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LPSM – 26/02/2021

- pdf – engloba três poemas que substituem o pdf anterior


- o poema da aula anterior, mais dois poemas de Eugénio de Castro
- tivemos a ver de corrida alguns autores franceses e belga em várias apostas – numa espécie de laço
de família, numa sintonia poética, dramatúriga, etc – há algumas palavras que vamos repetindo e são
importantes
- Sugestão – panorámica do século XIX – século complexo, rico, de muitas propostas, até científicos
ou político ou religioso, que os autores que nos interessam não aparecem como traços da sua arte
literária – embora possam revelar esses aspetos na sua vida pessoal
- na obra literária que nos interessa, temos autores que têm muito a dizer apenas do ponto de vista
estético
- enquanto que os autores anteriores têm interesse numa revolução bem concreta no mundo material,
os que estudamos estão obcecados com um outro mundo, não este aqui, mas um além, um
supramundo, um transmundo, um outro planeta, uma outra existência bem mais importante do que
esta
- o poeta não tema função de retratar ou analisar esta existência, mas tem o papel d
- não pode revelar, diagnosticas, analisar, mas apenas pressentir, adivinhar, sugerir
- o objetivo da poesia é agora sugerir algo que quase não cabe na palavra, a própria linguagem humana
está cheia de limites, é demasiado escassa, eles querem falar de limites que estão para lá dos limites
das palavras – as palavras são uma sombra, apenas podem adivinhar uma névoa ausente
- pode-se escrever, mas a escrita é quase uma confissão da incapacidade, da falha
- sugestão é uma palavra bem forte
- Sonho – podemos adivinhar o outro mundo, porque o podemos sonhar – não interessa vê-lo, mas
podemos adivinhar como uma espécie de visão interior, transcendental
- não interessa abrir os olhos para ver este mundo, mas fechá-los para adivinhar o outro, através do
sonho
- na última hora, marcos de alguma maneira do simbolismo em Portugal
- vimos alguma prosa explicativa ou obscura de Eugénio de Castro, assim como um único poema sem
título, mas que abre com uma espécie de epígrafe, legenda ou talvez instrução de leitura – um sonho
- depois segue-se o poema – tudo aquilo que descreve- essa paisagem é uma paisagem onírica, não é
a realidade, não é o planeta terra, não falará das condições de trabalho dos agricultores – não será um
poema realmente sobre o real – Revisão do Poema “Nós” de Cesário Verde, descreve a realidade do
campo, de um campo concreto, estudado, analisado, explicado, diagnosticado
- a messe de Eugénio de Castro não o é, +é misterioso – é o campo sim mas onde? Quando? Quais
são as doenças que atacam as plantações? Como? O que se cultiva? Porquê? Não sei direito, ignoro,
trata-se de um sonho
- perguntas certas para Cesário, erradas para Eugénio, onde importa o jogo musical, rítmico, o gozo
da forma, os prazeres dos sentidos, a fuga do imaginário – nada de defender o agricultor, nada tem a
ver com as lutas dos operários, nada a dizer quanto ao sufrágio feminino, com a república – estamos
completamente arredados dessas revoluções modernas- estamos num mundo onírico bastante distante
- mais dois poemas – não teremos tempo para eles – dois poemas mais breves – um soneto e um
poema em prosa – novidade do século XIX, finalmente cultivada em Portugal, Eugénio vai beber
estas formas ao universo francês
- estes poemas continuam a ter algo de onírico – o soneto de um onirismo mais tranquilo, a prosa tem
algo de pesadelo, mas em ambos casos continuamos num universo sonhado
- o soneto é muito positivo – apesar disso, há um programa, a alma continua a sonhar a aventura
- o que é alma? O que sonha aventura – o mesmo verso acrescenta que se trata de um sonho inútil,
imaterial, tão vago quanto um menino querer agarrar a lua – a alma pode aspirar a um ideal, a aventura,
mas não a pode agarrar
- apesar de tudo, se é um sonho vão, apesar dos apesares, apresenta um projeto, um destino, um
objetivo para esta alma
- texto particularmente obscuro – de um onirismo selvagem
- não é um apelo ao operário, à barricada, à revolução política e social – não se fala em sindicatos,
em trabalho
- fala-se só de sonho – o soneto acaba por assumir que se deve sonhar, que é natural, que nascemos
para isso, que sonhar é um projeto
- não sei se é um objetivo capaz de resolver este mundo e o outro, mas é um objetivo
- o simbolismo acredita na obscuridade, mas nós em contexto de estudo temos de conseguir clareza
em contacto com um objeto obscuro
- acabou Eugénio de Castro – um autor muito produtivo, muito público, capaz de se publicar a si
mesmo, influente, que quer marcar a sua época e a história da literatura

- Camilo Pessanha – um simbolismo muito diferente, em muitos aspetos diferente a Eugénio de Castro
– é um autor desaparecido, não se expõe, não é público, com pouca vontade de conquistar um lugar
- podemos falar da vida de Camilo, mas vamos ser muito breves na sua biografia e não vamos explicar
os poemas com base na sua vida – resistir o máximo que podemos a resgatar elementos da vida para
compreender os elementos do texto – o poema é um fingimento, por isso não há referências do meio
concreto – como se o texto viesse do nada, estamos pouco interessados no alguém que criou o poema
- nós seres humanos somos obscuros uns para os outros, outras vezes isso é trágico, mas é isso que
nos permite jogar o jogo das máscaras na arte literária
- só olharemos para os poemas – um close reading – definição de leitura académica norte-americana
– leitura rente, colada ao texto, sem o desvio da biografia
- 5min sobre a vida dele:
- autor nascido em 1867 – ano de ouro em que nascem António Nobre, Eugénio de Castro e Raul
Brandão – cresce em Portugal, onde nasceu também – consta que teve uma paixão louca por Ana de
Castro Osório – editora de revistas e edições em Portugal, papel como sufragista e ministra, embora
esta definição seja um pouco anacrónica – conta a lenda que Camilo sofreu um enorme desgosto, saiu
de Portugal e concorre a lugar como professor em Macau, auto-exila-se
– será professor, diplomata, carreira muito prática no extremo oriente., onde acaba por ter uma
concubina, não chega a casar
– escreve poemas e vai publicando de forma dispersa – aqui e ali – de maneira perfeitamente dispersa
– poemas extraordinários e, como tal, alguns leitores compreendem o que está a acontecer ali, mas
notemos que jornais e revistas têm uma existência muito pouco duradoura – sobrevivem menos do
que livros
- se Camilo está a publicar, a atingir a alguns leitores, vai também desaparecendo ao mesmo tempo,
seria mais imponente publicar um livro
- claro que Eugénio terá pensado o modelo do livro, temos registo, pelo menos uma carta, que há um
livro sonhado, pensado – não acontece em 1887 – não publica nos anos seguintes – em 94 sai do país
e fica longe das editoras, distância que não ajuda
- nesta meia dúzia de anos, publicou muitos livros, tenta ocupar um lugar no canone literário
- Camilo parece não ter pressa em publicar nenhum livro e de repente já estamos no final do século,
só fará mais duas viagens de regresso a Portugal e mesmo assim não aproveita para publicar o livro,
nem em 1916, data da última viagem – depois desta data não temos a certeza que terá continuado a
escrever poesia – ano em que sai um conjunto de poemas numa revista chamada Centauro, escolhidos
provavelmente por Camilo
- em 1920, Ana de Castro publica o livro Clepsydra - embora o termo no dicionário – clépsidra –
relógio de água usado por gregos e romanos, em que o tempo é medido conforme o nível da água – o
título do livro tem a ver com tempo, um tempo que vai terminado, tem então a ver com a morte –
iniciativa e organização não são de Camilo – se não fosse Ana, Camilo teria morrido sem publicar
um livro
- morre em 1926, em Macau, num momento em que provavelmente já não escrevia, terá abandonado
a ideia de do livro, como a ideia da poesia
- a imagem que temos do último Camilo Pessanha é um intoxicado pelo ópio, um consumidor
compulsivo
- não sabemos até que ponto isto é verdade – há uma espécie de mito e de lenda que imagina um poeta
a escrever dominado pelo ópio – isto pode dar asneira – começar a escrever as imagens estranhas dos
poemas, como vindos de uma forma de embriaguez ou intoxicação – há muitos poetas com grande
imaginação que nunca fumaram ópio, pessoas que fumaram ópio que nunca escreveram obras
decentes
- as drogas, o álcool, a mescalina não fazem um autor – deixemos o ópio, no que diz respeito à
interpretação
- mas a lenda andará sempre atrás de mim – um poeta que tem determinado tipo de imagens e de
desistência e de melancolia, tudo isto ajuda, mas não cairemos nessa armadilha fácil
-
- soneto - “Foi um dia de inúteis agonias” - página 34
- primeiro contacto com Camilo Pessanha
- primeira coisa a dizer que não vem nos manuais, é absolutamente subjetivo – é um poema sublime
- tudo o que poema cancelou antes de começar – nada tem a ver com ciência, positivismo, luta,
combate, esclarecimento, nada
- mas se o poema não é nada sobre isso, então sobre o que é ?
- primeiro verso- espantoso – se foram agonias, então foram agonias para alguém, alguém ficou
agoniado – mas quem ? Não sei – se dissesse para mim, para ti, para ele, para ela, para nós, mas não
temos nada disto, não sei para quem foi um dia de inúteis agonias – alguém agoniado – verso subjetivo,
mas não tenho sujeito
- estamos muito habituados a expressões emotivas de um sujeito atormentado – por exemplo, o
romântico, é aquele que diz logo – eu sofro, eu estou apaixonado, eu sempre em relação a um tu, ou
que fala dela – temos subjetividade, neste caso, mas sujeito da subjetividade
- que estranha abertura – subjetividade sem sujeito, o sujeito está desaparecido
- tem quase uma rima, uma rima interna – o próprio verso – claro que é uma rima imperfeita, porque
no fim temos marca de plural, mas há algo de um eco interno
- verso 2 – este verso é espantoso -
- primeiro – não estamos na noite romântica, tenebrosa, com uma tempestade – reflexo do mau estar
interior do sujeito, não é um sol científico, que nos permite analisar o mundo, não é um nevoeiro
- temos só sol duas vezes – dia de sol pausa cesura inundado de sol – rima interna – sol rimando com
sol
- o que sabemos das rimas ? rimas ricas, a evitar – rimas de palavras com categorias sintáticas ou
morfológicas diferentes – rimar contente com inteligente e amar com cantar é rima pobre
- gente rimando com contente é uma rima rica, muito valorizada
- ele faz algo espantoso, rimar sol com sol, não é rico, nem pobre, é terrivelmente pobre, paupérrimo
– é preciso ter muita coragem para chegar a este ponto de pobreza
- as rimas correspondem a uma evolução do pensamento
- em Antero podemos ter amor a rimar com dor – verso 2 e 4 – exemplo do soneto – significa que
vamos relacionar amor com dor e com isto temos uma teoria do amo, a saber, o amor conduz à dor,
esta ao ardor, este ao… - as rimas promovem o avanço do pensamento
- em Camilo não há avanço, há estagnação – em vez de o verso querer andar para a frente, como se
fosse épico, o verso está estagnado, não quer avançar, apresenta resistência
- verbo – foi – um dia? Quando? Não sei um dia de que? De agonias , para quem? Porquê? Para quem?
- o verso dois na responde a nada, não avançou épicamente, esta parado – o poema está avariado
- tenho só um verbo em dois versos e esse é a forma foi e é muito pouco, muito muito muito pouco
- talvez o verso três responda a todas as questões do mundo
- verso 3 – 5 palavras – fulgiam – brilhavam – reluziam – quem? As espadas. Como fulgiam? Nuas –
quais espadas? Espadas de quem? Não sei – sei o que é, para que serve, para combater, para quem,
para o espadachim, para quê, para defesa e proteção, para combate
- quando brilha uma espada? Quando a espada esta à mostra – para isso é preciso desembainhar a
espada – o normal é estarem embainhadas, só quando se decide combater estão desembainhadas
- espadas frias – quer dizer que não estão aquecidas pelo sangue acabado de verter do inimigo, não
trespassou nenhum corpo no calor do combate, no calor do sangue – o sangue fumega à partida – está
a 36/7 graus – alguém desembainhou a espada para ir combater, mas acabou por não o fazer – algo ia
acontecer, mas não aconteceu – o combate não teve lugar, não houve vencedor, nem vencido, mas
porquê? Quando? Onde? Porque ficaram expostas fulgindo? - gastamos dezenas de palavras que
Camilo diz em 5 palavras
- que tem o verso 3 a ver com o verso 1? estou perdido – e o 3 com o 2? estou muito perdido
- mas talvez o verso 4 ajude, talvez seja esclarecedor, em que todas as peças do puzzle montam o
sentido
- verso 4 – verso sem verbo – não tem sujeito – exatamente igual ao verso 2, o que teoricamente
deveria se proibido – em Antero de Quental vamos de uma verdade, para a outra, para a outra, na
última estrofe temos a verdade final – num soneta de Antero avançamos sempre – ideia 1, ideia 2,
ideia 3, ideia 4, mesmo que sejam contraditórias, é um avanço
- aqui diz-nos que não há tese, antítese, síntese, revelação apocalítica do sentido no fim, verdade,
dúvida, não há nada , só dia de sol inundado de sol
o verso2 rima com o verso 2, o verso 4 rima com o verso 4 – teoricamente proibido – esta pobreza,
esta paralisia tem algo de extremamente perturbador
- segunda quadra
- dália, nome de flor e de mulher – é uma mulher perdendo as folhas ou uma mulher sorrindo? Qual
é a relação entre a dália e as espadas e a agonias e o sol? As minhas perguntas são demasiado analíticas,
racionais – este poema parece-se mais com um sonho, com a fluidez do sonho ou, se preferirmos, de
um pesadelo
- verso 7 – verso mais simples
- verso 8 – igual ao 6
- estrofe 3
- mais impressionante? Que tem este de tão especial? Como foram os outros dias? Não sei
- lúcido – claro, de um ponto de vista racional – na verdade este é um dia cheio de luz, luzente,
reluzente, inundado de sol mas também lúcido para a mente
- pálido e lúcido não é a mesma coisa e pálido à partida é negativo – repetição dos adjetivos – poema
paralisado
- não é um dia obscuro, mas luminoso, que nos ofuscou, com tantas teorias que não podemos acreditar
em nenhuma, com tantos teoremas que não sabemos qual o certo
- estamos cegos, não por ser de noite, mas porque o dia nos ofuscou – difuso
- poema escrito no século XIX, publicado numa revista no final do século – pode ser uma referência
ao próprio século XIX – o próprio século em que Camilo está a viver é um século que acreditou em
teorias – liberalismo, comunismo, anarquismo, socialismo, realismo, naturalismo, romantismo,
positivismo – o próprio século foi cheio de inúteis agonias – bate certo com o dia, com o século, com
a existência humana – está a dizer que a vida é completamente inútil, todas as experiências e teorias
são inúteis
- estrofe 4
- porquê mais fútil???? não seiiiiiiiiiii
- minueto, minuete – dança de corte, género musical, pequena dança, não leva muito longe – é uma
dança que se espelha e que se repete – cheio de regras, uma caixinha de música encantadora
- neste sentido, este poema é ele próprio um minuete
- não são ironias revolucionárias – como em Eça, que magoa – aqui são discretas
- o último verso, a chave de ouro, a verdade definitiva é igual 10
- cesuras
- podemos dizer o primeiro verso de forma corrente, o segundo já não é assim, como se precisássemos
de força para dizer tudo seguido,
- no final, temos duas cesuras, o verso partido em cacos – fragmentado – lúcido, pálido, lúcido
- é como se até 10 sílabas fosse força a mais, é como o poema fosse enfraquecendo ele próprio –
desde o verso 1, já estamos derrotados, em cacos, mas a forma como os versos se partem em cacos
já dizem qualquer coisa sobre a paralisia e a fragmentação
- verbos, argumentação, progressão das ideias, revelação final – nada – só sugestão de um dia, de uma
paisagem e simultaneamente uma espécie de abandona, de desistência
- nas últimas duas estrofes não há um único verbo, de alguma maneira não há sujeito, nem tempo,
nem espaço, nem ação – como é possível fazer um poema com tão pouco? Estamos quase num nada
absoluto

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