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Transcrição Matrizes da Psicanálise - Aula 14 - 14/10/22

Vamos discutir a noção de saúde, mal-estar e psicopatologia nas chamadas estruturas


clínicas - neurótica, psicótica e perversa.

A gente viu naquela última aula, os 08 destinos do desejo: recalcar, formar sintoma, saídas
neutras (ato falho, chiste e sonho) e as saídas saudáveis (governo consciente, sublimação
e realização direta). Vamos aprofundar essa discussão, colocando agora em jogo o
conceito de mal-estar, que é um conceito intermediário entre o conceito de saúde e o de
psicopatologia. É uma noção que está no corpo da teoria freudiana e que é muito útil pra
gente pensar em qualidade de vida.

Eu posso ter saúde, com baixa qualidade de vida, posso ter saúde com alta qualidade de
vida. O mal-estar, portanto, é um índice de qualidade de vida. Ele não é necessariamente
patológico, porque, como eu falei, você pode ter uma condição de baixa qualidade de vida
e não adoecer, né? mas ele não é também algo necessariamente saudável. Pois, eu posso
do mal-estar desenvolver um quadro patológico.

O conceito de mal-estar na obra de Freud é articulado ao conceito de civilização. Tanto


que o texto que Freud escreve sobre isso se chama “Mal-estar da civilização”. O conceito
de mal-estar pode ser pensado para além da civilização, porque Freud entende civilização
como modernidade. Civilização é o pacto do Estado Moderno, em que você coloca um
poder central do Estado e cria relações entre os indivíduos, pautadas no autocontrole, no
controle de si. Esse trabalho de controle de si, de renúncia - já que é a minha
individualidade , meus direitos acabam na individualidade e nos direitos do outro -
portanto, a civilização da qual ele fala, estabelece esse limite para o meu agir, seja no
campo da sexualiade, seja no campo da agressividade. Isso pra Freud implica, nesse
sentido, em uma renúncia, que se soma a uma outra renúncia, que é a renúncia a você usar
suas energias pessoais para seus gozos. Parte delas, você vai ter que usar para trabalhar e
parte dos rendimentos desse trabalho, precisarão ser drenados pra sustentar a vida
civilizada.

Então a gente tem aí, dois tipos de frustração:

1. contenção de si (autocontenção): a fim de que haja convivialidade entre iguais.


Convivialidade sempre existiu. Por exemplo, na antiguidade eu não precisava me
conter perante um escravo. Eu poderia surrá-lo, estuprá-lo. Eu não precisaria me
conter nem perante um filho, eu tinha o direito de matar um filho. Se eu fosse um
dono de terra, um cidadão da elite, eu tinha o direito de matar até minha esposa.
Então, não tinha esse espírito de autocontenção, que o Estado Moderno estabelece
pra os indivíduos. Então, quando Freud falou de civilização, ele tava falando do
Estado Moderno, que exige uma autocontenção maior. Eu posso discordar do
outro, eu posso não admirar o outro. Mas mesmo assim, eu tenho que respeitar.
Então, pra Freud, a autocontenção implica em frustração.
2.

A autocontenção para garantir o direito do outro, perante o limite que o outro


estabelece pra mim. Já que o outro, como indivíduo no Estado Moderno, tem
direito de me dizer “não”. Eu tenho que me autoconter, nos desejos tanto sexual,
quanto agressivos, que o outro não me permite realizar com ele. Então, com isso
eu me contenho, ao me conter eu me frustro. Aquela energia agressiva: “eu vou
matar esse cara!!”... vai não! A polícia não vai deixar, as pessoas não vão deixar,
o outro também não vai permitir. Assim como, “estou apaixonado por fulana”,
“ah, mas fulana ela não tá afim não”. Então, vou ter que guardar pra mim esse tipo
de desejo. Isso implica em frustração, implica em mal-estar.
O mal-estar freudiano, em boa parte, é o mal-estar da frustração. O principal aqui
é o mal-estar da frustração.

3. drenagem da energia: a frustração também vem pelo fato de que eu tenho que
drena a energia pulsional, uma cota né? drenagem da energia pulsional de uma cota, para
direcionar ao trabalho e ao pagamento de impostos. Estes servem para a manutenção do
aparato civilizatório.

- Então, eu me auto contenho para garantir o ideal civilizatório, o ideal da


convivialidade entre desiguais, o ideal do convívio entre indivíduos. Então, eu me
auto contenho para garantir que o outro vai ter o direito dele respeitado, vai ter a
individualidade dele ou dela, respeitados. Eu me auto contenho para manter o
ideal civilizatório da convivialidade e eu trabalho, ao invés de ir pra praia, e uso
parte do dinheiro recebido no trabalho pra pagar impostos. Ao trabalhar e ao pagar
impostos - obviamente em condições normais de temperatura e pressão, não com
governos que façam mal uso desses impostos - mas em condições normais, o meu
trabalho e os meus impostos servem para garantir a manutenção do aparato
civilizatório.

Pergunta da aluna: Se eu não quiser me conter?

Resposta do profº: Você estará entrando em choque com as leis civilizatórias. A


civilização que é sustentada pela coletividade vai pedir providências em relação a
quem transgride essas leis. A pergunta fundamental é: por que a gente quis viver
em civilização? Perder uma boa cota da nossa liberdade de agir e ter que drenar
uma cota da nossa energia pra trabalhar e ainda doar uma parte dos meus ganhos
com impostos.

Aluna responde: pra ficar vivo.

Profº continua: Pra ficar vivo. Uma das principais razões é: pra ficar vivo. Se
vocês quiserem se aproximar mais da razão para aceitarmos o regramento
civilizatório, a normatização do Estado sobre nós, leiam o capítulo 13 do livro de
Hobbes “O leviatã”. É um livro famosíssimo e extremamente importante na
ciência política e na sociologia e o cap. 13 é um capítulo cirúrgico pra discutir isso
que a gente tá levando em conta aqui. A ideia é que sem o aparato civilizatório,
um dia pode ser do caçador e outro dia da caça. Um dia eu posso fazer o outro ser
meu escravo e no dia seguinte um outro pode fazer de mim escravo dele. E mais,
como eu vivo com os meus clãs, fora do estado civilizatório eu vivo com meus
clãs, vivo com minhas tribos, eu vou tá eternamente imaginando a possibilidade
de ser atacado. Ao imaginar isso, eu tenho que me preparar pra atacar, gerando o
que Hobbes chamou de “guerra de todos contra todos”.
Então, esse estado de “guerra de todos contra todos”, essa expectativa de que o
outro me submeta, junto com o sofrimento da morte. Esse estado de coisas produz
angústia, certo? essa angústia é uma angústia de morte, de poder ser aniquilado.
Além disso, eu somo mais algumas razões para desejar uma vida civilizada. Quais
são:

1. medo da morte, a existência da morte, com as angústias ligadas a morte;


2. adoecimentos;
3. as catástrofes naturais.

O que a civilização me dá?

1. A possibilidade de você desenvolver com relação a morte: religiosidade, filosofia,


psicologia, espírito de comunidade, pra eu poder aplacar o meu medo de morrer. Templos,
igrejas, terreiros

2. Com relação ao adoecimento: serviços de saúde, esgoto, saneamento, toda uma política
de saúde, que eu preciso de pessoas capacitadas para tanto. Hospitais, universidades,
engenharia, água potável etc, etc, para minimizar o adoecimento.

Quando eu estou numa comunidade com muitos, é mais fácil que surjam pessoas que
possam desempenhar papéis diferentes na comunidade. Então, eu me junto para poder
com todos, com a coletividade, lidar com essa angústia da morte, lidar com as doenças,
se possível, encontrando cura para algumas, minimizando danos em outras, buscando
vacinas pra terceiras, enfim, fazendo esse manejo da doença. Prevenindo com trabalhos
de engenharia, com arquitetura, uma série de coisas que vão permitir essa prevenção. E
por fim:

3. Catástrofes naturais serão amenizadas com a construção das cidades, construção de


pontes, muro de arrimo, prédios com maior tecnologia, como por exemplo, no Japão hoje
em dia você constrói prédios para suportar terremotos. Assim como nos Estados Unidos,
você constrói aquelas casas que vão embora num tufão, mas é fácil você reconstruir. Ok?

A vida civilizada é uma opção humana, diz Hobbes, para o melhor enfrentamento desses
perigos, dessas ameaças, que a morte, as doenças e as catástrofes naturais implicam.
E também, para uma quarta ameaça: a agressividade do outro. Aí eu preciso do aparato
civilizatório da polícia, da justiça, dos presídios, da moralidade, da religiosidade, da
psicologia, da psiquiatria, que contenham a agressão das pessoas.

Então, o mal-estar da civilização é uma soma da autocontenção que eu preciso ter para
poder conviver com o outro, da autocontenção que eu preciso ter pra drenar para das
minhas energias para o trabalhar e aceitar doar parte dos meus ganhos em impostos, né?
E do custo que eu continuo tendo, eu minimizo, mas eu continuo tendo, enfrentando
morte, adoecimento, catástrofes naturais e agressividade do outro. Eu minimizo com a
vida civilizada mas eu não os neutralizo. Então, a gente dirá, com Freud que viver em
uma sociedade civilizada implica em um custo, obviamente, esse custo aumenta se a gente
for olhar individualmente e perceber: que idade você tem, que orientação sexual você
tem, que cor da pele você tem, de que gênero você é, qual é a sua condição
socioeconômica. Enfim, existe uma série de elementos que podem tornar o custo de viver
altíssimo para algumas pessoas. O custo de viver pode ser duplicado, triplicado,
quadruplicado, a depender nos nichos.Mas Freud pensa um cálculo geral que atinge a
todos e é esse cálculo, desse custo de viver, que Freud chama de “mal-estar na
civilização”, ok?

A gente pode dizer numa fórmula simples, que aceitamos o mal-estar para evitarmos a
angústia do desamparo, para nos livrarmos, ou para amenizarmos a angústia do
sentimento de desamparo. O desamparo de você não se sentir potente para frear a morte,
nem para lidar com as doenças, nem com as catástrofes naturais e nem com a
agressividade do outro. Então, isso desampara, lhe deixa em um sentimento de
vulnerabilidade e impotência.

A civilização se caracteriza tanto por prover recursos, quanto pela presença de um Estado,
o Estado é uma norma geral, que funciona, portanto, com uma espécie de superego
coletivo. Vai mediar as relações entre os indivíduos, permitindo, portanto, o limite entre
a individualidade entre um e de outro, o limite entre a privacidade e a intimidade entre
um e de outro. Além disso, vai prover recursos para permitir que a convivência se
mantenha e que os instrumentos, as ferramentas civilizatórias sejam construídas e
mantidas, certo? Então, você tem aí vários gastos energéticos em prol de amenizar a
angústia da condição de desamparo.

Pergunta de Lu: Porque colocou uma cota?

Resposta do profº: uma cota porque não é a drenagem plena. Você continua com cotas
pulsionais para usar com lazer, suas relações amorosas, de amizades, seus esportes etc.
Mas, uma cota disso vai ser drenada para trabalho e pagamento de impostos. Numa
sociedade como a nossa, essa cota pode ultrapassar 08 horas do seu dia. Pode chegar aí a
10h, 12h do seu dia. Então, é uma cota relativamente alta. Dependendo da condição social
de alguém, você pode passar 16h, entre deslocamento, trabalho e volta pra casa. Então, é
uma hiper cota, é um alto custo para viver em civilização. Além disso, muitas vezes o que
você paga não retorna como recurso do Estado para melhorar sua vida. É quando o pacto
social se torna um pacto desequilibrado. A gente pode entender que essa ascensão da
extrema-direita no mundo tem a ver com uma espécie de falência do pacto civilizatório.
A ciência e o Estado prometeram um mundo mais apaziguado, um mundo com algumas
garantias: de não passar fome, de ter acesso a saúde, a segurança, a educação. Mas, para
uma ampla parcela das pessoas, não foi isso que foi cumprido. Então, essa é uma das
razões que se estuda para esse crescimento da extrema-direita.

Pergunta de Eduardo: O modo como eu lido com essa frustração é que vai gerar uma
possível neurose, não é que todos nós tenhamos neurose, por que eu já ouvi isso “todos
nós temos neurose”. Eu tava confundindo frustração com neurose, mas acho que agora
ficou claro..

Resposta do Profº: Eu vou mostrar pra vocês duas visões sobre isso. Veja, essa
frustração aqui pode colaborar para as psicopatologias, mas ela pode conviver com a
saúde. Ela pode ser uma frustração, com a qual você, com sua resiliência, com sua
resignação e com sua criatividade, você consegue aprender a lidar com ela. Agora, a
gente vai ter que somar essa frustração (do mal-estar na civilização - que ela é uma
frustração baseada nessa exigência geral) às histórias de vida, às relações com os entes
significativos, familiares, na nossa infância, com todos os acidentes de percurso que a
Psicanálise estuda: Acidentes na amamentação, no controle (inaudível), no complexo de
Édipo, na puberdade e na idade escolar. Isso aí, é o que vai dotar de saúde ou de
psicopatologia. O mal-estar é uma colaboração para isso. Obviamente, esse mal-estar aqui
pode ser bastante diminuído. Você viver na Dinamarca, por exemplo, você tem uma cota
de mal-estar bem diminuída. Não precisa nem ir muito longe, você viver no Uruguai,
você tem uma cota de mal-estar bem diminuída em comparação com o Brasil. Você viver
em Portugal também.

Pergunta de Lu: Ah, mas aí aumenta o suicídio, né, não!? Minha mãe sempre dizia “veja
na Suíça, as pessoas se suicidam”.

Resposta do Profº: Há fenômenos específicos da Suiça pra essa cota de suicídio. Mas se
você pensar em um país, por exemplo, as sociais democracias do mundo europeu:
Escandinávia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Finlândia, têm uma qualidade de vida, um
sentimento do Estado prover, escola, até em Portugal é assim, você bota na escola mais
perto da sua casa, não tem que procurar a escola, é a mais perto da tua casa e vai ter a
mesma qualidade que qualquer outra escola. Então, prover educação, saúde, segurança,
renda mínima para você ter acesso a alimentação, a casa, etc etc. Isso joga o mal-estar,
comparativamente, lá pra baixo. Isso acaba com a possibilidade de morrer? Não! Acaba
com a possibilidade de adoecer? Não! Acaba com a possibilidade de catástrofe natural?
Não! Acaba com a possibilidade de ser agredido? Não! Esses quatro elementos continuam
existindo, né? Obviamente, se eu tiver uma vida tão preservada, tão protegida, como a
gente imagina ser a vida na Suécia e na Suíça, eu posso ficar sem propósito, sem lutar por
algo. Por isso, a questão do suicídio.

Pergunta de João: A questão do agravo (tipo, quando a pessoa sofre um trauma e meio
que não compensa, se vingando, por ex), tem a ver com essa limitação que é imposta com
o mal-estar.

Resposta do profº: Eu não estou localizando a noção de agravo. Eu ser impedido de me


vingar, faz parte da autocontenção. Antes do aparato civilizatório eu poderia resolver uma
diferença com alguém, chamando a pessoa para um duelo. E o Estado não se metia não.
Hoje em dia, você não pode, quem resolve isso é a polícia, a justiça, o Estado. Você não
pode fazer uso das suas próprias armas. O único direito que a gente tem de fazer isso, é
na legítima defesa, em um uso extremamente contido, usou um pouco mais você pode ser
acusado de ter ultrapassado a legítima defesa. A vingança, esses sentimentos de posse,
tudo isso vai ser castrado dentro de uma vivência civilizatória. Aí você aumenta esse
sentimento de custo de viver, no entendimento do que Freud está chamando de mal-estar.

Pergunta de Luíza: sobre falarem que hoje em dia as crianças e os adolescentes não tem
frustração, não sofre ou não sofreu frustração. A gente tá retrocedendo a isso?

Resposta do Profº: Se, por acaso, fosse verdade que as crianças não seriam frustradas, a
gente teria uma diminuição no mal-estar. Menos frustração, menos mal-estar. Porém, a
gente tem que pensar que existe pelo menos aí, dois tipos de frustração: 1. da ordem do
impedimento (frustração do tipo “não” - impedir alguém de fazer uma coisa que a pessoa
quer fazer): a gente diz que esse tipo de frustração tá em baixa no mundo contemporâneo,
que são algumas normas; 2. a norma meritocrática (atinge diretamente o coração das
crianças e adolescentes): você tem que ser o melhor, se destacar, estar acima da média,
ser o primeiro da sala, enfim, você tem que vencer. Isso é uma norma e essa norma é
extremamente produtora de mal-estar. Você tem que viver a vida como se fosse uma
eterna competição. Então, a gente diminuiu a frustração do “não”, mas a gente aumentou
a frustração do “faça!”. A criança não pode ter um tempo ocioso (judô, balé, xadrez, curso
tal). Para o menino virar uma máquina e você já imagina o vestibular. As pessoas não
estão nem aí. Em seguida, o profº fala da escola da filha e da relação entre os colegas de
turma e dos pais com os familiares dos alunos. Depois, conclui, é isso que a gente chama
de frustração. É frustração do fazer/direcionamento da ação/seja o melhor.

Nesse mundo meritocrático, o que mais existe é a sensação de conseguir chegar lá e ter
a sensação de que “eu não fiz nada”. É a chamada “depressão dos bem sucedidos”. Nesse
sentido, a gente tem um mal-estar que não é de autocontenção (no mundo
contemporâneo), é um mal-estar de performance, de você ser performático, de ser o cara.
O problema maior, não é só o esforço de sempre fazer mais, o problema paralelo é se eu
não fizer mais eu não vou ser isso que eu conseguir. É como aquelas apostas que você
perde tudo se não ganhar. Você não só deixou de dar conta de mais uma etapa, é como se
não dando conta daquela etapa ali, você perde tudo. Porque? Por que não existe lugar
simbólico para pessoas medianas. Há uma falta de identidade simbólica pra você poder
se nomear, se definir e ter autoestima como pessoa média, é como se não houvesse, não
há esse lugar.

Continuando:
Com essa noção de mal-estar, como eu falei pra vocês, a gente tem um índice de qualidade
de vida, a gente espera que a vida em sociedade não custe tanto para cada indivíduo. Não
tenha aquele custo de fazer como as pessoas, na contemporaneidade, no qual as pessoas
dizem o tempo “Nossa, eu tô mundo cansado, eu tô exausto” . É o que todo mundo fala
hoje em dia, é um custo alto, tem alguma coisa errada. Assim como não faz parte da
qualidade de vida de uma sociedade ter níveis de depressão e ansiedade como temos no
Brasil.O Brasil só perde, salvo engano, para os EUA e a Austrália, em depressão e
ansiedade. Somos um dos países de maior índice. Então, a depressividade no Brasil é alta.
Isso revela que a cota de mal-estar está produzindo muita psicopatologia, já que isso não
é um dado do indivíduo, é um dado da coletividade. Por mais que, pra você ser deprimido
você precise de elementos constitucionais, genéticos e você dependa de elementos de sua
história de vida individual. Mas é óbvio que além disso, você depende também de estresse
como gatilho e estresse é um dado que tem muito a ver com a vida adulta e com a vida
do trabalho, do status social, com a necessidade que a gente tem de aprovação, de
reconhecimento, que no mundo meritocrático você só consegue durante um instante e
quando você está no topo. Se você cair, você já deixa de ser um ex vitorioso e passa a ser
um decadente. É uma forma de viver em civilização com um grau de exigência muito
alto, portanto, produtor de alto mal-estar.

Agora, como eu falei, mesmo esse alto mal-estar pode conviver com saúde: se você tiver
resiliência, resignação, criatividade.

Pergunta de Lu: Então, o sinônimo de saúde é esses três aí?

Resposta do Profº: São atitudes importantes. Agora, obviamente, que a gente tem que
incluir os elementos da coletividade: família, amigos, lazer, exercícios físicos - são outros
elementos capazes de aumentar a qualidade de vida do cidadão. Então, eu posso ter mal-
estar, custo de viver alto, minimizado pela minha resiliência, superado pela minha
resiliência, suportado pela minha resignação, transformado pela minha criatividade,
apoiado pela minha vivência familiar, pelos meus amigos, pelos tipos de lazer que eu
experimento, pelos meus exercícios físicos, ok?

O mal-estar enquanto cansaço, dor, angústia, ele pode conviver com estados de saúde,
quando eu compenso esse mal-estar com resiliência (capacidade de enfrentar a situação
problema), quando eu consigo ter resignação (capacidade de aguentar, de suportar) e
quando eu tenho criatividade de transformar (fazer do limão limonada). Com isso, com
esses elementos aqui, eu consigo compensar parte do meu mal-estar. Junto com essas
habilidade individuais, eu tenho também os elementos coletivos: família, amigos, meio
de trabalho (pode ser um elemento importante, dependendo do trabalho da pessoa), vida
religiosa, comunidade (você ter bairro da sua vida, contar com quem tá em torno) e duas
atividades que também são fundamentais pra qualidade de vida, que é lazer (pode ou não
depender do outro) e exercício físico.

Mas eu posso ter, do mal-estar, uma consequência psicopatológica. Então, o mal-estar,


como eu falei, é uma categoria intermediária, ela não se confunde com saúde e nem com
patologia. Ela é um custo, um sofrimento, um “andor” que você tem que carregar nas
costas. Se você puder dividir o peso, se tiver uma certa criatividade pra encontrar meio
de carregar que não doa tanto, se você for uma que suporta pressão, tem resignação, se
você for uma pessoa que é plástico pra conseguir superar a situação-problema, com sua
resiliência, você vai carregar melhor o “andor’.

Pergunta de Morgana: Dá pra desenvolver a resiliência, a resignação?

Resposta do Profº: Dá, você pode se tornar com a vida, com situações vividas, você pode
se tornar mais resiliente, resignado e criativo. Obviamente, isso também depende de
questões temperamentais, constitucionais. Por exemplo, você faz terapia para você se
tornar uma pessoa mais resiliente (capacidade adaptativa), mais resignada, aprender a
lidar com mais criatividade com seus recursos pessoais. Com esses três fatores, eu posso
transformar minha história de vida e as exigências civilizatórias, de um modo que garanta
uma qualidade de vida e satisfação pessoal.

Continuando:
Quando a gente tá discutindo a psicopatologia, ela pode ser olhada a partir das questões
genéticas, da história de vida, dos acidentes que vão compor essa história de vida e pode
ser olhada a partir dos gatilhos da vida social, do mal-estar na civilização. São três
elementos que compõem qualquer teoria das origens de uma doença. Mesmo doenças
autoimunes, depende do estresse para ela ser ligada. Ou seja, depende da história de vida,
depende de mal-estar na civilização. O gene pode não desenvolver. É esse trio aí:
genética, história de vida e custo de viver em sociedade (questões biopsicossociais).

Vamos agora aprender duas formas de interpretar isso aqui. Na forma que eu quero
transmitir pra vocês, a minha maneira de entender Freud me permite concluir. Eu vou
dizer que:as estruturas clínicas, que a gente chama de estruturas neuróticas, psicóticas e
perversas não deveriam ter esses nomes. Por que? Porque com essas noções de estrutura
neurótica, psicótica e perversa fica de fora a questão da saúde. Em Psicanálise, a gente
tende a dizer que não existe propriamente saúde, o que existe é um quadro neurótico
compensando, ou seja, a neurose é o ponto zero da história. Você pode ter neurose
brandas, que se confundiriam com saúde e você pode ter neurose graves, que se
confundiriam com doenças propriamente ditas.

Eu acho essa interpretação feita de Freud, uma interpretação equivocada. Você quando
ler Freud, você visualiza, sem esforço, a distinção que ele faz entre neurose e saúde. É
verdade que, uma vez peguei os índices que constam no volume 24, um dos índices é
composto por temas. Eu quero estudar fantasia originária, ai tá lá fantasia originária e sua
relação com o Édipo, com a neurose, com a psicose, volume 1 páginas tais e tais volume
7, páginas tais e tais. É como se fosse um índice para pesquisa, um índice extremamente
importante pra gente. Eu fui lá e procurei neurose em comparação com a saúde e tá lá. O
que já prova que Freud compara neurose com saúde.

Mas ele podia comparar os dois e dizer: são iguais, né isso? Ai eu peguei lá 41 referências
e dentre lá há 01 em que Freud diz: "olhando por esse viés, podemos concluir,
teoricamente, que todos nós seríamos um pouco mais ou um pouco menos neuróticos”.
Só que ele continua dizendo “mas, a neurose nesse caso pode ser tão insignificante que
basicamente ela seria inexistente, dada a insignificância dela”. Ou seja, quando ele afirma
que pode haver mais ou menos, esse menos aí pode chegar em um menos tão grande que
nem caiba afirmar que é neurótico. Nas outras 40, ele distingue claramente neurose de
saúde. A minha pesquisa agora é pra entender porque as pessoas não veem isso. Isso não
tá em nota de rodapé, isso está completamente explícito.

Vocês vão ouvir “todos nós temos nossas neuroses”. A palavra neurose aí, está sendo
usada no sentido de “todos nós temos nossas angústias, nossos problemas, nossas
esquisitices”. Neurose para Freud nem problema, nem angústia, nem esquisitice. Para ele
é, um padrão de comportamento que trás dado e prejuízo. “Eu estou sofrendo porque perdi
uma pessoa querida” - e era pra você está como? Esse sofrimento, essa angústia,
caracteriza saúde, assim como a capacidade de sentir dor caracteriza saúde. Um dos
sintomas da diabetes é tirar a sua capacidade de sentir dor. Então, dor nesse caso, é
patológico ou é um alerta que garante a integridade corporal? Agora, obviamente, dor
justificada, se eu sinto uma dor crônica, aí a dor se transformou em doença. Se eu tô
angustiado com a eleição, eu tenho razão para está angustiado. Agora, se eu sinto angústia
quando bate um vento ou quando eu vejo alguém conquistando alguma coisa boa, se eu
sinto angústia quando eu fico só, mesmo estando em casa, com segurança, aí a minha
angústia é patológica, Ter angústia não significa que você está na neurose ou na saúde,
você vai me dizer que angústia é essa para eu pode dizer.

Então, a palavra neurose terminou tendo um uso extremamente ampliado e significando


um modo individual de cada um, com algum grau de angústia, grau de conflito,
singularidade, irracionalidade, esquisitice… Freud em momento nenhum define neurose
dessa forma. Neurose, primeiro é uma construção anterior a Freud. Neurose é um tipo de
adoecimento emocional que na comparação com a psicose se caracteriza pelo fato de que
eu tenho danos para o meu bem-estar, pra minha sociabilidade, pra minha produtividade,
pra minha vontade de viver, mas eu não perco a noção de realidade. Já na psicose, eu
tenho esses mesmos danos, perdendo a noção de realidade. Se for doentio neurótico (no
campo da histeria, da fobia ou da obsessão?).

Estruturas clínicas são modos estáveis de organização da relação do sujeito consigo e com
o outro, é um conceito semelhante a personalidade. (...)
PSICOPATOLOGIA

Patologia tem menção da neurose, psicose e perversidade a qual veremos o que é estrutura
neurótica. Onde será aprendido de duas formas, existe a chamada forma tradicional que
entende a existência de estrutura neurótica, estrutura psicótica e estrutura perversa.
Aprenderemos dessa forma, e também de uma outra forma para que o conceito de saúde
fique mais preservado, O que poderia chamar de saúde estaria subsumido dentro da
estrutura neurótica, teria como interpretar de duas formas a estrutura neurótica, é uma
estrutura que quando o funcionamento é negativo advém a neurose, se for para interpretar
dessa forma estaria de acordo, não tem por que propor uma outra maneira de
entendimento. Porém, muitas vezes é chamado estrutura neurótica por entender que toda
expressão dessa estrutura está dentro do espectro neurótico, nesse caso o que seria saúde?
não existiria saúde propriamente dito, mas sim uma neurose branda, uma neurose
compensada, uma neurose funcional no mundo. Por essa interpretação ser mais comum
será ensinado, mas irei propor uma outra forma de pensar o assunto.

Estrutura

O que é chamado de estrutura?

Freud não usava este termo, o termo estrutura é uma conceitualização posterior que se
encontra ou na obra de Lacan ou Bergeret. Estrutura são modos de organização regulares,
modos de vinculação com o outro, modos de se relacionar consigo, estruturas psicológicas
internas que vão resultar em uma maneira de lidar consigo e de lidar com a realidade, ou
seja, a estrutura é um conceito semelhante ao conceito de personalidade, são padrões
comportamentais, padrões de relacionamento consigo e com o outro.

A ideia que os autores têm ao longo da infância, por conta de questões constitucionais e
da história de vida, é que o sujeito cristaliza uma estrutura dentro de si, se constitui uma
estrutura e o raciocínio estrutural é um raciocínio que acredita que isso aqui se mantém
estável ao longo da vida. Sendo assim você não muda de uma estrutura neurótica para
uma estrutura psicótica, de uma psicótica para uma perversa.

Exemplo: O raciocínio estrutural é um raciocínio de um barro que está mole e depois


endurece e estruturou.

Uma vez estruturado, o sujeito vai se mover dentro daquelas daquelas possibilidades
relacionais, que a estrutura contém e permite.

Pergunta da aluna: Mas está ao longo de toda infância?

Resposta do professor: A gente não faz um diagnóstico estrutural antes de um certo


tempo de desenvolvimento por exemplo de 0 a 7 para alguns autores ou até adolescência
para outros autores. Não se diz que a criança é perversa , porque ela ainda está em
desenvolvimento, assim como o próprio diagnóstico de psicose, ele é muito delicado pelo
fato da criança também ainda está em desenvolvimento antes isso era mais respeitado,
hoje é menos respeitado, com o avanço da psiquiatria biológica a criança sendo
diagnosticada para questões ligada a psicose, autismo TDAH, mas antes se aguardava um
tempo de desenvolvimento para poder entender que ali se consolidou uma estrutura.

Pergunta da aluna: E durante esse tempo que estava em consolidação pode ser alterado
se…

Resposta do professor: isso, você pode fazer a estimulação adequada, o acolhimento


adequado, dar segurança, para que a pessoa desenvolva o melhor possível de si.

De maneira geral é como se entendesse que estrutura neurótica é a melhor estrutura, a


estrutura que produz os resultados mais funcionais. Mas temos que ter um certo cuidado
com isso para não criar um certo tipo de eugenismo, se a gente pudesse decidir o filho
estaria em qual estrutura? salva a perversa que é mais complicada, seria complicada o
ponto de vista bioético você imaginar que você não quer seu filho numa estrutura
psicótica, exatamente por que a gente sabe que na vida real, você pode desenvolver uma
vida dentro de uma estruturação psicótica,e desenvolver uma vida que pode ser tão boa
quanto a quem desenvolve dentro de uma estruturação neurótica, as chances de uma
queda no processo doentio são maiores numa estrutura psicótica,mas não deixa de ser
algo um pouco complicado no ponto de vista bioético você por exemplo acreditar que
uma pessoa neurótica ela seria melhor do que alguém autista, melhor em que sentido?
Cada vez mais chama essas pessoas de atípicas mas nunca de inferiores ou superiores, de
maneira geral entende-se que estrutura neurótica seria uma estrutura com mais
funcionalidade.

O que caracteriza essas estruturas?

Estrutura neurótica - Passa pelo Édipo

Estrutura psicótica- Não chega ou não entra no Édipo,pois o Édipo exige algo que a
estrutura psicótica não tem.

Estrutura perversa- Entra mas não se adapta, não se enquadra ao Édipo.

Estrutura neurótica - Passa pelo Édipo e vai ter um Ego suficientemente integrado que
integra as experiências em torno de si, ao integrar essas experiências ele está formando o
seu próprio si mesmo.Também terá um Ego diferenciado que distingue ele do outro e
distingue ele dos seus próprios ideais (eu posso colar os meus ideais, eu posso não me
distinguir de meus ideais). O que é se distinguir dos meus ideais?

Exemplo: Eu posso dizer: Eu gostaria de ser melhor do que eu sou. Porém, o que eu sou
é isso aqui, é esse o meu possível e eu valorizo esse possível que sou, eu estou descolando-
me do ideal. Quando estou colado no ideal, eu digo: Eu gostaria de ser melhor do que eu
sou . Mas o que você é? Tenho uma sensação que sou uma péssima pessoa em relação
ao que eu gostaria de ser. Mas você não consegue valorizar nada disso? Não, é como se
eu tivesse colado no ideal.
O ideal ele não só funciona como horizonte, ele funciona como uma espécie de critério
de avaliação para o que eu sou, um critério totalitário , eu não digo que isso eu gostaria
de ser, eu digo que eu deveria ser, não sendo eu me sinto o pior dos piores, eu colo com
o ideal. E o que é colar com o outro? Você pode fazer o outro ocupar o lugar do seu ideal,
quando se fanatiza alguém, é colocado esse alguém no lugar de seu ideal ele(a) vira o seu
ideal.

Exemplo: Quando alguém se deixa guiar por um mestre, você coloca o Ego do mestre no
lugar do seu Ego.

Exemplo: Numa relação apaixonada, acabou o namoro, ai a pessoa diz: fulano não me
quer mais, ninguém vai querer mais. Fulano não lhe querer significa apenas que ele não
quer, não significa que qualquer outra pessoa também não lhe quer. A pessoa que está tão
colada com ele(a) que ocupou a posição de ideal é ele(a) quem diz o que deve ou não ser,
quem é você, a gente coloca o outro no lugar de ideal numa relação de apaixonamento.

Diferenciar-se do outro é uma tarefa difícil, diferenciar-se do outro não é apenas saber
que o outro é outro é suportar que o outro seja outro. O que a gente faz quando a diferença
é muito grande? apela pra dizer que a pessoa é louca, a pessoa é uma doente,é um monstro,
porque você não suporta tanta diferença. Tendemos a desqualificar essa pessoa, pois
temos muita dificuldade de nos diferenciar do outro.

Exemplo: Você tem uma amiga, você chama amiga para ir em algum lugar, a amiga não
quer ir, você tem dificuldade de aceitar que aquela pessoa não queira fazer o que você
quer fazer, quanto mais próxima for mais dificuldade de aceitar a diferença do outro.

A tendência do psiquismo é colar, a gente faz um esforço para deslocar, e a tendência do


psiquismo é colar as partes internas, a gente faz um esforço para descolar.

Exemplo: Um cliente meu agora ele está querendo emagrecer a todo custo, de forma
saudável, e uma das coisas importantíssimas ele diz nas palavras dele e eu traduziria como
sendo diferenciado.

Ele diz: Carlos, o problema é que quando eu volto pra casa uma vozinha diz assim,bem
que tu estava merecendo comer essa massa né?

Ele faz: É, mas se eu comer em casa seria 400 calorias, a massa vai ser 750.

A vozinha diz: É 750/350 divide pela semana toda vai da quase nada.

Ai o que é que acontece? essa vozinha é o desejo é a voz do Ego identificado ao Id, eu
posso chegar e dizer assim: Olha a conversa que estou tentando me convencer, olha essa
conversa que eu fico colocando pra mim, eu estou me diferenciando.

Ele diz: É uma conversa tão convincente que chega no final eu estou dizendo assim é
realmente, de fato…
Ou seja, eu não me diferencio, eu colo com meu desejo nessa hora.Assim como eu posso
colar o meu superego.

Exemplo: Eu fiz uma coisa errada, aí eu colo com o superego e acho que eu sou o errado
e não alguém que fez uma coisa errada. Ou seja, eu colo com o Superego e demoro a
entender que eu fiz uma coisa errada, mas eu não sou por isso o errado.

O Ego se descolar do Ide e do Superego, se diferenciar e o Ego se diferenciar como


organismo do outro não é uma tarefa simples nem uma tarefa fácil. O que a gente diz da
estrutura neurótica é que há um grau razoável de diferenciação, há um grau razoável de
integração. Havendo um grau razoável de integração há a possibilidade do conflito ( cita
que tinha visto com jung). Quando eu integro eu tenho um bônus da percepção articulada
de si e do mundo, eu tenho o bônus mas também o ônus do conflito, eu tenho defesas
ativas no psiquismo, mas defesas que garante, preserva o sentido de realidade.

Exemplo: Eu me defendo da constatação de que meu pai prefere meu irmão mais velho,
eu me defendo e digo que é como se eu achasse que meu irmão mais velho é melhor do
que eu, é por isso que meu pai gosta mais dele do que de mim,ou porque ele foi o primeiro
filho ele tem uma vinculação maior, mas não é porque ele não gosta tanto de mim.Eu fico
me defendendo tentando negar a realidade, mas se alguém perguntar, eu vou dizer: Não,
eu noto que tem uma diferença, mas eu fico achando que é isso aí. Ou seja, eu consigo
conversar com você nas mesmas referências, eu posso mudar a interpretação.

Na neurose consegue ter referências iguais com interpretações diferentes, e finalmente


para a estrutura ser neurótica, ela tem que aceitar passar pelo Édipo e aceitar a castração,
agora aceitação da castração pode ser maior ou menor, aceitar a castração é ter capacidade
de dizer não a uma parte de seu desejo. É ter a capacidade de dizer não a sua onipotência,
no tocante a castração essa capacidade maior ou menor é o que vai tornar uma estrutura
mais neurótica ou menos neurótica.

Quanto menor a capacidade de aceitar a castração, mais neurótico o sujeito é. Ou seja, a


capacidade que o sujeito passa pelo Édipo, passando pelo Édipo se depara com a
castração.

Quanto maior a minha capacidade de aceitar a castração menor a minha neurose. Quando
menor a minha capacidade de aceitar a castração maior a minha neurose, é inversamente
proporcional.

Quando a gente diz que esse sujeito tem uma estrutura neurótica, eu estou querendo dizer:
Que é um Ego integrado, diferenciado que atua com defesas, que vive conflitos, que
possui recalques, voltas do recalcado, produção de sintomas, sonho, atos falhos,chiste,
governo consciente, sublimação, realização direta. Lembra aquelas várias saídas
possíveis? com a manutenção no sentido de realidade e com aceitação maior ou menor da
castração.

A percepção tradicional disso aqui,entende que qualquer efeito disso, se tem defesa se
tem conflito, tem angústia também. Ou seja, a percepção tradicional entende que esse
modo de funcionamento padrão, essa estrutura,esse roteiro aqui,ou esse conjunto de
relações internas e externas condiciona, conduzem o sujeito a produzir funcionamentos
neuróticos. O funcionamento no entendimento tradicional, marcado pela existência do
conflito, pelos recalques, pela angústia, pela produção sintomática.
Na nossa forma aqui da sala da gente avaliar coisas a gente vai dizer o seguinte: A
estrutura tem tudo isso aqui, tendo tudo isso aqui, a gente vai tirar o nome dela de
neurótica, já que essa estrutura aqui pode surgir o efeito governo consciente,sublimação
e realização direta, sendo assim o nome disso seria saúde em Freud.

Na fórmula tradicional o nome dessa estrutura seria neurótico, tradicionalmente se tendo


isso aqui, você vai derivar dessas estruturas funcionamentos neuróticos.

Na forma da gente pensar vamos cortar, o nome NEURÓTICO, porque queremos que a
estrutura seja definida pelo que ela é, ela é definida por aqui:

SUJEITO PASSA PELO ÉDIPO, ACEITA MAIS OU MENOS A CASTRAÇÃO, TEM


UM EGO INTEGRADO, DIFERENCIADO, ENTRA EM CONFLITO, VIVÊNCIA
ANGÚSTIA, SE DEFENDE, MANTÉM O SENTIDO DA REALIDADE E PRODUZ
EM RELAÇÃO AO CONFLITO AQUELAS 07 SAÍDAS.

Quando as saídas forem predominantemente de governo consciente de sublimação e de


realização direta, o nome desse funcionamento será SAUDÁVEL.

Quando for um efeito SINTOMÁTICO, o resultado do trabalho dessa estrutura, for,


produção de sintoma, FÓBICO, OBSESSIVO E HISTÉRICO, chamamos de NEUROSE.

Se a estrutura produz efeitos NEURÓTICOS, e produz efeitos saudáveis, não faz sentido
chamar de NEUROSE.

SE EXISTE SAÚDE E NEUROSE – NÃO TEM MOTIVO DE CHAMAR DE


NEURÓTICO

Governo consciente // sublimação // realização direta = SÃO MODOS SAUDÁVEIS de


lidar com o conflito.

Quando lidar com o conflito, eu só consigo responder, as demandas do conflito,


produzindo sintoma: seja ele: histérico – fóbico ou obsessivo, eu vou chamar essa
resposta, esse tipo de funcionamento, esse efeito de NEUROSE.

Sendo assim, a plataforma de onde se deriva a saúde e a neurose, não cabe ser chamada
nem de estrutura saudável e nem de estrutura neurótica, vamos chamar de ESTRUTURA
INTEGRADA DIFERENCIADA CONFLITUAL – nessa estrutura tem saída
SAUDÁVEL e tem saída NEURÓTICA.

Em algumas situações, é possível o EGO neurotizar e esse mesmo EGO depois se


recuperar, nas mesmas situações, depois neurotizar, depois voltar a ter saúde, e assim
viver ciclos, usando a mesma ESTRUTURA. Como podemos ter resultados tanto positivo
quanto negativos, é um contrassenso nomear de resultado PSICOPATOLÓGICO.

Construção dos Sintomas:

EFEITO SINTOMÁTICO = SINTOMÁTICO NO SENTIDO HISTÉRICO, FÓBICO


OU OBSESSIVO

CONSTRUÇÃO DO SINTOMA - HISTÉRICO: CONVERSÃO SINTOMÁTICA -


USA O CORPO PARA CONVERTER O SINTOMA, TRANSFIRO PARA O CORPO,
AQUELE CONFLITO, OU TAMBÉM PODE SER PELA NEGAÇÃO DO DESEJO.
Ele é a vítima.

CONSTRUÇÃO DO SINTOMA – OBSESSIVA: PRINCIPALMENTE PELA VIA DO


CONTROLE E DA RACIONALIZAÇÃO. EXEMPLO – RITUAIS CONTAR PASSOS
ATÉ EM CASA, manter limpo, alinhar coisas, discurso racionalizado como maneira de
controlar as coisas. Geralmente se coloca no lugar do culpado, o obsessivo é o que sofre
sempre se colocando como o errado da história.

CONSTRUÇÃO DO SINTOMA – FÓBICO: A PROJEÇÃO DO ELEMENTO


ANGUSTIANTE NO MUNDO, EX – PROJETO EM AMBIENTES FECHADOS,
PROEJTO UM ANIMAL, EU PROJETO FORA DE MIM, EM ALGUM LUGAR
FÍSICO OU UMA PESSOA, A FONTE DA ANGÚSTIA

RESUMO – NESSAS TRÊS FORMAS DE ESTRUTURAÇÃO SINTOMÁTICA – EU


ENCONTRO O FUNCIONAMENTO NEURÓTICO.

CASO CLÍNICO: Mulher que era passista de escola de samba e o marido se converte na
igreja e diz a ela que não vai mais participar.

1) Caso ela permaneça cobrando dele por meses um retorno – ela estaria tentando controlar
o outro, ela teria neurotizado pela via obsessiva.

2) Ela também poderia adoecer pela via Histérica, poderia desmaiar, ter dores, ficar de
cama, se vitimizar, coitada de mim.

3) Ou poderia ter uma Fobia, fora de casa, poderia desenvolver uma Fobia de espaços
fechados, nesse caso usaria a casa dela como, a casa vai abrigar a angústia.

Ou ela pode decidir aceitar e viver o LUTO, que é um sentimento saudável, aí não seria
NEUROSE ou não podemos chamar de NEURÓTICA, ela usou uma forma criativa,
resiliente, corajosa, resignada. Mantém o sentido de realidade.

Funcionamento pode se estabelecer como (PARA SER PATOLÓGICO):

Neurótico ou Saudável - Depende de frequência (dei um chilique, mas não muitos),


intensidade, depende também de atingir zonas nobres (fiquei mal, mas não deixei de
dormir).

A Fobia, a Obsessão e a Histeria, podem se confundir, mas elas terão uma predominância.

INDICAÇÕES QUE O PROFESSOR FAZ DURANTE A AULA

Obra de Jean Bergeret: Personalidade normal e patológica

Livro de George Canguilhem: O normal e o patológico

indicação que o professor faz para quem quiser futuramente fazer residência após o curso
de psicologia três matérias que precisa estudar: psicopatologia, psiquiatria e SUS. No
Recife tem 3 residências: Imip, Tamarineira… algumas são focadas em saúde mental,
outras em saúde coletiva, saúde da família. Na graduação se envolver com pesquisa,
monitoria, publicar artigo, pois conta ponto.
outra indicação que o professor faz é o estágio no tribunal e depois fazer concurso para
trabalhar no TJ estudar: Psicologia jurídica.

Aula 16 - 29/10/2022
Psicose e Perversão

A aula foi iniciada com o professor perguntando se alguém tinha dúvidas a


respeito de ESTRUTURA INTEGRADA CONFLITUAL E QUE DELA SE DERIVA
SAÚDE E NEUROSE.

Pergunta: “A gente pode verificar o efeito de saúde e neurose. Mas, quando você está
dentro de uma estrutura, seja uma estrutura neurótica ou seja as outras, você
necessariamente fica passando, ou eu posso sempre ser saudável, ou não? Em
momentos você é saudável e em momentos serei doente?”

Resposta: A gente pode raciocinar como no corpo. Por exemplo, é muito difícil que você
passe uma vida toda sem hora está gripada, ora está com outros problemas de saúde,
essa é a ideia. É como se o psiquismo fosse um tipo de sistema que pudesse dar "bug",
da mesma forma que o corpo dar. Então, o normal é que você transite, ora você
neurotiza, ora vc volta a condição de normalidade, mantém ali. Tem sempre uma coisa
um pouco híbrida, mas esse híbrido não cabe ser chamado de neurótico, tem que saber
o que prepondera.

Pergunta: “É possível uma estrutura neurótica desenvolver um quadro psicótico ou


um quadro perverso?"

Resposta: O que a gente diz normalmente é o seguinte, toda estrutura é como se ela
tivesse, vamos dizer assim (...). Vamos imaginar o vôlei! O vôlei é um esporte em que
você usava as mãos, para levantar, para dar manchete, para cortar . Mas, de um tempo
pra cá começou a ver a possibilidade de você chutar a bola, no vôlei. Hoje em dia, se a
bola está caindo você pode dar um chute na bola e tá valendo. É como se a gente, então,
na metáfora, a gente pudesse ter alguns núcleos futebolísticos dentro do vôlei. Isso faz o
vôlei virar futebol? Não! Entendeu? Então da mesma maneira, você pode ter uma
estrutura psicótica, uma estrutura integrada conflitual, que no pior dos casos vai para
neurose, neurose grave e na neurose grave você tá naquela fronteira com possibilidade
de um surto psicótico. Mas, o surto psicótico em uma neurose grave ele recua muito
rapidamente e recua sem deixar quase nenhum dano. Essa é a diferença que a gente diz
entre um surto psicótico em uma estrutura mal integrada fragmentável, de um surto
psicótico em uma estrutura integrada conflitual. É como se a resiliência agisse em algo
que foi esgarçado um pouco, voltasse para aquilo ali, voltasse para aquela condição
inicial.
Há autores, como por exemplo, BION na contemporaneidade, que diz: “mesmo o
sujeito com uma estrutura integrada, ele contém núcleos psicóticos”. Que é o que a gente
estava colocando ontem com a questão do sonho. O sonho é um momento do seu
psiquismo em que você alucina, você vê coisas, vê coisas que podem lhe fazer mal. Como
uma cliente minha estava dizendo eu acordo com o coração acelerado, porque eu estou
sonhando com perseguições e etc. Aquilo ali é uma estrutura de um delírio, de uma
alucinação. Entende? E perverso, como eu falei no finalzinho da aula ontem. Todos nós
podemos perfeitamente ter alguns rompantes transgressivos. A gente pode fazer
pequenas transgressões no dia-a-dia. No Brasil, tem a história do jeitinho brasileiro,
aquelas pequenas transgressões que a gente faz, não é nada demais não passar no sinal
vermelho, não tá vindo ninguém; burlar o imposto de renda, “a também o governo um
bando de ladrão, não vou dar o meu dinheiro”. Aí fica aquela conversa mole e você
transgredindo, transgredindo e transgredindo. Ahh! Deus vai entender. Tô fazendo isso
aqui, mas Deus sabe. Isso é o que chamamos de núcleos perversos, dentro de um
estrutura integrada conflitual.

Pergunta: Só perversos ou psicóticos também?

Resposta: Também. Os núcleos psicóticos é a questão dos sonhos. Mas, isso não significa
que eu vou ter um funcionamento perverso predominante.

Pergunta: A estrutura fala mais do funcionamento predominante, mas dentro de uma


estrutura, tradicionalmente chamado neurótica, a gente vai ter esses núcleos tanto
psicótico como perverso e isso é considerado um funcionamento "Saudável" (não
consegui entender o que ele fala)?

Resposta: Isso. Vamos usar essas metáforas esportivas que é legal. Quando você
desenvolve o futevôlei, ele parece mais com o vôlei ou com o futebol? Parece mais com
vôlei. Continua parecido mais com o vôlei. É na quadra de vôlei, a jogada tem que ser 3
toques e passa, entendeu? Mesmo que você esteja usando ali os pés, para fazer tudo. É
como se o futevôlei fosse o surto psicótico em uma estrutura neurótica. O surto
futebolístico em uma estrutura de voleibol. É o máximo que vai. Não vira jogo de futebol,
vira um futevôlei. Assim como, o surto psicótico e a estrutura integrada não viram
psicose, propriamente dita. Vira apenas uma coisa híbrida, que recua com mais
facilidade e passageira.

Pergunta: Então, o núcleo perverso está na questão das pequenas transgressões?

Resposta: Isso. E eu posso ter grandes transgressões também. Por exemplo: dizer para
vocês, essa coisa do interior de matar e vingança e tal. Eu convivi com uma rapaziada
em Floresta, não tinha nenhum perverso. Mas, colocavam o terror lá. Porém, para
colocar em prática o que fizeram, têm que se desenvolver os núcleos perversos. (conta
casos particulares da briga das famílias Ferraz e Novaes). A noção de núcleo perverso,
é como se você tivesse um determinado terreno da sua vida, que em determinadas
condições lhe tornasse capaz de proceder essas transgressões sem tremer nas bases, sem
ficar culpado, sem dilacerar (...).

Pergunta: Nesses casos o superego cai em cima do ego?

Resposta: É como se eu numa zona da minha vida eu conseguisse desativar o superego


ou justificar o que eu faço. Eu faço uma atrocidade. Mas, é para matar alguém que é
terrível, monstruoso, que fez isso e aquilo com os meus. É semelhante ao que acontece
hoje em dia. Você ouvir, principalmente, da parte dos bolsonaristas, a ideia de matar
alguém do PT. Atirar no cara aniversariante, ele nem conhecia o sujeito. Mas,
provavelmente, não deve sentir culpa. Porque acha que matou um verme, um
transgressor, um canalha. (comentários políticos).
Inicio do assunto

A estrutura 2 (dois) seria o que tradicionalmente se chama de ESTRUTURA


PSICÓTICA. Ela possui como característica:

 Mal integrada
 EGO - Não entra na relação triangular
 Uso de defesas primitivas
 Distorção do sentido de realidade
 Fragmentável
 Menos diferenciada (internamente e/ou relação com o outro) - existe um
fenômeno na psicose, chamado de erotomania. A erotomania se dá da seguinte
forma, uma pessoa aponta para a outra e diz:
- “você está apaixonado por mim e eu por você, confesse!”
- “Oush que isso? Não tem nada haver.”
O erotômano é capaz de ficar em cima de vc. É capaz de lhe sequestrar,
para poder vc aceitar, finalmente, que vc é apaixonada pelo erotômano. Eu estou
fazendo o que com o outro? Eu estou colocando o outro dentro do meu roteiro. Eu
não tô nem aí para a individualidade do outro. Eu tô colocando ele dentro, por eu
estar apaixonado por vc, vc então deveria estar apaixonado por mim. Ao invés do
DEVERIA, a pessoa considera que o outro ESTÁ. Vejam a perda do sentido de
realidade. O que acontece aqui? Acontece que não há a diferenciação do que eu
sinto e do que a outra pessoa sente. Eu não estou conseguindo diferenciar. Eu
estou engolfando você no meu roteiro. A outra pessoa poderia dizer assim:

- “Você está querendo fazer de mim o que você gostaria que eu fosse. Mas,
eu não sou assim, eu não sou apaixonada por você.”
- “Você está dizendo isso ai, porque vc não se conhece bem. quando você
se conhece melhor vc verá que estás apaixonada por mim.”

Pergunta: então o sujeito tem uma estrutura psicótica (palavras não entendidas)

Resposta: Menos do que isso. Ele não chega no Édipo. Porque para começar o
jogo edipiano eu tenho que aceitar a ideia de triangularidade. Eu tenho que
suportar que EU + MÃE, com quem eu me confundo e um terceiro com quem eu
não me confundo e que quer rivalizar com a minha mãe. Se eu me confundo com
todo mundo eu não desenvolvo relação triangular, eu desenvolvo uma relação
dual. A relação triangular ela pressupõe o seguinte: Eu (sujeito desejante), meu
objeto de desejo e meu rival. Para que você seja meu rival, você tem que ser
diferente de mim.
O psicótico não tem a capacidade de diferenciação suficiente para poder
transformar alguém em seu rival. Como eu me confundo, eu leio vc aos meus
olhos. Eu não leio vc por vc. Quando eu neurotizo, por exemplo, em uma relação
amorosa. Eu digo:
- “poxa eu sei que ela não gosta de mim. Eu sei! Ela já me disse várias
vezes. Mas, eu fico na fantasia que ela está dizendo isso, porque não quer admitir.”
Aí nesse caso é neurose. Eu fico com aquela fantasia, eu sei que isso pode
ser uma loucura, a própria pessoa dentro da neurose, quando está dentro de uma
relação amorosa psicopatológica, a pessoa diz:

- “eu sei que a essa pessoa já me disse que não me quer. Mas, sei lá, às
vezes eu acho que ela está dizendo isso, porque não quer admitir. Eu sei que é
uma loucura da minha cabeça. Mas, às vezes eu sinto isso.

Esse é um discurso neurótico.


Já o discurso psicótico é diferente. O psicótico tem certeza absoluta.
Psicose e fanatismo é um coladinho com o outro. A dúvida passa longe, as
certezas são absolutas.
Ex: - “eu tenho a certeza que ela me quer.
- E como você sabe que ela te quer?
- Ahh! Pq essa folha balançou e isso é uma sinal.”

Interessante, que esse pensamento psicótico também apresentamos na


estrutura integrada 1 (um).
Ex: “Ahhh1 Eu quero abrir uma empresa. Mas, já fui duas vezes lá no
cartório para abrir e não consigo. Isso é uma sinal que não é para fazer.”

Outro dado importante, o surto psicótico não é uma raio, é como uma
crise epiléptica, ela tem a aura da crise. Ou seja, são vários elementos que vão
se somando e vai lhe levando para a crise propriamente dita. E quando a crise é
uma primeira ou uma segunda crise, é natural que a pessoa estranhe o elemento
sintomático que ela está apresentando.

- “Eu estou assustado, achando esquisito, porque eu estou vendo coisas,


eu olho para o lado eu vejo uma aranha, eu olho para o outro eu vejo um escorpião
enorme e ninguem vê. Estou ficando assustado com isso.

Percebam que ainda existe um senso crítico, a pessoa ainda consegue


dizer: “não era para eu ver, mas eu vejo.” Tem uma distância em relação a
alucinação que ela está vendo. Não era para ver, mas eu estou vendo. Com um
tempo a pessoa vai dizer assim: "está aqui a aranha, como é que vocês não
enxergam? Vocês estão loucos. Ela está aí!" Nesse momento “colou”. Já não há
mais diferenciação.
Na primeira condição, chamamos o sintoma de egodistônico (quando eu
estranho, qdo eu sinto aquilo como uma coisa esquisita, inexplicável, irracional
dentro de mim.). Na segunda condição, chamamos o sintoma de egossintônico
(incorporou, justificou, assimilou como meu - (sintonia)).
Qual é a nossa tendência? A nossa tendência é incorporar o sintoma, para
dá uma nova unidade ao psiquismo. É o trabalho da ostra. Pega aquele pequeno
grão de areia e para que esse grão não o incomode, é transformado em pérola.
Transformando em pérola aquilo ali fica menos atritante. Um mecanismo de
defesa das ostras que gera joias. Em outras palavras, é como se a gente tivesse
um comportamento semelhante, aquela voz que inicialmente está incomodando,
com o tempo eu vou incorporar e transformando ela em um pedaço de mim.
Exemplo: Surtei!! Olho para meu marido e tem um demônio ali! O demônio do
marido, é uma concepção dela sobre o marido. Ela transformou em um fato
externo. É diferente de dizer eu vejo o meu marido hoje como uma pessoa
péssima, eu vejo como um demônio. Isso é uma opinião. Outra coisa é dizer que:
Olhei para o meu marido e ao olhar nos olhos dele eu vejo que ele virou um
demônio. É fato! Ela acredita que ele é um demônio. Aí é quando podemos dizer
que ela surtou. Sendo um sintoma do tipo Egodistônico.
Vamos dizer que a gente não cuidasse dela, que ela permanecesse dentro
de casa , vivendo aquilo ali e tudo mais. Daqui a pouco ela diria: eu faço parte
do planeta X que é composto por demônios e meu marido inclusive é um (...). O
que ocorre com isso? Ela passa a integrar isso a um sintoma egossintônico. Ela
não estranha mais, agora passa a fazer parte da fauna daquele novo sistema em
que ela se encontra. Quando isso ocorre, dizemos que o delírio ficou mais
sistemático, mais orgânico, mais incorporado, nesse caso consideramos com uma
forma de agravamento.
Digamos que socorremos a esposa para um hospital e começamos a
cuidar dela. O que a gente espera que aconteça? A gente espera que aconteça o
seguinte. Que ela transforme o marido demônio, em uma avaliação do marido
como um ser muito negativo. - Dr. é como se ele fosse um demônio pra mim.
Virou uma opinião dela sobre o marido. Ai eu digo que ela integrou no sentido
do ego integrado da estrutura 1. E não no sentido do egossintônico.
No primeiro e segundo caso eu tenho o marido como sintoma. Sintoma
que eu estranho, egodistônico. Sintoma que eu integro, numa ideia geral de
sistema, é sintoma egossintônico. Começa a tratá-la, e ela aos poucos vai me
dizendo: meu marido, não é que ele seja um demônio. Eu penso que ele é uma
pessoa muito negativa comigo. É quase como se ele fosse. COMO SE! O discurso
passa a ser agora como se ele fosse. O discurso vira uma metáfora. Ninguém diz
que pomba branca é a própria paz. A gente diz que ela simboliza a paz.
Quando a esposa passa a dizer agora depois de um tratamento, depois de
um cuidado medicamentoso, terapêutico. NÃO! Não é que meu marido é o
demônio. Eu apenas olho para ele e sinto uma raiva tão grande. Acho que ele me
prejudicou tanto que é como se ele fosse para mim um demônio. A gente vai dizer,
o que aconteceu agora, foi que aquela estrutura mal-integrada que tinha se
fragmentado, voltou a se integrar. Nesse caso houve o avanço terapêutico. Do
egodistônico para o egossintônico há a progressão da doença. De um desses dois
para a integração a si, enquanto ponto de vista meu, há progressão da saúde. Ao
longo do tratamento, chega uma hora, que a esposa abandona, essa
fantasmagoria e passa a falar dessas coisas do ponto de vista dela. É quando a
gente diz que ela saiu do surto psicótico e ela neurotizou. Neurotizou dentro de
uma plataforma 2. Pq ela voltou a integrar.
Pq dizemos que essa integração de uma plataforma 2? Pq achamos que
essa integração é mal-integrada. Ela está colada, mas é uma porcelana chinesa.
Qualquer pancada vai quebrar. MAsss, tá lá. Uma porcelana chinesa pode durar
1000 anos sem quebrar. Se você cuidar bem daquilo ali, você pode ficar bem a
vida toda. Agora entre uma porcelana chinesa e aqueles pratos duralex, quem é
mais integrado? O duralex (mais resistente). O prato seria a estrutura 1 e a
cerâmica chinesa seria a estrutura 2. A porcelana chinesa é como o vidro do
carro automotivo. Se vc olhar para um vidro do carro, vai dizer: oush lisinho,
todo homogêneo, todo igualzinho. Mas, tá não. Dê uma pancada para vc ver! Ele
se quebra naqueles pedacinhos.
Quando ela integra novamente, a gente diz neurotizou em uma modo de
dizer. Mas, aquela integração que permite em dizer “Meu marido não é o
demônio. Eu é que tenho tanta raiva dele, pelo mal que ele fez pra mim, que eu
concebo ele como se fosse um demônio. Eu digo “neurotizou” porque houve a
integração. Mas, a integração de que natureza? integração típica da estrutura 1
ou típica da estrutura 2? Do tipo 2. Tipo porcelana chinesa, ou o vidro do carro.
Integra mais é frágil. Se ninguém mexer ali, fica coladinho pelo resto da vida.
Mas, se tiver alguma solicitação ambiental, aquilo ali trinca novamente. Vale
salientar que o termo “neurotizou” numa plataforma do tipo 2 é um modo de
falar, porque ele integra. Porém, o termo mais correto tecnicamente é compensar.
No caso do exemplo, a esposa compensou dentro da estrutura integrada.

Outro exemplo:
Caso 1
O sujeito vira para você e diz:
- vou votar em Bolsonaro, porque a minha consciencia diz que é para votar nele.

Caso 2
- Vou votar em Bolsonaro.
- Porque?
- Pq a voz me manda votar nele.
- Que voz é essa?
- Meia-noite, não posso dar muitos detalhes, quando eu estou em casa, e uma voz
me diz “VOTE EM BOLSONARO”.

No caso 2, como ele não estranha, como ele apresenta uma ideia
sistematizada, uma ideia que já faz parte dele. É um sintoma psicótico
egossintônico. Nesse caso a voz soa familiar para ele.

egodistônico - voz estranha


egossintônico - voz familiar
“neurotizou” - minha forma de pensar.

A estrutura 2, embora seja mais vulnerável do que a primeira. Ela é uma


estrutura fragmentável. Ou seja, ao invés de desenvolver o conflito como na
estrutura 1 ela fragmenta. Pq para ter conflito tem que haver a “amarração”, a
integração. Aquela idéia junguiana de que o ego amarra em torno de si, de integrar
em torno de si, desejos e etc, para que quando entrar em choque uma com a outra,
eu sinta como um problema que recai em mim. Tá amarrado os dois a mim, então
eu fico com aquela sensação que aquilo é um conflito meu. Então, preciso estar
integrado, para que quando aqueles elementos entrarem em disputa, produza o
efeito de conflito, de eu me sentir entre a cruz e a espada, dividido, numa
encruzilhada, sendo obrigado a escolher.
No caso, de uma psicose, ao invés do conflito eu tenho exatamente a
fragmentação. Ao invés de dizer eu gosto do meu marido, mas ao mesmo tempo
odeio o fato dele ter sido convertido e querer acabar com a nossa vida no samba.
Ao invés de ser uma dúvida, uma relação de conflito entre amar e odiar a pessoa.
Ela fragmenta e coloca ele no lugar demônio. Não sou eu com os meus
sentimentos, é ele que é um demônio. Quando ela vai melhorando, ele volta a
fazer parte do jogo sentimental, voltando a virar conflito.
Pergunta: Quando você não integra uma parte, é pq vc suporta esse sentimento?

Resposta: Aí você pode ter dificuldade de integrar porque ao integrar você vai
ter essa coisa meio decepcionante, você terá ódio de si, ódio de quem vc ama.
Não são sentimentos fáceis de manejar.

Voltando ao caso da esposa, quando ela consegue voltar a vida dela,


resolve sua situação com o marido e volta às suas atividades normais, a gente diz
que a saída que ela encontrou dentro dessa estrutura, é uma saída "saudável"
(não consegui escutar direito). Quando as coisas não são bem manejadas e
produzem surto egodistônico ou egossintônico, a gente diz que ela psicotizou.
Que pode ser pela via paranoica, catatônica ou esquizofrênica. Dessa estrutura
eu posso derivar efeito de saúde e efeito de doença. Mesmo que esse efeito de
saúde não seja na mesma força que na estrutura 1. Na estrutura 2 é uma saúde
mais frágil.

Estrutura 3 - Perversão

Característica da estrutura 1 mais a Ineficácia do sistema normativo - superego.


Ou seja, o sujeito que a gente chama de tradicionalmente sujeito perverso. Ele
tem um modo de funcionamento em que ele distingue claramente o EU do OUTRO. Ele
diferencia o desejo DELE do OUTRO.

Ex: O maníaco do parque estava lá doido para estuprar e degolar as meninas no parque.
Mas, ele sabe que a garota não está a fim de ser degolada e nem de ser estuprada. Ou
seja, ele diferencia o desejo dele do desejo dela. Mas, aí ele vai à caça de achar desejos
em comum para poder praticar o seu crime. Para que sujeitos possam fazer isso, eles têm
que ter o sentido de realidade preservado, ele tem que ter diferenciação e o outro
preservado, ele tem que ter controle de impulso. Perceba que essa estrutura psicológica,
ele tem que ser capaz de se colocar no lugar do outro, para entender em que momento
ele pode agir. Porém, ELE NÃO PODE TER LIGAÇÃO EMOCIONAL com essa pessoa.
E a ligação emocional com o outro é o que vai constituir as bases do SUPEREGO. É o
meu vínculo afetivo com a minha mãe que vai me permitir aceitar a norma dela que me
frustra, como sendo uma parte minha. Isso é bíblico. O amor que Eu tenho pelo meu
sujeito significativo na infância é o que coloca plataforma para o surgimento do sujeito
moral. Winnicott explica isso muito bem. O perverso não possui a capacidade de
construção de vínculo amoroso. Principalmente um vínculo amoroso em que eu sei que
sou eu e o outro sabe que é o outro.
Quando você toma o outro sendo como seu, isso não constitui um vínculo. Ou
seja, a perversão é a ineficácia do sistema normativo. Alguns dizem “ineficácia” porque
falta o superego, falta o vínculo amoroso, pois sem esse vínculo eu não constituo o
cuidado pelo outro, não constituindo o cuidado pelo outro eu não aceito a norma. Pq a
norma é como se fosse a minha declaração amorosa. “Eu te amo, quero o seu bem. Noto
que fiz uma coisa errada com você. Lhe pergunto como posso reparar o meu erro?” E aí
o que o sujeito significativo coloca como norma,o outro vai seguir para provar que eu
estou tendo cuidado com ele. Ou seja, seguir normas nesse sentido é um ato amoroso.
Claro que tem o elemento do MEDO tbm. A norma é formada por AMOR e MEDO. Mas,
na base é amor. Se só tiver MEDO a norma não prega. Ou seja, o sujeito vai agir de
acordo com as normas na sua frente. Mas, por trás eu vou aprontar. Quando tem amor
envolvido o sujeito vai agir com as normas independente se o outro está olhando ou não.
Então, olhando por esse viés, o que faltaria na estrutura 3 seria exatamente o
jogo emocional, que funciona como plataforma para a construção da norma. Mas, há
autores que pensam que o problema do PERVERSO não é a ausência do SUPEREGO, e
sim a presença de SUPEREGO TIRÂNICO. O superego tirânico é aquele que diz para
você: “até calado tu estás errado”. Como eu estou errado fazendo A ou fazendo B, o
sujeito chuta o pau da barraca. Ou seja, o ser ao me acusar, me transforma em alguém
que merece a acusação.

Ex: Vc namora uma pessoa ai pede para ela um buquê de rosas, alegando que seu
namorado nunca deu e que ela acha legal. Em todos os momentos festivos ela repete a
mesma coisa. O namorado fica tão chateado por ela não valorizar as outras coisas que
ele faz para ela, que não dá. Quando o relacionamento acaba o ex-namorado entra em
outro relacionamento e dá um buquê para sua nova namorada. Se ele tivesse dado o
buquê, isso acaba atestando para ela que ele não é romântico, que não presta, que não
é a pessoa que tem amor ou carinho pela namorada. Ou seja, esse ar tirânico faz você
enxergar ele como uma pessoa que só faz as coisas para lhe contrariar. Em outras
palavras, o superego tirânico, produz atos transgressivos.

Na estrutura a diferença de uma pessoa perversa e para a estrutura 1, é


justamente a ação ineficaz do superego. Mas, mesmo nessa estrutura eu tenho elementos
que eu chamaria de saudáveis e funcionamentos que eu chamaria de perversos. Agora
uma pessoa com uma estrutura perversa, ela não será com todo mundo. Ninguém é 100%
perverso.

Aula dia 04.11.22 – COMPLEXO DE ÉDIPO

Indica livros: Gabriel Rolon – Histórias de Divã e Palavras Cruzadas

Complexo de Édipo é experiência que para Freud funciona como um divisor de águas.
Ela se localiza na fase fálica, quando a criança tem entre 3 e 5 anos ou 3 e 7 anos. Antes
tem a fase anal e oral. A fase fálica se caracteriza por dissociar-se de uma zona erógena
(como na fase anal e oral). Nela, a zona erógena são os genitais, mas por que é chamada
de fase fálica? Exatamente porque envolve uma disputa de poderes. E a gente vai ver o
que essa disputa de poder é capaz de produzir, de lapidar no psiquismo humano, de modo
a justificar a importância que Freud dotou ao Complexo de Édipo (CE).

Para Freud, é um momento de desenvolvimento significativo. Há o Édipo tradicional


masculino e feminino, como ficou sistematizado na obra de Freud. E vamos falar do
contemporâneo para atualizar o papel da mulher na sociedade, já que no tradicional ela
ocupa um lugar desfavorável. O estado social da mulher, a ocupação de espaço da mulher
na vida profissional, pública produziu uma mudança no imaginário da forma como a gente
vê homens e mulheres hoje, e isso se reflete na maneira como a gente pensa o Complexo
de Édipo.

O que caracteriza o Édipo? Enquanto na fase oral e na fase fálica, a relação é


basicamente mãe e bebê, uma relação binária, no Complexo de Édipo você vai ter uma
relação triangular.
O Édipo Masculino

O menino vivencia com a mãe e o pai (ou com quem cumpra a função materna e paterna
– ou seja, poderiam ser dois homens, duas mulheres, ou uma só pessoa) .

Como explicar essa situação na qual uma pessoa pode fazer o papel de mãe e pai?

Ora ela acolhe, faz a função materna de amamentação, cuidados, etc... e ora ela frustra,
normatiza... a gente confunde édipo com romance familiar. Mas é uma experiência
triangular e quem vai compor o triângulo vão ser papéis e não pessoas. O fundamental do
Édipo é essa vivência de triangulação. Quando aparece a figura do terceiro. O terceiro
aqui é quem funciona como figura de alteridade. Ou seja, quem aparece com repertório
de desejos que se contrapõem ao do menino, entram em conflito com os dele. A própria
mãe precisa ter uma relação recíproca com esse pai, ter abertura para o terceiro,
mostrando para a criança que ele não é o único objeto de desejo da terra.

O menino, espontaneamente, pensa Freud, por conta do desenvolvimento libidinal, se


torna capaz de investir o que a gente chama de pessoa ou objeto total. É você investir
numa pessoa. Na fase oral e anal, era dirigido a um pedaço do corpo
(boca/seios/anus/fezes). Na fase fálica, é a pessoa do outro o novo objeto. Essa coisa de
objetos totais e parciais até a vida adulta continua funcionando. Se estão namorando
alguém e eu pergunto o que provocou desejo, provavelmente vocês vão falar em
características pessoais e em pedaços (pessoa ótima, legal, inteligente, bem humorada…
(objeto total) e parcial são pedaços: tem uma boca, uma bunda bonita...).

(inaudível)... zona érogena clitoris e pênis...

Ela é fálica porque remete ao jogo de poder que vai ocorrer entre o menino e o objeto de
alteridade.

Não é porque sente atração física pela mãe?

O menino vai sentir uma paixão, atração amorosa pela mãe, que já é um objeto de
cuidado pra ele. Vai aparecer um apaixonamento. E vai desenvolver uma relação
odiosa com o pai, que vai aparecer como um adversário, opositor, concorrente das
atenções e gratificações maternas. Édipo se dá quando o menino desenvolve essa
relação de objeto com a mãe. A criança quer ter o outro. Relação possessiva. Exclusivista.
E percebe que, para garantir isso, vai ter que rivalizar com o pai, ou com irmão, ou
com trabalho da mãe, ou amigas, quem ocupar o lugar de pessoa ou coisa que divide
as atenções da mãe com ele. O menino desenvolve relação de identificação com o pai.
Ele quer ser o pai. Quer ter a mãe e ser o pai.

Essa paixão amorosa se daria pela satisfação de necessidades afetivas e fisiológicas?

Você vai ter todo esse conjunto de coisas, se a mãe funciona como suporte, ou seja
alimentação, banho, sono, etc... e vai ter também as demandas afetivas, de carinho, de
atenção, de brincar, lúdicas. É esse conjunto que torna a mãe um objeto de amor
apaixonado.

E se essas satisfações forem divididas entre pai e mãe? Um dá mais afeto e outro atende
mais as necessidades fisiológicas?
De todo modo, o menino vai dividir os seus amores. Vai ter amor pela mãe e pelo pai.
Mas algum dos dois vai exercer o papel de fascinação. É feito um cachorro que escolhe o
dono. Um dos dois vai ser o preferido, a escolha principal. Pode ser homem ou mulher. É
o exercício da função materna que torna o ser valioso amorosamente aos olhos da criança.

Todas as crianças vão passar pelo CE?

Na versão tradicional, passa pelo CE quem adquiriu a capacidade cognitiva/afetiva de se


relacionar com a alteridade. Aquela estrutura mal integrada, fragmentável (psicótica) não
entra no Édipo porque só é capaz de desenvolver relação simbiótica (não triangular), eu
me confundo com o outro. Para ter relação com alteridade, eu tenho que me diferenciar
(eu gosto disso e outro daquilo), perceber a diferença. Na estrutura 2 não há suficiente
diferenciação para permitir relação com figura de alteridade.

Na perversão, eu vou ter uma vivência triangular de competição. Mas ela não é só uma
vivência de competição (18:27 – ele frisou esse não, mas achei sem sentido). Para se
transformar em uma vivência edipiana, com todos os efeitos gerados, é preciso que
o menino ame e odeie a figura com quem compete. Aí sim você vai ter os efeitos de
produção superegóica. Sem isso, não posso rivalizar com esse pai, destruí-lo e manter
ainda uma relação binária. Eu considero esse pai numa vivência de relação triangular
quando eu não só o odeio, mas também o admiro, respeito. É isso que vai caracterizar a
relação edipiana.

O sujeito da estrutura 3, por ter uma falha na normatividade, vai ter também uma falha na
afetividade. Porque o vínculo afetivo é o que capacita para o vínculo normativo. Ele pode
ser apenas agressivo com o concorrente. Nem sequer odiar. Apenas agressivo. Porque
odiar ainda é valorizar o outro. Como não consegue desenvolver essa relação de amor
e ódio com a figura com a qual compete, não vai haver a formação futura de um
superego. Então, só passa pelo Édipo, no sentido propriamente dito, meninos e
meninas com aquela estrutura integrada, diferenciada.

Essa mãe, para que funcione uma relação triangular, ela não pode ter olhos apenas para a
criança. A criança tem que perceber que ela tem olhos para o terceiro. Então essa mãe vai
receber amor, mas também ódio. E esse terceiro que já é conhecido pela criança e,
portanto, amado, vai ocupar uma posição admirada, de alguém que tem acesso a mãe.
Então, o menino ama e odeia a mãe (predominando amor) e ama e odeia o pai
(predominando o ódio). Isso significa que o Édipo começou. É a abertura do Édipo: essa
experiência vivida na triangularidade. Num primeiro momento, a identificação com
o pai é Exclusiva (exclui o outro), ele quer que o pai saia de cena. Quer SER o pai.
Depois ele vai querer ser COMO o pai. Abrir mão de minha mãe, para ter outra mulher.

Essa vivência é como se fosse uma batalha, um drama. Tudo o que o menino quer é
manter o que tinha antes com a mãe. Uma relação em que se sentia o único objeto de
interesse materno. Quer garantir que o desejo dele seja Onipotente, exclusivista e
imediatista. Tudo só para si, aqui e agora. O que ele está visualizando é que a mãe não
parece mais exclusiva dele, pois tem olhos para o pai. É como se ao instaurar o Édipo, ele
tentasse resgatar o status quo para o seu desejo, voltar a ser o menino dos olhos da mãe.

Para o menino fazer frente a esse pai, que ocupa um lugar privilegiado no desejo da mãe,
para suportar essa batalha, e para poder minimizar imaginariamente a perda de status que
acontece quando percebe a alteridade, a criança vai desenvolver essa construção
imaginária que chama de FALO. O falo é uma construção imaginária que visa dotar-
me de um poder que vai na minha cabeça me permitir trazer novamente a mãe para
ser só minha. Então, vou imaginar sê-lo ou tê-lo. E com essa condição fálica eu me
tornaria capaz de enfrentar as dificuldades e conquistar a minha mãe só pra mim.

O que a criança vai entender como sendo FALO? Freud diz que será o pênis dele. A gente
diz que fálico é, por exemplo, o cabelo de Sansão. Então essa fase fálica é quando o
menino se vê empoderado pela presença de seu pênis. A gente pode ver por dois ângulos.

1) Quando o menino vê esse empoderamento. Quando o pênis cresce, fica duro, dá prazer.
Se torna um curioso brinquedo, interessante. E é valorizado pelos olhos maternos. É
comum ainda hoje, mães e babás ficarem brincando com o pênis da criança, revelando
que aquela parte do corpo é diferente de um nariz, de uma orelha.. como se fosse imantada
de um poder capaz de provocar interesse do outro.

2) Outra interpretação possível é o menino, ao se deparar em condições de disputa, em que


não tem mais a garantia de amor do outro exclusivo, ele precisa construir um falo, uma
espécie de amuleto, para se sentir capaz de enfrentar essa presença da alteridade.

Esse poder poderia se dar por ele pensar que ele tem e a mãe não tem o pênis?

Ele depois descobre que a mãe não tem. Na ordem dos acontecimentos, para Freud, a
criança primeiro valoriza o pênis, depois descobre que o outro não tem. Ou seja,
ocorreria independentemente dessa percepção. A valorização se daria, acho, por uma
questão de cultura. Como se meninos e meninas tivessem direitos diferentes. E
meninas pudessem perguntar: o que é que ele tem que eu não tenho? E a resposta
fosse: o pênis.

Até hoje, você tem problemas de autoestima associado ao tamanho do pênis. Tenho
um cliente, por exemplo, que diz ter uma namorada e vai tudo bem. Mas ele tem a
eterna sensação de que ela gosta da sua pessoa, porque ele é educado, gentil, mas não
de sua performance, porque o pênis é pequeno. E uma disse que ele era uma decepção
na cama, por ter o pênis pequeno. Ela deve ter sacado que ele se incomodava e botou
o dedo na ferida. E não tem quem tire isso da cabeça dele. Não se vê ninguém assim
porque o pé é pequeno. Há qualquer coisa no simbolismo do pênis que faz com que
ele seja particularmente representativo do que ser apenas um órgão mictório e sexual.
Ele representa algo da ordem do poder, do valor de si.

Poderia ser por uma questão de reprodução?

Mas um pênis pequeno reproduz. Problema é que ele se prende a uma típica
construção imaginária.

Insegurança poderia ser por falha no Édipo?

Poderia. Mas a gente também poderia imaginar que ele, nesse momento, não
perceberia pênis pequeno e, na adolescência, percebesse pequeno. E, a partir daí,
poderia se traduzir: eu não dou conta do meu pai, porque meu pênis é pequeno. Eu
justifico a posteriori não ter ganho essa batalha. E aí o pênis pequeno se transforma
em selo e símbolo da minha inferioridade. Então o que o Édipo pode deixar é um
sentimento de inferioridade. Mas o que Freud tentou explorar foi esse simbolismo em
torno do pênis.
Então tem duas interpretações possíveis. Desenvolvimento libidinal
espontaneamente. O próprio pênis de zona erógena. Esse pênis fica duro, fica grande
e obviamente atrai os olhares de mãe de babá e por isso ele ganha um valor simbólico.
Que faz com que a criança se sinta empoderada. E posso fazer interpretação às
avessas. A criança se sente diminuída no trato com alteridade e precisa inventar um
símbolo para si, para se sentir novamente empoderada e enfrentar a figura de
alteridade.

O mais comum, nessa versão tradicional, é entender que o pênis fica dotado desse
simbolismo espontaneamente. Que a criança enfrenta essas dificuldades por crer em
si mesmo e crer na sua potência fálica. O que a criança vai fazer aqui? O menino vai
ficar o tempo todo impedindo que o pai abrace a mãe, fica com ciúme quando o pai
beija a mãe, como se ficasse hostilizando de fato o pai, brigar e dizer que é melhor
que o pai e que quer namorar com a mãe.

Quais são as respostas iniciais da mãe e do pai? Normalmente, respostas tolerantes.


Acha bonitinho, acha engraçadinho. Valoriza a atitude. Acha curioso. E esse
movimento vai sendo mantido. O Édipo pode durar dois anos, três anos, nessa
vivência triangular, em que a criança quer trazer a mãe só para si. Em um round, ela
pode conseguir. Num outro perder. Num terceiro, conseguir de novo. Adoece,
conseguindo ficar mais próximo. Aprende alguma coisa e fica se exibindo para a mãe.
Depois o pai vem e toma conta. E fica esse vaivém na disputa. É uma disputa que
demora um tempo. Imagine as disputas que você teve com irmãos, aquela briga
constante. A vivência do édipo para Freud é assim, se arrasta ao longo do tempo.

E, ao longo desse tempo, as respostas do pai e da mãe vão mudando. Começam a ficar
mais hostis. Aquelas respostas mais acolhedoras, afetuosas e amorosas começam, aos
poucos, a ser respostas mais impacientes e irritadas, porque a criança fica forçando a
barra para separar o pai da mãe, exigindo atenções exclusivas da mãe para si. Então,
a criança vai ficando chata, teimosa, insistente, possessiva e vai recebendo respostas
também mais negativas. Os pais se cansam dessa brincadeira que, no início, fez rir.

A coisa avança até o momento em que, diz Freud, o menino passa a desejar destinos
negativos para o pai (que ele morra, se afaste, viaje e não volte mais); desenha a
família e faz o pai bem pequenininho (os desenhos revelam as fantasias de destituição
e destruição desse pai). É o que Freud nomeia de desejo parricida - o desejo de morte
do pai. Com relação à mãe, Freud chama de desejo incestuoso.

Quando as respostas de ambos ficam mais hostis, há uma quebra da relação simbiótica
entre mãe e criança. É preciso que a mãe estabeleça um laço com o pai para poder
destituir a criança dessa simbiose. Claro que não podem ser respostas puramente
agressivas, precisam ser acolhedoras mas colocando limites. “Mamãe não vai dormir
com você hoje, mas com o papai”, “mamãe está conversando agora com seu pai” - é
uma forma de frustrar a criança, dando respostas negativas. Nesse contexto, a mãe
também está exercendo a função paterna.

Quando essas respostas começam a se tornar negativas, o menino desenvolve uma


fantasia de ser retaliado pelo pai da mesma forma que ele imaginou fazer com a figura
paterna. São fantasias agressivas relacionadas ao pai, então a criança imagina que ele
vai devolver essas atitudes. Daí, segundo Freud, o menino desenvolve a fantasia da
ameaça da castração pelo pai, esse temor leva o menino a abrir mão do ego. Na
observação de Freud, o menino organiza a retaliação pela via da ameaça de castração,
mas ele considera poder vir de diversas formas (agressão física, abandono etc).

Há 4 razões para fundamentar a ideia da retaliação do pai pela via da castração:

1) Via filogenética: nas obras de Freud, pode-se perceber, muitas vezes, uma visão
lamarckiana (um dos pensadores da teoria da evolução) sobre o psiquismo humano.
Desta forma, mirava-se no fato de que nossos antepassados realmente castravam
machos da horda para que nenhum deles ousasse desposar suas mulheres. Vivências
reais de castração aconteceram ao longo do tempo, e isso deixou uma marca no
psiquismo. Essa marca vai fazer com que o menino se sinta ameaçado de castração
independente de o pai dele ter feito qualquer ameaça nesse sentido. Essas ideias
mantidas e repassadas geneticamente são classificadas como fantasias
originárias/primitivas (Freud) ou arquétipos (Jung). Freud destacou três tipos de
fantasias originárias: a da castração, a da sedução e a de assistir ao coito dos pais
(visualização, imaginação).

2) A criança já aprendeu, nas fases anteriores, que uma forma de ser punida é
perdendo o brinquedo, e o brinquedo do momento é exatamente o seu pênis. É dele
que a criança extrai, por via masturbatória, seu prazer. O pênis se tornou um objeto
importante, é o brinquedo da vez, e ela já viu que a punição de vários pais é tirar de
crianças o que elas gostam.

3) No imaginário infantil, a possibilidade de se destacar uma parte do corpo não é


algo improvável. Os esquemas imaginários infantis incluem decepar, arrancar, tirar.
Por isso, para a criança, seria tão plausível a ideia ter seu pênis removido do corpo.

4) Para Freud, a criança teria, numa teoria sexual infantil, a ideia de que todos têm
pênis. Com a observação do corpo feminino, ele acredita que alguns tiveram e
perderam (no caso, as meninas). Assim, eles acham que também podem perder.

Freud encara o abandono da batalha do Complexo de Édipo enfatizando a angústia da


castração, o temor. Assim, a criança sairia do Édipo, deixando de ambicionar ter a
mãe só para si. Abre mão da disputa, aprendendo a lidar melhor com as ambições
narcísicas, além de interromper as hostilidades contra o pai.

No Édipo contemporâneo, para o menino abrir mão dessa batalha, vai ser necessário
mais do que temor. Entende-se que é uma batalha exigente, cansativa. Dar murro em
ponta de faca, amar e odiar, forçar a barra. Outra razão seria a criança desejar fazer o
que os pais desejam devido ao amor que sente por eles.

Acontece que são vividas várias experiências triangulares ao longo do


desenvolvimento infantil, uma espécie de transferência do Édipo, fazendo com que a
criança precise renunciar a outras ambições desmedidas. Na fase escolar, por
exemplo, ela deseja que a professora só dê atenção a ela ou que os amigos a tornem
popular, no entanto a criança vai se vendo forçada a abrir mão de tudo que deseja,
dividindo atenções e lidando com essas frustrações. Entende-se, afinal, que não
adianta tentar constantemente destruir um concorrente, pois ele também tem força e
pode rebater. Então, a criança vai abrindo mão dessas duas frentes: a amorosa
(ambição) e a odiosa (hostilidade).

O menino, de tanto hostilizar os pais, teme que o pai o castre. Para evitar perder o
pênis-falo, ele abre mão dessa rivalidade, ou seja, entrega o valor que atribui ao pênis
para poder garantir a própria integridade física. Ao abrir mão da batalha, o menino se
identifica com o que os pais esperam dele, ou seja, renuncia à onipotência, ao
exclusivismo e ao imediatismo. Esse vai ser o ponto de vista da cultura transmitida
pelos pais à criança, e isso vai se constituir na preservação da possibilidade da mãe e
do pai serem alteridades e no respeito às necessidades dos pais.

O Édipo não significa aceitar o ponto de vista da mãe ou do pai, mas da cultura
transmitida por eles. Na medida em que o menino renuncia às suas ambições
incestuosas e parricidas, assimilando o ponto de vista da cultura transmitido pelos
pais, forma-se o superego. Para Freud, o superego é o herdeiro do Complexo de
Édipo. Quando a criança passa pelo CE, ela assimila o superego. Os pais vencem a
batalha do ego e, ao vencer, impõem à criança a norma que os rege (a lei da cultura).
Aos poucos, a criança compreende que a norma é o que garante a manutenção da sua
integridade física (segurança de modo geral), além de fortalecer o amor parental.

O CE e as experiências de ambição e enfrentamento podem colaborar para a saúde ou


para a doença. O adoecimento pode ser derivado de uma teimosia (ciúme,
possessividade, incapacidade de aceitar perder) ou de uma covardia (temor excessivo
da ameaça de castração). Tanto é adoecedor só querer disputar e ganhar quanto é não
conseguir enfrentar as disputas por um medo enorme do oponente.

Por outro lado, uma boa passagem pelo Édipo seria abrir mão da mãe, mas continuar
ousado o suficiente para desejar novas pessoas, e abrir mão da hostilidade direcionada
ao pai para manter uma relação de respeito com ele. Mantém-se assim a ousadia e a
coragem.

AULA 05.11.22
A gente tinha falado sobre a saída pela via da identificação. A identificação do menino,
quando o menino renuncia ao EGO, renuncia a uma ambição edipiana, ele se identifica
com o que os pais esperam dele, isto é, com a norma, formando com isso o SUPEREGO.
Para se identificar com o que os pais esperam dele, isso é feito via amor aos pais e via
ameaça. Então o SUPEREGO vai ter uma dimensão amorosa, quando você ouve a fala
dos pais dentro de si dizendo: “não faça isso não! não vá por aqui não! Seria tão melhor
se você fizesse isso! Você vai ter mais resultado assim!”, é uma fala acolhedora, uma fala
amorosa. Mas você vai ter também, no SUPEREGO, a fala ameaçadora, a fala agressiva,
a fala do ódio, da ameaça de castração do Édipo tradicional. Então, elementos amorosos
e elementos agressivos vão compor o repertório do SUPEREGO. Então, a criança se
identifica com o que os pais esperam dele, que é exatamente a norma da cultura, a lei da
cultura, que vai contra o incesto e o parrícidio. Então está aqui a dimensão da formação
do SUPEREGO, da formação do chamado sujeito moral, a partir da renúncia ao EGO, da
superação do EGO. O quão agressivo ou o quão amoroso o SUPEREGO é, vai depender
também das quotas pulsionais de cada um. Você pode ter pais amorosos e o SUPEREGO
do filho ser bastante intolerante, bastante ameaçador, bastante exigente. Então tem
qualquer coisa da individualidade do sujeito que forma o solo, que forma a composição
do SUPEREGO. Mas reparem que a pedida para que a criança pare de ser possessiva,
teimosa, exigente, exclusivista, imediatista, como ela estava sendo, pode vir tanto num
tom amoroso quanto num tom ameaçador, agressivo, odioso. E é exatamente esse
conjunto que vai compor o repertório narrativo do SUPEREGO, combinando-se,
somando-se ou subtraindo-se a depender das quotas pulsionais amorosas e agressivas, de
vida e de morte de cada um. E a segunda consequência do Édipo é a formação da
identidade sexual, tanto no sentido de gênero quanto no sentido da orientação sexual. O
Édipo tradicional do menino também é criticado porque ele pressupõe uma espécie de
heteronormatividade. É a ideia que o menino, na vivência de uma relação de objeto com
a mãe e de uma relação de identificação com pai, o menino vai então se identificar com
o pai. A identificação no início era de exclusão, após a resolução do Édipo a identificação
vai ser de inclusão do pai. “Eu quero me tornar semelhante a ele e não me tornar o que
ele é.”. São duas formas de identificação. Com a resolução do complexo de Édipo o
menino quer se tornar como o pai é, ou seja, alguém que abandonou a própria mãe (no
caso, a avó do menino) para buscar uma outra mulher. Então o menino se identificaria
com o pai para poder buscar uma outra mulher na vida. Ou seja, se identificando com pai,
ele se identificaria com o gênero masculino e com a orientação sexual heterossexual.
Olhando por esse viés, teríamos um Édipo funcionando como uma agência social da
heteronormatividade. Essa forma de pensar é um problema no mundo contemporâneo,
porque já não olhamos mais para pessoas que não seguem uma orientação heterossexual
como se elas fossem filhas de um acidente edipiano, de um desvio no percurso edipiano.
Freud tentava explicar a homossexualidade, tentando encontrar alguma coisa que não
teria saido conforme a regra. Então essa forma do Édipo tradicional masculino também
apresenta esse problema, não haveria um lugar legitimado para a homossexualidade.
Vocês vão ver que no Édipo contemporâneo, um outro texto de Freud, dá perfeitamente
pra gente entender porque que existem pessoas heterossexuais, porque existem pessoas
homossexuais, sem nenhuma hierarquia sobre o que seria mais natural, mais de acordo
com a natureza.

Pergunta: No caso do menino seria identificação com a mãe, com a função materna?
Resposta: Não. As teorias freudianas são as mais variadas pra tentar entender o que seria
a homossexualidade. A mais comum, a mais típica é que eu abro mão dessa mãe, mas eu
arrumo uma pessoa que pareça comigo para que eu seja uma mãe para ele, para que eu
mantenha essa relação simbiótica. Dessa forma eu desenvolveria uma relação
homossexual. Freud teve tanto trabalho pra explicar a homossexualidade a ponto de ter
montado cinco teorias e em momento algum ele desqualificava a homossexualidade. Ele
chamou apenas uma vez de perversão, na maioria das vezes ele chamava de inversão.
Porque o perverso, para Freud, é o que não chega ao desenvolvimento da genitalidade,
pára e fixa na fase oral, na fase anal, ou mesmo na fase edipiana, não desenvolve a
genitalidade. É óbvio que uma pessoa homossexual desenvolve a genitalidade, mas ele
teria então uma inversão, em vez de investir no sexo oposto investiria narcisicamente em
um gênero semelhante ao seu, para poder garantir a manutenção desse vínculo materno.
Daí a ideia de que homossexuais seriam altamente narcísicos, seriam mais vaidosos.
Existem homossexuais de todos os tipos, assim como existem heterossexuais de todos os
tipos. Então é uma teoria que também ficou velha, do ponto de vista do Édipo tradicional
masculino. A gente tinha falado que o Édipo contemporâneo serviria para corrigir
problemas do Édipo tradicional feminino, cuja situação é mais dramática. Mas o Édipo
tradicional masculino impede que a gente veja a homossexualidade como um caminho de
orientação sexual tão natural quanto qualquer outro.
O Édipo, portanto, serviria para o desenvolvimento da moralidade e da sexualidade.
Ele lapidaria a identidade moral e a identidade sexual. É por essa razão que o Édipo
é considerado tão relevante.

O ÉDIPO FEMININO

No Édipo feminino, diferente do masculino, a menina não entra no Édipo


espontaneamente. A psicanálise tem algumas frases clichês, uma delas é essa: “O
SUPEREGO é o herdeiro do complexo de Édipo”. Uma outra frase clichê (mas boa, não
é clichê no mal sentido, é clichê no sentido de que se cristalizou e é repetida
constantemente) é: “O menino sai do Édipo pela ameaça de castração, já a menina entra
no Édipo pelo complexo de castração”. O menino sai do Édipo quando se vê ameaçado
de castração e a menina entra no Édipo quando ela constata a sua castração. Então a
premissa é de que a menina é, do ponto de vista da lógica fálica associada ao pênis, um
ser castrado. Ao constatar sua castração, a menina entra nesse trabalho de demanda que é
o Édipo, nesse trabalho de reivindicação. Freud entendia que o menino entrava na
demanda edipiana de reivindicar a mãe só pra si e afastar concorrentes , ele entrava nisso
por conta do desenvolvimento libidinal, algo acontecia no desenvolvimento libidinal que
dava ao menino esse empoderamento e essa vontade, esse desejo, e o menino monta então
a estratégia edipiana, que é uma estratégia de ambição. O Édipo é exatamente um ser
ambicioso, ambiciona a paixão possessiva da mãe e ambiciona o afastamento, o
aniquilamento parricida dos concorrentes. Podemos entender isso como uma
reivindicação, como uma demanda. Demanda essa que vai se desdobrar até o momento
em que o menino se sente ameaçado de castração e renuncia a essa rebelião, abre mão e
aceita as regras do vencedor, ou seja, a lei da cultura (não é a lei do pai e da mãe, e sim a
lei da cultura que estes transmitem), e uma das questões fundamentais é “Você não pode
fazer do outro objeto do seu bel-prazer” e “Você não pode afastar os seus concorrentes
deslealmente, destruindo eles. Você tem que aprender a competir e a aceitar a
individualidade do outro”. Leis fundamentais em uma cultura como a nossa, se fosse em
outras culturas, seriam transmitidas outras regras nesse momento do desenvolvimento
infantil.
Já a menina, ela constata ser castrada pela comparação anatômica, isso pressupõe duas
coisas, ou que o pênis-falo tenha valor em si mesmo, e a menina se deparando com o dela
pequenininho, sob a forma de clitóris, como que se questiona por quê “recebeu” tão
pouco, ou é pela via da admiração do olhar do outro, numa cultura como aquela, era óbvio
que o menino era olhado com mais admiração que a menina. Então, seja por uma via ou
por outra, a menina aceita na teoria que o pênis é o representante adequado para o falo e
que ela não ter o pênis é, portanto, não ter falo, não ter poder. Mas ela entra então no
Édipo para reivindicar esse poder. Já aqui a gente constata uma contradição: se ela se vê
castrada, como é que ela reivindica alguma coisa? Se você é castrado, você não tem poder.
Isso já mostra que mesmo lá na Viena do final do século XIX, já tem qualquer coisa que
a mulher vê em si que faz dela alguém que diz “Eu quero mais!”. Mesmo que ela estivesse
ali marcada pela ideia de que “bom seria eu ter um pênis.” mas “Não tendo um pênis, eu
quero algo!”. Até para reivindicar o mínimo, eu tenho que me sentir com algum poder,
se eu sou totalmente destituído de poder, eu me calo. Eu só falo e só reivindico se eu me
coloco algum poder. E é óbvio que já havia poder no feminino. Isso é uma das provas de
que a gente pode ancorar por fálico em outros lugares, inclusive no próprio clitóris. Em
algum lugar, essa mulher da Viena do final do século [XIX], se viu investida de um
poder.
Voltando ao raciocínio tradicional: a menina se vê castrada, se sente injustiçada, a relação
dela com a mãe, que antes era amorosa, se torna uma relação decepcionante pois “mamãe
não me deu o que eu deveria receber”, e a relação de amor vira ódio e rivalidade. A
menina então dirige seus olhos e seu amor para o pai, que é aquele que tem um pênis-falo
e pode, um dia, dar a ela a possibilidade de um filho do sexo masculino.

Pergunta: Em que idade se daria isso?


Resposta: A mesma que o menino, entre 3 e 5 anos. Aconteceria, mais ou menos no
mesmo momento, só que por razões completamente distintas. A razão do menino seria o
desenvolvimento espontâneo da libido, levando ele a ideia de se apaixonar, de possuir
amorosamente, de disputar, e a menina entraria quando ela se desse conta de que não foi
devidamente aparelhada anatomicamente, o que me falta me tira o poder.

Pergunta: Até o sétimo ano acontece a resolução do Édipo?


Resposta: Sim. Entendendo que o Édipo não é um acontecimento de dias ou semanas.
Ele pode durar anos. Essa reivindicação com mais intensidade, menos intensidade, pode
durar anos, como numa guerra, com momentos de batalhas mais sangrentas, momentos
de batalhas mais estratégicas, momentos mais quietos, momentos mais agitados.
Entendam o Édipo como uma experiência, não como um acontecimento.

Pergunta: Qual o outro nome do complexo da menina?


Resposta: Complexo de Electra. Mas a imagem continua sendo a do Édipo. Porque o
complexo da menina é visto à luz do do menino. É como se o do menino fosse o padrão,
e a menina vai ser colocada nesse padrão a partir de uma posição de falta. E aí na falta,
como é que ela joga com essa lógica da relação triangular (pai-mãe-menina)? Ela,
diferente do menino, não vai investir na mãe, porque a mãe não tem o falo. Ela vai investir
no pai porque ele tem o falo.

O problema do Édipo feminino tradicional é que ele não teria fim, já que a menina não
tem o que perder. O menino pára o Édipo porque ele tem o que perder, é como se ele
dissesse “eu posso ser ameaçado de perder o que eu quero manter”, mas é como se a
menina fosse meio kamikaze “não tenho mais o que perder, então, dane-se!” . Então essa
ideia fez Freud não entender porque é que mulheres têm SUPEREGO. De onde vem o
SUPEREGO feminino? Porque, como vimos no menino, ele vem da ameaça que a criança
sente, então vem do temor. O que teme a menina, se ela já perdeu o que tinha de perder?
Essa imagem da mulher sem superego foi construída desde a Grécia Antiga, passa pelo
cristianismo e chegou até os dias de hoje, como se a mulher fosse o desejo, impulsiva,
sem controle de si.

Pergunta: O senhor fala dentro de um Édipo tradicional masculino, sobre uma ameaça
de castração e não do complexo em si, ou não tem diferença entre eles?
Resposta: É porque o complexo de castração é o conjunto de elementos que giram em
torno da castração. Aí você vai ter ameaças, tentativas de preservação, valorização,
desvalorização, ancoragem em algum lugar, esse conjunto de coisas referentes à
castração. Então a gente diz que a menina tem complexo de castração porque ela
acreditaria dever ter um pênis, lhe foi retirado esse pênis, se irrita com a mãe que lhe
deveria ter dado, se envolve com o pai, que tem pênis, e deseja - a única forma de ter
saída para a menina - ter um bebê do sexo masculino. Seria como se ela pudesse dizer
“Eu produzo um pênis” “Eu não tenho, mas eu produzo um bebê que tem”. Esse conjunto
de crenças, sentimentos, ódios e amores, esperanças, faltas, é esse conjunto de coisas que
chamamos de complexo de castração. A palavra complexo vem disso, vem de você
entender que não é um único conceito, não é uma única cena.

A menina, com relação à mãe, tem dois sentimentos: raiva, porque a mãe não lhe deu o
falo; e decepção, porque percebe que a mãe não tem o falo. “Você não merece meu amor”,
porque o poder está ancorado no pênis. Ela então volta-se para o pai. Na fase oral e anal
a relação com a mãe era de simbiose. Então o Édipo da menina começa com rompimento,
é baseado na inveja, já o do menino é baseado numa espécie de “expansão natural do meu
poder”, é como se fosse a expressão de um talento. Já a menina parte para a reivindicação
edipiana ferida, parte com sentimentos de ódio e inveja, ódio da mãe, que não tem e não
lhe deu, e inveja do pênis do pai. Entendendo que amando esse pai, que ela também odeia,
esse pai vai de certa maneira lhe disponibilizar um pênis ou ela vai no futuro, e é essa a
saída do Édipo feminino, ter um bebê do sexo masculino.
Esse tipo de fantasia está disponível para qualquer mulher. Não acharia nada estranho se
no consultório uma mulher, em sua narrativa, revelasse essa inveja (do pênis). Enquanto
possibilidade eu não tenho nada a dizer, a cabeça do ser humano é capaz das mais diversas
elaborações. Agora o ponto criticável é: isso aqui (a inveja) é uma necessidade? A menina
tem que encarar dessa forma? A anatomia dela é um destino para como ela vai se
´perceber? É nisso que vamos para o Édipo contemporâneo para dizer que não, isto é um
repertório possível [mas não obrigatório].

Pergunta: Mães que demonstram preferência pelos filhos homens pode estar relacionado
ao Édipo feminino?
Resposta: Pode. Mas o problema é que esta questão edipiana tem um pano de fundo, que
é a cultura. A gente vive em uma cultura que a figura do masculino está sempre em uma
posição de poder, de destaque, de status. Então é esperado que o ser masculino seja dotado
de um brilho a mais. Isso seria explicado porque o menino tem o pênis-falo ou seria
explicado pela lente de uma tradição masculinista que domina o mundo ocidental há pelo
menos dois, três mil anos? E é incrível que mesmo desse poder todo, mesmo dentro desse
guarda chuva a gente tenha esses últimos cem anos de ascensão da mulher. Não seria
razoável pensar que, no meio dessa condição, as mulheres crescessem. O que faz as
mulheres crescerem no mundo contemporâneo é a ideia de indivíduo. É um trecho num
mar de domínio do masculino.

Com a saída do Édipo feminino (ter um bebê do sexo masculino) você apenas apazigua a
ambição da mulher, mas não vem junto com a formação do SUPEREGO, ou seja, fica um
Édipo totalmente frankeinsteiniano que coloca a menina numa posição de inveja, ela
resolve isso por via do outro e não por via de si mesma, não é ela que se empodera, ela se
empodera a medida que produz um ser empoderado e continua sem explicação de onde
viria a moralidade feminina, porque o jogo de ameaça, de contraposição da cultura não
teria sido jogado. Pelo contrário, é como se a cultura a indenizasse na medida em que ela
tem um bebê do sexo masculino. No Édipo masculino, há contraposição e esta traz à tona
a ameaça de castração que faz o menino recuar, o que significa aceitação do ponto de
vista do outro e desenvolvimento do SUPEREGO. Pra ter SUPEREGO tem que ter medo.
A menina aqui entra como um kamikaze, até possuir um bebê masculino, o que não
explica a formação do seu SUPEREGO ou a sua orientação sexual. É um Édipo feito às
pressas, sem nenhum cuidado para entender, e Freud era o primeiro a admitir. Ele dizia
que o feminino é um “continente desconhecido”. Na verdade ele disse “continente
negro”, no sentindo de obscuro, onde não se consegue colocar luz.

No Édipo contemporâneo vai se tornar mais equacionário o lugar de homem e mulher,


vai formar superego no homem e na mulher.
Pergunta: [relacionada ao Édipo Contemporâneo, mas muitas partes inintelígiveis]
Resposta: A gente vai pegar isso ainda em Freud. Pela riqueza do autor ele vai oferecer
condições para você fazer uma outra leitura da mulher. Em Freud e com a contribuição,
no meu caso, de Hélio Pellegrino.

A construção contemporânea vocês não vão encontrar com facilidade e não é por falta de
pessoas criativas e antenadas com questões históricas e antropológicas dentro da
psicanálise., é pelo seguinte: Logo depois de Freud, aquele debate que antes era fase oral,
fase anal, fase fálica, uma explicação possível para esse edipo não ter sido repensado,
Freud escolheu a fase fálica como sendo um grande momento do desenvolvimento.
Depois de Freud, Melanie Klein, Winicott, Bowlby, Spitz, o próprio Lacan, passaram
cada vez mais a olhar a fase oral e anal, passsaram a investigar as etapas pré-edipianas,
entendendo que é estudanto isso que eu vou entender as psicoses, os quadros de autismo,
os quadros borderlines e várias questões da clínica moderna e contemporânea, a clínica
do trauma pós I e II Guerra Mundial. Houve um fluxo enorme de estudos voltados para o
que precede o Édipo. Enquanto que o Édipo em Freud é a grande etapa, é a fase
determinante, para o movimento pós-freudiano, os autores escolheram o que antecede o
Édipo, na verdade, o que antecede o nascimento, a cogitação na cabeça dos pais em
relação aos filhos passa a ser um tema mais importante para saber o que o sujeito é do
que propriamente a fase fálica edipiana. O Édipo, então, foi meio que colocado de lado.
A clínica contemporânea, a clínica da drogadição, não remete à Édipo, remete à fase oral,
a clínica das obsessões, das esquizóidias, dos borderlines, da psicose são todas pré-
edipianas. É uma das possíveis razões pela qual o Édipo tradicional feminino não ter sido
revisto é essa ênfase nas fases pré-edipianas que caracteriza toda a psicanálise pós-
freudiana, sem exceção.

Para pensar num ajuste a isso, eu recorro a Hélio Pellegrino, no texto “Édipo e a paixão”.
Nesse texto ele não se propõe a revisar o Édipo feminino e sim uma revisão do Édipo, e
ao fazê-lo permite uma revisão do Édipo feminino.

Reflexão do professor (espelhado em Hélio Pellegrino e em Freud) que em sua opinião


serve melhor à clínica: A tese principal de Pellegrino é que o Édipo da peça de Sófocles,
que foi onde Freud foi buscar referências para entender o que se passa no
desenvolvimento infantil, não teve complexo de Édipo. [O professor narra a história de
Édipo]. Hélio Pellegrino observa o seguinte: Quem foram os pais que exerceram a função
materna e paterna durante a fase de 3 à 7 anos de Édipo? Portanto, quem foram os pais
que viveram com Édipo um complexo de Édipo? Os pais adotivos. Com esses pais o
Édipo foi tranquilo, tanto é que eles estão lá preservados. E com quem foi que aconteceu
O Édipo ruidoso, tempestuoso, dramático, com enormes consequências? Com Laio e
Jocasta, os pais com quem Édipo não viveu o complexo de Édipo.
Pellegrino, influenciado por autores que valorizavam as fases anteriores ao Édipo, como
M. Klein, extrai daí a seguinte construção: A fase fálica e suas vicissitudes no complexo
de Édipo vai depender - para ser mais aguda ou mais moderada, mais intensa ou mais
branda - do que aconteceu nas fases anteriores à fase fálica e é isso que explica a peça
Édipo Rei. Ele não ficou preso à Mérope e Políbio, destes ele se libertou. Mas ele ficou
preso a Laio e Jocasta, os pais que não lhe deram amor. Hélio Pellegrino diz: O amor é o
chão da liberdade. A fase fálica vivida com Mérope e Políbio foi libertadora para ele, já
aquele passado precoce em que predominou o desamor e o abandono, tornou Édipo preso
a isso aí. Daí ele ter sido levado à voltar a esse contato com os pais a quem ele estava
“preso” e executar o parrícidio e o incesto. Obviamente, tudo isso no campo ficcional.
A ideia de H. Pellegrino, partindo disso, é que para homens e mulheres se deparar com a
fase fálica, em que eu tenho que lidar com alteridade, com o fato de que o outro mostra
ter desejo por outras coisas e pessoas e não só por mim, lidar com isso pode ser mais
dificil ou mais fácil dependendo da segurança afetiva que eu obtive durante as fases oral
e anal. Sendo assim, isso serve para menino e menina, não tem mais a ver com ter ou não
ter pênis, tem a ver com segurança afetiva. Ao rever o Édipo e mostrar que a fase fálica é
uma variável dependente das variávveis fase oral e fase anal, ele permite que a gente veja
meninos e meninas entrando no Édipo por fatos ocorridos antes do Édipo, e estes fatos
não depender de ter ou não ter pênis.

ÉDIPO CONTEMPORÂNEO

A gente vai discutir uma possível versão do Édipo contemporâneo, apesar de não ter isso
aqui sistematizado em lugar nenhum. Apesar de Pellegrino/Maria Rita Kehl, Klein,
Lacan, Horney, Freud, darem condições para releituras do Édipo, que sejam mais
pertinentes, mais adequadas, à condição da mulher na contemporaneidade. Apesar desses
vários autores, juntos com a sociologia, a filosofia contemporânea, ciência política, com
os movimentos feministas, permitirem uma nova leitura. Apesar disso tudo, a gente ainda
tem o Édipo tradicional feminino narrado naquela forma, nas instituições psicanalíticas e
em provas de residências, provas de concurso etc. Provavelmente por duas razões:
A primeira razão, é o caráter de movimento. Todo movimento é muito mais conservador
para garantir a fidelidade a um autor. É um pouco museológico, ou seja, preservar o que
já foi, o que foi dito, qualquer coisa que embaralhe um pouco essas cartas dá a impressão
de que se estaria perdendo a essência da psicanálise.
Então, houve muita reação contra novas construções psicanalíticas com a frasezinha:
“isso não é psicanálise”. Era muito comum, nos anos 80 e 90, um autor criativo ser
recepcionado pelas instituições psicanalíticas para ser recepcionado com desdém. Como
se houvesse um código que reconhecesse o “psicanalês” de uma narrativa. como se a
psicanálise não pudesse se renovar a tal ponto que rompesse com alguns elementos
fundamentais da base, qual o problema? A psicanálise não é feita para ela, é feita para
atender as necessidades humanas, se as necessidades humanas mudam, se a gente
descobre novas coisas pela psicologia do desenvolvimento, pela neurociência, etc etc, que
a gente então renove a psicanálise em prol de um melhor uso no mundo.

Mas, o Movimento tende a esquecer a necessidade do mundo, a demanda de sofrimento


das pessoas e prefere ser fiel a uma suposta escritura.
(prof. comentou sobre uma conversa que teve em outra turma sobre o fato de não ter
mulheres como autoridades máximas na igreja católica e protestante). Finaliza falando
que um dos alunos disse: “o que importa é o que está na escritura”. Guardada as devidas
diferenças, para o movimento psicanalítico, até um certo tempo, o que valia era o que
estava nas escrituras Freudianas. E isso atrasou o pensamento psicanalítico nas últimas
quatro décadas mais ou menos, depois de um tempo é que eles perderam força,
principalmente para a terapia cognitiva comportamental. Agradeço a TCC, porque gerou
uma crise de participação na psicanálise e aí aqueles que eram mais criativos passaram a
ter mais espaço. Mas foi só por isso, não foi porque eles abriram a cabeça para que afinal
floresça algo de humano em nós. Foi crise de mercado.

Tem um ramo da psicanálise, chamado de “psicanálise relacional” cujo um dos principais


representantes mora aqui ao lado, em João Pessoa, se chama Henry Krutzen, ele é um
belga que tem uma forma de pensar a psicanálise, é de formação lacaniana a vida toda,
mas deu uma vi virada para estudar teoria de relações de objeto e, posteriormente,
psicanálise relacional e o último livro dele é simplesmentes: “psicanálise, psicologia do
desenvolvimento e neurociências”. Ou seja, ele está fazendo o que Freud fez na época -
se abrir às principais disciplinas que pudesse dar algum aporte à psicanálise. A psicanálise
na origem é uma disciplina aberta, é uma colcha de retalhos. Freud se alimentava com
saberes arqueológicos, mitológicos, biológicos, neurocientíficos, psiquiátricos, enfim,
das mais variadas áreas. Aí depois que foi montada a obra de Freud é como se dissesse:
“pronto, a partir de agora basta ler as escrituras”. Aí esse período, de leitura das escrituras
é exatamente o período mais infértil da psicanálise. Embora, como vários autores
importantes como: Klein, Lacan, tradição americana, etc etc. Depois da crise, dos anos
90/2000, quando a TCC barrou a psicanálise em termo de terapia mais indicada por
psiquiatras. Aí se criou uma necessidade de renovação. Isso é bem recente, tem 10, 15
anos.

Ser psicanalista é copiar Freud ou ser inspirado em Freud? e desenvolver a máxima


principal de: explorando o inconsciente, a pulsionalidade, a divisão do sujeito, como é
que eu ajudo melhor o outro?
Então, junta essa dimensão de movimento, que é inerentemente conservadora, com o fato
da psicanálise ter começado a se interessar por temas anteriores ao Édipo no curso do
desenvolvimento. Então, juntando essas duas coisas, o Édipo feminino continua não
revisado, certo? As pessoas já têm mais sensibilidade para dizer “vai dizer que a mulher
tem como base a inveja do homem?” Isso gera um pouco de mal-estar, mas não há uma
renovação no sentido de dizer “não, não, ninguém mais segue isso não, a gente segue uma
vertente mais contemporânea que pensa diferente disso”, certo?

Então, dois motivos para tanto: o caráter de movimento conservador, que a psicanálise
ganhou após a morte de Freud, que é uma coisa até compreensível, uma história de
“vamos manter aquela herança”. E isso é um movimento mais conservador do que
criativo. Pois, se eu incentivar a criatividade, eu vou ficar mais distante daquela coluna
vertebral. É compreensível, só não é bom.

Comentário de Júlia: Mas é que tem um quê de relação de poder, né?

Profº responde: Tem também, sem dúvida, mas veja, é mais fácil a gente vê hoje um
Congresso sobre racismo do que você vê um Congresso sobre feminismo em psicanálise.
Se fosse o poder pelo poder, porque se debruçar sobre a questão do racismo? O problema
é que Freud não escreveu sobre isso. Se tivesse escrito e dito que negros tem inveja de
brancos, iria haver uma dificuldade maior de modificar isso ai porque estaria passando
por cima da palavra do mestre. Pra mim, o problema maior é ir contra as escrituras.

Voltando após comentários do profº sobre as disputas internas entre abordagens da


Psicologia:
Junta esse caráter conservador, com o desinteresse na fase edipiana para frente.
Desinteresse no sentido de “não é a coisa mais importante a ser investigada", a coisa mais
importante a ser investigada é útero, nascimento, primeira infância, infância precoce, foi
o que todos os autores pós-freudianos fizeram.
Então, essas são as hipóteses pra gente não ter refeito a noção de Édipo em psicanálise.
Conservadorismo somado com interesse em fases pré-edipianas.

Com Pellegrino, a gente aprende o que?

A gente aprende aquela hipótese de que Édipo, personagem da peça de Sófocles, não
teria tido o Complexo de Édipo. Porque? Édipo não se volta contra o pai que esteve com
ele entre 03 e 07 anos e ele não comete parricídio com pai e nem incesto com a mãe que
esteve com ele na fase fálica. Ele comente incesto e parricídio com os pais que o
abandonou. No caso, Laio e Jocasta. O abandonou em fases precoces do
desenvolvimento, em plena fase oral. Então, o abandono na fase oral, produziu, no
entendimento de Pellegrino, se a gente usar a peça de Sófocles como um bom retrato da
vida, era isso que Freud achava que os mitos eram, como se os mitos fossem
condensações, decantação de um saber sobre o mundo. Assim como o ditado popular. De
tanto se falar sobre aquilo, você vai sintetizando, sintetizando e aquilo ali vira como se
fosse uma verdade. Então, se a gente olha a peça de Sófocles como um bom retrato sobre
a vida, o que a gente aprende é que o desamor aprisiona. Daí, no texto de Hélio Pellegrino,
ela diz a seguinte frase: “o amor é o chão da liberdade”. Associa nesse sentido um Édipo
ruidoso, agudo, intenso, hostil, passional, associa a insegurança amorosa. Insegurança no
sentido de carência. Para Hélio Pellegrino, Édipo desenvolveu um Édipo ruidoso, com
quem produziu nele insegurança e carência amorosa. No caso, com Laio e Jocasta.

Pergunta de Léo: Mas o Édipo do Édipo não foi com Laio e Jocasta. Profº: não foi não?
Incesto foi com quem? Léo: tá, mas aí não foi o complexo de Édipo dele, quando ele
passou pelo Édipo ele estava com os pais adotivos. Profº: Mas aí entra o que é o Édipo
pra Pellegrino. Baseado em Melanie Klein, considera que o Édipo começa em fases
anteriores, Pellegrino então diz: os efeitos, os fenômenos que a gente considera típicos do
Édipo (incesto e parricídio), com quem o personagem viveu esses fenômenos? Com Laio
e Jocasta e não com Mérope e Políbio, com Mérope e Políbio ele recebeu acolhimento e
amor, que o permitiu se libertar desses pais (Laio e Jocasta). Tanto que ele viaja, vai
embora, para protegê-los. Mas, Edipo vivencia as experiencia marcantes do edipo (incesto
e parricido) com aqueles pais que o abandonaram. Se isso fosse história real, a gente
poderia dizer assim: pais que abandonam na fase oral não deixariam uma herança para os
pais que adotam? Claro. Quem ia pagar o pato seria Merope e Polibio. Ele está usando
como metáfora a peça de sófocles. Se a gente fosse olhar ao pe da letra, a gente diria:
Pellegrino, se voce tem razão, Edipo iria trazer pra relacao com Merope e Polibio o
desgaste vivido na fase oral e iria viver com eles os fenomenos do incesto e do parricidio,
nao por falta de amor de merope e polibio, mas pela presenca da carencia e da inseguranca
afetiva que Edipo teria vivenciado antes do edipo. Laio e Jocasta produziram desamor,
Merope e Políbio, por mais amorosos que fossem, pagariam o preço. Na vida prática, real,
seria assim.
Pellegrino está montando uma interpretação produzindo um duplo tempo: como
se fosse, no imaginário de Édipo, as figuras de merobe e políbio seria figuras meramente
substitutas e se ele investisse contra merobe e políbio ele estaria atirando no que viu e
acertando no que não viu. Ele estaria mirando Laio e Jocasta. Pellegrino faz uma
duplicidade: se a vida de Édipo fosse vivida somente com merobe e políbio, ele teria
passado de forma moderada e silenciosa pelo complexo de édipo, porque o complexo de
édipo depende, para ser mais ruidoso, do quão inseguro amorosamente a criança se sentiu.
Se o vínculo era forte e seguro, Édipo passou pelo complexo de édipo com Merobe e
Políbio sem grandes alterações.
Uma pessoa segura suporta melhor a alteridade dos pais, não tem a impressão de
que a ausência dos pais ou a vontade contrária à dele vai impedi-lo de vivenciar o prazer
de encontrar outros objetos. Tem um texto de Maria Rita Kehl, Psicanálise e o domínio
das paixões, em que ela diz uma coisa fantástica, usando essa mesma premissa de
Pellegrino. Ela usa a palavra domínio em duplo sentido: território e governo/controle. A
psicanálise serviria para se desenvolver um bom governo de si, um bom domínio de suas
paixões. Mas, para haver um bom domínio de suas paixões, você tem que ampliar o
domínio dos objetos. O que é ampliar o domínio dos objetos? É usar o amor materno e
paterno na fase oral e anal para, de uma relacao bebe-mae haver uma ampliacao para uma
relacao do bebe com tantos outros objetos (pai, brinquedo, irmao, avo, amigos, etc). Uma
criança segura explora o ambiente. Uma criança insegura se agarra na perna da mãe. Uma
criança que recebe amor, amplia o domínio no sentido de território. Ela amplia o
repertório de objetos que ela pode encontrar no mundo para extrair presença e prazer. O
que acontece com esse bebê quando, lá na frente, ele descobre que a mãe tem vontade
própria? Ele desloca para outro elemento. Quando enche o saco do brinquedo, desloca
para o pai. Quando o pai não pode ou não está com a mesma vontade que a criança, ela
desloca para o irmão, depois ele volta para o brinquedo e em seguida para a mãe. E fica
fazendo esses movimentos de deslocamento, sintonizando na rádio que mais bate com a
sua vontade naquele momento. Ou simplesmente aguentando, no governo consciente do
desejo, o tédio por não ter ninguém para brincar com ele naquele momento.
Para Pellegrino, esse amor de base, que começa desde antes do nascimento da
criança, na fase da criança imaginada pelos pais, e que continua no útero e na primeira
infância, esse amor produz a exploração do mundo. A exploração do mundo produz novos
companheiros de afeto. Com esse repertório ampliado é mais fácil dominar a minha
frustração de mamãe naquele momento não me querer, deslocando o investimento para
os outros companheiros e assim sucessivamente. Então, Maria Rita Kehl em conjunto
com com Pellegrino, permite-nos entender porque o Édipo depende de variáveis pré-
edipianas. Eu vou entrar no édipo, buscando colar um objeto do desejo e buscando
destruir o opositor, a depender da carência que eu esteja, do quão seguro ou inseguro eu
esteja do amor do outro. Se eu tenho segurança do amor do outro, eu não vou ver o
afastamento temporário da minha mãe como uma catástrofe. Enquanto ela foi, eu construí
esse repertório de outras coisas pra fazer. Eu não me sinto péssimo pela alteridade da
minha mãe, mas, pelo contrário, eu vou acabar agradecendo a alteridade da minha mãe.
Imagina uma mãe na festa de aniversário que chama o filho pra brincar. O menino não
vai querer, porque ele quer brincar com outros objetos. A alteridade da mãe não se torna
mais um grande problema para a criança, mas uma condição de possibilidade favorável
para que a criança explore outros elementos do ambiente. Ao invés da alteridade da mãe
se transformar em um drama narcísico (você não deseja o que eu desejo) isso se
transforma numa condição de possibilidade: não quer não? então, eu vou chamar fulano.
Assim, eu tenho mais jogo de cintura, quando consigo ampliar o repertório de
possibilidades. Eu espero menos de cada um desses personagens do meu repertório de
companheiros e companheiras. Aquela criança que diz: você só pode ser minha amiga. É
uma criança mais segura ou insegura? Insegura. Então, qual é a problemática típica do
Édipo? É a descoberta de que o outro tem vontade própria. Eu me toco que não sou o
centro das atenções do mundo. Eu não sou o planeta terra, em torno do qual rodam os
satélites do mundo. A grande questão do édipo é o egocentrismo. É isso que está sendo
trabalhado no édipo. É contra essa renúncia que Édipo se volta: não, eu quero continuar
sendo o centro do mundo, eu quero continuar achando que mamãe tem que ser só minha;
tenho que continuar achando que qualquer um que venha disputar comigo tem que ser
destruído. Esse egocentrismo é exatamente o que alimenta o édipo.
Pellegrino diz: esse egocentrismo é alimentado por desamor. Amor não é mimo,
superproteção. Superproteção e abandono gera o mesmo efeito: paralisia. Amor é apoio:
sou seu companheiro de brincadeira e, ao mesmo tempo, te incentivo a explorar o mundo.
Você chega num parquinho, a criança não vai querer ficar sentada, em simbiose criança-
mãe/pai. A criança quer olhar o mundo, ela é curiosa. Mas, se ela não confia que você vai
ficar quieto naquele canto, pra quando ela olhar pra trás ver você ali, então ela vai explorar
de pertinho. Se ela confia, não tem problema. Se ela sabe onde estou, pode se esquecer
de mim. Como dizia Winnicott: Eu aprendo a ficar só, na presença do outro. A presença
do outro me permite ficar só. O amor do outro me permite ficar só. E a experiência de
ficar só é o que alimenta a superação do édipo. É não suportar ficar só, que faz com que
eu diga: mamãe, abandone todos os seus interesses e fique só comigo, se nao eu vou me
sentir anulado, esvaziado, abandonado. Então, se sente anulado, esvaziado, abandonado,
quem não consegue se sentir só.
Pensando por essa via, o que Pellegrino quer dizer é que Édipo teria dois cursos
de vida, caso ele tivesse sido acompanhado por merobe e políbio desde o começo ou por
laio e jocasta desde o começo. Ele meio que duplica a narrativa. Ao duplicar a narrativa,
ele diz: o problema de Édipo com Laio e Jocasta, começa quando lá na fase oral Laio e
Jocasta transmitem pro filho uma impressão de vínculo inseguro (Bowlby). É isso aí que
vai fazer com que a criança ao chegar aos 3 anos, percebendo cognitivamente que o outro
é um sistema psicológico autônomo, vai fazer com que a criança então precise colar e
afastar adversário para se manter segura afetivamente. Então, o édipo nesse sentido é
alimentado pela sua história amorosa.
Esse é o édipo contemporâneo, como uma saída para o anacronismo histórico da
psicanálise manter o édipo tradicional, tanto para pensar o menino quanto a menina.
Pellegrino vai dizer que o momento edipiano, a fase fálica, propõe o seu desafio,
que é o problema da alteridade. Obviamente, eu tenho a alteridade no sentido da
percepção do outro e, na criança, a libido desenvolvida a ponto de haver um investimento
no objeto total. E tenho como zona erógena os genitais, mas também o narcisismo -
porque a criança nesse momento já se vê como objeto total. Eu quero ser desejado como
pessoa, e não a partir de pedaços do meu corpo. Esses são os elementos que a gente tem
no complexo de édipo. Mas, como é que ele se constitui? Meninos e meninas seguem o
mesmo roteiro: ele se constitui pela economia do amor ou pela economia do abandono,
pela economia do vínculo seguro ou pela economia do vínculo inseguro. Vivencias na
fase oral e anal vao capacitar meninos e meninas para uma relacao trinagular com o objeto
do desejo e uma relacao com o adversario (que tambem investe nesse objeto de desejo).
Pellegrino, influenciado por Melanie Klein, para quem o édipo começa antes da fase
fálica, afirma que fenômenos anteriores à fase fálica são determinantes para o que
acontece na fase fálica - por mais que a gente possa discordar da ideia de que a relação
do sujeito com o objeto bom e com o objeto mau não seria édipo. Ela diz que o sujeito já
tem, antes da fase fálica, a figura castradora, destruidora, que é o objeto mau. Ela faz uma
triangulação do sujeito com o seio bom e o seio mau. O problema é que o seio mau não
se relaciona com o seio bom. Pode-se até dizer que o seio mau destruiria o seio bom, mas
a gente já estaria na posição depressiva, e não mais na esquizo-paranóide. Ai, tudo bem:
você pode dizer: o édipo em Klein começa na posição depressiva, quando o objeto mau
pode destruir o bom. Ainda assim, a gente teria uma questão que não seria de amor, mas
uma questão ligada à destruição. Na posição depressiva, ao invés de eu temer o objeto
mau, que é angústia paranóide, eu temo a destruição do objeto bom pelos objetos maus
que estão no mundo e que estão em mim também. Então, na posição depressiva, trata-se
do medo de perder o objeto bom. Na angústia paranóide, a figura de referência sou eu,
objetos bons e maus existem, e os maus podem me destruir. A angústia paranóide é o
medo de ser destruído pelo objeto mau. Na posição depressiva, eu percebo que objetos
bons e maus ocupam o mesmo envelope e aí nesse momento eu temo que objetos maus
meus ou de outros destruam objetos bons meus. Então, o meu sentimento é depressivo
porque eu temo a destruição do objeto amado. Mas, se a gente olhar para isso como édipo,
isso não é uma disputa por aspirações. No édipo clássico freudiano, o menino aspira a
mãe que seria o objeto bom e o objeto mau aspira a mãe também. Por isso, ele é mau -
porque disputa com ele, porque ele aspira a mesma coisa que eu. Na posição depressiva,
eu aspiro a manutenção do objeto bom. O objeto mau aspira a destruição do objeto bom.
Não seria o mesmo que acontece no édipo freudiano. Então, nem na posição esquizo-
paranóide e nem na posição depressiva a gente encontra os mesmos elementos de disputa
pelo objeto bom, mas alguém que quer manter o bom objeto e um objeto mau que quer
destruir o bom objeto. Não é uma disputa pelo mesmo. Mas, isso é uma discussão muito
fina.
O que Pellegrino quer dizer é que fatos anteriores à fase fálica, na fase oral,
determinam as vivências na fase fálica. Isso é o importante. Olhando kleinianamente, a
manutenção de si vivo e a manutenção do objeto bom vivo, isso me daria segurança
afetiva e essa segurança afetiva me capacita a me sentir só. Pelo olhar de Winnicott, o
holding e o handling me dão segurança afetiva que me permite ficar só. Pela via freudiana,
os prazeres orais e o corte por desmame; os prazeres anais e o corte pelos cuidados de
toilette permitem à criança sentir que aquilo que ela considera seus objetos de prazer não
serão tirados dela. Você continua tendo prazeres orais mas não naquela difusão que estava
sendo. Igualmente com as excreções: não será mais a qualquer hora e em qualquer lugar.
Há uma normalização, mas os prazeres orais e anais continuam. Se eu tenho seguranca
disso, eu entro no édipo, percebo que aquele objeto bom do meu prazer é disputado por
outro, mas entendo que vai sobrar um pedaço pra mim e suporto a ideia de que vai sobrar
apenas um pedaço e não o todo porque eu tenho os outros para me dar mais pedaços.
Olhando nesse sentido, a noção de falo entra aí como aquilo que me dá segurança de que
vai sobrar algum pedaço para mim. O elemento fálico é: eu tenho a segurança de que
mesmo com concorrentes eu vou conseguir encontrar um momento de estar com aquela
pessoa, porque eu me sinto inteligente, bonito, forte, habilidoso, valorizado. Então,
meninos e meninas, se baseando em penis, clitoris, o corpo como um todo, faculdades
mentais, habilidades corporais, etc, com esse conjunto fático disponível. Freud foi o
primeiro a desconectar penis de falo. Você pode ter falo nas fezes, no peito, no presente,
em dinheiro. Falo é uma qualidade atribuível a partes do corpo, objetos ou habilidades
psicomotoras. Olhando por esse lado, meninos e meninas podem ser falicizados nas fases
oral e anal. Meninos e meninas podem olhar para si mesmos e ver a partir do
reconhecimento, da valorização, do cuidado amoroso recebido, e dizer: eu tenho valor.
Eu tenho algo em mim que me dá segurança e que eu posso tentar chegar junto daquilo
que eu quero e, se da primeira vez ou da segunda vez eu não conseguir, na terceira eu
consigo. Se eu não consigo com essa, eu consigo com outro. Se não consigo, dessa vez
eu fico só e faço comigo mesmo. Esse sentimento de valor próprio é o que a gente
chamaria de falo no édipo contemporâneo. Sentimento obtido a partir do amor do outro e
traduzido em fatos bem observados ou em fatos difusos. Uma pessoa pode dizer: eu sou
o cara porque meu pai é engenheiro, é rico. Ele pode estar centrado em coisas bem
específicas. Esse é o falo dessa criança. E o outro pode dizer: mas, teu pai não brinca
contigo. Eu sou objeto do interesse do brincar da minha mãe e do meu pai. Esse é o falo.
Então, meninos e meninas com suas zonas erógenas produtoras de prazer mas também
com o seu narcisismo (zona erógena não é só pénis e vagina, mas ser amado e não ser
amado), podem organizar uma imagem de si perante o outro felicidade e por isso amável
e valorizável adorável ou eu posso organizar uma imagem de si como algo que ninguém
vai querer, que ninguém vai se interessar, que ninguém vai correr atrás. E às vezes isso
independe de qualidades visíveis. Quantas vezes a gente não vê uma pessoa bonita e
inteligente se sentindo o pior dos piores.
Exemplo de uma cliente: mulher acima da média em beleza. O drama dela: eu não
tenho problema para conseguir namorados, eu tenho problema para mantê-los. Meus
namorados não passam uma semana comigo. Valor fálico essa pessoa teria de sobra. Mas,
o que acontecia com ela? Ela teve um pai esquizofrênico, que passava 29 dias do mês
hostil, afastado, arisco e passava um dia bem-humorado e nesse dia todo mundo tinha que
abandonar todas as raivas, hostilidades e ficar feito cachorrinho balançando o rabo na
frente dele porque senão perdia aquele momento em que o portal do amor se abria. Ela
leva essa regra, esse roteiro para a vida adulta dela. O que acontecia? Ela colava nos
parceiros de uma maneira tal, que eu sentia, na relação contratransferencial, abuso dela.
Uma mulher linda, simpática, inteligente, que produzia engoo. Eu entendo perfeitamente
o que está fazendo essas pessoas se afastarem dela. Então, o quanto ela precisou se
submeter para ter aquele pai e o quanto ela estava levando esse modo de funcionamento
para a relação com os homens? Num determinado momento, ao longo da terapia, eu disse:
você parece que tem muito medo da palavrinha mágica "nao". Ai ela disse: Se eu disser
isso a ele, ele não me procura mais. Mas, o que aconteceu com esse namorado? Ele acabou
comigo. Então, porque você não testa? Surge um novo namorado, ela passou a dizer não
e aconteceu a mágica da palavra "nao". Essas pessoas não são seu pai, a quem você
precisou se adaptar. Isso não pode se transformar em roteiro para a sua vida. Essa menina
tinha vários objetos fálicos (bons) dentro de si, mas que chega nas relações triangulares
da vida e não consegue. O desamor ou amor tão condicionado, que aguenta tudo que o
outro faz, . Que essa tenha sido a forma de vida dela com o pai, tudo bem, foi necessário.
Mas, o problema é que ela transformou esse modelo em roteiro para lidar com todas as
outras relações triangulares da vida. E isso vira um fantasma para ela. Ou eu faço isso ou
eu perco tudo: ou eu me submeto ou eu perco tudo. E nessa atitude de se submeter, ela se
tornava intragável. Ela gerava vômito pela colagem que ela fazia. Ela era uma pessoa
enjoativa. Porque? Porque não tem um penis? Não. Por ter tido um amor tão
condicionado, que ela tinha que se submeter completamente para poder esperar o
momento da prenda. Então, nesse sentido, ela foi desfalicizada, castrada. E ela vivencia
no Édipo uma castração do tipo submissão, e não porque não tem penis, mas porque não
recebe o dom amoroso que me liberta. Ela recebe o dom amoroso quando ela aprende a
usar a palavra "nao". Usar a palavra não se tornou o falo dela, aquele elemento que,
operando no mundo, faz com que ela tenha o seu lugar ao sol.
Quanto à formação do superego, a gente volta para Freud puro. Freud elabora 4
teorias da angústia, sendo a última a segunda reformada. Ele usa o conceito de ameaça de
castração stricto sensu (medo de perder o penis). Mas, para reformar a teoria, ele precisou
de uma sugestão de ferenczi, que foi transformar o problema da castração em um
problema do amor: o que eu temo não é ser castrado (no sentido estrito de perder o penis),
mas o que eu temo é, sendo castrado, nao ser amado. Essa foi a sugestão de Ferenczi
acatada por Freud, que passa a interpretar a ameaça de castração, não pela via da agressão,
porque se eu pego o que eu castro, eu estou vendo pela via da agressão. Na verdade, ele
pega pela via do efeito do amor do outro. Aí vai depender do valor amoroso que eu atribuo
ao outro. Se eu atribuir valor ao outro pela presença do penis, vai ser dessa forma (pela
ameaça de castração do penis), mas se eu atribuo valor ao outro (filho e filha) pela
inteligência, pelo carinho, pela habilidade, a filha ou o filho vai temer perder o amor dos
pais. É isso que significa, no final das contas, angústia de castração. Angústia de castração
é perder alguma coisa que eu sei ou nao localizar, que se eu perder isso, o outro deixa de
olhar pra mim amorosamente. Isso é freudiano na raiz. Vocês vão ver que está lá na teoria
da angústia de Freud. Então, o superego é exatamente a percepção da ameaça de desamor
do outro quando eu rompo com regras fundamentais da boa convivência. É quando eu
faço alguma coisa que frustra a expectativa do outro - então eu recepciono dentro de mim
o ponto de vista do outro e é isso que vai ser o meu superego. Ele vai ser ameaçador
porque ele vai conter a possibilidade de perder o outro, do abandono do outro, que são
exatamente as figuras da teoria da angústia. A teoria da angústia de Freud é montada em
4 tempos: i) ausência do outro, ii) ausência do amor do outro, iii) perda do amor
conquistado e iv) angústia diante do estranho/angústia social (que é uma projeção do meu
superego no outro estranho, e passo a achar que o outro pensa de mim o que, na verdade,
eu penso de mim, o que o meu superego pensa de mim, já que o estranho é aquele que eu
nao sei o que pensa. O que se faz na relação com o estranho? Eu dou inconscientemente
o meu sistema de avaliação para o outro e acho que o outro sente por mim o que, na
verdade, eu sinto por mim. eu faço o outro ser representante do meu superego). Então, a
última teoria da angústia de Freud vai ser moldada em cima de uma dinâmica do amor.
Não é o medo de perder o penis, mas de perder aquilo que garante o amor do outro. E o
que garante o amor materno e paterno? Várias coisas. Numa sociedade ultra machista, o
penis pode ser um elemento relevante. Na sociedade atual, o penis pode ser relevante,
mas não para todos. As mulheres ascenderam independente de ter penis ou não. O valor
da mulher, o que a torna amável aos olhos do outro independe da presença de penis. Essa
menina tinha milhões de elementos fálicos, mas ela não se sentia fálica porque? Porque
não tinha o penis? Não, porque não tinha o amor do pai garantido. Quando ela entende
que não tinha o amor do pai garantido porque ele tinha um problema de esquizofrenia e
testando o "não", ela descobre dentro dela valor de sobra para ser amada.
O meu medo de ser desamado, reprovado, abandonado, esquecido, na inflação que
o imaginário infantil produz, esse medo, junto com minhas pulsões agressivas, vão
constituir o superego masculino e feminino. Então, a questão não é ter ou não ter um
penis. A questão é: ter ou não ter amor, ser ou não ser alguém amado pelos pais. Como
minha cliente era amada um dia por mês e nos outros tinha que se submeter, ela leva essa
dinâmica, essa economia amorosa para a vida dela. Ela é hipercastrada: uma ameaça de
29 dias para 1 dia de amor. Na teoria da angústia de Freud, ele vai aceitar.
Na próxima aula vamos extrair o superego para meninas e para meninos e como
se extrai a identidade sexual e identidade de gênero. Vamos ver que tem uma surpresinha
em Freud que acaba com aquela heteronormatividade do édipo tradicional.

ÉDIPO CONTEMPORÂNEO - Continuação

Estratégia Edipiana: caso haja um vínculo frágil nas fases oral e anal a criança chegaria à
fase fálica com o sentimento de baixa estima, com a vinculação insegura, o que levaria
ela a buscar a colagem com a figura de referência na fase fálica, constituindo assim o
Édipo, o apaixonamento viria em função da insegurança. Quanto mais inseguro, mais
apaixonado.

A tese de Pellegrino que vai ajudar a compor o Édipo contemporâneo feminino é uma
tese para homens e mulheres, que não diferencia o destino vivenciado por estes. Essa é
uma das características da tese de Pellegrino: quando ele pensa que Édipo da peça de
Sófocles agiu incestuosamente e parricidamente em relação aos pais que o abandonaram,
que o desamarram, Pellegrino quer mostrar que seja menino ou menina, se o bebê não
recebe dos pais um suporte para criação de um vínculo seguro, essa criança vai chegar na
fase fálica, vai descobrir a alteridade e vai então precisar colar à figura de apego – que
pode ser pai ou mãe - tal como um náufrago no mar agitado (exemplo que Hélio
Pelegrino dá no texto), que quanto mais medo tem de se afogar mais vai se agarrar com
todas as forças à bóia que estiver à disposição para poder não afundar.

Então na tese de Pellegrino, diferente do que Freud falava sobre o Édipo masculino, o
Édipo não seria um fenômeno que aconteceria espontaneamente, ele seria um fenômeno
que aconteceria, com mais ou menos intensidade, a depender das experiências anteriores
da fase oral e da fase anal. No Édipo masculino tradicional, Freud entendia que acontecia
espontaneamente de acordo com o desenvolvimento libidinal, porém de acordo com a
tese de Pellegrino diz-se que o Édipo é uma possibilidade : ele pode acontecer de forma
aguda, mais moderada ou acontecer de uma forma que nem propriamente constituiu o
processo edipiano. É como a situação de no colégio na terceira unidade já se ter nota para
passar de ano, então é como se, para Pellegrino, a maturação que a criança precisa, o
suporte de segurança afetiva que a criança precisa para aprender a estar só e explorar o
mundo ao redor pode ser adquirido em fases anteriores ao Édipo. Se for preciso vivenciar
a fase fálica, com todo o conflito de uma relação triangular para adquirir essa maturidade,
ok pode ser que seja necessário o édipo. Mas o Édipo para Pellegrino ele pode quase que
passar em branco, a depender de como a criança chega na fase fálica, como chega em
termos de autoestima, em termos de segurança afetiva.

A vivência triangular que a criança vai ter vai ser bastante abrandada se a criança sentir
que tem o vínculo seguro com os pais. Vê-los desejarem entre si. Ver a mãe ter um
repertório de desejos que não aponta pra criança, que alguns momentos até contrasta ao
da criança, isso pode ser vivenciado sem maiores dificuldades caso a criança tenha tido
um vínculo seguro nas fases anteriores, tenha conseguindo então desenvolver a
capacidade de ficar só ( conceito Winnicottiano) e tenha conseguido ampliar o domínio
dos objetos de significação. Forma ampliada: a criança segura é uma criança que explora
o ambiente e com isso cria novas relações de interação significativas. Se a criança faz isso
nas fases anteriores ao Édipo, ela pode chegar na triangulação edipiana, ela pode se
deparar com a alteridade dos pais e pode encarar isso como algo relativamente fácil de se
lidar.

É semelhante imaginar estudantes de psicologia: passando pelo período de formação,


neste período de formação visa a chegar no estágio na hora de aplicar os conhecimentos,
visa chegar com algum grau de segurança. Precisa aprender alguma coisa do trato do
estágio, mas vai precisar ficar com taquicardia, com sensação de desmaio... na hora que
tiver diante do cliente? Depende! Se a formação for uma formação consistente, se os
feedbacks ao longo do curso forem positivos, se sentirem que estão fazendo um bom
caminho, chegará ao estágio com o nervosismo normal, mas vão poder encarar aquela
nova atividade de atender pessoas, seja onde for, se sentirá seguro na frente do cliente,
sem precisar entrar em crise. É como se entendêssemos que a fase do estágio corresponde
à fase fálica, fase do Édipo. Esse estágio vai ser vivenciado com tanto mais aflição,
colando na figura do orientador/supervisor, sendo vivenciado como um grande conflito,
como uma grande crise emocional. E pode ir aos poucos adquirindo no estágio condições
de lidar melhor com aquelas circunstâncias, com as responsabilidades, compromissos,
metas que o estágio tem. Aí pode dizer entrei no Édipo/entrei no estágio e o estágio se
mostrou bastante tenso, agitado, conflitivo e aos poucos foi aprendendo a lidar com
aquilo: é uma possibilidade. O Édipo existiu, foi agudo, foi dramático, mas o sujeito aos
poucos conseguiu atravessá-lo. Segunda possibilidade: o estágio dramático, difícil,
angustiante e o sujeito vira e diz que não aguenta e não quer mais continuar o estágio.
Essa pessoa prejudicou formação dela, atrasou o desenvolvimento dela, criou um
problema na fase de lapidação da sua condição profissional que a impede de, uma vez
formada, atuará de forma capenga, tropegamente, tal qual Édipo que, por ter os pés
inchados, caminhava tropegamente na vida (a metáfora que Hélio Pellegrino faz).

Por outro lado, imaginando um outro destino: a pessoa fez bem as disciplinas que tem a
ver com clínica, seja ela Gestalt, TCC, Rogeriana.., estudou bem, procurou livros pra
além do que é discutido na disciplina, assistiu vídeos, foi pra palestras, etc., e aí chega o
momento do estágio, a pessoa pode chegar nesse momento se sentindo seguro o suficiente
para vivenciar de forma construtiva o estágio, que sabe que é apoiada pela instituição ,
pela supervisão, pelo grupo,.... Nesse caso, houve uma crise quando a pessoa chegou no
estágio? Não houve crise, de algum modo foi um desafio, mas cada pessoa vai sentir de
uma forma diferente. Da mesma maneira Hélio Pellegrino entende que a fase fálica pode
significar algo tormentoso, dramático, agudo, barulhento para algumas crianças do sexo
masculino e do feminino, assim como pode se mostrar algo mais tranquilo, fácil,
manejável, dependendo das vivências emocionais experienciadas até então, vivências da
fase oral, da fase fálica (o professor falou fálica mas acredito que seja anal) e da própria
experiência intrauterina. Se essas três vivências são vivências que produzem o efeito de
autorregulação, de equilibração, produz um efeito de segurança afetiva, sensação de ser
amado, sensação de ser reconhecido, de ser valorizado, se essas experiências de
valorização afetiva permitiram que fosse uma criança curiosa, interativa, que explora o
ambiente, isso tudo dá a criança “know-how” para, diante de um pai e de uma mãe que
se mostram agora figuras de alteridade, ou seja pessoas que possuem um repertório
próprio de vontades e desejos, repertório este que pode contrastar, que pode conflituar
com o repertório da criança, quando ela se depara com isso, se ela tem essa vivência
anterior positiva, ela pode ter portanto uma capacidade maior de negociar e de manejar
os ônus e bônus que essa condição de alteridade proporciona.

Você poderia perguntar: que bônus? Só tem ônus. Não, não só tem ônus. Uma mãe que
leva uma criança para uma festa de aniversário e que queira que a criança brinque com
ela a festa toda, essa mãe ela não vai estar favorecendo a criança, e a criança vai estar
gostando porque a mãe quer brincar a noite toda com ela. Essa criança provavelmente vai
se sentir invadida, sufocada por essa mãe que não consegue largá-la. Então, a mãe que
tem alteridade para se envolver na festa de aniversário com amigas, outros parentes em
conversações, deixando a criança para explorar o ambiente das brincadeiras, das outras
crianças, essa mãe é uma mãe que favorece a ação da criança no mundo. Então a criança
tem benefícios com essa mãe alteritária, não apenas ônus. E mesmo quando a criança quer
uma coisa da mãe e o querer da mãe vai no sentido contrário por conta de uma vontade
dessa mãe, do seu desejo, mesmo nessa situação de conflito, esse conflito pode ser
resolvido com alguma conversação, com algum embate, mas depois de chegar a um
consenso, a depender do quão flexível, a depender novamente do quão segura para
ampliar o domínio dos seus objetos de interação, essa criança voa (não tenho certeza se
foi essa a palavra) e esse “kow-how” depende do que ela vivenciou nas fases anteriores
à fase fálica.

Vamos imaginar um Édipo que acontece com alguma intensidade, mas sem ser tão crítico,
para meninos e meninas, chegaram na fase fálica, tinham passado razoavelmente bem
pelas fases oral e anal, mas diante do desafio da fase fálica, que é encarar as ... com
alteridade, digamos que esse menino/a entra numa crise, ou seja, se sente inseguro, cola
na figura de apego (mãe ou pai) e rivaliza com aquele outro ser que de certa maneira
demanda atenções dessa pessoa que é a figura de apego para criança: instaurou-se então
o Édipo. A criança passou pela fase oral e anal de forma razoavelmente boa porém diante
da fase fálica, com as características e peculiaridades da fase fálica, surgiu o desafio que
a criança não conseguiu dar conta sem algum grau de insegurança e angústia que a tenha
levado a tentar resolver o problema colando na figura de apego. Ao invés de suportar essa
movimento da figura de apego, o movimento da independência, da autonomia, que é
sinônimo da alteridade dessa figura de apego, não suporta, esse movimento gera
imprevisibilidade – hora a vontade coincide com a vontade da figura de apego, hora a
vontade é contrária a da figura de apego – para evitar essa imprevisibilidade a criança
tenta seduzir a figura de apego, cola numa relação apaixonada.

Exemplo de como a paixão pode ser motivada pela insegurança: imagine que você esteja
numa relação e você começa a reclamar, dá um ultimato, diz que não está dando daquele
jeito... e a pessoa continua bem irredutível. Aí você diz que não dá mais e que quer se
separar. Uma semana depois a pessoa pergunta: você quer mesmo se separar? Explica
que quer porque o parceiro é grosseiro, que diz que é o seu jeito de ser. Poderia tentar
mais você é irredutível no seu jeito. Semanas depois a outra pessoa procura você e diz
estar muito arrependido, que pensou melhor, e faz qualquer coisa para estar com você.
Ou seja, as pessoas às vezes precisam perder o objeto, precisam se sentir inseguras para
mostrar-se apaixonadas. Essa demonstração de paixão dele, na verdade, não é que ele
fosse apaixonado e não assumisse. Na verdade ele apresenta essa paixão como uma forma
estratégica de não perder a pessoa. A paixão é uma espécie de atitude, de estratégia, de
ferramenta para manter o outro.

Então Hélio Pellegrino diria que a paixão edipiana é diretamente proporcional à


insegurança provocada pelo medo de perder o outro, tanto é assim que quando as pessoas
conquistam alguém que está desejando o pico da paixão começa a cair. Você pode ficar
muito mais apaixonado enquanto ainda tá na paquera, na sedução e uma vez conquistado
algumas pessoas simplesmente perdem o interesse e para outras aquilo ainda pode durar
um tempo apaixonado e depois vai caindo e quanto mais segurança no vínculo houver
menor a paixão. Paixão nesse sentido não é necessariamente a demonstração de algo bom
que tenho pra dar ao outro. Paixão muitas vezes é a demonstração do quanto se quer o
outro, mas o quanto quer e o quanto teme não conseguir o outro. Então a paixão é
diretamente proporcional ao grau de insegurança que tem em relação ao outro. Olhando
por esse viés, para Pellegrino a paixão da criança, seja menino ou menina, pela figura de
apego ela será diretamente proporcional ao grau de insegurança ou à ansiedade de perder
essa figura de referência. Uma vez descobrindo que ela é autoritária, nesse caso é mais
posse. Na verdade, paixão é posse. Apaixonado não respeita a sua vontade, pode ter o
quadro psicopatológico da eretomania, de que eu estando apaixonado por você pode lhe
obrigar a admitir o quanto você é apaixonado por mim, que é a fantasia do eretomaníaco.
Apaixonado é capaz de matar = crime passional.

Então a paixão e a possessão andam juntas. Nesse sentido, portanto, para Hélio Pellegrino
a paixão edipiana é uma expressão da insegurança. Quanto mais inseguro, mais apegado,
mais possessivo, mais apaixonado. Uma vez apaixonado e possessivo vai tornar-se
incestuoso, vai querer o outro, só pra si, aqui e agora. Quanto mais apaixonado, possessivo
e incestuoso tiver, mais parricida será com relação a qualquer outro (seja pessoa, coisa,
símbolo ou trabalho...) que venha a disputar espaço com esse ser que quer que seja só seu,
que esteja disponível só pra si. Assim se constituiu a experiência edipiana, quando ela
ocorre, que pode simplesmente nem ocorrer. Quando ocorre de forma branda, moderada
ou intensa, ela ocorre em função da insegurança perante o desafio da alteridade. Isso
aconteceria igualmente para meninos e para meninas. Essa relação possessiva e hostil,
apaixonada e odienta, ela se constituiria com o mesmo viés do Édipo tradicional (amor e
ódio pela figura de referência, pela figura de apego e ódio e amor pela figura de
concorrência). E assim se daria a vivência edipiana, ao longo de meses ou de anos, com
maiores intensidades em alguns momentos, com menores em outros, com algo mais do
lúdico em alguns momentos, com mais realista em outros. E ao longo do tempo esses pais
vão reagindo contra essa atitude de possessividade da criança, contra essas chantagens
emocionais, contra essas estratégias de sedução, essas atitudes invasivas da criança,
egocêntricas, egoístas, cada vez mais os pais começam a reagir com um pouco mais de
hostilidade. Aí entra a terceira etapa do Édipo: a finalização.

ETAPAS DO ÉDIPO:

1ª Etapa - da insegurança - se apaixona pela figura de segurança, de apego e hostiliza


o adversário;

2ª Etapa – vivencia essa possessividade e essa hostilidade de maneira mais intensa ou


branda, tentando ver como se vira dentro desse jogo ao longo de alguns meses ou anos;

3ª Etapa - o momento que começa botar e começa a sentir angústia de vir a perder o
amor conquistado. Eu tenho um amor, eu não quero alteridade (que dá impressão de que
perde esse amor), mas agora eu começo a notar que a minha reação de tentar tomar posse
vai piorando a situação. Ao invés de eu ter ora meus pais legais comigo, quando coincide
o meu desejo com o desejo dele, ora tê-los me frustrando quando não coincide os meus
desejos com os desejos deles, ao invés de ter esse balanceamento, acaba tendo uma eterna
situação de guerra com os pais, que está naquela possessividade, naquela insistência,
naquela teimosia, naquela atitude invasiva, naquela sedução manipuladora e os pais estão
começando a perder a paciência com isso e começando a hostilizar. A criança então
desenvolve angústias de castração.

Mas de que castração se está falando, se estamos agora com a plataforma do Édipo
contemporâneo? A gente pode conter a ideia de angústia de castração, é uma boa ideia.
Mas uma castração agora, do quê? Castração do pênis? Pode ser. É um roteiro possível
de construção fantasmática, principalmente pros meninos. Fantasia de que sou castrada,
não tenho pênis, é por isso que vocês (os pais) não me dão atenção, que vocês vão ver
que eu vou continuar teimosa, que vocês não me deram, vocês têm que me dar, me
compensar... Pode acontecer isso aí perfeitamente. É uma possibilidade. Agora tem que
necessariamente ser assim?

Após pergunta sobre se tem a ver com a Teoria da Angústia, o professor responde que
tem sim. Meninos e meninas podem desenvolver angústia de castração baseando o seu
falo ou a ausência de falo nas mais variadas partes do corpo e nas mais variadas
habilidades mentais. Pode até mesmo não saber onde localiza essa condição fálica, por
exemplo: você pode ter alguém em que você diz eu sinto que essa pessoa gosta muito de
mim, mas a gente se desentendeu um pouco e essa pessoa passou a se afastar de mim,
mas depois pensa que não foi por causa daquele desentendimento que foi algo muito
pequeno, eu acho que ela perdeu o afeto por mim por alguma coisa que ela achava que eu
tinha e não tenho mais, sem saber bem porquê não gosta mais. Às vezes a gente não sabe
localizar qual é o nosso elemento fálico que faz com que o outro nos deseje.

Então nesse sentido a gente diria que as crianças – meninos e meninas – podem fantasiar
que estão sob uma ameaça de perder aquele crédito, aquela condição fálica que eles
tinham perante o olhar dos pais, que pode ser constituído por várias narrativas (“você é
muito fofinha, você é linda, muito inteligente, você é muito sincera, amorosa...”). Os pais
chateados podem gerar angústia na criança de que eles não a acham mais fofinha,
amorosa, inteligente, que vai parecer ser uma pessoa intransigente, egoísta e isso leva a
criança acreditar que vai perder algo que elas tinham e uma vez perdendo isso elas não
vão ter mais o amor dos pais. Então angústia de castração é angústia de perder algo que
pode ser material/corpóreo ou pode ser subjetivo/mental ou pode ser material não
corpóreo. Pode ser por exemplo viver uma angústia de castração quando pensa que faliu
e as pessoas não vão mais respeitar e nem querer ser seus amigos, porque agora não tem
mais dinheiro. Várias pessoas se suicidam quando falam porque acham não terem mais a
respeitabilidade e amor do outro. O falo nesse caso é o dinheiro. Pessoas podem também
sentir isso quando envelhecem, quando perdem a beleza, ou quando perdem a função
profissional. A aposentadoria, o envelhecimento são fases de perdas fálicas consideráveis
e isso pode trazer como consequência angústias de castração, angústias depressivas.

Então olhando por esse viés o que interessa no Édipo contemporâneo é que meninos e
meninas vão fantasiar que aquela atitude de teimosia, de possessividade deles, que
aquela atitude de hostilidade aguda com relação ao concorrente, a adversário, vai trazer
depois de meses anos vai trazer como consequência uma retaliação e essa retaliação vai
vir sob a forma da destituição - o outro vai lhe destituir daquilo que pode ser claro e
objetificável ou pode ser difuso, mas vai o destituir daquilo que dava pra ele, que produzia
o brilho que levava os pais a o amarem. A criança vai fantasiar, depois de vivenciar essa
possessividade e essa hostilidade e receber inicialmente aquelas respostas amorosas (“que
bonitinho, que fofinho, ela quer que o pai seja só dela ou ele quer que a mãe seja só dele”)
e depois achar bonitinho e tirar por menos os pais começam a tornar mais firme suas
posturas, a dar mais limites, a bater mais de frente, a criar mais situações de impasse,
chega um determinado momento que a criança vai fantasiar que aquela atitude de rebeldia
e de possessividade edipiana dela vai acarretar um dano maior pra ela do que o dano
causado pela condição de alteridade dos pais. A condição de alteridade dos pais, como já
falado, tem ônus e bônus. O ônus é não ter a mãe ou o pai só pra si a qualquer momento.
O bônus é ter papai ou ter mamãe em alguns vários momentos para si. Se entra na posição
de possessividade entra na posição de “ou tudo ou nada”, “ou ganha mamãe só pra si e
destruo papai ou vai ser destruído”. Quando começa a ter a angústia de castração, vai ter
aquela angústia de ser destruído, que corresponderia em Melanie Klein a angústia
esquizoparanóide.

Então essa angústia de ser destituído daquilo que em mim é suporte, é razão, é justificativa
para o amor dos pais, essa angústia de que perde o brilho, que perde essa tal coisa –
significando o falo - que faz os pais o amarem, é o que levaria meninos e meninas a
recuarem das suas ambições edipianas. Obviamente em Pellegrino ele vai colocar o temor
de um lado e vai somar com mais dois elementos: o elemento do cansaço que uma
vivência edipiana causa (a possessividade e hostilidade cansam e a criança quer abrir mão
dessa batalha), e a criança também quer abrir mão dessa batalha porque ela não gosta de
decepcionar os pais, não gosta de não corresponder ao que os pais querem dela. Assim,
somando motivos temerosos com motivos amorosos a criança então recuaria da posição
de possessividade e hostilidade, ou seja, recuaria da posição incestuosa e da posição
parricida e aceitaria o lugar de identificação desejado pelos pais. Ela (a criança) pensa:
vocês querem que eu seja o que? Querem que eu me identifique com o que? Aos pais
transmitindo a lei da cultura vão dizer: eu quero que você que aceita o tabu do incesto ou
seja você não vai querer nem mamãe, nem papai, nem ninguém para ser seu,
exclusivamente seu a qualquer momento, e você vai se identificar com o tabu do
parricídio, ou seja, a proibição de você fazer do outro com quem você concorre uma figura
abjética que você pode desprezar, destruir, agredir, matar... Então aceitando essa posição
de identificação a criança assimila além da cultura o ponto de vista do outro e formaria
então o seu superego.

Com essa construção do Édipo contemporâneo a gente corrige dois defeitos que o Édipo
tradicional feminino tinha: a) o defeito de partir da premissa de que mulheres são seres
castrados, incompletos e invejosos; b) e também corrige a premissa de que mulheres não
têm motivo para não terem um superego. Elas têm o que perder, tem o amor do outro a
perder, por isso elas têm angústia de castração.

Momento que responde perguntas do chat – MIN. 46:07

Pergunta: A gente se refere a figura materna e paterna de uma forma independente de


sexo biológico e gênero, ou essas figuras de cuidado obrigatoriamente são do sexo
masculino e feminino nesse caso?

Resposta do professor: Não, nesse caso do Édipo Contemporâneo a gente leva ao pé da


letra essa questão de figuras maternas e paternas, atravessa isso na medida em que se diz
que a figura paterna pode ser uma figura de cuidado assim como a figura materna pode
ser uma figura de normatividade. Materno e paterno descolado de mãe e de pai. Materno
como se fosse um tipo de papel e de paterno também. Eu prefiro falar de papéis
normativos e papéis de acolhimento e cuidado, onde mães e pais podem fazer isso ao
mesmo tempo ou predominantemente eu exerço um papel mais normativo, ou de
acolhedor e cuidado. Porque as palavras materno e paterno remetem a mãe e pai. Função
paterna e materna por mais que tenha sido uma ampliação passo a frente eles continuam
carregando o radical de origem. Figura paterna: pai;Figura materna:mãe. Poderíamos
avançar e pensar em figuras de apego que podem ser mais normativas ou mais
acolhedoras entre meninos e meninas, então vai ter uma figura de apego que eu vou tentar
me garantir mais, mas eu posso fazer isso uma hora com o outro. Essa vivícia de apego
pode acontecer com aquele que exerce normalmente uma função mais normativa e pode
acontecer com quem exerce uma função mais acolhedora. O fundamental é que no édipo
eu sinto uma necessidade que pode ser maior ou menor, uma necessidade de garantir o
amor do outro. Edipiano é aquela pergunta : ´´Tu me ama mesmo?`` Esse típico de
insegurança é típico de segurança Edipiana. Meninos e meninas vivenciam isso em doses:

a. Tão brandas: que não dá nem pra dizer que houve um complexo de édipo;
b. Em doses mais moderadas: houve mas foi um édipo mais brando e simples.
c. Em doses maiores: foi de fato importante
d. Doses críticas: que o édipo é quase insuportável.

E vai ser resolvido passado certo tempo usando várias motivações:

1) Motivação do cansaço: mais simples;


2) Do amor: quero corresponder ao amor dos pais. Porém o elemento da ameaça e do
temor tem um papel fundamental para compor a equação. O temor seria o da castração, e
meninas vivenciariam isso?Sim, vivenciariam. Meninas tem a impressão mais clara ou
mais obscura de que ´´algo eu tenho`´ ou ´´algo que eu sou`` faz com que meus pais me
amem e se eu for teimosa ou possessiva demais possa ser que eu perca essa tal coisa que
eu tenho ou eu sou que faça com que meus pais gostem de mim, com esse receio eu abro
mão desse amor exclusivo para ser amado. Um amor com alteridade, que nem sempre
vou ser correspondida mas ́ m
́ e amem`` que tá tudo certo, édipo bem resolvido.

Pergunta: Na Posição Esquizoparanóide, a angústia que a criança sente seria uma


ansiedade da criança, que é o medo da criança ser castrada pelos objetos maus?

Resposta: Não é a mesma coisa, porque o objeto mau que quer me destruir é ao mesmo
tempo o objeto amável. Ele seria uma angústia paranóica no primeiro momento que se
tornaria numa angústia depressiva. Em que eu sinto que tenho bons objetos que fazem
minha mãe querer tá comigo e é como se eu tivesse maus objetos porque minha mãe nem
sempre quer estar comigo. É como se uma parte minha não brilhasse e eu tenho que aceitar
viver dessa forma. O outro também é essa mãe maravilhosa que quer brincar comigo e
uma mãe chata que quer fazer as coisas que eu não gosto. Uma mãe boa e má, eu boa e
má ,usando uma construção Kleiniana, estaria numa situação depressiva quando
passo/suporto essa idéia, seria isso para um arranjo moral da questão.

 Formação da identidade Sexual

No Édipo tradicional, o menino se identificava com o pai porque era com ele que ele tinha
uma relação de identificação e se identificando com o pai, ele se identificava com o
gênero masculino (identidade de gênero) e se identificava com a orientação sexual, o pai
voltado para a mãe, no caso dele se voltaria para mulheres. No texto de Freud ´´O Édipo
e o Ide`` tem uma passagem que ele diz: ́ ́ O menino no Édipo (ele ta falando do édipo
tradicional) se desenvolve numa relação de identificação com o pai e desenvolve uma
relação de objeto com a mãe. Diz que quando há uma perda da relação de objeto, quando
o menino tem que abrir mão dessa relação de objeto com a mãe, toda a relação de objeto
uma vez perdida, se transforma em relação de identificação. Sendo assim, o menino se
identificaria com o pai e a mãe. Dessa forma, ele se identifica ao gênero feminino e
masculino e se orienta com a identificação da mãe e do pai. Orientação sexual da mãe
voltado para um homem e a orientação do pai voltada para uma mulher.

Ao final, qual é a síntese que a criança faz? A resposta de Freud é: A síntese vai depender
de cotas pulsionais e características internas constitucionais da ordem do masculino e
feminino e da bissexualidade fundamental de cada um vem desses arranjos internos se o
sujeito vai desenvolver algo mais masculino e mais feminino. Mais heterodirigido ou
mais homodirigido, ou bissexualmente dirigido, isso vai depender de arranjos da sorte e
do acaso. Porque cada um vai ter no édipo figuras masculinas e femininas e vai ter
orientações diversas e essas orientações vão precisar se somar a orientações internas da
ordem do masculino e feminino e da ordem da bissexualidade de cada um. Nesse sentido,
para Freud, o destino que a criança segue após-édipo em termos de identidade de gênero
e em termos de identidade sexual não pode ser predeterminado por nada, é uma
combinação de elementos internos e de elementos interacionais que deixam o resultado
final para a sorte e o acaso.

Essa construção Freudiana do EGO e ID (do livro EGO e ID) quebra aquele esquema, é
uma forma de dizer que várias combinatórias e identidades são possíveis portanto não dá
para explicar isso a partir de circunstâncias que antes era uma espécie de jogo de cartas
marcadas sempre daria uma identidade de gênero cigênero e uma orientação
heterodirigida, o que não corresponde à realidade dos fatos. Ele coloca a ideia de que a
gente tem que considerar elementos constitucionais de cada um. É como se a gente
carregasse desde a infância uma bissexualidade fundamental. Freud acreditava que a
sexualidade na origem é bissexual, nós somos seres bissexuais. Também acreditava que
nós temos ações mais ativas e passivas , mais masculinas e femininas também a partir de
elementos constitucionais e fortalecidos pela história de vida. Quando se chega no édipo
as relações de identificação, não são apenas do menino com o pai , como o édipo
tradicional dava a entender, o próprio Freud teve uma relação de objeto com a mãe
perdida, que a criança tem que renunciar, se transforma em relação de identificação. As
identificações de Freud são múltiplas e diversas, masculinas e femininas, identificações
com os ideais de cada um. Pode ser um homem, por exemplo, que tem uma admiração
muito grande por mulheres, você vai se identificar com a minha identidade de gênero mas
também com meus ideais.

A identificação do outro, da criança no édipo é múltipla no menino. Isso vai gerar portanto
identidade de gênero que ao final vai ser mais femininas ou masculinas mas não binárias
como hoje em dia se coloca a depender de elementos constitucionais de cada um junto
com esses elementos da história de vida da qual faz parte o édipo para identidade sexual.
Para orientação sexual vou ter uma vivência de identificações com a figura paterna,
materna, se forem dois homens me identifico com um homem e me identifico com o
outro, além de me identificar também com os ideais de cada um. Isso pode desenvolver
em mim na interação com os meus elementos institucionais, posso ser filho de dois
homens mas na figura trazida por esses dois homens pode conter mulheres muito
interessantes, admiradas, que foram importantes para eles como a avó,a mãe por exemplo,
e por via de identificação eu passo a desejar na minha orientação secxual tanto a
possibilidade de desejar homens quanto mulheres, a síntese final diz Freud no texto
EGO e ID, é da gente poder deduzir e uma configuração identificatória que acontece
apenas ali naquele momento fálico, se não levarmos em consideração elementos
constitucionais e multiplicidade identificatória que aquele momento em si
provoca/produz.

Ao final, a síntese da ordem da identidade de gênero e a síntese da ordem da orientação


sexual vai ser o somatório/cálculo numa equação complexa, que vai intervir em dados
constitucionais e com dados de história de vida e vivência Edipiana. Isso dá margem para
dizer que homosexualidade , bissexualidade, identidades trans, e etc. Elas não são frutos
de acidentes que acontecem no desenvolvimento humano, mas sim são o resultado das
múltiplas possibilidades que o desenvolvimento emocional e psicológico permite. Freud
com esse texto, é como se desse margem para essa conclusão. O édipo contemporâneo
para meninos e meninas se revela capaz de superar o problema da felicidade feminina,
que era completamente comprometido, e comprometido a felicidade está comprometido
à normatividade . O édipo contemporâneo supera isso assim como supera o jogo de cartas
marcadas que levavam a boa superação do édipo a ser necessariamente a condição no
menino de uma identidade masculina e heterosexual. No édipo contemporâneo a gente
pode ter superego, falo na menina e pode ter heteronormatividade, homonormatividade
ou bissexualidade, identidade cis, trans. Tudo isso passa a ser configurações, designs
possíveis para a formação da subjetividade de cada um. É uma construção muito mais
sintônica com a condição dos direitos humanos fundamentais das pessoas
contemporâneas , mais adequada à clínica contemporânea em que pessoas transexuais
procuram não porque tem um problema subjetivo a resolver, mas porque tem um transição
identitária para fazer e enquanto não fazem sofrem com aquilo. Como a gente sofreria
também, por exemplo, se precisasse assumir que sou uma mulher apesar do meu corpo
masculino , ou seja, eu preciso ficar adequado a minha identidade.

No texto freudiano do EGO e ID, o édipo contemporâneo serve para podermos ouvir
essas pessoas que nos procuram sem tentar enquadrá-las numa camisa de força que não
corresponde à realidade. A transexualidade não ́é um problema psicológico, é um
problema identitário que vai ser resolvido com soluções práticas, o suporte psicológico
para que você faça essa transição é importante, mas o problema que a pessoa tá trazendo
ali não é um problema de conflito, angústias depressivas ou qualquer coisa desse gênero
em relação ao seu ser. As angústias podem ser depressivas e paranoides com relação a
´´Eu não suporto ser um homem se eu tenho um corpo de mulher´´. O édipo
contemporâneo permite uma leitura muito mais sintônica com os homens e mulheres
contemporâneos do que o édipo tradicional. A realidade dos fatos gera figuras com
identidade cisgênero, trans, sexualidade heterodirigida, homossexualmente dirigida,
bissexualmente dirigida e etc. Nas construções heterossexuais, homossexuais, transexuais
pode haver problemas. O fato de ter uma orientação heterodirigida não significa que a
sexualidade é saudável, pode haver vários problemas da ordem da sexualidade, vivência
amorosa em uma condição heterossexual.

Saídas saudáveis e doentias do Édipo


Se a gente pega o édipo na versão tradicional masculina, o que se entende por
normalidade, por saúde, seria exatamente aquela resolução edipiana em que a criança abre
mão da ambição que constitui o Édipo, porém mantém a coragem e a capacidade de
renúncia. Ela troca ambição totalitária, a ambição onipotente por uma dupla virtude: a
virtude da coragem e da criatividade para tentar construir, lutar, encontrar e conquistar na
realidade aquilo que garante a realização do seu desejo, lembrando aquela construção da
sublimação ou da realização direta do desejo no mundo, que são duas formas saudáveis
de se lidar com o desejo. Então, a criança guarda do Édipo algo da coragem e da
criatividade edipiana, e da resiliência para o enfrentamento de obstáculos. A coragem
para enfrentar situações que são ameaçadoras, hostis; a capacidade criativa de encontrar
saídas no meio desses obstáculos para fazer valer o seu próprio desejo. Então, é esperado
que um édipo bem sucedido mantenha na criança essas habilidades da coragem, da
criatividade e da resiliência.
Por outro lado, espera-se também que o édipo lapide na criança a capacidade da
renúncia, de recuo, da aceitação da perda, aceitação da derrota, que a gente chamaria da
capacidade de ser capaz de governar o seu desejo sem realizá-lo. Já que não foi possível
realizar eu fui capaz de segurar, eu consegui governar, manter-me em pé apesar de não
poder realizar aquele desejo, e suportar a frustração.
Essa seria a passagem pelo Édipo considerada mais saudável. A criança
aprenderia as virtudes do enfrentamento e ao mesmo tempo aprenderia as virtudes da
resignação.
[O professor pede para guardar o tema do fetichismo, evitando dar uma guinada
para a perversão, que virá logo em seguida].
Na saúde, o que se espera do Édipo é uma troca da ambição onipotente, que dota
a criança de supostos superpoderes, para uma condição dupla: i) uma criança corajosa,
criativa e resiliente para o que é possível ser feito no mundo e ii) de uma criança resignada,
capaz de suportar frustração para o que não há mais o que fazer no mundo - acabou o
jogo, fui derrotado, paciência, agora é aguentar essa derrota, o que não tem remédio
remediado está. Se ainda tiver um jeito, vamos ver se a gente consegue formular uma
estratégia e virar esse jogo.
Então a capacidade de ter coragem criatividade resiliência para enfrentar
obstáculos enquanto é possível atingir o objetivo visado é considerado uma ótima atitude,
uma ótima qualidade que a criança pode extrair desse momento edipiano. Assim como a
qualidade de tirar o time de campo, recuar, renunciar quando já não houver mais chance
de conseguir o que se desejava.
Obviamente que no meio disso tudo tem protesto, caso você acredite que mesmo
não tendo vencido aquela partida, ela não foi justa. Aí você nota brechas na realidade para
você poder ainda reivindicar o alcance do seu objetivo.
Para que essas duas virtudes sejam construídas no édipo, seja no tradicional ou
contemporâneo, é preciso que, do lado dos pais haja uma atitude acolhedora e ao mesmo
tempo com limites claros. Se ela não for acolhedora, se ela for somente ameaçadora, é
possível que a dimensão da coragem, da criatividade e da resiliência sejam prejudicadas
e a criança não vai se sentir segura para fazer tentativas ousadas por que teme a retaliação,
a punição. Então ela pode se tornar uma criança mais tímida, uma criança mais inibida,
caso a atitude dos Pais sejam atitude predominantemente ameaçadora. Por isso, é preciso
haver acolhimento e limite.
Algum temor e algum amor precisam estar presentes para que seja possível esse
resultado corajoso, resignado, criativo e, ao mesmo tempo, capaz de renunciar.
Se por outro lado, a atitude dos Pais for puramente acolhedora, a criança não vai
desenvolver noção de limite. Não desenvolvendo noção de limite, a criança tenderá a
transformar aquilo que seria visto como coragem, criatividade e resiliência em
teimosia, em falta de bom senso, falta de noção de limite, falta de noção do direito do
outro, e ela se tornaria uma criança mimada, que a todo momento se torna invasiva, que
passa por cima do outro.
Então, pais ameaçadores podem prejudicar a capacidade corajosa, criativa e
resiliente. E pais superprotetores podem impedir a capacidade de resignação, de suportar
frustração.
E é exatamente atitudes muito ameaçadores ou excessivamente
acolhedoras que vão desembocar nos processos neuróticos.
É verdade que a gente tem que colocar na equação elementos da individualidade
da criança, as cotas pulsionais de cada um. Se uma pessoa é mais agressiva, ela vai se
tornar mais agressiva consigo mesma, caso ela seja derrotada. Então, em vez dela ter
resignação, ela vai ter autopunição, ela não vai conseguir suportar frustração, em razao
do elemento agressivo que está dentro dela mesma, com suas tendências pulsionais
agressivas. Ela pode não se tornar uma pessoa corajosa, mas sim se tornar uma pessoa
que faz roleta russa do mundo, que age de maneira extremamente temerária por conta da
agressividade.
Então, a tendência ameaçadora e superproteção dos Pais, somado à
individualidade pulsional - seja das demandas libidinais ou agressivas da criança -
vao resultar em processos neuróticos.
Esses processos neuróticos podem seguir o caminho da:
i) obsessão: em que a criança desenvolve uma atitude excessivamente
culpabilizante, como se ela fosse sempre a culpada de tudo. Traz como contrapartida pais
excessivamente autoritários, ameaçadores, criando um sentimento interno na criança de
que ela é sempre culpada de tudo. Ação ameaçadora dos Pais pode resultar num processo
de uma neurose obsessiva. A criança pode desenvolver uma conduta autoculpabilizadora,
que pode resultar no processo depressivo ou no processo obsessivo, a depender também
do quão ameaçadores são os pais, no processo da normatização do Édipo.
ii) Histeria: Por outro lado, pais muito indulgentes, muito acolhedores, que
aceitam tudo, que não colocam limites em nada, pode resultar um quadro histérico, em
que a criança se sente sempre vítima, injustiçada, precisa sempre ganhar as atenções,
precisa sempre ser o centro dos interesses de todos, podendo resultar, quando isso não
acontece por vias normais, buscar isso pelas vias sintomáticas.
iii) Fobia: Nos casos fóbicos você tem sempre a atitude de colocar a culpa ou o
problema fora de você, no outro, fazer uso eternamente da projeção para encontrar quem
é o culpado da situação.
Então, o processo de como Édipo é vivido pode resultar na arquitetura, numa
geografia interna favorável a processos neuróticos obsessivos histéricos fóbicos.
No obsessivo o culpado sou eu, no histérico o culpado é o meu agressor, no fóbico
o culpado é um fato externo (um ambiente fechado, um avião, um animal que passa pela
rua).
É claro que esses processos têm uma complexidade muito maior quando se
analisa caso a caso e não permitem essa didática toda. Eu estou colocando aqui
didaticamente apenas para vocês terem uma ideia, um panorama de causalidade
O fato é que o complexo de Édipo nas características de trabalhar a ambição
e de trabalhar a resignação, coragem, resiliência e criatividade, e trabalhar
humildade, resignação e a capacidade de suportar frustração, vai ser nesse trânsito
aí que você pode encontrar posições consideradas interessantes, saudáveis e
equilibradas e posições consideradas neuróticas dentro da obsessão, da histeria,
dentro da fobia e dentro da depressão.
Pergunta de Van: Que material a gente pode utilizar para estudar esse tema?
Resposta: Para estudar esse tema existe muita coisa na obra de Freud. Existe
desde os casos clínicos sobre histeria (livro Estudos sobre histeria, Volume 3 das obras
completas), existem casos de obsessão (Homem dos Lobos; Homens dos Ratos), existem
os casos de fobia (o caso famoso é o caso do pequeno Hans). Além disso tem textos de
Freud como Neurose e Psicose, A perda do sentido de realidade na Neurose e na
Psicose.
Essas tentativas de realização do desejo sem a perda do sentido de realidade é
como se fosse os dois parâmetros usados por Freud:
Um parâmetro é o que eu faço com o desejo: eu realizo, sublimo ou governo? É
o parâmetro mais explícito no conceito de saúde de Freud.
Mas, para realizar, para sublimar e para governar eu posso precisar evitar dados
de realidade. Quando eu evito demais, eu vou ter uma perda do sentido de realidade, que
vai resultar num processo neurotizante.
Um dos textos que eu cito nesses dois artigos sobre saude é uma passagem de
Freud que diz assim: "O neurótico é aquele que não nega a realidade mas tenta evitá-
la". Ou seja, ele não nega a existência da realidade, mas tenta evitar lidar com a realidade
dos fatos, tenta esquecê-la, tenta fazer de conta que ela não existe. Está aí Freud
definindo a neurose pela via da perda do sentido de realidade. Não é uma perda total. O
neurótico continua percebendo o que é a realidade, mas é uma perda significativa porque
ele tenta evitá-la. O que torna alguém neurótico é a tentativa de evitar a realidade.
O Psicótico é aquele que nega a realidade e tenta construir uma realidade
alternativa dentro do seu mundo interno pela via da alucinação e pela via do delírio.
O normal ou saudável, diz Freud, é aquele que, assim como a o neurótico, na sua
expressão saudável, não nega a realidade, e assim como o psicótico, transforma a
realidade - mas transforma-a não no seu imaginário e sim no mundo, não de forma
autoplástica (como o psicótico, no seu mundo interior).
Ex: É como essas pessoas que ficam protestando o resultado das eleições, eles
criam na cabeça deles que a eleição foi fraudada. Mas, o Exército diz que não, o TSE diz
que não, o Tribunal de Contas diz que não, os Observadores internacionais dizem que
não, mas eles mantêm uma realidade interna na cabeça deles, que diz que sim. Isso não é
propriamente algo psicótico no sentido estrito senso clínico, mas isso é algo que a gente
chamaria de delirante, é uma atitude esquizoide, em que você nega a realidade e constrói
uma outra baseada no WhatsApp, para ser a sua realidade. Não é exatamente o que a gente
chama de psicose, mas tá no meio do caminho entre a normalidade e a psicose. Por que é
um processo semelhante ao da psicose? Porque nega a realidade.
Pergunta de Lu: Quando o senhor fala em autoplástico, como é isso?
Resposta: Plástico nesse sentido significa transformação. Autoplástico é
transformação de si mesmo. Eu transformo a minha ideia para que a minha ideia seja a
seguinte: ganhamos a eleição, só que ela foi fraudada. Eu estou transformando a minha
ideia, mas eu não estou me baseando em algo da realidade. Eu não digo assim: "Quer ver
que isso é verdade?". Aí vou lá e mostro na realidade urnas fraudadas, contas mal feitas.
A força do desejo faz você querer muito a realização do desejo e para você alcançar a
realização do desejo, o psiquismo pode te encaminhar para o Delírio e Alucinação como
forma de fazer você se sentir realizando o seu desejo.
Aloplástica (Eu transformo o mundo) e autoplástica (eu transformo as minhas
ideias).
Eu preciso das duas na saúde. Por exemplo: eu achava que venceria, então eu
tenho uma ideia de "Eu Vou Vencer". Se eu perco, o que é que eu tenho que fazer com a
ideia de "Eu Vou Vencer"? Eu tenho que transformar isso. Eu tenho que dizer assim:
Achava que já tinha vencido, achava que venceria, mas agora eu tenho que entender que
não venci, preciso entender que eu perdi. É uma modificação autoplástica, de
resignação, de aceitação da derrota, de suportar frustração. Ao mesmo tempo, eu
preciso fazer uma transformação Aloplástica. Eu posso dizer: "eu não perdi tudo, eu
posso ser uma boa oposição, afinal de contas recebemos quase 50% dos votos. Vamos
organizar uma boa oposição para em 2026 a gente voltar com força". Essa é uma
modificação Aloplástica. Mas o que é que uma pessoa frágil, com tendências à psicose
vai fazer? Vai fazer o que esses lunáticos estão fazendo por aí. Não é propriamente um
processo psicótico, mas tá no meio do caminho porque assim como os psicóticos eles
estão negando a realidade, estão apenas utilizando de vias autoplásticas para poder
construir um cenário de realização do desejo.
É claro que eu posso precisar de uma conduta autoplástica para conseguir a
realização de um desejo. Exemplo: Vamos dizer que eu tenha uma uma maratona para
correr de triathlon: primeiro nado, depois eu pego uma bicicleta e depois eu corro. Aí na
hora da natação na minha estratégia para poder chegar no pódio eu teria que chegar entre
os 10 primeiros na natacao. Aí vamos dizer que nadando eu esteja na posição 20ª. Aí eu
comeco na bicicleta. O que eu preciso ter como atitude? Eu preciso ter como atitude e
positivamente o seguinte: vamos lá, eu esperava pelo menos a décima posição, entrei na
vigésima, vamos ver se eu consigo tirar essa diferença na bicicleta e na corrida. Eu tenho
que me ao transformar, para continuar acreditando que eu posso chegar em uma boa
posição apesar de não ter conseguido aquilo que esperava na prova de natação. Então eu
tinha construído a minha ideia da competição mas não deu certo, eu corro risco de
desanimar, mas essa é a hora em que eu preciso fazer uma mudança autoplástica, eu
preciso dizer assim: espera aí, é possível que os meus concorrentes também não se saiam
bem nas provas de bicicleta e de corrida. Eu posso me sair melhor do que eu imagino nas
provas de bicicleta e de corrida. Foi necessário uma mudança autoplástica.
Pergunta de Lu: mudanças aloplásticas e autoplástica são neutras?
Resposta: são neutras. Depende de como eu uso.
Que eu seja uma pessoa insistente até o último minuto, que eu seja uma pessoa
que diga: "não cante vitória, vamos ver o relatório que vai sair dos órgãos de
fiscalização". Agora, chegou o último relatório, o que se espera de alguém saudável?
"Poxa, queria muito ter vencido vamos chorar, vamos lamentar, vamos sofrer, vamos dar
as mãos, vamos dar força para cada um, mas vamos depois levantar a cabeça e tocar o
barco porque 2026 vem aí e a gente pode tentar novamente". Foi exatamente o que a
esquerda fez com a derrota de Haddad em 2018. Não teve esse bando de lunático na
esquerda, rezando para pneu e pedindo intervenção militar dizendo que tinha sido
fraudada, fechando rodovia. É uma virtude psicológica emocional saber perder.
A saúde depende de ter coragem criatividade, resiliência para enfrentar obstáculos
e ter a capacidade de tirar o time de campo, se resignar, aprender a perder, suportar
frustração. São esses dois pólos que constituem a saúde mental, a saúde psicológica, a
saúde emocional.
Quando falta um elemento desses eu posso: fazer como neurótico que não nega
a realidade, mas tenta evita-la, e ao tentar evitá-la, eu termino não lidando com que eu
tenho que lidar. Ex: eu sei que eu tenho que fazer o curso de graduação, mas eu vou
deixar para o próximo ano. Ai outra pessoa diz: Você vai perder um ano, por quê? Porque
eu não estou me sentindo preparado. A gente não aceita isso. A gente não diz: Beleza,
beleza, tu queres esperar mais um ano, tudo bem. Normalmente, a gente diz assim:
Procura uma ajuda, para ver se você não perde um ano. Imagina o filho de vocês dizendo:
eu não vou enfrentar um curso de graduação agora não, eu vou esperar mais dois anos. A
gente não acha isso razoável.
Luíza pergunta: Isso pode ter a ver com a procrastinação?
Resposta: Nesse caso é uma procrastinação que a gente chamaria de
patológica. Uma coisa é eu dizer: "Não vou entrar agora na clínica, eu acabei de me
formar, vou aguardar, fazer uma especialização em clínica, vou aguardar fazer um
trabalho aqui de grupo de estudo para me fortalecer um pouco mais e começar o
consultório". Essa é uma atitude criativa, de transformação para poder garantir a
maturidade necessária, para começar bem o trabalho de clínica. Aí seria uma
procrastinação, um adiamento positivo. Agora, quando é esse que diz: "Eu sei que tenho
que fazer, mas vou fazer no outro ano porque agora porque eu prefiro não ir", então
vamos procurar um trabalho terapêutico com um psicólogo para você ver o que é que está
acontecendo. Isso é não negar a realidade mas tentar evitá-la. Eu posso adiar de forma
negativa, e aí a gente chama de procrastinação; eu posso adiar de forma positiva, que é
quando eu chamo de prudência, uma atitude madura, adequada.
Isso vem da dificuldade de você suportar a frustração, vem da dificuldade de você
enfrentar uma situação problema. É como se toda minha ousadia, a minha coragem
tivesse ido pelo ralo na passagem pelo Édipo. A ameaça de castração foi tão potente que
ao invés de entregar os anéis eu entreguei os dedos junto com os anéis. Sabe aquele fim
de namoro que você diz: "Eu não quero mais amar ninguém, porque isso aqui fez um mal
muito grande". É quando eu entro no processo neurotico. Eu quero evitar essa
realidade. Eu sei que namorar não é tão perigoso, mas para mim é uma coisa que eu não
quero mais, eu rejeito completamente, eu tento evitar essa realidade, de modo tal que isso
traz prejuízos para mim. Eu não estou falando aqui da atitude do assexuado, que não
acha interessante viver vínculo sexuais mas apenas amorosos. Eu estou falando de pessoa
que tenha disposição para uma vida erótica, mas que diante da frustração do final de um
relacionamento sente uma ameaça tão ruim, que quer durante um tempo para além do que
seria razoável nem pensar em namorar ninguém. Aí a gente diz: a pessoa neurotizou no
processo.
Então por conta das ameaças ou por conta de uma atitude muito indulgente
da parte dos pais, a pessoa não tem capacidade de lidar com situações frustrantes.
O processo neurótico revela uma incapacidade de ter coragem, criatividade,
resiliência para enfrentar situações problemas do mundo.
As mudanças internas e externas são necessárias tanto para o processo de
resignação de abrir mão do governo consciente, quando no processo de realização,
sublimação e transformação do mundo.
A saúde está dentro desse quadro.
Entenderam como a vivência do Édipo pode capacitar para uma conduta mais
saudável ou provocar uma inclinação mais neurotizante?
Margarete: Eu posso usar um argumento maduro para justificar uma neurose…
Professor: perfeito. Muitas vezes em quadros obsessivos, você vai ver a pessoa
dando uma justificativa totalmente lógica e racional para o que faz. E você vai notar o
caráter neurótico daquilo na ausência do afeto. É como se a pessoa, para conseguir fazer
isso, neutralizasse demais. Ex: Eu perdi, mais eu achei que foi uma chance de aprender
com a derrota, foi até bom não ter vencido, porque eu aprendi muito mais com a derrota
e hoje em dia eu até gosto de ter perdido porque aprendi muito com essa derrota. Mas, e
a chateação e o mal-estar que você sentiu? A pessoa constrói aquela fábula de que está
tudo bem para não entrar em contato com a ferida. Então, quando vocês se encontrarem
com condutas muito perfeitinha na frente de vocês, pode saber que tem bronca na
jogada. É como a gente diz usando a fórmula kleiniana da posição depressiva. A posição
depressiva kleiniana é a grande posição. Se a pessoa dissesse assim: "Fiquei muito triste
por ter perdido, até hoje ainda sinto uma pontinha de dor, mas ao mesmo tempo foi bom
ter perdido porque aprendi um bocado com isso". Agora, chegou. Mas, vem com aquele
discurso de Poliana de que foi ótimo ter levado a queda. Você vai dizer o seguinte: Foi
péssimo aquela queda, mas ainda bem que eu terminei conhecendo no hospital esse cara
aqui que cuidou de mim e que a gente terminou se casando e estamos ótimos vivendo
uma vida bacana hoje em dia. É a chamada posição depressiva: você aceita o mau e o
bom, presentes ao mesmo tempo. Tentar idealizar é tentar fazer com que tudo fique
bom. Ao mesmo tempo, você pode fazer o inverso como posição defensiva: você pode
transformar tudo em coisa ruim, que é a demonizacao. Ex: "Não adianta fazer, vai dar
errado, vai dar certo não, adianta não". Isso é uma maneira de não colocar a mão na
massa. Então, tanto idealização quanto demonização são posições defensivas
Neurotizantes. Em ambos os casos eu não estou querendo colocar a mão na massa.
Júlia: Qual o limite entre saúde e doença, e qual atitude dos pais na fobia?
Resposta: Fobia é quando você coloca a causa fora de você, em outro lugar. A
gente tá brigando e eu digo: "na verdade é Margaret que está fazendo isso com a
gente. Não tem nada a ver com a gente aqui não, a gente tá brigando à toa. A causa é
Shirlene".
Obs: Muitas vezes, as explicações causais vão ficar a desejar, mas em teses
didáticas a gente diria: pais muito exigentes colocam a culpa em mim, pais
hiperacolhedores fazem com que eu não sinta nunca culpa, que eu me sinta sempre vítima
(eu sou injustiçado, não me deram). E pais que atribuem a culpa para fatos externos
poderiam favorecer a conduta fóbica e projetam. Mas, isso é um didatismo que eu só uso
para vocês organizarem um pouquinho a coisa. Você pode ter por exemplo pais
extremamente brandos e por você ter uma cota pulsional mais agressiva, o pai brando
termina ajudando a eu ficar mais exigente. Ademais, eu posso me sentir muito mais
censurado por um pai que me olhou com reprovação do que por um pai que me deu uma
surra. Ou então o pai que não diz nada e que o filho tem que adivinhar o que ele está
pensando, um pai que é brando porque não tem coragem de dizer o que pensa. Então os
jogos da comunicação são tão variados que para a gente tentar colocar isso em um único
desenho teórico vai sempre gerar aquele didatismo que ao invés de esclarecer termina
iludindo. É um didatismo que não constrói conhecimento. Essas teorias mantém o
mistério muito grande.
Quanto à questão do limite entre saúde e doença, o critério que a gente usa
é o critério de frequência e intensidade e o critério de terreno vital. Ex: De vez em
quando eu dou umas procrastinadas. Eu pergunto: Júlia, com que frequência, com que
intensidade? Você deixa totalmente de fazer, moderadamente ou apenas parcialmente
de fazer? Você deixa isso várias vezes ao longo da semana, várias vezes ao longo do
dia, várias vezes ao longo do mês? Aí entram os critérios de intensidade e frequência. E
o outro critério importante é: você procrastina em coisas que são essenciais para sua vida,
que são fundamentais, das quais depende o seu bem-estar, a sua qualidade de vida? Se
você disser sim, então a gente diria que essas procrastinações são produtoras de fatos
neuróticos. Agora se você disser: não, não é com tanta frequência, não tem tanta
intensidade assim, não atinge zonas tão vitais. Então, a gente teria que faz parte da
precariedade humana, o que convive com a saúde. O saudável não é o ausente de danos,
não é o ausente de conflitos, angústias e sofrimentos. Lembrando a noção de mal estar
pode ter angústia pode ter sofrimento pode ter conflito pode ter dano pode ter prejuízo,
mas esses danos prejuízos conflitos angústias eles não impedem o bem-estar, a
sociabilidade, a produtividade, a vontade de viver e eles não ocorrem em intensidade e
frequência e em zonas nobres do psiquismo. Aí a gente diria: apesar de tudo ainda temos
saúde.
Morgana: Qual é a posição do fóbico?
Resposta: A posição do fóbico é sempre a de colocar fora de si o mal, não
necessariamente culpando alguém, não é pela culpabilização, mas colocando para fora de
si o elemento perigoso. O elemento perigoso pode estar na rua, em espaços fechados, em
aves, no vento, em lugares altos, aviões, elevadores. Então você coloca fora de si ou
mal. Agora, no caso do nazismo, a gente tem uma conduta de responsabilização, de
culpabilização dos judeus. isso é o quadro mais de obsessão ou de fobia? Em uma
situação como essa gente diria que a conduta é mais projetiva e fobica, no sentido de
paranóica, do quê própriamente obsessiva, mas tem culpabilização do outro, que é tão
distante de ser o resultado de seu mal que a gente não coloca isso na ordem do
histérico, nem da ordem do obssesivo. Culpabilização do outro mas é uma
culpabilização que diferente do quadro histérico em que eu tenho o outro realmente
fazendo algo contra mim. No caso aí é um outro semelhante a um elevador, é um outro
semelhante a um quarto fechado. O que que um quarto fechado tem de perigoso? Nada.
É irracional. Esse dado de irracionalidade constituiu um quadro fóbico.
Luciana: Demonização e o outro é o que mesmo professor?
Resposta: De um lado a idealização e de outro a demonizacao. É como se fosse a
face e o verso da mesma medalha. Na idealização eu só considero os bons elementos, na
demonização eu só considero os maus elementos. Em ambos os casos eu estou numa
posição que kleinianamente a gente chamaria de esquizo-paranóide. Eu tô buscando pela
via da idealização negar que existem problemas, estou pela via da demonização dizendo
que tudo é um problema e portanto eu não devo mais acreditar em nada, nem tentar
nada. As duas posições são favoráveis a um processo neurotizante.
Fica claro o Édipo no que tange a neurose e a saúde?
Não consideraremos o Édipo tradicional feminino por que é um Édipo totalmente
frankensteiniano - Uma mulher que só desenvolvendo um filho homem poderia se
recompensar.
Mas, pegando o édipo contemporâneo, eu vou precisar igualmente encontrar
equilíbrio emocional para me sentir seguro, confiante, apesar das situações poderem
apresentar desafios. E obviamente eu não espero na psicopatologia que você se torne uma
pessoa segura e confiante enfrentando batalhas que são radicais. Qualquer teoria da
Saúde da doença pensa em contextos padrões. Por exemplo: Eu não vou testar a saúde
mental de vocês colocando vocês para enfrentar uma guerra. Eu não vou testar a saúde
mental de vocês colocando vocês para vivenciarem aquelas situações de privação quase
que total na selva. Por que não? Porque isso não é a vida cotidiana. Se você trabalha
numa plataforma da Petrobras aí tudo bem, eu vou precisar saber como você funciona em
uma situação radical. Aí eu preciso desse teste de sanidade mental em situações
extremas. Qualquer teoria de saúde-doença parte de situações ordinárias que são
situações comuns da vida. A gente não avalia saúde-doença nem na melhor situação nem
na pior situação, mas em situações ordinárias. Então, aquilo que a gente entende como
sendo fragilidade, precariedade,: eu tenho as minhas procrastinações, eu tenho as minhas
situações em que eu me irrito com facilidade, a pergunta vai ser sempre: Com que
frequência e com que intensidade? Impede o bem-estar, produtividade, sociabilidade e
vontade de viver? isso atinge zonas nobres do psiquismo? Dependendo da resposta que
eu tenho para isso aqui, eu vou pensar em diagnósticos de saúde ou de doença.
No caso do Édipo contemporâneo, eu posso me tornar neurótico ou saudável a
depender do grau de segurança e de confiança, de criatividade, de coragem que eu tenho
para enfrentar, e da resignação que eu preciso ter quando não tem o que enfrentar mais.
Ex: Eu não vou esperar todos os meus soldados morrerem para tirar o meu exército de
campo, mas vou levantar bandeira branca quando eu notar o momento de parar. A gente
tem um tempo certo para se resignar. Mas, tambem não tem sentido demonizar retirando
o meu time de campo antes do tempo. Ex: Se eu tirei 5 na primeira prova eu nem vou
fazer a segunda porque a segunda é mais difícil e eu nao vou passar. Pode ser que você
esteja tirando seu time de campo rápido demais. Ao mesmo tempo, minha chance é
mínima, eu tenho que fazer um investimento financeiro que vai ser muito alto, pode ser
que seja melhor você dizer assim: eu posso fazer um melhor uso desse investimento, ao
invés de colocar minhas cartas numa jogada tão arriscada? Se a pessoa só sai da sala de
jogos quando perde os seus bens, essa pessoa não tem prudência. Então, nem ousadia
sem limite, nem a inibição medrosa e temerosa. É exatamente essa
posição intermediária que a gente considera uma posição saudável. Eu posso perder
e entrar na neurose, mas posso me recuperar e voltar para saúde.
Luiza: Na nossa vida cotidiana a gente pode entrar na neurose e sair dela?
Resposta: isso.
Luiza: Entao, é normal neurotizar?
Resposta: assim como é normal pegar uma gripe. Normal nesse sentido significa
que está dentro da estatística, está dentro do campo de possibilidades. Agora, a gente diz
que é saudável não estar gripado. Mas eu posso tanto estar saudável quanto
neurotizar. Exemplo: eu tive uma perda, não consegui processar bem essa perda, eu
posso neutralizar, eu posso deprimir. Eu vivi uma situação-problema, aquilo ali pode me
levar a entrar no quadro histérico, obsessivo ou fóbico. Eu sou ajudado por um processo
terapêutico, eu posso sair e voltar para condição de saúde.
Luiza: onde entraria o Édipo?
O Édipo é um exercício que junto com outros tantos exercícios que você vai
empreender ao longo da vida podem lhe dar musculatura para enfrentar situações-
problema ou pode favorecer um certo desfecho negativo, patológico.
Édipo, assim como várias outras situações vividas ao longo da nossa existência,
vão problematizando ou favorecendo desfechos positivos e negativos.
Vamos dizer que eu neurotizo e desenvolvo um quadro histérico, fóbico ou
obsessivo. Vou para o trabalho de análise e aquilo ali pode me ajudar a corrigir
inclinações edipianas que eu tinha dentro de mim - inclinações edipianas temerosas ou
ambiciosas que eu guardava dentro de mim. Eu posso ter ambições que me levam ao
édipo ou eu posso ter temores que me levam a ele. Pela minha ambição eu quero sempre
mais e, no edipo, vou lá colar no outro; ou, pelo medo, eu posso precisar me colar ao
outro para garantir segurança. Então, eu posso ter problemas por ambição ou por temor.
A depender de como o sujeito maneja essas situações ambiciosas e temerosas, ele pode
se capacitar a ter novas vivencias que vão igualmente fortalecer uma ambição moderada,
que é o que eu chamo de coragem, e fortalecer uma capacidade criativa moderada, que é
o que a gente chama de criatividade (uma criatividade excessiva, a gente diz: Fulano é
muito viajado, imagina umas coisas que só na cabeça dele para funcionar. É muito
autoplástica, fica muito no plano das ideias. Ou então começa muitas atividades mas
depois para e abandona). Então, a gente acha que essa criatividade precisa de limite
porque ela não está gerando a continuidade da existência de algo. Não que as pessoas não
possam mudar dar uma guinada na vida, mas essas guinadas dependem de você ter dado
continuidade pelo menos até certo ponto. Se a pessoa chega na clínica com uma demanda
desse tipo, a gente poderia perguntar: não tem uma missão muito grande aí não? não tem
uma sensação de ter que alcançar o teto do mundo não? porque essa necessidade
toda? não tem medo de sucesso aí, que faz com que você recua quando tudo tá dando
certo? Não tem uma dificuldade de ficar bem e se sentir realizado que faz com que você
tenha que voltar para o início toda vez que você tá lá no topo numa posição de conforto?
A não ser que você não apresentasse queixa: eu tô com bem-estar, sociabilidade,
produtividade, vontade de viver. Nesse caso, não há doença, mas saúde. Mas
normalmente não é assim. Quando a gente tem qualidade e satisfação muito raramente a
gente abandona.
Na próxima aula a gente continua com a Psicose e com a perversão, aí entra a
noção de fetiche que Priscila perguntou. para depois a gente iniciar a nossa última
trajetória que seria a teoria da angústia.

AULA 25.11.22
Cont. aula anterior e início de TEORIA DA ANGÚSTIA

Então, a gente tinha visto a passagem do Édipo de saudável para o édipo neurose né? …na
psicose pra já descartar o psicótico ou aquele que desenvolve aquela estrutura do tipo mal
integrada ele não entra no Édipo. Então não é uma questão de não elaborar bem o Édipo,
é uma questão de não entrar na conjuntura do Édipo, por que não entra? Porque falta ao
psicótico se distinguir do outro o suficiente para poder encarar a figura do terceiro, que é
exatamente o que a gente chama de figura de alteridade. Se o Psicótico desenvolve uma
relação mais simbiótica com o outro, ele não permite a existência psicológica de um
terceiro, não permitindo, não se arma o jogo triangular, certo? Então na psicose a gente
não tem passagem pelo Édipo, no sentido estrito senso. Você tem passagem pela fase
fálica, mas você não tem o desenvolvimento de uma relação triangular que vai trazer os
desdobramentos que a gente viu na questão do Édipo.
Na perversão, o que acontece, ou naquela estrutura de baixa normatividade, o traço
fundamental do perverso é que ele vai negar a castração. Com essa negação, ele reafirma
a onipotência fálica. E ele nega a castração colocando no lugar da falta do pênis materno,
a figura do fetiche, ok? A figura do fetiche é uma espécie de metonímia, alguma coisa
que a mulher tem que ser idealizada e transformada em uma estrutura fálica, para com
isso, negar a castração. A castração não existe. O perverso é construído pela via de um
desmentido, pela via de uma desconsideração de uma realidade. A neurose você recalca,
você considera aquela realidade, mas tenta esquecê-la. Na psicose você nega a existência
daquela realidade ali. O perverso observa a realidade, mas ele nega a castração fálica.
Negando a castração, ele reafirma a onipotência.

Pergunta de Edu: No psicótico essa negação é um mecanismo de defesa ou não tem


defesa porque não tem conflito?

Resposta do Prof°: A negação é como se fosse o seguinte: é como se o conflito do


psicótico fosse entre o id e a realidade. Enquanto que o conflito neurótico é entre id e o
superego, o conflito psicótico é entre o id e a realidade. A realidade não se mostra
adequada à realização do desejo, esse desejo, portanto, é negado, inicialmente, e ele volta
sob a forma de uma mudança autoplástica (sob a forma de uma mudança no psiquismo).
O sujeito alucina, ao alucinar ele desconsidera a realidade compartilhada. Então, no
conflito entre o id e a realidade, eu preciso, vamos dizer, recalcar a realidade, como não
existe recalque da realidade, a gente chama de forclusão da realidade. Eu preciso
desconsiderar a realidade e construir outra no seu lugar. Só que eu construo outra não no
mundo, eu construo outra mentalmente, na minha alucinação e no meu delírio. Já na
perversão, eu não tenho problema de considerar a realidade. Porém, no que toca ao falo
eu preciso negar a castração, eu preciso viver como se tudo pudesse ser feito, não há nada
que eu tenha que renunciar/evitar. Eu posso tudo. a castração tiraria de mim essa
onipotência, o que eu faço? Eu nego a castração. Pra isso eu preciso fetichizar algumas
instituições, ou algumas pessoas (ex: o exército, o presidente).

Pergunta de Ju: Então, prof°, pode ser um fenômeno coletivo?

Resposta do Prof°: Pode funcionar como um fenômeno coletivo, a exemplo daqueles


suicídios coletivos tipo Jim Jones (mais de 900 pessoas tomaram veneno).
Então, é isso tem que ter a figura do líder carismático, que não erra, que nunca faz nada
de mal, que é perfeito. Então, o fetiche entra no lugar da ausência do pênis materno. É
essa a ordem. Ao negar a castração é como se o perverso driblasse o Édipo. O perverso
consegue evitar que o Édipo atue como a gente espera que o Édipo atue (construindo
moralidade e identidade sexual). O perverso dribla esse esquema da ameaça de castração,
com a negação da castração, ok? Então, é assim a relação entre o Édipo, saúde, neurose,
psicose e perversão.

Se a questão aberta da prova for essa: Explique a relação entre o Édipo, saúde, neurose,
psicose e perversão, vocês já vão ter uma questão garantida.

Pergunta de Priscila: Isso pra menino e pra menina?

Resposta do Profº: Sim, agora normalmente se fala da perversão masculina. Mas você
tem perversa feminina. Como Freud não sabia explicar o Édipo feminino, não houve uma
tentativa de explicar a perversão feminina. Ficou com alguma coisa do menino, era ele
que era onipotente, era ele que poderia se manter nessa posição. Para isso, o que Freud
quis dizer é que uma forma de você manter a onipotência é pela negação da castração e
construção do fetiche.

Pergunta de Margarette: E até hoje ninguém tentou ir pelo caminho aí do feminino?

Resposta do Profº: Pra explicar o ferminino? eu não conheço. Eu vou nessas férias ler
sobre perversão. Estou com livro de Roberto Stoller (“Perversão: a forma erótica do
ódio”), de Contardo Calligaris (“O grupo e o mal”) e tem outro de Flávio Ferraz
(“Perversão” - editora casa do psicólogo). Vocês lerem esses três, vocês vão se tornar
especialistas em perversão.

TEORIA DA ANGÚSTIA

Freud montou 04 teorias, o esquema é: faz a primeira, descobre o defeito, vai pra segunda,
descobre o defeito, vai para a terceira, descobre o defeito, volta pra segunda e reforma, é
a quarta.

1ª) A primeira teoria da angústia é desenvolvida a partir da observação clínica (método


para se chegar a ela), observação do consultório, do paciente em análise. Freud percebe
que as pessoas que apresentam angústia são normalmente pessoas que apresentam
conflito com sua sexualidade. Esses conflitos produzem ações de recalque da sexualidade
e Freud então montou a teoria afirmando que a sexualidade uma vez recalcada produz
como um efeito possível: a angústia.
Lembram que um dos destinos do afeto após o recalque era diluir, deslocar, se transformar
em angústia? É essa a primeira teoria, da transformação em angústia. Essa sexualidade
represada, lembram? daquele afeto quando perde o representante, pode se diluir, pode se
deslocar e pode se transformar em angústia. É essa terceira possibilidade que monta a
primeira teoria da angústia de Freud.
Nessa primeira teoria, a angústia é uma espécie de subproduto da sexualidade.
Sexualidade bem trabalhada gera gozo e orgasmo, sexualidade recalcada pode gerar
angústia. Como se fosse um vinho que você não guarda adequadamente, ele avinagra.
Seria a metáfora da sexualidade, não utilizada devidamente, avinagra, virando angústia.

Qual é o defeito dessa primeira teoria? que leva Freud a mudar.

Margarette: A sexualidade mesmo não recalcada ela pode produzir angústia.

Comentário de Léo: E quem tem a sexualidade bem resolvida?

Resposta do Profº: Claro que pode ter. Olhai, tá vendo? Não tem quem acredite no
conceito de saúde não. Eu vou desistir. Por que não pode ter a sexualidade bem resolvida?

Léo: Porque tem a lei da cultura assim feito um vampiro no pescoço.

Resposta do Profº: Não, cada vez mais a lei da cultura amplia o campo de possibilidade
sexual. Imagina o que era uma mulher a 100 anos atrás e o que é agora. O que eram os
homossexuais há 50 anos atrás o que é que são agora. Imagina, houve um crescimento
enorme. Ninguém precisa adoecer mais pra ser uma mulher ou pra ser homossexual.
Margarette: Não precisa, mas adoece.

Profº: Claro que pode adoecer, como qualquer pessoa pode adoecer. Mas a questão
fundamental é: há uma possibilidade de você se manter dentro da saúde. A não ser que
você esteja pedindo perfeição para o psiquismo. Eu não estou chamando saúde de
perfeição. Saúde convive com precariedade, como eu digo lá no texto. Só que essa
precariedade pode ser suficientemente boa, para usar o termo winnicottiano. Vocês
podem olhar pra vocês mesmo e pensar: minha vida sexual é suficientemente boa? Não,
eu tenho ejaculação precoce ou perda de ereção constantemente, ou certo asco dos
líquidos sexuais, ou tenho uma sensação de claustrofobia no abraço. Aí ok. Mas se eu
disser, eu consigo vivenciar, é prazeroso, é agradável, chego ao orgasmo na maioria das
vezes, tiro proveito daquilo ali e porque eu vou chamar aquilo de neurótico?

Continuando: Qual o defeito disso aqui?

Recalque é uma defesa. A gente se defende do que? No sentido bem amplo. Daquilo que
causa dor, daquilo que causa desprazer. Se eu disser assim: fulano está se defendendo,
vocês imaginam que tem o que diante dele? Uma ameaça. Então, a gente se defende do
que é ameaçador. E o que é ameaçador gera o que em termo de sentimento? Gera,
portanto, angústia. Então, para o recalque funcionar, a gente tem que ter angústia
mobilizando o recalque. Essa teoria entende que a angústia surge depois da ação do
recalque. Freud identifica uma ação mobilizando o recalque, chama essa angústia de
angústia sinal e chama a angústia pós recalque de angústia real. Busca um novo método,
que é o método de observação do desenvolvimento infantil, para organizar uma nova
teoria da angústia que consiga encontrar lugar para a angústia sinal e para as angústias
reais. Então, o defeito da primeira teoria da angústia: não contemplar a angústia sinal
(angústia essa que mobiliza o recalque). Não explica a existência da angústia sinal,
explica a angústia real, mas não explica a angústia que mobiliza a ação defensiva. Se eu
me defendo do que me ameaça, eu me defendo do que me angustia. Então, tem uma
angústia aqui, mobilizando a ação recalcante, Essa angústia de mobilização recalcante
não está contemplada no final da equação, o que tá contemplada é a angústia produzida
pelo recalque e não a angústia que produz o recalque. Aí ele vai montar a segunda teoria
para agora dar lugar pra angústias reais e sinais e vai mudar o método ao invés de ser
observação clínica vai ser a observação do desenvolvimento infantil: a observação da
criança, se desenvolvendo, de bebê até uma certa fase da vida infantil.

Pergunta de Júlia: Eu tava aqui pensando, o defeito dessa primeira está em ele não ter
identificado e explicado essa angústia sinal. Mas o que isso implica? Porque isso
inviabiliza a teoria?

Resposta do Profº: Inviabiliza porque na equação você tem recalque da sexualidade


gerando angústia, você precisaria agora de: o que gera angústia sinal? é recalque? Não.
Então, essa teoria aqui está baseada na ideia de que recalcando a sexualidade a gente
encontra a angústia. Mas se tem uma angústia que mobiliza o recalque, como a gente
explica essa aqui? Ela não está explicada na primeira teoria.

2ª) Freud vai tentar ver quais são as experiências infantis que são acompanhadas por
angústia. Ele começa com a experiência do nascimento. O nascimento é acompanhado
por uma angústia que Freud vai chamar de angústia real. É aquela angústia do bebê ao
nascer, que faz ele chorar, faz ele abrir o pulmão. Essa angústia real é filha da pressão
pulsional que antes era remetida pelo cordão umbilical para a mãe e recebia um retorno
perfeito também via cordão umbilical. Com o corte do cordão umbilical, essa demanda
pulsional vai ficar contida no corpo do bebê e o ele não vai saber, durante um tempo, o
que fazer para realizar essa pulsionalidade. Tanto que a gente viu, ele vai alucinar, não
dando certo, o que ele vai fazer com essa demanda? Se a mãe não chega pra cumprir
aquele papel na alucinação, essa pulsão vai ficar ali excitando a criança e produzindo
efeito de angústia. Então, a angústia aconteceria ao nascer, porque excitações sexuais ou
pulsionais em geral se acumulam dentro do envelope corpóreo, dentro do organismo, e
essas excitações ao ultrapassarem um certo patamar tornam a experiência pulsional, uma
experiência angustiante. É semelhante a ter fome e quando a fome ultrapassa um certo
ponto, você começa a ficar irritado, aquela excitação pulsional da fome lhe produz
angústia, lhe produz irritação, certo?
Mas isso aqui também é explicado dizendo que o ato do nascimento, com o corte do
cordão umbilical e com a pressão pulsional não sendo mais canalizada pelo cordão
umbilical, o que vai acontecer é que essa pressão pulsional vai produzir o efeito de
desamparo. Ou seja, a criança vai ter a sensação, como aquela sensação de desequilíbrio,
que você pega uma criança, tira ela do equilíbrio e ela faz assim com a mãozinha, como
se ela sentisse que ela perde a capacidade de autorregulação do espaço. Então, a pressão
pulsional quebraria com essa sensação de autorregulação que o organismo tem,
desampararia a criança, deixaria a criança exposta a uma sensação de risco, de ameaça.
Freud diz que não é propriamente uma ameaça de vida porque a criança ainda não sabe o
que é vida e morte. Mas é uma ameaça a minha estabilidade, é uma ameaça ao meu
sentimento de autoconservação. Então, a pressão pulsional provoca essa sensação de caos,
de desamparo, que é acompanhada por angústia. Então a origem da angústia pra Freud é
a pressão pulsional acima de um certo patamar ou o sentimento de desamparo. Aí você
pode usar tanto uma linguagem quanto outra, certo? O sentimento de desamparo seria
acompanhado por angústia real e o nascimento seria a primeira experiência que produziria
esse efeito de desamparo. Outras experiências que produzam igual efeito, de acúmulo de
pressão pulsional acima de um certo patamar de suportabilidade, outras experiências em
que a pressão pulsional produza essa sensação de descontrole. Voltando pra o elemento
fome, mas poderia ser o elemento medo, você fica se tremendo, você perde o equilíbrio,
com aquela pressão pulsional agindo dentro de você. Então, o nascimento ou qualquer
outra experiência em que a pressão pulsional esteja acima de um determinado patamar de
suportabilidade, ela provoca esse efeito de quebra na autorregulação do psiquismo,
levando-o a uma situação de desamparo, acompanhado por angústias reais. Então, esse é
o conceito de angústia real, essa é a origem: Nascimento ou qualquer experiência que
reproduza essa situação de pressão pulsional intensa e de desamparo. O sentimento de
desamparo é acompanhado pela angústia real.

Uma vez mapeada a origem da angústia real, Freud vai mapear agora a origem das
angústias sinais. Vão ser 04 ao final. Na segunda teoria da angústia ele chega até a
terceira. Não confundam causas de angústia sinal com as teorias da angústia.

Então, qual é a primeira causa de angústia sinal:

A angústia sinal é uma angústia que sinaliza o perigo. Ela é, portanto, uma angústia
psicológica, uma angústia que antecipa o perigo. Angústia real é a angústia propriamente
dita, a angústia sinal é semelhante no quadro de ataque de pânico (a pessoa tem um ataque
de pânico - angústia real - e depois ela tem angústia da angústia. Ela sente angústia por
poder vir a sentir angústia. Tô porque eu temo me angustiar. Essa angústia da angústia é
uma angústia antecipatória, eu estou angustiado imaginando que eu posso me angustiar.
Essa angústia aqui, ela é angústia porque eu antecipo a angústia que tá la. Essa angústia
que antecipa é a chamada angústia sinal ou angústia psicológica. É ela que mobiliza a
defesa. A angústia é a antecipação da angústia real. É como se ela sinalizasse: opa, faça
alguma coisa para evitar a chegada da angústia real. É como se fosse um sinal de alerta,
faça alguma coisa: corra, fuja, se defenda, recalque. Faça o que for, para evitar a chegada
da angústia real. A angústia sinal nesse sentido, é derivada da angústia da real, eu primeiro
sinto isso para depois sentir, em determinadas ocasiões, que isso pode voltar. Antes que
isso volte eu sinto isso. Qual é a primeira situação associada à angústia real? Meramente
associada, ela não é causa da angústia real, ela se transforma no psiquismo em condição
favorável para a produção da angústia real. Qual é a primeira experiência?

1ª Experiência da AUSÊNCIA DA MÃE: No trato com o bebê, a mãe tá presente, a


mãe tá ausente, vai lá dá de mamar, sai pra fazer alguma coisa, volta, bota no colo, sai,
volta troca a fralda, sai. Presença, ausência, presença, ausência. No momento da ausência,
poderia ser também no da presença, mas na presença da mãe é mais fácil a mãe consegue
acolher a criança e encontrar aquilo que é necessário para que a criança relaxe, saia
daquele estado de angústia. Eu digo que pode ter isso aqui na presença da mãe, porque
nem sempre a mãe consegue aplacar a angústia da criança. Mas é mais fácil a criança com
a mãe aplacar essa angústia, do que a criança sem a mãe. Então, didaticamente, a gente
vai dizer que na ausência da mãe surgem angústias reais, acumula-se pressão pulsional, a
criança se sente desamparada. Não foi a ausência da mãe que causou isso, apenas, em um
momento de ausência, aparece isso aqui. A criança então, associa uma coisa com a outra.
Ao associar uma coisa com a outra, a próxima ausência da mãe vai ser vivenciada como
algo que provoca angústia sinal. Antes de que, novamente, na ausência da mãe eu sinta
isso, eu vou na ausência da mãe, antecipar e sentir isso. Então, a primeira causa de
angústia sinal - a ausência da mãe - precisa ser uma condição associada à angústia real.
Em outros termos eu posso dizer: Toda causa de angústia sinal precisa ser uma condição
favorável ao surgimento da angústia real. Condição favorável é diferente de causa. O que
é condição favorável o que é causa: a janela da casa da praia ficou aberta, o ladrão entrou
por ela e assaltou a casa. Quem assaltou a casa? a janela? Não. A janela da casa aberta é
condição favorável para o assalto acontecer. O assaltante é a causa do assalto.
Então, a ausência da mãe não causa a angústia sinal, o que causa a angústia sinal é a
pressão pulsional acima do patamar de suportabilidade de cada sujeito. O que causa a
angústia sinal é uma condição associada ou favorável ao surgimento da angústia real, por
sua vez, ela não causa a angústia real, ela apenas favorece a angústia real. O que causa a
angústia real é a pressão pulsional acumulada acima do patamar de suportabilidade de
cada sujeito.
Essa aqui vai se transformar numa causa superada, quando eu digo isso, é dentro daquela
margem de manobra que a gente espera de uma criança. A criança com a aquisição da
confiança emocional de que a mãe sai e a mãe volta e a criança com aquela capacidade
cognitiva trabalhada por Piaget. Vocês já estudaram a noção de permanência do objeto?
que é a noção de que a criança é capaz de entender que o objeto com o qual ela está se
relacionando continua existindo mesmo que seja retirado do seu campo de percepção.
Você nota isso no experimento do trenzinho. O bebê está olhando o trem e vai
acompanhando até o momento que ele entra no túnel. A criança que não tem ainda a
capacidade de permanência do objeto, ela se distrai. A criança que tem a noção de
permanência do objeto, espera o trem sair do outro lado do túnel. Ela sabe que o trem
apesar de ter desaparecido, continua existindo. Então, quando a criança se organiza
cognitivamente e desenvolve a capacidade de permanência do objeto, a ausência da mãe
se torna menos temida. Porque ela sabe que a mãe está ausente, mas continua existindo.
Mas basta a capacidade de permanência do objeto? Não basta. Porque eu posso acreditar
que mamãe continua existindo, mas eu não tenho confiança emocional de que ela existe
e vai voltar quando eu precisar. Então, precisa das duas dimensões. Eu preciso do conceito
de permanência do objeto - maturação cognitiva - e eu preciso da confiança - maturação
emocional, para que a criança então supere essa causa de angústia sinal e agora se sinta
angustiada no sentido sinal, sentido psicológico diante do temor da ausência do amor
materno.

AULA DIA 26.11.22

Causa original da angústia real - que é o nascimento e do nascimento a pressão


pulsional, e o efeito do desamparo produzido na criança.
As causas:
1.Ausência da mãe: quando colocamos os momentos de ausência, as situações de ausência
da mãe, isso causa angústia sinal - que é uma angústia psicológica, gerada por antecipação
- a ausência da mãe produz angústia sinal porque ela se associa a pressão pulsional e a
angústia real. É o nascimento que produz pressão pulsional acima de um certo patamar
que seria o nosso limiar de suportabilidade - gerando a angústia real. Situações na
ausência da mãe são situações que coincidem com o surgimento da angústia real, não
porque a ausência da mãe cause a angústia real, mas porque é favorável a angústia real
Na medida em que na ausência da mãe ocorre a angústia real, cria se a associação de uma
coisa com a outra e a próxima vez que a mãe se ausentar antes de surgir a angústia real, a
criança já reage com a angústia sinal, e para que isso seja superado é preciso que a criança
adquira aquela confiança emocional e adquira também a capacidade cognitiva da
permanência do objeto - Piaget.
2. Angústia sinal: ausência do amor materno: a ausência é no sentido da criança ao
alcançar essa fase ter dúvidas com relação a ser ou não ser amada, porque vem essas
duvida? porque nessa fase da na psicologia do desenvolvimento a criança adquire a
capacidade de interpretar os estados motivacionais alheios, interpretar o que você sente
por ela, o que você pensa, o que você quer, a criança percebe que a pessoa age motivada.
e começa a perceber "mamãe está com raiva, mamãe quer tal coisa, mamãe quer fazer
isso” e essa capacidade de interpretar o estado motivacional do outro é que faz ela
questionar “mamãe me ama?” Por que a preocupação da criança com esse estado
motivacional? Porque a criança percebe nesse estado que não basta só a presença da mãe,
é preciso a presença da mãe paciente, cuidadosa, fazendo várias tentativas para encontrar
o que é que tá dando angústia a criança. Essa mãe amorosa se transforma naquilo que eu
preciso ter para evitar as angústias reais, se eu tenho duvida do amor dessa mãe essa
dúvida faz com que eu desenvolva angústia sinal.
Aluna pergunta: Uma depende da outra? Não precisa passar por uma para desenvolver a
outra?
R: Totalmente dependente da outra, o normal do desenvolvimento é que você se
incomode com a presença - ausência, e depois se incomode com ser amado e não ser
amado.
Na psicologia do desenvolvimento, a angústia da separação e do desamor continuam
como peças fundamentais.
Aluna pergunta: Essa angústia sinal, pode surgir num adulto com outros objetos?
R: Isso aqui vai ser uma matriz, uma grande matriz, que vai se reproduzir na vida adulta,
adolescente, vida idosa. A gente vai ver depois que esses elementos aqui podem ser
generalizados - para se prestar como analisadores da condição de vida de qualquer um. O
que a gente chama de ausência da mãe aqui poderemos chamar na vida adulta de solidão.
Aluna pergunta: Professor, no caso da ausência da mãe não existir, mas eu senti…
R: Nesse caso você vai ter muito mais noção da ausência do amor materno, porque aqui
a criança está naquela fase operacional, é presença e ausência, estar e não estar, o que
pode acontecer é estar, mas não se interessa por mim.
Aluna: Pode acontecer de se interessar, mas eu como criança posso achar que não está?
R: Pode sim, nos conflitos do desenvolvimento a gente sempre tem dois indivíduos, que
podem interpretar de modo sintônico, ou de modo opositivo às intenções de um e de outro.
As presenças e ausências e as intenções de um e de outro, isso pode acontecer. Há uma
indeterminação fundamental no ato psíquico humano, e ele é no limite indeterminado.
Ex: ela vai gostar de mim se eu der atenção - aí se pensa que eu posso determinar que ela
vai gostar de mim. Mas no limite indeterminado, posso dar toda atenção e no fim a pessoa
pode dizer que não dei atenção alguma.
Ex: no livro kafka, o filho diz ao pai - provavelmente você seria um bom pai para outro
filho, e eu seria um bom filho para outro pai, o senhor pode até ser um ótimo pai, mas eu
não consigo lhe ver como um bom pai. - questão de visão individual, o filho se sentia
humilhado quando o pai lhe ensinava algo. Ou seja, tudo que o pai podia estar fazendo de
bom grado, estava sendo interpretado por outra perspectiva. Por isso consideramos o ato
psíquico no limite do indeterminável e imprevisível.
O seu psiquismo é capaz de antecipar fatos e experiências e antecipar suas próprias
reações emocionais, da mesma maneira como a ausência da mãe se associa a angústia
real, a criança associa o perigo da ameaça da angústia real ao desamor materno. Aqui é o
momento em que a criança está aprendendo a interpretar estados motivacionais alheios
(se é amada).
03. Causa de angústia sinal - Freud pela teoria do édipo, sabia que era derivada pela
ameaça de castração. Na medida que a ameaça é causa de angústia sinal (angústia sinal
vem pela ameaça e angústia real vem pelo fato). Ocupa a fase fálica, a fase do complexo
de Édipo. Freud afirmou que a ameaça de castração seria a terceira causa da angústia
sinal. É pela ausência da mãe no início, é pela dúvida se a mãe o ama e em terceiro
momento, depois que ele supera os outros dois. Ou seja, “sei que a mamãe não vai embora
e sei que ela me ama. Mas, também ele pode não superar, pode ter medo da ameaça da
mamãe partir, pode ter dúvida se a mãe o ama. As causas de angústias não superadas
podem ser somadas entre si. O problema nessa ameaça de castração para Freud, foi que
nessa teoria ele não conseguia fazer a ligação entre a angústia sinal com a angústia real,
como nas outras teorias. Por que não? Porque a ameaça de castração ele remete à
castração. A angústia de estar sendo ameaçado de ser castrado, mostra que ser castrado
seria a causa da angústia real. Antecipo o medo, assim como a criança não se sentido
amada antecipa a angústia real da pressão pulsional (fatos internos e libido). Quando
Freud se depara com a angústia de castração, ele percebe que a angústia sinal, remete a
angústia real de ser castrado. Ou seja a ameaça de castração para Freud não irá antecipar
uma pulsão interna, ela vai antecipar o ato de castração, que é um ato EXTERNO e
AGRESSIVO. Não gerando fatos libidinais e internos, modificando a matriz. Freud agora
se defronta com uma grande dúvida: se mudaria a teoria edipiana da castração, teoria
consolidada e difundida ou mudaria a nova teoria para adaptar a castração.

3º Teoria
Freud sempre imaginou que a SEXUALIDADE é que fosse a causadora da
angústia e não a AGRESSIVIDADE. A sexualidade na castração é meio e não FIM. “Eu
me sinto ameaçado pela castração porque eu desejo a minha mãe. Mas, o que gera
angústia não é eu desejar a minha mãe, desejar a minha só provoca uma coisa, está sim
geradora de angústia."
A ameaça de castração vai remeter à própria castração. O ato da castração é um
EXTERNO e AGRESSIVO.

Na 3º teoria Freud ainda mantém a fase do nascimento, só que agora ele entende que o
nascimento causa uma angústia real, porque expõe a criança a um ambiente EXTERNO
e AGRESSIVO. E essa exposição do bebe ao ambiente externo e agressivo que justifica
as angústias do bebe. Por que agressivo? Porque ora faz frio, ora faz calor, ora pegam
nele, ora não pegam, ora dói, ora não dói (...). Esse ambiente externo para o bebe é um
ambiente hostil. Pegando o conceito do ambiente externo e agressivo como causa da
angústia, Freud funda a nova teoria entendendo que é o nascimento que causa a angústia
real. (Ele não descarta os fenômenos, ele reinterpreta-os)
1º causa: ausência da mãe.
Sem a mãe eu fico exposto ao mundo externo e agressivo, sem ter ela como mediadora.
A mãe nesse caso como um filtro para impedir que elementos externos e agressivos
impactem no bebê, sem antes ser diluído filtrado. Ou mesmo, bloqueado pela mãe. Ou
seja, a ausência da mãe favorece uma angústia real.
2º causa: ausência do amor materno
Sem o amor materno, a mãe não vai querer a posição intermediária dela para evitar que o
mundo externo e agressivo cause danos ao bebê. A mãe não terá paciência, não terá
disposição, não terá criatividade para funcionar como filtro que impedirá que os agentes
externos atinjam o bebê.
3º causa: fase fálica
A ameaça de castração antecipa o fato do mundo externo ser agressivo. Antes era só frio,
calor, tato, som (...), agora também é agressividade fática. Preciso da mamãe para se
interpor entre o papai e eu e conseguir minimizar os fatores. Então, a ameaça de castração
é claramente uma angústia sinal que remete a uma angústia real. Porém, quando Freud
chega a essa conclusão ele percebe que essa 3º causa gera uma teoria do medo. Logo, não
seria a justificativa para a causa da angústia. Por que é uma teoria do medo? Porque a
diferença entre a angústia e o medo, é que medo eu resolvo tirando você de perto do fato
externo ameaçador. Já a angústia não adianta você ser afastado do fato externo, porque
não depende de um fato externo. A angústia é um fato interno.
Ferenczi, então, recomenda que Freud retorne à segunda teoria e reinterprete à luz
da teoria da teoria do amor. Reinterpretando isso à luz da teoria do amor, ela se encaixa
perfeitamente no esquema proposto até então. Freud aceitou. O que é a ameaça de
castração? A ameaça de castração não remete em última instância à castração como causa
da angústia real. A ameaça de castração é um meio. Se eu for castrado isso vai gerar uma
outra consequência, que é: “sem o falo eu fico sem o amor materno”. O que causa a
angústia, de fato, não é o ato da castração. O ato da castração em si só geraria uma dor ou
um incômodo, porém ele gera uma angústia maior porque eu sei que sem o falo, eu vou
ficar sem o amor; e sem o amor materno eu vou ficar exposto, com as mesmas tensões
pulsionais que vão crescer e superar determinado patamar e produzir uma angústia real.
Novamente estamos dentro do esquema da segunda teoria.
A ameaça de castração gera angústia em sinal porque ela é uma antecipação de
um fato gerador de angústia real. Esse fato é a consequência da castração, no campo do
amor. Castração, por si só, tira uma parte importante de mim, mas não é isso o que me
deixa angustiado. O que causa angústia é a possibilidade de perder o amor materno por
ter perdido o falo. E sem o amor materno eu não vou ter aquela pessoa para descarregar
tensões internas. Voltamos ao esquema da angústia real causada por fatos internos
libidinais. É medo de ser desamado. É a angústia de “consigo continuar sendo amado ou
vou perder o amor conquistado?”
Caso clínico: uma cliente que tinha uma beleza acima da média e as amigas
brincavam que não queriam sair com ela porque ela “roubava” toda atenção, pois era
muito bonita e atenciosa. Ela chegou com a queixa de que não conseguia manter nenhum
namoro e o professor, como analista, sentia na contratransferência, um enjôo e sabia que
tinha algo a ver com o que se passava com ela. E, aos poucos, foi ficando claro que ela
tinha uma história de vida de que o pai dela tinha esquizofrenia e ele só conseguia, de vez
em quando, ter um momento de bom humor. Nesse momento de bom humor todo mundo
tinha que largar as mágoas, chateações e raivas que guardavam dele para poder aproveitar
aquele momentinho de bom humor. E isso a cliente carregou essa mesma métrica para a
vida dela. É como se ela dissesse ao namorado “faça o que você quiser, contanto que você
tenha aquele momentinho de bom humor”. E, ao fazer isso, ela aceitava coisas que tornam
quem está do outro lado desinteressado. Ninguém gosta de uma “massa de modelar” -
pessoa sem personalidade. Exemplo da cliente: ela estava namorando há uma semana e
sempre era uma pessoa muito dedicada, carinhosa e preocupada com o namorado. Então
ele marca de sair com ela numa sexta-feira às 20:00h. Às 21:00h ele liga para dizer que
estava assistindo futebol, tomando cerveja e estava cansado, e sugere deixar a saída para
o sábado. Ela já estava pronta, mas responde da seguinte forma: “own, meu anjinho, vá
dormir, vá meu fofo. Você está precisando e está cansado e eu também estou cansada e
já estou de pijama também. Se você não ligasse, eu já ia dormir.” O namoro acabou no
domingo.
Então, o professor começou a questioná-la sobre essa atitude e sobre os outros
namoros. E, posteriormente, fez a seguinte intervenção: “não funciona, todo mundo vai
se desinteressar de você”, por causa da falta de posicionamento e de aceitar tudo e por
não saber dizer “não”. Ela achava que se disse “não” às pessoas, essas pessoas iriam
deixar de querê-la. Ela tinha na cabeça o fantasma de que se na hora que o pai estivesse
de bom humor, ela não estivesse disponível, ela seria punida de alguma forma. Então ela
aprendeu a “engolir sapos”para poder ter aqueles instantes ao lado do pai. O professor
sugeriu que ela fizesse o teste com esse relacionamento que tinha acabado há pouco tempo
e fingisse desinteresse no rapaz. E ela fez e deu certo. Percebeu que à medida que ela se
negava a aceitar algo dele, as propostas melhoraram. E ela começou a ter a sensação de
poder.
No caso dela, a angústia não é ser amada, pois ela se sente suficientemente capaz
de ser amada. O problema é continuar sendo amada; se manter amada; não decepcionar o
outro de alguma forma que faça com que o outro perca o amor por ela. Nesse caso seria
o temor da castração ou angústia de perder o amor conquistado, como sinônimos.
4º teoria: angústia de exposição ao público (angústia social)
É uma angústia antecipatória, pois eu antecipo uma série de coisas que eu acho que vão
acontecer. É quando eu me deparo com pessoas estranhas ou pode ser até um grupo de
pessoas conhecidas - só pelo fato de ser um grupo, eu já não domino o que as pessoas
estão pensando. Em grupo é como se eu perdesse o controle e, perdendo o controle, o que
é que nós fazemos para poder voltar a saber, mais ou menos, o que está acontecendo? Nós
projetamos o nosso superego no grupo. Se nosso superego for um superego mais
ameaçador (cheio de ameaças de angústias: “você vai ficar só”, “ninguém vai gostar de
você”), eu vou achar que o público vai me deixar só, não vai gostar de mim. E eu passo a
ter angústia de enfrentar o público, por motivo relacionado ao superego. É como se o
superego colocasse para dentro do sujeito os elementos que estavam acontecendo fora do
sujeito. As angústias sinais eram relativas a fatos externos (o amor da mãe: perder ou
manter o amor da mãe),a angústia real é relativa a fatos internos libidinais. Agora eu
internalizo essas ameaças na forma de superego e passo, diante do público (conjunto de
pessoas que eu não consigo ter total controle sobre o que estão pensando). Uma pessoa
tímida pode ser extremamente falante numa relação a dois, mas se calar quando tem mais
pessoas presente, porque já não consegue controlar ou saber, com tanta facilidade, o que
o outro pensa dela. E, por isso, passa a achar que o outro pensa dela o que ela pensa sobre
si mesma - projeção do superego dela, no outro.
Freud diz que a angústia social depende dessa projeção do superego, no outro. Se o meu
superego for um superego mais camarada, ele vai estar presente de outra forma - “vai
estar presente”, “vão gostar”, “vão se manter gostando” - você consegue enfrentar o
público que for, pois você imagina que esse público vai agir com a mesma generosidade
e benevolência que o seu superego tem em relação a você.

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