca do
marido. Vic!? _ A noite a gente se fala.
_ Tchau, amor. _ Dá um sorriso culpado.
De mãos dadas, as elegantes mulheres saem pela porta da frente, o
sorriso delicado continua no rosto das duas, o que dá a entender que não
desconfiaram de nada. Como um homem consegue ser tão cara de pau!? Oh
raça... Os olhos de Verônica transpareciam fúria quando Victor Hugo
aproxima-se dela e segura suavemente em sua mão.
_ Sobe pra minha sala que eu preciso conversar com você. _ Seu tom é
de ordem.
_ Tá. _ Dá uma resposta curta e grossa. Espere sentado, queridinho!
Retorna pelo elevador pela sua sala, antes de chegar ao cubículo prata,
dá uma folgada em seu colarinho apertado por uma gravata vermelha que
deixa Verônica com vontade de se aproximar e enforcá-lo com seu próprio
acessório.
Jorge não demora muito para retornar à recepção, mas para ela parece
passar uma eternidade no tempo em que este permanece ausente. Nunca tinha
ficado tão feliz por reencontrar alguém como quando fica quando vê o patrão
voltando.
_ Ai Jorge, pelo amor de Deus, me ajuda! Estou passando muito mal,
preciso que você fique no meu lugar.
_ Mas... ok! Quer que eu chame alguém para acompanhá-la ao hospital?
Está sentindo o que?
_ Uma tontura terrível está invadindo meu cérebro _ avisa,
cambaleando um pouco para dar mais veracidade a sua mentira _ Preciso ser
liberada.
_ Sim, só você passar o ponto e trazer o atestado depois. Quer que ligue
pra alguém? _ Ele parece realmente acreditar naquela mentira.
_ Não precisa, já estou me sentindo mal desde de manhã, agora que a
dor aflorou mais ainda. Já liguei pra uma amiga minha, Samira, que trabalha
aqui perto. Ela combinou de me encontrar na esquina. Pode deixar que eu
consigo ir sozinha.
Pega sua bolsa, vai até o setor para registrar sua saída do trabalho e sai
correndo, sem nem mesmo dar tempo de Victor Hugo notar sua ausência. Se
o homem descobrisse alguma coisa iria correr muito atrás dela, tentar
impedir de todas as formas que esta revele toda a verdade. Mas nada nem
ninguém poderia detê-la. Ninguém poderia lhe calar. E sua missão era chegar
em casa antes de Victor Hugo pra contar toda a verdade à melhor amiga. Se
o CEO alcançasse Aurora primeiro, provavelmente vai inventar uma mentira
pra levar a situação a diante e uma boba apaixonada e grávida teria uma
propensão muito maior a acreditar.
Seus pés mantem uma aceleração constante para chegar ao terminal das
barcas a tempo de pegar a primeira embarcação disponível, pois segundo
seus cálculos a próxima estaria partindo em dez minutos, mas Verônica era
péssima em cálculos. Então era melhor chegar o mais rápido possível, já que
uma mulher prevenida vale por duas.
Pensa em ligar pra Aurora e pedir que lhe espere em casa, pois o
namorado poderia muito bem ligar pra ela pedindo pra encontrá-lo em algum
lugar, já que era um imbecil sem escrúpulos, portanto, podia-se esperar
qualquer atitude dele. Qualquer medida que fosse possível para separar uma
fofoqueira de uma grávida pode bem saber que o executivo tomaria.
Qualquer atitude que pudesse refrear a ação explosiva que a bomba da
verdade traria para aquela nova família era da índole dele tomar.
Nova família... Era isso que mais doía no coração de Verônica, aquilo
lhe causava um aperto no peito e ao mesmo tempo um arrepio. Estava
completamente dividida, pois a mínima atitude que tomasse teria efeitos
catastróficos, destruindo uma família: pai, mãe e dois filhos. Mas também
continuar naquela relação acabaria com a outra família dele com Cecília. E
não podia ser conivente com tal mentira. Relacionamentos não podem se
construir a base de enganação. Por mais que aquilo lhe doesse, tinha que ser
feito.
Na metade do tempo planejado conseguiu chegar ao terminal das barcas
na Praça XV, ela e o que sobrou do seu fôlego atravessam a catraca com a
luz vermelha já piscando, foi uma vencedora em conseguiu uma das únicas
vagas que ainda tinha pra ir sentada. Segurou sua vontade de ligar pra
Aurora, pois aquela atitude só a deixaria preocupada e curiosa. Não se deve
fazer isso com uma grávida de quase sete meses. A barriga dela estava tão
enorme que Verônica até desconfiava que fossem trigêmeos, não era possível
ter apenas dois ali dentro. A amiga tinha uma barriga linda!
Àquela hora já teriam notado sua ausência e Victor Hugo faria o
máximo possível para ir até a ex-secretária e impedi-la de fazer uma
loucura. Sentiu-se uma vilã fugitiva em último capítulo de novela com um
sorrisinho no rosto logo assim que embarca em seu helicóptero. Verônica
adorava se sentir uma vilã de novela! Mas no seu caso tinha que se contentar
com as variações, era uma fugitiva numa embarcação da classe C. Nada de
cenas chocantes ou atrativas ao público.
Sentiu o telefone vibrar no bolso, provavelmente Victor Hugo acabara
de perceber que havia fugido e estava prestes a contar a verdade para a
grávida. Quando pega o celular, vê o nome do dito-cujo no visor e ignora a
chamada. O homem insiste telefonando mais três vezes e depois a secretária
acaba recebendo uma mensagem de celular que diz: “Não faça o que está
pensando fazer, posso muito bem te explicar tudo se você atender minha
ligação.”. Porém não era preciso mais nenhuma justificativa, Cecília já tinha
dado todas as respostas.
Quando desembarca em Niterói sua única intenção é sair correndo para
seu apartamento e despejar logo tudo em cima de Aurora, aconteça o que
acontecer, pelo menos falei a verdade. Ou uma parte dela, pois não iria
contar do sexo com o cara.
Seu celular toca mais uma vez. Ela revira os olhos, não adianta que eu
não vou te atender, Victor Hugo! Os homens são tão insistentes! Quando
pega o aparelho, dá de cara com o nome de Oswaldo no visor.
Oswaldo!? Será que Victor Hugo sequestrou meu primo pra poder me
chantagear?
_ Alô! _ ela atende.
_ Verônica! _ Sua voz é de choro _ Eu vou me matar!
Era só o que me faltava. Lidar com um primo depressivo nunca foi
fácil para ela, mas ele e Aurora eram sua Ohana. Como diria Stitch, do filme
Lilo e Stitch, Ohana quer dizer família, família quer dizer nunca mais
abandonar ou esquecer.
_ Onde você está? _ suspira ela, cansada de lidar com a doença, mas
era paciente por conta do amor que tinha pelo primo que sempre a apoiava
em todas as decisões. Ninguém escolhe ter depressão.
_ Na ponte Rio-Niterói. E eu vou me jogar _ ao fundo ouvem-se buzinas
desesperadas, provavelmente ele estava fazendo um rebuliço danado.
E agora? Salvo Oswaldo ou salvo Aurora?
XII
Aurora
A vida para Aurora tinha mudado completamente desde o dia em que
havia ficado grávida, não era nada fácil carregar duas crianças dentro da
barriga e ainda assim continuar fazendo as coisas que sempre fazia, sentia
como se carregasse duas melancias enormes debaixo do vestido. Numa das
últimas ultrassonografias foi possível descobrir o sexo dos bebês, mas
desejou que fosse uma surpresa, então acabou comprando todo o enxoval
unissex.
O pai das crianças havia prometido para ela que assim que os bebês
nascessem, se mudariam todos para o seu apartamento, disse também que já
estava organizando tudo e se adaptando para receber os novos membros da
família. Agora Aurora iria viver uma vida nova ao lado de pessoas que irá
amar para sempre. Quando fossem morar juntos, ela finalmente iria conhecer
Isaac e a sogra.
Aceitou a proposta na condição de que casassem logo assim que parisse,
no máximo alguns meses depois, mas apenas para legitimar a relação. A
nova mamãe já estava sofrendo eternamente por dentro em saber que teria de
abandonar a melhor amiga sozinha, não poderia fazer isso com a tia de seus
filhos. Mas acontece que uma hora cada uma delas teria que seguir seu
próprio rumo, dar seus passos separadamente, mas iriam continuar coladas
para sempre, mesmo morando cada uma em seu canto.
Vou fazer Verônica me prometer que vai me visitar pelo menos três
vezes na semana. Mas o que ela vai fazer nesse apartamento todo sozinha?
Mal sabe fritar um ovo. Um aperto no peito já invadia o coração da outra
antes mesmo que tudo acontecesse. Antes mesmo de partir dali já sentia tanta
saudade. Ela finalmente iria realizar seu sonho de infância por completo. O
primeiro passo era conhecer o príncipe encantado, agora a cartada final era
ter dois filhos dele, e faria isto de uma vez só. Mas quando todo o plano
chega ao fim dá uma sensação de vazio, como se sua missão já estivesse
completa e não teria nada a fazer dali em diante.
Não queria comprar uma vida monótona daquelas que se estampam em
revistas de fofoca, não queria ser uma mulher fútil com uma vida baseada em
ir ao cabeleireiro, ter de usar uma roupa nova em cada evento diferente que
acompanhasse o marido, cuidar dos filhos e levá-los na escola. Não queria
ser simplesmente a esposa de um cara com uma boa condição financeira e
que a impedisse de trabalhar, sempre foi independente e pretende que sua
vida continue da mesma forma, por mais que tudo mude.
Tudo vai mudar... A sensação de uma vida nova de repente pode até
chocar alguns e dar medo do que o futuro pode reservar, mas tendo Victor
Hugo ao seu lado, Aurora se sentia muito mais tranquila e leve. Ele vai me
fazer feliz. Tinha certeza que encontrara o homem dos sonhos e a vida de
casada vai ser boa, repetia isso pra si mesma tentando se convencer que
nada mudaria no relacionamento com a melhor amiga. Verônica também
estava muito feliz em poder compartilhar desta gravidez com ela.
Com a maior dificuldade do mundo para se locomover até em casa,
precisando usufruir da ajuda de um aluno do ensino médio que acabara de
sair da escola para atravessar a rua, conseguiu chegar ao seu prédio. Nunca
pensara que ir até a quitanda comprar duas sacolinhas de fruta seria tão
cansativo, parecia que estava carregando dois quilos de chumbo em cada
uma das sacolas e era como se seus braços houvessem esfarelado e não
tivessem a mínima força para levantar uma pena.
Seu Bernardo auxiliou-o com as sacolas, abandonando momentaneamente
a portaria. Esse porteiro nunca fica na portaria, não sei pra que eu pago
condomínio. Os dois subiram pelo elevador de serviço que havia descido
mais rápido e a grávida se sentiu profundamente aliviada com a ajuda que
recebera. Sentiu que não seria capaz de andar nem mais meio metro com
aquelas sacolas, Seu Bernardo era um anjo da guarda. Verônica que mais
reclamava dele, também, não há uma pessoa sequer de quem ela não
reclame. Aff.
Depois de agradecer a ajuda que o porteiro deu levando as sacolas até a
mesa da cozinha, encaminha-se para a sala, liga a televisão e se senta,
recolhendo o controle remoto para si. Ufa! Respira quando descansa, depois
de ter realizado uma Via Crucis, e troca de canal duas vezes até encontrar
qualquer um que passe uma coisa digna de se assistir, ao resto eram só
receitas, filmes chatos e reality shows desgastados. Parou a programação
num jornal local e tomou um susto com a reportagem.
“Homem ameaça se suicidar na ponte Rio-Niterói.” Segundo as
imagens, uma multidão de pessoas começava a se aglomerar em volta dele
gritando palavras inaudíveis e buzinas alarmantes reclamavam do péssimo
fluxo decorrido de sua tentativa de suicídio. Alguns tentavam se aproximar,
com movimentos cautelosos pedindo para que o suicida se afastasse da
borda, mas nada era de convencimento amplo e o que este fazia era se
aproximar cada vez mais, estava a poucos centímetros de uma morte fatal. O
congestionamento era tamanho que as duas pistas mais próximas à lateral
estavam praticamente tomadas e o horário não era propenso a
engarrafamento convencional. Ele tinha causado tudo aquilo.
Contudo, o que mais desesperava a grávida não era simplesmente o fato
de que um homem qualquer ia tentar se matar, nas grandes metrópoles o que
mais se vê são suicidas desesperados tentando encontrar algum conforto na
morte, pois este mundo já é mesmo muito cruel. O problema era quem era o
suicida. Precisava ligar urgentemente para Verônica, mas a distância até o
telefone era tamanha que teria que se arrastar até ele o mais rápido possível
antes que o primo da amiga se matasse.
Vencendo a dor, o cansaço e o tremor terrível que invadia seu corpo
como se seus membros fossem esfarelar, alcançou o celular que se escondia
dentro da bolsa. Um aperto no peito doía na alma, se esse homem pular, não
sei o que vai ser de Verônica. Por mais que Oswaldo nunca tivera sido
aquela pessoa que conquista o coração de todo mundo por onde quer que
passa, Aurora até tinha um pedacinho mínimo do seu amor separado para
ele, era mais uma compaixão que nutria pelo homem, por mais que não
gostasse de assumir, seu sentimento por ele era o pior do mundo: pena.
Telefonou para Verônica que atendeu rapidamente com a voz arfando.
_ Oi _ o “oi” da amiga tinha um tom severo e misterioso.
_ Não tenho uma notícia boa pra te dar. _ Aurora dispensou os
cumprimentos e pulou logo para a parte objetiva da questão.
_ Se for sobre Oswaldo eu já estou sabendo.
_ Ah, acabei de ligar o noticiário e estão transmitindo ao vivo, odeio ter
que te dar essas informações, mas ainda bem que já sabe. Está indo pra lá!?
_ Sim, estou num moto-táxi, tentando chegar lá o mais rápido que
conseguir, mas com o trânsito que ele proporcionou não tá ajudando muito.
Estou na entrada da ponte, espera aí na ligação rapidinho _ pede Verônica.
Ao fundo ouvem-se vozes tumultuadas, a amiga estava pagando o moto-
taxista e resolvera ir andando até o primo suicida. Oswaldo já ameaçara se
suicidar diversas vezes, mas nunca tinha tomado uma medida tão drástica
como essa de querer se jogar da ponte. Os remédios que tomava nem sempre
surtiam o efeito desejado e ultimamente nem davam mais conta de controlá-
lo.
_ Tive que descer e ir a pé _ retoma a ligação _ Vai conversando comigo
e me mantendo informada. O que está passando aí na televisão?
_ Agora um senhor está conversando com ele, os olhos de seu primo
estão repleto de lágrimas, ele... _ foca sua atenção na legenda do telejornal _
Ele está gritando seu nome.
_ Meu nome!? _ Verônica se assusta. _ Ai meu Deus! Tenho que salvar
meu primo, acho que dessa vez é mesmo sério. Ele me ligou dizendo que ia
se matar, preciso desligar, vou ligar pra ele.
_ Sim, faça isso. Boa sorte, Vê! _ E finaliza a chamada com o coração na
mão. Grávidas não podem ficar aflitas desta maneira.
Continua assistindo à TV como se fosse um filme de ação em que a
protagonista precisava lutar contra o tempo para salvar o nada-mocinho da
história que pretendia se jogar da ponte. O sensacionalismo barato do jornal
começa a fazer marketing a partir da história do homem e até uma
reportagem acerca da depressão entraria no ar logo em seguida, a mídia faz
de tudo para conseguir audiência, mas não podia reclamar, pois se eles
parassem de cobrir os acontecimentos na ponte ficaria ainda mais
preocupada e sem notícias.
Alguém bate na porta, mas Aurora não tem ânimo suficiente pra ir até lá
abrir, mas julgando-se pelo fato de que o porteiro não interfonou para avisar,
era bem possível ser um dos vizinhos da frente.
_ Quem é? _ grita, mas seu grito não é dos mais altos.
_ Dora _ avisa, do lado de fora.
_ Pode entrar, a porta está encostada _ informa.
Irrompendo pela passagem surge uma Dora mais branca que leite, alguma
coisa muita grave tinha acontecido para sua pele preta ter adquirido aquele
tom pálido e provavelmente não era nenhuma base nova lançada no mercado.
_ O que foi? _ questiona a grávida, sentada no sofá.
_ Ah, você também está vendo o noticiário _ constata logo após olhar
pra televisão _ Estou muito preocupada, vim te avisar sobre isso, tentei ligar
pra Verônica mais estou sem crédito e a ligação a cobrar não completou.
_ Senta aí e faça o favor de se acalmar. Estou grávida e não é pra você
me deixar mais preocupada do que já estou.
Dora senta-se ao lado da amiga e fica alisando a barriga dela com um
sorriso no rosto. Nesse tempo todo, ainda nem sequer tinha conhecido o pai
das crianças pessoalmente, mas chegou a ver fotos dele no celular da outra.
Pelo visto, ele finalmente desencanou daquela história de que fotografias
roubam a alma da pessoa.
_ Quando você for embora daqui eu vou chorar, sabia!? _ lamenta.
_ Eu sei disso, você já chora por tudo mesmo. Chorou até quando foi
demitida do emprego.
As duas riem recordando o acontecido há alguns anos, quando tinha sido
demitida de uma loja de roupas em que trabalhava e chorou. Era engraçado
pensar naquilo daquilo forma, como tinha ficado triste por um motivo tão
bobo. Poderia muito bem trabalhar em outro lugar, mas foi como se sua vida
estivesse ali e a demissão era arrancar as raízes de uma árvore sólida que
cresceu num terreno fértil.
_ Ah, eu chorei porque tinha muitos amigos lá, já tinha adquirido uma
rotina de trabalho e não queria deixá-la. Aí eu chorei.
_ Isso foi infantil_ salienta a barriguda.
_ Infantil foi você chorando no final daquele livro quando o cara foi pro
inferno.
_ Mas eu fiquei com pena _ defende Aurora que sempre fora uma leitora
voraz e tudo quanto é livro lhe fazia chorar.
_ Ele era do mal, Aurora.
_ Mas eu gosto de personagens malvados, eu queria que ele tivesse se
arrependido e fosse para o céu. Aquele escritor é muito bom, na moral.
Adoro os livros dele. E a história daquela mulher que tinha a cicatriz no
rosto? Nossa, aquela doida me fez rir sozinha.
_ Eu sei que você ama livros e principalmente que ama aquele escritor.
Talvez um dia você ainda consiga um autógrafo dele pra sua coleção.
_ Espero que eu não morra antes disso.
_ Mas falando em morrer, olha lá! Oswaldo está cada vez mais na
beirada.
As duas voltaram suas atenções para a tela da televisão, e de repente,
uma heroína surge para salvar o suicida.
_ Olha lá, Verônica está na TV! _ comemora Dora como se a vizinha
fosse uma nova artista global _ Televisão engorda né!?
Verônica corre em direção ao primo, quebrando qualquer barreira que os
vários corpos tinham produzido para impedir que alguém se aproximasse,
mas quando os dois se abraçam, o choro é iminente. Até as telespectadoras
sentadas no sofá não conseguem controlar as emoções, e julgando pelo fato
de que já eram muito propensas a isso, choram. Nunca tinha visto um abraço
tão sincero em toda a sua vida como o de dois primos que se amavam e
faziam de tudo para proteger um ao outro. Família é a base de toda relação e
Oswaldo era o único laço de sangue de Verônica. A cena parecia uma
despedida de tão apertado e comovente que era o abraço. Os curiosos que
haviam se aglomerado no local e demais que tentavam contribuir de alguma
forma para que aquela novela tivesse um final feliz dispararam a aplaudir.
Até o apresentador do jornal ficou com os olhos marejados.
_ Família é tudo.
_ É, família é tudo.
_ Ainda bem que essa história teve um final feliz.
_ Ainda bem _ Um sentimento terrível que estava tomando conta do
coração da grávida finalmente se dissipa e pode enfim respirar aliviada.
Dois minutos depois, ouve-se leves batidas na porta.
_ Quem é? _ indaga a dona da casa.
_ Sua vizinha mais linda do mundo _ ouve-se a voz rouca da idosa.
_ Estava demorando... _ Dora revira os olhos e sussurra para a grávida
quando sua mãe entra no apartamento.
_ Tudo bem, Heloísa? _ a senhora se aproxima dela e lhe da um beijo
terno na bochecha.
_ Tudo sim, minha filha. Sua barriga está linda! _ fica admirada. _
Trouxe um pedaço de bolo de cenoura pra você _ só então repara no
embrulho que a vizinha carrega nas mãos que exala um cheiro delicioso
deixando a grávida cheia de vontade.
_ Ai, estava mesmo com desejo de comer um doce! _ agradece com um
sorriso nos lábios. _ Você adivinhou! Me dá pra cá.
Estende as mãos, pega a vasilha e vai logo abrindo feliz da vida, o
cheiro é maravilhoso e quando experimenta um pequeno pedaço tem a
certeza absoluta que nunca comeu algo tão maravilhoso quanto aquele bolo,
era magnífico.
_ Meu Deus, que delícia! _ saboreia.
_ Eu quero também, mãe _ pede Dora.
_ Vai lá em casa buscar ué, só faço mimos em grávidas, os antigos
diziam que não pode comer nada perto de uma grávida sem oferecer, senão a
pessoa fica com terçol _ fala dos antigos como se ela fosse muito nova.
_ Mas eu sou sua filha _ tenta convencer a mãe.
_ Mas você não tá grávida. Deveria estar né, está passando da hora de
me dá um neto. E aquele tal de Nathan é uma gracinha, eu aprovo a relação.
Aurora e Dora se entreolham como se estivessem se perguntando a
facilidade com que dona Heloísa tinha acesso às informações, pelo jeito que
gosta tanto de celular, deve ser alguma hacker que descobriu disso
quebrando sigilo de informações.
_ Esse bolo tá muito bom! _ repete o elogio.
_ Peguei essa receita no Google, tem no Youtube também o passo a passo
ensinando a fazer. Aprendo tudo na internet.
_ É, nós sabemos _ concorda a filha.
_ Mas mudando de assunto _ puxa Heloísa _ Adorei o final da novela.
_ Que novela, mãe!?
_ Aquela do garoto que queria me namorar, passou agora na TV. Ele é
primo da Verônica. O rapazinho tem cara de quem não sabe beijar na boca.
_ Aquilo não era uma novela.
_ Não era não!? _ duvida. _ Mas parecia ser. Adorei ver Verônica na
telinha, agora ela vai ficar famosa. Será que vão chamar ela pra fazer alguma
novela?
_ Ah, devem chamar _ sugere a filha rindo da situação.
_ Para de rir, Dora. Estou falando sério! A menina foi excelente no papel
de salvar o primo.
Sem fazer qualquer cerimônia, Heloísa se encaminha até o sofá e senta
ao lado da grávida colocando levemente a mão na barriga desta para sentir
as crianças.
_ Ele chutou! Ele chutou a minha mão! _ comemora depois de um minuto
ali tentando captar qualquer movimento do bebê.
_ Devem tá chutando pra você tirar a mão daí _ repreende a aventureira.
_ Me deixa quieta, garota. Eles vão ser crianças agitadas quando nascer,
você também era uma agitação terrível quando era pequena _ Dora lembra
de não ter saído da barriga de dona Heloísa _ mesmo não tendo saído de
dentro de mim. Mas quando eu fiquei grávida de Igor quase morri. Vomitei
direto. Você fica muito enjoada?
_ Fico _ concorda.
_ Ainda mais grávida de dois, deve ficar enjoada em dobro. São que
horas hein, gente?
_ Vinte para as quatro _ informa sua filha depois de olhar para o relógio
no pulso.
_ Já!? _ fica chocada. _ Eu tenho Pilates às quatro. Preciso ir _ informa
se agachando no sofá e dando um beijo na barriga da grávida _ Fiquem
direitinhos tá, bebês. Vovó ama vocês _ fala olhando para o umbigo de
Aurora como se conseguisse conversar com as proles e usa aquela vozinha
fina imitando a de uma criança.
_ Ah, eles sabem do seu amor. Você vai ser uma vovozona pra eles,
muito obrigado por tudo, Heloísa. _ As duas dão um abraço de
agradecimento.
_ Conta sempre comigo, menina. Sei que neste apartamento tenho mais
duas filhas. Também são mães aquelas que escolhem amar filhos da barriga
de outras mulheres. E seus filhos vão ter a melhor avó do mundo, eles vão
me ajudar a mexer no Whatsapp quando crescerem um pouco, hoje em dia já
nascem conectadas e sabem mil vezes mais que a gente.
_ Verdade _ concorda a futura mãe.
_ Agora eu preciso ir. Filha, o bolo está no fogão e a porta eu vou deixar
encostada pra você entrar. Seu irmão foi na academia, agora que ele tá
namorando aquela tal de Alice quer ficar sarado pra agradá-la.
_ Ele tá namorando a Alice!? _ Aurora fica impressionada. _ Nem fala
isso perto de Verônica hein!?
_ Pode deixar, minha boca é um túmulo! _ Se tem uma coisa que sua
boca não é, essa coisa é um túmulo. _ Estou indo embora.
_ Eu também vou pra casa _ informa.
_ Fica mais! _ convida a dona da casa. _ Adoro sua companhia!
_ Eu também adoro a sua, só que tenho que trabalhar também. Meu
dinheiro não cai do céu, e não é porque estou saindo com um cara rico que
vou ficar às custas dele.
_ Vocês estão namorando? _ questiona a grávida.
_ Não, ainda estamos nos conhecendo.
_ Mas já estão se conhecendo há meses, já deu tempo suficiente pra
conhecer tudo que tinha pra conhecer.
_ Também acho, já pode casar _ concorda dona Heloísa.
_ A gente vai ficando, estamos bem dessa maneira. Beijos! Vamos
embora, mãe! _ As duas dão os braços e saem, encostando a porta na saída e
a grávida continua ali, assistindo a matéria sobre depressão que entrou no ar
logo após o fim do caso Oswaldo e comendo seu pedaço de bolo de cenoura
com calda de chocolate. Seu Deus admitisse algum corpo físico, pode ter
certeza que iria se incorporar naquele bolo.
Ficou cerca de vinte minutos ali, matutando e querendo esquecer que dali
a dois meses sua vida iria mudar para sempre, abandonando sua existência
pacata que sempre levou ao lado da melhor amiga e indo morar com o
homem da sua vida e seus filhos. Mas mal sabia ela que Victor Hugo estava
mais pra sapo do que pra príncipe.
O interfone toca e Aurora se sente a moradora mais badalada daquele
prédio, nunca recebera tantas visitas em tão curto prazo de tempo. Depois de
três minutos, consegue chegar ao interfone, com passos lentos e pesados, não
costumava andar assim apenas pela gravidez, mas depois de fazer compras
se sentia bem cansada.
_ Oi, Seu Bernardo _ atende.
_ Oi, dona Aurora. Tem um moço aqui querendo visitar a senhora, é o
seu namorado e pai dos seus filhos. _ O porteiro dava a ficha completa do
cidadão, como se a moradora não soubesse quem era o pai de seus filhos _
Estou apenas lhe avisando que ele está subindo. Ok!?
_ Sim, mande-o subir! _ Aurora tinha adorado a surpresa.
_ Pode subir, Seu Victor Hugo _ autoriza o porteiro e a grávida consegue
ouvir no fundo sua voz. O CEO frequentava tanto o prédio que Seu Bernardo
já até sabia o nome do homem.
Aurora fica tão feliz que até recupera suas forças a ponto de ir esperar
seu amor parada na porta de entrada da casa. Seu sorriso tinha se estampado
no rosto, ajeita o cabelo e a roupa, mas não obtêm muito sucesso. Abre a
porta antes mesmo de ele ter subido e fica ali o esperando, muito contente
pela visita inesperada. Amor é assim, chega sempre sem mandar aviso. E
Aurora adorava esse tipo de metáforas.
_ Oi, amor! _ faz um miniescândalo quando seu namorado surge no andar
e vem andando até ela.
_ Oi _ Os dois dão um beijo, mas sem emoção e ânimo.
_ Aconteceu alguma coisa? _ indaga.
_ Precisamos conversar. _ A expressão de felicidade no rosto da mulher
logo se desmancha.
_ Tá, entra _ e os dois entram no apartamento.
Depois de encostar a porta, segura em sua mão e se encaminham até o
sofá, ela não diz mais nada e fica apenas esperando-o dar alguma direção na
conversa e dizer o que precisam debater. Aquilo estava deixando-a nervosa.
Provavelmente ele não conseguiu comprar o berço grande que eu queria e
não tá com clima pra me contar. Acontece.
_ Fala logo! _ diz ansiosa.
_ Nem sei como te dizer isso _ ele lamenta.
_ Você está me deixando nervosa, se for me contar que não vai dar pra
gente casar logo depois dos bebês nascerem tudo bem, eu entendo. Sei que
esse lance de casamento é demorado, tem que ajeitar papelada...
_ Não é isso _ interrompe, estando de cabeça baixa.
_ Ah, mas se você não tiver conseguido comprar o berço maior também
não tem problema, a gente compra dois pequenos. É até melhor, um pra cada
um.
_ Não, Aurora! Quem dera que fosse isso.
_ Então qual é o problema? _ preocupa-se
_ Eu não posso me casar com você porque eu... eu sou casado.
O sentimento que destrói Aurora naquele momento é impossível de
explicar com palavras. Era como se alguém tivesse acorrentado cada um de
seus membros às patas de um cavalo e começasse a chicotear os animais e
cada um lhe puxasse numa direção diferente tentando espedaçar seu corpo,
mas o que tinha partido dentro dela era algo muito além do que sua estrutura
física: sua alma tinha sido perfurada. E não poderia ser verdade o que
aquele homem inescrupuloso estava dizendo. Como assim tinha se envolvido
com um cara casado e ainda por cima tinha engravido dele, de gêmeos!? Não
sabia dizer se o chão havia aberto um buraco em que tinha caído ou se o teto
desmoronava sobre ela.
_ Como assim casado? _ pergunta como se não soubesse o significado
daquele estado civil _ Você tem outra?
_ Me desculpe, mas não me julgue como um cafajeste _ abaixa a cabeça,
se você não é um cafajeste, é o quê!? _ Vou te explicar a história toda.
_ Não sei se isso pode ter uma explicação. _ Sua voz não é mais serena
como antes, Aurora era bem mais tranquila pra lidar com essas situações do
que Verônica, mas as duas sempre foram intensas, talvez por isso fossem
melhores amigas e se identificassem tanto.
_ Minha esposa se chama Cecília, antes mesmo de conhecer você eu não
sentia mais nada por ela, estamos casados por um longo tempo depois que
minha primeira mulher faleceu, mas o sentimento esfriou. Depois de um
tempo, ela não me despertava mais nenhuma atração nem interesse, mas
sempre fomos amigos. Não tivemos filhos. Nunca quis trair, pois tal atitude
não fazia parte da minha índole. Várias outras mulheres já me despertaram
interesse, mas continue fiel a minha esposa. Rejeitei. Tentei não sentir.
Tentei não me apaixonar! Pensei em me separar e dei início em toda a
papelada do divórcio, o Dr. Gustavo, aquele que te indiquei. _ Aurora
apenas concordou com a cabeça, não disse nada. _ Ele estava tratando de
tudo, já havia informado Cecília que não estava feliz continuando num
casamento como o nosso, ela concordou. Aceitou tranquilamente se separar,
seria um divórcio consentido e sem brigas, isso estava acordado para
acontecer dois meses antes de te conhecer. Até que eu descobri uma coisa
que ela tentou esconder de mim de todas as maneiras possíveis.
Victor Hugo abaixa a cabeça e uma lágrima sincera escorre pela face
sincera do homem, transparecia em seu semblante o terror que era contar a
verdade, e Aurora lutava por dentro pra sobreviver aquilo. A história tinha
algum pano de fundo que pudesse justificar.
_ O que ela escondeu de você? _ quis saber.
_ Ela escondeu de mim que tem câncer em estágio terminal _ fala,
chocado. _ ☐ câncer no colo do útero, não fez o exame de papanicolau e
acabou tendo um diagnóstico tardio. É o segundo tipo de câncer que mais
mata mulheres no Brasil. As chances de cura seriam grandes se descoberto
há tempo, mas Cecília se tornou uma portadora de lesões cancerígenas
graves e acabam chegando ao óbito na maioria dos casos _ lamenta.
Aurora continua apenas observando-o.
_ Ela vai morrer e eu não poderia abandoná-la no último momento de
vida, eu não seria um homem cruel a tal ponto. Ela me escolheu para passar
o resto de seus dias ao seu lado até que a morte nos separe. E... E eu não
poderia dá-la esta decepção. Eu não iria terminar com minha esposa que
estava prestes a morrer _ murmura.
Aurora encolhe os braços ao entorno da cintura dele e chora, a gravidez
tinha lhe deixado emotiva demais para determinados assuntos e seus
sentimentos ficavam abalados quando o assunto era perdas. Victor Hugo
sempre fora um homem de ouro e tal atitude só mostrava ainda mais a
grandeza de sua alma. Perante toda aquela história comovente não teria como
perdoá-lo.
E agora!? Perdoo ou não!? Mas aquela traição tinha um motivo tão
nobre. Ele era um homem fofo que simplesmente não tinha se separado da
esposa porque ela tinha câncer. Aurora não sabia se queria que a outra
mulher morresse ou não. Por mais que perdê-la seja o fim da existência dela,
seria o início da vida deles.
_ Os médicos disseram que ela nem seria capaz de virar o ano. _
Faltavam três meses para a virada _ Cecília vai morrer. E se você não me
perdoar, ficar com raiva de mim ou quiser me matar pode ficar à vontade. Eu
não posso ser um insensível que abandona uma mulher à beira da morte.
_ Eu... E eu não posso ser uma insensível que feche os olhos para esta
atitude. Eu sinceramente não sei o que dizer, o que você me escondeu é muito
grave, mas também é muito humano. Eu acho que preciso pensar mais um
pouco, fui pega desprevenida. Óbvio que eu não gostaria de ter que dividir
você, mas levando em consideração as condições eu não consigo crucificá-
lo. Nós vamos ser muito felizes ainda. E sinto muito por Cecília. Enfim,
preciso processar isso tudo com calma.
_ Obrigado por me entender. _ Dá um sorriso molhado de lágrimas.
Os dois dão um terno beijo descarregando a tensão daquelas revelações,
o dia tinha sido de muitas emoções para uma grávida de sete meses, se
bobear as crianças nasceriam até antes por conta de tanta agitação.
_ A história da minha mãe era tudo mentira, precisei inventar essa lorota
pra driblar a existência de Cecília, mas meu filho Isaac é verdade. Um dia
vocês ainda irão se conhecer.
_ Sua esposa sabe que você tem outra mulher que esta grávida de dois
filhos seus?
_ Ela sabe que eu saio às vezes e provavelmente desconfia que é pra me
encontrar com outra mulher, que no caso é com você. Nem pode saber que
serei pai, seu sonho sempre fora engravidar e seria terrível descobrir que
outra quem me daria esse prazer, algo que nunca conseguiu.
_ É verdade, melhor manter em segredo... _ concorda.
_ Eu te amo, Aurora. É só isso que importa entre nós e eu vou fazer de
tudo pra te ver feliz. Eu vou fazer tudo para te ver sempre com um sorriso no
rosto e dar a essas duas crianças que estão aí dentro o melhor, fruto do nosso
esforço e dedicação.
_ Você vai ser o melhor pai do mundo. _ Uma lágrima escorre dos olhos
dela e mais uma vez se beijam.
Permanecem ali por longos minutos se curtindo no sofá enquanto Aurora
ainda processa as informações e todo o choque de um dia só. Ela se deita
sobre o rosto do futuro marido que mexe em seus cabelos provocando um
leve frenesi delicioso que percorre todo seu corpo.
Depois de um tempo, o homem levanta e vai até a cozinha preparando um
café da tarde para os dois. Acaba preparando uma vitamina com banana,
maçã e biscoito de maisena e a grávida, desconfiando da capacidade que
este tinha, depois que provou a bebida retirou seus pensamentos de dúvida.
A vitamina estava tão divina quanto o delicioso bolo de cenoura feito
pela melhor vizinha/mãe do mundo. Para comer a única opção é torrada com
patê de atum e a grávida se sente envergonhada em só ter aquilo pra oferecer
a um CEO de nível e requinte. Mas este não se importa e acaba devorando
com prazer.
_ Eu te amo, Aurora. De todo o meu coração _ se declara.
_ Eu também, de toda a minha alma _ e se beijam outra vez.
O beijo é paciente, meigo e carinhoso. Os dois se envolvem pelas mãos
e continuam a passear com os dedos pelo rosto, se admirando e sonhando
com a divina corrupção que é entregar-se aquele amor, um amor corrompido,
um amor de outra mulher. Mas aquele amor de outra mulher tinha prazo de
validade e em breve seria seu, totalmente.
Certo tempo depois, ouve-se um barulho de chave virando na porta e
quem entra com olhar preocupado e misterioso na casa é Verônica, de braços
dados com Oswaldo.
_ Verônica, quanto tempo! _ Um sorriso perverso estampava-se no rosto
do CEP.
O susto que Verônica toma é indescritível, nem um milhão de palavras
seria capaz de explicar qual tinha sido a reação dela em vê-lo ali.
_ Victor Hugo!? _ Sua fala era surpresa.
_ O que foi, amiga!? _ Aurora fica perdida na conversa _ Meu namorado,
ué, ele veio me fazer uma visita surpresa, mas não precisa ficar tão
surpreendida assim. É só uma visita de cortesia.
O homem sentado no sofá se levanta e caminha até ela, cumprimentando-
a com dois beijinhos em seu rosto. Ainda parece atônita pela presença do
executivo ali. Verônica é estranha, mas hoje está se superando.
_ Oswaldo. _ A grávida se levanta para dar-lhe um terno abraço, tinha
recuperado um pouco de suas forças depois de descansar no sofá e a
situação pela qual ele havia passado merecia ao mínimo um conforto. _
Como é que você está? Quer um café?
_ Não. Eu tô bem. Obrigado. _ Você não está nada bem, aquilo era
nítido em seu semblante.
Victor Hugo não gosta nada da simpatia com a qual a mãe de seus filhos
trata o primo da amiga. Ciúmes era uma frase que o definia, mas não poderia
muito exigir exclusividade se ele mesmo já se relacionava com ela estando
casado. Quanta hipocrisia! As pessoas constroem suas relações baseadas na
fidelidade, mas se esquecem da confiança. É preciso se entregar por
completo ao cônjuge e acreditar que este será respeitoso.
_ Oi.
_ Oi. _ ☐s dois homens se cumprimentam apenas com um aperto de mão
e um sorrisinho falso. Estão apenas sendo educados, mas a vontade de Victor
parece ser girar o braço de Oswaldo até quebrá-lo.
Já disse mil vezes a ele que não tenho nada com Oswaldo, mas ciúmes
é uma coisa terrível. Até parece que eu ia trocar meu deus grego por um
hipopótamo. Algumas pessoas não têm limites em seus descontroles.
_ Oswaldo, vem cá comigo pra cozinha enquanto eu preparo um café pra
você, deixe os dois a sós aí na sala.
Verônica não está bem. Sua voz tem um leve tom de desespero e
descontrole emocional que preocupa Aurora. Óbvio que a melhor amiga não
estaria calma depois de tudo que passou à tarde com seu primo querendo se
jogar de uma ponte, é triste saber que um parente tão próximo não se sente à
vontade com a vida e quer tirá-la.
Contudo, não parecia ser só aquilo. A grávida a conhecia muito bem para
não se deixar enganar. A perda de Igor já pareia estar finalmente
cicatrizando no coraçãozinho dela. Algumas pessoas são assim, frágeis para
relacionamento e que se entregam de corpo e alma para paixões que não
podem ser completamente suas. Alguns diriam que sua incapacidade para
lidar com relações era por pura imaturidade, mas talvez a ausência de
sentimentos recíprocos fosse a maior causadora de suas feridas. Talvez uma
alma tão leve e humilde como a de Verônica não estivesse mesmo preparada
para sofrer num mundo tão cruel.
Aurora estava sempre ao lado da amiga para ajudá-la no que fosse
preciso, as duas sempre foram coladas desde pequenas. Talvez fosse também
algum problema no trabalho, ela falava sempre de uma tal de Adriana que
nunca lhe dava paz, é bem possível que tenha sido obra da cretina. Algumas
pessoas parecem entrar no nosso caminho simplesmente para atrapalhar e
não se sentiriam satisfeitas se não fossem, pelo menos, uma pedra em seu
sapato. A inveja é o mal que mais alimenta todos eles. A beleza
incomoda e a simpatia também. Acontece que esses invejosos nunca
conseguem atingir algum patamar de renome e destaque, então se alimentam
do ódio que sentem pelos que são capazes de atingir seus objetivos e
realizar seus sonhos. Deve ser isso, algum problema no trabalho.
_ Se Oswaldo quiser, pode sentar aqui pra ver televisão _ convida, e
precisa lidar com seu um namorado que lhe tortura com os olhos.
_ Oswaldo não quer não _ informa Verônica, como se o primo não
tivesse boca para responder, ou então parecendo aquelas mães que recusam
as coisas em nome dos filhos enquanto suas proles estão morrendo de
vontade de aceitar.
_ É, não quero não _ concorda, indo coma prima para a cozinha.
Verônica está muito revoltada! E não era pra menos.
_ Posso preparar um leite com café bem quentinho pra você? _ oferece a
morena um pouco impaciente mas se esforçando ao máximo para ter calma
com o primo. Aurora continua prestando atenção na conversa deles na
cozinha e acaba ignorando as falas do futuro marido.
Victor Hugo continua lhe fazendo carícias nas pernas e aquilo é muito
agradável e bem vindo, gostaria até de pedir-lhe uma massagem nos pés, mas
fica com vergonha, pois andara direto na rua com um calçado fechado e nem
sequer tomara um banho quando chegou em casa. Deveria estar com um
chulé capaz de matar qualquer um por intoxicação.
_ Ela é sempre assim? _ sussurra, questionando o humor instável da
amiga. Ele percebeu o quanto estava indelicada e até uma criança sem a
mínima noção já teria notado.
_ Não, só às vezes quando está muito aporrinhada. O primo dela tentou
se suicidar _ informa com as palavras mais serenas possíveis e percebe que
o namorado precisa fazer leitura labial pra entender alguma coisa já que o
volume de sua voz é quase nulo.
_ Ah sim. Chato, né!?
Os dois lamentam, mas depois se beijam outra vez. Aurora nem percebe,
mas Oswaldo observa-os com um semblante tristonho da cozinha,
lamentando não poder ser ele a realizar aquela felicidade da ruiva.
_ Amor, eu já tenho que ir né, você sabe.
_ Que pena! Mas te entendo, nem sei se consigo desejar melhoras pra sua
esposa _ Verônica que os observa da cozinha parece espantada com a
expressão “melhoras para sua esposa”, vou passar por um interrogatório
logo assim que ele sair _ Espero que ela possa descansar em paz e que
tenha os melhores últimos dias ao seu lado. Vocês ainda...? Ah, você sabe.
_ Não, nós não fazemos isso desde quando decidi me separar pela
primeira vez. Desde antes de te conhecer. Fica com Deus.
_ Vá com ele. Ah, esqueci de te entregar um negócio. _ Ela tira do bolso
uma foto dos dois juntos e abraçados. _ Escrevi uma pequena cartinha atrás
_ Ele guarda no bolso do terno e depois se beijam.
_ Pode deixar que eu te acompanho! _ Verônica surge da cozinha
gritando com um semblante nada bondoso.
_ Ah, não precisa, eu sei o caminho até a porta _ Victor dá um sorriso
meigo.
_ Vou te acompanhar até a portaria, preciso ir à rua comprar umas frutas
_ informa.
_ Eu comprei, Vê. Está ali na sacola _ Aurora indica a bolsa de compras
do supermercado.
_ Quero comprar outras que você não comprou. Vou comprar pêssego pra
fazer um doce que Oswaldo adora, né primo?!
Oswaldo concorda mexendo a cabeça e encostado no portal da cozinha.
_ É, pêssego, eu realmente não comprei _ a grávida lamenta.
_ É bom que seu namorado me escolta até lá. _ Um tom debochado
parece vir da voz da amiga.
_ Já que você insiste... _ diz o CEO.
_ Eu faço questão. _ Seu tom é autoritário e debochado mais uma vez.
Alguma coisa estranha está acontecendo...
XIII
Victor Hugo
Sentia-se um mestre na arte da mentira depois de enganar perfeitamente
Aurora daquela maneira, mas seus problemas não estavam acabados.
Inventar que a esposa tinha um câncer em estado terminal só iria ajudar a
empurrar um pouco mais essa farsa, mas em algum momento Cecília
precisaria morrer naquela história. Mas aquilo não aconteceria tão cedo e ia
precisar de uma desculpa bem melhor do que aquela. Contudo, até lá teria
um pouco mais de tempo, cerca de alguns meses a mais pra pensar em
alguma boa solução, possivelmente ajudaria.
O problema maior da situação era ex-secretária marrenta-porém-linda
que iria envenenar a mãe de seus filhos contra ele. Precisava se defender e
dar um jeito nela. Quando se ofereceu para acompanhá-lo até a portaria do
prédio sabia muito bem que boa coisa não o esperava, mas arriscou
contemplar a beleza da companhia dela no elevador. Vem chumbo grosso!
Os dois se encaminham até o elevador evitando o máximo possível o
contato visual. O peso da respiração dela incidia nos ombros dele causando-
lhe certa repulsa e pavor. Aquela mulher estava completamente transtornada
depois da revelação que tivera acerca do compromisso conjugal do CEO e
como era bem mais esperta do que a pobre ruiva apaixonada não cairia na
conversa. O amor deixa algumas pessoas cegas, e a maioria delas são as
mais vulneráveis. Victor não podia negar também que nutria um sentimento
muito forte em relação à sua amante.
O elevador finalmente chega, mas os poucos minutos esperando-o sem
trocar uma palavra sequer pareciam ter durado horas e da única vez que se
virou e olhou para o rosto maravilhoso dela todo fechado teve certeza que
estava bem encrencado. Um homem alto, magro e bem afeiçoado sai do
elevador, dá um boa noite, já são quase seis horas e sorri educadamente para
Verônica.
_ Oi, Vê. _ Que íntimos.
_ Oi, Igor _ sorriem um para o outro, mas parece ser algo apenas por
educação.
Depois que entram, o silêncio continua a reinar, Victor Hugo finalmente
quebra o clima e fala:
_ Aquele que é o seu ficante?
_ Não! _ responde, grosseira _ Eu não tenho nenhum ficante, ao contrário
de uns e outros que tem ficantes até demais. E até se ele fosse isso não é dá
sua conta. Estou profundamente revoltada com as suas atitudes e morrendo
de vontade de dar na sua cara. Posso até ser obrigada a pagar umas cestas
básicas por isso, e pago com gosto, se eu puder dar uns bons tabefes na sua
cara para deixar de ser cretino. Quero saber qual foi a história que você
inventou pra enganar Aurora.
Depois que ela desabafa e lhe cospe um milhão de palavras desaforadas
numa rapidez ímpar, o elevador chega ao térreo e os dois desembarcam,
andando em direção ao pátio. Dessa vez, o porteiro não está na portaria.
_ Eu somente falei a verdade.
_ A verdade é que você é um cretino, filho da mãe, enganador barato...
_ E incrivelmente gostoso _ ele sorri percebendo a boca desejosa dela
em possuir seus lábios mais uma vez.
_ E incrivelmente esnobe. Que se acha. Você não é a última coca cola do
deserto, Senhor Victor Hugo. Você pode ser bonito, mas aprenda a lidar com
o fato de ser rejeitado. Eu não quero você e saiba que é namorado da minha
melhor amiga. Quero saber o que você disse para ela. Fala! _ Sua última
ordem sai como um rugido louco.
_ Você não me quer apenas porque namoro sua melhor amiga, porque se
as condições fossem outras... Enfim, já que quer saber, minha esposa tem
câncer em estado terminal. Ela tem cerca de três ou quatro meses de vida
ainda.
_ E você tem vinte e quatro horas.
_ Vinte e quatro horas?
_ Pra escolher uma das duas, tome uma decisão senão eu tomarei a
minha. E saiba que quando eu tomo as rédeas da situação, minhas atitudes
não são nada boazinhas. Ela vai saber de tudo. Você tem vinte e quatro horas.
_ Olha pro relógio do celular _ Seu tempo tá correndo.
☐☐☐
Chega em casa cansado, abatido e pensativo. Verônica havia imposto a
ele uma condição de escolher uma das duas mulheres, mas aquilo estava
completamente fora de cogitação. Amava as duas, seu problema sempre fora
esse de ter grande coração. Tirou o terno logo assim que entrou em casa e
jogou no sofá. Cecília veio descendo as escadas com um sorriso simpático
no rosto e aproxima-se dele dando-lhe um selinho e perguntando como tinha
sido o seu dia.
_ Cansativo como sempre, pra variar.
_ Quer que eu prepare um uísque pra você? _ Oferece a mulher que
parece viver em função dele.
_ Ah, por favor. Vou subir pra tomar uma ducha e relaxar um pouco a
cabeça. Não, vou fazer melhor. Pede o jardineiro pra ligar a sauna.
_ Você vai pra sauna a essa hora da noite!? _ espanta-se a esposa.
_ O que seria da vida se não pudéssemos curtir altas aventuras? Vamos?
_ Ai Victor! Você só inventa moda!
_ Ah, vem comigo. É só uma sauninha, depois a gente pula na piscina.
Hoje está um calor terrível, vamos nos refrescar. Temos uma piscina em
casa, meu amor. Vamos festejar a nossa união, celebrar a nossa felicidade _
comemora, mesmo que sua vida estivesse cheia de problemas, precisava
relaxar e esquecer de tudo que não lhe fazia bem aos pensamentos.
_ Ai ai. Tá bom. Vou colocar meu maiô.
_ A gente tá em casa, se quiser pode ir pelada.
_ Não vou me dar o desfrute, temos funcionários caminhando pela casa.
Vou pedir Carina pra preparar um lanche pra gente.
_ Eu vou entrar de cueca mesmo _ informa.
Cecília sorri, no fundo está adorando a novidade de quebrar sua rotina,
fazer coisas diferentes e festejar a beleza da vida. O que seria de cada um de
nós se não pudéssemos aproveitar ao máximo o tempo livre que a vida nos
oferece? A mulher sai em direção a cozinha, toda saltitante, enquanto o
marido se despe ali mesmo na sala, colocando as roupas sujas em cima do
sofá. Tinha certeza que ouviria uma reclamação da esposa, mas como era
uma noite de comemoração, de brindar à vida, talvez ela relevasse e
deixasse passar.
Queria descontrair e espairecer seus problemas, e nada melhor do que
relaxar numa sauna e curtir a água gelada de uma piscina num calor noturno
de Niterói. Sentiu-se um adolescente daqueles que vai em festa de faculdade,
bebe todas, fuma maconha e pula na piscina, não querendo criar estereótipos,
mas uma grande maioria da turma dele da universidade fazia aquilo, ele
também. Só que dessa vez a festa seria vip, número limitado de convidados:
dois.
Depois que sua esposa foi até a cozinha e retornou para a sala, tomou um
susto ao vê-lo seminu, de cuecas e até riu. Como se não tivesse o visto
daquela maneira um milhão de vezes. Riu da situação e subiu para trocar de
roupa, sentindo-se uma adolescente rebelde também.
Nos mínimos trajes, Victor Hugo caminhou até a cozinha e desta vez
Carina quem tomou um susto, tapando os olhos com as mãos, mas deixava
algumas frestas mínimas para poder usufruir ao máximo daquela imagem
maravilhosa do corpo do CEO.
_ Ai meu Deus do céu, que é isso, seu Victor!? _ fica apavorada, mas no
fundo está morrendo de felicidade por poder vê-lo de cueca _Ai, Senhor! _
ela grita e se esconde em baixo da mesa para não ver nada.
Victor dispara a rir.
_ Sai daí, Carina! Até parece que nunca viu um homem de cueca!
_ Já vi até sem _ complementa. _ Só que este homem não era o meu
patrão.
Continua abaixada se escondendo sob a mesa e tentando dar o mínimo de
privacidade possível ao dono da casa, mas aproveitou também para admirá-
lo de baixo pra cima, aquela visão lhe dava um ângulo preciso.
_ Dá pra você sair daí, Carina!?
_ Mas Seu Victor... Eu não quero vê-lo de cueca, com todo o respeito.
_ Estou me sentindo ofendido, será que meu corpo é tão horrível assim!?
_ fala se observando e alisando seus músculos _ Minha malhação três vezes
por semana não tá tendo muito efeito então.
_ Ah, tá tendo sim _ solta sem querer e depois tapa a boca, se arrependo
do que disse _ Desculpa.
_ Pode ficar aí embaixo então, só vim te pedir pra preparar algumas
bebidas e depois levar pra gente lá na piscina. Quero uma caipirinha, melhor
duas.
_ Dona Cecília não bebe _ lembra-o.
_ E quem disse que é pra ela? _ Os dois disparam a rir. _ Vou beber as
duas! Vê pra mim se o Emanuel já ligou a sauna.
_ Ele teve aqui a um minuto atrás me informando que já fez isso.
_ Aqui nesta casa os funcionários fazem de tudo, o jardineiro é quem liga
a sauna.
_ Ah, nessa casa tem bastante funcionário, e creio que estão todos
satisfeitos no emprego, são muito bem remunerados para tudo isso.
_ É, isso é verdade. Quando Ceci descer, avise-a que eu já fui pra sauna.
_ Sim.
Ele se retira da cozinha pela porta lateral e vai caminhando em direção
à sauna, o tempo está quente e o céu limpo, sem nenhuma nuvem. O calor
continuava intenso, perfeito para relaxar numa sauna. Por sorte, tinha um
barbeador que ficava do lado de fora na entrada, pronto para ser usado.
Adorava fazer a barba na sauna, pois a chance de ele se cortar – o que na
maioria dos casos fazia – era menor.
Toma uma chuveirada e sente um leve arrepio percorrendo seu corpo e
acalmando sua pele quente, se refrescar daquela forma é tudo de bom. Entra
na sauna e sente que o clima ainda não está no ponto, mas aos poucos
começa a aquecer, também, havia acabado de ligá-la, não poderia esperar
que esquentasse de um minuto pro outro. Cerca de uns quinze minutos
depois, que demora! Cecília aparece, toda se querendo num biquíni rosa
pink bem provocante.
_ Uau! Não disse que ia colocar um maiô.
_ Mudei de ideia, maiôs são tão... brochantes.
_ Brochantes!? _ ele ri. _ Nunca te ouvi dizendo essa palavra.
_ Você nunca me ouviu dizendo e fazendo muita coisa.
_ Hum... _ começa a se interessar pelo assunto e olha pra ela com um
semblante de desejo _ Tipo o quê?
_ Tipo isso. _ Cecília responde enfiando a mão dentro da cueca dele e
se ajoelhando entre suas pernas para engoli-lo todo em sua boca.
Certamente a esposa estava anos luz de distância de conseguir fazer um
boquete tão maravilhoso quanto o que a marrenta fazia. Aquela lá era sem
comparações, conseguia levar um homem a loucura com um simples olhar, o
que não fazia ajoelhada diante dele? Mas até que os préstimos de Cecília
não eram de se jogar fora.
☐☐☐
Doze horas. Metade do tempo dado por Verônica já tinha corrido e
precisaria tomar alguma atitude para se livrar da ex-secretária. Se ela
fizesse alguma coisa era possível que Aurora acordasse para a realidade e
aquilo não seria nada bom para sua relação com a grávida. Nada bom... Mas
uma luz começava a pairar sobre sua cabeça, como se fosse uma lâmpada
acesa daquelas que aparecem em desenho animado sugerindo uma ideia que
poderia ser bem efetiva na situação em questão.
Acorda pesando mais que uma tonelada, não tem ânimo nenhum para se
levantar da cama. Existe uma teoria de elefantes invisíveis deitam por cima
de nossos cobertores à noite e é isso que nos impede de levantar pela manhã.
Pra variar, Victor receberia a visita de seu não-tão-querido filho
impertinente. A última que ele aprontara foi pedir dinheiro pra viajar com a
banda da escola, mas na verdade queria dinheiro pra comprar bebida e dar
uma festinha na casa quando os avós saíram semana passada pra casa da tia
dele. Isso porque ele já tinha um cartão de crédito praticamente ilimitado,
mas para Isaac, nunca era o suficiente. Victor também não podia culpar muito
o filho, pois também nunca tinha sido aquele adolescente comportado, muito
pelo contrário. Até riu ao lembrar-se da vez que tinha feito a irmã passar
uma vergonha mortal com o pretendente, ela quase matou o irmão mais novo
depois dele ter entornado um copo inteiro de bebida na roupa do garoto.
Lembrar a adolescência era maravilhoso, mas a vida não é feita de
passados. O presente precisava acontecer. Lutando contra os elefantes
invisíveis, consegue finalmente se levantar. Acordou com a mesma cueca que
estava usando no dia anterior, pois depois de certos acontecimentos na
sauna, mergulhou pelado na piscina mais uma vez. Como se já não adorasse
fazer aquilo, nadar do jeito que veio ao mundo e como se fosse um peixe
solto n’água.
Levanta-se da cama e caminha até o banheiro, seus pés descalços tocam
o chão gelado e quando olha pro lado nota a ausência de Cecília, era
possível que a esposa já estivesse na mesa do café aguardando-o ou então se
adiantado e saído para fazer alguma coisa. Que horas são, hein!? Chega até
o banheiro e escova os dentes, molhando o cômodo inteiro e dando mais
alguns motivos para a mulher reclamar da falta de displicência do marido,
acabou urinando na tampa do vaso. Porém, é inteligente, e limpa a urina com
um pedaço de papel higiênico.
Depois de passear pelas roupas do guarda-roupa organizado escolhe uma
camisa social branca bem passada e a típica calça social preta. O dia
acordou tão quente que simplesmente não teria condições de colocar um
terno. Desce para o café da manhã e dá de cara com Isaac e Cecília
conversando as mil maravilhas. Ué, mas já!? O pai fica impressionado com
a presença do filho logo de manhã em sua residência.
_ Bom dia, pai.
_ Oi, filho. Veio tão cedo pra cá hoje, por quê?
_ Nossa, fico feliz em saber o quanto minha presença te anima _
debocha. _ Mas eu estava combinando com Cecília de receber alguns amigos
meus aqui, gosto muito da casa dos meus avós, mas prefiro a piscina da sua
casa.
_ Não seja grosseiro comigo, só achei estranho porque você sempre vem
para cá à tarde depois da aula. Foi só isso, sabe muito bem que pode vir
quando quiser, a casa também é sua.
_ Verdade _ complementa Cecília, por mais que tenha sido a família dela
a bancar a maior parte da construção da mesma, mas a madrasta tinha um
carinho especial pelo enteado.
_ Obrigado pela recepção de vocês.
_ Bom dia, amor _ Victor se aproxima da esposa para dar-lhe um beijo
no rosto, mas se surpreende com a recusa dela afastando-se. _ Que foi?!
_ Não estou bem hoje não _ ela informa se levantando da mesa e indo em
direção às escadas.
_ E eu não posso nem te dar um beijo.
_ Dispenso _ e sua voz tinha um tom de soluço e lamento. O que foi que
eu fiz agora?
_ Você fez alguma merda _ informa o filho logo assim que o pai toma
assento na cabeceira da mesa quebrando o clima tenso que repousava no ar.
_ Nós, homens, sempre fazemos merda. Aprenda isso! Nós estamos
sempre errados.
_ No seu caso você está errado mesmo.
_ Tá sabendo de alguma coisa!? _ o pai pede informações ao filho.
_ Tem alguma coisa a ver com uma mulher ruiva.
Mulher ruiva!? Puta que pariu. É Aurora! Como descobriu!?
_ Como você sabe!? _ interrompe imediatamente sua mastigação
enquanto comia um pedaço de queijo.
_ Não fala de boca cheia! _ repreende Isaac tomando um gole de seu
suco natural de uva. Assim como Cecília, também tinha repulsa a sucos de
caixinha ou pior, de pacotinho.
_ Responde, garoto! _ insiste o pai.
_ Ela viu uma foto da mulher com você, me mostrou e perguntou se por
acaso eu a conhecia.
_ E o que você disse!? _ continua pensativo e preocupado com o quão
catastrófica poderia ser aquela descoberta. É bem possível que o estoque de
desculpas e mentiras do homem estejam chegando ao fim.
_ Eu disse que não ué! Nem sei quem é aquela mulher. Mas pelo visto
Cecília não ficou nada satisfeita em ver uma foto de vocês dois.
_ É uma amiga minha do trabalho _ informa tentando enganar o filho.
_ Pelo visto essa sua amiga e você são muito íntimos... _ começa a
provocar, mas Victor Hugo não cai na ideia do filho.
_ O que Adriana te falou disso? _ tinha certeza que era culpa da nova
secretária fofoqueira, aquela mulher nunca soube se colocar em seu devido
lugar, continuava acreditando que qualquer laço era capaz de cultivá-la
como membra da família.
_ Não disse nada, apenas essa mulher do cabelo vermelho que te mandou
uma foto com coraçõezinhos e um bilhete de amor escrito atrás, por isso que
Cecília está estressada com você.
Que merda! A foto que Aurora tinha lhe entregado ontem na hora de sair
e ele havia esquecido no bolso do terno. Muitas informações estavam
contidas ali, os laços de relacionamento estavam nítidos e não teria como
inventar mais desculpa nenhuma. Precisava falar para Cecília toda a verdade
e aquilo poderia lhe custar muito caro. Não é qualquer um que teria coragem
suficiente para por fim numa relação árdua que lhe trouxe de presente o título
dos Gouveia Vasconcellos. Se tinha uma coisa que os homens desejavam
mais que o dinheiro era o poder, e sem dúvida aquele sobrenome lhe garantia
tudo.
_ Quem é essa mulher hein, pai!?
_ Toma conta da sua vida que você ganha mais, tá Isaac!? Se preocupe
com seus amigos que virão para o banho de piscina. Vá conversar com o
jardineiro e pedir pra ajeitar tudo para recepcionar seus convidados _ diz
após terminar uma última golada no leite desnatado.
_ Ok, só não magoe Cecília nem permita que ela vá embora, pode ter
certeza se isso acontecer vai ser seu fim.
Meu fim... Até parece que preciso ficar correndo atrás de mulher. Sou
bonito, sou gostoso, um CEO... Elas que correm atrás de mim. Meu fim
será o paraíso!
Ignorando o comentário do filho, se retira da mesa e vai em direção ao
seu escritório que existe no primeiro andar, talvez ainda não se sinta forte o
suficiente para ir até a esposa e enfrentá-la tratando daquele assunto. Talvez
tenha lhe fugido um pouco a coragem e ainda refletia seriamente no que iria
fazer. Logo de manhã já tinha uma bomba no café, esse é apenas um dos
problemas que um executivo lindo precisa resolver.
Confere alguns papéis e coloca em sua pasta organizando seus pertences
antes de sair, mas não conseguia focar no trabalho. Não posso deixar
Cecília. Não posso deixar Cecília. O problema era que gostava das duas de
igual maneira, já estava há muito tempo casado, gostava da esposa, mas
algumas diversões na rua lhe chamavam a atenção também e ela precisava
entender aquilo. O pai dele sempre dizia que mulher de casa é que nem
comida sem sal, não tem gosto de nada. E tinha crescido cretino igualzinho o
seu progenitor.
Enquanto organizava alguns papéis no seu escritório, que parecia ter
estocado um milhão de contratos e outras pendências que nunca se
resolviam, seu celular toca.
_ Alô? _ atende impaciente ao não reconhecer de quem era o número.
_ Bom dia, senhor Victor Hugo _ e imediatamente reconheceu a voz da
raiz de todos os seus problemas, sua tinha um tom tranquilo e matreiro ao
respondê-lo com certo frescor e felicidade em torturá-lo.
_ Foi você, sua vagabunda, que contou tudo pra minha mulher? Foi ideia
sua aquele bilhetinho todo colorido né que sua amiga colocou no meu bolso
só pra que minha esposa descobrisse.
_ Nossa, que indelicado você, querido ex patrão. Não tenho nada a ver
com as declarações amorosas de Aurora, pelo contrário, desaprovo
totalmente. E não acredito como ela pode ter sido tão tola em acreditar que
você ainda estava casado porque sua esposa tem câncer. Vocês já estão
juntos há cerca de um ano, desculpe dizer, mas se ela estivesse mesmo
doente já deveria ter morrido há muito tempo.
_ O câncer dela é resistente _ Mente numa naturalidade absurda.
_ Mas eu não! Suas horas estão acabando e eu não irei resistir em tomar
qualquer medida drástica em relação ao assunto. Já escolheu!? Você ainda
tem algumas horinhas para ir atrás de Aurora, confessar que você é um
cretino e dar adeus a ela. As crianças poderão muito bem ter uma mãe e uma
tia. Garanto que, no que estiver ao meu alcance, não faltará nada às proles.
_ Minha esposa resolveu se separar de mim, escolhi ficar com Aurora
que é realmente o amor da minha vida. Mais tarde deve me encontrar com
ela e por favor, Verônica, eu estou te implorando, não fale nadadeste assunto.
Por favor! _ repete a palavrinha-mágica.
_ Você vai pagar, Victor Hugo! Você vai pagar... _ A marrenta continuava
estressada num nível insuportável. O que mais ela queria que eu fizesse!? É
bem provável que continua apaixonada por mim e não consegue lidar com
a ideia de ser rejeitada. As mulheres são assim... Acontece nas melhores
famílias.
_ Eu já estou fazendo tudo que você ordenou, Verônica! _ O homem
desabafa.
_ Isso não apaga o fato de que cometeu um pecado infame. Um erro
grotesco. Uma merda tamanha! Você continua bem encrencado.
_ Fica me ameaçando que eu te tiro da empresa.
_ Ouse fazer isso pra ver o que te acontece. _ Ameaça.
_ Você parece até uma moradora de morro _ depois daquele tom ele
teve até medo. Essa gente barraqueira que tem raiz na favela é barra pesada.
_ Eu não sou cabrita pra morar em morro! E é melhor não arranjar briga
com gente como eu se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca
cheia de formiga. Estou te avisando. _ O aviso de Verônica fez um arrepio
correr por toda a extensão de sua espinha.
Se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca cheia de
formiga... Se não quiser acordar numa vala a céu aberto com a boca cheia
de formiga... Demora alguns minutos até que recobre a consciência e
continua a conversa.
_ Desculpa, não vou mais te chantagear. _ Quando percebeu a mulher já
tinha desligado na sua cara.
_ Filha da mãe! _ grita atirando um objeto de porcelana que havia sobre
a mesa na direção da parede tentando de alguma forma extravasar seu acesso
de raiva.
Saí do escritório bufando e de mãos atadas, qualquer atitude que pudesse
tomar seria imprudente perante uma barraqueira de morro, seu destino estava
nas mãos de sua ex-secretária. Sobe as escadas até o quarto e se depara com
uma Cecília chorando de não conseguir conter as lágrimas, seus olhos
estavam encharcados e ela arrumava uma bolsa sobre a cama retirando
alguns de seus pertences mais importantes do armário.
_ O que você está fazendo, Cecília? _ ☐ CEO reprime sua voz falando
da maneira mais delicada possível, não seria possível que a esposa
estivesse fazendo as malas para sair de casa, aquilo era só uma briguinha de
casal.
_ Eu vou embora! _ desabafa em meio aos soluços, chorando tanto que
sua voz é quase indecifrável. Continua chorando. O muro das lamentações é
em Israel, chore lá!
_ Não faça isso, eu te amo _ fala aproximando-se dela e segurando em
seu braço, mas ela se desvencilha dele e o repreende.
_ Você já brincou com meus sentimentos por tempo demais, chega Victor
Hugo! Chega! Tem horas que a gente precisa tomar uma atitude e dar um
basta.
_ Mas a gente se ama, Ceci.
_ Não me chama de Ceci _ grita com ele, em meio a sua redoma de
lágrimas.
_ Nada é capaz de separar um amor verdadeiro, estamos juntos há muito
tempo e não vai ser uma briguinha de casal que vai nos afastar. Ninguém vai
ser capaz de sublimar o amor que eu sinto por você, já superamos problemas
muito maiores pra poder estar junto. Aquela mulher da foto era apenas uma
amiga com quem eu tive um rolo um tempo atrás, mas já demos um basta na
relação, por favor, me perdoe.
_ Deram um basta na relação e ela te manda uma foto assinada com a
data de ontem?
Merda!
_ Ela está me querendo de volta, mas já expliquei que só quem me faz
feliz é minha mulher. Já cansou de me ligar, mandar mensagem, escrever
cartas e enviar fotos de quando estávamos juntos... Mas eu informei a ela que
amo minha esposa e não tenho interesse em mais ninguém. Foi um deslize
meu e eu tô aqui pra te pedir desculpas. _ Victor Hugo e sua exímia
capacidade de atuar _ Me perdoe!
_ Victor Hugo, eu já aceitei todas as suas traições, sofri calada fingindo
que nada estava vendo pra continuar ao seu lado porque eu te amo, mas você
ultrapassou todos os limites. Esses anos todos eu me fiz de burra, boba,
apenas não querendo aceitar a realidade. Eu não queria ver o que estava
estampado na sua testa e repousando sob meus olhos.
_ Você acabou de dizer que me ama, e o amor tudo suporta e tudo perdoa
_ lembra-se de algum versículo bíblico que dizia isto, e acaba apelando para
a religiosidade que nunca foi seu ponto forte.
_ Eu já suportei tudo e mais um pouco, essa última foi a gota d’água _
continuava chorando, mesmo que depois de iniciada a conversa houvesse
diminuído um pouco das lágrimas.
Victor começa a retirar as roupas que a esposa colocava na mala; e ela
recolhia tudo de volta para o interior da bolsa. Depois, o homem segurou nos
braços dela bem forte impedindo-a de continuar com aquela tarefa.
_ Você não vai embora. Eu te amo! _ e brada com a esposa usando todas
as suas forças que ainda restavam em suas cordas vocais.
_ Ela tá grávida! _ grita de volta vomitando as palavras entaladas na face
do marido.
Puta que pariu! Como ela sabe!? Agora tô ferrado!
_ Ela tá grávida, Victor Hugo. A outra vai realizar o sonho que eu
sempre tive que era ter um filho seu _ dessa vez as lágrimas voltam à tona
com todas as forças e uma cachoeira corre dos seus olhos, demonstrando o
quão triste aquilo lhe deixava _ Ela vai ser mãe! Algo que eu nunca vou
conseguir ser.
_ Já disse que a gente pode fazer tratamento. _ O CEO sugere como se
aquela opção não já tivesse sido utilizada.
_ Já fiz milhões de tratamentos. Já engravidei outras milhões de vezes e
perdi. Eu tenho endometriose e é quase impossível que eu tenha filhos.
Quase impossível pra não admitir que é raro. Talvez um caso em um milhão
e eu não sou uma mulher de sorte. Estou cansada de tentar, não quero me
submeter a isso outra vez. _ Chora ainda mais.
_ Você é a única mulher que me completa. _ Nem milhares de elogios
seriam capazes de emocioná-la aquele instante. _ Eu... Eu... _ olha ao redor
do quarto como se a palavra que precisava estivesse escondida entre os
móveis _ Eu não vou saber viver sem você.
_ Ah, vai sim!
_ Cecília, você sobreviveu às minhas piores verdades.
_ E coloque piores nisso! Mas não, isso não _ completa a mulher. _ Eu
relevei a história da sua primeira mulher e precisei ficar contra minha
família que não queria que eu me casasse com você. Depois do escândalo
que foi na cidade a história da mãe de Isaac que eu nunca tive coragem e
audácia de contar a ele.
_ E vai continuar assim _ interfere _ Ele nunca pode saber da história da
mãe.
_ Sim, eu tenho pena dele, por isso não conto. Mas mesmo depois do
escândalo eu desobedeci minha família e casei com você, mas eles tinham
toda a razão. Você é um cretino!
_ Os Gouveia Vasconcellos nunca gostaram de mim porque me julgam
interesseiro, estão pouco se importando com o que aconteceu no passado.
Eles só querem saber de dinheiro e não estão nem aí pra fator felicidade.
_ Eles são meus pais! _ Nesse momento suas bolsas estão quase prontas
e a mulher corre os olhos pelo quarto como se procurasse alguma coisa que
esqueceu.
Um breve silêncio reina no quarto e os dois se entreolham, a mulher às
lágrimas e o homem ainda impassível como se todas as emoções e cores
houvessem fugido de seu rosto, estava tão pálido que sequer sabia o que
fazer. Se terminasse com Cecília, sua vida iria ruir. Precisava tomar alguma
atitude, fazer alguma coisa, mas o quê?
_ Foi Adriana que te contou tudo, não foi? _ quis saber.
_ O que isso tem a ver!? O que importa é que eu sei da verdade.
_ Aquela linguaruda... _ sussurra.
_ Adriana não tem nada a ver com isso, sabe muito bem que ela encobre
todas as suas falcatruas. Eu descobri por conta daquela foto no seu terno
quando peguei hoje de manhã e fui pôr para lavar.
_ Me dá só mais uma chance, Cecília. Eu vou provar que te amo. Eu vou
provar...
_ Você tem até amanhã _ avisa.
Essa história de vinte e quatro horas de novo não...
XIV
Verônica
Mesmo que ainda não se sentisse muito à vontade em conversar com Igor
depois de todo seu envolvimento amoroso com ele, teve que apelar. Não
conhecia nenhuma outra pessoa tão inteligente em matéria de carros quanto o
marrom bombom. Oswaldo até que poderia lhe dar alguma ajuda, mas do
jeito que o primo era um fofoqueiro, bem possivelmente ia contar pra Aurora
que a amiga tentou sabotar o carro do namorado só pra que o homem ficasse
a pé no meio da estrada à noite. Precisava de alguma maneira dar uma lição
naquele cara e mostrar que não estava de brincadeira quando o assunto era
defender sua melhor amiga. E não pouparia esforços para isso.
Tudo poderia ser simplesmente mais fácil para colocar seu plano em
prática se ainda fosse a secretária do CEO, mas como não ocupava mais tal
cargo, precisava dar um jeito de tirar Adriana do posto na hora em que o
patrão se retirasse da sala para o almoço. E para isso teria que usar todo seu
charme e convencer Jorge a ajudá-la. Até que tal tarefa não seria tão difícil e
o chefe do setor já tinha demonstrado algum interesse por ela certo tempo
atrás. Essa parte seria mole.
Ela e Samira chegaram ao prédio da empresa e se despediram antes de
entrar. Foi um abraço caloroso de grandes amigas, parecia até que já sabiam
que aquela seria a última vez em que iriam juntas para o trabalho. É
engraçado imaginar que a gente não tem a mínima noção de qual será o dia
em que nossas vidas irá mudar completamente, até o momento em que ele
chega. E aquele dia estava marcado pra mudar a vida de Verônica e Aurora
para todo o sempre. Sem dúvidas, a melhor amiga nunca mais se esqueceria
daquela data.
Entra no prédio da empresa e cumprimenta Jorge com dois beijinhos
delicados na bochecha e sente um maravilhoso perfume amadeirado
exalando do corpo dele. Estou ovulando! Depois disso, foi até a sala dos
funcionários marcar seu ponto de chegada e retornou para a recepção para
começar sua tarefa diária de não fazer nada, apenas atender uma ligação
aqui, digitar um documento ali, anotar um recado... O plano só entraria
mesmo em prática depois do horário do almoço e quando Victor Hugo
chegasse.
_ Tudo bem com você, Verônica? _ indagou o colega de trabalho
percebendo a preocupação nítida nos olhos dela.
Será que está tão na cara assim!? Preciso controlar minhas emoções!
Nunca sabotei o carro de ninguém, é normal que fique nervosa!
_ Ah sim, tudo bem. É só uns problemas pessoais que me deixaram um
pouco preocupada, mas vai ficar tudo bem.
Vai ficar tudo bem... Vai ficar tudo bem.... Era isso que repetia para si a
todo momento. Depois que desse uma lição naquele cretino filho da mãe que
acredita poder pegar todo mundo, mexer com os sentimentos das pessoas e
ficar por isso mesmo, está muito enganado. Dessa vez, o CEO seria a presa e
a marrenta, a predadora. Estava tão possuída por um ódio perverso que seria
capaz de voar no pescoço de Victor Hugo logo quando o visse, mas resolveu
se contentar em deixá-lo a pé no meio da noite.
_ O que precisar de mim, estou aqui _ dispõe Jorge. _ Não é porque
trabalhamos juntos que temos que ser estritamente profissionais.
Verônica sente uma pontada de esperteza e saliência em sua voz. Ele não
estava apenas querendo mostrar-se disposto a ajudá-la nos assuntos
pessoais, mas transparecia um interesse um pouco além dos campos rasos.
Ele tinha aquele tipo de interesse que as mulheres são capazes de captar em
seus olhos.
_ Pode desabafar comigo _ continua falando quando percebe a morena
inerte e calada, e ele, não sabendo reconhecer se aquela reação silenciosa
era positiva ou não.
_ É que... acho que eu vou precisar de uma ajuda sua hoje na hora do
almoço. Mas é um assunto extremamente sigiloso, eu preciso entrar na sala
de um funcionário da empresa _ revela contando com a discrição do homem.
_ Olha lá hein Verônica... Não vai sobrar nada pro meu lado não? _
suspeita.
_ Não! Fica tranquilo. Vai dar tudo certo e caso dê alguma coisa de
errado a culpa irá recair toda sobre mim. E até porque o que preciso que
faça não levantará nenhuma suspeita. Mas por favor, não me pergunte o que
pretendo fazer _ diz morrendo de nervoso sem saber se poderia realmente
confiar em Jorge, mas nos últimos tempos ele tinha se mostrado muito mais
do lado dela do que do CEO.
_ Ok, o que eu vou ter que fazer? _ indaga.
_ Só preciso que você distraía Adriana na hora que Victor sair pro
almoço. Preciso entrar na sala dele.
O telefone toca e os dois pausam seus assuntos particulares para executar
as tarefas da recepção. É o Dr. Campos pedindo umas informações sobre o
CEO em questão, mas Victor Hugo ainda não tinha chegado para dar início
ao trabalho. Estava especialmente atrasado em quase uma hora, mas costuma
se sentir acima do bem e do mal, então chega quando bem entende.
Em dois minutos, despacha o diretor que vem com conversas libidinosas
e salientes para cima da recepcionista mostrando seu interesse por ela. Até
quando terei que aceitar isso calada!? Verônica se sentia mal com aquilo,
alguns outros discordariam achando que aquilo lhe valoriza ou que as
mulheres deveriam se sentir bem por serem desejadas. Mas nenhum desses
pensamentos passava na cabeça dela, que pelo contrário, só se sentia
diminuída e tendo que aceitar tal postura para não perder a vaga de emprego
que era difícil conquistar.
Finaliza a ligação, revira os olhos e continua a conversa com Jorge.
_ Você pode fazer isso por mim? _ pede.
_ E o que vou ganhar em troca? _ sente um olhar safado do homem.
_ O que você quer? _ Era uma pergunta respondendo a outra.
_ Sair com você hoje à noite.
_ Tudo bem, acho ótimo. É bom que a gente se conhece melhor _
Verônica aceita logo de cara, até parece que aquilo seria algum sacrifício
para ela. Jorge era lindo, porém fazia o estilo de todos os outros homens que
ela conhecia: cafajeste. Quando será que esses cafajestes vão parar de me
perseguir?
_ Show. Que horas te pego?
A noite toda se você quiser.
_ Pode passar lá em casa às oito. Eu te passo o endereço por mensagem.
_ Ok _ ele aceita.
Cinco minutos depois a raiz de todos os males da sua vida desponta na
recepção. Era Victor Hugo esbanjando sensualidade naquele corpo
incrivelmente delicioso, com olhos magníficos e sedutores ao máximo e um
cheiro embriagante. Verônica não podia se aproximar dele, pois o CEO lhe
fazia delirar e acabava esquecendo-se de seus reais interesses em relação a
ele. Acorda Divônica! Rapidamente retomou sua consciência e fez cara de
séria quando ele se aproximou com um sorriso tentador no rosto.
_ Bom dia, Jorge!
_ Oi, Victor _ responde.
_ Tudo bem, Verônica? _ indaga, tentando hipnotizá-la com sua beleza.
_ Tudo ótimo _ força um sorriso no canto da boca. _ Ah, Dr. Campos
gostaria de falar com você.
_ Por que ele não ligou pra minha secretária? _ quis saber.
Porque eu sou mais bonita que a cara de fuinha!
_ Talvez Adriana não estivesse por lá, o importante é que ele precisa
falar com o senhor com urgência.
_ Obrigado! _ e sai andando em direção ao elevador.
O dia da recepcionista continua fluindo da melhor maneira possível,
saber que em breve conseguiria realizar seu plano maligno lhe deixava muito
mais disposta e ainda por cima seria presenteada com a companhia de Jorge
durante toda a noite. Não pretendia esperar muita coisa daquele encontro,
gostava de se surpreender com o que as pessoas poderiam lhe oferecer, já
havia aprendido e sofrido demais com o fato de esperar dos outros. Aurora
sempre repetia uma frase para a amiga: Não crie expectativas, crie pombos.
Tenho certeza que eles serão bem menos nocivos a sua saúde. Aquilo era a
mais pura verdade.
Aproveita que ninguém vigiava o trabalho na recepção e mexe no celular.
Por incrível que pareça, recebe uma mensagem de Igor todo fofo e
carinhoso. Repreende-se e se proíbe a responder qualquer coisa meiga em
contrapartida. Já sofreu demais com esse amor e acreditar que uma
conversinha boba vai ganhá-la novamente pode esquecer. Já deu!
Responde à mensagem de uma maneira estritamente objetiva e sem
margem para representação de sentimentos ou espaço para flerte. Igor
provavelmente terminou com Alice e quer resgatar Verônica para uma
companhia noturna, mas ela estava cansada de ser objeto na mão dele,
cansada de ser uma solução imediata para problemas costumeiros, cansada
de se contentar com migalhas de amores alheios. Ela não merecia aquilo. Era
uma mulher que merecia coisas extraordinárias, estava na hora de se
agraciar com alguém que realmente lhe cativasse e que fosse um sentimento
recíproco.
Aurora também conversou com ela um pouco por mensagens, estava no
ônibus indo para o consultório chique que o namorado pagava fazer uma de
suas últimas ultrassonografias com a doutora. O sexo das crianças
continuava um mistério, já que a mamãe queria surpresa. Verônica alertou-a
para não utilizar muito o aparelho telefônico na rua, pois uma grávida seria
um alvo bem fácil para os ladrões. Avisou também que pretendia retornar de
táxi, o particular que Victor Hugo tinha contratado para fazer as viagens
dela, mas pela manhã ele estava um pouco ocupado e acabou optando pelo
transporte público.
Mandou também mensagem para Dora perguntando como andava o
relacionamento com Nathan, torceu também para que a maré de azar que
circulava naquele prédio não atingisse as vizinhas queridas. Demorou para
que a colega respondesse pois esta trabalhava direto e seu emprego não lhe
permitia muitas folgas, tinha tarefa o tempo todo. Mas logo que ela se casar
com o loiro surfista vai ficar rica e não precisará disso. Quando respondeu,
informou que o namoro estava firme e forte, que bom que os dois estavam se
dando bem juntos. Pelo menos alguém tinha que beijar na boca e ser feliz,
porque namoro é assim.
Já com o primo não precisava nem puxar assunto que ele já vinha.
Oswaldo não podia ver que a garota estava online para ir logo mandando um
milhão de vídeos sem graça e quaisquer outras chatices que encaminhava
sem o mínimo pudor. Depois ainda perguntava se achou engraçado. Verônica
se limitava a assistir um ou outro dos mais curtos quando não tinha realmente
nada pra fazer, e era até bom quando se sentia a pior pessoa do mundo e
ligava os vídeos encaminhados pelo primo acabava se lembrando que tem
gente mais tosca do que ela. Pensar em Oswaldo era quase um
antidepressivo.
12:17. Já tinha dado a hora do almoço e ainda assim Victor Hugo não
tinha descido para almoçar, geralmente ele saía e ficava um bom tempo fora,
sabe-se Deus onde e com quem. O almoço dos outros funcionários como ela
já tinha acontecido até o meio-dia e Verônica aproveitou para comprar sua
quentinha e comer no refeitório dos funcionários. Será que o homem já tinha
saído antes dela perceber? Fez uma rápida ligação para o andar dele e quem
atendeu foi Adriana.
_ Pois não _ fala com aquela sua voz debochada logo que vê que o
telefonema é da recepção.
_ É a Verônica. Victor Hugo ainda está trabalhando ou já se retirou para
o almoço? _ indaga.
_ Por que quer saber? _ foi ríspida em atender a recepcionista.
_ É que Dr. Campos pediu para procurá-lo, gostaria de saber se ele
conseguiu atendê-lo _ tenta puxar para outro assunto.
_ Conseguiu sim, e já se retirou para o almoço.
_ Ok _ desliga o telefone na cara da funcionária nojenta.
Pronto. O próximo passo de seu plano já poderia ser dado, mas ficou
preocupada se o homem tinha realmente saído para o almoço ou se era uma
invenção da secretária para ludibriá-la. Porém, o pior de tudo seria se o
homem tivesse saído de carro, mas no período que foi secretária dele nunca
saiu de carro. Apenas almoçava com os amigos ou então se retirava para
almoços de negócios de carona com os negociantes.
Respira fundo e olha para Jorge dando um sinal de cabeça autorizando-o
a começar o plano. Era simples, só precisava retirar Adriana de seu posto,
mas não poderia subir o andar pois senão o posto da recepção ficaria
sozinho. Resolveu ligar para Adriana alguns minutos depois para não dar
muito na cara.
Dez minutos depois e Verônica não se aguentava mais de ansiedade.
_ Liga logo! _ pede.
_ Ok, vou ligar _ pega o telefone no gancho e uns segundos depois é
atendido _ Adriana, preciso que você venha urgente aqui na recepção. Por
favor! É o Jorge, vem logo. _ e desliga antes mesmo que a mulher tenha
tempo de refletir ou questionar o que estava acontecendo.
_ Ótimo, agora vou subir rápido pelo elevador de serviço. Do jeito que
Adriana é metida não descerá pelo dos faxineiros de jeito nenhum. Se ela
perguntar, diga que fui até o banheiro. Invente uma história qualquer pra
enrolar ela por alguns minutos. Muito obrigada! _ e joga um beijo saindo
apressada.
Suas pernas tremiam de tanta pressa de subir logo para o vigésimo andar,
teve vontade de correr pelas escadas, porém demoraria muito mais. Era
melhor aguardar o elevador. Cerca de dois minutos ele chegou e seu coração
não aguentava mais no peito, sentia vontade de pular pela boca. Estava
preocupada, se nada der certo estaria completamente ferrada e
desempregada. Victor não toleraria aquela sua atitude.
Chega no andar desejado em poucos segundos, a vantagem de se
trabalhar num prédio chique é que até o elevador de serviço é luxuoso e
rápido. Observa o movimento quando sai e percebe poucas pessoas ali.
Mantenha a postura e haja com naturalidade, como se fosse uma
secretária como todas as outras. Ninguém dispensa qualquer atenção ou
suspeita sobre ela, apenas alguns homens safados reparam em seu corpo e
acompanham as pernas dela com os olhos, mas consegue entrar na sala sem
fazer nenhum alarde.
Quando está dentro da sala, percebe que tudo estava exatamente no
mesmo lugar de quando deixou. Desde a última vez que tinha trabalhado
como secretária do homem nunca mais retornou ali. Repousa os olhos no
mesmo lugar onde meses antes os dois estavam próximos e envolvidos num
beijo tentador, num sexo surreal. Odiava ter que admitir, mas aquele CEO
cretino tinha sido um dos melhores beijos e sexos de toda a sua vida. E o
principal era sua pegada. Que pegada!
Rompendo seus devaneios e pensamentos incabíveis começou a procurar
pela chave do carro sobre a mesa, mas nada. Observa e começa a tatear os
objetos que ficam sobre o armário, mas também não encontra qualquer
vestígio de uma chave de carro.
_ Onde será que esse infeliz enfiou a chave? _ acaba pensando alto.
Se ele tivesse levado a maldita chave no bolso do terno, Verônica estaria
completamente ferrada e seu plano maligno teria ido todo por água abaixo.
Precisava pensar rápido antes que Adriana retornasse ao posto e ficasse
presa dentro daquela sala. Pense, Verônica! Pense! Seu tempo estava
acabando e não fazia a mínima ideia de onde poderia estar escondido seu
mais precioso ouro. Seu coração batia tão acelerado que parecia ter acabado
de correr doze quilômetros numa pista olímpica. Estava nervosa! Muito
nervosa.
Cruza os dedos e fecha os olhos, pedindo a Deus uma luz. Pelos seus
cálculos, provavelmente tinha menos de cinco minutos para encontrar a
chave e se sentia uma criança se escondendo da mãe depois que faz bagunça.
Era como se sentisse a respiração pesada da mãe repousando em seu
cangote. Encontre a chave, Verônica! Continua procurando por toda a sala,
mas nenhum sinal da bendita.
Seu celular apita no bolso e é uma mensagem de Jorge: “Enrolei o
máximo que pude, Adriana já está subindo”. Puta que pariu! Tinha menos
de dois minutos. Um reloginho ressoava na sua cabeça, tic-tac, tic-tac... Até
que lhe surge uma luz no fim do túnel.
_ A gaveta! _ um sorriso brilha em seu rosto, cantando vitória antes
mesmo de encontrar o objeto.
Corre até as gavetas quase derrubando no chão as pastas que repousavam
na ponta da mesa. Mete a mão na primeira e não encontra nada interessante
além de papéis e dinheiro. A segunda nada também. Que merda! Quando
coloca a mão pra puxar a terceira ouve um leve ranger. Trancada.
Antes mesmo de ter tempo pra raciocinar lembrou-se que ele guardava a
chave da gaveta numa caixinha de madeira com um desenho de coração na
tampa e que ficava no armário de documentos.
Retorna rapidamente até o armário de documentos pensando que não lhe
resta nada mais que sessenta segundos até que a monstra do cabelo ruim
retorne ao seu posto. Ainda assim, não tinha certeza nenhuma de que a chave
do carro estaria guardada naquela gaveta, mas sua esperança apostava todas
as fichas ali, tinha que estar lá.
Pega a pequena chave e suas mãos tremem tentando abrir a gaveta, estava
tão nervosa e preocupada que sequer era capaz de girar. Mas finalmente
abriu e seu precioso ouro estava lá. Trancou a gaveta e levou a chave do
carro consigo.
Sai da sala observando todos os movimentos ao lado, quando entra no
elevador de serviço ouve um leve barulho indicando que o elevador social
tinha chegado. Ufa! Consegue sobreviver ao furação Adriana por uma fração
de segundos, mas devolver seria mais fácil, agora que carregava a chave da
gaveta.
Quando retorna para seu posto na recepção, senta-se numa cadeira que
Jorge puxou para ela e bebe a água que este lhe oferece. Estava
completamente pálida e não existia uma vírgula de melanina sequer em sua
pele. Branca como se tivesse acabado de ver um fantasma. Jorge lhe
observava atento querendo saber quem ela tinha visto pra está tão assustada
daquela maneira.
_ Conseguiu? _ indaga.
_ Sim, agora preciso sair por alguns minutos, já volto.
Mal se recompõe e já sai do prédio toda perdida, caçando o carro do
homem no meio da imensa rua. Conhecia o modelo do veículo do namorado
da amiga, só não sabia a placa, vai que encontra algum igual? Mas resolveu
esquecer dessa opção, corre os olhos por tudo quanto é canto completamente
perdida. Será que ele costumava deixar o carro na rua ou em algum
estacionamento? Nunca tinha parado para refletir aquela questão, quanto
mais dava continuidade ao plano, mais percebia os buracos que existiam
nele.
Caminha por mais algumas calçadas até ver um carro idêntico ao do
CEO. Tinha que ser aquele. Aproxima-se tentando manter o máximo possível
de sua naturalidade, mas não consegue. Parece uma fugitiva da polícia
tentando se esconder. Algumas pessoas lhe observam como se ela fosse
assaltar alguém, mas chega até o carro e enfia a chave no buraco. O carro
abre e Verônica comemora.
Mas sua comemoração logo vai por água abaixo com o susto que toma
quando o alarme dispara chamando atenção de todo mundo que estava ao
redor. Merda! Sua cara estava vermelha e tanta vergonha e tenta se conter ao
máximo para não transparecer preocupação. Você não está roubando um
carro, Verônica! Haja com naturalidade. Tentando manter a calma, pega a
chave e aperta o alarme que havia se esquecido de fazer antes de girá-la.
Não entendia nada de automotores, mas Igor tinha a informado para
levantar a tampa da frente, tinha indicado onde poderia estar a alavanca que
liberava para abrir mas nada de encontrar. Rodou tudo quanto é lado, mas
nada lhe fazia descobrir, a solução foi apelar para um garoto de um vinte e
poucos anos que passava na rua, tinha cara de nerd, devia ser universitário e
carregava uma mochila. Não era suspeito a ponto de poder assaltá-la.
_ Garoto, dá um chegadinha aqui! _ faz sinal para que o rapaz se
aproxime.
_ Oi _ ele responde feliz como se ela fosse tascar-lhe um beijo.
_ Será que você pode me dar uma ajudinha pra levantar a tampa desse
carro. Preciso abrir ali na frente que meu marido falou pra eu dar uma
olhadinha numa coisa e não consigo. Será que você sabe? _ fez cara de
boazinha e pedinte, sorrindo para ele de uma forma calorosa e o rapaz não
tirava os olhos do decote dela.
_ Posso tentar dar uma olhada. Terminei a autoescola agora, também fico
um pouco perdido _ responde se aproximando e retirando a mochila das
costas.
O rapaz se aproxima do painel do carro e observa atentamente todos os
detalhes, parece impressionado com o estilo daquele veículo caríssimo até
dar um simples clique num botão que havia escondido quase debaixo do
banco. E abre.
_ Menino, você é um gênio. Muito obrigada!
_ De nada _ sorri _ Precisa de mais alguma coisa?
_ Não, obrigada. Quanto que eu te devo? _ Seria deselegante não
oferecer nenhuma recompensa monetária em prol da ajuda, mas os cinquenta
reais que tinha no bolso já estavam destinados para pagar Lena.
_ Que isso, dona. Nada não _ abaixa a cabeça como se tivesse sido
terrivelmente humilhado. Aquele dona tinha tirado toda a credibilidade dele
como um universitário nerd. _ Eu ajudo as pessoas por ajudar, quero
dinheiro nenhum não.
_ Então muitíssimo obrigada _ e sorri para ele que se vira e continua a
caminhada, meio cabisbaixo como se o dinheiro tivesse lhe ofendido.
Agora com a tampa do carro aberta era só encontrar o tubo indicado
perto da bomba d’água. A água ia escapar bem rápido, o veículo iria ferver
e o cretino ficaria a pé no meio da estrada. Igor tinha garantido que tal
situação não permitiria que continuasse andando por nem vinte minutos a
mais. Retira a tesoura escondida no bolso da roupa e corta o pequeno
tubinho que o vizinho tinha lhe instruído. Ainda bem que ninguém ao redor
olhava para aquilo que ela fazia. As pessoas andavam tão apressadas que
sequer notavam os acontecimentos peculiares.
Guarda a tesoura bem escondida na roupa, abaixa a tampa e tranca o
carro, lembrando-se de acionar o alarme. Retorna para o escritório e entrega
a chave para Lena, uma amiga que trabalha na limpeza da sala de Victor
Hugo e lhe dá a instrução de exatamente com deve proceder.
_ Olha Lena, você vai colocar essa chave exatamente na terceira gaveta
da mesa. Ele não pode sequer perceber que ela sumiu. Coloque o chaveiro
para cima. E toma _ retira disfarçadamente uma nota de cinquenta que
carregava no bolso entregando para a mulher. Cinquenta reais era uma
mixaria para comprar alguém, mas na atual crise financeira, o pessoal
aceitava qualquer suborno.
_ Isso não vai dar problema pra mim não né, dona Verônica!? _ Lena era
uma senhora de seus cinquenta anos e conquistara a amizade da secretária
logo assim nos primeiros dias, às vezes as duas ficavam na varanda de fora
do prédio e conversavam enquanto Lena fumava seu cigarro.
_ Não, desde que você entre logo naquele escritório e guarde a chave.
Seja rápida, pois em breve o homem volta pra lá.
_ Pode deixar _ abaixa a cabeça e segue empurrando o carrinho da
limpeza que passa pelas salas recolhendo o lixo.
Depois de ter chantageado os funcionários para compactuarem com seu
plano maligno, a única coisa que pode fazer é retornar para seu posto na
recepção. Os demais iriam suspeitar se ela continuasse ausente por muito
tempo. Voltou para o lado de Jorge e presenteou-lhe com um gracioso sorriso
agradecendo-o por fazer suas vontades e compactuar com suas ideias loucas.
Victor Hugo também retornou, passou pela recepção e subiu logo para sua
sala. Verônica sorria, sabendo que agora bastava apenas esperar. Ela só não
contava com o potencial destrutivo que poderia ter aquele plano.
☐☐☐
Eram duas horas da tarde quando o supervisor passa pela recepção
concedendo os vinte minutos do lanche. Como estava um pouco estressada
daquele ambiente todo do trabalho, resolve ligar para Samira e marcar de
tomar um café na padaria ali próxima. A colega que também fazia seu
horário de lanche acaba concordando.
Todo o tempo do lanche deveria ser economizado, então correu o
máximo que pode até o local combinado e em três minutos as duas se
encontraram novamente.
_ Quanto tempo, hein amiga_ e as duas riem do fato de terem se visto
pela manhã.
_ Verdade. Hoje estou com vontade de tomar um suco _ informa Samira.
_ Tudo bem, tem aquela lanchonete ali perto, nunca fui não, mas parece
ser boa.
Verônica aponta para uma fachada amarela com anúncios pintados em
azul na parede e as duas se encaminham para lá. A lanchonete não tinha
nenhum requinte ou muita coisa que pudesse oferecer aos clientes, mas era
bem limpinha e organizada. Espalhadas pelos cantos havia mesinhas de
alumínio, daquelas típicas de bar, com um plástico quadriculado sobre ela.
Samira vai até o balcão trazendo dois cardápios e estende um pra colega.
_ Você parece mais tranquila agora, de manhã estava muito agitada.
_ É, problemas com minha amiga né, que divide casa comigo. Descobri
que o namorado dela é um cretino.
_ Ah, mas homem é tudo cretino mesmo. Não negam a raça, são poucos
os que salvam _ comenta.
_ Ah, então me apresente esses que salvam porque até agora não vi
nenhum.
Risos invadem o encontro das duas. Tomando-se da possibilidade de
relaxar e distrair-se com os problemas, Verônica passa o olho no cardápio.
_ Não posso pedir nada muito caro não _ diz a recepcionista. _ Esse mês
estou tão pobre que tô com medo de ir na praça e os pombos ficarem tacando
pão pra mim.
_ Também estou nesse nível. Tô com dinheiro nem pra comprar uma
roupa decente pra eu ir numa festa que vai ter semana que vem. Estou
destruída! Minhas inimigas nem precisam fazer muito esforço pra me
derrubar, porque eu já tô no chão. Se passar um caminhão do lixo perto de
mim é capaz de querer me carregar.
_ E eu menina!? Olha minha cara _ informa aproximando o rosto. _
Minhas maquiagens estão todas acabando. Aliás, vou aproveitar pra retocá-
la que eu trouxe um espelho na bolsa. Minha base líquida está no restinho.
_ Se você quiser um cadinho emprestada tenho aqui na bolsa. Mas é um
cadinho mesmo porque não tem quase nada também _ ri de sua condição
lamentável. _ Acho que vou pedir um suco de graviola e um salgado de
forno.
_ Eu quero o mesmo suco e um pastel de queijo. Ia pedir um misto quente
mas meu tempo não vai dar pra esperar.
_ Também tenho que bater o ponto daqui a.. _ olha no relógio _ oito
minutos.
Verônica abre a bolsa procurando sua maquiagem enquanto Samira se
levanta da mesa e vai até o balcão informando o que desejam comer. Pouco
tempo depois, retorna com dois pratinhos de vidro e a colega ainda procura
seu espelho na bolsa.
_ O garçom já vai trazer as bebidas _ Sua voz é calma como se tivesse
lamentando o fato. _ Garçom bonitinho, viu!? _ comenta aproximando-se de
Verônica e falando o mais baixo possível.
Nesse momento, a outra não perde a oportunidade e corre os olhos à
procura do boy magia. Estou ovulando! Verônica tinha mania de ficar
encantada com todos os homens que via no mundo. Mas aquele também lhe
despertou interesse, tinha os olhinhos puxados, mas não tanto quanto um
japonês nativo e o rosto tinha algo de interessante e indecifrável que ela não
saberia explicar. Seu corpo era sedutor.
_ Pego fácil esse japinha _ encontra o espelho na bolsa. _ Ah, esqueci
que eu tenho um encontro com um funcionário da empresa hoje _ Tenta não
soar tão animada quanto estava, querendo mostrar desinteresse.
_ Meu Deus, como você não me conta isso!?
_ Ele pediu pra sair comigo foi hoje quando cheguei no trabalho _ diz. O
espelho ainda estava sobre a ponta da mesa e deu um tempo para comer
antes de se maquiar.
_ Ai, arranja um peguete pra mim?
_ Eu não tô arranjando nem pra mim, Samira! Agora que dei sorte desse
peixe cair na minha rede.
_ Hum... Só observo.
O tão bem afeiçoado garçom chega até elas carregando as bebidas numa
bandeja metálica. O sorriso de Verônica para ele já diz por si só, era como
se pronunciasse tô-doida-pra-te-pegar com seus olhos. Samira também é
oferecida no mesmo ponto e fica chateada com a colega que já vai pegar um
e ainda quer o outro. Amigas amiga, peguetes à parte.
_ O suco das senhoras.
_ Senhoritas, por favor _ corrige Samira.
_ Desculpe, senhorita _ dessa vez ele sorri carinhosamente para a cliente
mais gordinha. _ Desejam mais alguma coisa?
Você! Mas na impossibilidade disso também aceito seu número de
telefone, pode ser?
_ Não _ respondem em uníssono depois de pensarem, pareciam não
querer dispensar o rapaz de tão imediato, mas seria deselegante da parte das
mulheres darem em cima dele. Quem foi que impôs essa regra de que os
homens devem chegar nas mulheres porque se o contrário acontecer elas
parecerão oferecidas?
O garçom se retira e Samira corre os olhos na comissão traseira que ele
carrega ficando espantada com toda a magnitude.
Começam a tomar o suco e a desajeitada Verônica esbarra no espelho
deixando-o cair e as duas assistem boquiabertas o objeto cair no chão e
espatifar-se em mil pedacinhos.
_ Ah meu Deus! Agora você vai ter sete anos de azar _ lamenta Samira,
acreditando na crendice e pensando que aquele seria o maior dos problemas
da amiga.
_ Foi só um espelho, depois compro outro. O pior é que agora nem vou
poder me maquiar _ avisa curvando-se na cadeira para catar os cacos
maiores espalhados pelo chão.
Como se fosse um anjo que desceu do céu, o garçom gato retorna para
auxiliá-las no incidente. As duas sorriem como se quebrar o espelho tivesse
sido alguma estratégia para atrair a atenção do rapaz.
_ Pode deixar que depois a gente limpa, garotas.
_ Obrigada _ Samira suspira para ele.
_ Fiquem tranquilas, essas coisas acontecem.
Continuam a beber o suco e comer o salgado enquanto Samira ainda fica
encucada com o fato de a colega ter quebrado um espelho e garante que
aquilo infelizmente lhe trará sete anos de azar.
_ Vira essa boca pra lá, menina! _ rebate quando as duas se levantam
para pagar a conta.
As duas dão dos beijinhos e partem de volta para seu trabalho, felizes
por ter estado na companhia uma da outra, pois tinham conversas agradáveis
e se sentiam seguras e bem quando estavam juntas. Samira era um amor de
pessoa!
Quando retorna ao prédio começa a inquisição com Jorge.
_ E aí, Victor continua lá em cima?
_ Acho que ele deu uma saidinha.
_ Acha ou ele deu? _ Não se importa o quão invasiva pode soar com
seus comentários e perguntas continua mantendo o tom ríspido e levemente
agressivo, mas não querendo soar assim.
_ Não sei, Verônica! Não fica vigiando a vida dos outros, quem entra e
sai. _ Toma um fora e sente-se coagida. Também, estava pedindo demais ao
colega.
_ Desculpa _ reprende a si mesma e abaixa a cabeça, depois dá um leve
beijo rápido na bochecha de Jorge que gosta da atitude da mulher.
O silêncio reina no local do trabalho, talvez o homem estivesse um
pouco impressionado com a capacidade persuasiva que a colega tinha ou
talvez tivessem cessado os assuntos e não gostaria de falar nada com ela
para não soar forçado. Ela também manteve a mesma postura, ereta perante o
balcão e distribuindo sorrisos pra quem quer que passasse, esse era o papel
da recepcionista: ser gentil e educada. O problema é que alguns imbecis
acabavam confundindo as coisas e achavam que ela estava dando mole.
É incrível como alguns homens não podem receber um sorriso de uma
criatura feminina pra já ficarem completamente loucos, achando que ela está
a fim, está querendo-o ou pior, dizer que ela está sendo fácil. Só estão sendo
simpática e por favor não confundam as coisas.
Depois de um tempo Victor Hugo volta sorrindo sem sequer olhar para
os dois e sobe. Estava feliz demais pra alguém que estava com a corda presa
no pescoço. Para alguém que tinha pouco tempo para tomar uma terrível
decisão. O sorriso dele incomodava a recepcionista.
Ele está sorrindo demais... E não olhou pra mim.
Verônica sente uma leve vibração no bolso sinalizando que tinha
recebido uma mensagem, mas no exato momento que encaminhava as mãos
ao bolso aparece alguém no balcão.
_ Boa tarde. _ Quando olha, é uma senhora idosa com os cabelos
grisalhos e um olhar terno _ Pode me dar uma informação?
_ Claro! _ prontifica-se a atendê-la.
_ Eu queria ir ao banheiro. Fica pra que lado?
_ O banheiro é naquela direção. _ Aponta para seu lado esquerdo. _ No
final do corredor a senhora vira para a direita e terá uma plaquinha na porta.
A idosa continua com um olhar perdido, como se não tivesse prestado a
mínima atenção no que Verônica tivesse dito ou então tinha alguma limitação
mental que não lhe permitia assimilar as informações. Permanece ali no
balcão como se estivesse pensando e a recepcionista se mantém calada sem
saber o que fazer enquanto olha para Jorge que está numa completa distração
com um inseto que pousou sobre a mesa.
_ Quer que eu lhe acompanhe até lá? _ oferece.
_ Ah, se for possível. É que eu nunca venho aqui. Fico meio perdida.
Não tem como uma pessoa se perder num único corredor.
_ Tudo bem, posso sim.
Sinalizando com o olhar para Jorge, ela anda ao lado da senhora em
direção ao banheiro, até oferece seu braço para auxiliá-la na caminhada, mas
esta diz não ser necessário. Prestativa, mantem seus passos no mesmo ritmo
lento da idosa.
_ Você é muito prestativa, mocinha.
_ Ah, obrigada! _ sorri mais uma vez.
_ Da última vez que tive aqui era uma outra mulher meio antipática na
recepção. _ Adriana. _ Mas percebi que ela ficou puxando meu saco depois
que soube que eu pertencia a uma família de prestígio. Odeio pessoas assim,
que se vendem por conta do dinheiro. Você não, é simpática de graça. _ E ri.
_ Bondade da senhora. _ O trajeto até o banheiro parecia ser enorme por
conta da lentidão com que a idosa andava.
_ Que nada! Tenho que ir visitar meu intragável genro. Está na hora de
cuspir algumas verdades em cima dele. Espero que ele não me responda, não
aguento ouvir nada que sai daquela boca abjeta. Se ele está pensando que vai
fazer a limpa nas propriedades da família Gouveia Vasconcellos está bem
enganado. Está historinha de divórcio não vai colar.
Gouveia Vasconcellos... Gouveia Vasconcellos... Não precisava nem
perguntar, a mulher era a sogra de Victor Hugo. História de divórcio!? Meu
Deus! O homem estava realmente disposto a cumprir com o que ela havia
ordenado e escolher uma das duas. Nesse momento, um peso enorme lateja
na consciência dela.
Finalmente chegaram até o banheiro e Verônica avisa que ficaria na porta
aguardando-a para acompanha-la até a recepção. Mesmo com a idosa
dizendo que não precisava, mas sua voz tinha um tom de incerteza que
acabou aceitando. Aproveita para checar a mensagem que havia recebido no
celular. Era Aurora: “Verônica! Vc não vai acreditar! Victor trabalha aí
pertinho da sua empresa. Encontrei-o agora pouco e ele me emprestou o
carro.”
Não era possível que Aurora tivesse pego o carro justamente agora que
Verônica o havia sabotado. Fica preocupada e liga urgentemente para amiga.
A demora para atender lhe mata de ansiedade, cada tu-tu-tu que o telefone
dava, era mais um mini ataque cardíaco que a morena tinha. Atende!
_ Alô! _ Quem atende o telefone é Oswaldo.
_ Oswaldo!? _ O choque foi em dobro, ela não estava entendendo mais
nada.
_ É que Aurora está dirigindo, eu estava no ponto de ônibus e ela acabou
me dando uma carona.
_ Quero falar com Aurora! _ exigi.
_ Ela não pode falar, está dirigindo.
_ Dane-se! Eu quero falar com ela agora! _ Seu tom de voz era tão
descontrolado que possivelmente a sogra de Victor estaria ouvindo toda a
conversa lá do interior do banheiro.
_ Vou passar pra ela _ diz Oswaldo.
_ Oi, Verônica _ a voz da amiga ecoa pelo telefone.
_ Aurora, sai desse carro agora! _ parecia uma coronel com aquele tom
severo de ordem.
Igor tinha garantido que toda a sabotagem só deixaria o homem a pé no
meio da estrada, não correria nenhum risco de acidente ou coisa assim, mas
era melhor não arriscar. São poucas as pessoas que realmente amamos e
Verônica não saberia o que fazer se perdesse a amiga e o primo.
_ Ih Verônica, eu sei dirigir. Só não costumo fazer isso com frequência,
mas tenho total controle sobre o volante.
_ Auro... _ Não deu nem tempo de terminar o nome da melhor amiga
quando o que ouviu do outro lado foi uma sequências de gritos, batidas e
horrores. _ Aurora! _ dispara a gritar não se importando no quanto estivesse
chamando a atenção das pessoas que estavam ao seu redor.
Lágrimas disparam a rolar dos olhos de Verônica e o que mais lhe
apavora é que ninguém responde ao seu telefonema. A única coisa que
continua ouvindo bem lá no fundo é o barulho do rádio que continuava
tocando.
Eu matei minha melhor amiga e meu primo.
Eu sou uma assassina!
XV
Aurora
A vida é tão estranha que sequer paramos pra pensar que num momento
estamos vivos e daqui a uma hora podemos não estar mais. Assim aconteceu
com Aurora. Quando ela entrou naquele carro mal poderia lembrar que o
aviso da cartomante deveria ser obedecido naquele dia. Acontece que a
gente nunca sabe o dia ou a hora. Ela estava tão feliz depois que fez a
ultrassonografia e soube que os seus filhos estavam bem e depois de Victor
Hugo ter lhe telefonado pedindo para lhe encontrar numa loja ali perto
dizendo que tinha um presente.
Pega uma condução e senta logo nas primeiras cadeiras depois que uma
mulher nova com os cabelos bem escovados e uma maquiagem carregada lhe
cede o lugar. Ao lado dela está uma outra mulher que, com um sorriso no
rosto, fica admirando lhe a barriga.
_ Que barriga linda! Quantas crianças têm aí? _ Soa simpática ao puxar
assunto olhando no fundo dos olhos de Aurora.
_ Obrigada! São gêmeos.
_ Sua barriga está enorme. _ Continua admirada como se a informação
obtida fosse alguma mentira. _ Parecem trigêmeos _ ri.
_ Não, dois já está de bom tamanho.
_ Você está de quantos meses?
_ Vou completar oito em breve _ informa, sendo solícita ao conversar
com a senhora.
_ Eu quando fiquei grávida tinha muitos desejos. Acredita que eu já quis
comer ovo de urubu frito? Meu marido teve que se virar, senão a criança ia
nascer com cara de urubu.
Aurora conteve um riso descarado, se bobear o próprio marido já devia
ser um urubu-rei. Mas guardou o comentário para si e continuou conversando
bem animada com a senhora falando dos projetos para os futuros filhos.
Estava tão animada para ser mamãe e realizar de vez seu sonho... Pena que a
vida é tão injusta às vezes, tiram do nosso caminho pessoas que nos farão
tanta falta. Renato Russo dizia que os bons morrem jovens, talvez ele
estivesse falando de Aurora...
Certo tempo depois se despede da simpática senhora e desce num ponto
próximo a empresa de Victor Hugo, nunca tinha ido lá, mas pelos detalhes
que havia lhe fornecido era por ali. Caminhou a passos demorados em
direção ao ponto de encontro e espantou-se ao perceber que ali era bem
perto de onde sua irmã do coração trabalhava. Se bobear, é capaz de os dois
trabalharem em prédios vizinhos. A vida é mesmo cheia de linhas tortas...
O cheiro que exala de dentro da padaria onde exatamente na frente dela
aguarda o namorado é tentador. Não tem como recusar o convite de um pão
doce trançado que vê na vitrine. Era pecado se negar uma gostosura para
uma grávida. Vai que meu filho nasce com cara de pão!? Pelo menos as
mulheres diriam que ele era um pão. Nossa Aurora, que piada péssima!
Como ainda faltavam alguns minutinhos para o horário certo que marcou
com Victor, resolveu entrar na padaria e comer aquela maravilhosa gostosura
que gritava seu nome, ali exposto. A grávida chegava salivar de tão desejosa
estava em saborear o pão. Foi até o balcão e pediu um deles no pratinho.
Não tinha condições de esperar chegar em casa para comê-lo.
A garçonete prontamente atendeu-a, sorrindo quando viu sua barriga
enorme. Para beber, acabou pedindo um suco de melancia que era dos seus
preferidos. Sentou-se numa mesinha bem escondida nos fundos da padaria e
aproveitou para mandar uma mensagem para Victor Hugo informando que já
o esperava no local confirmado, no interior da padaria. Não seria bom
também mandar mensagens pelo celular estando na rua.
Comeu o pão doce saboreando como se aquilo fosse uma das sete
maravilhas do mundo. É engraçado como tudo que comia durante a gravidez
era o alimento mais delicioso que já havia provado. Parecia que os bebês
tinham aguçado de alguma maneira seu paladar e lhe despertavam uma fome
assustadora de vinte mendigos.
Seu telefone tocou e era Victor, com sua voz meiga e sensual, informando
que já estava a caminho. Era estranho para ela continuar junto dele depois de
todas as revelações sobre o homem ser casado, mas aquilo iria mudar. E não
poderia culpá-lo por ter se apaixonado por ela mesmo estando junto da
outra, não é a gente quem escolhe quantas batidas nosso coração pode dar
por alguém. Às vezes, o amor chega para a gente e na maior parte dos casos
não aceita não como resposta. Aurora era uma mulher que vivia perdida no
mundo dos sonhos e na fantasia dos livros. Era alguém que gostava de viver
suas metáforas particulares, sendo feliz à sua torta maneira. Acreditava que
o amor deveria ser que nem o cigarro e vir com um rótulo informando os
maus causados, porque assim como o tabaco, o amor vicia. E também faz
mal.
Seu amor viciante chegou cerca de três minutos depois e aproximou-se
dela com um sorriso nos lábios e um beijo aguardando sua boca toda melada
de pão.
_ Oi, amor _ sussurra com os lábios ainda presos no dela.
_ Oi, querido. Tudo bem? _ sorri.
_ Comigo sim. E você e nossos filhos? Ocorreu tudo bem na consulta?
_ Sim, eles estão ótimos e com saúde. É isso que importa.
_ Trouxe um presente, mas não é tão exatamente assim pra você. _ Só
nesse instante que ela percebe as mãos dele viradas para trás escondendo
alguma coisa.
_ O que é hein? _ Um sorriso curioso e feliz invade os lábios dela.
_ Surpresa!
E vira aos mãos para ela com um embrulho lindo num papel colorido
com várias bolinhas e um laço de fita enorme na abertura. Só pela
embalagem, já estava completamente efusiva com o presente. Parecia ser um
livro ou coisa do tipo, mas não era só aquilo. Ainda tinha outra embalagem
que era uma caixa pequena e listrada que provavelmente deveria caber algo
um pouco maior que um par de sapatos. Será que é um pra cada criança?
Dois bebês, dois presentes.
_ Gente! O que será isso? _ Ela era a própria criança morrendo de
felicidade pelo presente.
Começa a abrir pelo embrulho maior, está tão entusiasmada com a
silhueta do presente parecer ser de um livro que não teria como optar por
abrir a outra embalagem primeiro. Aurora e livro são duas palavras que
rimam perfeitamente. Com delicadeza, desfaz o laço de fita e retira o objeto
de lá de dentro. Seu sorriso se abre de orelha a orelha. Era o álbum de bebê
mais fofo que já tinha visto na face da Terra.
_ Um álbum do Pequeno Príncipe. _ na capa tinha exatamente o desenho
da capa do livro em questão só que com fundo azul, também trazia escrito
com letras garrafais: “Nosso pequeno príncipe”. Aurora disparou a folhear
toda entusiasmada e cada página que virava era um sorriso mais que o outro.
_ Acho que a gente vai ter que comprar mais um álbum, não!? Pode causar
ciúmes um só para os dois. Mas e se for menina?
_ Não se preocupe _ sorri aproximando-se dela e lhe dando um selinho _
Eu comprei quatro álbuns desse. Dois de menina e dois de menino. Vai que
são duas princesas. Estão lá no carro.
_ Meu Deus! _ fica impressionada. _ Você tem sérios problemas mentais.
_ Tenho. Eu sou louco por você. _ confessa e deixa a mamãe sem ar e
sem fala.
_ Não precisava ter gastado dinheiro comprando quatro álbuns. São
lindos e devem ter sido caros _ repreende depois de um tempo em silêncio
só agraciando a beleza do sorriso dele.
_ Quero dar o melhor para os nossos filhos. E não se preocupe, pois os
álbuns que não forem usados podem devolver na loja e trocar por outra
coisa.
_ Menos mal _ assente esticando a mão para a caixa, ansiosa pelo outro
presente.
_ Abre! _ incentiva, quando ela balança a embalagem, tentando descobrir
o que tem dentro.
_ Deixa de ser estraga-prazer, Victor Hugo! Estou tentando adivinhar o
que tem dentro primeiro.
_ Ah, desculpa _ e passa a mão pelo braço dela alisando sua pele.
Usando mais uma vez sua delicadeza, abre a caixa e sorri. Era duas
roupinhas: um uniforme do Flamengo e outro era um vestidinho preto
estampado na frente: “Meu primeiro pretinho básico”. Incrivelmente lindos
os dois! Aurora fica tão entusiasmada e tem vontade de ter uma filha menina
só pra colocar aquela roupinha.
_ Serão flamenguistas, independente de ser menino ou menina _ sentencia
o pai.
_ Nada disso, eles serão vascaínos.
_ Nem tente levar meus filhos pro buraco junto com seu time!
_ Nossos filhos! Ridículo! _ A reprimenda dela não tem efeito nenhum
logo assim que sorri e o beija. Parecia ter se deixado levar e permitir que os
filhos seguissem o time do pai. _ Eu vou escolher então os nomes deles.
Gosto de Gabriel, é nome de anjo! Gosto de Gustavo também, Bento...
_ Essa escolha deve ser conjunta! _ reclama uma participação.
_ Vou escolher também quais desenhos animados eles poderão assistir e
que música eles poderão ouvir. Não quero meus filhos assistindo galinha
pintadinha ou aquela porca, tal de Peppa. Não suporto aqueles bichos!
_ Meu Deus! _ O futuro marido estava espantado, mas no fundo achando
graça em tudo _ Vai querer escolher a profissão deles também, a cor
preferida, os futuros namorados ou namoradas...?
_ Não, isso não. Eu quero que meus filhos sejam o que eles quiserem. Se
eu morrer diga isso pra ele por mim. Independente das escolhas deles em
relação a isso irei sempre amá-los. Esse é o papel dos pais, amar cada uma
de suas proles, independente do que elas escolham. Óbvio que irei orientar
minhas crianças da melhor maneira possível. Se meu filho quiser gostar de
rosa ou se minha filha decidir brincar de carrinho terão todos os direitos. Se
eles quiserem ser gays, lésbicas, bissexuais ou afins, irei continuar amando-
os infinitamente.
A cara de Victor Hugo não parecia das mais simpáticas com a ideia e
então resolve mudar o rumo da conversa.
_ Eu vou deixar o carro com você, não quero que tenha que ficar
dependendo de ônibus. Sabe dirigir né!? _ e sorri.
_ Sei sim, mas não precisa, amor. Eu ligo pro táxi.
_ Nosso taxista está ocupado e não se preocupe, pois esse será mais um
motivo pra ir na sua casa logo à noite. _ Um sorriso maléfico salta no canto
dos lábios dele.
_ Adorei a ideia, mas... _ não sabia como introduzir o assunto _ E
Cecília? Não vai desconfiar ou ter problema? Ela já está nos últimos dias,
coitada, não quero ser a responsável por acelerar o processo de morte da
mulher...
Aurora conseguia ser a pessoa mais fofa do mundo, sendo a amante de
uma cara e defendendo a mulher deste. Ela sempre tivera essa aura que
encanta a todos, essa mania de entender as pessoas e amá-las além dos
limites, mesmo sem conhecer. Ela se preocupava com os problemas dos
outros e tinha uma capacidade incrível de empatia. Foi isso que lhe
aproximou de Verônica, a empatia tinha tornado as duas melhores amigas.
_ Vai me emprestar seu carro então? _ pergunta, ambiciosa. Nunca tinha
dirigido um carro tão descolado quanto o do namorado, não poderia perder a
oportunidade de pagar de rica e gostosa andando naquele veículo.
_ Vou _ diz tirando a chave do bolso e entregando a ela.
Até a chave do veículo era descolada!
_ Ai meu Deus! _ parecia ter ganhado o próprio carro de presente.
_ Vê se não bate, mas se bater fica tranquila que eu tenho seguro _ alerta.
_ Deus me livre! Bate nessa boca! Eu sou maravilhosa no volante, você
nunca viu uma mulher que dirige tão bem quanto eu. Qualquer dia eu te dou
uma carona, no seu próprio carro _ eles riem outra vez e se beijam.
Levantando vagarosamente da cadeira, o futuro marido lhe toma a
comanda mesmo sob recusa e se encaminha para o balcão do
estabelecimento com o intuito de pagar a conta. A balconista simpática-até-
demais fica cheia de conversinha e sorrisos para cima do CEO, mas logo
para quando Aurora se aproxima dele e segura em sua mão, com a intenção
de dizer “esse aqui é meu”.
Quando os dois se retiram, felizes e sorrindo, ela estende a mão e segura
na dele, que acaba recusando.
_ Que foi? Não quer me dar a mão? _ sente-se ofendida.
_ Desculpa, amor. Mas pode passar alguém aqui que me conheça, eles
sabem que eu sou casado e que minha esposa não é uma ruiva grávida. Por
favor, me desculpe.
A grávida abaixa a cabeça e acaba concordando com a infeliz ideia, não
podia ficar desfilando com o pai de seus filhos, pois ele era casado. Sentia-
se uma criminosa tendo que esconder sua felicidade de todo mundo.
_ Não fica assim... _ pede quando vê um semblante angustiado dela.
Será possível que felicidade é um conceito tão instável e difícil de
atingir? Minutos atrás se sentia a melhor pessoa do mundo ao lado do futuro
marido, pai de seus filhos, que ia lhe fazer a mulher mais feliz do universo e
de repente é só sair do estabelecimento e lembra que não pode dar as mãos a
ele numa simples demonstração de afeto, já que o homem com quem se
envolveu é comprometido. É preciso esperar que a felicidade de alguém
termine para que começasse a dela.
Um aperto enorme lhe invadia o peito, uma sensação ruim que lhe
corroía por dentro e não sabia explicar. Era como se alguém viesse do futuro
avisando que aquele não seria um bom dia ou como se as coisas ao seu redor
simplesmente não estivessem dispostas a cooperar com sua felicidade.
Parecia inerte e viajando em outra galáxia.
_ Aurora? _ repete Victor puxando-a de volta a realidade _ Tá chateada?
_ Não, tudo bem _ não está nada bem _ Alguns sacrifícios são
necessários.
_ Em breve a gente vai resolver essa história toda, não sei se te agrada
saber disso mas ontem o médico de Cecília me ligou e informou que o
câncer já atingiu um nível alarmante e provavelmente ela não vai durar mais
que um mês _ noticia com uma voz rouca, tenra e depressiva.
_ Não, isso não me agrada. Não queria que fosse assim. Não quero que
alguém morra para que eu tenha vida. Ela não é Jesus Cristo pra se sacrificar
por mim! _ Sem entender o que estava acontecendo, dispara a chorar e para
no meio do trajeto que faziam da padaria até o carro.
Atraindo vários olhares ao redor, Victor Hugo, que estava ao lado dela,
se aproxima e lhe abraça. A mulher não consegue segurar os efeitos que seu
coração produz, simplesmente dispara a chorar sem poder dar fim naquilo
tudo, não queria chorar, mas não conseguia controlar. Alguém ia morrer,
mesmo que não conhecesse ou tivesse qualquer tipo de intimidade, muito
pelo contrário, a vida tinha feito das duas oponentes no jogo do amor.
Chorava de uma maneira descontrolada que nada que o namorado dizia
conseguia controlá-la. Os curiosos que nada tinham a ver com a situação
ficavam observando com interesse.
Victor para de falar sabendo que não terão efeitos suas palavras e apenas
segura ela bem apertado e alisa seus cabelos com muito amor e carinho. A
gravidez tinha a deixado instável.
_ Desculpa! _ diz, depois de alguns minutos, olhando para ele e
enxugando suas lágrimas. _ É triste saber que essa é minha verdade.
_ A vida não é fácil, Aurora. A gente precisa aprender a lidar com as
diversas verdades das pessoas. Espero que você não se arrependa de ter se
envolvido comigo, mas eu não posso te oferecer tudo que precisa nesse
momento.
_ Você já é tudo que eu preciso! _ se beijam ali no meio da rua, no
mesmo lugar em que minutos antes não poderiam dar a mão.
Aquele foi o beijo mais profundo e intenso que já tinham dado em todas
as suas vidas, até as proles que estavam guardadas na barriga da mãe
sentiram o carinho do pai em cumprimentá-las num abraço fofo e querido.
Aurora sentia como se seu corpo inteiro estivesse sendo beijado e seu
coração descontrolado mantinha o melhor descompasso possível. Parecia
que suas existências necessitavam daquele beijo como se fosse um terrível
adeus de dois maiores amores da vida que se despedem num aeroporto para
nunca mais se ver. A gente nunca sabe quando vai partir dessa pra uma
melhor, então é preciso se dedicar a todos os beijos como se fossem o
último, gastar todas as suas energias sem pensar em repô-las, esgotar-se de
si para preencher-se dos outros que te amam. Era isso que ela fazia naquele
momento: libertava-se de seus problemas e delirava naqueles lábios.
_ Eu já disse que te amo hoje? _ pergunta Victor enxugando uma última
lágrima que escorregava pela bochecha dela.
_ Já, mas pode dizer de novo. E não precisa enxugar essa lágrima, é de
felicidade.
_ Eu te amo. Não quero ser o homem que borra seu rímel, Aurora. Quero
borrar seu batom, apenas.
_ Own! Você pode borrá-lo quantas vezes você quiser, eu também te amo
_ permiti ela, dando-lhe mais um selinho e sorrindo num turbilhão de
emoções. _ Estou me sentindo uma completa cinquenta tons.
_ É, você tem muitos tons mesmo _ concorda.
Os dois retomam a caminhada em direção ao carro, ela não sabia onde
estava e acaba se deixando guiar pelo namorido. Dessa vez, ele se rende e
acaba andando de mãos dadas dela que não recusa. Indagou a ela se
conseguiria dirigir naquela instável condição emocional, mas ela concorda
dizendo que já está bem. Chegam no carro.
_ Tem certeza que você tá bem né!? _ questiona, pela última vez.
_ Estou.
_ Vai direitinho então, o documento está no porta-luvas. Adoraria de
passar a tarde toda aqui conversando com você, mas eu tenho que ir embora.
Boa viagem, e quando chegar me liga.
Seus passos já parecem apressados para retornar a sua empresa. Ela
entra no carro, regula o banco, os retrovisores e o cinto enquanto o futuro
marido continua observando com certa tensão e dúvida se tinha feito a coisa
certa ao entregar o veículo nas mãos da mulher, mas confiou nela que coloca
as duas mãos presas ao volante e joga um beijinho para ele. Foi preciso
colocar o banco bem pra trás para caber aquela barriga toda ali.
_ Tchau, amor. Beijos! Eu te amo.
_ Beijos, também te amo.
Ele vai andando, mas com os olhos atentos virando a cabeça para trás
toda hora enquanto observa a outra dando ré com o carro e parecia que uma
certa falta de prática andava ao lado no banco do carona. Alguém buzina e é
na verdade um cretino que passa rápido perto da traseira dela fazendo com
que precise esperar um pouco mais para sair. Faz um cara de repúdio para
Victor referindo-se a postura do outro condutor e finalmente sai da vaga.
Encaminha-se para pista, checando mentalmente qual seria o trajeto a
percorrer até sua casa. Para no primeiro sinal que fica mais tempo vermelho
do que verde. A fila de carros era tão extensa num enjoativo engarrafamento
que resolve mandar uma mensagem rápida de celular para a amiga,
informando Verônica o fato curioso de que o namorado trabalhava próximo a
empresa dela. Digita rapidamente, com um olho no semáforo e outro na tela
do celular sua mensagem: “Verônica! Vc não vai acreditar! Victor trabalha
aí pertinho da sua empresa. Encontrei-o agora pouco e ele me emprestou o
carro”.
Depois da mensagem, liga o rádio para desanuviar a cabeça e toca uma
música de um funkeiro que era o estilo da melhor amiga. Se Verônica
estivesse ali pode ter certeza que dançaria loucamente como se estivesse
tendo uma convulsão, independente do fato de estar dentro de um carro.
Acaba cantando junto com o cantor, errando a maioria das partes por não
saber a letra, mas até que o ritmo era bem envolvente e realista.
O trânsito finalmente andou, e Aurora comemorou quando conseguia
passar a terceira no carro já que só andava pouquíssimos metros antes e não
conseguia desenvolver nada. O fluxo seguiu bem nos trechos seguintes e as
músicas do rádio também foram agradáveis. Ela se sentia tão bem no carro
que até foi capaz de colocar a cabeça pra fora do veículo igual um
cachorrinho de madame num momento em que o sinal fechou logo em frente a
praia. Sentia-se tão linda e rica que até se esquecia dos problemas que tinha
e o mal estar que estava antes em seu coração havia aliviado. Estava tão
feliz e distraída que nem reparou uma luz vermelha piscando no painel do
carro, na verdade tinha até percebido, mas não entendia muito da parte
mecânica que acabou desconsiderando o fato, provavelmente era a bateria
do carro que estava ligada. Quando liga o veículo algumas luzinhas ficam
acesas.
Quase um pouco antes de pegar a rodovia que lhe levaria para a ponte
Rio-Niterói vê alguém conhecido num ponto de ônibus, se tem uma coisa
praticamente impossível de se acontecer no Rio de Janeiro é encontrar um
conhecido de carro para lhe dar uma carona. Era Oswaldo bem distraído no
ponto esperando o coletivo, com uma mochila super escrota nas costas e
usava os óculos de sol mais ridículo e cafona de todo o universo, depois fica
se perguntando por que não pega ninguém. Dona Heloísa tinha toda razão
em não querer pegar um trambolho desses.
Faz o que a maioria dos motoristas têm medo de fazer: dá a seta.
Encaminha-se para a faixa da direita e para um pouco próxima ao ponto de
ônibus, aproximando-se da janela do carona e grita pelo primo da amiga. O
homem podia ter todos os defeitos do mundo, mas sempre fora prestativo
com ela e não poderia ignorá-lo e não oferecer uma carona. Sabia que se a
situação fosse inversa ele teria parado para ajudá-la.
_ Oswaldo! _ grita, mas o homem não lhe ouve, está com fones de
ouvido concentrado em observar os ônibus que passam.
Acende o pista-alerta e sai do carro rapidamente dentro dos limites de
uma grávida de quase oito meses de gestação e cutuca os ombros dele que
fica surpreso em vê-la ali e mais surpreso ainda com como a barriga dela
tinha crescido.
_ Aurora! _ diz de uma maneira tão animada que seria capaz de beijá-la
se tivesse permissão, mas ela foi rápida e estendeu a mão pra ele antes que
tomasse a atitude de abraçá-la. _ Sua barriga está linda.
_ Obrigada, estou de carro. Vamos? _ convida.
_ Ah que beleza! Claro.
Ele a acompanha se ajeitando. Tira os fones de ouvido e guarda-os no
bolso, e quando chega no carro de Victor joga a mochila no chão e esconde o
celular nela.
_ Que carro de rica, hein! Seu namorado que te deu? _ indaga enquanto a
ruiva mantém suas atenções no trânsito complicado, dando seta para retornar
à faixa principal, mas ninguém lhe dá abertura para isso.
_ Oi!? Não estava prestando atenção _ responde-o quando finalmente
consegue tomar a pista. _ Desculpa! _ pede ela diminuindo o volume do som.
_ Perguntei se foi seu novo namorado que lhe deu esse carro.
_ Novo não, porque eu já estou com ele há um ano. E Victor Hugo não
me deu esse veículo, não estou com ele por interesses. Apenas me emprestou
o carro _ respondeu e depois percebe o tom da sua indelicadeza, não queria
ter falado assim, mas Oswaldo tem umas conversinhas tendenciosas que a
irritava.
_ Desculpa, não quis te ofender.
_ Tudo bem _ diz sem nem olhar pra ele e aproveita para aumentar o
volume da música como o intuito de calar a boca da companhia.
Continuaram ali, com aquele clima meio pesado, pairando sobre o ar até
que o celular dela tocou. Estica a mão cuidadosamente até o aparelho que
está sobre o painel enquanto ainda mantém sua atenção ao volante. Olha
rápido para a tela e vê que é uma ligação de Verônica.
_ Atende pra mim, Oswaldo? É sua prima _ pede já que a situação do
fluxo não permitia que desviasse o foco. Está numa curva perigosa.
_ Alô _ diz ele, mas não é possível ouvir o que ela responde do outro
lado da linha. _ É que Aurora está dirigindo, eu tava no ponto de ônibus e
ela acabou me dando uma carona. _ Silêncio. _ Ela não pode falar, está
dirigindo.
Vira os olhos para Aurora e esta capta a possível impaciência da amiga
que não vai se contentar em falar apenas com o primo. O que será que era
tão urgente que não poderia esperar um pouco?
_ Vou passar pra ela _ informa Oswaldo estendendo o aparelho para a
condutora do veículo.
_ Oi, Verônica _ atende, tentando dividir sua atenção entre o volante e a
ligação.
_ Aurora, sai desse carro agora! _ a voz da amiga soava realmente
preocupada.
_ Ih Verônica, eu sei dirigir. Só não costumo fazer isso com frequência,
mas tenho total controle sobre o volante _ argumenta em legítima defesa.
_ Auro...
Capoft! Inesperadamente, o carro de Victor Hugo choca-se contra um
motorista descontrolado que vinha de uma entrada, devido à falta de atenção
no fluxo, Aurora não foi capaz de perceber o sinal fechado e chocou-se com
o outro veículo rodopiando várias vezes na pista e a única coisa que a
mulher fez foi se enrolar o máximo possível como uma cobra e envolver sua
barriga nos braços. E a imprudência no trânsito fez mais uma de suas vítimas
diárias.
☐☐☐
Os anjinhos voavam ternamente sobre sua cabeça como se a protegessem
de um mal maior que a perseguia, estava numa maca deitada toda vestida de
branco, seus olhos ainda fechados e continuava inerte a qualquer situação
que acontecia ao redor. Tudo tão branco que parecia ter chegado ao céu, mas
não. Estava num hospital. Aurora havia adormecido e o médico já havia feito
a aviso aos parentes que só era um milagre as crianças terem permanecido
bem. Em relação ao estado de saúde dela, ainda nada poderiam afirmar, mas
chegariam a um diagnóstico contundente assim que ela acordasse. O que
desejavam que acontecesse em breve, já que faziam três dias desde o
terrível acidente de carro em que seu veículo rodopiou na estrada e deixou-a
em coma.
Nesse três dias nada que tinha captado fazia de fato sentido, as vezes
ouvia vozes de pessoas em seu quarto, mas não sabia do que estavam
falando ou talvez sua capacidade de percepção tivesse se desligado junto
com o corpo quando sofreu o acidente. Se recordava de ouvir choro, muito
choro e pessoas falando com vozes agressivas e revoltadas. Aquilo
continuava ecoando em sua mente, mas o quebra-cabeça não queria se
completar. Faltavam peças. Faltava ela abrir os olhos e ver tudo que
acontecia ao seu redor, mas não conseguia. Suas pálpebras eram pesadas
demais e não tinha força suficiente para levantá-las.
Até que as 7:43h da noite abre os olhos. Dá de cara com uma mulher
alta, cabelos pretos longos e sedosos, com um sorriso simpático no rosto e
uma beleza estonteante segurando alguma coisa que parecia ser termômetro
debaixo de seu braço.
_ Acordou, Bela Adormecida! _ A enfermeira cumprimenta-a com um
tom de naturalidade inigualável, já devia estar acostumada com casos assim
na enfermaria, mas sua face denunciava sua idade, e sua idade denunciava
estar a pouco tempo na profissão. Ainda era uma mocinha, devia ter acabado
de terminar a faculdade, mas já parecia bem habituada ao ambiente de
trabalho.
_ Oi. _ A única coisa que sai da sua boca é uma voz engasgada _ O que
aconteceu?
_ Você sofreu um acidente de carro e está precisando de auxílio médico.
Fique tranquilo que você não perdeu os bebês, está tudo bem com seus dois
moços _ informa.
_ Moços?
_ Sim, seus dois meninos.
_ São dois meninos? _ Ela sorri, interessada pela informação.
_ Não sabia!? _ A enfermeira estranha o espanto.
_ É que eu tinha pedido para não me contarem, queria surpresa _ revela a
ela com um pouco de temor de confessar isso.
_ Ai, me desculpa! _ A garota fica tão sem graça e sem saber o que falar,
mas a grávida tinha ficado feliz com a surpresa de descobrir o sexo deles e
saber que permaneciam bem, mesmo depois do ocorrido.
_ Tudo bem, já estava mesmo morrendo de curiosidade. Uma hora ou
outra eu ia saber mesmo _ ri. _ Eu... Eu preciso avisar meus parentes _ e
então lembra-se de sua família.
_ Não se preocupe. Eles já estão avisados. Inclusive já vieram lhe
visitar. Às vezes ficam de plantão aí na porta o dia todo esperando você
acordar, dorminhoca! _ conta, tirando o termômetro de sob o braço direito
dela e verificando a temperatura _ Sua temperatura está estável.
_ Eu estou aqui há quanto tempo? _ suspeita.
_ Três dias.
_ Sério!? _ duvida _ Será que tem alguém ali fora? Eu precisava
conversar com minha amiga ou meu namorado.
_ Quando eu entrei tinha sim, uma mulher morena e alta.
_ Sim, é a minha melhor amiga, queria falar com ela. Ah, e sabe me
informar se o homem que estava comigo no veículo está bem?
_ Sinto muito, mas essa informação eu não tenho. _ Aurora percebe uma
emoção estranha vindo da voz dela, parecia que sabia de algo e não queria
contar, ou não podia.
_ Obrigada. E será que pode me trazer um pouco d’água? _ Uma
sensação terrível de boca seca percorria toda sua garganta que parecia estar
queimada.
_ Claro, tem aqui. _ Vira-se em direção a um pequeno frigobar que
Aurora sequer tinha notado, aliás não tinha notado basicamente nada no
quarto além da enfermeira, e agora corria rapidamente os olhos pela
decoração do quarto: simples e aconchegante. A última coisa que deve se
reparar num quarto de hospital era a decoração.
A enfermeira super prestativa leva até ela um copo plástico com água e
serve em pausados goles na sua boca, já que vários fios imobilizavam os
movimentos manuais da paciente.
_ O meu caso é sério? _ indaga a grávida, preocupada.
_ Você sofreu uma contusão nas costelas e uma fratura no crânio, fina
como um fio de cabelo, mas os sinais vitais estão estáveis e fortes. Um grave
trauma na cabeça também, mas sua atividade cerebral parece normal, vamos
verificar tudo com mais calma agora que acordou, mas não há nenhum
edema. O Dr. Fernandes vai visitá-la em breve e te dará uma explicação
melhor e mais contundente, mas seu caso ainda carece de avaliação e
acompanhamento _ diz a enfermeira fazendo anotações em sua prancheta.
_ Ok, agradecida. Será que posso conversar com minha amiga?
_ Geralmente não permitimos visitas na UTI, mas como você acabou de
acordar e ela e um outro cara costumam vir aqui direto, vou abrir uma
exceção, mas não deixe o doutor saber senão vai brigar comigo.
_ Obrigada _ Sorri para a enfermeira que se retira do quarto e segundos
depois uma pálida e chorosa Verônica entra na sala.
_ Aurora _ fala o nome da amiga chorando e aos poucos vai retomando a
consciência e lembrando de sua ligação telefônica. Alguma coisa tinha
acontecido.
_ Verônica _ responde, mas sem vigor em sua voz, por mais que a amiga
não tivesse tido a intenção, fora seu telefonema quem tinha lhe levado aquela
situação. _ Oswaldo está bem? _ Foi a primeira pergunta que fez e não sabia
se tinha coragem suficiente para ouvir a resposta.
_ Oswaldo morreu. _ Sua voz é um fio fino que vem do fundo da garganta
sem emoção e vontade de dar aquela notícia.
Uma sensação ruim invade Aurora ao receber aquela notícia, não devia
ter atendido aquele telefone, sua imprudência tinha resultado em morte. Por
mais que nunca tivesse tido muito afeição com Oswaldo, ele era alguém que
fizera parte da sua vida por muito tempo, era o único laço sanguíneo da
melhor amiga. Uma lágrima surge inesperadamente em sua face e seu
coração aperta de tanta tristeza. Aquilo não podia ser verdade e sentia-se
responsável pela morte.
_ Não foi culpa sua. _ Verônica acalma-a antes que disparasse a chorar,
já que as lágrimas agora rolavam sem controle.
_ Foi sua! _ acusa a outra sem o mínimo pudor, não se senta bem _ Por
que insistiu tanto na ligação comigo se sabia que eu estava dirigindo? _
pergunta num tom inquisitório.
_ Eu sabotei o carro _ lamenta abaixando a cabeça e entrelaçando os
dedos com a mão abaixo da linha da cintura.
_ Você o quê? _ Está gritando.
_ Tem muita coisa sobre Victor Hugo que você não sabe Aurora.
_ Você se acha muito inteligente, né Verônica!? Mas você não sabe de
nada. _ Cospe as palavras em sua face querendo se levantar da cama e
agarrar no pescoço dela. _ Se está se referindo ao fato de ele ser casado, eu
já sei disso. Eu sei que ele é casado e sua mulher tem câncer. E daí? O que
você tem a ver com isso?
_ Victor Hugo é um falso, cretino e mentiroso. _ Dessa vez a outra quem
está gritando. _ A mulher dele não tem câncer, e só inventou essa história pra
te enganar. Eu havia descoberto na semana passada que ele era casado e dei
vinte e quatro horas para ele decidir com qual das duas queria ficar.
Ameacei a contar tudo caso não tomasse uma atitude e sabotei o carro no
intuito de dar um susto nele. Igor me ajudou e eu apenas fiz com que o
veículo fervesse. Ia acabar a água rápido e o idiota ficaria a pé. Apenas
isso.
_ Ah, apenas isso!? _ repete tentando fazê-la perceber a naturalidade
com que ela contava sua sabotagem, como se não tivesse problema nenhum
fazer aquilo. _ Como você descobriu isso?
_ Victor Hugo era o CEO para quem eu trabalhava e com quem transei!
_ Vo... Você... Você transou com meu namorado? _ gagueja, querendo não
ouvir a verdade. Não conseguia acreditar que sua melhor amiga havia ficado
com seu namorado durante o tempo em que já estava tendo um
relacionamento com ela. _ Eu lembro que você chegou em casa contando que
seu patrão tinha te beijado e que tinha sido o melhor beijo de toda a sua
vida... Que tinham se descontrolado e feito coisas indecentes... _ Uma
sensação de nojo invadia a boca de Aurora, como se a bile do estômago
tivesse voltando e fosse vomitar.
_ Eu não sabia que ele era seu namorado, se tinha um cretino na situação
toda é ele.
_ Vocês dois são cretinos. Como minha melhor amiga devia ter me
contado. Vocês continuaram se pegando?
_ Claro que não! Quer dizer, foi uma única vez, ele me infeitiçou.
_ ☐le te infeitiçou? Não faz essa cara de ofendida, você é uma falsiane!
_ Aurora, tenta me entender! Eu fiz de tudo pra poupar você. Eu sempre
quis o seu bem, você é minha melhor amiga. Eu cheguei a pedir demissão do
emprego para que nada mais acontecesse. Ele recusou, mas acabou me
transferindo de setor por isso virei recepcionista em vez de secretária. Vocês
estavam felizes juntos e fiz tudo para que você ficasse bem até descobrir que
Victor Hugo não era esse bonzinho. Foi pro seu bem!
_ Se tudo isso é pro meu bem, eu não quero o meu bem. Quero o meu
mal! Para de querer me poupar de tudo, eu não sou nenhuma criança! Eu sei
lidar com meus sentimentos. Você é uma ingrata, eu sempre fiz tudo pra você.
_ Eu sei, você é a melhor pessoa do mundo.
_ Não quero ter que olhar para sua cara, Verônica _ desabafa.
_ Desculpa, amiga. Eu te amo.
Elas permanecem em silêncio se olhando, até que Aurora abre um
sorriso tosco e doente e Verônica se aproxima com um sorriso maior ainda
abraçando-a por cima dos lençóis.
_ O pior de tudo é que eu também te amo, sua idiota! Sei que queria me
defender.
_ Desculpa falar, mas é esse Victor é um safado! Ele não vale nada, é um
canalha!
_ Você tem razão. Estou culpando você, mas ele é o maior responsável
por tudo isso. Por favor, se alguma coisa acontecer comigo quero que você
crie meus filhos. Não deixe as crianças na mão dele de jeito nenhum, eu te
imploro. _ Seus olhos estavam esbugalhados.
_ Ai, bate nessa boca! Nós duas vamos criar essas crianças juntas, que nem
um casal lésbico _ e disparam a rir. _ Eu nunca quis que você saísse da
nossa casa mesmo. Depois você vai arranjar alguém que te mereça e será
muito feliz. Acho que a gente tem que juntar dinheiro e comprar uma mansão,
vai morar eu e meu marido e você e seu marido.
_ Você já tem um marido?
_ Não, e nem você. _ As duas riem da situação catastrófica em que se
encontravam. Não está fácil pra ninguém. Naquele momento de tamanha
dor, o melhor era tentar sorrir.
_ Verônica, você sabe que ficaremos juntas para sempre. Você é a pessoa
que eu mais amo, desde quando te conhe...
Sua voz engasga. Sua visão começa a ficar escura. Verônica desparece
de sua vista. Tudo começa a girar. O computador ao seu lado dispara a
apitar. Vozes agudas soam em seu ouvido. A amiga grita e sua voz começa a
ficar distante. E Aurora simplesmente adormece outra vez.
XVI
Victor Hugo