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- Camilo Pessanha – um simbolismo muito diferente, em muitos aspetos diferente a Eugénio de Castro
– é um autor desaparecido, não se expõe, não é público, com pouca vontade de conquistar um lugar
- podemos falar da vida de Camilo, mas vamos ser muito breves na sua biografia e não vamos explicar
os poemas com base na sua vida – resistir o máximo que podemos a resgatar elementos da vida para
compreender os elementos do texto – o poema é um fingimento, por isso não há referências do meio
concreto – como se o texto viesse do nada, estamos pouco interessados no alguém que criou o poema
- nós seres humanos somos obscuros uns para os outros, outras vezes isso é trágico, mas é isso que
nos permite jogar o jogo das máscaras na arte literária
- só olharemos para os poemas – um close reading – definição de leitura académica norte-americana
– leitura rente, colada ao texto, sem o desvio da biografia
- 5min sobre a vida dele:
- autor nascido em 1867 – ano de ouro em que nascem António Nobre, Eugénio de Castro e Raul
Brandão – cresce em Portugal, onde nasceu também – consta que teve uma paixão louca por Ana de
Castro Osório – editora de revistas e edições em Portugal, papel como sufragista e ministra, embora
esta definição seja um pouco anacrónica – conta a lenda que Camilo sofreu um enorme desgosto, saiu
de Portugal e concorre a lugar como professor em Macau, auto-exila-se
– será professor, diplomata, carreira muito prática no extremo oriente., onde acaba por ter uma
concubina, não chega a casar
– escreve poemas e vai publicando de forma dispersa – aqui e ali – de maneira perfeitamente dispersa
– poemas extraordinários e, como tal, alguns leitores compreendem o que está a acontecer ali, mas
notemos que jornais e revistas têm uma existência muito pouco duradoura – sobrevivem menos do
que livros
- se Camilo está a publicar, a atingir a alguns leitores, vai também desaparecendo ao mesmo tempo,
seria mais imponente publicar um livro
- claro que Eugénio terá pensado o modelo do livro, temos registo, pelo menos uma carta, que há um
livro sonhado, pensado – não acontece em 1887 – não publica nos anos seguintes – em 94 sai do país
e fica longe das editoras, distância que não ajuda
- nesta meia dúzia de anos, publicou muitos livros, tenta ocupar um lugar no canone literário
- Camilo parece não ter pressa em publicar nenhum livro e de repente já estamos no final do século,
só fará mais duas viagens de regresso a Portugal e mesmo assim não aproveita para publicar o livro,
nem em 1916, data da última viagem – depois desta data não temos a certeza que terá continuado a
escrever poesia – ano em que sai um conjunto de poemas numa revista chamada Centauro, escolhidos
provavelmente por Camilo
- em 1920, Ana de Castro publica o livro Clepsydra - embora o termo no dicionário – clépsidra –
relógio de água usado por gregos e romanos, em que o tempo é medido conforme o nível da água – o
título do livro tem a ver com tempo, um tempo que vai terminado, tem então a ver com a morte –
iniciativa e organização não são de Camilo – se não fosse Ana, Camilo teria morrido sem publicar
um livro
- morre em 1926, em Macau, num momento em que provavelmente já não escrevia, terá abandonado
a ideia de do livro, como a ideia da poesia
- a imagem que temos do último Camilo Pessanha é um intoxicado pelo ópio, um consumidor
compulsivo
- não sabemos até que ponto isto é verdade – há uma espécie de mito e de lenda que imagina um poeta
a escrever dominado pelo ópio – isto pode dar asneira – começar a escrever as imagens estranhas dos
poemas, como vindos de uma forma de embriaguez ou intoxicação – há muitos poetas com grande
imaginação que nunca fumaram ópio, pessoas que fumaram ópio que nunca escreveram obras
decentes
- as drogas, o álcool, a mescalina não fazem um autor – deixemos o ópio, no que diz respeito à
interpretação
- mas a lenda andará sempre atrás de mim – um poeta que tem determinado tipo de imagens e de
desistência e de melancolia, tudo isto ajuda, mas não cairemos nessa armadilha fácil
-
- soneto - “Foi um dia de inúteis agonias” - página 34
- primeiro contacto com Camilo Pessanha
- primeira coisa a dizer que não vem nos manuais, é absolutamente subjetivo – é um poema sublime
- tudo o que poema cancelou antes de começar – nada tem a ver com ciência, positivismo, luta,
combate, esclarecimento, nada
- mas se o poema não é nada sobre isso, então sobre o que é ?
- primeiro verso- espantoso – se foram agonias, então foram agonias para alguém, alguém ficou
agoniado – mas quem ? Não sei – se dissesse para mim, para ti, para ele, para ela, para nós, mas não
temos nada disto, não sei para quem foi um dia de inúteis agonias – alguém agoniado – verso subjetivo,
mas não tenho sujeito
- estamos muito habituados a expressões emotivas de um sujeito atormentado – por exemplo, o
romântico, é aquele que diz logo – eu sofro, eu estou apaixonado, eu sempre em relação a um tu, ou
que fala dela – temos subjetividade, neste caso, mas sujeito da subjetividade
- que estranha abertura – subjetividade sem sujeito, o sujeito está desaparecido
- tem quase uma rima, uma rima interna – o próprio verso – claro que é uma rima imperfeita, porque
no fim temos marca de plural, mas há algo de um eco interno
- verso 2 – este verso é espantoso -
- primeiro – não estamos na noite romântica, tenebrosa, com uma tempestade – reflexo do mau estar
interior do sujeito, não é um sol científico, que nos permite analisar o mundo, não é um nevoeiro
- temos só sol duas vezes – dia de sol pausa cesura inundado de sol – rima interna – sol rimando com
sol
- o que sabemos das rimas ? rimas ricas, a evitar – rimas de palavras com categorias sintáticas ou
morfológicas diferentes – rimar contente com inteligente e amar com cantar é rima pobre
- gente rimando com contente é uma rima rica, muito valorizada
- ele faz algo espantoso, rimar sol com sol, não é rico, nem pobre, é terrivelmente pobre, paupérrimo
– é preciso ter muita coragem para chegar a este ponto de pobreza
- as rimas correspondem a uma evolução do pensamento
- em Antero podemos ter amor a rimar com dor – verso 2 e 4 – exemplo do soneto – significa que
vamos relacionar amor com dor e com isto temos uma teoria do amo, a saber, o amor conduz à dor,
esta ao ardor, este ao… - as rimas promovem o avanço do pensamento
- em Camilo não há avanço, há estagnação – em vez de o verso querer andar para a frente, como se
fosse épico, o verso está estagnado, não quer avançar, apresenta resistência
- verbo – foi – um dia? Quando? Não sei um dia de que? De agonias , para quem? Porquê? Para quem?
- o verso dois na responde a nada, não avançou épicamente, esta parado – o poema está avariado
- tenho só um verbo em dois versos e esse é a forma foi e é muito pouco, muito muito muito pouco
- talvez o verso três responda a todas as questões do mundo
- verso 3 – 5 palavras – fulgiam – brilhavam – reluziam – quem? As espadas. Como fulgiam? Nuas –
quais espadas? Espadas de quem? Não sei – sei o que é, para que serve, para combater, para quem,
para o espadachim, para quê, para defesa e proteção, para combate
- quando brilha uma espada? Quando a espada esta à mostra – para isso é preciso desembainhar a
espada – o normal é estarem embainhadas, só quando se decide combater estão desembainhadas
- espadas frias – quer dizer que não estão aquecidas pelo sangue acabado de verter do inimigo, não
trespassou nenhum corpo no calor do combate, no calor do sangue – o sangue fumega à partida – está
a 36/7 graus – alguém desembainhou a espada para ir combater, mas acabou por não o fazer – algo ia
acontecer, mas não aconteceu – o combate não teve lugar, não houve vencedor, nem vencido, mas
porquê? Quando? Onde? Porque ficaram expostas fulgindo? - gastamos dezenas de palavras que
Camilo diz em 5 palavras
- que tem o verso 3 a ver com o verso 1? estou perdido – e o 3 com o 2? estou muito perdido
- mas talvez o verso 4 ajude, talvez seja esclarecedor, em que todas as peças do puzzle montam o
sentido
- verso 4 – verso sem verbo – não tem sujeito – exatamente igual ao verso 2, o que teoricamente
deveria se proibido – em Antero de Quental vamos de uma verdade, para a outra, para a outra, na
última estrofe temos a verdade final – num soneta de Antero avançamos sempre – ideia 1, ideia 2,
ideia 3, ideia 4, mesmo que sejam contraditórias, é um avanço
- aqui diz-nos que não há tese, antítese, síntese, revelação apocalítica do sentido no fim, verdade,
dúvida, não há nada , só dia de sol inundado de sol
o verso2 rima com o verso 2, o verso 4 rima com o verso 4 – teoricamente proibido – esta pobreza,
esta paralisia tem algo de extremamente perturbador
- segunda quadra
- dália, nome de flor e de mulher – é uma mulher perdendo as folhas ou uma mulher sorrindo? Qual
é a relação entre a dália e as espadas e a agonias e o sol? As minhas perguntas são demasiado analíticas,
racionais – este poema parece-se mais com um sonho, com a fluidez do sonho ou, se preferirmos, de
um pesadelo
- verso 7 – verso mais simples
- verso 8 – igual ao 6
- estrofe 3
- mais impressionante? Que tem este de tão especial? Como foram os outros dias? Não sei
- lúcido – claro, de um ponto de vista racional – na verdade este é um dia cheio de luz, luzente,
reluzente, inundado de sol mas também lúcido para a mente
- pálido e lúcido não é a mesma coisa e pálido à partida é negativo – repetição dos adjetivos – poema
paralisado
- não é um dia obscuro, mas luminoso, que nos ofuscou, com tantas teorias que não podemos acreditar
em nenhuma, com tantos teoremas que não sabemos qual o certo
- estamos cegos, não por ser de noite, mas porque o dia nos ofuscou – difuso
- poema escrito no século XIX, publicado numa revista no final do século – pode ser uma referência
ao próprio século XIX – o próprio século em que Camilo está a viver é um século que acreditou em
teorias – liberalismo, comunismo, anarquismo, socialismo, realismo, naturalismo, romantismo,
positivismo – o próprio século foi cheio de inúteis agonias – bate certo com o dia, com o século, com
a existência humana – está a dizer que a vida é completamente inútil, todas as experiências e teorias
são inúteis
- estrofe 4
- porquê mais fútil???? não seiiiiiiiiiii
- minueto, minuete – dança de corte, género musical, pequena dança, não leva muito longe – é uma
dança que se espelha e que se repete – cheio de regras, uma caixinha de música encantadora
- neste sentido, este poema é ele próprio um minuete
- não são ironias revolucionárias – como em Eça, que magoa – aqui são discretas
- o último verso, a chave de ouro, a verdade definitiva é igual 10
- cesuras
- podemos dizer o primeiro verso de forma corrente, o segundo já não é assim, como se precisássemos
de força para dizer tudo seguido,
- no final, temos duas cesuras, o verso partido em cacos – fragmentado – lúcido, pálido, lúcido
- é como se até 10 sílabas fosse força a mais, é como o poema fosse enfraquecendo ele próprio –
desde o verso 1, já estamos derrotados, em cacos, mas a forma como os versos se partem em cacos
já dizem qualquer coisa sobre a paralisia e a fragmentação
- verbos, argumentação, progressão das ideias, revelação final – nada – só sugestão de um dia, de uma
paisagem e simultaneamente uma espécie de abandona, de desistência
- nas últimas duas estrofes não há um único verbo, de alguma maneira não há sujeito, nem tempo,
nem espaço, nem ação – como é possível fazer um poema com tão pouco? Estamos quase num nada
absoluto