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LPSM – 17/03/2021

- Diálogo sobre os trabalhos dos alunos. Os trabalhos, a serem entregues no dia do exame (época
normal ou época de recurso), consistem na análise pormenorizada de um poema de Camilo
Pessanha (exceto os poemas analisado em aula: “Ao longe os barcos de flores”, “Vida”,
“Violoncelo” e os poemas sem título iniciados pelos versos “À flor da vaga, o seu cabelo verde”, “E
eis quanto resta do idílio acabado”, “Eu vi a luz em um país perdido”, “Floriram por engano as
rosas bravas”, “Foi um dia de inúteis agonias”, “Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas”, “Singra o
navio. Sob a água clara”). Normas gráficas: até 3 pp. A4, fonte Times New Roman, corpo 12,
espaçamento de 1,5 linhas. A bibliografia e quaisquer outros materiais pertinentes devem vir em
anexo.
- o Clepsydra faz parte da bibliografia
- bibliografia – simbolismo, artigos, livros, teses em Clepsydra, em Camilo Pessanha – recorrer à
bibliografia geral – Platão, Eduardo Lourenço, Freud, Da Vinci
- outros anexos – o que pode aparecer num trabalho? A reprodução de um quadro, porque aquele
quadro foi importante para o nosso trabalho – um poema de outro autor, um fotograma de um filme
ou de uma série, uma pauta musical, o esquema de uma coreografia

- algo relativamente novo – fluxo de consciência (definição mais literária, ligada à escrita
anglo-saxónica moderna) – associação livre (mais ligada à psicanálise, mais científico) – fluxo
caótico e ao mesmo tempo lógico – partimos de algo concreto, existe um violoncelo, alguém toca,
alguém ouve, saltamos daí para um longo pesadelo, um pesadelo em que deliramos pontes e arcos, e
o rio debaixo da ponte, os barcos nesse rio, que é turbulento, por isso os barcos de despedaçam –
daqui partimos para as ruínas – no fim temos algo puramente imaginário – este mergulho dos
sentidos reais para um imaginário convulsivo parece bastante novo
- Clepsydra – 1920 – organizado por Ana de Castro Osório – não falar de maneira demasiado
taxativa, provavelmente não foi organizado por Camilo
- início de uma proposição decadentista – proposição vem do termo épico- ironia – não é uma
epopeia, é uma espécie de anti-epopeia – nada a ver com Camões, pelo contrário, é a inversão
- a abertura desse livro de maneira disfórica e depois fecha com um poema sem título – Final ou
Poema Final – em que 3 elementos já algo fantasmagóricos entre o ser e o não ser, que são
convidados para o nada absoluto
- o último imperativo é negativo, desistentista, um apelo ao nada
- https://www.youtube.com/watch?v=wku3rL_Tf4A&ab_channel=RyuichiSakamoto-Topic
- uma vez que apresentamos ambos os poetas como simbolistas – Eugénio de Castro e Camilo
Pessanha - + 2 autores seus contemporâneos, leitores da poesia francesa contemporânea ou muito
recente
- Eugénio devora Mallarmé
- Camilo devora Verlaine
- uma bibliografia em comum
- Eugénio escrevia pouco mais ou menos sonhos – no último dia, vimos um poema de Pessanha que
dizia “pesadelo” - coincidência? Talvez, mas claro que não chega – dir-se-ia que entre sonhos mais
sorridentes e pesadelos mais sombrios, parecem ter algo em comum – denominador comum de
sonho que é sugerido
- quando líamos autores de cariz científico, realistas e naturalistas, tudo era claro e exato, para dar
claramente uma informação certa – isso acabou -entramos no simbolismo e tudo é incerto – não sei
nada de Mélisandre, não sei quando e onde foi a quermesse, nem para quem foi um dia de inúteis
agonias – todos estes autores, mesmo com meios diferentes, alguns mais crentes, outros mais
descrentes, partilham esta ideia da sugestão de um universo sonhado – uma sugestão vaga de um
vago universo vagamente sonhado – isto vai continuar – por exemplo, Teixeira de Pascoaes é
também um autor do vago do místico do sugerido
- Orfeu – uns 80% dos conteúdos do número 1 bate certo com esta ideia – vai haver muito sonho,
muito pesadelo, magia, sugestão, delírio, pouca ciência, pouca tentativa de explicação do mundo
por via de fenómenos passíveis de descrição e observáveis – parece um nevoeiro místico e espiritual
- em 1915, o simbolismo já tem uma gramática definida – uma coisa é inventar o simbolismo em
1890, conquistar uma nova gramática, impor novos temas e abordagens, outra coisa é escrever
poesia simbolista 25 anos mais tarde – já é uma espécie de máquina que se alimenta por si própria
- temos um -ismo à nossa espera – escreve-se assim, não é uma palavra, é uma terminação de uma
palavra – significa uma escola, um movimento, uma estética, uma cosmovisão
- aliás o simbolismo português é filho do simbolismo francês e belga, em parte – o -ismo que se
segue vai ter uma novidade, ele não é herdeiro de uma estética europeia ou francesa – saudosismo –
o que é?
- primeiro – fim da palavra -ismo, é uma escola, um princípio, uma maneira de escrever, de pensar,
de estar e agir, de olhar para o universo – deve ser algo coletivo, do mesmo modo que o realismo, o
naturalismo, o romantismo, o simbolismo
- Teixeira de Pascoaes – o grande teorizador e o grande nome simbólico que representa o todo do
movimento
- saudosismo – vem da palavra saudade – é uma palavra que diz que é intraduzível, corresponderia a
um sentimento exclusivamente português e como tal não experimentável nem visível por outros
povos
- caráter restrito português da palavra saudade? Um mito ?
- saudosismo é o ismo da saudade e será a partir daqui um movimento literário e filosófico, artístico
no geral, autores que estão interessados em encontrar uma estética estritamente portuguesa – algo
mudou – o simbolismo não poderia ser restritamente português, porque os escritores se inspiraram
em outros autores de diferentes nacionalidades
- saudosismo – pretende ser uma estética portuguesa, escrita em português, pensada em português -
não basta escrever em português, é preciso atingir uma essência da portugalidade – é aquilo que
define a essência da realidade portuguesa – aquilo que só dominamos quando somos portugueses –
o poeta saudosista não está interessado em avançar por via da razão, mas uma experiência mágica,
mística, religiosa, transcendental, inexplicável – algo que não pode ser traduzido, noutra língua,
nem demonstrado por uma equação, nem explicado pela ciência
- o simbolismo já estava interessado em formas nebulosas da mística – dialogante com o
saudosismo, que por sua vez inclui a especificidade da essência portuguesa
- no simbolismo, já vimos que podemos ter esperança ou a ausência dela, crença ou niilismo,
projeto ou abandono dos mesmos – encontramos um simbolismo que acreditava no futuro, em
Eugénio, na experiência, no prazer e no amor – Camilo Pessanha – simbolismo que não acreditava
em nada disto – dentro deste jogo entre crença e descrença, lembrar que o saudosismo é
profundamente crente, acredita na vivência, nos deuses, na natureza, no amor, no ser humano,.. -
está cheio de perspetivas de crença, energia, confiança, futuro – até pode partir do vago, do místico,
do espiritual, algo de religioso, mas é afirmativo – pode ser uma afirmação vaga, Às vezes, que
parte de intuições, mas na hora de acreditar, acredita mesmo – estamos sempre a comparar com as
escolas anteriores ou contemporâneas, parece ir buscar algo aos simbolismos, a sugestão, mas ao
mesmo tempo, parece ter um projeto ativo muito forte, mais forte do que encontramos até aqui,
acredita mesmo numa essência, num programa, numa ação, num futuro
- Serra do Marão – berço espiritual, anímico do saudosismo
- o simbolismo não tem problema em sonhar o mundo e para além dele – em termos de línguas, não
tem problemas com o francês
- mais adiante, falaremos dos modernistas, aptos a dialogar com Paris, Inglaterra e Rússia – ávidos
de trocar informações
- saudosismo. A este nível, vai parecer fechado, terrivelmente fechado – vais ser considerado
conservador, umbinguetalista
- vão estar orgulhoso por encontrar a essência de Portugal, mas vão ser acusados por desperdiçar o
melhor que está a acontecer no mundo
- para Teixeira de Pascoaes , para ele há uma Arte de Ser Português – livro em prosa – este título é
muito significativo – é um programa – nós devemos seguir a arte de sermos portugueses, diz ele –
aliás de sermos não apenas politicamente e geograficamente, mas religiosamente – estamos quase a
criar uma igreja da saudade
- Teixeira não é o primeiro autor nacionalista nem patriótico – temos isto desde Os Lusíadas
- claro que há autores patrióticos desde sempre – além disso, vamos colocar Pascoaes em forte
diálogo com Pessoa – o livro Mensagem, 1934 – poderia chamar-se Arte de Ser Português – e
vice-versa, a Arte de Ser Português endereça uma mensagem aos portugueses – há qualquer coisa
em termos de um nacionalismo generalizada, em rigor, são muitos os autores ora mais ora menos,
ora explicitamente ou implicitamente, decidem usar a arte para fundamentar o seu nacionalismo e
vice-versa – usar o nacionalismo para se tornar artista
- um título como Arte de Ser Português – importante por razões estéticas – saudosismo é a tentativa
de criação de um programa, de um fazer artístico de ser português
- o saudosismo tenta resolver até algum impasse do simbolismo, que é demasiado universal e
niilista, o saudosismo tenta resolver essa paralisia lançando-se num projeto filosófico, religioso,
político, poético, ativo – a partir daqui, pelo menos terá a vantagem da ação, da iniciativa
- alguns factos
- o próprio Teixeira nasce em 1877 – 10 anos mais novo que Pessanha – o próprio Pessoa nasce em
1888 – Pessanha 20 anos mais velho do que Pessoa e Pascoaes 10 anos
- Pascoaes se estreia em livro em 1895, ainda não tem 20 anos, livro publicado chamado
“Embriões” - na verdade, estes primeiros poemas de extrema juventude, são criticados de maneira
negativa por Guerra Junqueiro e portanto Pascoaes vai renegar este primeiro livro
- Pascoaes publica vários livros com grande velocidade - “Sempre” de 1998 é por assim dizer o
primeiro livro reconhecido pelos críticos, e a partir daqui é um nome sonante, reconhecido em
Portugal – fim do século XIX – Eugénio de Castro publica muito, Pessanha escreve muito mas
publica pouco – agora um novo autor com o qual temos de dialogar
- 1906 - “Vida Etérea” - importante porque Pessoa vai elogiar poemas deste livro – o próprio título é
significativo, podia ser um livro de um simbolismo – vida transcendente, espiritual, por aqui podia
ser simbolista ou decadentista -mas em rigor irá por caminhos que terão a ver com a contemplação
mística da saudade como fenómeno exclusivo português
- 1912 – está já constituído um grupo de artistas portugueses, filósofos incluídos – Renascença
Portuguesa – começam a dirigir uma revista portuense – A Águia – já existia pelo menos desde
1910, mas a partir de 1912, passa a ter a II Série – a partir deste ano, é a revista dos saudosistas,
organizados pelo nome genérico – Renascença Portuguesa – aqui temos a revista do saudosismo, a
partir de 1912, de maneira regular, semanalmente, 10/12 números por ano, é o lugar onde os
saudosistas se encontram, trocam informações, delineiam políticas
- quando alguém publica n águia, afirma-se como saudosista – tem consequências – Pessoa publica
nesta revista
- Pascoaes um dos autores mais frequentes, presentes e representativos desta duas revistas –
Renascença e Águia
- Pascoaes está a publicar muitíssimo – a partir de 1995, publica 1 ou 2 livros por ano – em poesia,
prosa ficcional, ensaística, artigos filosóficos, místicos, teatro – muito produtivo, mas também
muito publicado
- Teixeira morre em 1952 – portanto, Pascoaes significa 1877-1952 – enquanto Fernando Pessoa
implica 1888-1935
- a vida e a escrita de Pessoa encaixa da vida de Pascoaes – nasceu mais cedo, morreu mais tarde –
teve uma vida longa – porque, quando Pessoa morre em 35, não posso dizer que é um
desconhecido, mas ao mesmo tempo apenas publicou uma gota do que tem guardado – depois da
sua morte, começam a surgir textos de Pessoa, nomeadamente nos anos de 40 – a partir de 1942, os
seus amigos estão a organizar as suas obras completas, a partir deste ano surge a poesia completa
dos heterónimos – textos em prosas – mais tudo
- quando as edições Ática começam a publicar Pessoa, julgando publicar a obra dos heterónimos,
mesmo aí a surpresa é enorme, porque não param de aparecer mais textos e mais textos, até hoje
ainda não sabemos se estão completas
- a verdade é que Pascoaes dá cartas desde o fim do século, é um nome sonante nos anos 90,
consagrado em 1900, fundamental em 1910, autor do cânone em 1920 – Pessoa, pelo contrário, era
mais ou menos estranho, suspeito, desconhecido, de vez em quando aparecia em jornais e revistas e
de repente em 1940, Pessoa está a ganhar, está a tornar-se num gigante, ultrapassa Pascoaes
- nos finais de 1940 começa a parecer um poeta mais gigantesco do que Pascoaes
- Teixeira nos anos 40 já é um ancião, que começa a sentir que o seu lugar no cânone está a ser
ultrapassado por Pessoa, não é agradável – talvez isto justifique alguns livros críticos de Pascoaes
contra A Tabacaria
- Pascoaes considera Álvaro de Campos assim um artifício, não é poesia
- entretanto, surge também o surrealismo português – na década de 40, a partir de 47 – dentro do
surrealismo português – Mário Cesariny de Vasconcelos – importante poeta, prosador, pintor,
dramaturgo, teorizador – alma do surrealismo português – inspira-se também em Pessoa e Sá
Carneiro
- escreveu a favor e contra Pessoa, mas em entrevistas quando lhe perguntam quais os -ismos
realmente férteis para o surrealismo, coloca Pascoaes à frente de Pessoa, porque embora inteligente,
se perde na dialética, para os surrealistas, Pessoa acabou por secar a poesia com inteligência
artificial a mais – enquanto Pascoaes manteve-se poeta e nesse sentido Cesariny considera que o
surrealismo tem mais a inspirar-se junto dos saudosistas do que junto de Pessoa
- a palavra saudade implica personagens históricas e da mitologia portuguesa que morrem de
saudade – quem diz saudades, diz lendas, D. Sebastião, Inês de Castro e D. Pedro – o sebastianismo
está aqui também

- 3 poemas de Teixeira de Pascoaes


- soneto – À Minha Musa – fechamos os olhos ao caráter italiano desta forma, é agora uma forma
universal
- por partes, temos muito que trabalhar junto deste texto
- título do Livro – Senhora da Noite, em 1909 – já é um poeta reconhecido e vende muito
- Senhora da Noite é como aquela designação religiosa típica portuguesa – figura religiosa – virgem
Maria – não é Mélisandre, demasiado abstrata – também não é Vénus, demasiado greco-latina – é
senhora da capela da aldeia portuguesa – já estamos em Portugal, isto já é intraduzível, senhora da
infância passada em Trás-os-montes – já e fado, saudade, sebastianismo, … por aí além
- musa? Afinal temos gregos e latinos? Contraditório? Logo se vê?
- um poema, soneto, matriz italiana, dedicado à musa que por acaso é greco-latina – é a senhora da
manhã vitoriosa
- aqui consigo imaginar um poeta surrealista na segunda metade do século XX, como Mário
Cesariny, considerando que este verso é imediatamente mais produtivo que o poeta é um fingidor de
Fernando Pessoa, porquê?talvez para um surrealista português, chega a fingir que é dor, seja
demasiado jogo de palavras, artificial dialética – talvez este verso seja mais direto, talvez
- para todos os efeitos, abre o poema
- outra questão - abre um caminho – em Eugénio havia abertura de caminhos, do amor, do
conhecimento, em Pessanha, não, os caminhos eram fechados – pois bem, neste poema deste
saudosista existe de facto uma senhora e ela é transcendental, com S maiúscula – é uma deusa
cristãos
- acaso algo é vitorioso em Pessanha? Não, não há vitória nenhuma, aqui existe a possibilidade de
culto de uma senhora poderosa, mágica, transcendental, sobrenatural vitoriosa – porém, não
podemos parar aqui – verso 2
- paralelismo com antítese – manhã/ crepúsculo – vitoriosa/ vencido – senhora da vitória e da
derrota – a conjunção “e” é bem importante – poema de culto de uma senhora, a senhora dos
contrários
- pontuação – exclamações – em Pessanha encontramos reticências, havia algumas exclamações,
mas havia mais reticência – como se desistisse da frase – aqui não exclamação crença, programa,
projeto – eu estou perante a verdade- o eu lírico está perante o surgimento da verdade, haja
esperança – em Pessanha, tínhamos o erro, o desespero, o não valer a pena, …
- mesmo quando o dia era luminoso, era inútil, não servia para nada … aqui não verdade das coisas,
transcendente, não é um regresso à ciência – a verdade e transcendente, porém existe mesmo
- maneirismo, jogo formal, quase barroco a partir das antíteses, quiasmos, simetrias, oposições,
extremos – qualquer coisa de camoniano, de popular, de literatura popular espontânea – tudo isto
está aqui – até qualquer coisa de simbolista – sonho, sugestão, magia, transcendência
- onde o simbolismo era vago, aqui é concreto – onde era desistente, aqui é programático
- ainda a segunda quadra, corpo que é alma escrava e dolorosa, alam que é corpo
- chamamos a atenção para o “e” - agora vamos mais longe, alma e corpo, que são um e outro –
lugar de fusão dos contrários, por definição, mas este poema está afazer algo notável, a juntar os
contrários e isto é muito místico, porque a ciência gosta de separar, a ciência é pura separação, ou
seja o botânico estuda algo diferente do zoológo, um objeto diferente do geólogo, que não se
confunde com o antropólogo, que não se confunde com o sociólogo – na ciência tudo é diferente de
tudo – o oxigénio é diferente do hidrogénio, a águia diferente do abutre, sibilante diferente de uma
oclusiva – este poeta saudosista parte das diferenças mas está a resumi-las a uma junção mágica e
espiritual, na qual o corpo não é diferente do espírito e vice-versa – devem fundir-se numa realidade
mágica
- não usa verbos, apenas a conjunção e – temos um verbo ser – corpo que é alma – como quem diz
corpo = alma
- tercetos
- de novo saudade como palavra intraduzível e ainda por cima com maiúscula, aparição em
maiúscula porque é a primeira palavra do verso mas divina também tem de forma estranha, Saudade
como divina, daí a maiúscula
- mulher diferente de Eva – Eva é a primeira pecadora, cai – a senhora ascende, mãe de Cristo –
antítese
- Eva contrário de Ave – ou seja Ave Maria, aquilo que o anjo terá dito a Maria anunciando a
gravidez – os antropólogos são muito malvados e lembram que se o anjo tivesse dito Ave Maria
estaria a falar em latim, que não é a língua dela, e ainda por cima a língua dos invasores, do soldado
– deve ter falado em aramaico ou hebraico
- os teólogos medievais afirmaram que Eva é a queda e Ave é a ascensão – portanto em Pascoaes
- senhora transforma-se em Ó Eva mas neste jeito místico Eva e senhora vão ser confundidas numa
espécie de divindade superior mística – quando os cientistas separam, os saudosistas pretendem
fundir numa supra-realidade extrema – são mais parecidas do que poderiam parecer
- fim do poema
- beijo reza – oração beijada – A B - B A – as mesmas unidades invertidas na sua ordem A B
converte-se em B A
- casamento da lágrima do riso – como se fosse casando os opostos, por definição, vai juntando os
contrários numa super-unidade mágica – Camilo Pessanha dizia vós que já existi tão pouco, cessai –
o projeto era desistir de tudo – Pascoaes está interessado em fundir tudo – um projeto místico,
mágico, religioso, transcendente
- a religião cristã é vigiada por Roma, portanto as igrejas até certo ponto pertencem ao Vaticano,
não são para Pascoaes um lugar em que a portugalidade se possa manifestar, então está mais
interessado nestas senhoras populares do que no cânone clerical dominado pelo Vaticano – vem dos
romântico, passa por António Nobre e é aqui recuperada – o lugar do conhecimento espiritual é
popular, a paisagem espiritual popular conduz a uma experiência mítica – fica de fora a ciência, o
desespero de Pessanha, a igreja romana, pelo contrário aqui acontece magia, fusão dos contrários,
programa, esperança, acontecimento, uma porta aberta – A Clepsydra fecha portas, o saudosismo
tenta abri-las
- portas abertas à portugalidade
- o século XX vai dividir-se por aqueles que vão por aqui, outros que preferem a geração de Orfeu
- saudade em Pascoaes, tornou-se iluminador, produtiva, positiva, frutosa
- com letra maiúscula = projeto, confiança

- Tristeza – 1906 – de novo, um soneto


- por exemplo, para mostrar que pode haver melancolia no saudosismo, nem sempre é tão
programático e exclamativo, pode haver tristeza e recolhimento, nem tudo pode ser gritado – há
reticências – estarei perto de Pessanha? Acho que não, porque mesmo que haja melancolia, é um
aparecer da melancolia, um assumir da melancolia, ou até mesmo um gozar dessa melancolia -não é
tão desistente assim, até pelo contrário – 1ª estrofe – tudo negativo, mas termina a frase, a estrofe, e
não tenho verbo nuclear – tenho gerúndio, infinitivo mas não há verbo nuclear – é como se fosse o
verbo existir – existe o sol, as folhas, a voz – ou então as folhas estão a cair, a voz está soluçando,
os meus olhos estão beijando – quando digo isto, apesar das lágrimas, sinto aqui uma verdade das
coisas, um expor claro da realidade das coisas – os meus olhos existem, beijam – as folhas caem, é
triste, mas existem pelo menos – estou perante a realidade das coisas – pode ser melancólica, mas o
poema diz a verdade do mundo
- em Pessanha tudo é ilusório, tudo falha, parece que vou agarrar a verdade e não consigo, ela foge
ou não vale a pena – aqui havendo lágrimas, estou numa revelação do mundo – o homem só se
encontra no que perde – perder é uma coisa-encontrar-se perdendo-se naquilo que se perde, para ser
uma junção dos contrários – o homem só descobre a sua essência através da perda, das lágrimas –
ao contrário de Pessanha, o saldo é positivo
- 2ª quadra e 3ª quadra e 4ª estrofe
- ação – eu consigo ouvir, nem que seja silêncio, eu estou a ouvir, eu vou ouvir e sou capaz de ouvir
- que me foram sepultando? Quem sepulta quem? Os mortos os vivos? Completa transcendência
- estrela – objeto transcendental – estrela espirituosa
- eu sou petrificada esfinge de saudade
- eu sou esfinge, eu sou saudade, eu conheço o mistério, eu entrevejo a magia, eu pressinto o além –
há sempre um gesto positivo, na melancolia do poema, há sempre um saldo positivo ao contrário de
Pessanha
- Camilo Pessanha convida a perder, Pascoaes convida a procurar algo que vale a pena – Em
Pascoaes há um conhecimento da tristeza – sublinhar conhecimento, experiência de – tenho algo a
ganhar até com a melancolia, até os momentos menos bons fazem parte do percurso – em Camilo
não há percurso, não procureis o saldo positivo

- Canção Monótona – 1899 – livro Terra Proibida – mancha gráfica – não estamos perante um
soneto – uma quadra e uma estrofe completamente irregular, a nível métrico,verso solto – 4, 10, 10,
10, último verso – 12 – alexandrino – eterna planície – 7 sílabas
- do ponto de vista formal, este poema é até bastante arrojado, porque estamos perante verso livre,
pode haver um predomínio dos decassílabos, mas é uma estrofe com 10 10 10 12 12 12 7 7 7 –
normalmente o que temos é 10 10 10 10 10 10 10 10 10 – soneto – pelo contrário, estamos perante
um poema experimental e livre – Teixeira de Pascoaes fez isto antes de Álvaro de Campos
- poema melancólico, como o Tristeza, estamos no mesmo universo – embora haja melancolia, não
é a de Pessanha, que exprimia uma melancolia sem esperança nenhuma, só incessante um som de
flauta chora que ninguém há de remir – a melancolia da flauta não leva a lado nenhum – aqui há
melancolia e tédio, claro, mas atentemos às maiúsculas, tem algo de triunfal, há uma espécie de
revelação da realidade extrema das coisas, é como se estivesse ao mesmo tempo num êxtase
masoquista, de revelação das coisas – ser um poema tão extenso, tão torrencial, é melancólico, mas
a melancolia é tão torrencial, que parece que vamos de verdade me verdade, avançamos por dentro
da mesma melancolia, é esclarecedora -em Pessanha perdemos a verdadeira
- sujeito – tristeza- eu – o meu espírito – eu existo – canção monótona parece mais interessante,
porque existe um eu, sim, existe um pouco por todo o lado, mas o que temos na verdade é um nós
muito plural, muito vago – as coisas que nos pesam? A nós? Quem nós? Vago, claro – sempre no
mesmo corpo a mesma doença, a saber a vida, corpo de quem? De quantos?
- continuo à procura do sujeito – desço e tenho estagnação da alma – ermos= solitários, longes não
encontramos geralmente no plural, estranho, ermos longes de alma, muito estranho, claro que se há
alma é a de alguém, mas não é claro aqui
- ermos longes de alma – sublinhar
- continuo à procura do sujeito – eu ouvir o choro da fonte? Incerto
- nos olhos? De quem? Meus? Incerto
- a mesma vida em nós? Muito importante, em nós quem? Ninguém – eu quase me atrevo a fazer
esta equação nós= ninguém, o saldo final é 0
- último verso – o mesmo o mesmo o mesmo em nós perpetuamente – apesar de tudo, nos sonetos,
ainda tenho um sujeito central, um sujeito romântico, habituados a encontrar um sujeito através de
cujos olhos e coração podemos perspetivar todas as coisas e hierarquizar o bem e o mal – sujeito
podia bem ser um sujeito romântico
- mas neste poema, o sujeito diluiu – remeter para inúteis agonias – algo está a avariar no reino da
subjetividade, o que vai acelerar muito rápido

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