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A gente viu naquela última aula, os 08 destinos do desejo: recalcar, formar sintoma, saídas
neutras (ato falho, chiste e sonho) e as saídas saudáveis (governo consciente, sublimação
e realização direta). Vamos aprofundar essa discussão, colocando agora em jogo o
conceito de mal-estar, que é um conceito intermediário entre o conceito de saúde e o de
psicopatologia. É uma noção que está no corpo da teoria freudiana e que é muito útil pra
gente pensar em qualidade de vida.
Eu posso ter saúde, com baixa qualidade de vida, posso ter saúde com alta qualidade de
vida. O mal-estar, portanto, é um índice de qualidade de vida. Ele não é necessariamente
patológico, porque, como eu falei, você pode ter uma condição de baixa qualidade de vida
e não adoecer, né? mas ele não é também algo necessariamente saudável. Pois, eu posso
do mal-estar desenvolver um quadro patológico.
3. drenagem da energia: a frustração também vem pelo fato de que eu tenho que
drena a energia pulsional, uma cota né? drenagem da energia pulsional de uma cota, para
direcionar ao trabalho e ao pagamento de impostos. Estes servem para a manutenção do
aparato civilizatório.
Profº continua: Pra ficar vivo. Uma das principais razões é: pra ficar vivo. Se
vocês quiserem se aproximar mais da razão para aceitarmos o regramento
civilizatório, a normatização do Estado sobre nós, leiam o capítulo 13 do livro de
Hobbes “O leviatã”. É um livro famosíssimo e extremamente importante na
ciência política e na sociologia e o cap. 13 é um capítulo cirúrgico pra discutir isso
que a gente tá levando em conta aqui. A ideia é que sem o aparato civilizatório,
um dia pode ser do caçador e outro dia da caça. Um dia eu posso fazer o outro ser
meu escravo e no dia seguinte um outro pode fazer de mim escravo dele. E mais,
como eu vivo com os meus clãs, fora do estado civilizatório eu vivo com meus
clãs, vivo com minhas tribos, eu vou tá eternamente imaginando a possibilidade
de ser atacado. Ao imaginar isso, eu tenho que me preparar pra atacar, gerando o
que Hobbes chamou de “guerra de todos contra todos”.
Então, esse estado de “guerra de todos contra todos”, essa expectativa de que o
outro me submeta, junto com o sofrimento da morte. Esse estado de coisas produz
angústia, certo? essa angústia é uma angústia de morte, de poder ser aniquilado.
Além disso, eu somo mais algumas razões para desejar uma vida civilizada. Quais
são:
2. Com relação ao adoecimento: serviços de saúde, esgoto, saneamento, toda uma política
de saúde, que eu preciso de pessoas capacitadas para tanto. Hospitais, universidades,
engenharia, água potável etc, etc, para minimizar o adoecimento.
Quando eu estou numa comunidade com muitos, é mais fácil que surjam pessoas que
possam desempenhar papéis diferentes na comunidade. Então, eu me junto para poder
com todos, com a coletividade, lidar com essa angústia da morte, lidar com as doenças,
se possível, encontrando cura para algumas, minimizando danos em outras, buscando
vacinas pra terceiras, enfim, fazendo esse manejo da doença. Prevenindo com trabalhos
de engenharia, com arquitetura, uma série de coisas que vão permitir essa prevenção. E
por fim:
A vida civilizada é uma opção humana, diz Hobbes, para o melhor enfrentamento desses
perigos, dessas ameaças, que a morte, as doenças e as catástrofes naturais implicam.
E também, para uma quarta ameaça: a agressividade do outro. Aí eu preciso do aparato
civilizatório da polícia, da justiça, dos presídios, da moralidade, da religiosidade, da
psicologia, da psiquiatria, que contenham a agressão das pessoas.
Então, o mal-estar da civilização é uma soma da autocontenção que eu preciso ter para
poder conviver com o outro, da autocontenção que eu preciso ter pra drenar para das
minhas energias para o trabalhar e aceitar doar parte dos meus ganhos em impostos, né?
E do custo que eu continuo tendo, eu minimizo, mas eu continuo tendo, enfrentando
morte, adoecimento, catástrofes naturais e agressividade do outro. Eu minimizo com a
vida civilizada mas eu não os neutralizo. Então, a gente dirá, com Freud que viver em
uma sociedade civilizada implica em um custo, obviamente, esse custo aumenta se a gente
for olhar individualmente e perceber: que idade você tem, que orientação sexual você
tem, que cor da pele você tem, de que gênero você é, qual é a sua condição
socioeconômica. Enfim, existe uma série de elementos que podem tornar o custo de viver
altíssimo para algumas pessoas. O custo de viver pode ser duplicado, triplicado,
quadruplicado, a depender nos nichos.Mas Freud pensa um cálculo geral que atinge a
todos e é esse cálculo, desse custo de viver, que Freud chama de “mal-estar na
civilização”, ok?
A gente pode dizer numa fórmula simples, que aceitamos o mal-estar para evitarmos a
angústia do desamparo, para nos livrarmos, ou para amenizarmos a angústia do
sentimento de desamparo. O desamparo de você não se sentir potente para frear a morte,
nem para lidar com as doenças, nem com as catástrofes naturais e nem com a
agressividade do outro. Então, isso desampara, lhe deixa em um sentimento de
vulnerabilidade e impotência.
A civilização se caracteriza tanto por prover recursos, quanto pela presença de um Estado,
o Estado é uma norma geral, que funciona, portanto, com uma espécie de superego
coletivo. Vai mediar as relações entre os indivíduos, permitindo, portanto, o limite entre
a individualidade entre um e de outro, o limite entre a privacidade e a intimidade entre
um e de outro. Além disso, vai prover recursos para permitir que a convivência se
mantenha e que os instrumentos, as ferramentas civilizatórias sejam construídas e
mantidas, certo? Então, você tem aí vários gastos energéticos em prol de amenizar a
angústia da condição de desamparo.
Resposta do profº: uma cota porque não é a drenagem plena. Você continua com cotas
pulsionais para usar com lazer, suas relações amorosas, de amizades, seus esportes etc.
Mas, uma cota disso vai ser drenada para trabalho e pagamento de impostos. Numa
sociedade como a nossa, essa cota pode ultrapassar 08 horas do seu dia. Pode chegar aí a
10h, 12h do seu dia. Então, é uma cota relativamente alta. Dependendo da condição social
de alguém, você pode passar 16h, entre deslocamento, trabalho e volta pra casa. Então, é
uma hiper cota, é um alto custo para viver em civilização. Além disso, muitas vezes o que
você paga não retorna como recurso do Estado para melhorar sua vida. É quando o pacto
social se torna um pacto desequilibrado. A gente pode entender que essa ascensão da
extrema-direita no mundo tem a ver com uma espécie de falência do pacto civilizatório.
A ciência e o Estado prometeram um mundo mais apaziguado, um mundo com algumas
garantias: de não passar fome, de ter acesso a saúde, a segurança, a educação. Mas, para
uma ampla parcela das pessoas, não foi isso que foi cumprido. Então, essa é uma das
razões que se estuda para esse crescimento da extrema-direita.
Pergunta de Eduardo: O modo como eu lido com essa frustração é que vai gerar uma
possível neurose, não é que todos nós tenhamos neurose, por que eu já ouvi isso “todos
nós temos neurose”. Eu tava confundindo frustração com neurose, mas acho que agora
ficou claro..
Resposta do Profº: Eu vou mostrar pra vocês duas visões sobre isso. Veja, essa
frustração aqui pode colaborar para as psicopatologias, mas ela pode conviver com a
saúde. Ela pode ser uma frustração, com a qual você, com sua resiliência, com sua
resignação e com sua criatividade, você consegue aprender a lidar com ela. Agora, a
gente vai ter que somar essa frustração (do mal-estar na civilização - que ela é uma
frustração baseada nessa exigência geral) às histórias de vida, às relações com os entes
significativos, familiares, na nossa infância, com todos os acidentes de percurso que a
Psicanálise estuda: Acidentes na amamentação, no controle (inaudível), no complexo de
Édipo, na puberdade e na idade escolar. Isso aí, é o que vai dotar de saúde ou de
psicopatologia. O mal-estar é uma colaboração para isso. Obviamente, esse mal-estar aqui
pode ser bastante diminuído. Você viver na Dinamarca, por exemplo, você tem uma cota
de mal-estar bem diminuída. Não precisa nem ir muito longe, você viver no Uruguai,
você tem uma cota de mal-estar bem diminuída em comparação com o Brasil. Você viver
em Portugal também.
Pergunta de Lu: Ah, mas aí aumenta o suicídio, né, não!? Minha mãe sempre dizia “veja
na Suíça, as pessoas se suicidam”.
Resposta do Profº: Há fenômenos específicos da Suiça pra essa cota de suicídio. Mas se
você pensar em um país, por exemplo, as sociais democracias do mundo europeu:
Escandinávia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Finlândia, têm uma qualidade de vida, um
sentimento do Estado prover, escola, até em Portugal é assim, você bota na escola mais
perto da sua casa, não tem que procurar a escola, é a mais perto da tua casa e vai ter a
mesma qualidade que qualquer outra escola. Então, prover educação, saúde, segurança,
renda mínima para você ter acesso a alimentação, a casa, etc etc. Isso joga o mal-estar,
comparativamente, lá pra baixo. Isso acaba com a possibilidade de morrer? Não! Acaba
com a possibilidade de adoecer? Não! Acaba com a possibilidade de catástrofe natural?
Não! Acaba com a possibilidade de ser agredido? Não! Esses quatro elementos continuam
existindo, né? Obviamente, se eu tiver uma vida tão preservada, tão protegida, como a
gente imagina ser a vida na Suécia e na Suíça, eu posso ficar sem propósito, sem lutar por
algo. Por isso, a questão do suicídio.
Pergunta de João: A questão do agravo (tipo, quando a pessoa sofre um trauma e meio
que não compensa, se vingando, por ex), tem a ver com essa limitação que é imposta com
o mal-estar.
Pergunta de Luíza: sobre falarem que hoje em dia as crianças e os adolescentes não tem
frustração, não sofre ou não sofreu frustração. A gente tá retrocedendo a isso?
Resposta do Profº: Se, por acaso, fosse verdade que as crianças não seriam frustradas, a
gente teria uma diminuição no mal-estar. Menos frustração, menos mal-estar. Porém, a
gente tem que pensar que existe pelo menos aí, dois tipos de frustração: 1. da ordem do
impedimento (frustração do tipo “não” - impedir alguém de fazer uma coisa que a pessoa
quer fazer): a gente diz que esse tipo de frustração tá em baixa no mundo contemporâneo,
que são algumas normas; 2. a norma meritocrática (atinge diretamente o coração das
crianças e adolescentes): você tem que ser o melhor, se destacar, estar acima da média,
ser o primeiro da sala, enfim, você tem que vencer. Isso é uma norma e essa norma é
extremamente produtora de mal-estar. Você tem que viver a vida como se fosse uma
eterna competição. Então, a gente diminuiu a frustração do “não”, mas a gente aumentou
a frustração do “faça!”. A criança não pode ter um tempo ocioso (judô, balé, xadrez, curso
tal). Para o menino virar uma máquina e você já imagina o vestibular. As pessoas não
estão nem aí. Em seguida, o profº fala da escola da filha e da relação entre os colegas de
turma e dos pais com os familiares dos alunos. Depois, conclui, é isso que a gente chama
de frustração. É frustração do fazer/direcionamento da ação/seja o melhor.
Nesse mundo meritocrático, o que mais existe é a sensação de conseguir chegar lá e ter
a sensação de que “eu não fiz nada”. É a chamada “depressão dos bem sucedidos”. Nesse
sentido, a gente tem um mal-estar que não é de autocontenção (no mundo
contemporâneo), é um mal-estar de performance, de você ser performático, de ser o cara.
O problema maior, não é só o esforço de sempre fazer mais, o problema paralelo é se eu
não fizer mais eu não vou ser isso que eu conseguir. É como aquelas apostas que você
perde tudo se não ganhar. Você não só deixou de dar conta de mais uma etapa, é como se
não dando conta daquela etapa ali, você perde tudo. Porque? Por que não existe lugar
simbólico para pessoas medianas. Há uma falta de identidade simbólica pra você poder
se nomear, se definir e ter autoestima como pessoa média, é como se não houvesse, não
há esse lugar.
Continuando:
Com essa noção de mal-estar, como eu falei pra vocês, a gente tem um índice de qualidade
de vida, a gente espera que a vida em sociedade não custe tanto para cada indivíduo. Não
tenha aquele custo de fazer como as pessoas, na contemporaneidade, no qual as pessoas
dizem o tempo “Nossa, eu tô mundo cansado, eu tô exausto” . É o que todo mundo fala
hoje em dia, é um custo alto, tem alguma coisa errada. Assim como não faz parte da
qualidade de vida de uma sociedade ter níveis de depressão e ansiedade como temos no
Brasil.O Brasil só perde, salvo engano, para os EUA e a Austrália, em depressão e
ansiedade. Somos um dos países de maior índice. Então, a depressividade no Brasil é alta.
Isso revela que a cota de mal-estar está produzindo muita psicopatologia, já que isso não
é um dado do indivíduo, é um dado da coletividade. Por mais que, pra você ser deprimido
você precise de elementos constitucionais, genéticos e você dependa de elementos de sua
história de vida individual. Mas é óbvio que além disso, você depende também de estresse
como gatilho e estresse é um dado que tem muito a ver com a vida adulta e com a vida
do trabalho, do status social, com a necessidade que a gente tem de aprovação, de
reconhecimento, que no mundo meritocrático você só consegue durante um instante e
quando você está no topo. Se você cair, você já deixa de ser um ex vitorioso e passa a ser
um decadente. É uma forma de viver em civilização com um grau de exigência muito
alto, portanto, produtor de alto mal-estar.
Agora, como eu falei, mesmo esse alto mal-estar pode conviver com saúde: se você tiver
resiliência, resignação, criatividade.
Resposta do Profº: São atitudes importantes. Agora, obviamente, que a gente tem que
incluir os elementos da coletividade: família, amigos, lazer, exercícios físicos - são outros
elementos capazes de aumentar a qualidade de vida do cidadão. Então, eu posso ter mal-
estar, custo de viver alto, minimizado pela minha resiliência, superado pela minha
resiliência, suportado pela minha resignação, transformado pela minha criatividade,
apoiado pela minha vivência familiar, pelos meus amigos, pelos tipos de lazer que eu
experimento, pelos meus exercícios físicos, ok?
O mal-estar enquanto cansaço, dor, angústia, ele pode conviver com estados de saúde,
quando eu compenso esse mal-estar com resiliência (capacidade de enfrentar a situação
problema), quando eu consigo ter resignação (capacidade de aguentar, de suportar) e
quando eu tenho criatividade de transformar (fazer do limão limonada). Com isso, com
esses elementos aqui, eu consigo compensar parte do meu mal-estar. Junto com essas
habilidade individuais, eu tenho também os elementos coletivos: família, amigos, meio
de trabalho (pode ser um elemento importante, dependendo do trabalho da pessoa), vida
religiosa, comunidade (você ter bairro da sua vida, contar com quem tá em torno) e duas
atividades que também são fundamentais pra qualidade de vida, que é lazer (pode ou não
depender do outro) e exercício físico.
Resposta do Profº: Dá, você pode se tornar com a vida, com situações vividas, você pode
se tornar mais resiliente, resignado e criativo. Obviamente, isso também depende de
questões temperamentais, constitucionais. Por exemplo, você faz terapia para você se
tornar uma pessoa mais resiliente (capacidade adaptativa), mais resignada, aprender a
lidar com mais criatividade com seus recursos pessoais. Com esses três fatores, eu posso
transformar minha história de vida e as exigências civilizatórias, de um modo que garanta
uma qualidade de vida e satisfação pessoal.
Continuando:
Quando a gente tá discutindo a psicopatologia, ela pode ser olhada a partir das questões
genéticas, da história de vida, dos acidentes que vão compor essa história de vida e pode
ser olhada a partir dos gatilhos da vida social, do mal-estar na civilização. São três
elementos que compõem qualquer teoria das origens de uma doença. Mesmo doenças
autoimunes, depende do estresse para ela ser ligada. Ou seja, depende da história de vida,
depende de mal-estar na civilização. O gene pode não desenvolver. É esse trio aí:
genética, história de vida e custo de viver em sociedade (questões biopsicossociais).
Vamos agora aprender duas formas de interpretar isso aqui. Na forma que eu quero
transmitir pra vocês, a minha maneira de entender Freud me permite concluir. Eu vou
dizer que:as estruturas clínicas, que a gente chama de estruturas neuróticas, psicóticas e
perversas não deveriam ter esses nomes. Por que? Porque com essas noções de estrutura
neurótica, psicótica e perversa fica de fora a questão da saúde. Em Psicanálise, a gente
tende a dizer que não existe propriamente saúde, o que existe é um quadro neurótico
compensando, ou seja, a neurose é o ponto zero da história. Você pode ter neurose
brandas, que se confundiriam com saúde e você pode ter neurose graves, que se
confundiriam com doenças propriamente ditas.
Eu acho essa interpretação feita de Freud, uma interpretação equivocada. Você quando
ler Freud, você visualiza, sem esforço, a distinção que ele faz entre neurose e saúde. É
verdade que, uma vez peguei os índices que constam no volume 24, um dos índices é
composto por temas. Eu quero estudar fantasia originária, ai tá lá fantasia originária e sua
relação com o Édipo, com a neurose, com a psicose, volume 1 páginas tais e tais volume
7, páginas tais e tais. É como se fosse um índice para pesquisa, um índice extremamente
importante pra gente. Eu fui lá e procurei neurose em comparação com a saúde e tá lá. O
que já prova que Freud compara neurose com saúde.
Mas ele podia comparar os dois e dizer: são iguais, né isso? Ai eu peguei lá 41 referências
e dentre lá há 01 em que Freud diz: "olhando por esse viés, podemos concluir,
teoricamente, que todos nós seríamos um pouco mais ou um pouco menos neuróticos”.
Só que ele continua dizendo “mas, a neurose nesse caso pode ser tão insignificante que
basicamente ela seria inexistente, dada a insignificância dela”. Ou seja, quando ele afirma
que pode haver mais ou menos, esse menos aí pode chegar em um menos tão grande que
nem caiba afirmar que é neurótico. Nas outras 40, ele distingue claramente neurose de
saúde. A minha pesquisa agora é pra entender porque as pessoas não veem isso. Isso não
tá em nota de rodapé, isso está completamente explícito.
Vocês vão ouvir “todos nós temos nossas neuroses”. A palavra neurose aí, está sendo
usada no sentido de “todos nós temos nossas angústias, nossos problemas, nossas
esquisitices”. Neurose para Freud nem problema, nem angústia, nem esquisitice. Para ele
é, um padrão de comportamento que trás dado e prejuízo. “Eu estou sofrendo porque perdi
uma pessoa querida” - e era pra você está como? Esse sofrimento, essa angústia,
caracteriza saúde, assim como a capacidade de sentir dor caracteriza saúde. Um dos
sintomas da diabetes é tirar a sua capacidade de sentir dor. Então, dor nesse caso, é
patológico ou é um alerta que garante a integridade corporal? Agora, obviamente, dor
justificada, se eu sinto uma dor crônica, aí a dor se transformou em doença. Se eu tô
angustiado com a eleição, eu tenho razão para está angustiado. Agora, se eu sinto angústia
quando bate um vento ou quando eu vejo alguém conquistando alguma coisa boa, se eu
sinto angústia quando eu fico só, mesmo estando em casa, com segurança, aí a minha
angústia é patológica, Ter angústia não significa que você está na neurose ou na saúde,
você vai me dizer que angústia é essa para eu pode dizer.
Estruturas clínicas são modos estáveis de organização da relação do sujeito consigo e com
o outro, é um conceito semelhante a personalidade. (...)
PSICOPATOLOGIA
Patologia tem menção da neurose, psicose e perversidade a qual veremos o que é estrutura
neurótica. Onde será aprendido de duas formas, existe a chamada forma tradicional que
entende a existência de estrutura neurótica, estrutura psicótica e estrutura perversa.
Aprenderemos dessa forma, e também de uma outra forma para que o conceito de saúde
fique mais preservado, O que poderia chamar de saúde estaria subsumido dentro da
estrutura neurótica, teria como interpretar de duas formas a estrutura neurótica, é uma
estrutura que quando o funcionamento é negativo advém a neurose, se for para interpretar
dessa forma estaria de acordo, não tem por que propor uma outra maneira de
entendimento. Porém, muitas vezes é chamado estrutura neurótica por entender que toda
expressão dessa estrutura está dentro do espectro neurótico, nesse caso o que seria saúde?
não existiria saúde propriamente dito, mas sim uma neurose branda, uma neurose
compensada, uma neurose funcional no mundo. Por essa interpretação ser mais comum
será ensinado, mas irei propor uma outra forma de pensar o assunto.
Estrutura
Freud não usava este termo, o termo estrutura é uma conceitualização posterior que se
encontra ou na obra de Lacan ou Bergeret. Estrutura são modos de organização regulares,
modos de vinculação com o outro, modos de se relacionar consigo, estruturas psicológicas
internas que vão resultar em uma maneira de lidar consigo e de lidar com a realidade, ou
seja, a estrutura é um conceito semelhante ao conceito de personalidade, são padrões
comportamentais, padrões de relacionamento consigo e com o outro.
A ideia que os autores têm ao longo da infância, por conta de questões constitucionais e
da história de vida, é que o sujeito cristaliza uma estrutura dentro de si, se constitui uma
estrutura e o raciocínio estrutural é um raciocínio que acredita que isso aqui se mantém
estável ao longo da vida. Sendo assim você não muda de uma estrutura neurótica para
uma estrutura psicótica, de uma psicótica para uma perversa.
Uma vez estruturado, o sujeito vai se mover dentro daquelas daquelas possibilidades
relacionais, que a estrutura contém e permite.
Pergunta da aluna: E durante esse tempo que estava em consolidação pode ser alterado
se…
Estrutura psicótica- Não chega ou não entra no Édipo,pois o Édipo exige algo que a
estrutura psicótica não tem.
Estrutura neurótica - Passa pelo Édipo e vai ter um Ego suficientemente integrado que
integra as experiências em torno de si, ao integrar essas experiências ele está formando o
seu próprio si mesmo.Também terá um Ego diferenciado que distingue ele do outro e
distingue ele dos seus próprios ideais (eu posso colar os meus ideais, eu posso não me
distinguir de meus ideais). O que é se distinguir dos meus ideais?
Exemplo: Eu posso dizer: Eu gostaria de ser melhor do que eu sou. Porém, o que eu sou
é isso aqui, é esse o meu possível e eu valorizo esse possível que sou, eu estou descolando-
me do ideal. Quando estou colado no ideal, eu digo: Eu gostaria de ser melhor do que eu
sou . Mas o que você é? Tenho uma sensação que sou uma péssima pessoa em relação
ao que eu gostaria de ser. Mas você não consegue valorizar nada disso? Não, é como se
eu tivesse colado no ideal.
O ideal ele não só funciona como horizonte, ele funciona como uma espécie de critério
de avaliação para o que eu sou, um critério totalitário , eu não digo que isso eu gostaria
de ser, eu digo que eu deveria ser, não sendo eu me sinto o pior dos piores, eu colo com
o ideal. E o que é colar com o outro? Você pode fazer o outro ocupar o lugar do seu ideal,
quando se fanatiza alguém, é colocado esse alguém no lugar de seu ideal ele(a) vira o seu
ideal.
Exemplo: Quando alguém se deixa guiar por um mestre, você coloca o Ego do mestre no
lugar do seu Ego.
Exemplo: Numa relação apaixonada, acabou o namoro, ai a pessoa diz: fulano não me
quer mais, ninguém vai querer mais. Fulano não lhe querer significa apenas que ele não
quer, não significa que qualquer outra pessoa também não lhe quer. A pessoa que está tão
colada com ele(a) que ocupou a posição de ideal é ele(a) quem diz o que deve ou não ser,
quem é você, a gente coloca o outro no lugar de ideal numa relação de apaixonamento.
Diferenciar-se do outro é uma tarefa difícil, diferenciar-se do outro não é apenas saber
que o outro é outro é suportar que o outro seja outro. O que a gente faz quando a diferença
é muito grande? apela pra dizer que a pessoa é louca, a pessoa é uma doente,é um monstro,
porque você não suporta tanta diferença. Tendemos a desqualificar essa pessoa, pois
temos muita dificuldade de nos diferenciar do outro.
Exemplo: Você tem uma amiga, você chama amiga para ir em algum lugar, a amiga não
quer ir, você tem dificuldade de aceitar que aquela pessoa não queira fazer o que você
quer fazer, quanto mais próxima for mais dificuldade de aceitar a diferença do outro.
Exemplo: Um cliente meu agora ele está querendo emagrecer a todo custo, de forma
saudável, e uma das coisas importantíssimas ele diz nas palavras dele e eu traduziria como
sendo diferenciado.
Ele diz: Carlos, o problema é que quando eu volto pra casa uma vozinha diz assim,bem
que tu estava merecendo comer essa massa né?
Ele faz: É, mas se eu comer em casa seria 400 calorias, a massa vai ser 750.
A vozinha diz: É 750/350 divide pela semana toda vai da quase nada.
Ai o que é que acontece? essa vozinha é o desejo é a voz do Ego identificado ao Id, eu
posso chegar e dizer assim: Olha a conversa que estou tentando me convencer, olha essa
conversa que eu fico colocando pra mim, eu estou me diferenciando.
Ele diz: É uma conversa tão convincente que chega no final eu estou dizendo assim é
realmente, de fato…
Ou seja, eu não me diferencio, eu colo com meu desejo nessa hora.Assim como eu posso
colar o meu superego.
Exemplo: Eu fiz uma coisa errada, aí eu colo com o superego e acho que eu sou o errado
e não alguém que fez uma coisa errada. Ou seja, eu colo com o Superego e demoro a
entender que eu fiz uma coisa errada, mas eu não sou por isso o errado.
Exemplo: Eu me defendo da constatação de que meu pai prefere meu irmão mais velho,
eu me defendo e digo que é como se eu achasse que meu irmão mais velho é melhor do
que eu, é por isso que meu pai gosta mais dele do que de mim,ou porque ele foi o primeiro
filho ele tem uma vinculação maior, mas não é porque ele não gosta tanto de mim.Eu fico
me defendendo tentando negar a realidade, mas se alguém perguntar, eu vou dizer: Não,
eu noto que tem uma diferença, mas eu fico achando que é isso aí. Ou seja, eu consigo
conversar com você nas mesmas referências, eu posso mudar a interpretação.
Quanto maior a minha capacidade de aceitar a castração menor a minha neurose. Quando
menor a minha capacidade de aceitar a castração maior a minha neurose, é inversamente
proporcional.
Quando a gente diz que esse sujeito tem uma estrutura neurótica, eu estou querendo dizer:
Que é um Ego integrado, diferenciado que atua com defesas, que vive conflitos, que
possui recalques, voltas do recalcado, produção de sintomas, sonho, atos falhos,chiste,
governo consciente, sublimação, realização direta. Lembra aquelas várias saídas
possíveis? com a manutenção no sentido de realidade e com aceitação maior ou menor da
castração.
A percepção tradicional disso aqui,entende que qualquer efeito disso, se tem defesa se
tem conflito, tem angústia também. Ou seja, a percepção tradicional entende que esse
modo de funcionamento padrão, essa estrutura,esse roteiro aqui,ou esse conjunto de
relações internas e externas condiciona, conduzem o sujeito a produzir funcionamentos
neuróticos. O funcionamento no entendimento tradicional, marcado pela existência do
conflito, pelos recalques, pela angústia, pela produção sintomática.
Na nossa forma aqui da sala da gente avaliar coisas a gente vai dizer o seguinte: A
estrutura tem tudo isso aqui, tendo tudo isso aqui, a gente vai tirar o nome dela de
neurótica, já que essa estrutura aqui pode surgir o efeito governo consciente,sublimação
e realização direta, sendo assim o nome disso seria saúde em Freud.
Na forma da gente pensar vamos cortar, o nome NEURÓTICO, porque queremos que a
estrutura seja definida pelo que ela é, ela é definida por aqui:
Se a estrutura produz efeitos NEURÓTICOS, e produz efeitos saudáveis, não faz sentido
chamar de NEUROSE.
Sendo assim, a plataforma de onde se deriva a saúde e a neurose, não cabe ser chamada
nem de estrutura saudável e nem de estrutura neurótica, vamos chamar de ESTRUTURA
INTEGRADA DIFERENCIADA CONFLITUAL – nessa estrutura tem saída
SAUDÁVEL e tem saída NEURÓTICA.
CASO CLÍNICO: Mulher que era passista de escola de samba e o marido se converte na
igreja e diz a ela que não vai mais participar.
1) Caso ela permaneça cobrando dele por meses um retorno – ela estaria tentando controlar
o outro, ela teria neurotizado pela via obsessiva.
2) Ela também poderia adoecer pela via Histérica, poderia desmaiar, ter dores, ficar de
cama, se vitimizar, coitada de mim.
3) Ou poderia ter uma Fobia, fora de casa, poderia desenvolver uma Fobia de espaços
fechados, nesse caso usaria a casa dela como, a casa vai abrigar a angústia.
Ou ela pode decidir aceitar e viver o LUTO, que é um sentimento saudável, aí não seria
NEUROSE ou não podemos chamar de NEURÓTICA, ela usou uma forma criativa,
resiliente, corajosa, resignada. Mantém o sentido de realidade.
A Fobia, a Obsessão e a Histeria, podem se confundir, mas elas terão uma predominância.
indicação que o professor faz para quem quiser futuramente fazer residência após o curso
de psicologia três matérias que precisa estudar: psicopatologia, psiquiatria e SUS. No
Recife tem 3 residências: Imip, Tamarineira… algumas são focadas em saúde mental,
outras em saúde coletiva, saúde da família. Na graduação se envolver com pesquisa,
monitoria, publicar artigo, pois conta ponto.
outra indicação que o professor faz é o estágio no tribunal e depois fazer concurso para
trabalhar no TJ estudar: Psicologia jurídica.
Aula 16 - 29/10/2022
Psicose e Perversão
Pergunta: “A gente pode verificar o efeito de saúde e neurose. Mas, quando você está
dentro de uma estrutura, seja uma estrutura neurótica ou seja as outras, você
necessariamente fica passando, ou eu posso sempre ser saudável, ou não? Em
momentos você é saudável e em momentos serei doente?”
Resposta: A gente pode raciocinar como no corpo. Por exemplo, é muito difícil que você
passe uma vida toda sem hora está gripada, ora está com outros problemas de saúde,
essa é a ideia. É como se o psiquismo fosse um tipo de sistema que pudesse dar "bug",
da mesma forma que o corpo dar. Então, o normal é que você transite, ora você
neurotiza, ora vc volta a condição de normalidade, mantém ali. Tem sempre uma coisa
um pouco híbrida, mas esse híbrido não cabe ser chamado de neurótico, tem que saber
o que prepondera.
Resposta: O que a gente diz normalmente é o seguinte, toda estrutura é como se ela
tivesse, vamos dizer assim (...). Vamos imaginar o vôlei! O vôlei é um esporte em que
você usava as mãos, para levantar, para dar manchete, para cortar . Mas, de um tempo
pra cá começou a ver a possibilidade de você chutar a bola, no vôlei. Hoje em dia, se a
bola está caindo você pode dar um chute na bola e tá valendo. É como se a gente, então,
na metáfora, a gente pudesse ter alguns núcleos futebolísticos dentro do vôlei. Isso faz o
vôlei virar futebol? Não! Entendeu? Então da mesma maneira, você pode ter uma
estrutura psicótica, uma estrutura integrada conflitual, que no pior dos casos vai para
neurose, neurose grave e na neurose grave você tá naquela fronteira com possibilidade
de um surto psicótico. Mas, o surto psicótico em uma neurose grave ele recua muito
rapidamente e recua sem deixar quase nenhum dano. Essa é a diferença que a gente diz
entre um surto psicótico em uma estrutura mal integrada fragmentável, de um surto
psicótico em uma estrutura integrada conflitual. É como se a resiliência agisse em algo
que foi esgarçado um pouco, voltasse para aquilo ali, voltasse para aquela condição
inicial.
Há autores, como por exemplo, BION na contemporaneidade, que diz: “mesmo o
sujeito com uma estrutura integrada, ele contém núcleos psicóticos”. Que é o que a gente
estava colocando ontem com a questão do sonho. O sonho é um momento do seu
psiquismo em que você alucina, você vê coisas, vê coisas que podem lhe fazer mal. Como
uma cliente minha estava dizendo eu acordo com o coração acelerado, porque eu estou
sonhando com perseguições e etc. Aquilo ali é uma estrutura de um delírio, de uma
alucinação. Entende? E perverso, como eu falei no finalzinho da aula ontem. Todos nós
podemos perfeitamente ter alguns rompantes transgressivos. A gente pode fazer
pequenas transgressões no dia-a-dia. No Brasil, tem a história do jeitinho brasileiro,
aquelas pequenas transgressões que a gente faz, não é nada demais não passar no sinal
vermelho, não tá vindo ninguém; burlar o imposto de renda, “a também o governo um
bando de ladrão, não vou dar o meu dinheiro”. Aí fica aquela conversa mole e você
transgredindo, transgredindo e transgredindo. Ahh! Deus vai entender. Tô fazendo isso
aqui, mas Deus sabe. Isso é o que chamamos de núcleos perversos, dentro de um
estrutura integrada conflitual.
Resposta: Também. Os núcleos psicóticos é a questão dos sonhos. Mas, isso não significa
que eu vou ter um funcionamento perverso predominante.
Resposta: Isso. Vamos usar essas metáforas esportivas que é legal. Quando você
desenvolve o futevôlei, ele parece mais com o vôlei ou com o futebol? Parece mais com
vôlei. Continua parecido mais com o vôlei. É na quadra de vôlei, a jogada tem que ser 3
toques e passa, entendeu? Mesmo que você esteja usando ali os pés, para fazer tudo. É
como se o futevôlei fosse o surto psicótico em uma estrutura neurótica. O surto
futebolístico em uma estrutura de voleibol. É o máximo que vai. Não vira jogo de futebol,
vira um futevôlei. Assim como, o surto psicótico e a estrutura integrada não viram
psicose, propriamente dita. Vira apenas uma coisa híbrida, que recua com mais
facilidade e passageira.
Resposta: Isso. E eu posso ter grandes transgressões também. Por exemplo: dizer para
vocês, essa coisa do interior de matar e vingança e tal. Eu convivi com uma rapaziada
em Floresta, não tinha nenhum perverso. Mas, colocavam o terror lá. Porém, para
colocar em prática o que fizeram, têm que se desenvolver os núcleos perversos. (conta
casos particulares da briga das famílias Ferraz e Novaes). A noção de núcleo perverso,
é como se você tivesse um determinado terreno da sua vida, que em determinadas
condições lhe tornasse capaz de proceder essas transgressões sem tremer nas bases, sem
ficar culpado, sem dilacerar (...).
Mal integrada
EGO - Não entra na relação triangular
Uso de defesas primitivas
Distorção do sentido de realidade
Fragmentável
Menos diferenciada (internamente e/ou relação com o outro) - existe um
fenômeno na psicose, chamado de erotomania. A erotomania se dá da seguinte
forma, uma pessoa aponta para a outra e diz:
- “você está apaixonado por mim e eu por você, confesse!”
- “Oush que isso? Não tem nada haver.”
O erotômano é capaz de ficar em cima de vc. É capaz de lhe sequestrar,
para poder vc aceitar, finalmente, que vc é apaixonada pelo erotômano. Eu estou
fazendo o que com o outro? Eu estou colocando o outro dentro do meu roteiro. Eu
não tô nem aí para a individualidade do outro. Eu tô colocando ele dentro, por eu
estar apaixonado por vc, vc então deveria estar apaixonado por mim. Ao invés do
DEVERIA, a pessoa considera que o outro ESTÁ. Vejam a perda do sentido de
realidade. O que acontece aqui? Acontece que não há a diferenciação do que eu
sinto e do que a outra pessoa sente. Eu não estou conseguindo diferenciar. Eu
estou engolfando você no meu roteiro. A outra pessoa poderia dizer assim:
- “Você está querendo fazer de mim o que você gostaria que eu fosse. Mas,
eu não sou assim, eu não sou apaixonada por você.”
- “Você está dizendo isso ai, porque vc não se conhece bem. quando você
se conhece melhor vc verá que estás apaixonada por mim.”
Pergunta: então o sujeito tem uma estrutura psicótica (palavras não entendidas)
…
Resposta: Menos do que isso. Ele não chega no Édipo. Porque para começar o
jogo edipiano eu tenho que aceitar a ideia de triangularidade. Eu tenho que
suportar que EU + MÃE, com quem eu me confundo e um terceiro com quem eu
não me confundo e que quer rivalizar com a minha mãe. Se eu me confundo com
todo mundo eu não desenvolvo relação triangular, eu desenvolvo uma relação
dual. A relação triangular ela pressupõe o seguinte: Eu (sujeito desejante), meu
objeto de desejo e meu rival. Para que você seja meu rival, você tem que ser
diferente de mim.
O psicótico não tem a capacidade de diferenciação suficiente para poder
transformar alguém em seu rival. Como eu me confundo, eu leio vc aos meus
olhos. Eu não leio vc por vc. Quando eu neurotizo, por exemplo, em uma relação
amorosa. Eu digo:
- “poxa eu sei que ela não gosta de mim. Eu sei! Ela já me disse várias
vezes. Mas, eu fico na fantasia que ela está dizendo isso, porque não quer admitir.”
Aí nesse caso é neurose. Eu fico com aquela fantasia, eu sei que isso pode
ser uma loucura, a própria pessoa dentro da neurose, quando está dentro de uma
relação amorosa psicopatológica, a pessoa diz:
- “eu sei que a essa pessoa já me disse que não me quer. Mas, sei lá, às
vezes eu acho que ela está dizendo isso, porque não quer admitir. Eu sei que é
uma loucura da minha cabeça. Mas, às vezes eu sinto isso.
Outro dado importante, o surto psicótico não é uma raio, é como uma
crise epiléptica, ela tem a aura da crise. Ou seja, são vários elementos que vão
se somando e vai lhe levando para a crise propriamente dita. E quando a crise é
uma primeira ou uma segunda crise, é natural que a pessoa estranhe o elemento
sintomático que ela está apresentando.
Outro exemplo:
Caso 1
O sujeito vira para você e diz:
- vou votar em Bolsonaro, porque a minha consciencia diz que é para votar nele.
Caso 2
- Vou votar em Bolsonaro.
- Porque?
- Pq a voz me manda votar nele.
- Que voz é essa?
- Meia-noite, não posso dar muitos detalhes, quando eu estou em casa, e uma voz
me diz “VOTE EM BOLSONARO”.
No caso 2, como ele não estranha, como ele apresenta uma ideia
sistematizada, uma ideia que já faz parte dele. É um sintoma psicótico
egossintônico. Nesse caso a voz soa familiar para ele.
Resposta: Aí você pode ter dificuldade de integrar porque ao integrar você vai
ter essa coisa meio decepcionante, você terá ódio de si, ódio de quem vc ama.
Não são sentimentos fáceis de manejar.
Estrutura 3 - Perversão
Ex: O maníaco do parque estava lá doido para estuprar e degolar as meninas no parque.
Mas, ele sabe que a garota não está a fim de ser degolada e nem de ser estuprada. Ou
seja, ele diferencia o desejo dele do desejo dela. Mas, aí ele vai à caça de achar desejos
em comum para poder praticar o seu crime. Para que sujeitos possam fazer isso, eles têm
que ter o sentido de realidade preservado, ele tem que ter diferenciação e o outro
preservado, ele tem que ter controle de impulso. Perceba que essa estrutura psicológica,
ele tem que ser capaz de se colocar no lugar do outro, para entender em que momento
ele pode agir. Porém, ELE NÃO PODE TER LIGAÇÃO EMOCIONAL com essa pessoa.
E a ligação emocional com o outro é o que vai constituir as bases do SUPEREGO. É o
meu vínculo afetivo com a minha mãe que vai me permitir aceitar a norma dela que me
frustra, como sendo uma parte minha. Isso é bíblico. O amor que Eu tenho pelo meu
sujeito significativo na infância é o que coloca plataforma para o surgimento do sujeito
moral. Winnicott explica isso muito bem. O perverso não possui a capacidade de
construção de vínculo amoroso. Principalmente um vínculo amoroso em que eu sei que
sou eu e o outro sabe que é o outro.
Quando você toma o outro sendo como seu, isso não constitui um vínculo. Ou
seja, a perversão é a ineficácia do sistema normativo. Alguns dizem “ineficácia” porque
falta o superego, falta o vínculo amoroso, pois sem esse vínculo eu não constituo o
cuidado pelo outro, não constituindo o cuidado pelo outro eu não aceito a norma. Pq a
norma é como se fosse a minha declaração amorosa. “Eu te amo, quero o seu bem. Noto
que fiz uma coisa errada com você. Lhe pergunto como posso reparar o meu erro?” E aí
o que o sujeito significativo coloca como norma,o outro vai seguir para provar que eu
estou tendo cuidado com ele. Ou seja, seguir normas nesse sentido é um ato amoroso.
Claro que tem o elemento do MEDO tbm. A norma é formada por AMOR e MEDO. Mas,
na base é amor. Se só tiver MEDO a norma não prega. Ou seja, o sujeito vai agir de
acordo com as normas na sua frente. Mas, por trás eu vou aprontar. Quando tem amor
envolvido o sujeito vai agir com as normas independente se o outro está olhando ou não.
Então, olhando por esse viés, o que faltaria na estrutura 3 seria exatamente o
jogo emocional, que funciona como plataforma para a construção da norma. Mas, há
autores que pensam que o problema do PERVERSO não é a ausência do SUPEREGO, e
sim a presença de SUPEREGO TIRÂNICO. O superego tirânico é aquele que diz para
você: “até calado tu estás errado”. Como eu estou errado fazendo A ou fazendo B, o
sujeito chuta o pau da barraca. Ou seja, o ser ao me acusar, me transforma em alguém
que merece a acusação.
Ex: Vc namora uma pessoa ai pede para ela um buquê de rosas, alegando que seu
namorado nunca deu e que ela acha legal. Em todos os momentos festivos ela repete a
mesma coisa. O namorado fica tão chateado por ela não valorizar as outras coisas que
ele faz para ela, que não dá. Quando o relacionamento acaba o ex-namorado entra em
outro relacionamento e dá um buquê para sua nova namorada. Se ele tivesse dado o
buquê, isso acaba atestando para ela que ele não é romântico, que não presta, que não
é a pessoa que tem amor ou carinho pela namorada. Ou seja, esse ar tirânico faz você
enxergar ele como uma pessoa que só faz as coisas para lhe contrariar. Em outras
palavras, o superego tirânico, produz atos transgressivos.
Complexo de Édipo é experiência que para Freud funciona como um divisor de águas.
Ela se localiza na fase fálica, quando a criança tem entre 3 e 5 anos ou 3 e 7 anos. Antes
tem a fase anal e oral. A fase fálica se caracteriza por dissociar-se de uma zona erógena
(como na fase anal e oral). Nela, a zona erógena são os genitais, mas por que é chamada
de fase fálica? Exatamente porque envolve uma disputa de poderes. E a gente vai ver o
que essa disputa de poder é capaz de produzir, de lapidar no psiquismo humano, de modo
a justificar a importância que Freud dotou ao Complexo de Édipo (CE).
O menino vivencia com a mãe e o pai (ou com quem cumpra a função materna e paterna
– ou seja, poderiam ser dois homens, duas mulheres, ou uma só pessoa) .
Como explicar essa situação na qual uma pessoa pode fazer o papel de mãe e pai?
Ora ela acolhe, faz a função materna de amamentação, cuidados, etc... e ora ela frustra,
normatiza... a gente confunde édipo com romance familiar. Mas é uma experiência
triangular e quem vai compor o triângulo vão ser papéis e não pessoas. O fundamental do
Édipo é essa vivência de triangulação. Quando aparece a figura do terceiro. O terceiro
aqui é quem funciona como figura de alteridade. Ou seja, quem aparece com repertório
de desejos que se contrapõem ao do menino, entram em conflito com os dele. A própria
mãe precisa ter uma relação recíproca com esse pai, ter abertura para o terceiro,
mostrando para a criança que ele não é o único objeto de desejo da terra.
Ela é fálica porque remete ao jogo de poder que vai ocorrer entre o menino e o objeto de
alteridade.
O menino vai sentir uma paixão, atração amorosa pela mãe, que já é um objeto de
cuidado pra ele. Vai aparecer um apaixonamento. E vai desenvolver uma relação
odiosa com o pai, que vai aparecer como um adversário, opositor, concorrente das
atenções e gratificações maternas. Édipo se dá quando o menino desenvolve essa
relação de objeto com a mãe. A criança quer ter o outro. Relação possessiva. Exclusivista.
E percebe que, para garantir isso, vai ter que rivalizar com o pai, ou com irmão, ou
com trabalho da mãe, ou amigas, quem ocupar o lugar de pessoa ou coisa que divide
as atenções da mãe com ele. O menino desenvolve relação de identificação com o pai.
Ele quer ser o pai. Quer ter a mãe e ser o pai.
Você vai ter todo esse conjunto de coisas, se a mãe funciona como suporte, ou seja
alimentação, banho, sono, etc... e vai ter também as demandas afetivas, de carinho, de
atenção, de brincar, lúdicas. É esse conjunto que torna a mãe um objeto de amor
apaixonado.
E se essas satisfações forem divididas entre pai e mãe? Um dá mais afeto e outro atende
mais as necessidades fisiológicas?
De todo modo, o menino vai dividir os seus amores. Vai ter amor pela mãe e pelo pai.
Mas algum dos dois vai exercer o papel de fascinação. É feito um cachorro que escolhe o
dono. Um dos dois vai ser o preferido, a escolha principal. Pode ser homem ou mulher. É
o exercício da função materna que torna o ser valioso amorosamente aos olhos da criança.
Na perversão, eu vou ter uma vivência triangular de competição. Mas ela não é só uma
vivência de competição (18:27 – ele frisou esse não, mas achei sem sentido). Para se
transformar em uma vivência edipiana, com todos os efeitos gerados, é preciso que
o menino ame e odeie a figura com quem compete. Aí sim você vai ter os efeitos de
produção superegóica. Sem isso, não posso rivalizar com esse pai, destruí-lo e manter
ainda uma relação binária. Eu considero esse pai numa vivência de relação triangular
quando eu não só o odeio, mas também o admiro, respeito. É isso que vai caracterizar a
relação edipiana.
O sujeito da estrutura 3, por ter uma falha na normatividade, vai ter também uma falha na
afetividade. Porque o vínculo afetivo é o que capacita para o vínculo normativo. Ele pode
ser apenas agressivo com o concorrente. Nem sequer odiar. Apenas agressivo. Porque
odiar ainda é valorizar o outro. Como não consegue desenvolver essa relação de amor
e ódio com a figura com a qual compete, não vai haver a formação futura de um
superego. Então, só passa pelo Édipo, no sentido propriamente dito, meninos e
meninas com aquela estrutura integrada, diferenciada.
Essa mãe, para que funcione uma relação triangular, ela não pode ter olhos apenas para a
criança. A criança tem que perceber que ela tem olhos para o terceiro. Então essa mãe vai
receber amor, mas também ódio. E esse terceiro que já é conhecido pela criança e,
portanto, amado, vai ocupar uma posição admirada, de alguém que tem acesso a mãe.
Então, o menino ama e odeia a mãe (predominando amor) e ama e odeia o pai
(predominando o ódio). Isso significa que o Édipo começou. É a abertura do Édipo: essa
experiência vivida na triangularidade. Num primeiro momento, a identificação com
o pai é Exclusiva (exclui o outro), ele quer que o pai saia de cena. Quer SER o pai.
Depois ele vai querer ser COMO o pai. Abrir mão de minha mãe, para ter outra mulher.
Essa vivência é como se fosse uma batalha, um drama. Tudo o que o menino quer é
manter o que tinha antes com a mãe. Uma relação em que se sentia o único objeto de
interesse materno. Quer garantir que o desejo dele seja Onipotente, exclusivista e
imediatista. Tudo só para si, aqui e agora. O que ele está visualizando é que a mãe não
parece mais exclusiva dele, pois tem olhos para o pai. É como se ao instaurar o Édipo, ele
tentasse resgatar o status quo para o seu desejo, voltar a ser o menino dos olhos da mãe.
Para o menino fazer frente a esse pai, que ocupa um lugar privilegiado no desejo da mãe,
para suportar essa batalha, e para poder minimizar imaginariamente a perda de status que
acontece quando percebe a alteridade, a criança vai desenvolver essa construção
imaginária que chama de FALO. O falo é uma construção imaginária que visa dotar-
me de um poder que vai na minha cabeça me permitir trazer novamente a mãe para
ser só minha. Então, vou imaginar sê-lo ou tê-lo. E com essa condição fálica eu me
tornaria capaz de enfrentar as dificuldades e conquistar a minha mãe só pra mim.
O que a criança vai entender como sendo FALO? Freud diz que será o pênis dele. A gente
diz que fálico é, por exemplo, o cabelo de Sansão. Então essa fase fálica é quando o
menino se vê empoderado pela presença de seu pênis. A gente pode ver por dois ângulos.
1) Quando o menino vê esse empoderamento. Quando o pênis cresce, fica duro, dá prazer.
Se torna um curioso brinquedo, interessante. E é valorizado pelos olhos maternos. É
comum ainda hoje, mães e babás ficarem brincando com o pênis da criança, revelando
que aquela parte do corpo é diferente de um nariz, de uma orelha.. como se fosse imantada
de um poder capaz de provocar interesse do outro.
Esse poder poderia se dar por ele pensar que ele tem e a mãe não tem o pênis?
Ele depois descobre que a mãe não tem. Na ordem dos acontecimentos, para Freud, a
criança primeiro valoriza o pênis, depois descobre que o outro não tem. Ou seja,
ocorreria independentemente dessa percepção. A valorização se daria, acho, por uma
questão de cultura. Como se meninos e meninas tivessem direitos diferentes. E
meninas pudessem perguntar: o que é que ele tem que eu não tenho? E a resposta
fosse: o pênis.
Até hoje, você tem problemas de autoestima associado ao tamanho do pênis. Tenho
um cliente, por exemplo, que diz ter uma namorada e vai tudo bem. Mas ele tem a
eterna sensação de que ela gosta da sua pessoa, porque ele é educado, gentil, mas não
de sua performance, porque o pênis é pequeno. E uma disse que ele era uma decepção
na cama, por ter o pênis pequeno. Ela deve ter sacado que ele se incomodava e botou
o dedo na ferida. E não tem quem tire isso da cabeça dele. Não se vê ninguém assim
porque o pé é pequeno. Há qualquer coisa no simbolismo do pênis que faz com que
ele seja particularmente representativo do que ser apenas um órgão mictório e sexual.
Ele representa algo da ordem do poder, do valor de si.
Mas um pênis pequeno reproduz. Problema é que ele se prende a uma típica
construção imaginária.
Poderia. Mas a gente também poderia imaginar que ele, nesse momento, não
perceberia pênis pequeno e, na adolescência, percebesse pequeno. E, a partir daí,
poderia se traduzir: eu não dou conta do meu pai, porque meu pênis é pequeno. Eu
justifico a posteriori não ter ganho essa batalha. E aí o pênis pequeno se transforma
em selo e símbolo da minha inferioridade. Então o que o Édipo pode deixar é um
sentimento de inferioridade. Mas o que Freud tentou explorar foi esse simbolismo em
torno do pênis.
Então tem duas interpretações possíveis. Desenvolvimento libidinal
espontaneamente. O próprio pênis de zona erógena. Esse pênis fica duro, fica grande
e obviamente atrai os olhares de mãe de babá e por isso ele ganha um valor simbólico.
Que faz com que a criança se sinta empoderada. E posso fazer interpretação às
avessas. A criança se sente diminuída no trato com alteridade e precisa inventar um
símbolo para si, para se sentir novamente empoderada e enfrentar a figura de
alteridade.
O mais comum, nessa versão tradicional, é entender que o pênis fica dotado desse
simbolismo espontaneamente. Que a criança enfrenta essas dificuldades por crer em
si mesmo e crer na sua potência fálica. O que a criança vai fazer aqui? O menino vai
ficar o tempo todo impedindo que o pai abrace a mãe, fica com ciúme quando o pai
beija a mãe, como se ficasse hostilizando de fato o pai, brigar e dizer que é melhor
que o pai e que quer namorar com a mãe.
E, ao longo desse tempo, as respostas do pai e da mãe vão mudando. Começam a ficar
mais hostis. Aquelas respostas mais acolhedoras, afetuosas e amorosas começam, aos
poucos, a ser respostas mais impacientes e irritadas, porque a criança fica forçando a
barra para separar o pai da mãe, exigindo atenções exclusivas da mãe para si. Então,
a criança vai ficando chata, teimosa, insistente, possessiva e vai recebendo respostas
também mais negativas. Os pais se cansam dessa brincadeira que, no início, fez rir.
A coisa avança até o momento em que, diz Freud, o menino passa a desejar destinos
negativos para o pai (que ele morra, se afaste, viaje e não volte mais); desenha a
família e faz o pai bem pequenininho (os desenhos revelam as fantasias de destituição
e destruição desse pai). É o que Freud nomeia de desejo parricida - o desejo de morte
do pai. Com relação à mãe, Freud chama de desejo incestuoso.
Quando as respostas de ambos ficam mais hostis, há uma quebra da relação simbiótica
entre mãe e criança. É preciso que a mãe estabeleça um laço com o pai para poder
destituir a criança dessa simbiose. Claro que não podem ser respostas puramente
agressivas, precisam ser acolhedoras mas colocando limites. “Mamãe não vai dormir
com você hoje, mas com o papai”, “mamãe está conversando agora com seu pai” - é
uma forma de frustrar a criança, dando respostas negativas. Nesse contexto, a mãe
também está exercendo a função paterna.
1) Via filogenética: nas obras de Freud, pode-se perceber, muitas vezes, uma visão
lamarckiana (um dos pensadores da teoria da evolução) sobre o psiquismo humano.
Desta forma, mirava-se no fato de que nossos antepassados realmente castravam
machos da horda para que nenhum deles ousasse desposar suas mulheres. Vivências
reais de castração aconteceram ao longo do tempo, e isso deixou uma marca no
psiquismo. Essa marca vai fazer com que o menino se sinta ameaçado de castração
independente de o pai dele ter feito qualquer ameaça nesse sentido. Essas ideias
mantidas e repassadas geneticamente são classificadas como fantasias
originárias/primitivas (Freud) ou arquétipos (Jung). Freud destacou três tipos de
fantasias originárias: a da castração, a da sedução e a de assistir ao coito dos pais
(visualização, imaginação).
2) A criança já aprendeu, nas fases anteriores, que uma forma de ser punida é
perdendo o brinquedo, e o brinquedo do momento é exatamente o seu pênis. É dele
que a criança extrai, por via masturbatória, seu prazer. O pênis se tornou um objeto
importante, é o brinquedo da vez, e ela já viu que a punição de vários pais é tirar de
crianças o que elas gostam.
4) Para Freud, a criança teria, numa teoria sexual infantil, a ideia de que todos têm
pênis. Com a observação do corpo feminino, ele acredita que alguns tiveram e
perderam (no caso, as meninas). Assim, eles acham que também podem perder.
No Édipo contemporâneo, para o menino abrir mão dessa batalha, vai ser necessário
mais do que temor. Entende-se que é uma batalha exigente, cansativa. Dar murro em
ponta de faca, amar e odiar, forçar a barra. Outra razão seria a criança desejar fazer o
que os pais desejam devido ao amor que sente por eles.
O menino, de tanto hostilizar os pais, teme que o pai o castre. Para evitar perder o
pênis-falo, ele abre mão dessa rivalidade, ou seja, entrega o valor que atribui ao pênis
para poder garantir a própria integridade física. Ao abrir mão da batalha, o menino se
identifica com o que os pais esperam dele, ou seja, renuncia à onipotência, ao
exclusivismo e ao imediatismo. Esse vai ser o ponto de vista da cultura transmitida
pelos pais à criança, e isso vai se constituir na preservação da possibilidade da mãe e
do pai serem alteridades e no respeito às necessidades dos pais.
O Édipo não significa aceitar o ponto de vista da mãe ou do pai, mas da cultura
transmitida por eles. Na medida em que o menino renuncia às suas ambições
incestuosas e parricidas, assimilando o ponto de vista da cultura transmitido pelos
pais, forma-se o superego. Para Freud, o superego é o herdeiro do Complexo de
Édipo. Quando a criança passa pelo CE, ela assimila o superego. Os pais vencem a
batalha do ego e, ao vencer, impõem à criança a norma que os rege (a lei da cultura).
Aos poucos, a criança compreende que a norma é o que garante a manutenção da sua
integridade física (segurança de modo geral), além de fortalecer o amor parental.
Por outro lado, uma boa passagem pelo Édipo seria abrir mão da mãe, mas continuar
ousado o suficiente para desejar novas pessoas, e abrir mão da hostilidade direcionada
ao pai para manter uma relação de respeito com ele. Mantém-se assim a ousadia e a
coragem.
AULA 05.11.22
A gente tinha falado sobre a saída pela via da identificação. A identificação do menino,
quando o menino renuncia ao EGO, renuncia a uma ambição edipiana, ele se identifica
com o que os pais esperam dele, isto é, com a norma, formando com isso o SUPEREGO.
Para se identificar com o que os pais esperam dele, isso é feito via amor aos pais e via
ameaça. Então o SUPEREGO vai ter uma dimensão amorosa, quando você ouve a fala
dos pais dentro de si dizendo: “não faça isso não! não vá por aqui não! Seria tão melhor
se você fizesse isso! Você vai ter mais resultado assim!”, é uma fala acolhedora, uma fala
amorosa. Mas você vai ter também, no SUPEREGO, a fala ameaçadora, a fala agressiva,
a fala do ódio, da ameaça de castração do Édipo tradicional. Então, elementos amorosos
e elementos agressivos vão compor o repertório do SUPEREGO. Então, a criança se
identifica com o que os pais esperam dele, que é exatamente a norma da cultura, a lei da
cultura, que vai contra o incesto e o parrícidio. Então está aqui a dimensão da formação
do SUPEREGO, da formação do chamado sujeito moral, a partir da renúncia ao EGO, da
superação do EGO. O quão agressivo ou o quão amoroso o SUPEREGO é, vai depender
também das quotas pulsionais de cada um. Você pode ter pais amorosos e o SUPEREGO
do filho ser bastante intolerante, bastante ameaçador, bastante exigente. Então tem
qualquer coisa da individualidade do sujeito que forma o solo, que forma a composição
do SUPEREGO. Mas reparem que a pedida para que a criança pare de ser possessiva,
teimosa, exigente, exclusivista, imediatista, como ela estava sendo, pode vir tanto num
tom amoroso quanto num tom ameaçador, agressivo, odioso. E é exatamente esse
conjunto que vai compor o repertório narrativo do SUPEREGO, combinando-se,
somando-se ou subtraindo-se a depender das quotas pulsionais amorosas e agressivas, de
vida e de morte de cada um. E a segunda consequência do Édipo é a formação da
identidade sexual, tanto no sentido de gênero quanto no sentido da orientação sexual. O
Édipo tradicional do menino também é criticado porque ele pressupõe uma espécie de
heteronormatividade. É a ideia que o menino, na vivência de uma relação de objeto com
a mãe e de uma relação de identificação com pai, o menino vai então se identificar com
o pai. A identificação no início era de exclusão, após a resolução do Édipo a identificação
vai ser de inclusão do pai. “Eu quero me tornar semelhante a ele e não me tornar o que
ele é.”. São duas formas de identificação. Com a resolução do complexo de Édipo o
menino quer se tornar como o pai é, ou seja, alguém que abandonou a própria mãe (no
caso, a avó do menino) para buscar uma outra mulher. Então o menino se identificaria
com o pai para poder buscar uma outra mulher na vida. Ou seja, se identificando com pai,
ele se identificaria com o gênero masculino e com a orientação sexual heterossexual.
Olhando por esse viés, teríamos um Édipo funcionando como uma agência social da
heteronormatividade. Essa forma de pensar é um problema no mundo contemporâneo,
porque já não olhamos mais para pessoas que não seguem uma orientação heterossexual
como se elas fossem filhas de um acidente edipiano, de um desvio no percurso edipiano.
Freud tentava explicar a homossexualidade, tentando encontrar alguma coisa que não
teria saido conforme a regra. Então essa forma do Édipo tradicional masculino também
apresenta esse problema, não haveria um lugar legitimado para a homossexualidade.
Vocês vão ver que no Édipo contemporâneo, um outro texto de Freud, dá perfeitamente
pra gente entender porque que existem pessoas heterossexuais, porque existem pessoas
homossexuais, sem nenhuma hierarquia sobre o que seria mais natural, mais de acordo
com a natureza.
Pergunta: No caso do menino seria identificação com a mãe, com a função materna?
Resposta: Não. As teorias freudianas são as mais variadas pra tentar entender o que seria
a homossexualidade. A mais comum, a mais típica é que eu abro mão dessa mãe, mas eu
arrumo uma pessoa que pareça comigo para que eu seja uma mãe para ele, para que eu
mantenha essa relação simbiótica. Dessa forma eu desenvolveria uma relação
homossexual. Freud teve tanto trabalho pra explicar a homossexualidade a ponto de ter
montado cinco teorias e em momento algum ele desqualificava a homossexualidade. Ele
chamou apenas uma vez de perversão, na maioria das vezes ele chamava de inversão.
Porque o perverso, para Freud, é o que não chega ao desenvolvimento da genitalidade,
pára e fixa na fase oral, na fase anal, ou mesmo na fase edipiana, não desenvolve a
genitalidade. É óbvio que uma pessoa homossexual desenvolve a genitalidade, mas ele
teria então uma inversão, em vez de investir no sexo oposto investiria narcisicamente em
um gênero semelhante ao seu, para poder garantir a manutenção desse vínculo materno.
Daí a ideia de que homossexuais seriam altamente narcísicos, seriam mais vaidosos.
Existem homossexuais de todos os tipos, assim como existem heterossexuais de todos os
tipos. Então é uma teoria que também ficou velha, do ponto de vista do Édipo tradicional
masculino. A gente tinha falado que o Édipo contemporâneo serviria para corrigir
problemas do Édipo tradicional feminino, cuja situação é mais dramática. Mas o Édipo
tradicional masculino impede que a gente veja a homossexualidade como um caminho de
orientação sexual tão natural quanto qualquer outro.
O Édipo, portanto, serviria para o desenvolvimento da moralidade e da sexualidade.
Ele lapidaria a identidade moral e a identidade sexual. É por essa razão que o Édipo
é considerado tão relevante.
O ÉDIPO FEMININO
O problema do Édipo feminino tradicional é que ele não teria fim, já que a menina não
tem o que perder. O menino pára o Édipo porque ele tem o que perder, é como se ele
dissesse “eu posso ser ameaçado de perder o que eu quero manter”, mas é como se a
menina fosse meio kamikaze “não tenho mais o que perder, então, dane-se!” . Então essa
ideia fez Freud não entender porque é que mulheres têm SUPEREGO. De onde vem o
SUPEREGO feminino? Porque, como vimos no menino, ele vem da ameaça que a criança
sente, então vem do temor. O que teme a menina, se ela já perdeu o que tinha de perder?
Essa imagem da mulher sem superego foi construída desde a Grécia Antiga, passa pelo
cristianismo e chegou até os dias de hoje, como se a mulher fosse o desejo, impulsiva,
sem controle de si.
Pergunta: O senhor fala dentro de um Édipo tradicional masculino, sobre uma ameaça
de castração e não do complexo em si, ou não tem diferença entre eles?
Resposta: É porque o complexo de castração é o conjunto de elementos que giram em
torno da castração. Aí você vai ter ameaças, tentativas de preservação, valorização,
desvalorização, ancoragem em algum lugar, esse conjunto de coisas referentes à
castração. Então a gente diz que a menina tem complexo de castração porque ela
acreditaria dever ter um pênis, lhe foi retirado esse pênis, se irrita com a mãe que lhe
deveria ter dado, se envolve com o pai, que tem pênis, e deseja - a única forma de ter
saída para a menina - ter um bebê do sexo masculino. Seria como se ela pudesse dizer
“Eu produzo um pênis” “Eu não tenho, mas eu produzo um bebê que tem”. Esse conjunto
de crenças, sentimentos, ódios e amores, esperanças, faltas, é esse conjunto de coisas que
chamamos de complexo de castração. A palavra complexo vem disso, vem de você
entender que não é um único conceito, não é uma única cena.
A menina, com relação à mãe, tem dois sentimentos: raiva, porque a mãe não lhe deu o
falo; e decepção, porque percebe que a mãe não tem o falo. “Você não merece meu amor”,
porque o poder está ancorado no pênis. Ela então volta-se para o pai. Na fase oral e anal
a relação com a mãe era de simbiose. Então o Édipo da menina começa com rompimento,
é baseado na inveja, já o do menino é baseado numa espécie de “expansão natural do meu
poder”, é como se fosse a expressão de um talento. Já a menina parte para a reivindicação
edipiana ferida, parte com sentimentos de ódio e inveja, ódio da mãe, que não tem e não
lhe deu, e inveja do pênis do pai. Entendendo que amando esse pai, que ela também odeia,
esse pai vai de certa maneira lhe disponibilizar um pênis ou ela vai no futuro, e é essa a
saída do Édipo feminino, ter um bebê do sexo masculino.
Esse tipo de fantasia está disponível para qualquer mulher. Não acharia nada estranho se
no consultório uma mulher, em sua narrativa, revelasse essa inveja (do pênis). Enquanto
possibilidade eu não tenho nada a dizer, a cabeça do ser humano é capaz das mais diversas
elaborações. Agora o ponto criticável é: isso aqui (a inveja) é uma necessidade? A menina
tem que encarar dessa forma? A anatomia dela é um destino para como ela vai se
´perceber? É nisso que vamos para o Édipo contemporâneo para dizer que não, isto é um
repertório possível [mas não obrigatório].
Pergunta: Mães que demonstram preferência pelos filhos homens pode estar relacionado
ao Édipo feminino?
Resposta: Pode. Mas o problema é que esta questão edipiana tem um pano de fundo, que
é a cultura. A gente vive em uma cultura que a figura do masculino está sempre em uma
posição de poder, de destaque, de status. Então é esperado que o ser masculino seja dotado
de um brilho a mais. Isso seria explicado porque o menino tem o pênis-falo ou seria
explicado pela lente de uma tradição masculinista que domina o mundo ocidental há pelo
menos dois, três mil anos? E é incrível que mesmo desse poder todo, mesmo dentro desse
guarda chuva a gente tenha esses últimos cem anos de ascensão da mulher. Não seria
razoável pensar que, no meio dessa condição, as mulheres crescessem. O que faz as
mulheres crescerem no mundo contemporâneo é a ideia de indivíduo. É um trecho num
mar de domínio do masculino.
Com a saída do Édipo feminino (ter um bebê do sexo masculino) você apenas apazigua a
ambição da mulher, mas não vem junto com a formação do SUPEREGO, ou seja, fica um
Édipo totalmente frankeinsteiniano que coloca a menina numa posição de inveja, ela
resolve isso por via do outro e não por via de si mesma, não é ela que se empodera, ela se
empodera a medida que produz um ser empoderado e continua sem explicação de onde
viria a moralidade feminina, porque o jogo de ameaça, de contraposição da cultura não
teria sido jogado. Pelo contrário, é como se a cultura a indenizasse na medida em que ela
tem um bebê do sexo masculino. No Édipo masculino, há contraposição e esta traz à tona
a ameaça de castração que faz o menino recuar, o que significa aceitação do ponto de
vista do outro e desenvolvimento do SUPEREGO. Pra ter SUPEREGO tem que ter medo.
A menina aqui entra como um kamikaze, até possuir um bebê masculino, o que não
explica a formação do seu SUPEREGO ou a sua orientação sexual. É um Édipo feito às
pressas, sem nenhum cuidado para entender, e Freud era o primeiro a admitir. Ele dizia
que o feminino é um “continente desconhecido”. Na verdade ele disse “continente
negro”, no sentindo de obscuro, onde não se consegue colocar luz.
A construção contemporânea vocês não vão encontrar com facilidade e não é por falta de
pessoas criativas e antenadas com questões históricas e antropológicas dentro da
psicanálise., é pelo seguinte: Logo depois de Freud, aquele debate que antes era fase oral,
fase anal, fase fálica, uma explicação possível para esse edipo não ter sido repensado,
Freud escolheu a fase fálica como sendo um grande momento do desenvolvimento.
Depois de Freud, Melanie Klein, Winicott, Bowlby, Spitz, o próprio Lacan, passaram
cada vez mais a olhar a fase oral e anal, passsaram a investigar as etapas pré-edipianas,
entendendo que é estudanto isso que eu vou entender as psicoses, os quadros de autismo,
os quadros borderlines e várias questões da clínica moderna e contemporânea, a clínica
do trauma pós I e II Guerra Mundial. Houve um fluxo enorme de estudos voltados para o
que precede o Édipo. Enquanto que o Édipo em Freud é a grande etapa, é a fase
determinante, para o movimento pós-freudiano, os autores escolheram o que antecede o
Édipo, na verdade, o que antecede o nascimento, a cogitação na cabeça dos pais em
relação aos filhos passa a ser um tema mais importante para saber o que o sujeito é do
que propriamente a fase fálica edipiana. O Édipo, então, foi meio que colocado de lado.
A clínica contemporânea, a clínica da drogadição, não remete à Édipo, remete à fase oral,
a clínica das obsessões, das esquizóidias, dos borderlines, da psicose são todas pré-
edipianas. É uma das possíveis razões pela qual o Édipo tradicional feminino não ter sido
revisto é essa ênfase nas fases pré-edipianas que caracteriza toda a psicanálise pós-
freudiana, sem exceção.
Para pensar num ajuste a isso, eu recorro a Hélio Pellegrino, no texto “Édipo e a paixão”.
Nesse texto ele não se propõe a revisar o Édipo feminino e sim uma revisão do Édipo, e
ao fazê-lo permite uma revisão do Édipo feminino.
ÉDIPO CONTEMPORÂNEO
A gente vai discutir uma possível versão do Édipo contemporâneo, apesar de não ter isso
aqui sistematizado em lugar nenhum. Apesar de Pellegrino/Maria Rita Kehl, Klein,
Lacan, Horney, Freud, darem condições para releituras do Édipo, que sejam mais
pertinentes, mais adequadas, à condição da mulher na contemporaneidade. Apesar desses
vários autores, juntos com a sociologia, a filosofia contemporânea, ciência política, com
os movimentos feministas, permitirem uma nova leitura. Apesar disso tudo, a gente ainda
tem o Édipo tradicional feminino narrado naquela forma, nas instituições psicanalíticas e
em provas de residências, provas de concurso etc. Provavelmente por duas razões:
A primeira razão, é o caráter de movimento. Todo movimento é muito mais conservador
para garantir a fidelidade a um autor. É um pouco museológico, ou seja, preservar o que
já foi, o que foi dito, qualquer coisa que embaralhe um pouco essas cartas dá a impressão
de que se estaria perdendo a essência da psicanálise.
Então, houve muita reação contra novas construções psicanalíticas com a frasezinha:
“isso não é psicanálise”. Era muito comum, nos anos 80 e 90, um autor criativo ser
recepcionado pelas instituições psicanalíticas para ser recepcionado com desdém. Como
se houvesse um código que reconhecesse o “psicanalês” de uma narrativa. como se a
psicanálise não pudesse se renovar a tal ponto que rompesse com alguns elementos
fundamentais da base, qual o problema? A psicanálise não é feita para ela, é feita para
atender as necessidades humanas, se as necessidades humanas mudam, se a gente
descobre novas coisas pela psicologia do desenvolvimento, pela neurociência, etc etc, que
a gente então renove a psicanálise em prol de um melhor uso no mundo.
Então, dois motivos para tanto: o caráter de movimento conservador, que a psicanálise
ganhou após a morte de Freud, que é uma coisa até compreensível, uma história de
“vamos manter aquela herança”. E isso é um movimento mais conservador do que
criativo. Pois, se eu incentivar a criatividade, eu vou ficar mais distante daquela coluna
vertebral. É compreensível, só não é bom.
Profº responde: Tem também, sem dúvida, mas veja, é mais fácil a gente vê hoje um
Congresso sobre racismo do que você vê um Congresso sobre feminismo em psicanálise.
Se fosse o poder pelo poder, porque se debruçar sobre a questão do racismo? O problema
é que Freud não escreveu sobre isso. Se tivesse escrito e dito que negros tem inveja de
brancos, iria haver uma dificuldade maior de modificar isso ai porque estaria passando
por cima da palavra do mestre. Pra mim, o problema maior é ir contra as escrituras.
A gente aprende aquela hipótese de que Édipo, personagem da peça de Sófocles, não
teria tido o Complexo de Édipo. Porque? Édipo não se volta contra o pai que esteve com
ele entre 03 e 07 anos e ele não comete parricídio com pai e nem incesto com a mãe que
esteve com ele na fase fálica. Ele comente incesto e parricídio com os pais que o
abandonou. No caso, Laio e Jocasta. O abandonou em fases precoces do
desenvolvimento, em plena fase oral. Então, o abandono na fase oral, produziu, no
entendimento de Pellegrino, se a gente usar a peça de Sófocles como um bom retrato da
vida, era isso que Freud achava que os mitos eram, como se os mitos fossem
condensações, decantação de um saber sobre o mundo. Assim como o ditado popular. De
tanto se falar sobre aquilo, você vai sintetizando, sintetizando e aquilo ali vira como se
fosse uma verdade. Então, se a gente olha a peça de Sófocles como um bom retrato sobre
a vida, o que a gente aprende é que o desamor aprisiona. Daí, no texto de Hélio Pellegrino,
ela diz a seguinte frase: “o amor é o chão da liberdade”. Associa nesse sentido um Édipo
ruidoso, agudo, intenso, hostil, passional, associa a insegurança amorosa. Insegurança no
sentido de carência. Para Hélio Pellegrino, Édipo desenvolveu um Édipo ruidoso, com
quem produziu nele insegurança e carência amorosa. No caso, com Laio e Jocasta.
Pergunta de Léo: Mas o Édipo do Édipo não foi com Laio e Jocasta. Profº: não foi não?
Incesto foi com quem? Léo: tá, mas aí não foi o complexo de Édipo dele, quando ele
passou pelo Édipo ele estava com os pais adotivos. Profº: Mas aí entra o que é o Édipo
pra Pellegrino. Baseado em Melanie Klein, considera que o Édipo começa em fases
anteriores, Pellegrino então diz: os efeitos, os fenômenos que a gente considera típicos do
Édipo (incesto e parricídio), com quem o personagem viveu esses fenômenos? Com Laio
e Jocasta e não com Mérope e Políbio, com Mérope e Políbio ele recebeu acolhimento e
amor, que o permitiu se libertar desses pais (Laio e Jocasta). Tanto que ele viaja, vai
embora, para protegê-los. Mas, Edipo vivencia as experiencia marcantes do edipo (incesto
e parricido) com aqueles pais que o abandonaram. Se isso fosse história real, a gente
poderia dizer assim: pais que abandonam na fase oral não deixariam uma herança para os
pais que adotam? Claro. Quem ia pagar o pato seria Merope e Polibio. Ele está usando
como metáfora a peça de sófocles. Se a gente fosse olhar ao pe da letra, a gente diria:
Pellegrino, se voce tem razão, Edipo iria trazer pra relacao com Merope e Polibio o
desgaste vivido na fase oral e iria viver com eles os fenomenos do incesto e do parricidio,
nao por falta de amor de merope e polibio, mas pela presenca da carencia e da inseguranca
afetiva que Edipo teria vivenciado antes do edipo. Laio e Jocasta produziram desamor,
Merope e Políbio, por mais amorosos que fossem, pagariam o preço. Na vida prática, real,
seria assim.
Pellegrino está montando uma interpretação produzindo um duplo tempo: como
se fosse, no imaginário de Édipo, as figuras de merobe e políbio seria figuras meramente
substitutas e se ele investisse contra merobe e políbio ele estaria atirando no que viu e
acertando no que não viu. Ele estaria mirando Laio e Jocasta. Pellegrino faz uma
duplicidade: se a vida de Édipo fosse vivida somente com merobe e políbio, ele teria
passado de forma moderada e silenciosa pelo complexo de édipo, porque o complexo de
édipo depende, para ser mais ruidoso, do quão inseguro amorosamente a criança se sentiu.
Se o vínculo era forte e seguro, Édipo passou pelo complexo de édipo com Merobe e
Políbio sem grandes alterações.
Uma pessoa segura suporta melhor a alteridade dos pais, não tem a impressão de
que a ausência dos pais ou a vontade contrária à dele vai impedi-lo de vivenciar o prazer
de encontrar outros objetos. Tem um texto de Maria Rita Kehl, Psicanálise e o domínio
das paixões, em que ela diz uma coisa fantástica, usando essa mesma premissa de
Pellegrino. Ela usa a palavra domínio em duplo sentido: território e governo/controle. A
psicanálise serviria para se desenvolver um bom governo de si, um bom domínio de suas
paixões. Mas, para haver um bom domínio de suas paixões, você tem que ampliar o
domínio dos objetos. O que é ampliar o domínio dos objetos? É usar o amor materno e
paterno na fase oral e anal para, de uma relacao bebe-mae haver uma ampliacao para uma
relacao do bebe com tantos outros objetos (pai, brinquedo, irmao, avo, amigos, etc). Uma
criança segura explora o ambiente. Uma criança insegura se agarra na perna da mãe. Uma
criança que recebe amor, amplia o domínio no sentido de território. Ela amplia o
repertório de objetos que ela pode encontrar no mundo para extrair presença e prazer. O
que acontece com esse bebê quando, lá na frente, ele descobre que a mãe tem vontade
própria? Ele desloca para outro elemento. Quando enche o saco do brinquedo, desloca
para o pai. Quando o pai não pode ou não está com a mesma vontade que a criança, ela
desloca para o irmão, depois ele volta para o brinquedo e em seguida para a mãe. E fica
fazendo esses movimentos de deslocamento, sintonizando na rádio que mais bate com a
sua vontade naquele momento. Ou simplesmente aguentando, no governo consciente do
desejo, o tédio por não ter ninguém para brincar com ele naquele momento.
Para Pellegrino, esse amor de base, que começa desde antes do nascimento da
criança, na fase da criança imaginada pelos pais, e que continua no útero e na primeira
infância, esse amor produz a exploração do mundo. A exploração do mundo produz novos
companheiros de afeto. Com esse repertório ampliado é mais fácil dominar a minha
frustração de mamãe naquele momento não me querer, deslocando o investimento para
os outros companheiros e assim sucessivamente. Então, Maria Rita Kehl em conjunto
com com Pellegrino, permite-nos entender porque o Édipo depende de variáveis pré-
edipianas. Eu vou entrar no édipo, buscando colar um objeto do desejo e buscando
destruir o opositor, a depender da carência que eu esteja, do quão seguro ou inseguro eu
esteja do amor do outro. Se eu tenho segurança do amor do outro, eu não vou ver o
afastamento temporário da minha mãe como uma catástrofe. Enquanto ela foi, eu construí
esse repertório de outras coisas pra fazer. Eu não me sinto péssimo pela alteridade da
minha mãe, mas, pelo contrário, eu vou acabar agradecendo a alteridade da minha mãe.
Imagina uma mãe na festa de aniversário que chama o filho pra brincar. O menino não
vai querer, porque ele quer brincar com outros objetos. A alteridade da mãe não se torna
mais um grande problema para a criança, mas uma condição de possibilidade favorável
para que a criança explore outros elementos do ambiente. Ao invés da alteridade da mãe
se transformar em um drama narcísico (você não deseja o que eu desejo) isso se
transforma numa condição de possibilidade: não quer não? então, eu vou chamar fulano.
Assim, eu tenho mais jogo de cintura, quando consigo ampliar o repertório de
possibilidades. Eu espero menos de cada um desses personagens do meu repertório de
companheiros e companheiras. Aquela criança que diz: você só pode ser minha amiga. É
uma criança mais segura ou insegura? Insegura. Então, qual é a problemática típica do
Édipo? É a descoberta de que o outro tem vontade própria. Eu me toco que não sou o
centro das atenções do mundo. Eu não sou o planeta terra, em torno do qual rodam os
satélites do mundo. A grande questão do édipo é o egocentrismo. É isso que está sendo
trabalhado no édipo. É contra essa renúncia que Édipo se volta: não, eu quero continuar
sendo o centro do mundo, eu quero continuar achando que mamãe tem que ser só minha;
tenho que continuar achando que qualquer um que venha disputar comigo tem que ser
destruído. Esse egocentrismo é exatamente o que alimenta o édipo.
Pellegrino diz: esse egocentrismo é alimentado por desamor. Amor não é mimo,
superproteção. Superproteção e abandono gera o mesmo efeito: paralisia. Amor é apoio:
sou seu companheiro de brincadeira e, ao mesmo tempo, te incentivo a explorar o mundo.
Você chega num parquinho, a criança não vai querer ficar sentada, em simbiose criança-
mãe/pai. A criança quer olhar o mundo, ela é curiosa. Mas, se ela não confia que você vai
ficar quieto naquele canto, pra quando ela olhar pra trás ver você ali, então ela vai explorar
de pertinho. Se ela confia, não tem problema. Se ela sabe onde estou, pode se esquecer
de mim. Como dizia Winnicott: Eu aprendo a ficar só, na presença do outro. A presença
do outro me permite ficar só. O amor do outro me permite ficar só. E a experiência de
ficar só é o que alimenta a superação do édipo. É não suportar ficar só, que faz com que
eu diga: mamãe, abandone todos os seus interesses e fique só comigo, se nao eu vou me
sentir anulado, esvaziado, abandonado. Então, se sente anulado, esvaziado, abandonado,
quem não consegue se sentir só.
Pensando por essa via, o que Pellegrino quer dizer é que Édipo teria dois cursos
de vida, caso ele tivesse sido acompanhado por merobe e políbio desde o começo ou por
laio e jocasta desde o começo. Ele meio que duplica a narrativa. Ao duplicar a narrativa,
ele diz: o problema de Édipo com Laio e Jocasta, começa quando lá na fase oral Laio e
Jocasta transmitem pro filho uma impressão de vínculo inseguro (Bowlby). É isso aí que
vai fazer com que a criança ao chegar aos 3 anos, percebendo cognitivamente que o outro
é um sistema psicológico autônomo, vai fazer com que a criança então precise colar e
afastar adversário para se manter segura afetivamente. Então, o édipo nesse sentido é
alimentado pela sua história amorosa.
Esse é o édipo contemporâneo, como uma saída para o anacronismo histórico da
psicanálise manter o édipo tradicional, tanto para pensar o menino quanto a menina.
Pellegrino vai dizer que o momento edipiano, a fase fálica, propõe o seu desafio,
que é o problema da alteridade. Obviamente, eu tenho a alteridade no sentido da
percepção do outro e, na criança, a libido desenvolvida a ponto de haver um investimento
no objeto total. E tenho como zona erógena os genitais, mas também o narcisismo -
porque a criança nesse momento já se vê como objeto total. Eu quero ser desejado como
pessoa, e não a partir de pedaços do meu corpo. Esses são os elementos que a gente tem
no complexo de édipo. Mas, como é que ele se constitui? Meninos e meninas seguem o
mesmo roteiro: ele se constitui pela economia do amor ou pela economia do abandono,
pela economia do vínculo seguro ou pela economia do vínculo inseguro. Vivencias na
fase oral e anal vao capacitar meninos e meninas para uma relacao trinagular com o objeto
do desejo e uma relacao com o adversario (que tambem investe nesse objeto de desejo).
Pellegrino, influenciado por Melanie Klein, para quem o édipo começa antes da fase
fálica, afirma que fenômenos anteriores à fase fálica são determinantes para o que
acontece na fase fálica - por mais que a gente possa discordar da ideia de que a relação
do sujeito com o objeto bom e com o objeto mau não seria édipo. Ela diz que o sujeito já
tem, antes da fase fálica, a figura castradora, destruidora, que é o objeto mau. Ela faz uma
triangulação do sujeito com o seio bom e o seio mau. O problema é que o seio mau não
se relaciona com o seio bom. Pode-se até dizer que o seio mau destruiria o seio bom, mas
a gente já estaria na posição depressiva, e não mais na esquizo-paranóide. Ai, tudo bem:
você pode dizer: o édipo em Klein começa na posição depressiva, quando o objeto mau
pode destruir o bom. Ainda assim, a gente teria uma questão que não seria de amor, mas
uma questão ligada à destruição. Na posição depressiva, ao invés de eu temer o objeto
mau, que é angústia paranóide, eu temo a destruição do objeto bom pelos objetos maus
que estão no mundo e que estão em mim também. Então, na posição depressiva, trata-se
do medo de perder o objeto bom. Na angústia paranóide, a figura de referência sou eu,
objetos bons e maus existem, e os maus podem me destruir. A angústia paranóide é o
medo de ser destruído pelo objeto mau. Na posição depressiva, eu percebo que objetos
bons e maus ocupam o mesmo envelope e aí nesse momento eu temo que objetos maus
meus ou de outros destruam objetos bons meus. Então, o meu sentimento é depressivo
porque eu temo a destruição do objeto amado. Mas, se a gente olhar para isso como édipo,
isso não é uma disputa por aspirações. No édipo clássico freudiano, o menino aspira a
mãe que seria o objeto bom e o objeto mau aspira a mãe também. Por isso, ele é mau -
porque disputa com ele, porque ele aspira a mesma coisa que eu. Na posição depressiva,
eu aspiro a manutenção do objeto bom. O objeto mau aspira a destruição do objeto bom.
Não seria o mesmo que acontece no édipo freudiano. Então, nem na posição esquizo-
paranóide e nem na posição depressiva a gente encontra os mesmos elementos de disputa
pelo objeto bom, mas alguém que quer manter o bom objeto e um objeto mau que quer
destruir o bom objeto. Não é uma disputa pelo mesmo. Mas, isso é uma discussão muito
fina.
O que Pellegrino quer dizer é que fatos anteriores à fase fálica, na fase oral,
determinam as vivências na fase fálica. Isso é o importante. Olhando kleinianamente, a
manutenção de si vivo e a manutenção do objeto bom vivo, isso me daria segurança
afetiva e essa segurança afetiva me capacita a me sentir só. Pelo olhar de Winnicott, o
holding e o handling me dão segurança afetiva que me permite ficar só. Pela via freudiana,
os prazeres orais e o corte por desmame; os prazeres anais e o corte pelos cuidados de
toilette permitem à criança sentir que aquilo que ela considera seus objetos de prazer não
serão tirados dela. Você continua tendo prazeres orais mas não naquela difusão que estava
sendo. Igualmente com as excreções: não será mais a qualquer hora e em qualquer lugar.
Há uma normalização, mas os prazeres orais e anais continuam. Se eu tenho seguranca
disso, eu entro no édipo, percebo que aquele objeto bom do meu prazer é disputado por
outro, mas entendo que vai sobrar um pedaço pra mim e suporto a ideia de que vai sobrar
apenas um pedaço e não o todo porque eu tenho os outros para me dar mais pedaços.
Olhando nesse sentido, a noção de falo entra aí como aquilo que me dá segurança de que
vai sobrar algum pedaço para mim. O elemento fálico é: eu tenho a segurança de que
mesmo com concorrentes eu vou conseguir encontrar um momento de estar com aquela
pessoa, porque eu me sinto inteligente, bonito, forte, habilidoso, valorizado. Então,
meninos e meninas, se baseando em penis, clitoris, o corpo como um todo, faculdades
mentais, habilidades corporais, etc, com esse conjunto fático disponível. Freud foi o
primeiro a desconectar penis de falo. Você pode ter falo nas fezes, no peito, no presente,
em dinheiro. Falo é uma qualidade atribuível a partes do corpo, objetos ou habilidades
psicomotoras. Olhando por esse lado, meninos e meninas podem ser falicizados nas fases
oral e anal. Meninos e meninas podem olhar para si mesmos e ver a partir do
reconhecimento, da valorização, do cuidado amoroso recebido, e dizer: eu tenho valor.
Eu tenho algo em mim que me dá segurança e que eu posso tentar chegar junto daquilo
que eu quero e, se da primeira vez ou da segunda vez eu não conseguir, na terceira eu
consigo. Se eu não consigo com essa, eu consigo com outro. Se não consigo, dessa vez
eu fico só e faço comigo mesmo. Esse sentimento de valor próprio é o que a gente
chamaria de falo no édipo contemporâneo. Sentimento obtido a partir do amor do outro e
traduzido em fatos bem observados ou em fatos difusos. Uma pessoa pode dizer: eu sou
o cara porque meu pai é engenheiro, é rico. Ele pode estar centrado em coisas bem
específicas. Esse é o falo dessa criança. E o outro pode dizer: mas, teu pai não brinca
contigo. Eu sou objeto do interesse do brincar da minha mãe e do meu pai. Esse é o falo.
Então, meninos e meninas com suas zonas erógenas produtoras de prazer mas também
com o seu narcisismo (zona erógena não é só pénis e vagina, mas ser amado e não ser
amado), podem organizar uma imagem de si perante o outro felicidade e por isso amável
e valorizável adorável ou eu posso organizar uma imagem de si como algo que ninguém
vai querer, que ninguém vai se interessar, que ninguém vai correr atrás. E às vezes isso
independe de qualidades visíveis. Quantas vezes a gente não vê uma pessoa bonita e
inteligente se sentindo o pior dos piores.
Exemplo de uma cliente: mulher acima da média em beleza. O drama dela: eu não
tenho problema para conseguir namorados, eu tenho problema para mantê-los. Meus
namorados não passam uma semana comigo. Valor fálico essa pessoa teria de sobra. Mas,
o que acontecia com ela? Ela teve um pai esquizofrênico, que passava 29 dias do mês
hostil, afastado, arisco e passava um dia bem-humorado e nesse dia todo mundo tinha que
abandonar todas as raivas, hostilidades e ficar feito cachorrinho balançando o rabo na
frente dele porque senão perdia aquele momento em que o portal do amor se abria. Ela
leva essa regra, esse roteiro para a vida adulta dela. O que acontecia? Ela colava nos
parceiros de uma maneira tal, que eu sentia, na relação contratransferencial, abuso dela.
Uma mulher linda, simpática, inteligente, que produzia engoo. Eu entendo perfeitamente
o que está fazendo essas pessoas se afastarem dela. Então, o quanto ela precisou se
submeter para ter aquele pai e o quanto ela estava levando esse modo de funcionamento
para a relação com os homens? Num determinado momento, ao longo da terapia, eu disse:
você parece que tem muito medo da palavrinha mágica "nao". Ai ela disse: Se eu disser
isso a ele, ele não me procura mais. Mas, o que aconteceu com esse namorado? Ele acabou
comigo. Então, porque você não testa? Surge um novo namorado, ela passou a dizer não
e aconteceu a mágica da palavra "nao". Essas pessoas não são seu pai, a quem você
precisou se adaptar. Isso não pode se transformar em roteiro para a sua vida. Essa menina
tinha vários objetos fálicos (bons) dentro de si, mas que chega nas relações triangulares
da vida e não consegue. O desamor ou amor tão condicionado, que aguenta tudo que o
outro faz, . Que essa tenha sido a forma de vida dela com o pai, tudo bem, foi necessário.
Mas, o problema é que ela transformou esse modelo em roteiro para lidar com todas as
outras relações triangulares da vida. E isso vira um fantasma para ela. Ou eu faço isso ou
eu perco tudo: ou eu me submeto ou eu perco tudo. E nessa atitude de se submeter, ela se
tornava intragável. Ela gerava vômito pela colagem que ela fazia. Ela era uma pessoa
enjoativa. Porque? Porque não tem um penis? Não. Por ter tido um amor tão
condicionado, que ela tinha que se submeter completamente para poder esperar o
momento da prenda. Então, nesse sentido, ela foi desfalicizada, castrada. E ela vivencia
no Édipo uma castração do tipo submissão, e não porque não tem penis, mas porque não
recebe o dom amoroso que me liberta. Ela recebe o dom amoroso quando ela aprende a
usar a palavra "nao". Usar a palavra não se tornou o falo dela, aquele elemento que,
operando no mundo, faz com que ela tenha o seu lugar ao sol.
Quanto à formação do superego, a gente volta para Freud puro. Freud elabora 4
teorias da angústia, sendo a última a segunda reformada. Ele usa o conceito de ameaça de
castração stricto sensu (medo de perder o penis). Mas, para reformar a teoria, ele precisou
de uma sugestão de ferenczi, que foi transformar o problema da castração em um
problema do amor: o que eu temo não é ser castrado (no sentido estrito de perder o penis),
mas o que eu temo é, sendo castrado, nao ser amado. Essa foi a sugestão de Ferenczi
acatada por Freud, que passa a interpretar a ameaça de castração, não pela via da agressão,
porque se eu pego o que eu castro, eu estou vendo pela via da agressão. Na verdade, ele
pega pela via do efeito do amor do outro. Aí vai depender do valor amoroso que eu atribuo
ao outro. Se eu atribuir valor ao outro pela presença do penis, vai ser dessa forma (pela
ameaça de castração do penis), mas se eu atribuo valor ao outro (filho e filha) pela
inteligência, pelo carinho, pela habilidade, a filha ou o filho vai temer perder o amor dos
pais. É isso que significa, no final das contas, angústia de castração. Angústia de castração
é perder alguma coisa que eu sei ou nao localizar, que se eu perder isso, o outro deixa de
olhar pra mim amorosamente. Isso é freudiano na raiz. Vocês vão ver que está lá na teoria
da angústia de Freud. Então, o superego é exatamente a percepção da ameaça de desamor
do outro quando eu rompo com regras fundamentais da boa convivência. É quando eu
faço alguma coisa que frustra a expectativa do outro - então eu recepciono dentro de mim
o ponto de vista do outro e é isso que vai ser o meu superego. Ele vai ser ameaçador
porque ele vai conter a possibilidade de perder o outro, do abandono do outro, que são
exatamente as figuras da teoria da angústia. A teoria da angústia de Freud é montada em
4 tempos: i) ausência do outro, ii) ausência do amor do outro, iii) perda do amor
conquistado e iv) angústia diante do estranho/angústia social (que é uma projeção do meu
superego no outro estranho, e passo a achar que o outro pensa de mim o que, na verdade,
eu penso de mim, o que o meu superego pensa de mim, já que o estranho é aquele que eu
nao sei o que pensa. O que se faz na relação com o estranho? Eu dou inconscientemente
o meu sistema de avaliação para o outro e acho que o outro sente por mim o que, na
verdade, eu sinto por mim. eu faço o outro ser representante do meu superego). Então, a
última teoria da angústia de Freud vai ser moldada em cima de uma dinâmica do amor.
Não é o medo de perder o penis, mas de perder aquilo que garante o amor do outro. E o
que garante o amor materno e paterno? Várias coisas. Numa sociedade ultra machista, o
penis pode ser um elemento relevante. Na sociedade atual, o penis pode ser relevante,
mas não para todos. As mulheres ascenderam independente de ter penis ou não. O valor
da mulher, o que a torna amável aos olhos do outro independe da presença de penis. Essa
menina tinha milhões de elementos fálicos, mas ela não se sentia fálica porque? Porque
não tinha o penis? Não, porque não tinha o amor do pai garantido. Quando ela entende
que não tinha o amor do pai garantido porque ele tinha um problema de esquizofrenia e
testando o "não", ela descobre dentro dela valor de sobra para ser amada.
O meu medo de ser desamado, reprovado, abandonado, esquecido, na inflação que
o imaginário infantil produz, esse medo, junto com minhas pulsões agressivas, vão
constituir o superego masculino e feminino. Então, a questão não é ter ou não ter um
penis. A questão é: ter ou não ter amor, ser ou não ser alguém amado pelos pais. Como
minha cliente era amada um dia por mês e nos outros tinha que se submeter, ela leva essa
dinâmica, essa economia amorosa para a vida dela. Ela é hipercastrada: uma ameaça de
29 dias para 1 dia de amor. Na teoria da angústia de Freud, ele vai aceitar.
Na próxima aula vamos extrair o superego para meninas e para meninos e como
se extrai a identidade sexual e identidade de gênero. Vamos ver que tem uma surpresinha
em Freud que acaba com aquela heteronormatividade do édipo tradicional.
Estratégia Edipiana: caso haja um vínculo frágil nas fases oral e anal a criança chegaria à
fase fálica com o sentimento de baixa estima, com a vinculação insegura, o que levaria
ela a buscar a colagem com a figura de referência na fase fálica, constituindo assim o
Édipo, o apaixonamento viria em função da insegurança. Quanto mais inseguro, mais
apaixonado.
A tese de Pellegrino que vai ajudar a compor o Édipo contemporâneo feminino é uma
tese para homens e mulheres, que não diferencia o destino vivenciado por estes. Essa é
uma das características da tese de Pellegrino: quando ele pensa que Édipo da peça de
Sófocles agiu incestuosamente e parricidamente em relação aos pais que o abandonaram,
que o desamarram, Pellegrino quer mostrar que seja menino ou menina, se o bebê não
recebe dos pais um suporte para criação de um vínculo seguro, essa criança vai chegar na
fase fálica, vai descobrir a alteridade e vai então precisar colar à figura de apego – que
pode ser pai ou mãe - tal como um náufrago no mar agitado (exemplo que Hélio
Pelegrino dá no texto), que quanto mais medo tem de se afogar mais vai se agarrar com
todas as forças à bóia que estiver à disposição para poder não afundar.
Então na tese de Pellegrino, diferente do que Freud falava sobre o Édipo masculino, o
Édipo não seria um fenômeno que aconteceria espontaneamente, ele seria um fenômeno
que aconteceria, com mais ou menos intensidade, a depender das experiências anteriores
da fase oral e da fase anal. No Édipo masculino tradicional, Freud entendia que acontecia
espontaneamente de acordo com o desenvolvimento libidinal, porém de acordo com a
tese de Pellegrino diz-se que o Édipo é uma possibilidade : ele pode acontecer de forma
aguda, mais moderada ou acontecer de uma forma que nem propriamente constituiu o
processo edipiano. É como a situação de no colégio na terceira unidade já se ter nota para
passar de ano, então é como se, para Pellegrino, a maturação que a criança precisa, o
suporte de segurança afetiva que a criança precisa para aprender a estar só e explorar o
mundo ao redor pode ser adquirido em fases anteriores ao Édipo. Se for preciso vivenciar
a fase fálica, com todo o conflito de uma relação triangular para adquirir essa maturidade,
ok pode ser que seja necessário o édipo. Mas o Édipo para Pellegrino ele pode quase que
passar em branco, a depender de como a criança chega na fase fálica, como chega em
termos de autoestima, em termos de segurança afetiva.
A vivência triangular que a criança vai ter vai ser bastante abrandada se a criança sentir
que tem o vínculo seguro com os pais. Vê-los desejarem entre si. Ver a mãe ter um
repertório de desejos que não aponta pra criança, que alguns momentos até contrasta ao
da criança, isso pode ser vivenciado sem maiores dificuldades caso a criança tenha tido
um vínculo seguro nas fases anteriores, tenha conseguindo então desenvolver a
capacidade de ficar só ( conceito Winnicottiano) e tenha conseguido ampliar o domínio
dos objetos de significação. Forma ampliada: a criança segura é uma criança que explora
o ambiente e com isso cria novas relações de interação significativas. Se a criança faz isso
nas fases anteriores ao Édipo, ela pode chegar na triangulação edipiana, ela pode se
deparar com a alteridade dos pais e pode encarar isso como algo relativamente fácil de se
lidar.
Por outro lado, imaginando um outro destino: a pessoa fez bem as disciplinas que tem a
ver com clínica, seja ela Gestalt, TCC, Rogeriana.., estudou bem, procurou livros pra
além do que é discutido na disciplina, assistiu vídeos, foi pra palestras, etc., e aí chega o
momento do estágio, a pessoa pode chegar nesse momento se sentindo seguro o suficiente
para vivenciar de forma construtiva o estágio, que sabe que é apoiada pela instituição ,
pela supervisão, pelo grupo,.... Nesse caso, houve uma crise quando a pessoa chegou no
estágio? Não houve crise, de algum modo foi um desafio, mas cada pessoa vai sentir de
uma forma diferente. Da mesma maneira Hélio Pellegrino entende que a fase fálica pode
significar algo tormentoso, dramático, agudo, barulhento para algumas crianças do sexo
masculino e do feminino, assim como pode se mostrar algo mais tranquilo, fácil,
manejável, dependendo das vivências emocionais experienciadas até então, vivências da
fase oral, da fase fálica (o professor falou fálica mas acredito que seja anal) e da própria
experiência intrauterina. Se essas três vivências são vivências que produzem o efeito de
autorregulação, de equilibração, produz um efeito de segurança afetiva, sensação de ser
amado, sensação de ser reconhecido, de ser valorizado, se essas experiências de
valorização afetiva permitiram que fosse uma criança curiosa, interativa, que explora o
ambiente, isso tudo dá a criança “know-how” para, diante de um pai e de uma mãe que
se mostram agora figuras de alteridade, ou seja pessoas que possuem um repertório
próprio de vontades e desejos, repertório este que pode contrastar, que pode conflituar
com o repertório da criança, quando ela se depara com isso, se ela tem essa vivência
anterior positiva, ela pode ter portanto uma capacidade maior de negociar e de manejar
os ônus e bônus que essa condição de alteridade proporciona.
Você poderia perguntar: que bônus? Só tem ônus. Não, não só tem ônus. Uma mãe que
leva uma criança para uma festa de aniversário e que queira que a criança brinque com
ela a festa toda, essa mãe ela não vai estar favorecendo a criança, e a criança vai estar
gostando porque a mãe quer brincar a noite toda com ela. Essa criança provavelmente vai
se sentir invadida, sufocada por essa mãe que não consegue largá-la. Então, a mãe que
tem alteridade para se envolver na festa de aniversário com amigas, outros parentes em
conversações, deixando a criança para explorar o ambiente das brincadeiras, das outras
crianças, essa mãe é uma mãe que favorece a ação da criança no mundo. Então a criança
tem benefícios com essa mãe alteritária, não apenas ônus. E mesmo quando a criança quer
uma coisa da mãe e o querer da mãe vai no sentido contrário por conta de uma vontade
dessa mãe, do seu desejo, mesmo nessa situação de conflito, esse conflito pode ser
resolvido com alguma conversação, com algum embate, mas depois de chegar a um
consenso, a depender do quão flexível, a depender novamente do quão segura para
ampliar o domínio dos seus objetos de interação, essa criança voa (não tenho certeza se
foi essa a palavra) e esse “kow-how” depende do que ela vivenciou nas fases anteriores
à fase fálica.
Vamos imaginar um Édipo que acontece com alguma intensidade, mas sem ser tão crítico,
para meninos e meninas, chegaram na fase fálica, tinham passado razoavelmente bem
pelas fases oral e anal, mas diante do desafio da fase fálica, que é encarar as ... com
alteridade, digamos que esse menino/a entra numa crise, ou seja, se sente inseguro, cola
na figura de apego (mãe ou pai) e rivaliza com aquele outro ser que de certa maneira
demanda atenções dessa pessoa que é a figura de apego para criança: instaurou-se então
o Édipo. A criança passou pela fase oral e anal de forma razoavelmente boa porém diante
da fase fálica, com as características e peculiaridades da fase fálica, surgiu o desafio que
a criança não conseguiu dar conta sem algum grau de insegurança e angústia que a tenha
levado a tentar resolver o problema colando na figura de apego. Ao invés de suportar essa
movimento da figura de apego, o movimento da independência, da autonomia, que é
sinônimo da alteridade dessa figura de apego, não suporta, esse movimento gera
imprevisibilidade – hora a vontade coincide com a vontade da figura de apego, hora a
vontade é contrária a da figura de apego – para evitar essa imprevisibilidade a criança
tenta seduzir a figura de apego, cola numa relação apaixonada.
Exemplo de como a paixão pode ser motivada pela insegurança: imagine que você esteja
numa relação e você começa a reclamar, dá um ultimato, diz que não está dando daquele
jeito... e a pessoa continua bem irredutível. Aí você diz que não dá mais e que quer se
separar. Uma semana depois a pessoa pergunta: você quer mesmo se separar? Explica
que quer porque o parceiro é grosseiro, que diz que é o seu jeito de ser. Poderia tentar
mais você é irredutível no seu jeito. Semanas depois a outra pessoa procura você e diz
estar muito arrependido, que pensou melhor, e faz qualquer coisa para estar com você.
Ou seja, as pessoas às vezes precisam perder o objeto, precisam se sentir inseguras para
mostrar-se apaixonadas. Essa demonstração de paixão dele, na verdade, não é que ele
fosse apaixonado e não assumisse. Na verdade ele apresenta essa paixão como uma forma
estratégica de não perder a pessoa. A paixão é uma espécie de atitude, de estratégia, de
ferramenta para manter o outro.
Então a paixão e a possessão andam juntas. Nesse sentido, portanto, para Hélio Pellegrino
a paixão edipiana é uma expressão da insegurança. Quanto mais inseguro, mais apegado,
mais possessivo, mais apaixonado. Uma vez apaixonado e possessivo vai tornar-se
incestuoso, vai querer o outro, só pra si, aqui e agora. Quanto mais apaixonado, possessivo
e incestuoso tiver, mais parricida será com relação a qualquer outro (seja pessoa, coisa,
símbolo ou trabalho...) que venha a disputar espaço com esse ser que quer que seja só seu,
que esteja disponível só pra si. Assim se constituiu a experiência edipiana, quando ela
ocorre, que pode simplesmente nem ocorrer. Quando ocorre de forma branda, moderada
ou intensa, ela ocorre em função da insegurança perante o desafio da alteridade. Isso
aconteceria igualmente para meninos e para meninas. Essa relação possessiva e hostil,
apaixonada e odienta, ela se constituiria com o mesmo viés do Édipo tradicional (amor e
ódio pela figura de referência, pela figura de apego e ódio e amor pela figura de
concorrência). E assim se daria a vivência edipiana, ao longo de meses ou de anos, com
maiores intensidades em alguns momentos, com menores em outros, com algo mais do
lúdico em alguns momentos, com mais realista em outros. E ao longo do tempo esses pais
vão reagindo contra essa atitude de possessividade da criança, contra essas chantagens
emocionais, contra essas estratégias de sedução, essas atitudes invasivas da criança,
egocêntricas, egoístas, cada vez mais os pais começam a reagir com um pouco mais de
hostilidade. Aí entra a terceira etapa do Édipo: a finalização.
ETAPAS DO ÉDIPO:
3ª Etapa - o momento que começa botar e começa a sentir angústia de vir a perder o
amor conquistado. Eu tenho um amor, eu não quero alteridade (que dá impressão de que
perde esse amor), mas agora eu começo a notar que a minha reação de tentar tomar posse
vai piorando a situação. Ao invés de eu ter ora meus pais legais comigo, quando coincide
o meu desejo com o desejo dele, ora tê-los me frustrando quando não coincide os meus
desejos com os desejos deles, ao invés de ter esse balanceamento, acaba tendo uma eterna
situação de guerra com os pais, que está naquela possessividade, naquela insistência,
naquela teimosia, naquela atitude invasiva, naquela sedução manipuladora e os pais estão
começando a perder a paciência com isso e começando a hostilizar. A criança então
desenvolve angústias de castração.
Mas de que castração se está falando, se estamos agora com a plataforma do Édipo
contemporâneo? A gente pode conter a ideia de angústia de castração, é uma boa ideia.
Mas uma castração agora, do quê? Castração do pênis? Pode ser. É um roteiro possível
de construção fantasmática, principalmente pros meninos. Fantasia de que sou castrada,
não tenho pênis, é por isso que vocês (os pais) não me dão atenção, que vocês vão ver
que eu vou continuar teimosa, que vocês não me deram, vocês têm que me dar, me
compensar... Pode acontecer isso aí perfeitamente. É uma possibilidade. Agora tem que
necessariamente ser assim?
Após pergunta sobre se tem a ver com a Teoria da Angústia, o professor responde que
tem sim. Meninos e meninas podem desenvolver angústia de castração baseando o seu
falo ou a ausência de falo nas mais variadas partes do corpo e nas mais variadas
habilidades mentais. Pode até mesmo não saber onde localiza essa condição fálica, por
exemplo: você pode ter alguém em que você diz eu sinto que essa pessoa gosta muito de
mim, mas a gente se desentendeu um pouco e essa pessoa passou a se afastar de mim,
mas depois pensa que não foi por causa daquele desentendimento que foi algo muito
pequeno, eu acho que ela perdeu o afeto por mim por alguma coisa que ela achava que eu
tinha e não tenho mais, sem saber bem porquê não gosta mais. Às vezes a gente não sabe
localizar qual é o nosso elemento fálico que faz com que o outro nos deseje.
Então nesse sentido a gente diria que as crianças – meninos e meninas – podem fantasiar
que estão sob uma ameaça de perder aquele crédito, aquela condição fálica que eles
tinham perante o olhar dos pais, que pode ser constituído por várias narrativas (“você é
muito fofinha, você é linda, muito inteligente, você é muito sincera, amorosa...”). Os pais
chateados podem gerar angústia na criança de que eles não a acham mais fofinha,
amorosa, inteligente, que vai parecer ser uma pessoa intransigente, egoísta e isso leva a
criança acreditar que vai perder algo que elas tinham e uma vez perdendo isso elas não
vão ter mais o amor dos pais. Então angústia de castração é angústia de perder algo que
pode ser material/corpóreo ou pode ser subjetivo/mental ou pode ser material não
corpóreo. Pode ser por exemplo viver uma angústia de castração quando pensa que faliu
e as pessoas não vão mais respeitar e nem querer ser seus amigos, porque agora não tem
mais dinheiro. Várias pessoas se suicidam quando falam porque acham não terem mais a
respeitabilidade e amor do outro. O falo nesse caso é o dinheiro. Pessoas podem também
sentir isso quando envelhecem, quando perdem a beleza, ou quando perdem a função
profissional. A aposentadoria, o envelhecimento são fases de perdas fálicas consideráveis
e isso pode trazer como consequência angústias de castração, angústias depressivas.
Então olhando por esse viés o que interessa no Édipo contemporâneo é que meninos e
meninas vão fantasiar que aquela atitude de teimosia, de possessividade deles, que
aquela atitude de hostilidade aguda com relação ao concorrente, a adversário, vai trazer
depois de meses anos vai trazer como consequência uma retaliação e essa retaliação vai
vir sob a forma da destituição - o outro vai lhe destituir daquilo que pode ser claro e
objetificável ou pode ser difuso, mas vai o destituir daquilo que dava pra ele, que produzia
o brilho que levava os pais a o amarem. A criança vai fantasiar, depois de vivenciar essa
possessividade e essa hostilidade e receber inicialmente aquelas respostas amorosas (“que
bonitinho, que fofinho, ela quer que o pai seja só dela ou ele quer que a mãe seja só dele”)
e depois achar bonitinho e tirar por menos os pais começam a tornar mais firme suas
posturas, a dar mais limites, a bater mais de frente, a criar mais situações de impasse,
chega um determinado momento que a criança vai fantasiar que aquela atitude de rebeldia
e de possessividade edipiana dela vai acarretar um dano maior pra ela do que o dano
causado pela condição de alteridade dos pais. A condição de alteridade dos pais, como já
falado, tem ônus e bônus. O ônus é não ter a mãe ou o pai só pra si a qualquer momento.
O bônus é ter papai ou ter mamãe em alguns vários momentos para si. Se entra na posição
de possessividade entra na posição de “ou tudo ou nada”, “ou ganha mamãe só pra si e
destruo papai ou vai ser destruído”. Quando começa a ter a angústia de castração, vai ter
aquela angústia de ser destruído, que corresponderia em Melanie Klein a angústia
esquizoparanóide.
Então essa angústia de ser destituído daquilo que em mim é suporte, é razão, é justificativa
para o amor dos pais, essa angústia de que perde o brilho, que perde essa tal coisa –
significando o falo - que faz os pais o amarem, é o que levaria meninos e meninas a
recuarem das suas ambições edipianas. Obviamente em Pellegrino ele vai colocar o temor
de um lado e vai somar com mais dois elementos: o elemento do cansaço que uma
vivência edipiana causa (a possessividade e hostilidade cansam e a criança quer abrir mão
dessa batalha), e a criança também quer abrir mão dessa batalha porque ela não gosta de
decepcionar os pais, não gosta de não corresponder ao que os pais querem dela. Assim,
somando motivos temerosos com motivos amorosos a criança então recuaria da posição
de possessividade e hostilidade, ou seja, recuaria da posição incestuosa e da posição
parricida e aceitaria o lugar de identificação desejado pelos pais. Ela (a criança) pensa:
vocês querem que eu seja o que? Querem que eu me identifique com o que? Aos pais
transmitindo a lei da cultura vão dizer: eu quero que você que aceita o tabu do incesto ou
seja você não vai querer nem mamãe, nem papai, nem ninguém para ser seu,
exclusivamente seu a qualquer momento, e você vai se identificar com o tabu do
parricídio, ou seja, a proibição de você fazer do outro com quem você concorre uma figura
abjética que você pode desprezar, destruir, agredir, matar... Então aceitando essa posição
de identificação a criança assimila além da cultura o ponto de vista do outro e formaria
então o seu superego.
Com essa construção do Édipo contemporâneo a gente corrige dois defeitos que o Édipo
tradicional feminino tinha: a) o defeito de partir da premissa de que mulheres são seres
castrados, incompletos e invejosos; b) e também corrige a premissa de que mulheres não
têm motivo para não terem um superego. Elas têm o que perder, tem o amor do outro a
perder, por isso elas têm angústia de castração.
a. Tão brandas: que não dá nem pra dizer que houve um complexo de édipo;
b. Em doses mais moderadas: houve mas foi um édipo mais brando e simples.
c. Em doses maiores: foi de fato importante
d. Doses críticas: que o édipo é quase insuportável.
Resposta: Não é a mesma coisa, porque o objeto mau que quer me destruir é ao mesmo
tempo o objeto amável. Ele seria uma angústia paranóica no primeiro momento que se
tornaria numa angústia depressiva. Em que eu sinto que tenho bons objetos que fazem
minha mãe querer tá comigo e é como se eu tivesse maus objetos porque minha mãe nem
sempre quer estar comigo. É como se uma parte minha não brilhasse e eu tenho que aceitar
viver dessa forma. O outro também é essa mãe maravilhosa que quer brincar comigo e
uma mãe chata que quer fazer as coisas que eu não gosto. Uma mãe boa e má, eu boa e
má ,usando uma construção Kleiniana, estaria numa situação depressiva quando
passo/suporto essa idéia, seria isso para um arranjo moral da questão.
No Édipo tradicional, o menino se identificava com o pai porque era com ele que ele tinha
uma relação de identificação e se identificando com o pai, ele se identificava com o
gênero masculino (identidade de gênero) e se identificava com a orientação sexual, o pai
voltado para a mãe, no caso dele se voltaria para mulheres. No texto de Freud ´´O Édipo
e o Ide`` tem uma passagem que ele diz: ́ ́ O menino no Édipo (ele ta falando do édipo
tradicional) se desenvolve numa relação de identificação com o pai e desenvolve uma
relação de objeto com a mãe. Diz que quando há uma perda da relação de objeto, quando
o menino tem que abrir mão dessa relação de objeto com a mãe, toda a relação de objeto
uma vez perdida, se transforma em relação de identificação. Sendo assim, o menino se
identificaria com o pai e a mãe. Dessa forma, ele se identifica ao gênero feminino e
masculino e se orienta com a identificação da mãe e do pai. Orientação sexual da mãe
voltado para um homem e a orientação do pai voltada para uma mulher.
Ao final, qual é a síntese que a criança faz? A resposta de Freud é: A síntese vai depender
de cotas pulsionais e características internas constitucionais da ordem do masculino e
feminino e da bissexualidade fundamental de cada um vem desses arranjos internos se o
sujeito vai desenvolver algo mais masculino e mais feminino. Mais heterodirigido ou
mais homodirigido, ou bissexualmente dirigido, isso vai depender de arranjos da sorte e
do acaso. Porque cada um vai ter no édipo figuras masculinas e femininas e vai ter
orientações diversas e essas orientações vão precisar se somar a orientações internas da
ordem do masculino e feminino e da ordem da bissexualidade de cada um. Nesse sentido,
para Freud, o destino que a criança segue após-édipo em termos de identidade de gênero
e em termos de identidade sexual não pode ser predeterminado por nada, é uma
combinação de elementos internos e de elementos interacionais que deixam o resultado
final para a sorte e o acaso.
Essa construção Freudiana do EGO e ID (do livro EGO e ID) quebra aquele esquema, é
uma forma de dizer que várias combinatórias e identidades são possíveis portanto não dá
para explicar isso a partir de circunstâncias que antes era uma espécie de jogo de cartas
marcadas sempre daria uma identidade de gênero cigênero e uma orientação
heterodirigida, o que não corresponde à realidade dos fatos. Ele coloca a ideia de que a
gente tem que considerar elementos constitucionais de cada um. É como se a gente
carregasse desde a infância uma bissexualidade fundamental. Freud acreditava que a
sexualidade na origem é bissexual, nós somos seres bissexuais. Também acreditava que
nós temos ações mais ativas e passivas , mais masculinas e femininas também a partir de
elementos constitucionais e fortalecidos pela história de vida. Quando se chega no édipo
as relações de identificação, não são apenas do menino com o pai , como o édipo
tradicional dava a entender, o próprio Freud teve uma relação de objeto com a mãe
perdida, que a criança tem que renunciar, se transforma em relação de identificação. As
identificações de Freud são múltiplas e diversas, masculinas e femininas, identificações
com os ideais de cada um. Pode ser um homem, por exemplo, que tem uma admiração
muito grande por mulheres, você vai se identificar com a minha identidade de gênero mas
também com meus ideais.
A identificação do outro, da criança no édipo é múltipla no menino. Isso vai gerar portanto
identidade de gênero que ao final vai ser mais femininas ou masculinas mas não binárias
como hoje em dia se coloca a depender de elementos constitucionais de cada um junto
com esses elementos da história de vida da qual faz parte o édipo para identidade sexual.
Para orientação sexual vou ter uma vivência de identificações com a figura paterna,
materna, se forem dois homens me identifico com um homem e me identifico com o
outro, além de me identificar também com os ideais de cada um. Isso pode desenvolver
em mim na interação com os meus elementos institucionais, posso ser filho de dois
homens mas na figura trazida por esses dois homens pode conter mulheres muito
interessantes, admiradas, que foram importantes para eles como a avó,a mãe por exemplo,
e por via de identificação eu passo a desejar na minha orientação secxual tanto a
possibilidade de desejar homens quanto mulheres, a síntese final diz Freud no texto
EGO e ID, é da gente poder deduzir e uma configuração identificatória que acontece
apenas ali naquele momento fálico, se não levarmos em consideração elementos
constitucionais e multiplicidade identificatória que aquele momento em si
provoca/produz.
No texto freudiano do EGO e ID, o édipo contemporâneo serve para podermos ouvir
essas pessoas que nos procuram sem tentar enquadrá-las numa camisa de força que não
corresponde à realidade. A transexualidade não ́é um problema psicológico, é um
problema identitário que vai ser resolvido com soluções práticas, o suporte psicológico
para que você faça essa transição é importante, mas o problema que a pessoa tá trazendo
ali não é um problema de conflito, angústias depressivas ou qualquer coisa desse gênero
em relação ao seu ser. As angústias podem ser depressivas e paranoides com relação a
´´Eu não suporto ser um homem se eu tenho um corpo de mulher´´. O édipo
contemporâneo permite uma leitura muito mais sintônica com os homens e mulheres
contemporâneos do que o édipo tradicional. A realidade dos fatos gera figuras com
identidade cisgênero, trans, sexualidade heterodirigida, homossexualmente dirigida,
bissexualmente dirigida e etc. Nas construções heterossexuais, homossexuais, transexuais
pode haver problemas. O fato de ter uma orientação heterodirigida não significa que a
sexualidade é saudável, pode haver vários problemas da ordem da sexualidade, vivência
amorosa em uma condição heterossexual.
AULA 25.11.22
Cont. aula anterior e início de TEORIA DA ANGÚSTIA
Então, a gente tinha visto a passagem do Édipo de saudável para o édipo neurose né? …na
psicose pra já descartar o psicótico ou aquele que desenvolve aquela estrutura do tipo mal
integrada ele não entra no Édipo. Então não é uma questão de não elaborar bem o Édipo,
é uma questão de não entrar na conjuntura do Édipo, por que não entra? Porque falta ao
psicótico se distinguir do outro o suficiente para poder encarar a figura do terceiro, que é
exatamente o que a gente chama de figura de alteridade. Se o Psicótico desenvolve uma
relação mais simbiótica com o outro, ele não permite a existência psicológica de um
terceiro, não permitindo, não se arma o jogo triangular, certo? Então na psicose a gente
não tem passagem pelo Édipo, no sentido estrito senso. Você tem passagem pela fase
fálica, mas você não tem o desenvolvimento de uma relação triangular que vai trazer os
desdobramentos que a gente viu na questão do Édipo.
Na perversão, o que acontece, ou naquela estrutura de baixa normatividade, o traço
fundamental do perverso é que ele vai negar a castração. Com essa negação, ele reafirma
a onipotência fálica. E ele nega a castração colocando no lugar da falta do pênis materno,
a figura do fetiche, ok? A figura do fetiche é uma espécie de metonímia, alguma coisa
que a mulher tem que ser idealizada e transformada em uma estrutura fálica, para com
isso, negar a castração. A castração não existe. O perverso é construído pela via de um
desmentido, pela via de uma desconsideração de uma realidade. A neurose você recalca,
você considera aquela realidade, mas tenta esquecê-la. Na psicose você nega a existência
daquela realidade ali. O perverso observa a realidade, mas ele nega a castração fálica.
Negando a castração, ele reafirma a onipotência.
Se a questão aberta da prova for essa: Explique a relação entre o Édipo, saúde, neurose,
psicose e perversão, vocês já vão ter uma questão garantida.
Resposta do Profº: Sim, agora normalmente se fala da perversão masculina. Mas você
tem perversa feminina. Como Freud não sabia explicar o Édipo feminino, não houve uma
tentativa de explicar a perversão feminina. Ficou com alguma coisa do menino, era ele
que era onipotente, era ele que poderia se manter nessa posição. Para isso, o que Freud
quis dizer é que uma forma de você manter a onipotência é pela negação da castração e
construção do fetiche.
Resposta do Profº: Pra explicar o ferminino? eu não conheço. Eu vou nessas férias ler
sobre perversão. Estou com livro de Roberto Stoller (“Perversão: a forma erótica do
ódio”), de Contardo Calligaris (“O grupo e o mal”) e tem outro de Flávio Ferraz
(“Perversão” - editora casa do psicólogo). Vocês lerem esses três, vocês vão se tornar
especialistas em perversão.
TEORIA DA ANGÚSTIA
Freud montou 04 teorias, o esquema é: faz a primeira, descobre o defeito, vai pra segunda,
descobre o defeito, vai para a terceira, descobre o defeito, volta pra segunda e reforma, é
a quarta.
Resposta do Profº: Claro que pode ter. Olhai, tá vendo? Não tem quem acredite no
conceito de saúde não. Eu vou desistir. Por que não pode ter a sexualidade bem resolvida?
Resposta do Profº: Não, cada vez mais a lei da cultura amplia o campo de possibilidade
sexual. Imagina o que era uma mulher a 100 anos atrás e o que é agora. O que eram os
homossexuais há 50 anos atrás o que é que são agora. Imagina, houve um crescimento
enorme. Ninguém precisa adoecer mais pra ser uma mulher ou pra ser homossexual.
Margarette: Não precisa, mas adoece.
Profº: Claro que pode adoecer, como qualquer pessoa pode adoecer. Mas a questão
fundamental é: há uma possibilidade de você se manter dentro da saúde. A não ser que
você esteja pedindo perfeição para o psiquismo. Eu não estou chamando saúde de
perfeição. Saúde convive com precariedade, como eu digo lá no texto. Só que essa
precariedade pode ser suficientemente boa, para usar o termo winnicottiano. Vocês
podem olhar pra vocês mesmo e pensar: minha vida sexual é suficientemente boa? Não,
eu tenho ejaculação precoce ou perda de ereção constantemente, ou certo asco dos
líquidos sexuais, ou tenho uma sensação de claustrofobia no abraço. Aí ok. Mas se eu
disser, eu consigo vivenciar, é prazeroso, é agradável, chego ao orgasmo na maioria das
vezes, tiro proveito daquilo ali e porque eu vou chamar aquilo de neurótico?
Recalque é uma defesa. A gente se defende do que? No sentido bem amplo. Daquilo que
causa dor, daquilo que causa desprazer. Se eu disser assim: fulano está se defendendo,
vocês imaginam que tem o que diante dele? Uma ameaça. Então, a gente se defende do
que é ameaçador. E o que é ameaçador gera o que em termo de sentimento? Gera,
portanto, angústia. Então, para o recalque funcionar, a gente tem que ter angústia
mobilizando o recalque. Essa teoria entende que a angústia surge depois da ação do
recalque. Freud identifica uma ação mobilizando o recalque, chama essa angústia de
angústia sinal e chama a angústia pós recalque de angústia real. Busca um novo método,
que é o método de observação do desenvolvimento infantil, para organizar uma nova
teoria da angústia que consiga encontrar lugar para a angústia sinal e para as angústias
reais. Então, o defeito da primeira teoria da angústia: não contemplar a angústia sinal
(angústia essa que mobiliza o recalque). Não explica a existência da angústia sinal,
explica a angústia real, mas não explica a angústia que mobiliza a ação defensiva. Se eu
me defendo do que me ameaça, eu me defendo do que me angustia. Então, tem uma
angústia aqui, mobilizando a ação recalcante, Essa angústia de mobilização recalcante
não está contemplada no final da equação, o que tá contemplada é a angústia produzida
pelo recalque e não a angústia que produz o recalque. Aí ele vai montar a segunda teoria
para agora dar lugar pra angústias reais e sinais e vai mudar o método ao invés de ser
observação clínica vai ser a observação do desenvolvimento infantil: a observação da
criança, se desenvolvendo, de bebê até uma certa fase da vida infantil.
Pergunta de Júlia: Eu tava aqui pensando, o defeito dessa primeira está em ele não ter
identificado e explicado essa angústia sinal. Mas o que isso implica? Porque isso
inviabiliza a teoria?
2ª) Freud vai tentar ver quais são as experiências infantis que são acompanhadas por
angústia. Ele começa com a experiência do nascimento. O nascimento é acompanhado
por uma angústia que Freud vai chamar de angústia real. É aquela angústia do bebê ao
nascer, que faz ele chorar, faz ele abrir o pulmão. Essa angústia real é filha da pressão
pulsional que antes era remetida pelo cordão umbilical para a mãe e recebia um retorno
perfeito também via cordão umbilical. Com o corte do cordão umbilical, essa demanda
pulsional vai ficar contida no corpo do bebê e o ele não vai saber, durante um tempo, o
que fazer para realizar essa pulsionalidade. Tanto que a gente viu, ele vai alucinar, não
dando certo, o que ele vai fazer com essa demanda? Se a mãe não chega pra cumprir
aquele papel na alucinação, essa pulsão vai ficar ali excitando a criança e produzindo
efeito de angústia. Então, a angústia aconteceria ao nascer, porque excitações sexuais ou
pulsionais em geral se acumulam dentro do envelope corpóreo, dentro do organismo, e
essas excitações ao ultrapassarem um certo patamar tornam a experiência pulsional, uma
experiência angustiante. É semelhante a ter fome e quando a fome ultrapassa um certo
ponto, você começa a ficar irritado, aquela excitação pulsional da fome lhe produz
angústia, lhe produz irritação, certo?
Mas isso aqui também é explicado dizendo que o ato do nascimento, com o corte do
cordão umbilical e com a pressão pulsional não sendo mais canalizada pelo cordão
umbilical, o que vai acontecer é que essa pressão pulsional vai produzir o efeito de
desamparo. Ou seja, a criança vai ter a sensação, como aquela sensação de desequilíbrio,
que você pega uma criança, tira ela do equilíbrio e ela faz assim com a mãozinha, como
se ela sentisse que ela perde a capacidade de autorregulação do espaço. Então, a pressão
pulsional quebraria com essa sensação de autorregulação que o organismo tem,
desampararia a criança, deixaria a criança exposta a uma sensação de risco, de ameaça.
Freud diz que não é propriamente uma ameaça de vida porque a criança ainda não sabe o
que é vida e morte. Mas é uma ameaça a minha estabilidade, é uma ameaça ao meu
sentimento de autoconservação. Então, a pressão pulsional provoca essa sensação de caos,
de desamparo, que é acompanhada por angústia. Então a origem da angústia pra Freud é
a pressão pulsional acima de um certo patamar ou o sentimento de desamparo. Aí você
pode usar tanto uma linguagem quanto outra, certo? O sentimento de desamparo seria
acompanhado por angústia real e o nascimento seria a primeira experiência que produziria
esse efeito de desamparo. Outras experiências que produzam igual efeito, de acúmulo de
pressão pulsional acima de um certo patamar de suportabilidade, outras experiências em
que a pressão pulsional produza essa sensação de descontrole. Voltando pra o elemento
fome, mas poderia ser o elemento medo, você fica se tremendo, você perde o equilíbrio,
com aquela pressão pulsional agindo dentro de você. Então, o nascimento ou qualquer
outra experiência em que a pressão pulsional esteja acima de um determinado patamar de
suportabilidade, ela provoca esse efeito de quebra na autorregulação do psiquismo,
levando-o a uma situação de desamparo, acompanhado por angústias reais. Então, esse é
o conceito de angústia real, essa é a origem: Nascimento ou qualquer experiência que
reproduza essa situação de pressão pulsional intensa e de desamparo. O sentimento de
desamparo é acompanhado pela angústia real.
Uma vez mapeada a origem da angústia real, Freud vai mapear agora a origem das
angústias sinais. Vão ser 04 ao final. Na segunda teoria da angústia ele chega até a
terceira. Não confundam causas de angústia sinal com as teorias da angústia.
A angústia sinal é uma angústia que sinaliza o perigo. Ela é, portanto, uma angústia
psicológica, uma angústia que antecipa o perigo. Angústia real é a angústia propriamente
dita, a angústia sinal é semelhante no quadro de ataque de pânico (a pessoa tem um ataque
de pânico - angústia real - e depois ela tem angústia da angústia. Ela sente angústia por
poder vir a sentir angústia. Tô porque eu temo me angustiar. Essa angústia da angústia é
uma angústia antecipatória, eu estou angustiado imaginando que eu posso me angustiar.
Essa angústia aqui, ela é angústia porque eu antecipo a angústia que tá la. Essa angústia
que antecipa é a chamada angústia sinal ou angústia psicológica. É ela que mobiliza a
defesa. A angústia é a antecipação da angústia real. É como se ela sinalizasse: opa, faça
alguma coisa para evitar a chegada da angústia real. É como se fosse um sinal de alerta,
faça alguma coisa: corra, fuja, se defenda, recalque. Faça o que for, para evitar a chegada
da angústia real. A angústia sinal nesse sentido, é derivada da angústia da real, eu primeiro
sinto isso para depois sentir, em determinadas ocasiões, que isso pode voltar. Antes que
isso volte eu sinto isso. Qual é a primeira situação associada à angústia real? Meramente
associada, ela não é causa da angústia real, ela se transforma no psiquismo em condição
favorável para a produção da angústia real. Qual é a primeira experiência?
3º Teoria
Freud sempre imaginou que a SEXUALIDADE é que fosse a causadora da
angústia e não a AGRESSIVIDADE. A sexualidade na castração é meio e não FIM. “Eu
me sinto ameaçado pela castração porque eu desejo a minha mãe. Mas, o que gera
angústia não é eu desejar a minha mãe, desejar a minha só provoca uma coisa, está sim
geradora de angústia."
A ameaça de castração vai remeter à própria castração. O ato da castração é um
EXTERNO e AGRESSIVO.
Na 3º teoria Freud ainda mantém a fase do nascimento, só que agora ele entende que o
nascimento causa uma angústia real, porque expõe a criança a um ambiente EXTERNO
e AGRESSIVO. E essa exposição do bebe ao ambiente externo e agressivo que justifica
as angústias do bebe. Por que agressivo? Porque ora faz frio, ora faz calor, ora pegam
nele, ora não pegam, ora dói, ora não dói (...). Esse ambiente externo para o bebe é um
ambiente hostil. Pegando o conceito do ambiente externo e agressivo como causa da
angústia, Freud funda a nova teoria entendendo que é o nascimento que causa a angústia
real. (Ele não descarta os fenômenos, ele reinterpreta-os)
1º causa: ausência da mãe.
Sem a mãe eu fico exposto ao mundo externo e agressivo, sem ter ela como mediadora.
A mãe nesse caso como um filtro para impedir que elementos externos e agressivos
impactem no bebê, sem antes ser diluído filtrado. Ou mesmo, bloqueado pela mãe. Ou
seja, a ausência da mãe favorece uma angústia real.
2º causa: ausência do amor materno
Sem o amor materno, a mãe não vai querer a posição intermediária dela para evitar que o
mundo externo e agressivo cause danos ao bebê. A mãe não terá paciência, não terá
disposição, não terá criatividade para funcionar como filtro que impedirá que os agentes
externos atinjam o bebê.
3º causa: fase fálica
A ameaça de castração antecipa o fato do mundo externo ser agressivo. Antes era só frio,
calor, tato, som (...), agora também é agressividade fática. Preciso da mamãe para se
interpor entre o papai e eu e conseguir minimizar os fatores. Então, a ameaça de castração
é claramente uma angústia sinal que remete a uma angústia real. Porém, quando Freud
chega a essa conclusão ele percebe que essa 3º causa gera uma teoria do medo. Logo, não
seria a justificativa para a causa da angústia. Por que é uma teoria do medo? Porque a
diferença entre a angústia e o medo, é que medo eu resolvo tirando você de perto do fato
externo ameaçador. Já a angústia não adianta você ser afastado do fato externo, porque
não depende de um fato externo. A angústia é um fato interno.
Ferenczi, então, recomenda que Freud retorne à segunda teoria e reinterprete à luz
da teoria da teoria do amor. Reinterpretando isso à luz da teoria do amor, ela se encaixa
perfeitamente no esquema proposto até então. Freud aceitou. O que é a ameaça de
castração? A ameaça de castração não remete em última instância à castração como causa
da angústia real. A ameaça de castração é um meio. Se eu for castrado isso vai gerar uma
outra consequência, que é: “sem o falo eu fico sem o amor materno”. O que causa a
angústia, de fato, não é o ato da castração. O ato da castração em si só geraria uma dor ou
um incômodo, porém ele gera uma angústia maior porque eu sei que sem o falo, eu vou
ficar sem o amor; e sem o amor materno eu vou ficar exposto, com as mesmas tensões
pulsionais que vão crescer e superar determinado patamar e produzir uma angústia real.
Novamente estamos dentro do esquema da segunda teoria.
A ameaça de castração gera angústia em sinal porque ela é uma antecipação de
um fato gerador de angústia real. Esse fato é a consequência da castração, no campo do
amor. Castração, por si só, tira uma parte importante de mim, mas não é isso o que me
deixa angustiado. O que causa angústia é a possibilidade de perder o amor materno por
ter perdido o falo. E sem o amor materno eu não vou ter aquela pessoa para descarregar
tensões internas. Voltamos ao esquema da angústia real causada por fatos internos
libidinais. É medo de ser desamado. É a angústia de “consigo continuar sendo amado ou
vou perder o amor conquistado?”
Caso clínico: uma cliente que tinha uma beleza acima da média e as amigas
brincavam que não queriam sair com ela porque ela “roubava” toda atenção, pois era
muito bonita e atenciosa. Ela chegou com a queixa de que não conseguia manter nenhum
namoro e o professor, como analista, sentia na contratransferência, um enjôo e sabia que
tinha algo a ver com o que se passava com ela. E, aos poucos, foi ficando claro que ela
tinha uma história de vida de que o pai dela tinha esquizofrenia e ele só conseguia, de vez
em quando, ter um momento de bom humor. Nesse momento de bom humor todo mundo
tinha que largar as mágoas, chateações e raivas que guardavam dele para poder aproveitar
aquele momentinho de bom humor. E isso a cliente carregou essa mesma métrica para a
vida dela. É como se ela dissesse ao namorado “faça o que você quiser, contanto que você
tenha aquele momentinho de bom humor”. E, ao fazer isso, ela aceitava coisas que tornam
quem está do outro lado desinteressado. Ninguém gosta de uma “massa de modelar” -
pessoa sem personalidade. Exemplo da cliente: ela estava namorando há uma semana e
sempre era uma pessoa muito dedicada, carinhosa e preocupada com o namorado. Então
ele marca de sair com ela numa sexta-feira às 20:00h. Às 21:00h ele liga para dizer que
estava assistindo futebol, tomando cerveja e estava cansado, e sugere deixar a saída para
o sábado. Ela já estava pronta, mas responde da seguinte forma: “own, meu anjinho, vá
dormir, vá meu fofo. Você está precisando e está cansado e eu também estou cansada e
já estou de pijama também. Se você não ligasse, eu já ia dormir.” O namoro acabou no
domingo.
Então, o professor começou a questioná-la sobre essa atitude e sobre os outros
namoros. E, posteriormente, fez a seguinte intervenção: “não funciona, todo mundo vai
se desinteressar de você”, por causa da falta de posicionamento e de aceitar tudo e por
não saber dizer “não”. Ela achava que se disse “não” às pessoas, essas pessoas iriam
deixar de querê-la. Ela tinha na cabeça o fantasma de que se na hora que o pai estivesse
de bom humor, ela não estivesse disponível, ela seria punida de alguma forma. Então ela
aprendeu a “engolir sapos”para poder ter aqueles instantes ao lado do pai. O professor
sugeriu que ela fizesse o teste com esse relacionamento que tinha acabado há pouco tempo
e fingisse desinteresse no rapaz. E ela fez e deu certo. Percebeu que à medida que ela se
negava a aceitar algo dele, as propostas melhoraram. E ela começou a ter a sensação de
poder.
No caso dela, a angústia não é ser amada, pois ela se sente suficientemente capaz
de ser amada. O problema é continuar sendo amada; se manter amada; não decepcionar o
outro de alguma forma que faça com que o outro perca o amor por ela. Nesse caso seria
o temor da castração ou angústia de perder o amor conquistado, como sinônimos.
4º teoria: angústia de exposição ao público (angústia social)
É uma angústia antecipatória, pois eu antecipo uma série de coisas que eu acho que vão
acontecer. É quando eu me deparo com pessoas estranhas ou pode ser até um grupo de
pessoas conhecidas - só pelo fato de ser um grupo, eu já não domino o que as pessoas
estão pensando. Em grupo é como se eu perdesse o controle e, perdendo o controle, o que
é que nós fazemos para poder voltar a saber, mais ou menos, o que está acontecendo? Nós
projetamos o nosso superego no grupo. Se nosso superego for um superego mais
ameaçador (cheio de ameaças de angústias: “você vai ficar só”, “ninguém vai gostar de
você”), eu vou achar que o público vai me deixar só, não vai gostar de mim. E eu passo a
ter angústia de enfrentar o público, por motivo relacionado ao superego. É como se o
superego colocasse para dentro do sujeito os elementos que estavam acontecendo fora do
sujeito. As angústias sinais eram relativas a fatos externos (o amor da mãe: perder ou
manter o amor da mãe),a angústia real é relativa a fatos internos libidinais. Agora eu
internalizo essas ameaças na forma de superego e passo, diante do público (conjunto de
pessoas que eu não consigo ter total controle sobre o que estão pensando). Uma pessoa
tímida pode ser extremamente falante numa relação a dois, mas se calar quando tem mais
pessoas presente, porque já não consegue controlar ou saber, com tanta facilidade, o que
o outro pensa dela. E, por isso, passa a achar que o outro pensa dela o que ela pensa sobre
si mesma - projeção do superego dela, no outro.
Freud diz que a angústia social depende dessa projeção do superego, no outro. Se o meu
superego for um superego mais camarada, ele vai estar presente de outra forma - “vai
estar presente”, “vão gostar”, “vão se manter gostando” - você consegue enfrentar o
público que for, pois você imagina que esse público vai agir com a mesma generosidade
e benevolência que o seu superego tem em relação a você.