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REUMATOLOGIA

E-BOOK

Bruna Savioli
Osteoartrite
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Introdução
A osteoartrite, artrose ou osteoartrose (OA) é a mais comum das doenças
reumatológicas. A AO determina comprometimento de aproximadamente 1/5
da população mundial, sendo considerada uma das causas mais frequentes de
incapacidade laborativa após os 50 anos. Pode ser definida como uma
síndrome clínica que representa a via final comum das alterações
bioquímicas, metabólicas e fisiológicas que ocorrem, de forma simultânea, na
cartilagem hialina e no osso subcondral. A doença compreende uma variedade
de subgrupos com fatores etiológicos distintos, tendo, como substrato
patológico, a diminuição do espaço articular devido à perda cartilaginosa e à
formação de osteófitos.

2. Epidemiologia
A prevalência está correlacionada à idade e ao sexo, com predominância no
sexo feminino. É incomum quadro franco de OA abaixo dos 40 anos, quando
a prevalência entre os sexos é semelhante. A partir daí, entre a 4ª e a 5ª
décadas e no período da menopausa, a incidência aumenta bastante com a
idade e se torna mais frequente em mulheres. Estima-se que atinge 85% da
população até os 64 anos e, aos 85, torna-se praticamente universal.

Dica
A OA é uma doença com maior incidência acima dos 40 anos, no sexo
feminino, acometendo principalmente joelhos e mãos.

Além disso, constitui importante causa de morbidade e é a principal indicação


de cirurgias de próteses de quadril e joelho.
3. Classificação
A OA pode ser classificada de acordo com a causa do processo e a
distribuição anatômica das alterações. De acordo com a presença ou não de
causa anatômica subjacente, pode ser:

Primária ou idiopática: sem causa aparente, relacionada com a idade e


o sexo, com distribuição característica (mãos, joelhos, quadril e coluna);
Secundária: relacionada a processos traumáticos e/ou inflamatórios que
desencadearam a degeneração da cartilagem, como OA pós-trauma, ou
artrite infecciosa, doença reumatoide, necrose asséptica, doenças
neurológicas (Tabela 2). A localização é variável e vai depender de onde
ocorre o processo inicial que lesiona a cartilagem. A ocorrência de OA
em articulações não comumente envolvidas pela doença deve chamar
atenção para acometimento secundário.
Quanto à localização, a OA primária ainda pode ser classificada em:

Periférica: acometendo articulações do esqueleto apendicular


(membros);
Axial: acometendo a coluna vertebral;
Generalizada: OA primária acometendo 3 ou mais sítios, podendo ser
todos periféricos ou 2 periféricos e 1 axial.

4. Fisiopatologia
As características histopatológicas principais da OA são a perda focal e
gradual da cartilagem articular e o comprometimento do osso subcondral.
A cartilagem normal tem 2 componentes principais: a matriz extracelular, rica
em colágeno e proteoglicanos, e os condrócitos, inseridos na matriz. Os
componentes da matriz são responsáveis por suas características de
elasticidade e resistência. Os condrócitos são responsáveis pela síntese da
matriz extracelular e por sua renovação por meio de proteinases, mantendo
equilíbrio entre a formação e a degradação de matriz. Com o passar dos anos,
os componentes da matriz se alteram: ocorrem irregularidades na rede de
colágeno, e os proteoglicanos se alteram qualitativa e quantitativamente,
diminuindo sua capacidade de reter água. Ocorre rarefação dos condrócitos
em alguns sítios e hipertrofia em outros, e passam a ser mais catabólicos,
desequilibrando o processo de formação e degradação da matriz.
O resultado desse processo é marcado por cartilagem envelhecida que contém
menos água, condrócitos mal distribuídos e desequilibrados, proteoglicanos
alterados e colágeno fissurado, o que leva a uma matriz menos resistente e
menos elástica, mais suscetível aos traumas mecânicos, com espessura
diminuída. A cartilagem começa a apresentar microfraturas e, posteriormente,
fissuras verticais, junto ao osso subcondral. Fragmentos de cartilagem se
descolam, ficam livres no espaço articular e desencadeiam o processo
inflamatório discreto da OA. Esse descolamento provoca também a exposição
do osso subcondral, com microcistos. Nesses locais de exposição óssea, os
osteófitos provocam neoformação óssea subcondral, com esclerose do osso
subcondral. A redução do volume e das propriedades da cartilagem e as suas
irregularidades levam a maior atrito entre as estruturas, redução do espaço
articular e alteração dos vetores normais de força dentro da articulação. Com
isso, ocorrem áreas de maior pressão sobre o osso subcondral, contribuindo
para a esclerose subcondral e surgimento de espículas ósseas, denominadas
osteófitos nas margens articulares. O resultado é marcado pela tríade
radiológica da OA: redução do espaço articular, esclerose óssea subcondral e
formação de osteófitos. Somando-se a isso, o envelhecimento provoca
frouxidão ligamentar e capsular, hipotrofia muscular e diminuição da
sensibilidade proprioceptiva articular, que contribuem para a instabilidade
articular com a idade.
5. Manifestações clínicas
A OA pode provocar dor articular, rigidez matinal (geralmente <30 minutos),
limitação de movimentos, crepitações, ocasionalmente derrame articular e
graus variados de inflamação local. É uma doença de caráter crônico e
evolução lenta, sem comprometimento sistêmico. Na grande maioria dos
indivíduos, desenvolve-se de maneira silenciosa.
O que leva o paciente com OA ao médico é a dor ou algum tipo de
deformidade. A dor tem características mecânicas, aparece ou se exacerba no
início dos movimentos (dor protocinética), melhora levemente após alguma
movimentação, mas é marcadamente exacerbada com o uso prolongado da
articulação. Nos estágios mais avançados, não é incomum o paciente ter dor
mesmo quando em repouso, acordando algumas vezes durante a noite.
A rigidez matinal do segmento afetado pode ocorrer, porém, na OA,
diferentemente do que ocorre na artrite reumatoide e em outras artrites
inflamatórias, é de curta duração, sendo sempre inferior a 30 minutos.
Um sinal importante para o diagnóstico é a crepitação, que pode ser fina ou
grosseira. É a sensação palpável de atrito entre as estruturas articulares, graças
à presença de irregularidades na superfície da cartilagem e fragmentos
osteocartilaginosos soltos. A crepitação é um achado de palpação, mas pode
chegar a ser audível.
Outro achado comum é a deformidade articular. Por vezes, o processo
degenerativo e inflamatório pode levar ao aumento do volume articular, com
consistência óssea, limitando a amplitude de movimento e, muitas vezes,
provocando desvio de eixo articular. A inflamação decorrente do processo
pode provocar aumento discreto da temperatura e derrames articulares
(principalmente nos joelhos).

Quadro clínico
O quadro clínico da OA envolve dor articular, rigidez matinal inferior a 30
minutos, limitação de movimentos, crepitação articular e deformidade
articular.

Nos membros superiores, a OA primária costuma acometer as


interfalangianas proximais (IFPs) e distais (IFDs) das mãos, a articulação
trapézio-metacarpo na base do polegar (rizartrose) e a acromioclavicular. As
deformidades das IFPs são descritas como nódulos de Bouchard, e as das
IFDs, como nódulos de Heberden (Figura 1). O acometimento dos dedos pode
iniciar-se dedo a dedo, de forma inicialmente assimétrica, mas, à medida que
mais articulações são acometidas, o envolvimento vai se tornando simétrico.
Classicamente, são poupados na OA primária as articulações
metacarpofalangianas, os punhos, os cotovelos e os ombros (glenoumerais). O
acometimento por OA dessas articulações sugere OA secundária.
Nos membros inferiores, é comum o acometimento dos quadris (coxartrose),
joelhos (gonartrose), primeiras metatarsofalangianas e as interfalangianas dos
pés. Os joelhos podem apresentar-se aumentados de volume, com discreta
elevação de temperatura, edema e alteração de eixo, sendo mais comum a
acentuação de joelho varo. O comprometimento crônico dos joelhos, com dor
e limitação funcional, leva à hipotrofia muscular dos quadríceps femorais, que
ajudam a instabilizar ainda mais tais articulações. As metatarsofalangianas
ficam com aumento de volume, e o hálux comumente se desvia lateralmente
(hálux valgo). Classicamente, são poupados na OA primária as demais
articulações metatarsofalangianas, os tornozelos e o tarso. O acometimento
dessas articulações sugere OA secundária.

Quadro clínico
O quadro clínico de OA nos membros superiores envolve interfalangianas
proximais (nódulos de Bouchard) e distais (nódulos de Heberden) das
mãos, articulação trapézio-metacarpo do polegar (rizartrose) e
acromioclavicular. As articulações metacarpofalangianas são poupadas,
bem como os punhos, cotovelos e ombros (glenoumerais).
A OA axial se caracteriza pelo acometimento das articulações interapofisárias.
Os segmentos mais atingidos são o cervical e o lombar (maior mobilidade). A
dor é também de natureza mecânica, protocinética, com curta rigidez (<30
minutos). Pode haver retificação e perda da lordose cervical ou lombar, ou
hiperlordose lombar e perda de amplitude de movimentos, sobretudo com
desencadeamento de dor à extensão. Dor muscular paravertebral associada é
comum, e compressões neurológicas também podem ocorrer.
Apesar da classificação entre OA axial e periférica, é muito comum a
associação entre ambas e de OA generalizada, em que 3 ou mais grupos
articulares são comprometidos, como OA de mãos, joelhos e coluna.
Os diferentes graus de perda de função podem ser avaliados pela anamnese e
pelo exame físico. O paciente informa sobre sua capacidade de realizar
atividades diárias, como subir e descer escadas, fazer caminhadas, realizar
tarefas domésticas, praticar esportes. Isso ajuda a formar uma ideia de suas
limitações e serve como parâmetro na evolução do quadro clínico.

Quadro clínico
O quadro clínico de OA nos membros inferiores envolve quadris
(coxartrose), joelhos (gonartrose), primeiras metatarsofalangianas (hálux
valgo) e as interfalangianas dos pés. As demais articulações
metatarsofalangianas, os tornozelos e o tarso são poupados.
Figura 1 - Nódulos de Heberden (interfalangianas distais) e de Bouchard (interfalangianas
proximais)
6. Achados radiológicos
O diagnóstico clínico da OA usualmente é confirmado com radiografias das
articulações acometidas. O clássico achado radiológico é a tríade da OA
(Tabela 4 e Figuras 2 e 3).

Diferentemente da artrite reumatoide e de outras artrites inflamatórias, o


acometimento articular é focal e assimétrico dentro de cada articulação.
Assim, a redução do espaço articular é irregular, acometendo mais um
compartimento articular que outro. No quadril, a porção superior da
articulação é mais comumente afetada. Já nos joelhos, é mais comum o
acometimento do compartimento femorotibial medial e do femoropatelar
lateral, levando os achados da tríade a serem encontrados de forma
assimétrica. Podem ocorrer também cistos subcondrais com bordas
escleróticas (Figuras 2 e 3).
Existe grande dissociação clínico-radiológica na OA. Cerca de 80% dos
indivíduos a partir de 40 anos podem apresentar características radiológicas
compatíveis com OA em articulações que sustentam peso, embora apenas
30% apresentem dor. Imagens de ressonância magnética têm sido usadas para
avaliação da OA, permitindo a visualização direta da cartilagem articular e a
detecção de anormalidades de meniscos e ligamentos.
Figura 2 - Osteoartrite de joelho (gonartrose): redução assimétrica do espaço articular, mais evidente
no compartimento medial do joelho (abaixo), esclerose subcondral (osso mais branco aos raios X) e
presença de osteófitos (espículas ósseas laterais)

Figura 3 - Osteoartrite de coxofemoral (coxartrose) avançada: total perda de espaço articular e


esclerose subcondral com grandes cistos
Figura 4 - Esclerose subcondral (seta)
Figura 5 - Osteoartrite do joelho, esclerose e formação de osteófito: (A) e (B) articulação do joelho
tibiofemoral e (C) articulação do joelho patelofemoral

7. Achados laboratoriais
Os exames laboratoriais de rotina habitualmente são normais e utilizados para
identificar outras condições que podem estar associadas. A avaliação da
hemoglobina, creatinina, potássio e transaminases é necessária antes de iniciar
a terapia com Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs).
As provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação e
proteína C reativa) são comumente normais. Alguns pacientes com sinais
inflamatórios mais intensos podem apresentar uma velocidade de
hemossedimentação levemente aumentada, porém nunca comparável aos
valores presentes na artrite reumatoide, polimialgia reumática, processos
infecciosos ou tumorais. Na OA, o teste para a detecção do fator reumatoide é
negativo, todavia é preciso lembrar que 20% dos idosos saudáveis têm esse
teste positivo, o que pode levar à confusão com o diagnóstico de artrite
reumatoide.
A análise do líquido sinovial comumente revela perfil não inflamatório, com
viscosidade normal e baixa contagem celular (<2.000 células/mm3).
Excepcionalmente, quando ocorre derrame articular, alguns pacientes podem
apresentar líquido sinovial levemente inflamado, com pequenos aumentos na
celularidade e discreta diminuição da viscosidade.

8. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame físico e, quando necessário,
na radiografia. Deve-se dar atenção especial para curso crônico e insidioso,
articulações tipicamente envolvidas com suas deformidades clássicas, idade
do paciente (>50 anos), dor mecânica e protocinética, com rigidez matinal
curta (<30 minutos), comprometimento assimétrico dentro das articulações
envolvidas (aos raios X) e provas de atividade inflamatória normais (Tabela
5).
Figura 6 - Diagnóstico diferencial entre (A) osteoartrite e (B) artrite reumatoide, de acordo com as
principais articulações acometidas
Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.

9. Tratamento

A - Não farmacológico
B - Farmacológico

O principal objetivo do tratamento farmacológico na OA é o alívio da dor.

a) Analgésicos sistêmicos

b) Anti-inflamatórios não hormonais

Serão indicados quando houver dor moderada a grave, refratária a analgesia


simples, associada a quadro inflamatório exuberante e nas eventuais crises de
agudização. Os AINHs agem como inibidores da cicloxigenase (COX). A
COX-1 é constitutiva e importante na síntese de prostaglandinas responsáveis
pela proteção antiácida da mucosa gástrica. A COX-2 é a mais importante na
síntese de prostaglandinas que causam dor e inflamação. Assim, têm-se
AINHs não seletivos (diclofenaco, nimesulida, meloxicam), que agem sobre
as 2 formas, tendo maior risco de sangramento/perfuração gastrintestinal, e os
seletivos de COX-2 (celecoxibe), usados preferencialmente na presença de
fatores de risco para eventos adversos no trato gastrintestinal (Tabela 8). Os
principais efeitos colaterais a serem monitorizados são hipertensão arterial,
piora da função renal, retenção hídrica, hipercalemia, sangramento ou
intolerância gastrintestinal.

c) Duloxetina

Para os pacientes com OA generalizada e/ou múltiplas comorbidades,


recomenda-se duloxetina, um antidepressivo que age na modulação da dor,
inibindo de forma seletiva a recaptação de serotonina e norepinefrina. São
possíveis efeitos colaterais como náuseas, fadiga, constipação, sonolência e
boca seca. Recomenda-se o uso de doses entre 30 a 60mg/d.

d) Opções terapêuticas secundárias

A diacereína é indicada principalmente para OA de mãos, joelhos e quadris.


Atua inibindo a IL-1 (interleucina-1), aumenta a produção de colágeno e
proteoglicanos. Poucos estudos demonstram eficácia. Pode ser usada na dose
de 50 a 100mg/d. O principal efeito colateral é diarreia. Não é indicada em
consensos internacionais.
O uso de antimaláricos (hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina) é
preconizado em casos de OA erosiva de mãos. As doses usuais são de
400mg/d para a hidroxicloroquina e 250mg/d para o difosfato de cloroquina.
Os pacientes devem ser orientados a fazer exame de fundo de olho periódico
(a cada 6 a 12 meses) com oftalmologista, devido aos efeitos colaterais
visuais decorrentes da deposição dessas drogas na retina. Pode ocorrer
coloração acinzentada da pele em razão de sua deposição. A
hidroxicloroquina tem menos efeitos de depósito que o difosfato de
cloroquina.
Os estudos que avaliaram o benefício do uso de glicosamina e condroitina são
conflitantes. Mesmo de forma questionável, recomenda-se a glicosamina,
associada ou não à condroitina, principalmente em pacientes com OA de
joelhos moderada a grave. A dose usual de glicosamina é de 1.500mg/d, e a
de condroitina, 1.200mg/d.
O extrato insaponificável de abacate e soja, também conhecido como
Piascledine®, pode ser utilizado na dose de 300mg/d, mas ainda apresenta
pequena eficácia na literatura.
Analgésicos locais tópicos como AINHs em forma de gel ou capsaicina, um
agente à base de pimenta, são usados em casos de OA de joelhos e mãos.
Por fim, o tratamento de pacientes com OA pode incluir o uso de infiltrações
intra-articulares. O corticoide intra-articular pode ser útil, quando existe
componente inflamatório associado ou derrame articular. É indicado
principalmente a pacientes com poucas articulações acometidas. O alívio
pode durar alguns dias ou se estender por meses. Há ainda a opção de
infiltração com ácido hialurônico, conhecida como viscossuplementação.
Parece ter melhor efeito em quadros de OA de joelho em estágios iniciais. Há
pouca evidência na literatura sobre seu real benefício. Pode ser aplicado
semanalmente por 3 a 5 vezes.

B - Tratamento cirúrgico

Pacientes com prejuízo da vida diária e falha do tratamento conservador


devem ser encaminhados ao ortopedista para avaliação. Podem ser realizados
osteotomias, debridamentos artroscópicos, artroplastias e artrodeses. A
artroplastia total é muito efetiva para paciente com dor intensa e OA avançada
de quadril ou joelho, mas não é tão indicada para outras articulações.
Figura 7 - Artroplastia de quadril
Figura 8 - Artroplastia de joelho

Resumo
Osteoartrite

Redução de espaço articular;


Microfraturas na cartilagem;
Fragmentos osteocartilaginosos soltos e cistos subcondrais;
Inflamação leve;
Esclerose óssea subcondral;
Formação de osteófitos.

Fatores de risco

Idade crescente;
Predisposição genética;
Excesso de peso;
Traumas e ocupação;
Deformidades prévias;
Fatores hormonais.

Processo inicial

Irregularidades na rede de colágeno;


Proteoglicanos;
Desidratação da cartilagem;
Irregularidade na distribuição e na função dos condrócitos;
Desequilíbrio entre formação e degradação da matriz;
Matriz menos elástica e menos resistente.

Principais achados radiológicos

Espaço articular reduzido;


Esclerose do osso subcondral;
Formação de osteófitos;
Cistos subcondrais.

Diagnóstico

Clínico e radiográfico

Tratamento

Não farmacológico: educação, perda ponderal, fortalecimento muscular,


uso de órteses;
Farmacológico: analgésicos, AINHs, diacereína, duloxetina,
glicosamina/condroitina, antimaláricos, extrato insaponificável de
abacate e soja;
Agentes tópicos;
Infiltrações intra-articulares;
Tratamento cirúrgico após falha no tratamento clínico: osteotomia,
artroplastia, artrodese.
Artrite reumatoide
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Introdução
A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória autoimune crônica e
progressiva, resultante da interação entre fatores ambientais e genéticos, cuja
manifestação principal é a sinovite persistente de grandes e pequenas
articulações periféricas, de forma simétrica, nos membros superiores e
inferiores, devido ao comprometimento inflamatório da membrana sinovial
das articulações. A inflamação provoca danos à cartilagem e erosões ósseas,
marcas registradas da doença, comprometendo a integridade articular,
gerando, consequentemente, possíveis complicações e deformidades. Apesar
de seu potencial destrutivo, o curso da AR pode ser bastante variável. A
evolução clínica pode variar de doença oligoarticular moderada com duração
curta e lesão articular mínima até poliartrite progressiva irreversível com
perda funcional acentuada.

2. Epidemiologia
A AR é uma doença mundial que afeta todas as etnias, com prevalência de
cerca de 0,5 a 1% da população, com predomínio de acometimento em
mulheres (2,5 a 3 vezes maior do que em homens), e aumenta com a idade. A
diferença entre sexos diminui na faixa etária mais elevada. Em mulheres, o
início acontece durante a 4ª e a 6ª décadas de vida, com 80% de todos os
pacientes acometidos com idade entre 35 e 50 anos. Em homens, ocorre mais
tardiamente, durante a 6ª e a 8ª décadas de vida. A AR causa aumento da
mortalidade e é responsável por grande morbidade. Pelo fato de acometer
indivíduos em idade produtiva e potencialmente causar danos articulares
irreversíveis, essa patologia gera altos custos para esses pacientes e a
sociedade.
3. Etiologia
A AR ocorre como resultado da perda do mecanismo de tolerância imune.
Esse mecanismo é dependente de fatores ambientais e genéticos. Acomete 4
vezes mais os parentes de 1º grau de outros pacientes com AR do que a
população geral. Aproximadamente 10% dos pacientes com AR terão 1
parente de 1º grau acometido. Entretanto, há concordância de apenas 12 a
15% em gêmeos monozigóticos, demonstrando claramente a participação de
outros fatores. A maioria dos pacientes não tem história familiar significativa.
Os fatores genéticos envolvidos mais importantes estão relacionados aos
alelos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC ou HLA) classe
II, principalmente alelos do HLA-DRB1 e HLA-DR4, fortemente associados
ao desenvolvimento de AR.
É possível que a AR esteja relacionada à resposta imune a agente infeccioso
em indivíduo geneticamente suscetível. Vários possíveis agentes são
sugeridos, inclusive micoplasma, vírus Epstein-Barr (EBV), citomegalovírus,
parvovírus e vírus da rubéola. Existe o papel definido de citrulinização de
proteínas e consequente formação de anticorpos anticitrulina ou antipeptídio
C citrulinado, que contribuem para o desenvolvimento de AR e para o
surgimento de doença mais agressiva. A citrulinização ocorre na mucosa oral
na presença de Porphyromonas gingivalis, encontradas em periodontites.
Possivelmente, a mucosa do intestino também está envolvida, na presença de
espécies de Prevotella. Dentre os gatilhos ambientais, o tabagismo é capaz de
provocar citrulinização de proteínas pulmonares.

Dica
A citrulinização de proteínas ocorre na mucosa oral na presença de
Porphyromonas gingivalis. O tabagismo é o único fator de risco ambiental
confirmado para o desenvolvimento da AR.

4. Patologia e patogenia
Diartroses ou articulações sinoviais são articulações móveis, formadas por
cartilagem hialina, no encontro de 2 ossos com líquido sinovial. São
revestidas externamente pela cápsula articular e internamente por uma
membrana sinovial. Entre elas, há uma camada de tecido conectivo, com
vasos e nervos. A membrana sinovial produz o líquido sinovial, que nutre e
lubrifica a cartilagem articular, e contém fibroblastos e macrófagos, que
produzem citocinas. Lá, também chegam linfócitos e neutrófilos pelo sangue.
Na AR, linfócitos T autorreativos chegam à articulação e produzem
interferon-gama (IFN-gama), que estimula fibroblastos e macrófagos a
produzirem diversas citocinas pró-inflamatórias, como interleucina 1 (IL-1),
fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina 6 (IL-6), além de
prostaglandina E2 e metaloproteinases. Como resultado desse processo
inflamatório, há congestão, edema, exsudação e hiperplasia das células
sinoviais.
As citocinas pró-inflamatórias, por sua vez, induzem direta e indiretamente
respostas em vários tipos celulares (Tabela 1). Há produção de enzimas
proteolíticas (colagenase e metaloproteinases), inibição da síntese de novas
moléculas da matriz e estimulação de osteoclastos, promovendo
desmineralização óssea por reabsorção. Com a progressão da inflamação, a
sinóvia se espessa e avança para o espaço articular, invadindo a cartilagem e o
osso, formando, dessa forma, o pannus. As citocinas pró-inflamatórias são
responsáveis por muitas das manifestações sistêmicas da AR, como mal-estar,
febre, emagrecimento e fadiga. A IL-6 é, ainda, responsável pelo aumento das
proteínas de fase aguda (velocidade de hemossedimentação – VHS – e
Proteína C Reativa – PCR).
Há também formação de complexos imunes devido à presença de plasmócitos
na membrana sinovial inflamada. Tais complexos entram na circulação e
levam a várias manifestações da doença, como a vasculite sistêmica.

5. Manifestações clínicas articulares


Tema frequente de prova
O conhecimento de cada pormenor do quadro clínico da AR pode auxiliar
na resolução de questões de concursos médicos.

Caracteristicamente, a AR é uma doença crônica e progressiva, classicamente


com início insidioso, acompanhada de sintomas constitucionais inespecíficos,
como fadiga, anorexia, fraqueza generalizada, perda de peso e febre baixa.
Inicialmente, os sintomas musculoesqueléticos são vagos até o aparecimento
da sinovite. Esse quadro prodrômico pode persistir durante semanas ou meses
e dificultar o diagnóstico.
Os sintomas específicos normalmente surgem gradualmente em várias
articulações, especialmente mãos, punhos, joelhos e pés, de forma simétrica:
artralgia inflamatória, que é pior após longos períodos de repouso, com
melhora ao movimento, edema e espessamento articular, além de rigidez
matinal prolongada (mais de 1 hora de duração). A rigidez matinal por mais
de 1 hora de duração é característica quase invariável de artrite inflamatória e
pode ser útil na distinção de outras patologias não inflamatórias. Esse quadro
típico ocorre em cerca de 2/3 dos pacientes. Em cerca de 10% dos casos, o
quadro clínico inicial é mais agressivo, com o surgimento rápido de
poliartrite, comumente acompanhada por sintomas constitucionais. Em cerca
de 30% dos pacientes, os sintomas podem ser limitados inicialmente a 1 ou
algumas articulações. O padrão simétrico é o mais frequente, embora o padrão
de envolvimento articular possa permanecer assimétrico em alguns pacientes.

Quadro clínico
O quadro clínico da AR abrange acometimento de articulação das mãos
(metacarpofalangianas e interfalangianas proximais), metatarsofalangianas,
punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e ombros (nessa ordem).

O padrão clássico de acometimento articular na AR é o envolvimento de


grandes e pequenas articulações de membros inferiores e superiores, de forma
simétrica, atingindo caracteristicamente pequenas articulações das mãos,
metatarsofalangianas (MTFs), punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris
e ombros, geralmente nessa ordem de aparecimento (pequenas para grandes).
O tratamento instituído precocemente pode limitar o número de articulações
acometidas.

Quadro clínico
O quadro clínico da AR envolve dor articular, com piora ao repouso, e
melhora ao movimento, rigidez matinal superior a 1 hora, edema e
espessamento articular.

As mãos são o principal local de acometimento na grande maioria dos


pacientes. Esse acometimento é mais habitual nos punhos, nas articulações
metacarpofalangianas (MCFs) e nas interfalangianas proximais (IFPs). As
interfalangianas distais (IFDs) geralmente são poupadas, o que ajuda a
distinguir a AR da osteoartrite e da artrite psoriásica, em que essas podem ser
acometidas. A dor e o edema nessas articulações causam limitação funcional,
com menor uso das mãos, levando à atrofia de músculos interósseos e ao
achado clássico de alargamento de punhos com atrofia de interósseos. O
envolvimento das MCFs pode provocar dor e edema difuso nessas
articulações, mas quadros iniciais podem ser percebidos apenas pela
compressão laterolateral (teste de squeeze) da 2ª à 5ª MCFs, desencadeando
dor. Anéis que não passam pelas IFPs são uma queixa frequente, devido ao
edema.

Importante
Na AR, as interfalangianas distais são geralmente poupadas, o que pode
ajudar na distinção de doenças como osteoartrite e artrite psoriásica.

À medida que a doença evolui, as articulações sofrem desvios característicos,


como o desvio ulnar das MCFs, o desvio radial e, posteriormente, volar do
punho. Nos quirodáctilos, podem ocorrer ainda deformidades “em pescoço de
cisne” (swan neck), com hiperextensão da IFP e flexão da IFD, dedos “em
botoeira” (boutonnière – Figura 5) por hiperextensão da MCF e flexão da IFP,
e polegar “em Z”, pela subluxação da 1ª MCF e da IF. Inicialmente, a
articulação pode estar desviada reversivelmente, apenas pela subluxação
articular (articulação de Jaccoud), mas a invasão do pannus costuma provocar
limitações e desvios articulares fixos.

Quadro clínico
Convém lembrar-se dos achados na AR: dedos “em pescoço de cisne”, “em
botoeira”, polegar em “Z”, desvio ulnar nas metacarpofalangianas, desvio
radial no punho e atrofia de músculos interósseos.

O acometimento dos cotovelos, com sinovite dessa articulação, pode ser


precoce e levar à contratura em flexão.
Nos pés, as articulações mais acometidas são as MTFs. A avaliação de edema
nesse local é difícil, mas o teste de squeeze (compressão laterolateral conjunta
de todas as MTFs) ajuda muito ao desencadear dor. A progressão do
acometimento dessas articulações pode provocar subluxação plantar das
cabeças dos metatarsos, alargamento do antepé, hálux valgo, desvio lateral e
subluxação dorsal dos dedos do pé. Isso é causa de grande incômodo por
provocar úlceras plantares nos pés e dorsais nos dedos encurvados. Artrite de
tornozelos e de articulações subtalares também pode ocorrer e produzir dor
intensa ao deambular. Outra causa de dor é a formação de ulcerações
cutâneas, consequentes da subluxação das MTFs e da diminuição dos coxins
gordurosos. A eversão de tornozelos por fraqueza de tibiais posteriores é
comum, e as erosões radiográficas são vistas mais precocemente nos pés que
nas mãos.
Joelhos, quadris e ombros também podem ser acometidos. O
comprometimento costuma ser simétrico e afetar cada articulação como um
todo, em toda a superfície articular. Nos joelhos, isso ajuda a diferenciar a AR
(em que os compartimentos medial e lateral são igual e gravemente
acometidos) da osteoartrite (em que, preferencialmente, um dos
compartimentos é atingido). O joelho desenvolve hipertrofia sinovial,
derrame articular crônico e frouxidão ligamentar. Herniação posterior da
membrana sinovial por meio da cápsula articular forma um cisto poplíteo
(cisto de Baker), que pode levar à sensação de plenitude, dor e compressão de
estruturas poplíteas. Seu rompimento provoca inflamação, com edema e muita
dor na perna, podendo simular tromboflebite ou trombose venosa profunda. O
diagnóstico diferencial é feito pela ultrassonografia com Doppler da região,
que afasta trombose venosa e mostra o cisto roto com grande edema de partes
moles.

Dica
O comprometimento articular na AR costuma ser simétrico e afetar toda a
superfície articular (diferentemente da osteoartrite).

Virtualmente, qualquer articulação sinovial pode ser atingida, como as


articulações temporomandibulares (ATMs), esternoclaviculares e
cricoaritenoides, que podem ser acometidas menos frequentemente, sobretudo
em casos de doença de longa duração. O envolvimento das cricoaritenoides
pode provocar sensação de plenitude na garganta, disfagia, rouquidão, dor na
região cervical anterior e estridor.

Dica
No cisto de Baker, na região poplítea, há herniação posterior da membrana
sinovial por meio da cápsula articular do joelho. Seu rompimento provoca
inflamação, com edema e muita dor na perna, podendo simular
tromboflebite ou trombose venosa profunda.

Na coluna, o acometimento geralmente é cervical alto e, na maioria dos casos,


assintomático, diferentemente das espondiloartrites, que podem acometer toda
a coluna, com dor espinal inflamatória (sobretudo lombar). O envolvimento
da coluna torácica, sacroilíaca e lombar é raro. A AR isolada também não
induz sacroileíte, lembrando que pode ocorrer a associação de AR a
espondiloartropatias, como a espondilite anquilosante.
Em pacientes com doença de longa duração, pode ocorrer subluxação
atlantoaxial (desvio entre a 1ª e a 2ª vértebras cervicais). Esse
comprometimento ocorre, pois a articulação atlantoaxial é denominada
diartrodial, ou seja, composta por sinóvias, portanto suscetível ao processo
inflamatório encontrado na AR. A subluxação atlantoaxial pode levar à
compressão medular, com dor, parestesias e perda de força nos membros, até
tetraplegia. Trata-se de comprometimento grave e de urgência neurocirúrgica.
Dor e disfunção também podem ser causadas por compressão de nervos
periféricos em áreas de sinovite. O local mais comum é o punho, que
desenvolve síndrome do túnel do carpo (compressão do nervo mediano), com
parestesias na face palmar das mãos, poupando o lado medial do 4º e 5º
quirodáctilos, mas com possível compressão do nervo ulnar (síndrome do
canal de Guyon) e do túnel do tarso.
Tenossinovites, com inflamação dos tendões e das suas bainhas sinoviais, são
comuns também nas mãos, principalmente no dorso, e podem ser um achado
inicial. A persistência da inflamação pode levar a roturas de tendões com
grande perda funcional.
Cistos sinoviais podem ocorrer perto de qualquer articulação acometida, por
herniação da membrana sinovial através da cápsula articular sob pressão de
líquido sinovial e deformidades que alteram os vetores articulares, como
acontece principalmente no dorso dos punhos e das mãos e no joelho, no caso
do cisto de Baker.
Figura 1 - Sinovite (inflamação) da articulação interfalangiana proximal do 2º quirodáctilo direito
(dedo “em fuso”)
Figura 2 - Mão reumatoide: atrofia da musculatura interóssea, dedos “em pescoço de cisne” (3º a 5º)
e espessamento sinovial de metatarsofalangianas e punho, e polegar “em Z”, pela subluxação da 1ª
metacarpofalangiana
Figura 3 - Mão reumatoide: atrofia da musculatura interóssea e cisto sinovial no dorso da mão
direita “em dorso de camelo”
Figura 4 - Deformidade em extensão das interfalangianas proximais e em flexão das
interfalangianas distais, caracterizando dedos “em pescoço de cisne” em paciente com artrite
reumatoide: notar aumento de volume das metacarpofalangianas
Figura 5 - Deformidade “em botoeira”, por hiperextensão da metacarpofalangiana e flexão da
interfalangiana proximal
6. Manifestações extra-articulares
O acometimento das estruturas extra-articulares ocorre com frequência
significativa, principalmente em pacientes com FR positivo, anti-CCP
(anticorpo antipeptídio citrulinado cíclico) positivo, HLA classe II DRB1 e/ou
nódulos reumatoides.
Podem associar-se a manifestações extra-articulares, sintomas constitucionais,
como fadiga, perda de peso e febre baixa.
Nódulos reumatoides ocorrem em 30% das pessoas com AR e são
encontrados em estruturas periarticulares, superfícies extensoras ou outras
áreas expostas à pressão mecânica. Locais comuns incluem a bursa do
olecrânio, a face extensora proximal do antebraço, o tendão de aquiles e o
occipício. Também podem ocorrer em outras regiões, como coração, pulmões,
pleura, olhos e meninges. Variam em tamanho e consistência, são raramente
sintomáticos, podendo infectar-se após trauma local, e ocorrem quase
exclusivamente em pacientes com FR positivo. A avaliação no começo da
formação sugere que o processo inicial possa ser uma vasculite focal. O uso
de metotrexato pode aumentar ou acelerar o desenvolvimento, provocando a
síndrome de hipernodulose, que pode ocorrer independentemente do bom
controle articular.

Dica
Os locais comuns dos nódulos reumatoides são bursa do olecrânio, face
extensora proximal do antebraço, tendão de aquiles e occipício, quase
exclusivamente em pacientes com fator reumatoide positivo. Podem ser
encontrados, ainda, no coração, pulmões, pleura, olhos e meninges.
Figura 6 - Nódulos reumatoides e seus sítios comuns

A vasculite reumatoide pode afetar qualquer órgão, sendo comumente vista


em pacientes com AR grave e títulos elevados de FR. Pode ser de pequenos
vasos, com biópsia que evidencia leucocitoclasia, ou de médio calibre. As
formas mais agressivas se manifestam como polineuropatia, mononeurite
múltipla, úlceras cutâneas (Figura 7), necrose dérmica, gangrena digital
(Figura 8) e infarto visceral (isquemias miocárdica, pulmonar, intestinal,
hepática, esplênica, pancreática e testicular, que são raras). As formas mais
frequentes de apresentação são pequenas manchas acastanhadas ungueais e
periungueais e nas polpas digitais das mãos, além de grandes úlceras
isquêmicas, principalmente nos membros inferiores (Figura 9).
As manifestações pleuropulmonares são mais comuns em homens e
acontecem na forma de pleurite, fibrose intersticial, nódulos
pleuropulmonares (Figura 10) e pneumonite. O derrame pleural apresenta
níveis de glicose e pH muito baixos, na ausência de infecção, sendo muitas
vezes confundido com empiema. É um exsudato (aumento do DHL e
proteínas), com dosagem do complemento baixa em relação à do plasma,
geralmente com leucócitos <5.000 e o FR pode ser positivo. Na maioria dos
casos, entretanto, são derrames muito pequenos e assintomáticos. A fibrose
pulmonar, na maioria dos casos, provoca alterações pulmonares discretas e é
assintomática. Entretanto, pode determinar redução da difusão pulmonar e
causar dispneia, progredindo na tomografia de um padrão “de vidro fosco”
para faveolamento.
Os nódulos pulmonares podem aparecer isoladamente ou em grupos e evoluir
com cavitação, que podem infectar, calcificar ou produzir pneumotórax ou
fístula broncopleural. O encontro isolado de nódulo pulmonar requer
investigação adicional para neoplasia de pulmão. Também pode ocorrer a
obstrução de via aérea superior cricoaritenoide ou da laringe pelo surgimento
de nódulos reumatoides, ou pela própria artrite dessa articulação, podendo
manifestar-se como dor para deglutir, disfonia e, raramente, obstrução. A
síndrome de Caplan ocorre em pacientes com AR e pneumoconiose
relacionada à exposição a poeiras minerais (carvão, asbestos e sílica) e se
caracteriza pelo rápido desenvolvimento de múltiplos nódulos basais
periféricos em associação a leve obstrução do fluxo aéreo. Essa síndrome
pode complicar-se com o desenvolvimento de fibrose progressiva.
Figura 7 - Vasculite digital com úlceras cutâneas

Figura 8 - Vasculite de polpa digital evoluindo para gangrena


Figura 9 - Vasculite evoluindo com úlcera no membro inferior (pré-debridamento e pós-
debridamento)

Figura 10 - Nódulos pulmonares

As manifestações cardíacas são comumente assintomáticas. A pericardite


pode acometer mais de 50% dos pacientes, geralmente sem clínica. No
derrame pericárdico, o líquido apresenta baixa concentração de glicose e
baixo pH, sendo habitualmente associado a derrame pleural. Muito raramente,
ocorrem tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Nódulos
reumatoides podem acometer o miocárdio, o sistema de condução (com
bloqueios) e as valvas cardíacas. Aortite envolvendo segmentos da aorta tem
sido descrita associada à insuficiência aórtica, dilatação e ruptura de
aneurisma. Apesar de manifestações diretamente relacionadas à AR não
serem clinicamente comuns, a doença vascular, principalmente coronariana, é
responsável por grande morbimortalidade nesse grupo, devendo ser
diagnosticada e tratada precoce e adequadamente.
As manifestações renais e a doença glomerular são extremamente raras na
AR. Proteinúria pode se desenvolver secundária ao uso de medicamentos ou
por amiloidose.
Quanto às manifestações neurológicas, a AR tende a poupar o Sistema
Nervoso Central (SNC). No entanto, pode haver mononeurite múltipla por
vasculite, compressão de nervos periféricos como o nervo mediano (síndrome
do túnel do carpo) por sinovite ou deformidades e acometimento de raízes ou
compressão medular devido à instabilidade da coluna cervical.
O acometimento ocular é comum. A manifestação mais frequente é a
ceratoconjuntivite seca (síndrome de Sjögren secundária), observada em cerca
de 15%. Ocasionalmente, ocorrem uveíte e mesmo episclerite, que
eventualmente perfura a esclera (escleromalácia perfurante – Figura 11).
Figura 11 - Escleromalácia perfurante

A manifestação hematológica mais comum é a anemia de doença crônica,


associada à atividade de doença. A síndrome de Felty, uma rara manifestação,
é descrita como a associação de AR, esplenomegalia e neutropenia.
Hepatomegalia, plaquetopenia, linfadenomegalia, calafrios, úlceras de pernas
de difícil cicatrização e infecções bacterianas de repetição comumente estão
associados. É mais comum em indivíduos com doença de longa evolução e
que apresentam títulos elevados de FR, nódulos subcutâneos e outras
manifestações sistêmicas da AR. Pacientes com sinais persistentes de
atividade de doença e/ou com síndrome de Felty têm risco aumentado de
linfoma difuso de grandes células B.
Complexos imunes circulantes estão habitualmente presentes, e pode ser
encontrado consumo de complemento. Aumento na incidência de linfoma não
Hodgkin tem sido descrito nesse grupo de indivíduos. Um grupo de pacientes
pode apresentar síndrome dos grandes linfócitos granulares (large granular
lymphocyte), em que a neutropenia se associa à presença de grandes linfócitos
granulares, que podem ser confundidos ao hemograma com monocitose.
Acredita-se que essa síndrome seja uma leucemia de células T, mas com bom
prognóstico no contexto da AR. Pacientes com sinais persistentes de atividade
de doença e/ou com síndrome de Felty têm risco aumentado de linfoma difuso
de grandes células B.

Importante
A síndrome de Felty é caracterizada pela tríade composta por AR,
esplenomegalia e neutropenia. É mais comum em indivíduos com doença
de longa evolução e que apresentam títulos elevados de FR, nódulos
subcutâneos e outras manifestações sistêmicas da AR.

Quadro clínico
Manifestações extra-articulares da AR incluem nódulos reumatoides,
vasculite de pequeno/médio calibre, bem como manifestações
pleuropulmonares, cardíacas, hematológicas e oculares.
7. Achados laboratoriais
Não existe marcador diagnóstico específico para AR. O FR (imunoglobulina
M contra a fração Fc da imunoglobulina G) é encontrado em mais de 85% dos
pacientes com a doença, na forma estabelecida.
A presença de FR não é específica para AR e é encontrada em 5% das
pessoas saudáveis, aumentando a sua frequência com o avançar da idade
(10 a 20% de indivíduos acima de 65 anos). Além disso, outras doenças
crônicas com estimulação persistente do sistema imunológico são
associadas à presença do FR: lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de
Sjögren (maiores títulos encontrados), hepatopatia crônica, sarcoidose,
fibrose pulmonar intersticial, mononucleose infecciosa, hepatite B,
tuberculose, hanseníase, sífilis, endocardite bacteriana subaguda,
leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia.
O FR pode surgir transitoriamente em indivíduos normais depois de
vacinação ou transfusão e ser encontrado em parentes de indivíduos com AR.
Sua presença não estabelece o diagnóstico e tem baixo valor preditivo. Menos
de 1/3 de pacientes com FR positivo terá o diagnóstico de AR. A presença de
FR pode ter significado prognóstico, pois pacientes com títulos elevados
tendem a ter doença articular mais grave e progressiva, associada a
manifestações extra-articulares, principalmente nódulos ou vasculite.

Dica
São doenças que podem apresentar fator reumatoide positivo: lúpus
eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, hepatopatia crônica,
sarcoidose, mononucleose infecciosa, hepatite B, tuberculose, hanseníase,
sífilis, leishmaniose visceral, esquistossomose, malária e crioglobulinemia.

Em pacientes com artrite inicial (menos de 6 a 12 meses de sintomas), a


positividade do FR é mais baixa (40 a 50%), com valor diagnóstico ainda
mais limitado.
Os anti-CCPs apresentam sensibilidade de 70 a 75% e especificidade de 95%.
Seu custo é alto, e a indicação é esclarecer quadros sugestivos de AR inicial,
ainda sem erosão ou doença estabelecida, ou para diagnóstico de pacientes
com FR negativo. Nenhum exame laboratorial é patognomônico de AR.
Pacientes com AR podem ter FR e anti-CCP negativos.

Dica
Tanto os títulos de fator reumatoide quanto de anti-CCP apresentam valor
prognóstico no paciente com AR.

Outros anticorpos inespecíficos podem estar presentes em até 30% dos casos,
como o FAN (fator antinúcleo) e o ANCA (anticorpo anticitoplasma de
neutrófilo, particularmente com padrão perinuclear – p-ANCA).
A anemia normocrômica normocítica é frequente na doença ativa, refletindo
eritropoese inefetiva. Em geral, a anemia e a plaquetose se correlacionam com
atividade. A linhagem branca geralmente não se altera, mas pode ocorrer
discreta leucocitose. Na presença de neutropenia, considerar o diagnóstico da
síndrome de Felty. Eosinofilia pode refletir doença sistêmica grave.
A VHS é aumentada em quase todos os pacientes com AR ativa. A proteína
de fase aguda PCR também fica acentuadamente elevada, geralmente
correlacionada com atividade da doença e a probabilidade de lesão articular
progressiva.
O complemento (CH100, C3 e C4) costuma estar elevado. Contudo, na
presença de vasculite de pequenos ou médios vasos, há consumo de
complemento.
A análise do líquido sinovial confirma a presença de artrite inflamatória,
porém não é resultado específico, não sendo fundamental para o diagnóstico
da doença. O líquido é normalmente turvo, com viscosidade reduzida,
proteínas aumentadas e redução discreta da glicose em relação à glicemia
sérica. A contagem de leucócitos varia entre 5 e 50.000 células/mL, com
predomínio de polimorfonucleares. Uma contagem acima de 2.000
células/mL com mais de 75% de polimorfonucleares é altamente
característica de artrite inflamatória, embora não seja diagnóstica de AR.

Dica
O líquido sinovial do paciente com AR apresenta-se turvo, com
viscosidade reduzida, proteínas aumentadas e redução discreta da glicose,
além de leucócitos entre 5 e 50.000 células/mL, com predomínio de
polimorfonucleares.

Faz-se necessária a solicitação de outros exames, como sorologias virais


(parvovírus B19, hepatite B e hepatite C) em pacientes com poliartrite
inflamatória de início recente, especialmente com menos de 6 semanas, e com
FR e anti-CCP negativos. Em casos duvidosos, a análise do líquido sinovial
contribui para a exclusão do diagnóstico de gota, pseudogota ou artrite
infecciosa.
8. Avaliação radiológica
Nenhum exame radiográfico é patognomônico de AR. Os raios X
convencionais são o método mais utilizado na avaliação por imagem do dano
estrutural articular na AR. Os sinais radiográficos mais precoces são edema
de partes moles, osteopenia justa-articular (critério radiográfico da doença) e
cistos subcondrais em articulações classicamente envolvidas na AR. A perda
de cartilagem articular (redução do espaço articular) e as erosões ósseas
(outro critério radiográfico da doença) se desenvolvem depois de meses de
atividade contínua. A avaliação radiológica permite determinar a extensão da
destruição das cartilagens e da erosão óssea produzida pela doença
(particularmente quando se tenta estimar a agressividade desta) e definir o
momento da intervenção cirúrgica.
As erosões acontecem como soluções de continuidade na superfície articular e
devem ser pesquisadas nas articulações tradicionalmente acometidas de mãos
e dos pés. As alterações radiológicas nos pés costumam ser mais precoces que
as das mãos. Com a evolução da doença, ocorre artrose secundária, com perda
acentuada e simétrica do espaço articular, e intensa esclerose subcondral. Os
desvios ósseos e as subluxações ficam aparentes, e pode haver grande
destruição óssea subcondral.

Importante
Nos raios X, sinais precoces de AR são edema de partes moles, osteopenia
justa-articular e cistos subcondrais em articulações clássicas. Perda de
cartilagem articular (redução do espaço articular) e erosões ósseas se
desenvolvem após meses de doença ativa.
Figura 12 - Joelho na artrite reumatoide: redução acentuada do espaço articular, de forma simétrica
(envolvendo os 2 compartimentos), com muita esclerose subcondral e irregularidades na superfície
da articulação

A ultrassonografia e a ressonância magnética são capazes de detectar


alterações mais precocemente por apresentarem maior sensibilidade para
detecção de dano estrutural articular que a radiografia. Devido ao maior custo,
reservamos seu uso para casos iniciais da AR, em que há dúvida diagnóstica
sobre a agressividade da doença e a necessidade de progressão terapêutica, ou
sobre a atividade residual de doença em paciente em remissão clínica em que
se planeja reduzir o esquema terapêutico.

Figura 13 - Mão reumatoide: desvio ulnar das metacarpofalangianas direitas, redução dos espaços
articulares em punhos, metacarpofalangianas e interfalangianas proximais e subluxação de
interfalangianas proximais (polegar “em Z”); as interfalangianas distais são poupadas
Figura 14 - Radiografia da mão direita que mostra osteopenia justa-articular em
metacarpofalangianas com erosão no dedo indicador (seta)

9. Diagnóstico
Não existe achado patognomônico de AR. O diagnóstico baseia-se nos
achados clínicos, laboratoriais e radiográficos e na exclusão de outras
doenças. Na maioria dos pacientes, a doença apresenta as características
típicas em 1 a 2 anos após seu início. O quadro típico de poliartrite
inflamatória simétrica que envolve pequenas e grandes articulações em
extremidades superiores e inferiores é sugestivo do diagnóstico.
Características constitucionais indicativas da natureza inflamatória da doença,
como rigidez matinal, reafirmam a suspeita. Nódulos subcutâneos são
achados diagnósticos importantes. Associados a esses fatores, a presença do
FR e os achados radiológicos de desmineralização justa-articular e erosões
ósseas sugerem fortemente o diagnóstico.
O diagnóstico precoce é mais difícil quando estão presentes somente sintomas
constitucionais, artralgias intermitentes ou artrite com distribuição assimétrica
e oligoarticular. Em casos iniciais, com erosão e dúvida diagnóstica, a
dosagem do anti-CCP tem valor diagnóstico. O achado isolado de FR positivo
ou VHS elevada, especialmente em idosos com artralgia, não deve ser usado
como evidência de AR.
Atualmente, utilizamos os critérios classificatórios de AR publicados em
2010 pela EULAR (European League Against Rheumatism – Tabela 6),
entretanto, eles não são cobrados em provas. Esses novos critérios não são
diagnósticos, mas classificatórios, e permitem identificar os pacientes com
sinovite inflamatória recém-diagnosticada, com risco de desenvolver sintomas
persistentes ou danos articulares e que podem se beneficiar do uso de Drogas
Modificadoras do Curso da Doença (DMCDs).

Diagnóstico
Podem-se utilizar os critérios ACR/EULAR (2010) para o diagnóstico de
AR, em que é obrigatória a presença de sinovite clínica definida, em pelo
menos 1 articulação, associada à soma de fatores como acometimento
articular, sorologia, duração e provas inflamatórias.
10. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite (sem componente
inflamatório intenso, acomete IFDs e poupa MCF e punhos), artrite reativa
(oligoartrite predominante de membros inferiores, com entesites, dactilites e
envolvimento inflamatório axial), artrite psoriásica (pode assemelhar-se
bastante à AR, principalmente se tiver o mesmo padrão de distribuição – pode
acometer esqueleto axial e IFDs e, na maioria dos casos, tem FR negativo, na
presença de lesão cutânea típica de psoríase), gota tofácea, lúpus eritematoso
sistêmico, síndrome de Sjögren, pseudogota, polimialgia reumática etc.
Síndromes virais podem causar artrite com 2 a 4 semanas de duração, como
os vírus da hepatite C, B, HIV, EBV, citomegalovírus, parvovírus e rubéola.

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da AR inclui osteoartrite, artrite reativa, artrite
psoriásica, gota tofácea, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren,
pseudogota etc.

O acompanhamento do paciente é feito em cada consulta por meio de índices


compostos de atividade clínica, sendo o DAS ou DAS28 (Disease Activity
Score) o mais utilizado. Esse escore conta articulações edemaciadas e
dolorosas, além de ter uma pontuação para a doença e valores de PCR ou
VHS. Os exames radiográficos de mãos, punhos e pés devem ser repetidos
anualmente a fim de avaliar a progressão ou não da doença.

11. Evolução e prognóstico


O curso da AR é variável e difícil de ser predito individualmente. A maior
parte dos pacientes apresenta atividade flutuante, acompanhada por grau
variável de anormalidades articulares e prejuízo funcional. Várias
características são relacionadas a pior prognóstico (Tabela 7).

Atualmente, a principal causa de óbito em pacientes com AR são as


doenças cardiovasculares, principalmente a doença arterial coronariana e a
insuficiência cardíaca.
Existem dados na literatura que sugerem que o paciente com AR deva ter
níveis de LDL inferiores a 100mg/dL, porém isso ainda é controverso e, de
acordo com o UpToDate, recomenda-se ainda o uso do escore de risco de
Framingham para estimar o risco cardiovascular desses pacientes, mesmo
sabendo da chance de subestimar os eventos.
12. Tratamento

Tema frequente de prova


O tratamento da AR é um tema sempre presente nas provas de concursos
médicos.

As metas do tratamento da AR são o alívio da dor, a redução da inflamação, a


proteção das estruturas articulares, a preservação articular e o controle de
envolvimento sistêmico. Nenhuma das intervenções terapêuticas é curativa.
O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento são fundamentais
para o controle da atividade da doença, assim como também previne a
incapacidade funcional e lesões articulares irreversíveis, prejudicando a
qualidade de vida.
Os pacientes devem ser avaliados antes do início do tratamento, com
hemograma, creatinina, AST/ALT, VHS e PCR. Antes do início do
metotrexato, leflunomida ou dos biológicos, devem ser solicitadas as
sorologias para hepatites virais.
Indivíduos que farão uso dos biológicos devem ser investigados para
tuberculose com a realização de raios X de tórax e PPD (derivado de
proteína purificada). Atualmente, por escassez de PPD, faz-se investigação
de contato prévio de tuberculose com QuantiFERON®. Se o paciente sem
tuberculose ativa ou epidemiologia positiva apresentar sinais sugestivos aos
raios X, PPD >5mm ou QuantiFERON® positivo, deverá receber
quimioprofilaxia com isoniazida 300mg/d por 6 meses, e o uso do
biológico será possível após o 1º mês do tratamento.

A - Tratamento medicamentoso

a) Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs)

Têm ação analgésica e anti-inflamatória, mas não alteram o curso da doença e


não previnem a destruição articular. Não devem ser usados isoladamente no
tratamento da AR. O uso contínuo e em dose máxima é indicado quando a AR
está em franca atividade. Não há diferença de eficácia entre os diversos
AINHs.

Tratamento
Os AINHs têm ação analgésica e anti-inflamatória, mas não alteram o
curso da AR nem previnem destruição articular.

b) Corticoides

São utilizados em baixas doses no controle da dor e do processo inflamatório


enquanto se aguarda a ação das DMCDs. Existem evidências de que os
corticoides poderiam ser participantes na modificação do curso da doença,
porém seu uso crônico pode causar diversos efeitos adversos, como
osteoporose, sangramento no trato gastrintestinal, diabetes, infecções e
catarata. Em pacientes que farão uso de corticoides por mais de 3 meses,
indica-se a suplementação de cálcio e vitamina D, além da avaliação do
diagnóstico ou risco de osteoporose. O uso de corticoide intra-articular pode
promover alívio sintomático transitório em casos de mono ou oligoartrites
persistentes e a pulsoterapia pode ser necessária em casos de manifestações
sistêmicas graves, como vasculite.

Tratamento
Corticosteroides são usados no controle da dor e inflamação causados pela
AR, enquanto se aguarda o efeito dos DMCDs (usados conjuntamente),
sempre em baixas doses (até 15mg/d de prednisona, ou equivalente) e pelo
menor tempo possível.

c) Drogas modificadoras do curso da doença

Todos os pacientes com AR são candidatos ao uso de DMCDs, pois estas têm
a capacidade de reduzir e prevenir o dano articular, preservando a integridade
e a função articulares.
O início das drogas modificadoras não deve ultrapassar 3 meses após o
diagnóstico de AR. As mais comumente utilizadas no tratamento incluem
antimaláricos (difosfato de cloroquina, hidroxicloroquina), sulfassalazina,
metotrexato, leflunomida e os novos agentes biológicos. O benefício do
tratamento com DMCD ocorre de semanas a meses após o seu uso. Mais de
60% dos pacientes apresentam melhora significativa como resultado da
terapia com qualquer um desses agentes. Há também melhora dos exames de
atividade inflamatória (PCR/VHS).
O metotrexato é a DMCD de escolha como droga inicial por causa do seu
início relativamente rápido de ação, da sua capacidade de melhorar
clinicamente o paciente e de maior adesão ao tratamento. Apesar de
incomum, o metotrexato está associado a pneumopatia, desse modo, seu uso é
evitado em pacientes com AR e manifestações pulmonares. Seu uso é feito de
forma semanal e, obrigatoriamente, em associação ao ácido fólico.
A falta de resposta a um agente não exclui a troca por outro. Muitas vezes, é
usada terapia combinada com mais de 1 DMCD para controle adequado da
doença. São comuns as associações de antimaláricos, sulfassalazina e
metotrexato (tripla terapia), antimaláricos, leflunomida e metotrexato ou,
ainda, agentes biológicos com metotrexato.
As principais drogas e suas dosagens estão descritas na Tabela 8.

Tratamento
As DMCDs reduzem e previnem dano articular. Metotrexato é a droga de
escolha no início do tratamento, pela ação rápida, em relação aos demais
da classe.
d) Agentes biológicos

Atualmente, há várias classes de drogas biológicas usadas, conforme Tabelas


a seguir.
Recomenda-se, na AR, a associação de agentes anti-TNF a DMCDs
sintéticas. É contraindicado o uso concomitante de agentes biológicos, pelo
alto risco de infecções graves. Em caso de remissão sustentada (6 a 12
meses), pode-se tentar a retirada gradual: inicialmente AINH, depois
corticoide, e então DMCD sintética. Excepcionalmente, se a remissão se
mantiver, poderá ser considerada a retirada do biológico.

e) Inibidor da janusquinase-1

O inibidor da janusquinase-1 (JAK-1) disponível atualmente para tratamento


de AR é o tofacitinibe. Tal medicação atua na JAK-1 e JAK-3 e deve ser
usado em pacientes com fatores de mau prognóstico ou na falha terapêutica às
DMCD convencionais. A medicação é usada isoladamente ou em associação
ao metotrexato. A dose recomendada é de 5mg, 2x/d. Seus principais efeitos
colaterais incluem maior incidência de tuberculose e herpes-zóster, sendo esta
última superior aos imunomoduladores biológicos, aumento de LDL,
elevação de transaminases e de creatinina, neutropenia e linfopenia.
Importante
Em 2017, a Sociedade Brasileira de Reumatologia divulgou novo consenso
sobre o tratamento de AR, ainda não disponível publicamente. De forma
geral, as recomendações são semelhantes às da EULAR 2016.

B - Fisioterapia
Essa forma de tratamento tem importante papel em todas as fases da doença.
Exercícios passivos ajudam a prevenir ou minimizar a perda de função, e
exercícios isométricos aumentam a força muscular e contribuem para a
manutenção da estabilidade articular. Atividades aeróbicas são importantes
para melhor condicionamento cardiovascular.

C - Tratamento cirúrgico

Os procedimentos com melhor resultado são aqueles realizados nos quadris,


joelhos e ombros. Os objetivos desses procedimentos são o alívio da dor e a
redução da perda funcional. Reparação cirúrgica das mãos pode proporcionar
melhora cosmética e funcional. Sinovectomia aberta ou por artroscopia pode
ser útil a alguns pacientes com monoartrite persistente, especialmente dos
joelhos ou dos cotovelos.

D - Vacinação
Vacinas de organismos não vivos podem e devem ser administradas 14 dias
antes do início das DMCDs sintéticas ou biológicas. Durante o tratamento
com DMCD ou biológicos, há contraindicação relativa ao uso de vacinas de
vírus atenuados, devendo-se pesar risco-benefício.

13. Síndrome de Felty


A síndrome de Felty compreende a tríade de AR, neutropenia e
esplenomegalia e ocorre em menos de 1% dos pacientes com AR. É mais
prevalente entre mulheres e na faixa etária da 5ª a 7ª décadas, em portadoras
de AR de longa duração, com importante destruição articular, com
manifestações extra-articulares exuberantes (nódulos subcutâneos, úlceras de
membros inferiores, linfadenopatia, vasculites, hepatomegalia,
pleuropericardite, mononeurite múltipla, episclerite, trombocitopenia,
linfadenopatia e febre). Em geral, nesses pacientes, encontra-se FR em altos
títulos (95%).

Dica
A tríade da síndrome de Felty envolve AR, neutropenia e esplenomegalia.

Nesse grupo de pacientes, ocorre aumento de infecções bacterianas, em


especial quando a contagem de leucócitos está abaixo de 500 células/mm3,
levando à piora do prognóstico da doença. Apresenta mortalidade acima de
36% em 5 anos devido às infecções recorrentes. Tais infecções usualmente
acometem o trato respiratório e a pele.
O metotrexato é uma droga efetiva à maioria dos pacientes, com melhora
geralmente nos primeiros 2 meses de tratamento. Os corticoides, no caso,
prednisona, na dose de, pelo menos, 30mg/d, geralmente normalizam o
número de granulócitos, embora seu efeito não seja sustentado. Pulsoterapia
com metilprednisolona tem sido utilizada para agranulocitose, sendo as
infecções o principal obstáculo para sua utilização. Fatores estimuladores de
crescimento são utilizados com frequência, sendo efetivos no tratamento da
neutropenia no intuito de reduzir as complicações infecciosas. Diversos casos
já relataram melhora da sinovite e neutropenia com a administração de
rituximabe intravenoso. A esplenectomia só está indicada, atualmente, para os
casos refratários ao tratamento clínico.

Dica
Há risco infeccioso aumentado em pacientes com síndrome de Felty e
leucócitos <500 células/mm3. Metotrexato tem sido utilizado com bons
resultados.

Resumo
Artrite idiopática juvenil
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é a forma mais comum de artrite na infância
e uma das doenças crônicas mais frequentes dessa fase, com causa
desconhecida. Na verdade, trata-se de um grupo de desordens que tem a
artrite inflamatória crônica como manifestação. O diagnóstico requer a
combinação de dados da história e do exame físico. Exames laboratoriais
podem ser úteis.

Diagnóstico
Para ser incluída como AIJ, deve haver artrite persistente na mesma
articulação, com duração mínima de 6 semanas, início antes dos 16 anos,
além de exclusão de outras causas.
2. Epidemiologia
A AIJ acomete crianças e adolescentes em todos os países do mundo. As
taxas de prevalência variam de 20 a 86/100.000 crianças por ano, e as taxas
de incidência variam entre 0,83 e 22,6/100.000 crianças. Não existem estudos
epidemiológicos brasileiros sobre a AIJ. Em 50% dos casos, a doença mantém
atividade também na fase adulta.
3. Achados clínicos
A AIJ é um diagnóstico de exclusão e inclui uma lista de subtipos que têm em
comum os critérios descritos na Tabela 1.

Figura 1 - Artrite nas mãos em indivíduo com artrite idiopática juvenil

A International League of Associations for Rheumatology (ILAR) atualmente


classifica a AIJ em 8 subtipos (Tabela 2).
4. Forma sistêmica ou doença de Still

Tema frequente de prova


A doença de Still é a forma de artrite idiopática articular mais cobrada nas
provas de concursos médicos.

Aproximadamente 10% das crianças com AIJ têm a forma sistêmica. A


doença pode desenvolver-se em qualquer idade abaixo dos 16 anos (a partir
de então, passa a ser doença de Still do adulto), sendo mais comum entre 1 e 6
anos. Meninos e meninas são igualmente acometidos.
Caracteriza-se por febre (diária, com episódios de picos febris elevados e
temperaturas normais ou subnormais no restante do dia) e presença de pelo
menos 1 dos achados (extra-articulares) relacionados na Tabela 3.
Figura 2 - Rash cutâneo típico da artrite idiopática juvenil sistêmica
Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Practice, 1ª edição (braço); ABC of Rheumatology, 4ª
edição (tronco).

Diagnóstico
Na doença de Still, há febre característica (>2 semanas), serosite,
hepato/esplenomegalia, rash maculopapular eritematoso evanescente e
linfadenopatia.

As articulações mais acometidas são punhos, joelhos e tornozelos, mas coluna


cervical, quadris, articulações temporomandibulares e mãos também são
envolvidos. Pacientes com poucas articulações envolvidas (≤4) terão
recuperação completa. Aqueles com poliartrite terão curso mais progressivo,
com deformidades e perda funcional. É o subtipo de maior morbimortalidade.
Crianças com AIJ sistêmica frequentemente têm atraso de crescimento,
osteopenia, anemia, leucocitose, trombocitose e elevação dos reagentes de
fase aguda e da ferritina. FR positivo e uveíte são muito raros e fazem parte
dos critérios atuais de exclusão. Os achados extra-articulares são de gravidade
leve a moderada e quase sempre autolimitados.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com as condições clínicas descritas na
Tabela 4.
- Complicações

A síndrome de ativação macrofágica é uma das complicações mais graves da


AIJ sistêmica. É uma doença rara e potencialmente fatal, que cursa com
achados como febre não remitente, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia,
disfunção hepática, hemorragias, convulsões e coma. A biópsia de medula
óssea é importante para o diagnóstico e pode revelar hemofagocitose. Outros
achados que contribuem para o diagnóstico incluem bicitopenia ou
pancitopenia, hipertrigliceridemia (≥265mg/dL) e ferritina sérica elevada
(≥500ng/mL). O tratamento é realizado com altas doses de corticoides, e em
alguns casos podem ser utilizados ciclosporina, ciclofosfamida e o
antagonista do receptor da IL-1 (anakinra).
5. Forma oligoarticular

Figura 3 - Artrite idiopática juvenil na forma oligoarticular


Fontes: Pediatric Rheumatology in Clinical Practice, 1ª edição; ABC of Rheumatology, 4ª edição.

É a mais frequente das AIJs (50% dos casos), sendo mais comum em menores
de 5 anos (pico de 1 a 3 anos), preferencialmente meninas (4 vezes mais que
meninos).
As articulações mais envolvidas são joelhos, tornozelos, pequenas
articulações das mãos e dos cotovelos.
Há acometimento de 4 ou menos articulações, durante os primeiros 6 meses
de apresentação da doença. Depois disso, os pacientes são subdivididos em 2
grupos distintos: a forma oligoarticular persistente, que permanece
oligoarticular ao longo da evolução da doença, e a oligoarticular estendida,
que passa a acometer mais de 4 articulações depois dos 6 meses de evolução.
Após 5 anos de doença, cerca de 50% dos casos de início oligoarticular se
mantêm persistentes e 50% evoluem para a forma estendida.A forma
oligoarticular persistente é a mais benigna, com melhor prognóstico,
geralmente em apenas 1 articulação, que é, na maioria das vezes, o joelho. A
chance de remissão na fase adulta é de 75% dos casos. A forma oligoarticular
estendida acomete pacientes mais jovens (1 a 5 anos), preferencialmente
meninas (4 vezes mais que meninos), com FAN positivo e risco elevado de
desenvolver uveíte, que ocorre em 30 a 50% dos pacientes. Tem pior
prognóstico articular, cronificando-se, e torna-se erosiva em 60% dos casos.
A chance de remissão do quadro articular na fase adulta é de apenas 12%.
Fatores de risco iniciais da oligoartrite para evolução para fase estendida são
artrite de mãos, punhos ou tornozelos, artrite simétrica, artrite em mais de 1
articulação, elevação da velocidade de hemossedimentação ou da proteína C
reativa e presença de FAN.
O FAN é positivo em até 85% dos casos de AIJ oligoarticular e está associado
a elevado risco de uveíte crônica anterior (Figura 4), sobretudo em meninas.
A uveíte pode ser bilateral e provocar perda de visão, sendo assintomática em
50% dos casos, e progride independentemente do curso da artrite. Devido às
alterações graves e irreversíveis, incluindo descolamento de córnea, catarata,
glaucoma e perda visual parcial ou total, os pacientes com AIJ devem ser
avaliados regularmente pelo oftalmologista.

Dica
A forma articular da AIJ acomete principalmente o joelho, mas pode
atingir o tornozelo e pequenas articulações das mãos e dos cotovelos.

Figura 4 - Uveíte anterior crônica complicada com sinéquias e catarata na artrite idiopática juvenil
6. Formas poliarticulares (fator reumatoide
positivo ou negativo)
Para caracterizar a forma poliarticular, a criança deve ter artrite em 5 ou mais
articulações nos primeiros 6 meses da doença (Figura 5). Cerca de 40% das
crianças com AIJ têm envolvimento poliarticular: 10% com FR positivo e
30% com FR negativo.
Figura 5 - Artrite idiopática juvenil – forma poliarticular
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
Pacientes com FR positivo são comumente meninas (3:1 em relação a
meninos), com idade pouco mais elevada (em torno de 8 anos, até os 16), com
HLA-DR4 positivo, artrite simétrica de pequenas articulações das mãos
(metacarpofalangianas; interfalangianas proximais e distais) e pés
(metatarsofalangianas). Esse subgrupo tem elevado risco de desenvolver
erosões, nódulos e perda funcional (Figura 6). É a que mais se assemelha à
artrite reumatoide do adulto. As manifestações clínicas extra-articulares são
variáveis e incluem fadiga, anorexia, desnutrição, anemia, retardo de
crescimento, retardo na maturação sexual e osteopenia.

Quadro clínico
Quando o fator reumatoide é positivo nas formas poliarticulares de AIJ, há
artrite simétrica de pequenas articulações (metacarpofalangianas,
interfalangianas proximais e interfalangianas distais) e pés
(metatarsofalangianas), podendo-se apresentar, também, fadiga, anorexia,
desnutrição, anemia, retardo (ponderoestatural e da maturação sexual) e
osteopenia.
Figura 6 - Discrepância de membros como complicação da artrite idiopática juvenil
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.
7. Forma relacionada a entesite
O envolvimento do esqueleto axial na AIJ pode levar muito tempo para ser
diagnosticado. Assim, um subgrupo que desenvolve espondiloartrite antes dos
16 anos, na maioria das vezes, iniciará quadro de artrite associada a entesite.
Esse grupo corresponde a até 10% dos casos de AIJ. O paciente será
classificado nesse grupo se apresentar artrite com entesite ou artrite com 1 dos
seguintes achados:

1 - Dor nas sacroilíacas e/ou dor lombossacral inflamatória.


2 - HLA-B27 positivo.
3 - Acometimento em meninos com 6 anos ou mais.
4 - Uveíte anterior aguda sintomática.
5 - Presença de parente de 1º grau com espondilite anquilosante, artrite
relacionada a entesite, doença intestinal inflamatória com sacroileíte,
artrite reativa ou uveíte anterior aguda.

Diagnóstico
Para o diagnóstico de artrite relacionada a entesite, precisa haver artrite e
entesite ou artrite e 1 dos seguintes achados: dor nas sacroilíacas e/ou dor
lombossacral inflamatória, HLA-B27 positivo, meninos ≥6 anos, uveíte
anterior aguda sintomática, parente de 1º grau com espondilite
anquilosante, artrite relacionada a entesite, doença inflamatória intestinal
com sacroileíte, artrite reativa ou uveíte anterior aguda.
Figura 7 - Artrite idiopática juvenil na forma relacionada a entesite: (A) redução da flexão lombar;
(B) oligoartrite (joelho esquerdo); (C) entesite da inserção do tendão de aquiles; (D) hálux valgo e pé
plano secundário
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

A artrite geralmente é oligoarticular (até 4 articulações acometidas) e atinge


joelhos, tornozelos e quadris. A entesite caracteriza-se pelo acometimento da
inserção do tendão ou ligamento no osso e se manifesta com dor no local,
algumas vezes com calor e edema. Os locais mais comuns de entesite na AIJ
são suprapatelar, infrapatelar, na tuberosidade da tíbia, nas inserções do
tendão de aquiles e da fáscia plantar no calcâneo e no antepé.
No início da doença, 80% dos casos têm envolvimento periférico e
poliarticular, e apenas 25% dos pacientes terão sintomas de envolvimento
axial que, entretanto, com a evolução da doença, chega a ser de 65 a 90%.
Até 25% terão envolvimento ocular (uveíte anterior aguda) sintomático, com
episódios intermitentes e unilaterais de olho vermelho com dor, edema,
fotofobia e borramento visual.

Importante
A artrite relacionada a entesite é oligoarticular, nos joelhos, tornozelos e
quadris, sendo a entesite comum em suprapatelar, infrapatelar,
tuberosidade da tíbia, inserções do tendão de aquiles e fáscia plantar no
calcâneo e no antepé.
8. Forma psoriásica
A artrite psoriásica que se inicia antes dos 16 anos é considerada como AIJ
psoriásica. Corresponde a cerca de 2% dos casos de AIJ. Em apenas 10% dos
pacientes, a artrite se manifesta concomitantemente à psoríase. No restante
dos casos, pode manifestar-se antes ou depois. É definida pela presença de
artrite com psoríase diagnosticada por médico ou artrite com 2 dos critérios:

1 - Dactilite (edema articular e de partes moles de 1 ou mais dedos,


geralmente assimétrico).
2 - Pitting nail ou unha “em dedal” (unha com depressões típicas de
psoríase).
3 - Onicólise.
4 - Parente de 1º grau com psoríase.

Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico de artrite psoriásica em caso de artrite e
psoríase diagnosticada, ou artrite e mais 2 dos achados: dactilite, pitting
nail, onicólise ou parente de 1º grau com psoríase.

Figura 8 - Dactilite e distrofia ungueal em criança com artrite idiopática juvenil – forma psoriásica
Fonte: Pediatric Rheumatology in Clinical Practice, 1ª edição.
Na maioria dos casos, a artrite é periférica, poliarticular, assimétrica, com
envolvimento das pequenas articulações de mãos, pés, joelhos e tornozelos.
As sacroilíacas também podem ser acometidas em 40% dos casos ao longo da
evolução da doença.
Até 20% poderão ter envolvimento ocular (uveíte anterior), e devem ser feitas
avaliações periódicas com oftalmologista.
9. Forma indiferenciada
Alguns pacientes não fecham critérios para nenhuma das classificações e são
diagnosticados com AIJ indiferenciada. Estudos adicionais são necessários
para indicar a evolução desses pacientes, se permanecerão como forma
indiferenciada ou evoluirão para alguma outra categoria.

Figura 9 - Artrite nos joelhos em paciente com artrite idiopática juvenil


10. Achados laboratoriais e de imagem
As provas inflamatórias (velocidade de hemossedimentação, proteína C
reativa, glicoproteína ácida) podem estar normais nos pacientes com
acometimento de poucas articulações, mas estarão alteradas (elevados
valores) nas formas poliarticular e sistêmica. A ferritina costuma estar bem
aumentada na forma sistêmica.
Na AIJ sistêmica, há alguns achados frequentes no hemograma: plaquetose,
anemia e leucocitose, de graus variáveis (média de 11.000 a 20.000/mm3),
que também podem ocorrer em menor grau nas formas poliarticulares.
Em relação aos exames de imagem, a radiografia evidencia, no início do
quadro, edema de partes moles, seguido por possível diminuição do espaço
articular e lesões erosivas, dependendo do curso da doença.
O FAN deve ser dosado em todos os pacientes com AIJ, pois se associa a
elevado risco de desenvolver uveíte crônica anterior, sobretudo em meninas,
com quadro oligoarticular.
11. Diagnóstico diferencial
Entre as doenças que se assemelham à forma oligoarticular, têm-se leucemias,
artrite tuberculosa, doença de Hansen e Doença Inflamatória Intestinal (DII).
A manifestação articular tem, entre os diferenciais a serem pensados,
leucemias, DII, LES, mucopolissacaridoses, espondiloartropatias e doença de
Lyme.
Por fim, dentre as entidades que cursam com manifestação sistêmica, devem-
se excluir leucemias, DII, LES juvenil, vasculites, infecções, entre outras.

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial de AIJ é feito com leucemias, hanseníase, doença
inflamatória intestinal, mucopolissacaridoses, lúpus eritematoso sistêmico
juvenil, vasculites e infecções.
12. Tratamento
O tratamento compreende um acompanhamento multidisciplinar, que inclui
educação do paciente e da família, cuidados domiciliares, ajustes sociais,
entre outros, e começa durante o diagnóstico. Os pacientes com manifestação
articular leve podem ser tratados com Anti-Inflamatórios Não Hormonais
(AINHs) isolados, os quais controlam a inflamação e a dor e são utilizados
por longos períodos. Corticoides sistêmicos também são utilizados
continuamente no controle da inflamação e estão reservados a casos de
serosite, acometimento ocular, febre e artrites não responsivas aos AINHs.
Injeções intra-articulares de corticoides podem ser utilizadas em casos de
mono/oligoartrites.
Dois terços dos pacientes com AIJ não respondem ao anti-inflamatório
isolado, sendo necessária a introdução de drogas de base. Os fatores de mau
prognóstico são descritos na Tabela 6. São opções terapêuticas nesse grupo:
metotrexato, sulfassalazina, leflunomida, ciclosporina ou medicamentos com
ação biológica.
O tratamento da inflamação ocular deve ser orientado pelo oftalmologista, à
base de corticoides tópicos. Imunossupressores estão indicados em caso de
uveíte grave ou dependência de corticoide.
Resumo
Subtipos da artrite idiopática juvenil

A AIJ é a forma mais comum de artrite na infância. Para seu diagnóstico,


deve ser persistente por mais de 6 semanas, com início antes dos 16 anos
e excluir outras causas de artrite;
Doença de Still: AIJ sistêmica, caracterizada por febre intermitente e
presença de 1 dos achados extra-articulares: rash, hepatoesplenomegalia,
linfadenopatia, serosites. Tem, como complicações, coagulação
intravascular disseminada e a síndrome de ativação macrofágica;
Forma oligoarticular: é a mais frequente (50%) e afeta mais o sexo
feminino. A uveíte anterior está presente em 30 a 50% dos casos, e o
FAN positivo aumenta o risco;
Formas poliarticulares: acometem 5 ou mais articulações nos primeiros 6
meses da doença, sendo divididas em FR positivo e negativo;
Forma relacionada a entesite;
Forma psoriásica;
Forma indiferenciada.

Tratamento

Sintomas articulares: AINHs;


Sintomas sistêmicos inflamatórios (uveíte, rash, entesite, atrite não
responsiva a AINHs):
Corticoterapia (prednisona, corticoterapia intra-articular);
Imunomoduladores (metotrexato, sulfassalazina, leflunomida,
ciclosporina A);
Biológicos (etanercepte, adalimumabe, infliximabe, anakinra).
Artrites sépticas
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As artrites sépticas são condições infecciosas agudas, em que a sinóvia está
inflamada pela presença direta de um micro-organismo, por disseminação
hematogênica, inoculação direta ou contiguidade com outros tecidos
comprometidos. Podem ser divididas em 2 grupos: a artrite gonocócica, forma
mais comum entre adultos jovens sexualmente ativos, e a não gonocócica.
Outras artrites infecciosas de curso crônico, como tuberculose ou fungos,
serão abordadas ao final do capítulo.
Têm importância significativa no subgrupo de patologias osteomusculares,
pois são verdadeiras emergências clínicas, que necessitam de diagnóstico
precoce e tratamento adequado. A taxa de dano é de 25 a 50%, com
mortalidade de 5 a 15%, sendo maior quando a artrite séptica se instala em
imunossuprimidos ou acomete mais de 1 articulação. O prognóstico da
patologia não melhorou significativamente nos últimos 20 anos. E, mais
recentemente, com a maior prevalência de doenças crônicas, próteses
articulares, AIDS e idade avançada, a artrite séptica evoluiu com mudanças na
sua apresentação clínica. Vale ressaltar que, em pacientes com HIV, a artrite
séptica parece ocorrer na mesma frequência do que na população geral;
porém, em pacientes com doença avançada, os germes oportunistas (fungos e
micobactérias) ganham maior importância.
A incidência de artrites sépticas varia de 2 a 10 por 100.000 pessoas/ano na
população geral, com relato de taxas mais elevadas em portadores de artrite
reumatoide ou próteses articulares, sendo também mais elevada em crianças.
Os fatores de risco para a artrite séptica não gonocócica estão listados na
Tabela 1. No caso de artrite gonocócica, o fator de risco é a atividade sexual
desprotegida.
Confirmado o diagnóstico, é importante investigar a possibilidade de
endocardite bacteriana, principalmente em paciente sem fatores
predisponentes que apresentem infecção por S. aureus, Enterococcus e
Streptococcus.
2. Artrite não gonocócica

A - Achados clínicos

Importante
O quadro clínico de bursite infecciosa, celulite e osteomielite pode ser
facilmente confundido com artrite séptica. À beira do leito, um dado muito
útil para diferenciação é a análise do arco do movimento – somente estará
comprometido na artrite séptica, enquanto nas demais patologias o paciente
tem a movimentação ativa e passiva praticamente normal.

Os achados clássicos são o quadro de início súbito de edema monoarticular


(80 a 90% dos casos), com calor e dor que restringem os movimentos
passivos e ativos. O paciente com monoartrite deve ser considerado portador
de artrite séptica até que se prove o contrário (Figura 1). Formas mais
indolentes, de início mais arrastado e menos exuberantes, podem acometer
indivíduos imunossuprimidos com doença reumática preexistente (como
artrite reumatoide), ou no caso de infecção tardia de prótese articular.
Figura 1 - Monoartrite aguda do joelho direito
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

As articulações mais envolvidas são joelhos (40 a 50%), quadris (13 a 20%),
ombros (10 a 15%), punhos, tornozelos, cotovelos e, menos comumente,
pequenas articulações das mãos e dos pés. Bursites sépticas olecranianas e
pré-patelares podem anteceder o quadro de artrite séptica.
Febre ocorre em 60 a 80% dos casos. Focos de infecção em outros sítios
podem ser encontrados e devem ser minuciosamente pesquisados. As
bactérias atingem a articulação por via hematogênica em mais de 50% dos
casos, por inoculação direta em procedimentos ou traumas articulares ou por
contiguidade de infecções de partes moles ou osso. Além disso, deve-se
atentar ao diagnóstico diferencial da monoartrite aguda (Tabela 2).
Ainda como diagnóstico diferencial, vale lembrar a Piomiosite Tropical (PT),
infecção piogênica grave da musculatura esquelética, com tendência a formar
abscessos. O principal agente etiológico é o S. aureus, que compromete
principalmente crianças e indivíduos do sexo masculino imunossuprimidos. O
quadro clínico é marcado por dor muscular com aumento de temperatura local
e edema, além de febre. Os grupos musculares mais comumente acometidos
são quadríceps, glúteos e musculatura do tronco. Assim, faz diagnóstico
diferencial com a artrite séptica de quadril. Além dos achados laboratoriais
sugestivos de processo infeccioso, a PT não costuma gerar aumento de
enzimas musculares. Métodos de imagem, como ultrassonografia, tomografia
e ressonância, podem identificar os músculos comprometidos precocemente,
bem como definir a presença de abscessos, e auxiliam a realização de punção
guiada e drenagem cirúrgica. O tratamento é realizado por meio da
antibioticoterapia parenteral. A drenagem cirúrgica faz-se necessária na
presença de abscessos.

B - Achados laboratoriais

Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos casos e, geralmente,


têm aumento das provas de atividade inflamatória. As culturas de sangue
periférico são positivas em 50 a 60% dos casos. Na suspeita ou na presença de
outros focos infecciosos, a cultura desses locais deve ser realizada.
O líquido sinovial avalia aspectos expostos na Tabela 3 e é fundamental em
qualquer paciente com monoartrite ou na suspeita de artrite séptica (Tabela 4),
costumeiramente realizada por punção articular (artrocentese – Figura 2).
Figura 2 - Artrocentese
Diagnóstico
No líquido sinovial infeccioso, observam-se aumento de volume (>3,5mL),
coloração turva, celularidade >50.000 leucócitos/mm3 (50 a 70%), com
predomínio de polimorfonucleares, bacterioscopia positiva em 50 a 75% e
cultura positiva em 70 a 90%.
Figura 3 - Líquido sinovial: (A) normal; (B) não inflamatório; (C) inflamatório; (D) séptico; (E)
hemorrágico

Dica
O S. aureus é o agente mais comumente implicado em monoartrite séptica
de articulações nativas (60 a 70% dos casos).
C - Achados de imagem

As radiografias são úteis para afastar osteomielite instalada. Em casos de


infecção por E. coli ou anaeróbios, é possível observar gás dentro da
articulação. A ultrassonografia funciona como ferramenta de auxílio para
punção articular, porém não é um método eficaz para fornecer o diagnóstico
da afecção.
A tomografia computadorizada ou a ressonância magnética podem ser
solicitadas em casos de suspeita de artrite séptica de articulações de difícil
avaliação, como quadril, ombro, articulações esternoclaviculares ou
sacroilíacas.
A ressonância é ótima para demonstrar edema de partes moles ou abscessos e
detectar erosões precoces por osteomielite contígua subjacente. É ideal nos
casos de suspeita de artrite séptica em articulações sacroilíacas.

D - Tratamento
Trata-se de uma emergência médica que requer hospitalização.
A antibioticoterapia intravenosa empírica deve ser iniciada imediatamente
após a punção, com cobertura obrigatória para S. aureus. Caso o indivíduo
seja sexualmente ativo, a artrite gonocócica também deve ser tratada
empiricamente. Culturas de sangue periférico devem ser colhidas. De acordo
com o achado de coloração ou o resultado da cultura, os antibióticos devem
ser modificados. O tempo de tratamento é de 4 semanas, mas, em casos de
osteomielite aguda, aumenta para 6 semanas e, se houver osteomielite crônica
ou infecção de prótese, chega a 6 meses. O tratamento pode ser inicialmente
intravenoso, mas, com a boa resposta e a cultura confirmando sensibilidade,
pode ser trocado para via oral após as 2 primeiras semanas, de acordo com as
culturas.
Um bom esquema inicial é a oxacilina, 8 a 12g/d IV, para cobrir S. aureus (se
não houver suspeita de resistência a meticilina), e gentamicina, 240mg (dose
única), ou cefalosporina de 3ª geração (para cobertura dos Gram negativos).
Se houver suspeita de artrite gonocócica (indivíduos sexualmente ativos e
descritos a seguir), a cefalosporina de 3ª geração será preferível. Casos
específicos, como indivíduos imunossuprimidos, hospitalizados, colonizados
e usuários de drogas, devem ser considerados separadamente.
A drenagem articular é indicada para acelerar a melhora e evitar dano
permanente. Pode ser feita lavagem artroscópica inicial com debridamento e
drenagem ou punções articulares de repetição, para reduzir o risco de dano
articular permanente. A cirurgia aberta pode ser indicada a casos de falência
de tratamento após 5 a 7 dias de terapia, osteomielite adjacente, articulações
de difícil abordagem (quadris, ombros e sacroilíacas), infecções em próteses
articulares e artrite séptica de quadril em crianças.

Tratamento
Um exemplo de esquema empírico para artrite não gonocócica: oxacilina, 8
a 12g/d IV, + gentamicina, 240mg (dose única).
Figura 4 - Tratamento
Fonte: adaptado de UpToDate.
3. Artrite gonocócica

Tema frequente de prova


A artrite gonocócica é a artrite séptica mais cobrada nas provas de
concursos médicos.

A - Achados clínicos

Esta é a forma mais comum de artrite séptica entre adultos jovens


sexualmente ativos, causada pela disseminação hematogênica do gonococo
(Neisseria gonorrhoeae) ou Infecção Gonocócica Disseminada (IGD). Essa
disseminação hematogênica ocorre em 1 a 3% dos casos de infecção
gonocócica não tratada e é 2 a 3 vezes mais comum entre mulheres, nas quais
o risco de disseminação é maior após 7 dias da menstruação, durante a
gravidez ou no período pós-parto.
A duração entre a infecção e a disseminação é de 1 dia a 2 meses, sendo o
período médio 5 dias. Apenas 1/4 dos pacientes com IGD relata sintomas
mucosos da infecção gonocócica, que podem ser geniturinários, faríngeos ou
retais.
A IGD caracteriza-se pela síndrome de poliartrite, tenossinovite e dermatite.
Sintomas iniciais inespecíficos, como febre, calafrios e poliartralgia
migratória, antecedem a artrite franca, que pode se instalar nos joelhos,
tornozelos ou punhos. Na maioria dos casos, há mais de 1 articulação
acometida. A articulação com artrite séptica é quente, dolorosa e edemaciada.
Tanto a lesão articular quanto a cutânea são mediadas, na IGD, pela presença
direta da bactéria no local, como por imunocomplexos circulantes.
A tenossinovite geralmente é migratória e ocorre em 2/3 dos pacientes;
habitualmente, acomete tendões do dorso das mãos, dos punhos, dos
tornozelos e dos joelhos.
A dermatite também acontece em 2/3 dos casos e se manifesta por lesões
pustulosas, vesiculares ou maculopapulares, sobre uma base eritematosa, com
centro necrótico, distribuídas pelo tronco e distalmente nos membros,
incluindo os dedos (Figura 5). Podem ocorrer também eritema multiforme,
bolhas hemáticas e lesões vasculíticas. Essas lesões são indolores e podem
passar despercebidas. A biópsia revela inflamação perivascular e vasculite
leucocitoclástica. Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem ser positivas
em até 10% dos casos de biópsias das lesões cutâneas.
Pode haver complicações incomuns, como pericardite, meningite, aortite,
endocardite, miocardite, piomiosite e osteomielite.

Quadro clínico
O quadro clínico da artrite gonocócica envolve poliartrite (joelho,
tornozelo ou punho), tenossinovite (migratória, em tendões de dorso da
mão, punho, tornozelo e joelho) e dermatite (lesão pustulosa, vesicular ou
maculopapular, com base eritematosa, centro necrótico e distribuição em
tronco e membros). Sintomas inespecíficos, como febre, calafrios e
poliartralgia migratória, antecedem a artrite.

Figura 5 - Lesão pustulosa na mão de paciente com artrite gonocócica


Fonte: UpToDate.

B - Achados laboratoriais

Os pacientes podem apresentar leucocitose em 2/3 dos casos e geralmente têm


aumento das provas de atividade inflamatória (VHS e PCR).
As culturas de sangue periférico raramente são positivas na IGD, e, na sua
suspeita, deve-se proceder com histórico de exposição sexual e sintomas
mucosos. Culturas das regiões uretral, cervical uterina (em mulheres),
faríngea e retal devem ser realizadas, e culturas geniturinárias são positivas
em 70 a 90% dos casos.
A análise do líquido sinovial, como já foi dito, é crítica em qualquer paciente
com monoartrite ou na suspeita de artrite séptica. Comparada à artrite séptica
não gonocócica, a IGD pode ter, no líquido sinovial, celularidade
discretamente menos elevada (30.000 a 60.000 leucócitos/mm3). A
bacterioscopia tem positividade mais baixa, menos de 25%, e as culturas do
líquido sinovial também têm menor positividade que para outros germes,
cerca de 20 a 50%. O líquido deve ser imediatamente colocado em meio
especial (Thayer-Martin), e o período para crescimento pode ser maior do que
48 horas.
Culturas para Neisseria gonorrhoeae podem ser positivas em até 10% dos
casos de biópsias das lesões cutâneas.

C - Tratamento

Para a cobertura antibiótica de Neisseria gonorrhoeae, dada a crescente taxa


de resistência a penicilina pelo gonococo, recomenda-se o início de
cefalosporina de 3ª geração, notadamente a ceftriaxona, na dose de 1g/d
IM/IV. Em caso de alergia a betalactâmicos, aminoglicosídeo como a
espectinomicina (2g IM, a cada 12 horas) ou fluoroquinolonas
(ciprofloxacino, 400mg IV, a cada 12 horas, ou levofloxacino, 500mg IV,
1x/d, passando rapidamente para oral pela sua ótima disponibilidade) podem
ser utilizados. Se a cultura é positiva para o gonococo e o agente é sensível a
penicilina, pode-se trocar o antibiótico para ampicilina, 1g IV, a cada 6 horas,
passando para amoxicilina oral, 1g, a cada 8 horas. O tratamento em casos
não complicados dura 2 semanas. Em casos complicados por cardite,
meningite, endocardite ou osteomielite, antibióticos intravenosos devem ser
feitos por 2 a 4 semanas, com complementação de 2 semanas com antibiótico
via oral. Pela comum associação de infecção por Chlamydia trachomatis nos
pacientes, costuma-se proceder com o seu tratamento concomitante
(azitromicina ou doxiciclina).

Tratamento
No início do tratamento da artrite gonocócica, utiliza-se ceftriaxona 1g/d
IM/IV ou ciprofloxacino 400mg IV, a cada 12 horas, se alérgico. Em caso
de sensibilidade, recorre-se a ampicilina, 1g IV, a cada 6 horas, passando
para amoxicilina, 1g VO, a cada 8 horas. A duração é de 2 semanas ou 4
semanas (se complicada).
A artrite da IGD costuma melhorar rapidamente seus sintomas em cerca de 24
a 48 horas. Artrocenteses de repetição são indicadas.
4. Artrite viral
A artrite viral pode apresentar-se de 3 formas clássicas: aguda, autolimitada e
crônica ou latente. Os principais agentes envolvidos estão resumidos na
Tabela 9.

Outros possíveis agentes virais envolvidos são HIV, HTLV, febre Mayaro,
Igbo-Ora, Ross River e febre chikungunya.
5. Micobactérias

A - Mycobacterium tuberculosis
O envolvimento articular é raro e representa apenas 5% dos casos. Em
crianças, o comprometimento articular ocorre basicamente por disseminação
hematogênica, já nos adultos, o comprometimento pode ser secundário a foco
pulmonar quiescente ou a sítio extrapulmonar. O PPD (derivado de proteína
purificada) pode ser positivo em pacientes com comprometimento
osteoarticular, mesmo com raios X de tórax normais. O diagnóstico da artrite
é confirmado pela demonstração do Mycobacterium tuberculosis no líquido
sinovial.
O quadro clínico osteoarticular da tuberculose pode cursar com
comprometimento da coluna vertebral (doença de Pott), artrites ou
tenossinovites periféricas e/ou, ainda, artrite reativa (doença de Poncet).

a) Tuberculose espinal: doença de Pott

O quadro clínico é marcado por dorsalgia e febre baixa. Em 12 a 50% dos


casos há manifestações neurológicas. A dor ocorre frequentemente na coluna
torácica, seguida da lombar e, menos comumente, na coluna cervical e nas
vértebras sacrais. Há comprometimento da porção anterior do corpo vertebral.
A destruição óssea gera colapso vertebral e formação de deformidade “em
giba”, além de causar comprometimento de partes moles subjacentes. O
principal diagnóstico diferencial faz-se com osteomielite vertebral bacteriana,
sendo que nesta última a febre é mais comum. A radiografia demonstra
redução de espaço discal, colapso vertebral e abscesso paraespinal. A
tomografia computadorizada define bem as lesões e a ressonância nuclear
magnética mostra melhor o envolvimento neural. O diagnóstico envolve
biópsia guiada por tomografia computadorizada. O tratamento é igual ao da
tuberculose pulmonar.

b) Artrite tuberculosa

Trata-se de uma artrite monoarticular que afeta quadril ou joelho, mas pode
envolver outras articulações. O início é tipicamente insidioso. Dor e edema
articular estão presentes com sinais inflamatórios limitados. São decorrentes
da reativação de foco latente, por via hematogênica, podendo associar-se à
osteomielite adjacente, mas não necessariamente concomitante com
envolvimento articular. Em adultos, comprometem metáfises de ossos longos.
São achados radiográficos encontrados: osteopenia justa-articular, erosões
marginais e redução gradual do espaço articular (tríade de Phemister). Pode
haver, ainda, edema de partes moles, cistos subcondrais, esclerose óssea,
periostite e calcificações. No líquido sinovial, observa-se contagem de células
elevadas, com predomínio de neutrófilos e, ocasionalmente, de linfócitos. A
glicose usualmente está baixa, e cultura, positiva em 80% dos casos. É mais
bem diagnosticada pelos achados histológicos e microbiológicos da sinóvia,
sendo a cultura sinovial positiva em 90% dos casos. A histologia demonstra o
granuloma não caseoso, e o tratamento é igual ao da tuberculose pulmonar.

Dica
A tríade de Phemister é composta de osteopenia justa-articular, erosões
marginais e redução gradual do espaço articular.

c) Doença de Poncet

Forma de artrite reativa que ocorre durante tuberculose ativa. Há artrite


poliarticular, tipicamente envolvendo mãos e pés. O líquido sinovial não
demonstra sinais de comprometimento. Os sintomas melhoram com o
tratamento da tuberculose.

B - Mycobacterium leprae

Causa formas severas de artrite (formas erosivas de grandes e pequenas


articulações). A hanseníase virchowiana está associada a presença do eritema
nodoso. São possíveis achados associados: nódulos subcutâneos, febre e
artralgia/artrite. O isolamento do agente no líquido sinovial (artrite séptica) é
infrequente. O tratamento da hanseníase melhora os sintomas.
Em estágios tardios, os pacientes desenvolvem articulação de Charcot
(doença neuropática articular) como consequência da neuropatia sensorial e
trauma repetido.
6. Fungos
Resumo
Condição infecciosa aguda, causando inflamação da sinóvia, pela
presença de micro-organismo (bactérias, vírus ou fungos);
Divididas em:
Gonocócicas (mais comum no adulto jovem sexualmente ativo);
Não gonocócicas.
Artrites sépticas são emergências médicas, e seu atraso no diagnóstico e
no tratamento pode causar prejuízos irreversíveis;
Fatores de risco:
Artrites crônicas;
Próteses;
Drogas injetáveis;
Relação sexual desprotegida.
Pacientes apresentam leucocitose e aumento das provas de atividade
inflamatória (VHS e PCR), devendo-se realizar a artrocentese em todos
os indivíduos, e o tratamento deve ser com base nos principais agentes
etiológicos;
Não gonocócica:
Monoarticular (80 a 90%);
Início súbito;
Edema;
Restrição de movimento ativo e passivo;
O tratamento deve ser realizado por 4 semanas, podendo se estender
a 6 meses, se houver osteomielite.
Gonocócica:
Mais comum em adultos jovens sexualmente ativos;
O principal agente é Neisseria gonorrhoeae;
Sintomas como febre, calafrios e poliartralgia migratória podem
anteceder a artrite franca, a qual pode aparecer nos joelhos,
tornozelos e punhos;
O tratamento deve ser realizado por 2 semanas por via oral.
As artrites causadas por fungos e tuberculose geralmente são insidiosas,
monoarticulares e diagnosticadas mais tardiamente.
Espondiloartrites soronegativas
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As espondiloartrites formam um grupo de doenças inter-relacionadas com
aspectos epidemiológicos, patogenéticos, clínicos e radiológicos comuns entre
si. As entidades que compõem esse grupo incluem Espondilite Anquilosante
(EA), síndrome de Reiter e outras artrites reativas pós-infecciosas, Artrite
Psoriásica (AP), enteroartrites (relacionadas às doenças inflamatórias
intestinais), espondiloartrite de início na juventude e espondiloartrite
indiferenciada.
O comprometimento de ênteses é característico desse grupo de doenças.
Trata-se de partes do tendão, do ligamento ou da cápsula que se inserem no
osso. Nas espondiloartrites haverá entesite, caracterizada por dor, rigidez e
restrição de movimentos.
Há, ainda, classicamente, envolvimento inflamatório das articulações axiais,
como da coluna vertebral (espondilite) e das articulações sacroilíacas
(sacroileíte), presença de oligoartrite periférica assimétrica (de 2 a 4
articulações acometidas) e ausência de Fator Reumatoide (FR), sendo, por
isso, determinadas soronegativas. Além disso, têm tendência a agregação
familiar, associação ao HLA-B27 (principalmente o componente axial) e
acometimento ocular (uveíte anterior).
2. Epidemiologia
São mais frequentes em homens (3:1 em relação às mulheres). As
manifestações de espondiloartrites têm sido descritas em todos os grupos
étnicos e, geralmente, estão associadas à presença do HLA-B27. Entre os
caucasianos e asiáticos, a frequência do HLA-B27 na população é de 7%,
sendo menos comuns em negros (frequência de HLA abaixo de 1 a 2%). A
maior prevalência da EA tem sido descrita em certos grupos nativos
americanos, em que a frequência do HLA-B27 é superior a 50%.
3. Espondilite anquilosante
De etiologia desconhecida, a EA é o protótipo das espondiloartrites. O
envolvimento axial é característico, com acometimento da coluna, levando a
dor axial inflamatória (comumente lombar), e das sacroilíacas, causando dor
inflamatória nas nádegas. Costuma ter início insidioso, no fim da
adolescência ou no começo da vida adulta, e é infrequente apresentar-se após
os 40 anos.

Dica
A EA inicia-se no adolescente/adulto jovem, e é infrequente seu início após
os 40 anos; há grande associação a HLA-B27 (90%).

A - Achados clínicos

Tema frequente de prova


Os achados clínicos característicos da EA são tema frequente em concursos
médicos.

a) Manifestações articulares

O sintoma clínico característico é a presença de dor lombar inflamatória


(Figura 1), iniciando-se nas articulações sacroilíacas e coluna lombossacra,
podendo comprometer também a região cervical. A dor inflamatória
caracteriza-se por: (1) melhora com movimentação (diferente da dor de
origem mecânica, que piora com a movimentação e melhora com o repouso);
(2) rigidez matinal maior do que 30 minutos. As dores têm início insidioso,
com mais de 3 meses de evolução. Sua localização geralmente é lombar (mas
pode acometer todos os níveis da coluna) e nas nádegas, uni ou bilateral,
podendo ser alternante (Figuras 2 e 3). O paciente pode apresentar despertares
noturnos ocasionados pela dor lombar inflamatória.
Figura 1 - Patogenia da lombalgia inflamatória
Figura 2 - (I) Tomografia computadorizada no plano coronal oblíquo mostrando espaços articulares
preservados e simétricos, com superfícies regulares. O espaço é considerado normal entre 2 e 4mm;
(II) classificação radiográfica na avaliação das articulações sacroilíacas. Grau 0 – normal; (A) grau
1 – suspeito; (B) grau 2 – discreta irregularidade e esclerose das superfícies articulares, com o espaço
articular preservado; (C) grau 3 – redução articular, além de intensa irregularidade e esclerose
subcondral; (D) grau 4 – anquilose bilateral
Fonte: Sieper et al., 2009.
Figura 3 - Cortes tomográficos no plano coronal oblíquo demonstrando redução do espaço articular
à direita do paciente e preservado à esquerda. Observa-se, também, esclerose subcondral à direita,
mais evidente na porção ilíaca
Fonte: Sieper et al., 2009.

Podem estar presentes sintomas constitucionais, como fadiga, perda de peso e


febre.
Ao exame físico, um dos achados iniciais é a perda da lordose lombar. Com o
passar do tempo, há calcificação dos ligamentos e das ênteses da coluna em
toda a sua extensão, gerando perda de mobilidade, e o paciente fica
“anquilosado”, com a perda da lordose lombar e cervical e a acentuação da
cifose torácica, curvando o corpo para frente (“posição de esquiador”).
As manobras mais utilizadas no exame físico para pesquisar o envolvimento
axial são distância trágus-parede (Figura 4), flexão lombar (Teste de Schöber
modificado), rotação cervical (Figura 7), flexão lombar lateral (Figura 5 - A e
B) e distância intermaleolar (Figura 8). Para execução do teste de Schöber
modificado, deve-se fazer uma marca na linha média, com o paciente em
posição neutra, ao nível da espinha ilíaca posterossuperior, e outra 10cm
acima. Pede-se ao indivíduo que realize flexão máxima do tronco, sem dobrar
os joelhos, tentando alcançar o chão com as mãos. Mede-se a distância
máxima entre os 2 pontos, que deve aumentar pelo menos 5cm e atingir 15cm
(Figura 6).
É importante ainda a avaliação de expansibilidade torácica (Figura 9), bem
como a pesquisa de sacroileíte, feita por meio da palpação das sacroilíacas,
teste de Gaenslen (Figura 10) ou teste de Patrick (Figura 11).
Figura 4 - Distância trágus-parede

Figura 5 - Flexão lateral do tronco: (A) marca na coxa ao nível dos dedos; (B) nova marca após
flexão lateral do tronco; (C) diferença entre as 2 marcas
Figura 6 - Teste de Schöber modificado
Figura 7 - Rotação cervical

Figura 8 - Distância intermaleolar


Figura 9 - Expansibilidade torácica
Figura 10 - Teste de Gaenslen
Figura 11 - Teste de Patrick (Fabere)
O acometimento de articulações periféricas na EA ocorre em cerca de 25%
dos casos e costuma ser mono ou oligoarticular (1 a 4 articulações
acometidas), costumeiramente de forma assimétrica e preferencialmente nos
membros inferiores. Quadris, joelhos, tornozelos e articulações
metatarsofalangianas são frequentemente acometidos.
Quadro clínico
O quadro clínico da EA engloba oligoartrite periférica, assimétrica, no
quadril, no tornozelo e nas articulações metatarsofalangianas.

Entesites são comuns na EA (não tanto quanto na artrite reativa) e podem


ocorrer na fáscia plantar, na inserção do tendão de aquiles, ao redor da pelve
(na tuberosidade isquiática, nas cristas ilíacas e no trocânter maior), na coluna
(nas inserções ósseas de ligamentos e cápsulas de articulações discovertebrais
e costovertebrais e nos ligamentos interespinal e paravertebrais), na região
anterior do tórax (junções costocondrais) e na tuberosidade tibial, uni ou
bilateralmente. A seguir, a ilustração dos pontos de possíveis entesites.
Figura 12 - Pontos de possíveis entesites: (A) manúbrio do esterno; (B) processo xifoide; (C) e (D)
crista e espinha ilíacas anterossuperiores; (E) espinha ilíaca posterossuperior; (F) coluna lombar;
(G) calcâneo

b) Manifestações extra-articulares
- Acometimento ocular

É a manifestação extra-articular mais comum na EA e ocorre em 30% dos


pacientes. O surgimento da uveíte pode ser o 1º sintoma no paciente. Acomete
a câmara anterior do olho (uveíte anterior – Figura 13) e costuma ser
unilateral, com aparecimento de olho vermelho, dor, borramento visual,
fotofobia e lacrimejamento. Está fortemente associada à presença do HLA-
B27. Não tem relação com surtos de piora no acometimento articular. Pode
gerar perda visual e irregularidade da pupila.

Importante
A manifestação extra-articular mais comum na EA é a ocular (uveíte
anterior) e está fortemente associada à presença do HLA-B27.

Figura 13 - Uveíte anterior em paciente com espondilite anquilosante; uveíte anterior aguda
associada à presença de HLA-B27

- Cardíaco e pulmonar

O envolvimento cardíaco, como aortite, dilatação do anel aórtico e


insuficiência aórtica, tem sido descrito em 3 a 10% entre os pacientes com 15
a 30 anos de doença.
O acometimento pulmonar mais característico, apesar de raro (1% dos casos),
é a fibrose progressiva dos ápices pulmonares.

- Gastrintestinal

Pode haver inflamação inespecífica e subclínica dos intestinos grosso e


delgado em 60% dos casos de espondilite. De 10 a 15% dos indivíduos com
EA irão desenvolver doença inflamatória intestinal.

- Renal

O acometimento é raro. Porém, os pacientes com EA devem ser avaliados


quanto à presença de proteinúria por raras associações da doença com
amiloidose renal e nefropatia por IgA.

- Neurológico

A síndrome da cauda equina é uma complicação rara, acometendo pacientes


com doença de longa duração, que apresentam marcada anquilose na coluna.
Eles evoluem com alterações sensitivas e motoras e impotência. O
diagnóstico é confirmado por tomografia computadorizada ou Ressonância
Magnética (RM).

Quadro clínico
O quadro clínico das manifestações extra-articulares da EA é formado por
acometimentos ocular (uveíte anterior), cardíaco (dilatação do anel aórtico,
insuficiência aórtica, distúrbios de condução), pulmonar (fibrose
progressiva dos ápices), gastrintestinal (inflamação inespecífica), renal
(raro) e neurológico (compressão neurológica).

B - Achados radiológicos
As alterações radiológicas são predominantemente observadas no esqueleto
axial (sacroilíacas, interapofisárias, discos vertebrais e articulações
costovertebrais) e em locais de entesopatia (Tabela 3).
A sacroileíte das espondiloartrites envolve a porção sinovial, nos 2 terços
inferiores da articulação sacroilíaca. Na EA, o acometimento é bilateral e
simétrico, assim como nas espondiloartrites associadas a doenças intestinais
inflamatórias (enteroartrites). Já nas artrites reativas e na psoriásica, o
acometimento geralmente é unilateral e assimétrico.
Na EA e em enteroartrites, os sindesmófitos são geralmente simétricos e
regulares, bem verticalizados e marginais, ao contrário do que ocorre nas
artrites reativas e na psoriásica (sindesmófitos assimétricos, irregulares e mais
grosseiros). Também se distinguem dos osteófitos da osteoartrite, que têm
orientação bem lateralizada.

Figura 14 - Sinal de Romanus


Figura 15 - Evolução de lesões espinais da espondilite anquilosante
Fonte: adaptado de Sieper et al., 2009.
Figura 16 - Sacroileíte bilateral: observar a redução do espaço nas sacroilíacas e a esclerose óssea
Figura 17 - Formação de sindesmófitos na coluna vertebral
Figura 18 - Sindesmófitos bilaterais, com o aspecto de coluna “em bambu”
Figura 19 - Sindesmófitos

C - Achados laboratoriais

No grupo das espondiloartrites, de forma geral, pode ocorrer anemia


normocítica normocrômica de doença crônica, leucocitose e trombocitose
discretas. Os reagentes de fase aguda (Proteína C Reativa – PCR – e
velocidade de hemossedimentação – VHS) estão aumentados em apenas 50%
dos casos e podem estar associados à presença de atividade de doença. Fator
antinuclear (FAN) e FR são negativos.
Na EA, o HLA-B27 é positivo em 90%. É uma molécula do complexo de
histocompatibilidade classe I e contribui com 25 a 50% do risco genético para
EA. O HLA-B27 é pesquisado em todos os pacientes com suspeita e/ou
diagnóstico de EA, pois a sua positividade indica chance de 25% de parente
de 1º grau desenvolver a doença.

D - Diagnóstico

Em 2009, a ASAS forneceu critérios de classificação das espondiloartrites


(Tabela 4).

O diagnóstico diferencial inclui todas as outras espondiloartrites


soronegativas.
O envolvimento da coluna pode, ainda, ser diferenciado de hiperosteose
esquelética idiopática difusa (conhecida como DISH), ocronose e síndrome
SAPHO (Sinovite + Acne + Pustulose palmoplantar + Hiperosteose
esternocostoclavicular + Osteíte multifocal crônica recorrente). Já o
comprometimento das sacroilíacas faz diagnóstico diferencial com uma série
de doenças, que inclui infecções (tuberculose, brucelose, piogênicas), doença
de Behçet, doença de Whipple, doença de Paget, neoplasias, febre familiar do
Mediterrâneo, ocronose e síndrome SAPHO.

E - Tratamento

Inicialmente, o paciente deverá receber orientações sobre o prognóstico da


doença. A fisioterapia deve ser realizada de maneira sistemática em todos os
estágios da doença, para educação postural, preservação de amplitude
articular e conservação de energia. O tratamento medicamentoso está descrito
na Tabela 5.
4. Artrite reativa

Tema frequente de prova


A ARe e a síndrome de Reiter são temas frequentes nos concursos
médicos.

A Artrite Reativa (ARe) é uma espondiloartrite caracterizada por artrite


periférica, habitualmente acompanhada por manifestações extra-articulares,
que aparecem após certas infecções dos aparelhos geniturinário e
gastrintestinal, acometendo principalmente adultos jovens. A relação entre
homens e mulheres é de 1:1.
Associam-se à doença diarreica por Shigella, Salmonella, Yersinia e
Campylobacter, assim como infecções não gonocócicas do aparelho
geniturinário por Chlamydia trachomatis ou Ureaplasma urealyticum.
A descrição original da ARe foi feita por um jovem alemão, após quadro de
diarreia sanguinolenta, desenvolvendo a tríade clínica de uretrite não
gonocócica, conjuntivite e artrite. O termo síndrome de Reiter, em sua
homenagem, restringe-se à ARe que se manifesta com essa tríade, mas tem
sido recentemente desencorajado pelo seu envolvimento com crimes
cometidos na 2ª Guerra Mundial.

Dica
A síndrome de Reiter é composta por artrite, uretrite não gonocócica e
conjuntivite, após processo infeccioso gastrintestinal ou geniturinário.

A - Apresentação clínica

A ARe tipicamente tem início agudo, de 1 a 4 semanas, após infecção venérea


não gonocócica ou gastroenterite. Sintomas constitucionais, como febre e
perda de peso, são possíveis.

a) Manifestações articulares e periarticulares

O envolvimento articular periférico é o mais característico da ARe (90% dos


casos) e geralmente é agudo, aditivo, assimétrico e oligoarticular, com
predomínio em articulações dos membros inferiores, especialmente joelhos,
tornozelos e pequenas articulações dos pés. O acometimento do quadril é
incomum, mas articulações esternoclaviculares, ombros e
temporomandibulares também podem ser afetados.
O envolvimento de quirodáctilos e pododáctilos ocorre em 50% dos casos e
cursa com edema difuso, sendo conhecido por dedos “em salsicha” ou
dactilites (Figura 20), achado característico da ARe e da AP.

Figura 20 - Dedo “em salsicha” ou dactilite no 2º pododáctilo direito


Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.

Entesite (Figura 21) é mais frequente na inserção da fáscia plantar ou na


inserção do tendão de aquiles no calcâneo, levando a uma das manifestações
mais frequentes da doença: dor no calcanhar. Lombalgia e dor nas nádegas
são comuns na ARe e ocorrem em cerca de 50% dos casos. Já alterações
radiográficas no esqueleto axial estão presentes em 20% dos pacientes,
embora o envolvimento radiográfico axial chegue a 70% nas formas crônicas.
Figura 21 - Entesite no calcanhar esquerdo

b) Manifestações extra-articulares

Uretrite não gonocócica, quando presente, é a 1ª manifestação e ocorre nas


formas pós-venérea e pós-entérica. Disúria e descarga uretral purulenta são os
sintomas mais típicos no homem, mas estão presentes, ocasionalmente,
prostatite e/ou epididimite. Mulheres podem ter disúria, corrimento vaginal,
cervicite e/ou vaginite. Pacientes assintomáticos para inflamação genital
frequentemente têm piúria estéril, principalmente na 1ª urina da manhã.
Conjuntivite ocorre em 1/3 dos casos e, quando presente, geralmente
acompanha a uretrite ou se desenvolve vários dias depois. Os pacientes
podem apresentar leve hiperemia conjuntival bilateral, com sensação de
queimação e exsudato. A conjuntivite não tem relação com HLA-B27.
Uveíte anterior aguda (irite) tipicamente é unilateral, mas pode ser bilateral,
acompanhada de conjuntivite (Figura 22). Ocorre com menor frequência que
na EA (15 a 20%).
Figura 22 - Uveíte anterior aguda em paciente com artrite reativa
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

O ceratoderma blenorrágico (Figura 23) é uma lesão cutânea


papulodescamativa que acomete as regiões plantar e palmar, assemelhando-se
à psoríase pustulosa. Ocorre em cerca de 25% dos pacientes com ARe e pode
afetar outras áreas. Quando atinge o leito subungueal, as unhas das mãos e
dos pés podem tornar-se quebradiças e opacas, assemelhando-se às alterações
encontradas nas infecções micóticas e psoriásicas.
Figura 23 - Ceratoderma blenorrágico
Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.

A balanite circinada (Figura 24) envolve a glande peniana e aparece como


ulceração serpiginosa ao redor da uretra.
Úlceras orais podem aparecer na língua e no palato, indolores.

Figura 24 - Balanite circinada: observar as lesões de aspecto serpiginoso


Complicações menos comuns são: aortite (1 a 2% dos pacientes), regurgitação
da válvula aórtica, bloqueio cardíaco e amiloidose.

Quadro clínico
Uretrite não gonocócica (disúria e descarga uretral purulenta), conjuntivite
e uveíte anterior aguda unilateral, ceratoderma blenorrágico, úlceras orais e
balanite circinada podem ocorrer como manifestações extra-articulares da
ARe.

c) Associação a HIV

A ARe tem sido relatada com frequência em indivíduos HIV positivos, e sua
prevalência e gravidade podem estar aumentadas quando estão associadas aos
vírus. O HIV isolado não causa a doença, mas sua relação com outras
doenças, como infecção por Chlamydia, pode ser responsável pelo
desenvolvimento de ARe.

B - Achados radiográficos

Anormalidades na radiografia são tardias e constituem reação periosteal e


erosões ósseas no calcâneo, na inserção da fáscia plantar e/ou no tendão de
aquiles. No esqueleto axial, há sacroileíte, frequentemente unilateral ou
bilateral assimétrica, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais se
comparados com os que ocorrem na EA.

Diagnóstico
Achados radiográficos na ARe incluem sacroileíte, unilateral ou bilateral
assimétrica, e sindesmófitos, mais grosseiros e unilaterais.

C - Achados laboratoriais

Além dos achados descritos previamente, a análise do líquido sinovial mostra


alterações do tipo inflamatório, podendo atingir altos níveis de leucócitos. A
pesquisa de agentes infecciosos, incluindo gonococo, deve ser feita para
excluir artrite séptica.

D - Diagnóstico

O diagnóstico é feito por achados clínicos e laboratoriais. A presença de


oligoartrite assimétrica, soronegativa (FR negativo) em pessoa jovem, deve
alertar o médico para o diagnóstico de ARe. Antecedentes de diarreia e
doença venérea podem ser informações adicionais.
Devem ser excluídas infecção gonocócica e outras formas de artrite séptica
com pesquisa de N. gonorrhoeae e C. trachomatis.
O diagnóstico diferencial inclui ainda outras formas de espondiloartrites,
artrite reumatoide (que pode iniciar-se de forma oligoarticular), infecção
gonocócica disseminada, infecções virais agudas e endocardite bacteriana.

E - Tratamento

Na fase articular aguda, inicia-se o tratamento com AINHs. Os corticoides em


baixas doses estão reservados para casos de entesopatia e artrites persistentes.
Quando há evolução para doença articular crônica, podem ser utilizados
sulfassalazina ou metotrexato nos casos periféricos. O uso de agentes anti-
TNF é reservado para pacientes que cronificam o envolvimento articular,
sobretudo o axial, nas mesmas dosagens e vias de administração já referidas
na Tabela 6 da EA.
A administração de antibióticos deve ser considerada quando há infecção.
Podem ser utilizados ciprofloxacino ou sulfametoxazol-trimetoprima. Para
pacientes com infecção do trato geniturinário por Chlamydia, estão indicados
a tetraciclina ou seus derivados.
5. Artrite relacionada a doenças inflamatórias
intestinais (enteroartrites)

A - Apresentação clínica
A artrite periférica ocorre em cerca de 20% dos pacientes com Doença de
Crohn (DC) ou Retocolite Ulcerativa (RU). A prevalência é ligeiramente
maior na DC. Pode ocorrer acometimento periférico, com artralgias
migratórias ou artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente
assimétrica e predominantemente de membros inferiores, acometendo mais
comumente joelhos, tornozelos e pés. Grandes derrames articulares,
especialmente nos joelhos, são comuns. Deformidades são raras. O
aparecimento da artrite pode anteceder os sintomas gastrintestinais,
apresentando-se inicialmente como uma forma indiferenciada da EA.
Comumente, a artrite acompanha a atividade da doença inflamatória intestinal
e melhora com o controle desta. Na RU, a colectomia para controle da doença
intestinal pode levar à remissão da artrite, mas isso não acontece na DC. Não
está associada à presença de HLA-B27.
Acometimento da coluna, incluindo sacroileíte, acontece em cerca de 10% de
pacientes com doenças inflamatórias intestinais e frequentemente é
assintomático. O envolvimento axial tem curso independente da atividade da
doença intestinal, podendo antecedê-la, e a colectomia terapêutica não se
reflete na atividade de doença axial. O HLA-B27 é encontrado com menor
frequência nessa doença (aproximadamente 50% nos casos com envolvimento
axial).
Manifestações extra-articulares da doença inflamatória intestinal também
podem ocorrer em 24% dos casos: a complicação cutânea mais comum é o
eritema nodoso, que costuma acompanhar a atividade inflamatória intestinal e
articular periférica. O pioderma gangrenoso é menos frequente, mas é mais
grave, com aparecimento de úlceras profundas e dolorosas na pele. É possível
haver úlceras orais recorrentes, as quais refletem a atividade intestinal da DC.
Uveíte anterior aguda, unilateral, alternante, similar àquelas encontradas nas
outras espondiloartrites, é vista em 11% dos casos de enteroartrites. Na DC,
pode ocorrer uveíte granulomatosa, mais grave e persistente. Febre e perda de
peso também são comuns.

Quadro clínico
O quadro clínico de artrite enteropática envolve artralgias migratórias ou
artrite aditiva, não erosiva, oligoarticular, usualmente assimétrica e
predominantemente de membros inferiores, acometendo mais comumente
joelhos, tornozelos e pés.

B - Achados radiográficos

A artrite periférica não é erosiva às radiografias, exceto no quadril. Os


achados axiais são semelhantes aos da EA, com sacroileíte e envolvimento da
coluna simétrica, com sindesmófitos bem verticalizados e delicados. A RM
pode mostrar sacroileíte inicial assintomática nesse grupo.

C - Tratamento

Os princípios terapêuticos são os mesmos da EA. Os AINHs, entretanto, não


são prescritos de rotina a pacientes com artrite enteropática, pois podem
desencadear atividade da doença inflamatória intestinal, particularmente da
DC. É preferível o uso de corticoides. Os corticoides também podem ser
usados por via intra-articular em casos de artrite periférica.
As drogas de base mais utilizadas para o tratamento dos surtos de atividade
intestinal são os derivados da 5-ASA, a mesalazina e a sulfassalazina. Esta
última também pode controlar atividade articular periférica, mas não axial.
Aos casos periféricos, metotrexato e azatioprina podem ser indicados.
Medicamentos com ação anti-TNF, particularmente o infliximabe e o
adalimumabe, têm-se mostrado efetivos no controle da doença intestinal e
articular axial e periférica, inclusive com fechamento de fístulas na DC.
6. Artrite psoriásica
A AP forma um grupo heterogêneo de manifestações articulares inflamatórias
crônicas em associação à psoríase, doença inflamatória cutânea, caracterizada
pela presença de lesões eritematodescamativas, principalmente nas faces
extensoras do corpo, podendo acometer também o couro cabeludo, as palmas
e as plantas, áreas flexoras e unhas, com alterações características. A
prevalência da AP é de cerca de 0,1 a 1%. A artrite ocorre em 10% dos
pacientes com psoríase. O acometimento da pele costuma preceder a artrite
em 75% dos casos, com início simultâneo em 10% dos pacientes. Na minoria
restante (15%), a artrite pode anteceder o surgimento da psoríase em cerca de
2 anos. A relação entre homens e mulheres é de 1:1. A idade de maior
prevalência está entre os 30 e os 55 anos.
Fatores genéticos, ambientais e imunológicos estão envolvidos na
suscetibilidade e na expressão da doença. Dentre os fatores genéticos, o gene
PSORS1 demonstrou maior suscetibilidade à psoríase.

A - Achados clínicos

Classicamente, a AP apresenta 5 formas clínicas, conforme a Tabela 7.


a) Artrite periférica

Costuma ser oligoarticular no início da doença, mas, com o passar dos anos e
um número maior de articulações acometidas, tende a tornar-se poliarticular.
Algumas características ajudam a diferenciar a AP da artrite reumatoide: a AP
é mais frequentemente assimétrica, pode acometer as interfalangianas distais
(poupadas na artrite reumatoide), tem FR costumeiramente negativo (embora
possa ser positivo em uma minoria de casos – <10% se medido por ELISA),
acomete homens e mulheres igualmente e tem características radiográficas
peculiares com a lesão tipo pencil-in-cup. Pode, ainda, manifestar-se como
artrite mutilante.

b) Envolvimento axial

A AP pode acometer sacroilíacas e coluna. Entretanto, assim como nas ARes,


o envolvimento axial costuma ser assimétrico, com sindesmófitos grosseiros.
Apenas parte dos pacientes com manifestações radiográficas tem clínica de
dor inflamatória associada. A grave limitação do esqueleto axial é menos
comum.

Quadro clínico
O quadro clínico da AP envolve artrite periférica, oligoarticular,
assimétrica, podendo acometer interfalangianas distais, com FR negativo e
lesões tipo pencil-in-cup na radiografia, que também pode demonstrar
envolvimento axial assimétrico e sindesmófitos grosseiros.

Figura 25 - Artrite psoriásica tipo artrite reumatoide


Figura 26 - Artrite psoriásica com acometimento de interfalangianas distais
Figura 27 - Artrite psoriásica com acometimento ungueal e de interfalangianas distais

Figura 28 - Artrite psoriásica forma mutilante

d) Manifestações cutâneas

A psoríase cutânea constitui pré-requisito para o diagnóstico, porém o seu


surgimento pode ocorrer posteriormente ao desenvolvimento da artrite. A
psoríase vulgar é a forma mais comum de apresentação associada à AP
(Figura 29), e se manifesta pelo acometimento das superfícies extensoras,
principalmente dos cotovelos e joelhos. Pode acometer o couro cabeludo, as
pregas glúteas, o sulco interglúteo e áreas flexoras dos membros e do tronco
(sulcos inframamários, umbigo, região inguinal). A psoríase gutata também se
associa à AP, mas é menos comum.
O envolvimento das unhas pode ser o único achado clínico em pacientes que
desenvolvem artrite. Os principais achados são depressões (pitting nail ou
unha “em dedal” – Figura 30), onicólise, depressões transversais, ceratose,
descoloração amarelo-amarronzada (sinal “da gota de óleo”). Nenhuma
dessas alterações é específica da psoríase. O envolvimento ungueal
correlaciona-se com o envolvimento das interfalangianas distais.

Figura 29 - Psoríase nos joelhos


Figura 30 - Depressões na unha (unha “em dedal” ou pitting nail)

e) Outras manifestações extra-articulares

Uveíte anterior aguda ocorre em 7% dos casos. Outros achados, como


insuficiência aórtica, uretrite asséptica, colite inespecífica, fibrose pulmonar
dos lobos superiores e amiloidose, podem ocorrer, porém são raros e menos
frequentes que nas outras espondiloartrites.

B - Achados radiológicos
Diversos aspectos radiográficos podem ser encontrados na doença. A artrite
periférica geralmente causa lesões assimétricas e manifesta-se
radiograficamente por erosões ósseas destrutivas, com proliferação óssea
intensa associada, inclusive em interfalangianas distais. A destruição óssea
intensa (osteólise) pode provocar esculpimento e afilamento da porção distal
das falanges e lesão “em aspecto de taça” nas porções proximais. Uma
falange afilada distalmente na articulação com outra cuja base foi alargada em
forma de taça leva à característica lesão tipo pencil-in-cup (Figura 31). A
artrite mutilante se manifesta radiograficamente por total desarranjo articular
e intensa (e até total) destruição óssea. O envolvimento axial é caracterizado
pela formação de sindesmófitos grosseiros, não marginais, na coluna,
organizados de forma assimétrica, e sacroileíte também grosseira e
assimétrica. A anquilose na coluna e em sacroilíacas também é possível.

Figura 31 - Acometimento assimétrico das articulações, mais evidente nas interfalangianas distais:
aspecto pencil-in-cup na 3ª interfalangiana distal

C - Diagnóstico

Os critérios de CASPAR para diagnóstico de AP estão expostos na Tabela 8.


D - Tratamento

Os anti-inflamatórios são utilizados para a dor articular periférica e axial. Os


corticoides podem ser utilizados em baixas doses em casos de artrite
periférica, mas devem ser evitados porque sua retirada pode piorar o quadro
cutâneo. Injeções intra-articulares de corticoide podem ser feitas
episodicamente em mono ou oligoartrites.
Nos casos de envolvimento periférico não responsivo, podem ser utilizados
metotrexato, sulfassalazina, ciclosporina e leflunomida. Os agentes anti-TNF
(adalimumabe, etanercepte, infliximabe, golimumabe e certolizumabe) têm
benefício comprovado nas manifestações cutâneas e articulares axiais e
periféricas. Na falha aos anti-TNF, estão atualmente disponíveis medicações
anti-IL-17A (secuquinumabe) e anti-IL-12/IL-23 (ustequinumabe).
Resumo
Febre reumática
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A Febre Reumática (FR) é uma doença inflamatória multissistêmica, com
sequela tardia não supurativa desencadeada pela infecção da orofaringe pelo
Estreptococo Beta-Hemolítico do Grupo A (EBHGA) de Lancefield e
caracterizada por acometer o coração, as articulações, o sistema nervoso
central, o tecido celular subcutâneo e a pele.
Ocorre infecção estreptocócica da orofaringe, e a resposta imunológica
provocada por ela é responsável por mediar lesões ao tecido conjuntivo, e
reação cruzada de reconhecimento antigênico. O paciente precisa ter tido
contato prévio com os antígenos bacterianos para que o organismo os
reconheça e a doença possa se estabelecer. Por isso, a FR ocorre, em geral,
após os 3 anos.

Dica
O EBHGA (S. pyogenes) é responsável por infecções como
faringotonsilites, infecções de pele, FR e glomerulonefrite.
2. Epidemiologia
A FR geralmente afeta indivíduos entre 5 e 15 anos, de qualquer raça e em
qualquer parte do mundo. Em adultos, os ataques iniciais acontecem no final
da 2ª e no começo da 3ª décadas de vida. Sua incidência varia de acordo com
a região geográfica e as características socioeconômicas de cada população.
Baixos níveis de higiene, alta densidade demográfica e difícil acesso ao
sistema de saúde favorecem o seu aparecimento. Estudos realizados na
população de escolares em algumas capitais brasileiras estimaram a
prevalência de cardiopatia reumática crônica em 1 a 7 casos/1.000, o que é
significativamente maior do que a prevalência da doença em países
desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde varia entre 0,1 e 0,4 caso/1.000
escolares.
Estima-se que ela seja responsável por cerca de 60% de todas as doenças
cardiovasculares em crianças e adultos jovens. No Brasil, é responsável por
8.000 a 10.000 cirurgias cardíacas por ano na rede pública.
Os EBHGAs são a causa mais comum da faringite bacteriana, atingindo
principalmente crianças e jovens com idades entre 5 e 18 anos. Alguns
estudos demonstram que até 70% das crianças em idade escolar em países
europeus apresentam títulos significativos (acima de 200UT – Unidades
Todd) de antiestreptolisina O (ASLO). Os sorotipos ditos “reumatogênicos”
são, entre outros, 1, 3, 5, 6 e 18.
3. Etiopatogenia
Nem todas as infecções por EBHGAs causam FR, ou seja, nem todas as cepas
desse grupo de bactérias são reumatogênicas, e nem todos os indivíduos são
suscetíveis. As cepas que causam piodermites e infecções de tecidos moles
não causam faringite nem FR, mas podem causar glomerulonefrite aguda. Das
cepas que causam faringite, as ricas em proteína M, uma proteína externa da
parede bacteriana, são as mais artritogênicas.
A patogenia da doença ainda não é totalmente compreendida, mas parece
ocorrer por meio de reação cruzada, ou seja, mimetismo molecular: a
similaridade entre sequências antigênicas do ser humano e do EBHGA levaria
à produção de anticorpos induzida pela infecção estreptocócica e seria
direcionada contra antígenos bacterianos, mas que agiriam contra estruturas
do hospedeiro, desencadeando a lesão tecidual.
Pacientes com FR apresentam altos níveis de anticorpos contra a proteína M,
que pode atuar como um superantígeno, induzindo a uma resposta imune
excessiva e autoimunidade. Ela impede a fagocitose e a ação do complemento
e ajuda a fixar a bactéria na célula epitelial da faringe.
De 2 a 3% das crianças com infecção estreptocócica desenvolverão FR, o que
mostra predisposição genética de alguns indivíduos e que pode estar
associada à presença de antígenos leucocitários humanos (HLAs) nas diversas
populações, como DR4 em caucasianos, DR2 em negros e DR3 em indianos.
Em nosso meio, foi observada maior frequência do HLA-DR7 e do HLA-
DR53. Foram descritos aloantígenos na superfície de células B, não
associados ao sistema HLA, denominados 883 e D8/17, que teriam forte
associação à FR. No entanto, outros estudos não confirmaram esses achados,
e o marcador genético definitivo para a doença ainda não foi encontrado.
4. Quadro clínico

Tema frequente de prova


Os achados clínicos característicos de FR e os critérios de Jones são temas
muito prevalentes nos concursos médicos.

O quadro clínico geralmente se inicia após 2 a 4 semanas de um quadro de


faringite estreptocócica, podendo surgir com um mínimo de 1 semana e
máximo de 5 semanas. Entretanto, 1/3 dos pacientes não se lembra da
faringite. A média de idade de acometimento é de 7 anos, principalmente na
faixa dos 4 aos 9 anos.
Não existe exame laboratorial, sinal ou sintoma característico da FR. O
diagnóstico baseia-se no reconhecimento e na combinação de alguns achados
clínicos e laboratoriais.
Os critérios de Jones modificados e revisados em 2015 (Tabela 1) são
ferramenta de auxílio no diagnóstico da doença.
Nenhum dos critérios de Jones é específico de FR. Entretanto, a presença de
coreia e/ou cardite (valvulite mitral) permite, habitualmente, maior segurança
diagnóstica. Por ocorrer mais tardiamente na evolução da doença, quando os
outros achados já passaram, e por ser mais específica, a coreia é o único sinal
maior que isoladamente permite o diagnóstico de FR.
Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico do 1º surto de FR por meio dos critérios de
Jones revisados (sempre associados a quadro de infecção por estreptococo
do grupo A/ASLO positivo), 2 maiores ou 1 maior e 2 menores. A FR
recorrente é determinada na presença de quadro de infecção por
estreptococo do grupo A/ASLO positivo + 2 maiores ou 1 maior e 2
menores ou 3 menores.

A - Artrite

O quadro articular ocorre em 75% dos casos de FR e é o sintoma mais


comum. É mais frequente e mais grave entre adultos jovens (100%) e
adolescentes portadores da doença (82%) do que em crianças (66%). O
acometimento articular é precoce e costuma ser o 1º achado, embora cardite
assintomática possa precedê-lo.
O quadro clássico é de poliartrite de grandes articulações, assimétrica,
intensa, muito dolorosa, migratória e fugaz, com boa resposta aos anti-
inflamatórios, não evoluindo com sequelas. A artrite manifesta-se em uma
articulação, e, quando está regredindo, outra articulação é acometida. Há
eritema, calor e rubor articulares, mas a dor é mais importante do que os
sinais inflamatórios objetivos. O surto de artrite tem resolução espontânea e
dura de 1 a 4 semanas. As articulações atingidas geralmente são grandes e
médias, como joelhos, tornozelos, punhos e ombros, mas pequenas
articulações das mãos e dos pés também podem ser envolvidas.
Radiografias realizadas nessa fase mostram aumento de volume de partes
moles, mas podem estar normais. Trata-se de artrite não deformante.
Entretanto, surtos repetidos sem diagnóstico (o que é cada vez mais raro hoje
em dia) podem provocar frouxidão ligamentar e de cápsula articular, com
subluxações e desvios articulares não fixos (artropatia de Jaccoud).
Na prática, muitos pacientes com artrite e/ou artralgia são tratados
empiricamente com salicilatos ou outro Anti-Inflamatório Não Hormonal
(AINH). Por causa disso, a artrite pode melhorar rapidamente e não migrar
para outras articulações, dificultando o diagnóstico. Na FR, a artrite é
rapidamente responsiva aos salicilatos, de forma que a falta de resposta em 48
horas do uso desses agentes torna o diagnóstico improvável.

Quadro clínico
O quadro clínico da artrite envolve poliartrite intensa, migratória e fugaz,
assimétrica, articulações grandes e médias (joelho, tornozelo, ombro e
punhos), com boa resposta aos anti-inflamatórios, e resolução espontânea
em 1 a 4 semanas, sem deixar sequelas.

B - Cardite

A incidência de doença cardíaca na FR ocorre em 50 a 60% dos pacientes,


mas pode ser assintomática. Sua frequência, ao contrário do quadro articular,
diminui com a idade (90% em crianças pequenas e 15% em adultos jovens).
O acometimento caracteriza-se por pancardite, em que o endocárdio (mais
comumente), miocárdio e pericárdio (menos comumente) estão envolvidos. A
presença de cardite é importante no prognóstico em curto e longo prazo.
Na fase aguda, o envolvimento miocárdico pode provocar cardiomegalia,
taquicardia, distúrbios de condução e insuficiência cardíaca congestiva. Os
nódulos de Aschoff, encontrados na anatomia patológica da miocardite, são
patognomônicos da doença. A pericardite pode se manifestar como
desconforto ou dor torácica, derrame ou atrito pericárdico e não costuma
evoluir com pericardite constritiva. Miocardite e pericardite sem endocardite
não são características de FR e sugerem investigação de outras causas.
O dano valvar agudo característico decorre do envolvimento do endocárdio,
provocando valvulite mitral e aórtica, com sopros novos de regurgitação, que
podem provocar insuficiência cardíaca aguda. Anormalidades
eletrocardiográficas encontradas são bloqueios atrioventriculares de vários
graus, sendo o de 3º grau e o bloqueio de ramo esquerdo raros na fase aguda.
A alteração radiográfica mais comum da cardite é a cardiomegalia (Figuras 1
e 2). Estudos utilizando o ecocardiograma sugerem que esse exame seja mais
sensível para detectar disfunções cardíacas. O envolvimento valvar persistente
é a principal causa da grande morbimortalidade cardíaca associada à FR.
Ocorre de 10 a 20 anos após o surto inicial, sendo a principal causa de doença
valvular adquirida em todo o mundo. A válvula mitral é a mais acometida,
sendo, na fase aguda, a insuficiência mitral predominante e, posteriormente,
nas formas crônicas, encontramos a estenose mitral (achado clássico). O 2º
envolvimento mais comum é o mitral aórtico e, com menor frequência, o
aórtico isolado (mais comumente, insuficiência). Raramente, a tricúspide e a
pulmonar são envolvidas (Figura 3). Esse acometimento valvar, por menor
que seja, por si, leva maior suscetibilidade à endocardite infecciosa. Lembrar
que na fase aguda o mais comum é a insuficiência mitral; como sequela,
estenose mitral. Mp>Três sopros são característicos do 1º episódio da doença
e podem não representar disfunção valvar definitiva: sopro sistólico de
regurgitação mitral; sopro diastólico de Carey Coombs e sopro diastólico de
regurgitação aórtica.

Importante
A classificação da cardite em leve, moderada e grave pode ser cobrada por
alguns concursos, mas recomenda-se que não seja mais utilizada, pois
qualquer cardite deve ser considerada grave.

Dica
A válvula mitral é a mais acometida pela cardite, gerando repercussões
cerca de 10 a 20 anos após o surto. Na fase aguda, a lesão mais comum é a
insuficiência mitral; na crônica, estenose.
Figura 1 - Cardiomegalia em paciente com febre reumática

Figura 2 - Radiografia de tórax do mesmo paciente da Figura 1 após o tratamento da febre


reumática
Figura 3 - Ordem do acometimento valvar na cardite reumática

C - Coreia

Coreia de Sydenham, “coreia menor” ou “dança de San Vito”, é a desordem


neurológica que se manifesta por movimentos abruptos, involuntários e
desordenados nos membros e na face. Os movimentos geralmente são mais
evidentes em um lado do corpo, podem ser completamente unilaterais
(hemicoreia) e desaparecem durante o sono.
A coreia ocorre em menos de 10% dos pacientes, tem predomínio em meninas
e aparece mais tardiamente que as demais manifestações, cerca de 6 a 8
semanas após a infecção estreptocócica, por isso pode ocorrer isoladamente e
dar o diagnóstico de FR sem a presença de outros critérios. Tem duração de 1
semana a 2 anos (média de 8 a 15 semanas). Transtornos emocionais, choro e
alterações psiquiátricas podem ser observados nesses pacientes.
Alguns indivíduos com coreia podem não ter sintoma, mas o exame
cardiológico deve ser realizado com atenção, para tentar diagnosticar sopro
persistente.

Quadro clínico
A coreia de Sydenham manifesta-se por movimentos abruptos,
involuntários e desordenados nos membros e na face, que desaparecem
durante o sono, acomete mais meninas e ocorre em cerca de 6 a 8 semanas
após infecção.

Dica
A coreia de Sydenham é manifestação tardia da febre reumática, podendo
ocorrer isoladamente e dar o diagnóstico da doença sem a presença de
outros critérios.

D - Nódulos subcutâneos (nódulos de Maynet)

Os nódulos subcutâneos da FR aparecem após semanas da doença e se


associam à cardite. São pequenos (1 a 2cm de diâmetro), firmes e indolores,
localizados mais comumente sob proeminências ósseas, próximas aos
tendões, em superfícies extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos, região
occipital. Podem ser únicos ou múltiplos (Figura 4) e assemelham-se a grãos
de arroz sob a pele, que não se encontra inflamada e geralmente pode ser
móvel sobre os nódulos. Persistem por 1 ou mais semanas, mas raramente
duram meses.

Figura 4 - Nódulo subcutâneo no cotovelo de paciente com febre reumática

Quadro clínico
Os nódulos subcutâneos são pequenos (1 a 2cm), firmes e indolores,
localizados sob proeminências ósseas, próximas aos tendões, em
superfícies extensoras, como cotovelos, joelhos, punhos e região occipital.

E - Eritema marginado

Trata-se de rash cutâneo de caráter evanescente, não pruriginoso, de


coloração rósea a avermelhada, que acomete frequentemente o tronco e a
porção proximal dos membros e poupa a face. Essas lesões se estendem
centrifugamente, enquanto a região central é de coloração normal, de limites
bem delimitados (Figura 5). As lesões podem desaparecer em questão de
horas, e banho quente pode torná-las mais evidentes. Usualmente é precoce
durante a doença e está associado à cardite.

Quadro clínico
O quadro clínico do eritema marginado compreende rash cutâneo
evanescente, não pruriginoso, de coloração rósea a avermelhada, que
acomete frequentemente o tronco e a porção proximal dos membros e
poupa a face.

Figura 5 - Eritema marginado na região dorsal


Conforme exposto na tabela, o diagnóstico de FR é dado pelos critérios
revisados de Jones de 2015, sendo os pacientes estratificados em grupos de
acordo com considerações epidemiológicas de risco para adquirir a doença.
Considera-se grupo de baixo risco aquele em que a incidência de FR é menor
do que 2/100.000 escolares (entre 5 e 14 anos) por ano ou que tenha uma
prevalência de cardite reumática crônica em qualquer grupo etário menor ou
igual a 1/1.000 por ano. Crianças pertencentes a comunidades com níveis
superiores a esses teriam risco moderado a alto para adquirir a doença. Além
disso, de acordo com a revisão de 2015, consideram-se alterações nos
critérios para recidiva de doença. Para os indivíduos com possível recidiva de
doença, além do preenchimento de 2 critérios maiores ou de 1 maior e 2
menores (como no surto inicial), pode-se considerar também a possibilidade
do preenchimento de 3 critérios menores como diagnóstico de recidiva,
independentemente do grupo de risco ao qual o paciente pertence.
5. Achados laboratoriais
Nenhum exame laboratorial é específico de FR. Alguns podem estar alterados
e ter implicação no diagnóstico, como as provas de atividade inflamatória ou
as provas de fase aguda: a velocidade de hemossedimentação e a proteína C
reativa costumam estar aumentadas, e sua alteração consiste em um critério
menor para o diagnóstico.
Outro grupo importante de achados laboratoriais é o que denuncia infecção
recente por estreptococo. Culturas de orofaringe usualmente são negativas na
época em que a FR aparece, mas podem ajudar a isolar o micro-organismo
(Figura 6). O tratamento da faringoamigdalite e a erradicação do estreptococo
da orofaringe devem ser feitos na vigência da suspeita clínica da FR,
independentemente do resultado da cultura de orofaringe. Alguns anticorpos
contra antígenos bacterianos podem ser dosados, como os anticorpos ASLO,
anti-DNAse B e anti-hialuronidase. O anticorpo mais utilizado é o ASLO,
pela facilidade de obtenção e homogeneidade dos resultados, sendo
encontrado em títulos elevados em até 80% dos pacientes no quadro inicial.
Seus títulos atingem o pico de 3 a 6 semanas após a infecção. Na maioria dos
serviços, seguem-se os critérios determinados por Décourt para ASLO,
considerando o nível de 250UT como normal para crianças com menos de 5
anos e, para finalidades práticas, como anormais taxas acima de 333UT para
crianças com menos de 5 anos e acima de 500UT para crianças acima dessa
idade. Se esse teste for negativo, outros anticorpos com pico de titulação mais
tardio (anti-DNAse B ou anti-hialuronidase) deverão ser dosados. O anticorpo
anti-DNAse B atinge seu pico entre 6 e 8 semanas após a infecção.
Figura 6 - Swab de orofaringe para identificar o estreptococo beta-hemolítico do grupo A

Outros exames podem auxiliar no diagnóstico. Radiografias de tórax seriadas


podem ajudar no curso da cardite, mostrando variações no tamanho da área
cardíaca. O ECG pode mostrar alargamento do intervalo PR (critério menor)
ou do QT. Se houver derrame pericárdico, poderão ocorrer alterações difusas
do segmento ST. O ecocardiograma é de grande valia, pois pode mostrar
espessamento e diminuição da mobilidade das válvulas atingidas, efusão
pericárdica ou disfunção miocárdica.

Dica
Anticorpos pesquisados na suspeita de FR são ASLO (pico de 3 a 6
semanas), anti-DNAse B (pico de 6 a 8 semanas) e anti-hialuronidase.
6. Diagnóstico diferencial
Como o quadro clínico e as alterações laboratoriais não são específicos da FR,
e esse diagnóstico implica tratamento prolongado, recomenda-se sempre
excluir outras patologias possíveis e tentar evidenciar a infecção
estreptocócica pregressa. O quadro de poliartrite na faixa etária da FR entra
no diagnóstico diferencial de artrite idiopática juvenil, Lúpus Eritematoso
Sistêmico (LES) juvenil e, em adolescentes, artrite gonocócica. A coreia pode
ser encontrada em pacientes com síndrome antifosfolípide e LES, em tumores
de gânglios basais e na gravidez. A presença de sopro cardíaco novo com
febre, poliartrite e aumento das provas de atividade inflamatória exige a
exclusão de endocardite bacteriana com ecocardiograma e pelo menos 3 pares
negativos de hemocultura.
7. Tratamento

Tema frequente de prova


O tratamento e a profilaxia da FR são temas recorrentes nos concursos
médicos.

Estabelecido o diagnóstico de FR, a terapêutica envolve 3 fases que, de modo


geral, são realizadas, quase simultaneamente, profilaxia primária ou
erradicação do foco, tratamento sintomático e profilaxia secundária ou
prevenção das recorrências.

A - Profilaxia primária ou erradicação do foco

O objetivo da profilaxia primária é erradicar o EBHGA da orofaringe do


paciente com FR. Para tanto, é necessário um antibiótico com eficácia clínica
e bacteriológica comprovada, de fácil adesão, baixo custo, espectro adequado
e efeitos colaterais mínimos. Levando em conta os aspectos mencionados, o
antibiótico de escolha para a profilaxia primária ainda é a penicilina e, nos
casos de alergia, a eritromicina permanece como 1ª alternativa (Tabela 4).
O antibiótico deve estar presente em níveis tissulares adequados durante 10
dias. Uma única dose de penicilina benzatina é suficiente. Quando se opta
pela penicilina (ou outro antibiótico) oral, a adesão passa a ser um fator
importante no sucesso do tratamento. As cefalosporinas orais, os macrolídeos
e outros antibióticos bactericidas não são contraindicados na profilaxia
primária, desde que seja possível garantir a manutenção da terapêutica
durante 10 dias.
Contactantes domiciliares de um caso de FR deverão ser submetidos à cultura
de orofaringe e tratados quando o resultado for positivo. Muitas vezes, pela
dificuldade em realizar culturas, a profilaxia primária é recomendada a todos
os contactantes domiciliares, especialmente crianças em idade escolar e
adolescentes. Não há indicação de tonsilectomia para evitar surtos de infecção
em portadores de FR.

Tratamento
O tratamento da FR é feito com penicilina G benzatina (≥20kg:
1.200.000UI IM); se alergia, utiliza-se estearato de eritromicina 40mg/kg/d
VO, a cada 8 ou 12 horas, por 10 dias.
B - Tratamento sintomático

a) Artrite

De forma geral, os AINHs são excelentes para o controle da febre e da artrite,


com desaparecimento dos sinais e sintomas da poliartrite migratória em 24 a
48 horas.
Crianças com quadros articulares mal caracterizados, em fases muito iniciais,
poderão ser tratadas com analgésicos, como o paracetamol ou a codeína e
medidas locais (gelo/calor), de modo a permitir melhor caracterização do
quadro articular e, consequentemente, diagnóstico e tratamento mais
adequados. Uma vez que os AINHs são sintomáticos e não interferem no
curso da FR, a duração do tratamento deve ser estimada, de modo a cobrir o
período de atividade da doença que, na presença de artrite isolada, varia de 1
a 6 semanas.

b) Cardite

Os corticosteroides são utilizados em pacientes com comprometimento


cardíaco moderado ou grave. O corticosteroide de escolha é habitualmente a
prednisona, utilizada inicialmente em dose alta (1 a 2mg/kg/d) e fracionada (2
tomadas/d) por aproximadamente 2 a 4 semanas (tempo de melhora dos
sintomas e/ou tendência à normalização das provas de atividade inflamatória);
após esse período, passa-se para dose única pela manhã e inicia-se a redução
lenta até a retirada completa da droga em cerca de 12 semanas, tempo médio
de duração do surto de cardite.
Se o paciente fizer uso de corticosteroide, o uso do AINH se tornará
desnecessário. Só será preciso usá-lo novamente quando a dose de prednisona
for reduzida para menos de 0,5mg/kg/d.
A pulsoterapia com metilprednisolona, na dose de 30mg/kg, máximo de
1g/dose, por 3 dias consecutivos e eventual repetição pode ser utilizada para o
tratamento das cardites graves. Apesar de a melhora laboratorial não diferir da
observada com o uso de prednisona, a melhora clínica parece ser mais rápida,
e o período de internação hospitalar, menor. Para crianças com
comprometimento cardíaco, orientam-se o repouso no leito na fase aguda e a
limitação das atividades físicas por períodos variáveis (1 a 6 meses),
dependendo da gravidade da cardite. Diuréticos, digitálicos, restrição hídrica
e sódica poderão ser necessários em casos de insuficiência cardíaca.
Apesar de habitualmente recomendado na cardite reumática, o uso de
corticoides é controverso, com necessidade de estudos que avaliem sua
eficácia. Em alguns casos de cardite refratária com lesão valvar grave, pode
ser necessária a realização de tratamento cirúrgico na fase aguda.

Tratamento
Para o tratamento da cardite moderada a grave, utilizam-se
corticosteroides, iniciados em dose alta (1 a 2mg/kg/d) e fracionada (2
tomadas/d), por cerca de 2 a 4 semanas, seguida de redução lenta, até a
retirada em 12 semanas.

c) Coreia

Pacientes com coreia devem ser mantidos em ambientes tranquilos, sem


muitos estímulos externos. Várias drogas, como tranquilizantes e sedativos,
poderão ser utilizadas de forma isolada ou em associação.
O haloperidol permanece como a melhor opção terapêutica para casos graves,
com melhora clínica após 5 a 6 dias, em média, e desaparecimento dos sinais
em 30 a 40 dias, permitindo à criança um retorno mais rápido às atividades
diárias.
Apesar de serem raras as reações graves ou irreversíveis associadas ao uso de
haloperidol, recomenda-se cautela na sua administração (a discinesia tardia é
um dos possíveis efeitos colaterais), e, quando doses superiores a 5mg/d
forem necessárias, será importante a monitorização em ambiente hospitalar,
pelos riscos de impregnação. O ácido valproico ou a carbamazepina podem
ser alternativas terapêuticas para crianças que apresentarem toxicidade ou que
não podem ser supervisionadas durante a administração do haloperidol. O
tempo de resposta é discretamente maior, e, apesar da possível
hepatotoxicidade, em geral, nenhuma complicação importante está associada
ao uso da droga. Alguns estudos demonstraram eficácia do uso de
corticosteroides no tratamento sintomático da coreia.

C - Profilaxia secundária

Independentemente da gravidade do surto inicial, portadores de FR


apresentam riscos elevados (de 20 a 50%) de recorrência da doença após
novas infecções estreptocócicas de orofaringe. Novos surtos poderão agravar
lesões cardíacas preexistentes ou propiciar seu surgimento, razão pela qual a
profilaxia secundária é obrigatória e seu objetivo é prevenir novas faringites
estreptocócicas, portanto, impedir as recorrências da FR.
Há cerca de 40 anos, a droga de escolha para a profilaxia secundária é a
penicilina benzatina, por ser a que fornece proteção mais efetiva contra
faringite estreptocócica e contra recorrências de FR comparada a outras
drogas, como a penicilina oral ou a sulfadiazina.
Com a utilização de 1.200.000UI de penicilina benzatina a cada 4 semanas, a
taxa de recorrência da FR se situa entre 5 e 8% em seguimentos de 5 a 6 anos,
sendo essa a principal razão para a Organização Mundial da Saúde e a
American Heart Association recomendarem o uso de penicilina benzatina a
cada 3 semanas em países em desenvolvimento, como o Brasil (Tabela 5).
Segundo a American Heart Association, pacientes que tiveram cardite devem
manter a profilaxia durante toda a vida, e aqueles que não a tiveram devem
manter a profilaxia até os 21 anos ou 5 anos após o último surto.
Pacientes com regurgitação mitral leve ou cardite curada e baixo risco de
contato com o estreptococo poderão suspender a profilaxia com 25 anos ou
após 10 anos do último surto. A baixa adesão ao tratamento parece ser a
principal causa de recorrência da FR.

Tratamento
Utiliza-se penicilina benzatina 1.200.000UI a cada 21 dias na profilaxia
secundária da FR; está indicada por toda a vida a pacientes que tiveram
cardite, e aqueles que não a tiveram devem manter a profilaxia até os 21
anos.
D - Profilaxia da endocardite bacteriana

Procedimentos cirúrgicos ou dentários em pacientes com cardiopatia


reumática devem ser acompanhados de doses suplementares de antibióticos.
As recomendações variam com o procedimento e a idade do paciente.
Para a profilaxia do Streptococcus viridans, responsável por 50 a 75% das
infecções endocárdicas, recomenda-se a utilização da amoxicilina 1 hora
antes e 6 horas depois do procedimento.

Tratamento
Para a profilaxia da endocardite bacteriana, utiliza-se amoxicilina 1 hora
antes e 6 horas depois do procedimento cirúrgico ou dentário.
8. Alergia à penicilina
Estudos em pacientes tratados em longo prazo com penicilina mostram que
somente 3,2% deles apresentam algum tipo de alergia. Reações anafiláticas
graves apresentam incidência na ordem de 0,04 a 0,2%, e as reações
potencialmente fatais são extremamente raras, na ordem de 0,001%. Na faixa
etária pediátrica, essas cifras são ainda menores.
Na ausência de reações após a 1ª aplicação de penicilina benzatina, a presença
de reações à 2ª dose é extremamente baixa. A 1ª aplicação deve ser realizada
em local com recursos para atendimento de possíveis reações alérgicas.
Testes cutâneos para detecção de alergia a penicilina costumam ser
inadequados, pela falta de utilização dos determinantes antigênicos
apropriados e, ainda, por erros técnicos na sua execução e interpretação. A
utilização prévia de penicilina pelo paciente e a ausência de alergia nos
familiares são dados importantes na caracterização da provável alergia.
Os benefícios da penicilina benzatina na profilaxia secundária da FR superam
os riscos.
Resumo
Gota
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
Gota é uma doença articular inflamatória, causada pelo depósito de cristais de
monourato de sódio no tecido articular e periarticular, relacionada ao aumento
da concentração sérica de ácido úrico (hiperuricemia). É classificada como
artrite microcristalina, já que é o depósito de cristais que a causa.
2. Epidemiologia
Compromete predominantemente homens de meia-idade, a partir da 5ª década
de vida, mas existe aumento gradual na prevalência tanto em homens quanto
em mulheres. Após os 60 anos, a prevalência entre os sexos se torna
equivalente. Raramente se observa gota em mulheres pré-menopausadas, a
não ser em casos de erro inato do metabolismo ou associados a doenças
subjacentes, ou uso de medicação.
A incidência e a prevalência de gota são paralelas à incidência e prevalência
de hiperuricemia na população geral. Muitos pacientes com ácido úrico
elevado não têm gota. A Tabela 2 demonstra fatores correlacionados com
aumento do ácido úrico e prevalência de gota.
3. Fisiopatologia
Os níveis séricos de ácido úrico (monourato de sódio) variam no homem (até
7mg/dL) e na mulher (até 6,5mg/dL). Acima desses valores, define-se
hiperuricemia, e os fluidos que contêm ácido úrico ficam supersaturados,
favorecendo a precipitação de cristais nos tendões, ligamentos, bursas,
bainhas sinoviais, interstício, túbulos renais e pavilhão auricular. A
precipitação dos cristais está relacionada com o nível de ácido úrico e o tempo
em que o indivíduo fica com hiperuricemia. Algumas situações, como pH
tecidual baixo e baixas temperaturas, favorecem a deposição dos cristais. O
pool ou o conteúdo total de ácido úrico no corpo é resultante do equilíbrio
entre a formação e a excreção de uratos (uricosúria), que é principalmente
renal e ocorre no túbulo contorcido proximal. Qualquer alteração levando à
hiperprodução ou hipoexcreção pode ocasionar hiperuricemia. Indivíduos
podem ser hipoexcretores (90% dos casos) ou hiperprodutores (10%), com
base na uricosúria: aqueles que eliminam menos de 800mg de ácido úrico na
urina de 24 horas são hipoexcretores; os que eliminam ao menos 800mg em
24 horas têm rins funcionando adequadamente e eliminam o excesso de ácido
úrico produzido (hiperprodutores – Figura 1). Entretanto, pode haver a
associação das 2 situações. Vários fatores, incluindo doenças, álcool e
medicações (Tabela 3), são causas importantes de diminuição na excreção
renal do ácido úrico.

Dica
Pacientes com hiperuricemia podem ser hipoexcretores (90%, <800mg/24
horas) ou hiperprodutores de ácido úrico (10%, >800mg/24 horas).

A eliminação intestinal é responsável por uma pequena quantidade da


excreção de ácido úrico (de 200 a 300mg/d) e pode chegar a ser a principal
via de eliminação de uratos em pacientes com insuficiência renal.
Quanto à produção, o ácido úrico se forma a partir da síntese de purinas em
uma sequência de reações enzimáticas. Os precursores das purinas que
favorecem a produção de ácido úrico podem ter origem exógena (dieta rica
em proteínas ou calorias – Tabela 4) ou endógena (pela síntese de purina “de
novo” e pelo turnover celular). Assim, pode elevar-se como consequência da
dieta, do aumento do catabolismo tecidual provocado por várias doenças e
medicações, bem como por erros inatos envolvidos no metabolismo das
purinas.
O álcool tem grande ligação com a hiperuricemia e age tanto aumentando a
síntese quanto diminuindo a excreção de ácido úrico. As crises de gota,
sucedendo eventos com grande consumo de álcool, são classicamente
descritas.

Importante
Na hipoexcreção de ácido úrico, apresentam-se obesidade, hipotireoidismo,
hiperparatireoidismo, diuréticos tiazídicos e de alça, etanol, salicilatos
(AAS®), insuficiência renal crônica, desidratação e hipertensão arterial.

Dica
Na hiperprodução de ácido úrico, apresentam-se psoríase, hemólise,
policitemia vera, obesidade, síndrome de lise tumoral, hipertireoidismo,
etanol, varfarina, vitamina B12 e deficiência de G6PD.

Figura 1 - Pool de ácido úrico


4. Estágios clássicos

Tema frequente de prova


O quadro clínico da gota pode ser cobrado nos concursos médicos.

A - Hiperuricemia assintomática

A hiperuricemia é um achado bioquímico comum. Nos fluidos extracelulares,


98% do ácido úrico estão na forma de monourato no pH = 7,4. Em termos
fisiológicos, qualquer valor acima de 6,8mg/dL compreende hiperuricemia,
desde que exceda a concentração solúvel de monourato nos fluidos corpóreos.
A maioria das pessoas com hiperuricemia nunca desenvolve sintomas
associados a excesso de ácido úrico, como artrite gotosa, tofos e cálculos
renais.

Dica
Hiperuricemia não diagnostica gota isoladamente nem é uma doença
propriamente dita.

B - Gota aguda intermitente

O ataque inicial de gota aguda usualmente é precedido por décadas de


hiperuricemia assintomática.
O episódio de ataque usualmente é uma dor de início agudo, acompanhada de
calor, edema e eritema. A dor é intensa e atinge o pico máximo entre 12 e 48
horas. O ataque inicial geralmente é monoarticular e, na metade dos
pacientes, envolve a 1ª articulação metatarsofalangiana, a chamada crise de
podagra (Figura 2). Essa articulação é afetada em 90% dos indivíduos com
gota. Outras articulações frequentemente envolvidas em estágio precoce são
pequenas articulações do antepé, dos tornozelos, calcanhares e joelhos e,
menos comumente, punhos, quirodáctilos. Raramente, há envolvimento de
ombros e quadris. A dor geralmente é muito intensa.
Sintomas sistêmicos, como febre, calafrios e mal-estar, podem acompanhar a
gota aguda. O eritema cutâneo associado ao ataque agudo de gota envolve a
articulação e pode se assemelhar a uma celulite bacteriana. O curso natural da
forma não tratada varia de episódios de dores moderadas, que se resolvem em
algumas horas, a ataques severos, que duram de 1 a 2 semanas. O episódio
entre os ataques pode durar anos, mas, com o tempo, a tendência é que se
tornem mais frequentes, com maior duração e envolvimento de múltiplas
articulações.
O período intercrítico é aquele em que as articulações estão fora do ataque
agudo de gota. Apesar disso, cristais de monourato de sódio são
frequentemente identificados no líquido sinovial. Nesse período, em estágios
precoces da doença, a articulação se mantém assintomática, mas, com a
recorrência dos ataques, fica comprometida; pode haver dor persistente, que
indica evolução para gota tofácea crônica.

Quadro clínico
O quadro clínico da gota aguda intermitente envolve dor aguda, intensa,
monoarticular (em geral, 1ª metatarsofalangiana – podagra), com sintomas
gerais (febre, calafrios e mal-estar) e eritema cutâneo (envolve a
articulação e pode se assemelhar a uma celulite bacteriana).

Figura 2 - Podagra

C - Gota tofácea crônica

A gota tofácea crônica geralmente desenvolve-se após 10 anos ou mais de


gota aguda intermitente, embora pacientes possam desenvolver tofos já no
ataque inicial. A transição da gota intermitente para a gota tofácea crônica
ocorre quando os períodos intercríticos não ficam livres de dor. O
envolvimento articular torna-se persistente, embora a intensidade da dor seja
menor do que a dos ataques agudos.
O acometimento poliarticular é mais comum nessa fase, com envolvimento de
pequenas articulações dos pés e das mãos de forma simétrica, podendo até
confundir-se com artrite reumatoide. As articulações podem ficar deformadas,
com desvios de eixo e tofos justa-articulares associados (Figura 3).
Os tofos são decorrentes do depósito tofáceo de monourato sódico em tecidos
periarticulares e, inicialmente, podem não ser palpáveis. Podem ser
encontrados em qualquer lugar do corpo, mas os mais comuns são dedos
(Figuras 3 e 4), punhos, orelhas (Figura 5), joelhos, olecrânio e locais de
maior pressão, como região ulnar e tendão de aquiles. Seu aparecimento está
relacionado com a severidade da hiperuricemia. Ocasionalmente, os tofos
também inflamam, geralmente acompanhando crises agudas de artrite.
Diferentemente dos cistos sinoviais que podem ocorrer na artrite reumatoide e
na osteoartrite, os tofos são de consistência dura. Sua punção revela saída de
material branco pastoso.

Quadro clínico
Dez anos ou mais após a gota aguda, há acometimento poliarticular,
simétrico, em articulações de pés e mãos, podendo ocorrer a formação dos
tofos, principalmente em dedos, punhos, orelhas, joelhos, olecrânio, região
ulnar e tendão de aquiles.
Figura 3 - Gota tofácea crônica
Figura 4 - Tofos nos quirodáctilos
Figura 5 - Tofo no pavilhão auricular
Figura 6 - Tofos no olecrânio
Figura 7 - Tofo rompido drenando secreção rica em monourato de sódio
5. Associações clínicas

A - Doença renal
Diversas formas de doença renal induzida por hiperuricemia são
reconhecidas, incluindo nefropatia crônica por urato, nefropatia aguda por
ácido úrico e nefrolitíase por ácido úrico.
Falência renal progressiva é comum em pessoas com gota. Hipertensão,
diabetes, obesidade e doença isquêmica coronariana são as comorbidades
mais importantes que contribuem para complicações. Nefropatia crônica por
urato é uma entidade causada pela deposição de cristais de monourato de
sódio na medula renal, associados a albuminúria. Falência renal aguda pode
ser causada por hiperuricemia na síndrome da lise tumoral, que ocorre em
pacientes que recebem quimioterapia no tratamento de linfomas e leucemias.
Com a liberação de purinas durante a lise tumoral, ocorre a precipitação de
ácido úrico nos túbulos distais e ductos coletores no rim. Nefropatia aguda
por ácido úrico pode resultar em poliúria e anúria.
Depósito renal de ácido úrico ocorre em 10 a 25% de todas as pessoas com
gota. A incidência correlaciona-se diretamente com o nível sérico de ácido
úrico, e cálculos se desenvolvem em 50% dos pacientes quando o urato está
maior que 13mg/dL. Sintomas de calculose renal precedem o
desenvolvimento de gota em 40% dos pacientes, e cálculos contendo cálcio
têm frequência 10 vezes maior em indivíduos com gota que na população
geral.

B - Hipertensão

Hipertensão está presente em 25 a 50% dos pacientes com gota, e 2 a 4% das


pessoas com hipertensão têm a doença. As concentrações de urato sérico
correlacionam-se diretamente com a resistência periférica e vascular renal,
levando à redução do fluxo renal, o que demonstra a associação entre
hipertensão e hiperuricemia. Fatores como obesidade e sexo masculino
também se associam a estas 2 últimas condições.

C - Obesidade

Hiperuricemia e gota correlacionam-se com o peso corpóreo em homens e


mulheres. Indivíduos com gota estão comumente acima do peso, se
comparados com a população geral. Obesidade pode ser o fator que une
hiperuricemia, hipertensão, hiperlipidemia e aterosclerose.

D - Hiperlipidemia
Os triglicérides séricos estão elevados em 80% dos indivíduos com gota. A
associação entre hiperuricemia e níveis séricos de colesterol é controversa. De
fato, a gota tem sido estudada como parte da síndrome plurimetabólica, que
também contribui para o aumento do risco para doenças coronarianas.
6. Achados radiográficos
Os achados radiográficos nas fases iniciais podem não existir. Na artrite
aguda, pode ser encontrado apenas aumento de partes moles nas articulações
afetadas (Figura 9). Na maioria dos casos, anormalidades ósseas e articulares
podem se desenvolver após anos de doença, e podem ser vistos depósitos de
cristais de urato (Figura 8). Mais frequentemente, as anormalidades são
assimétricas e encontradas nos pés, nas mãos, nos punhos, nos ombros e nos
joelhos.
A erosão óssea da gota é radiologicamente distinta das alterações erosivas das
artrites inflamatórias. Erosões da gota estão presentes nas margens ósseas
(lesão “em saca-bocado” – Figura 10). Osteopenia justa-articular, um achado
comum e precoce na artrite reumatoide, é ausente ou mínima na gota.

Diagnóstico
Na radiografia, lesão “em saca-bocado” (erosões nas margens ósseas) é
típica da gota.

Figura 8 - Presença de depósito de ácido úrico no 1º pododáctilo, com total destruição da porção
distal do 1º metatarso
Figura 9 - Aspecto radiográfico de um tofo: notar aumento de partes moles no local
Figura 10 - Lesão erosiva tipo “saca-bocado” no 1º metatarso
7. Achados laboratoriais
A elevação de ácido úrico tem sido considerada a chave no diagnóstico da
gota. O nível normal de ácido úrico sérico para o sexo masculino é de cerca
de 7mg/dL e, para o sexo feminino, 6 a 6,5mg/dL. Na realidade, esse achado
laboratorial não é diagnóstico. A maioria dos estados hiperuricêmicos não
desenvolve gota, e os níveis de urato podem estar normais durante a crise,
devido à precipitação tecidual.
Em pacientes em investigação de artrite gotosa, devem-se avaliar, além dos
níveis de ácido úrico e uricosúria, exames laboratoriais associados a síndrome
metabólica.
O diagnóstico definitivo é possível pela aspiração do líquido sinovial ou do
tofo que demonstra cristais de monourato de sódio. Os cristais geralmente
assumem forma de agulha com intensa birrefringência negativa ao
microscópio de luz polarizada (Figura 11). Isso os distingue dos cristais de
pirofosfato de cálcio, encontrados na pseudogota, que são curtos e rombos e
têm birrefringência positiva fraca. Os cristais usualmente são intracelulares,
durante os ataques agudos, e extracelulares, quando fora de crise. O líquido
sinovial mostra inflamação intensa a moderada, com predomínio de
neutrófilos.
Figura 11 - (A) Cristal de monourato de sódio localizado intracelularmente e (B) sob luz polarizada:
fusiformes e fortemente birrefringentes
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

A dosagem de ácido úrico na urina de 24 horas é necessária para definir o tipo


de paciente (hipoexcretor ou hiperprodutor) e, por conseguinte, o tipo de
tratamento. Em uma dieta regular, a excreção de ácido úrico maior do que
800mg em 24 horas sugere superprodução de urato. Pode-se calcular o
clearance de ácido úrico, que é a taxa de filtração renal de ácido úrico, pois o
indivíduo pode ter uricosúria alta (hiperprodutor), mas clearance baixo,
indicando déficit de excreção em relação ao valor da hiperuricemia. Da
mesma forma, uma pessoa com uricosúria <800mg (que seria classificada
como hipoexcretora) pode excretar adequadamente em relação ao nível sérico
de ácido úrico. O clearance normal é de cerca de 8mL/min e pode ser
calculado com as concentrações urinária e sérica de ácido úrico e o volume
urinário total.

Diagnóstico
No líquido sinovial ou tofo da gota, há cristais de monourato de sódio, em
forma de agulha, com intensa birrefringência negativa ao microscópio de
luz polarizada.
8. Diagnóstico
Em 1977, o American College of Rheumatology aprovou os critérios
diagnósticos propostos por Wallace et al., que se baseiam no encontro de
cristais de monourato de sódio ou tofos ou 6 ou mais dos 12 critérios clínicos,
radiológicos e laboratoriais (Tabela 5).

Estabelece-se o diagnóstico de gota com A ou B, ou ao menos 6 dos critérios


descritos. Vale ressaltar que o encontro isolado da hiperuricemia, apesar de
ser pré-requisito para a gota, não autoriza seu diagnóstico.
A maioria dos diagnosticados com gota tem história de monoartrite aguda,
hiperuricemia e melhora importante dos sintomas com uso de colchicina e
anti-inflamatórios. A resposta clínica à colchicina é uma forte evidência de
gota, mas também é frequente em outros tipos de artrite microcristalina,
incluindo aquela por cristais de pirofosfato de cálcio (pseudogota) e
hidroxiapatita.
Em caso de monoartrite aguda com material puncionável, é preciso obter
cultura e coloração para bactérias a fim de excluir artrite séptica, pois a
presença dos cristais característicos de monourato de sódio, embora faça
diagnóstico de gota, não exclui coexistência de infecção. Em alguns casos,
como artrite de articulações maiores, como joelhos, o início de
antibioticoterapia empírica está indicado até que se possa afastar infecção.
9. Tratamento

Tema frequente de prova


O tratamento agudo da gota, bem como o crônico, é tema sempre cobrado
nos concursos médicos.

A gota pode ser tratada com sucesso, sem complicações. Os objetivos


terapêuticos incluem tratar a crise aguda, promover rápido alívio da dor e da
inflamação, além de prevenir ataques futuros e a formação de tofos, cálculos
renais e artropatia destrutiva. No tratamento da gota, atenção também deve ser
dada às comorbidades.

A - Gota aguda

Um ataque agudo de gota é marcado por inflamação intensa. Muitos agentes,


incluindo Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs), colchicina,
corticoides sistêmicos ou intra-articulares, podem ser usados para eliminar a
dor e os sintomas associados. A administração precoce desses agentes é
essencial. A colchicina, por exemplo, funciona melhor quando instituída de
minutos a horas depois do ataque. Em pacientes com quadros
mono/oligoarticulares, recomenda-se o uso isolado de apenas uma classe das
medicações citadas. Em casos mais importantes, a associação entre as drogas
é realizada. Drogas que abaixam o urato não devem ser instituídas durante o
ataque agudo. Entretanto, pacientes que o apresentam e estejam fazendo uso
de alopurinol ou agente uricosúrico devem ter o uso continuado.

a) Anti-inflamatórios não hormonais

Os AINHs constituem a terapia mais usada no tratamento precoce da artrite


gotosa aguda e, devido à intensidade das crises, podem ser administrados em
suas dosagens máximas. São as drogas de escolha no tratamento da crise
aguda de gota, administradas em dose plena ao 1º sinal de ataque, e devem ser
mantidas por, ao menos, 48 horas após o desaparecimento dos sintomas
(geralmente, a duração total da terapia com AINHs para o ataque agudo é de 5
a 7 dias.) Há evidências que qualquer AINH tem ação semelhante no controle
da atividade inflamatória da gota. O ácido acetilsalicílico não é indicado para
o tratamento do quadro agudo por seu efeito paradoxal relacionado ao ácido
úrico, porém não é necessária a suspensão em pacientes que fazem uso de
baixas doses em razão de profilaxia cardiovascular. Podem causar
significativos efeitos colaterais, mais comumente complicações
gastrintestinais. Seu uso deve ser evitado em hipertensos descontrolados e
indivíduos com disfunção renal.

Tratamento
Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINHs) são drogas de escolha na crise
aguda de gota, devendo ser mantidos até 48 horas após o fim dos sintomas,
em dose plena.

b) Colchicina

É efetiva no tratamento da crise aguda e promove alívio da dor em 48 horas


na maioria dos pacientes. Além disso, inibe os microtúbulos envolvidos na
quimiotaxia e fagocitose dos cristais de ácido úrico pelos neutrófilos. Além de
reduzir a produção de IL-6, tem circulação êntero-hepática, e os efeitos
tóxicos podem ser amplificados em indivíduos com doença hepática.
Atualmente, é mais usada nos pacientes com contraindicação aos AINHs.
Geralmente, é administrada em doses orais de 1,5mg/d (1 comprimido de
0,5mg, a cada 8 horas) e costuma ser usada até que ocorra melhora clínica
significativa, aparecimento de efeitos colaterais ou ausência de alívio após 10
doses. Os principais efeitos colaterais são náuseas, vômitos, diarreia, cãibras e
dor abdominal. A dose deverá ser reduzida ou suspensa se esses sintomas
aparecerem. Dose excessiva pode resultar em supressão da medula óssea,
falência renal, coagulação intravascular disseminada, falência
cardiopulmonar, convulsões e óbito; portanto, o uso é limitado naqueles com
disfunção renal. As doses intravenosas usadas no passado até o surgimento de
efeitos colaterais são totalmente desencorajadas atualmente. Também pode ser
administrada na prevenção de ataques em pacientes com crises de repetição,
na dose mais baixa, de 0,5 a 1mg/d.

Tratamento
O tratamento de gota é feito com colchicina 0,5mg, a cada 8 horas. Os
efeitos colaterais mais comuns são diarreia, náuseas, vômito e dor
abdominal. Convém atentar-se ao risco de supressão medular, coagulação
intravascular disseminada, convulsões e óbito, se a dose for excessiva.

c) Corticoides

Podem ser usados (em doses baixas por curto intervalo de tempo) em
pacientes a quem a colchicina e os AINHs são contraindicados ou inefetivos,
principalmente àqueles com insuficiência renal. A gota usualmente responde à
colchicina, AINHs ou corticoides isolados. Entretanto, se a terapia falha ou o
ataque é intenso, 1 único agente não é o suficiente. Na maioria das situações,
os agentes são utilizados em combinação.
A pacientes com monoartrite associada a insuficiência renal, a administração
intra-articular de corticoides pode ser uma opção útil.

Tratamento
Utiliza-se prednisona com dose máxima de 35mg/d até o início da melhora
dos sintomas, geralmente durante 7 a 10 dias.

B - Profilaxia

Pacientes com artrite gotosa devem receber recomendações sobre a perda de


peso e sobre a necessidade de evitar tabagismo, uso de álcool, bebidas ricas
em açúcares e refeições ricas em carnes e frutos do mar. Tais medidas têm
impacto no número de crises agudas. Porém, dietas restritivas, pobres em
purinas, não se mostraram superiores para reduzir o número de crises agudas
da doença. Todos os pacientes devem ser submetidos a screening para
possíveis comorbidades associadas: insuficiência renal, insuficiência cardíaca,
doença arterial periférica, obesidade, hiperlipidemia e hipertensão.
É importante ressaltar que a crise aguda de gota pode ser induzida ou
exacerbada por qualquer alteração súbita dos níveis séricos de ácido úrico,
tanto para mais quanto para menos, ou seja, a instituição de tratamento anti-
hiperuricêmico pode precipitar uma crise.
a) Alopurinol

É um inibidor da xantina oxidase, enzima envolvida na síntese do ácido úrico.


Para pacientes com hiperprodução de ácido úrico, formação de tofos,
nefrolitíase ou outras contraindicações para o uso de uricosúricos, é o agente
de escolha. Também é a droga preferível em casos de insuficiência renal, mas
sua toxicidade é possível quando a filtração glomerular está rebaixada.
Toxicidade pode ser evitada se as doses forem apropriadas. Terapia típica é
iniciada com a dose de 300mg/d, entretanto doses de 100mg ou menos podem
ser apropriadas para pacientes idosos ou com filtração glomerular
<50mL/min.
O tratamento prolongado com dose adequada pode resolver os tofos, porém
depende de sua característica, sendo alguns tofos mais resistentes.
Os efeitos colaterais mais comuns são dispepsia, cefaleia e diarreia. O rash
papular pruriginoso ocorre em 3 a 10% dos pacientes. Outros efeitos tóxicos
incluem febre, urticária, eosinofilia, nefrite intersticial, falência renal aguda,
supressão de medula óssea, hepatite, vasculite e toxicidade epidérmica.
A síndrome de hipersensibilidade ao alopurinol é rara, mas constitui um
quadro grave, com mortalidade em torno de 20 a 30%.
A Food and Drug Administration indica oxipurinol, outro agente inibidor da
xantina oxidase, para tratamento dos pacientes com hiperuricemia e
intolerantes ao alopurinol. Não está disponível no Brasil. Uma alternativa ao
alopurinol, como droga hipouricemiante inibidora da xantina oxidase, é o
febuxostate, na dose de 40 a 80mg/d.

Tratamento
Utiliza-se alopurinol em hiperprodutores de ácido úrico, em doses de
300mg/d, e, como alternativa, febuxostate 40 a 80mg/d.

b) Agentes uricosúricos

São efetivos para os pacientes com filtração glomerular entre 50 e 60mL/min,


com ingesta de 2L de fluidos e bom fluxo urinário, sem história ou evidência
ultrassonográfica de nefrolitíase. No Brasil, o agente disponível é a
benzbromarona, na dose de 50 a 200mg/d. Não deve ser administrada em
indivíduos com uricosúria elevada (>800mg/24 horas). A combinação de
alopurinol e uricosúricos pode ser indicada para pacientes com tofos extensos
e função renal preservada. Os uricosúricos aumentam a excreção de grandes
quantidades de urato solúvel, e o alopurinol reduz a formação de novos
uratos.

Tratamento
No caso de agentes uricosúricos para tratamento da gota, utiliza-se
benzbromarona 50 a 200mg/d (não administrar em indivíduos com
uricosúria elevada – >800mg/24 horas).

Figura 12 - Paciente com gota estabelecida


10. Tratamento da hiperuricemia
Há muita controvérsia no tratamento de hiperuricemia isolada. Alguns autores
recomendam o tratamento nesses casos, mas também há discussão quanto ao
nível de uricemia que o indicaria. De forma geral, em pacientes com
hiperuricemia nos quais não se pode tratar a causa desencadeadora, opta-se
por tratar com drogas redutoras de urato.
O tratamento crônico de gota está indicado nas seguintes condições:

Crises recorrentes de gota aguda (2 ou mais episódios);


Sinais radiográficos de artropatia gotosa;
Presença de depósitos tofáceos em tecidos moles ou no osso subcondral;
Presença de gota e insuficiência renal (clearance de creatinina
<60mg/min/1,73m2);
Nefrolitíase por ácido úrico recorrente, apesar de hidratação e
alcalinização da urina;
Excreção urinária de ácido úrico >110mg/d em indivíduos menores de 25
anos ou mulheres na pré-menopausa.
11. Condrocalcinose – pseudogota
Trata-se de artropatia microcristalina caracterizada por depósito de cristais de
pirofosfato de cálcio diidratado. Os depósitos atingem principalmente a
cartilagem articular, os meniscos, a sinóvia e as estruturas tendinosas e
ligamentares. Pode mimetizar gota, artrite reumatoide, osteoartrite, artropatia
neuropática ou ser assintomática.
É uma doença incomum, que atinge principalmente pessoas na 6ª ou 7ª
décadas, sendo rara antes dos 40 anos.
Algumas doenças metabólicas estão associadas ao desenvolvimento de
pseudogota/condrocalcinose, destacando-se as apresentadas na Tabela 9.

Dica
Condrocalcinose ou pseudogota ocorre por depósito de cristais de
pirofosfato de cálcio diidratado em pacientes com 60 a 70 anos, sendo rara
antes dos 40 anos.

A - Quadro clínico

Tipos mais comuns de apresentação clínica:

a) Pseudogota isolada (25% dos casos)

Manifesta-se por surtos agudos ou subagudos autolimitados, habitualmente


tão severos quanto os da gota e com intervalo livre assintomático.

b) Forma pseudorreumatoide (5% dos casos)


Manifesta-se com rigidez matinal, artrite simétrica das pequenas articulações
das mãos, espessamento sinovial, contratura em flexão. Em 10% dos casos, o
fator reumatoide é positivo. Os ataques duram de 4 semanas a vários meses.
As articulações mais acometidas são punhos, cotovelos,
metacarpofalangianas, joelhos e ombros. Devem-se buscar imagens de
calcificação articular aos raios X de punhos, pube e joelhos, que corroboram
esse diagnóstico, e afastar erosões típicas de artrite reumatoide.

c) Forma pseudo-osteoartrítica (50% dos casos)

O envolvimento geralmente é bilateral, com degeneração progressiva de


múltiplas articulações. Evolui cronicamente por meses ou anos, mas pode ter
curso de crises agudas. Compromete predominantemente joelhos, punhos,
articulações metacarpofalangianas, articulações coxofemorais, ombros,
cotovelos e tornozelos. Devem-se buscar imagens de calcificação articular aos
raios X de punhos, pube e joelhos e observar o acometimento de punhos e
metacarpofalangianas (muito incomuns na osteoartrite primária).

Quadro clínico
O quadro clínico da forma pseudo-osteoartrítica de pseudogota tem
envolvimento bilateral, com degeneração progressiva de múltiplas
articulações, como joelhos, punhos, articulações metacarpofalangianas,
articulações coxofemorais, ombros, cotovelos e tornozelos.

d) Artropatia pseudoneuropática

Monoartrite destrutiva grave, de curso crônico, dolorosa. A ausência de


neuropatia sensitiva a diferencia da artropatia neuropática.

e) Forma assintomática (20% dos casos)

Casualmente, são vistas, aos raios X, calcificações típicas da condrocalcinose,


principalmente nos joelhos, porém sem manifestações clínicas associadas.

B - Achados radiológicos

O depósito de cristal de pirofosfato de cálcio diidratado pode ser visto à


radiologia simples e aparece na cartilagem hialina e fibrosa como calcificação
coalescente em linhas ou bandas paralelas à borda do osso subcondral (Figura
13). Os locais mais frequentemente acometidos são menisco do joelho,
ligamento triangular do carpo e fibrocartilagem da sínfise púbica. Qualquer
articulação pode ser acometida. Tais alterações são acompanhadas de lesões
degenerativas.

Diagnóstico
Aos raios X na condrocalcinose, observa-se calcificação coalescente em
linhas ou bandas paralelas à borda do osso subcondral, principalmente no
menisco do joelho, com ligamento triangular do carpo e fibrocartilagem da
sínfise púbica.

Figura 13 - Calcificação coalescente em linhas de bandas paralelas à borda do osso subcondral


Figura 14 - Outras localizações

C - Exames laboratoriais

O líquido sinovial com cristais de pirofosfato de cálcio é o achado


característico. Os cristais são vistos à microscopia de luz polarizada,
apresentando-se com birrefringência positiva fraca e forma curta, com
extremidades rombas (Figura 15) – diferentemente dos de monourato de
sódio, que são longos e pontiagudos.

Diagnóstico
No líquido sinovial do paciente com condrocalcinose, há cristais de
pirofosfato de cálcio, que, vistos à microscopia de luz polarizada,
apresentam-se com birrefringência positiva fraca e forma curta, com
extremidades rombas.

Figura 15 - Cristal de pirofosfato de cálcio sob luz polarizada: romboide e fracamente birrefringente

As provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação e


proteína C reativa) podem estar aumentadas, sobretudo nos casos de crise
aguda. Muitas vezes, é preciso afastar outras doenças comumente associadas
à condrocalcinose, como diabetes mellitus, hiperparatireoidismo,
hemocromatose, hipotireoidismo, doença de Wilson, hipofosfatasia, ocronose
e acromegalia.

D - Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, radiológicos e laboratoriais.
Entram, no diagnóstico diferencial, doenças que podem ser mimetizadas
(gota, osteoartrite, artrite reumatoide, artropatia neuropática) e as que podem
estar associadas.

E - Tratamento

Tratam-se as crises com AINHs, esvaziamento da articulação por meio de


punção articular e corticoides injetáveis. Os pacientes devem ser orientados a
evitar traumatismos articulares, que são, com frequência, precipitantes de
crises. O uso crônico de colchicina pode reduzir a frequência e a intensidade
das crises. As doses de AINH e colchicina são as mesmas descritas no
tratamento da gota.

Tratamento
Nas crises de condrocalcinose, utilizam-se AINHs, esvaziamento da
articulação por meio de punção articular e corticoides injetáveis.
12. Doença articular por deposição de outros
cristais
Uma série de outros cristais pode produzir inflamação aguda osteomuscular.
Dentre eles, destaca-se a deposição de cristais de hidroxiapatita e de oxalato
de cálcio (Tabela 11).
Resumo
Síndromes reumáticas
dolorosas regionais
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As síndromes dolorosas regionais formam um grupo de doenças
musculoesqueléticas heterogêneo, cujas origens são múltiplas, acometendo
estruturas periarticulares em diversas partes do corpo e representando grande
número de consultas na prática clínica, por isso sua grande importância.
Neste capítulo, serão estudadas as principais síndromes dolorosas regionais,
de acordo com a topografia dos sintomas.
2. Ombro
A dor no ombro é uma queixa comum em indivíduos acima de 40 anos.
Entre jovens, injúrias, devido à prática esportiva, estão frequentemente
associadas. Essa articulação possui grande mobilidade, o que confere grande
instabilidade e favorece lesões. As principais patologias estão expostas na
Tabela 1.
Figura 1 - Teste do impacto ou de Neer
Figura 2 - Manobra do impacto de Hawkins-Kennedy
Figura 3 - Manobra do impacto de Yocum

Figura 4 - Teste de Jobe para tendinite do supraespinal


Figura 5 - Teste de Patte para tendinite do infraespinal
Figura 6 - Teste de Gerber para tendinite do subescapular
Figura 7 - Palpação da goteira bicipital
Figura 8 - Teste de Yergason: supinação do antebraço contra resistência desencadeia dor na tendinite
bicipital
Figura 9 - Teste de Speed: elevação do braço contra resistência desencadeia dor na tendinite bicipital
Figura 10 - Injeção de corticoide na tendinite bicipital
Figura 11 - Teste de Adson: positivo quando a palpação do pulso radial desaparece ou diminui,
desencadeando os sintomas de parestesias
3. Cotovelo
4. Punho e mão
A - Tenossinovite de DeQuervain

A tenossinovite de DeQuervain é o processo inflamatório dos tendões


abdutor longo e extensor curto do polegar, que pode resultar de atividades
repetitivas de movimentos de pinça. Os sintomas são dor, aumento de
temperatura local e, ocasionalmente, edema na localização do processo
estiloide do rádio. A manobra para diagnosticar a doença é o teste de
Finkelstein (Figura 12): com o punho cerrado e o polegar envolto pelos 4
quirodáctilos fletidos, o paciente faz o desvio ulnar forçado do punho. Essa
manobra desencadeia muita dor na presença de tenossinovite. O teste
também pode ser positivo na osteoartrite da 1ª articulação
carpometacarpiana (rizartrose). O tratamento consiste no uso de órteses,
injeção local de corticoide e AINHs.

Quadro clínico
Na tenossinovite de DeQuervain, observa-se inflamação dos tendões
abdutor longo e extensor curto do polegar (movimento de pinça),
confirmada pelo teste de Finkelstein (dor ao desvio ulnar forçado do
punho, com este cerrado, envolvendo o polegar).
Figura 12 - Teste de Finkelstein para tenossinovite de DeQuervain

B - Síndrome do túnel do carpo

Tema frequente de prova


A síndrome do túnel do carpo pode ser cobrada em concursos médicos.

A síndrome do túnel do carpo é a causa mais comum de parestesia nas mãos.


No punho, os tendões flexores e o nervo mediano atravessam um túnel
formado pelos ossos do carpo (base do túnel) e pelo ligamento transverso do
carpo (teto do túnel – Figura 13). A compressão do nervo mediano dentro
desse túnel é que leva à síndrome. Várias desordens podem ocasionar a
compressão: gravidez, trauma, lipoma, infecção (tuberculose,
coccidioidomicose, esporotricose), doenças inflamatórias (artrite
reumatoide, gota, pseudogota), hipotireoidismo, diabetes e acromegalia.
Quando a doença é sistêmica, geralmente os sintomas são bilaterais. No
entanto, em muitos casos, a causa é desconhecida.

Dica
A síndrome do túnel do carpo ocorre por compressão do nervo mediano.

Figura 13 - Passagem do nervo mediano pelo túnel do carpo

Os sintomas são variados, sendo comuns os episódios de dor em queimação


e formigamento nas mãos, que geralmente pioram à noite e melhoram com o
movimento. Alguns pacientes apresentam apenas formigamento, sem dor.
Os pacientes podem ter sensação de mão edemaciada. Os sintomas são
palmares, não dorsais, e a sua distribuição vai desde o 1º quirodáctilo até a
metade radial do 4º quirodáctilo.
As manobras de Tinel e de Phalen podem ser utilizadas para desencadear os
sintomas. O sinal de Tinel é dito positivo quando a digitopercussão do nervo
mediano desencadeia sensação de “choque” no seu território de inervação
(Figura 14). O teste de Phalen é realizado com o paciente segurando as mãos
com os punhos em flexão de 90°, uma contra a outra, durante 1 minuto, e
positivo quando é notada parestesia no território já descrito (Figura 15).
Fraqueza e atrofia na região tênar podem ser observadas em casos crônicos,
com envolvimento motor proeminente. O diagnóstico pode ser confirmado
por estudos eletromiográficos (eletroneuromiografia).
Quadro clínico
O quadro clínico da síndrome do túnel do carpo envolve dor em queimação
e formigamento nas mãos, com piora à noite e melhora ao movimento,
sempre na região palmar (do 1º quirodáctilo até metade radial do 4º
quirodáctilo), com manobras de Tinel e Phalen positivas.

Em casos leves a moderados, órteses para o punho e injeções locais de


corticoide na região do túnel do carpo diminuem os sintomas e podem ser
utilizadas. Na falha desse tratamento ou em casos de grave acometimento
motor à eletroneuromiografia ou com atrofia tênar (Figura 16) está indicada
a descompressão cirúrgica. Mesmo com cirurgia, os sintomas podem ter
recorrência. Na presença de alguma doença de base associada, esta deve ser
tratada adequadamente.
Figura 14 - Teste de Tinel
Figura 15 - Teste de Phalen

Figura 16 - Atrofia tênar secundária à síndrome do túnel do carpo


Figura 17 - Contratura de Dupuytren
5. Quadril
6. Joelho

- Cisto poplíteo ou cisto de Baker

Tema frequente de prova


Por seu diagnóstico diferencial com trombose venosa profunda, o cisto
poplíteo pode ser cobrado em concursos médicos.

O cisto poplíteo ou de Baker (Figura 18) é um cisto sinovial que se origina


de uma herniação da membrana sinovial da articulação femorotibial, que vai
dissecando os tecidos moles de menor pressão e levando à formação do
cisto, costumeiramente localizado na cabeça medial do músculo
gastrocnêmio. O cisto de Baker continua a se comunicar naturalmente com a
cavidade articular do joelho, e um mecanismo de válvula entre a articulação
e o cisto se forma, permitindo que o líquido sinovial produzido no joelho se
desloque para o cisto em direção única. O cisto de Baker, em geral, é
secundário a uma artropatia do joelho que leva ao aumento da pressão do
líquido sinovial, como a artrite reumatoide e a osteoartrite.
O cisto geralmente é assintomático, mas pode levar à sensação de plenitude
poplítea e ser visto ou palpado com o paciente em pé. Nesse caso, a
ultrassonografia pode estabelecer o diagnóstico. O cisto torna-se mais
clinicamente significativo caso ocorra sua rotura, o que provoca dor, edema
e hiperemia na panturrilha, de início súbito, podendo simular tromboflebite
ou trombose venosa profunda. No caso de rotura, um exame de
ultrassonografia com Doppler é preciso para afastar a trombose venosa
profunda. A ultrassonografia de partes moles revela as paredes murchas do
cisto, o conteúdo heterogêneo (pelo sangramento) e o edema de partes
moles.
O cisto é tratado com injeção de corticoide dentro da articulação do joelho,
que chega ao cisto pelo fluxo do líquido sinovial. O tratamento da doença de
base é fundamental para evitar recorrência. No caso de rotura, o tratamento é
sintomático com repouso, AINHs e analgésicos.

Dica
Quando há rotura do cisto poplíteo, sinais e sintomas simulam trombose
venosa profunda ou tromboflebite, sendo a ultrassonografia com Doppler
útil para diferenciação.
Figura 18 - Cisto de Baker
7 - Lombalgia
A dor lombar constitui uma causa frequente de morbidade e incapacidade,
sendo sobrepujada apenas pela cefaleia na escala dos distúrbios dolorosos
que afetam o homem. No entanto, quando o atendimento primário é
realizado por médicos não especialistas, uma causa específica para a dor é
encontrada em apenas 15% das lombalgias e lombociatalgias. Cerca de 84%
dos adultos apresentarão algum episódio de lombalgia durante a vida, mas a
grande maioria será autolimitada.
De forma geral, limitamos a investigação para os casos descritos na Tabela
6, denominados red flags, nos quais anamnese e exames complementares
são necessários.

Para tais pacientes, são importantes dados relacionados ao exame físico


expostos a seguir:

Flexão e extensão da coluna lombar: o aumento da pressão intradiscal


durante a flexão da coluna lombar impele o disco para trás, no sentido
anteroposterior, piorando a dor na hérnia de disco. Há melhora ao deitar,
posição em que a pressão intradiscal vai quase a zero. No estreitamento
artrósico do canal raquidiano, a dor piora com a extensão;
Manobra de Valsalva: na presença de compressão radicular, há
exacerbação da dor durante a execução da manobra de Valsalva;
Manobra de Lasègue: considerada positiva quando a dor se irradia ou
se exacerba no trajeto do dermátomo de L4-L5 ou L5-S1, quando a
elevação do membro inferior faz um ângulo de 35 a 70° com o plano
horizontal. Sua positividade a 60° comprova compressão radicular;
Manobra de Romberg: será considerada anormal se o movimento
compensatório do corpo for necessário para manter os pés fixos no
mesmo lugar. Esse sinal costuma ser positivo na estenose do canal;
Sinal das pontas: não se consegue andar com um dos calcanhares –
compressão da raiz L5; não se consegue andar com uma das pontas dos
pés – compressão da raiz S1.
Resumo
Fibromialgia
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
A fibromialgia é uma doença não inflamatória e não degenerativa, que se
caracteriza por fadiga, dores difusas crônicas e distúrbios do sono. Acomete
mais mulheres e se relaciona a distúrbios do humor. Dor crônica e fadiga são
sintomas muito prevalentes na população geral, especialmente em mulheres
e pessoas de baixo nível socioeconômico. Seu diagnóstico é exclusivamente
clínico, e os exames subsidiários devem ser solicitados apenas para
estabelecer o diagnóstico diferencial. É importante salientar que a orientação
do paciente é crucial para o controle adequado da doença. A estratégia para o
tratamento ideal depende de uma abordagem de tratamento multidisciplinar.
2. Epidemiologia
A fibromialgia é uma síndrome muito comum, responsável por
aproximadamente 15% das consultas em ambulatórios de Reumatologia,
perdendo apenas para a osteoartrite como causa de dor musculoesquelética
crônica.
Sua prevalência é de 2% na população geral: em mulheres, é de 3 a 5% e,
em homens, de 0,5 até 1,6%. Aproximadamente 75% dos pacientes são
mulheres, a uma proporção média de 8 mulheres para 1 homem. Pode
ocorrer também em crianças e idosos, mas a maioria dos indivíduos está
entre 30 e 50 anos.
A fibromialgia pode associar-se a doenças inflamatórias do colágeno, como
lúpus e artrite reumatoide. Seus sintomas podem se sobrepor aos da
síndrome da fadiga crônica, da síndrome do cólon irritável e de outras
síndromes dolorosas crônicas. Distúrbios psiquiátricos são frequentemente
encontrados, principalmente depressão, ansiedade e distúrbios de
personalidade. Sua prevalência é mais comum em pacientes com algumas
patologias, como vírus HIV (17%), diabetes (17%), pacientes em
hemodiálise (7,4%) e com psoríase (8,3%).
3. Etiopatogenia
A etiopatogenia da fibromialgia permanece desconhecida. Observou-se
aumento no risco para a síndrome de até 8 vezes em parentes de 1º grau de
pacientes com fibromialgia. Foram descritos polimorfismos genéticos
envolvidos no metabolismo das monoaminas, que estão envolvidas no
processo sensorial e na resposta ao estresse.
São descritas várias alterações na percepção da dor: estímulos elétricos,
térmicos e de pressão têm limiar mais baixo nesses indivíduos. Isso acontece
por meio de mecanismos de amplificação de estímulos sensitivos periféricos
no sistema nervoso central desses pacientes, passando a provocar dor.
Tal amplificação pode ser provocada pelo desbalanço entre substâncias pró-
nociceptivas (que aumentam a percepção da dor) e antinociceptivas (que
diminuem a percepção da dor). Na fibromialgia e em outros distúrbios de
dor crônica, o nível da substância P, uma substância pró-nociceptiva, está
aumentado nos grânulos secretórios dos nervos sensoriais. Enquanto isso, as
vias antinociceptoras serotonina/noradrenalina (monoaminas) podem estar
comprometidas nesses pacientes, o que é corroborado pelo fato de que
inibidores da recaptação de serotonina/noradrenalina são efetivos no
tratamento.

Figura 1 - Fatores que influenciam a percepção da dor


4. Manifestações clínicas

Tema frequente de prova


O reconhecimento da fibromialgia, bem como seus tender points, é tema
sempre presente nos concursos médicos.

- Sinais e sintomas

O sintoma cardinal da fibromialgia é a dor difusa e crônica. Ela começa


frequentemente localizada, torna-se generalizada e acomete os 4 quadrantes
do corpo. A dor é relatada pelo paciente como em queimação ou peso,
exaustiva e insuportável. Comumente, vem da musculatura axial
(particularmente no pescoço e nos ombros) e se espalha pelo corpo,
sobretudo pelos músculos.
Artralgias são comuns, com sensação subjetiva de inchaço, não só articular,
como também de partes moles, que não se confirma ao exame físico. Muitos
pacientes relatam fadiga “profunda” (principalmente ao levantar-se pela
manhã), dificuldade para dormir e sono superficial. Fenômeno de Raynaud,
frio excessivo, vertigens, dificuldade de concentração, olhos e boca secos
são comuns. Parestesias, especialmente em extremidades, estão presentes em
mais de 75% dos pacientes, mas não seguem território de nervos específicos,
e o exame neurológico é normal. É comum o relato de que as coisas caem
das mãos e o simples toque dos familiares é extremamente doloroso.
Dores crônicas regionais, como na articulação temporomandibular, dor
pélvica crônica e cefaleia são comumente associadas, estando presentes em
cerca de 70% dos pacientes. Os distúrbios do sono são comuns. O paciente
queixa-se de sono não reparador e sensação de acordar cansado, como se
não tivesse dormido. Distúrbios do sono podem ser demonstrados na
polissonografia, particularmente intrusões de ondas alfa no sono não REM,
com ondas delta lentas.
Problemas psicológicos, dificuldade de lidar com o estresse do dia a dia,
sintomas de ansiedade e depressão são comuns. Geralmente, os pacientes
mostram-se frustrados com suas queixas dolorosas e com a incapacidade
médica de ajudá-los.

Quadro clínico
O quadro clínico de fibromialgia envolve dor difusa e crônica, em
queimação ou peso, exaustiva e insuportável, associada a fadiga profunda,
dificuldade para dormir (sono não reparador e superficial), distúrbios do
humor, fenômeno de Raynaud, frio excessivo e olhos e boca secos.

Ao exame físico, o paciente apresenta-se em bom estado geral, sem


evidência de doença sistêmica ou anormalidades articulares. Se não houver
outra doença associada, o único achado ao exame físico será a presença de
dor em vários tender points, que são pontos dolorosos distribuídos pelo
corpo simetricamente.
A pesquisa desses pontos deve ser feita por meio da palpação de locais
estabelecidos dentro dos critérios de classificação (Figura 2), utilizando o
polegar e o dedo indicador, e aplicando uma força equivalente a 4kg (até que
o leito ungueal fique esbranquiçado). A palpação sistemática deve começar
no sentido craniocaudal. A presença de tender points não é obrigatória para
o diagnóstico da doença.
Figura 2 - Localização dos 18 pontos dolorosos

Os “pontos-controle”, como leito ungueal, no meio do braço e na testa,


podem ser palpados. Esses locais podem ser dolorosos à palpação, porém de
intensidade menor quando comparados com os tender points.

Importante
Entendem-se por tender points: occipital, cervical baixo (na projeção
anterior do processo transverso de C5), trapézio, supraespinoso, 2º espaço
intercostal, epicôndilo lateral (2cm distalmente), glúteo (quadrante lateral
superior), trocânter maior e joelho.
5. Investigações laboratorial e radiológica
Na ausência de comorbidades associadas, toda a investigação laboratorial e
radiológica é normal. Alguns exames de triagem são úteis para excluir outras
condições: hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C
reativa, creatinofosfoquinase, fator antinúcleo e hormônio tireoestimulante.
Devem-se excluir infecções virais crônicas, como vírus da hepatite C e HIV.
6. Critérios diagnósticos
O American College of Rheumatology, em 1990, publicou critérios de
classificação da fibromialgia, os quais também foram validados para a
população brasileira.
Segundo os critérios de classificação, os pacientes devem ter dor difusa por
3 meses, envolvendo as extremidades superiores e inferiores, os lados direito
e esquerdo, assim como o esqueleto axial, associada à presença de 11 dos 18
pontos dolorosos à digitopressão (Figura 2 e Tabela 2).

Diagnóstico
Estabelece-se o diagnóstico de fibromialgia quando há dor difusa em
esqueleto axial, simétrica, em 11 dos 18 tender points, por mais de 3
meses, além de alguns critérios menores: ondas alfa na fase não REM do
sono no eletroencefalograma, sono não restaurador, fadiga e cansaço
diurnos, agravamento com frio, estresse ou atividade, cefaleia crônica e
síndrome do cólon irritável.

Em 2010, novos critérios foram propostos pelo American College of


Rheumatology (Tabela 3), dando especial ênfase à presença e gravidade de
sintomas cognitivos e somáticos, como alterações cognitivas, fadiga e sono
não reparador. Os critérios de 1990 para fibromialgia são, então,
classificatórios, e os novos visam não só ao diagnóstico, mas também
determinar a gravidade dos sintomas. Eles não requerem a presença dos
tender points, o que se justifica porque, em muitos casos, não são avaliados,
e boa parte dos médicos não está capacitada para tal, o que pode dificultar o
diagnóstico.
É importante ressaltar, porém, que os critérios diagnósticos têm papel mais
importante em pesquisas clínicas e estudos epidemiológicos. O diagnóstico
de fibromialgia continua controverso, devido à falta de alterações objetivas,
e pode ser feito mesmo sem um número específico de pontos dolorosos
positivos, caso a história clínica seja compatível, e outros diagnósticos
diferenciais sejam excluídos (Tabela 4).
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial de fibromialgia é feito com síndrome da dor
miofascial, artrite reumatoide, neoplasias, drogas (corticoides, cimetidina,
estatinas), infecções crônicas por hepatite C e HIV, doença de Parkinson,
síndrome da fadiga crônica, síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do
sono e depressão.

Recebe destaque a síndrome da dor miofascial, que também provoca dor


muscular crônica, às vezes com parestesias, mas é localizada, diferentemente
da fibromialgia. Nela, há a presença de “pontos-gatilho” (trigger points),
que, quando palpados, desencadeiam dor em um grupo muscular.
7. Tratamento
O tratamento baseia-se em medidas não farmacológicas e farmacológicas.
Os objetivos são alívio da dor, melhora da qualidade do sono, manutenção
ou restabelecimento do equilíbrio emocional e melhora do condicionamento
físico e da fadiga. Objetiva-se o controle dos sintomas, não a cura.

A - Não farmacológico

B - Farmacológico

Doenças associadas, inclusive a depressão, devem ser tratadas


adequadamente. Na maior parte dos casos, há necessidade de medicações
para o controle dos sintomas.
As dores da fibromialgia propriamente ditas devem ser abordadas de forma
múltipla, comumente com mais de um agente, com mecanismos de ação
diferentes. Em geral, inicia-se o tratamento com mecanismos de ação
combinados. Um exemplo clássico é a associação de antidepressivo
tricíclico com inibidor seletivo da recaptação de serotonina ou um
anticonvulsivante. As medicações devem ser iniciadas em baixas doses e
aumentadas gradativamente.
Resumo
Osteoporose
Leandro Arthur Diehl
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
Uma vez que o esqueleto é essencial para a vida terrestre, o ser humano
adquiriu, durante o processo evolutivo, ossos leves que proporcionam rapidez,
mobilidade e força suficientes para evitar fraturas, exceto nos traumas mais
graves. Com o aumento da idade, ocorrem declínio da função neuromuscular
e fraqueza óssea em ambos os sexos (principalmente nas mulheres, após a
menopausa), elevando o risco de fraturas.
O consenso do National Institutes of Health (NIH) define a osteoporose (OP)
como uma doença associada à fragilidade do esqueleto ósseo, caracterizada
pela diminuição da densidade óssea (definida por um índice T <-2,5 desvios-
padrão à densitometria óssea), com deterioração microarquitetural e risco
aumentado de fraturas.
2. Epidemiologia
É o distúrbio osteometabólico mais comum e acomete mais de 200 milhões de
mulheres em todo o mundo (cerca de 10 milhões no Brasil). Atinge cerca de
25% das mulheres brancas com mais de 50 anos (em São Paulo), com
aumento da prevalência devido à progressão da idade.
É acompanhada de aumento paralelo no número de fraturas. Dados do Reino
Unido mostram que o risco de fraturas começa a aumentar após os 55 anos
(no sexo feminino) ou após os 65 (no sexo masculino), faixa etária em que a
incidência ultrapassa 1% ao ano. A redução da densidade mineral óssea
evolui, muitas vezes, sem sintomas, mas aumenta em cerca de 2 vezes o risco
de fraturas, acarretando grande morbidade e aumento da mortalidade em
médio prazo. Um idoso com fratura de colo de fêmur apresenta mortalidade
média de 25% ao ano. Entretanto, menos de 25% das mulheres que já
sofreram fratura por OP estão recebendo tratamento apropriado. No Brasil,
acredita-se que a OP seja indiretamente responsável pela morte de 40 mil
brasileiros por ano.
3. Fisiopatologia

A - Introdução
O esqueleto é formado por 2 tipos de ossos: cortical e trabecular (Figura 1).

Figura 1 - Estrutura de um osso longo

O osso cortical é denso, compacto, localizado na superfície dos ossos, e


constitui cerca de 80 a 85% do esqueleto. Sua principal função é fornecer
força mecânica e proteção.
O trabecular (ou esponjoso) localiza-se na porção interna dos ossos chatos e
longos e apresenta função metabólica, fornecendo suprimento mineral em
estados de hipocalcemia. Alguns sítios são especialmente ricos em osso
trabecular, como a coluna vertebral (65% de osso trabecular). Por ser
metabolicamente ativo, sua perda em estados como hipogonadismo e
menopausa ocorre precocemente e de maneira mais intensa em comparação
com o osso cortical.
Dois fatores diferenciam a OP de outras doenças osteometabólicas:
diminuição de massa óssea e ruptura da microarquitetura normal.

B - Fisiologia
O crescimento e a manutenção da integridade e da função óssea dependem da
remodelação, processo constante que leva cerca de 4 a 6 meses para
completar-se (talvez mais, no osso cortical). Duas células são as principais
envolvidas nesse processo: os osteoclastos, responsáveis pela reabsorção
óssea, e os osteoblastos, responsáveis pela formação óssea. O processo de
remodelação ocorre, simplificadamente, das maneiras explicadas a seguir.

a) Ativação de osteoclastos

As células precursoras de osteoclastos são de linhagem hematopoética e


atingem a medula óssea (via circulação sanguínea), onde, por meio de sinais
específicos, formam os osteoclastos ativos (células multinucleadas com
atividade fagocitária).

b) Reabsorção óssea

Os osteoclastos ativos removem a matriz mineral óssea (cristais de


hidroxiapatita, compostos de cálcio e fósforo, que correspondem a 65% da
massa do esqueleto) da superfície do osso (principalmente o trabecular).
Formam, assim, uma cavidade no osso trabecular, ou um túnel no osso
cortical. Essa fase leva cerca de 2 a 3 semanas.

c) Reversão

Quando a cavidade atinge certa profundidade, o processo de reabsorção é


interrompido. Há aparecimento de células mononucleares com o intuito de
prevenir erosões adicionais e preparar o local para a ação dos osteoblastos.

d) Formação

Ondas sucessivas de osteoblastos (células estromais de linhagem


mesenquimal) se ligam ao osso na cavidade reabsortiva e, por ação de
mediadores hormonais, começam a formação de osso novo. Esse processo é
lento, com duração de, aproximadamente, 4 meses. Os osteoblastos, ao final,
transformam-se em osteócitos, que permanecem inclusos no interior da matriz
óssea e auxiliam na regulação dos processos posteriores de remodelação
óssea.

e) Regulação

Várias substâncias (dentre elas, hormônios e citocinas) formam uma


complexa rede regulatória da remodelação óssea. Os principais hormônios são
os estrogênios, que inibem a diferenciação dos osteoclastos, e o paratormônio
(PTH), que estimula a reabsorção óssea. Outros hormônios que participam
desse processo são o de crescimento (GH), o calcitriol e a calcitonina,
estimulando a formação óssea; e os glicocorticoides, que estimulam a
reabsorção. A ação desses hormônios em nível celular parece mediada pela
osteoprotegerina (OPG) e pelo ligante do receptor ativador do fator nuclear
kappa B (RANKL). Ambos são secretados pelos osteoblastos.
O RANKL liga-se ao receptor RANK, nos osteoclastos, estimulando sua
diferenciação e potencializando sua atividade reabsortiva. A ligação do
RANKL ao RANK é inibida pela OPG, que tem, portanto, atividade
estimulante da formação óssea. A OPG é estimulada pelos estrogênios, sendo
a redução da sua atividade um dos principais mecanismos responsáveis pela
OP pós-menopausa.

C - Mecanismos de perda óssea

Quando há desequilíbrio entre a formação e a reabsorção óssea (por


hiperatividade dos osteoclastos ou por disfunção dos osteoblastos), ocorre
perda de massa mineral óssea, levando à OP.
A densidade óssea diminuída é possível tanto por reabsorção óssea aumentada
(principal achado na OP pós-menopausa) quanto por alterações no pico de
formação óssea (causando maior risco de OP na vida adulta). O pico de
formação é atingido no início da vida adulta (por volta dos 20 aos 30 anos) e
está relacionado, principalmente, a fatores genéticos (responsáveis por 60 a
80% da variação do pico entre diferentes indivíduos), mas também a fatores
ambientais, como a ingestão de cálcio na adolescência e o nível de impacto
sobre o esqueleto (atividade física). A reabsorção óssea aumentada,
entretanto, leva à OP, com perda de osso trabecular e porosidade do osso
cortical (Figura 2).
Figura 2 - (A) Osso normal e (B) com osteoporose
4. Classificação
A OP pode ser classificada, de acordo com a etiologia, em causas primárias
ou secundárias (consequentes a outras patologias). Entre as primárias, a mais
importante é a OP involucional, provocada pelo envelhecimento, representada
pelas OPs pós-menopausa (atinge exclusivamente mulheres, em geral, após os
50 anos) e senil (acomete ambos os sexos, à proporção de 2 a 3 mulheres para
cada homem, geralmente com mais de 70 anos). Outras formas de OP
primária incluem a idiopática (juvenil, do adulto jovem).
A OP secundária pode ser provocada por diversos distúrbios, como os
endocrinológicos, hematopoéticos, reumatológicos, erros inatos do
metabolismo, síndromes disabsortivas, doenças renais, transtornos
nutricionais, imobilização, neoplasias e uso de medicamentos (Tabela 1).
Dica
A forma mais comum de osteoporose secundária é a medicamentosa,
principalmente a decorrente do uso de glicocorticoides em doses
suprafisiológicas.

A OP induzida por corticoides atinge de 30 a 50% dos usuários crônicos


dessas medicações em doses a partir de 5mg/d de prednisona (ou equivalente
por 3 meses ou mais), com alta frequência de fraturas vertebrais, já a partir
dos primeiros 3 a 6 meses de uso. O efeito dos glicocorticoides ocorre,
sobretudo, pela redução acentuada e rápida da formação, associada ao
aumento da reabsorção óssea.
A deficiência de vitamina D é outra causa secundária importante,
extremamente comum em idosos. Mesmo idosos hígidos e ativos com boa
exposição solar têm alta prevalência de deficiência de vitamina D (até 44%,
conforme estudo brasileiro).
5. Fatores de risco

A - Para desenvolvimento de osteoporose

Dica
O principal fator de risco do desenvolvimento da osteoporose é a história
familiar, com mãe que apresentou fraturas vertebrais ou de colo de fêmur.

O principal fator de risco de desenvolvimento de OP é a história familiar. De


60 a 70% das mulheres que desenvolvem OP descendem de mães com
história clínica de fraturas vertebrais ou de colo de fêmur.
Os fatores genéticos são pouco conhecidos e incluem variações do gene do
receptor da vitamina D, de receptores estrogênicos, do procolágeno, entre
outros.
Mulheres após os 50 anos têm risco de fratura vertebral ou de quadril 3 vezes
maior e de fratura de punho 6 vezes maior do que os homens da mesma faixa
etária. As caucasianas e as asiáticas apresentam risco maior do que as negras
e as hispânicas, pois estas últimas desenvolvem maior pico de massa óssea e
têm menor perda na pós-menopausa.
B - Para fraturas na pós-menopausa

Os fatores de risco para desenvolvimento de fraturas em mulheres na pós-


menopausa foram estabelecidos pela National Osteoporosis Foundation
(Tabela 3). A despeito dos vários fatores de risco mencionados não
relacionados ao desenvolvimento de OP (risco aumentado de quedas por
demência, alterações visuais etc.), essa doença está presente no contexto da
maioria dos fatores de risco.
6. Manifestações clínicas
A OP não tem manifestações clínicas até ocorrer fratura, determinando dor
óssea. Entretanto, muitos atribuem, erroneamente, quadros de dores em
regiões ósseas e articulares à doença. A osteomalácia, por sua vez, pode
causar dor, mesmo na ausência de fratura.
As fraturas mais comuns são as vertebrais, assintomáticas em mais de 2/3 dos
casos. A presença delas indica risco aumentado de novos episódios, com 19%
apresentando nova fratura vertebral no período de 1 ano. Como consequência,
os indivíduos podem ter deformidades de coluna vertebral, como cifose
torácica, com perda de altura que pode ser significativa. Diminuição de mais
de 1cm na altura deve levantar a suspeita de fraturas vertebrais
osteoporóticas.
Entretanto, as consequências mais graves são as secundárias às fraturas de
quadril. Pacientes idosos com fratura de colo de fêmur têm mortalidade de
25% ao ano, e essa alta porcentagem relaciona-se à imobilidade (acamados).
Portanto, todos com fratura de quadril devem ser avaliados quanto à presença
de OP.
7. Avaliação diagnóstica

Diagnóstico
A DMO é indicada para o diagnóstico de osteoporose, pois é um método
sensível, preciso, rápido e seguro.

Há vários métodos para a avaliação da massa óssea: densitometria por raios X


de dupla energia (DEXA), tomografia computadorizada, ressonância
magnética, ultrassonografia, radiografia simples e biópsia óssea. No entanto,
somente a densitometria óssea é indicada para o diagnóstico de OP, pois é um
método sensível, preciso, rápido e seguro.

A - Densitometria mineral óssea

A Densitometria Mineral Óssea (DMO) fornece o valor absoluto da densidade


mineral óssea (do inglês bone mineral density – BMD) da área estudada, em
g/cm2. O laudo também fornece o número de Desvios-Padrão (DPs) do
resultado da BMD do paciente, comparado à média da BMD entre adultos
jovens do mesmo sexo, população que representa o pico de massa óssea,
chamado de escore T. O escore T é o parâmetro utilizado para definir o
diagnóstico de OP (escore T <-2,5DP), segundo os critérios da Organização
Mundial da Saúde, em mulheres pós-menopausa e homens >50 anos (Tabela
4).
Para cada DP abaixo da média, eleva-se de 1,5 a 3 vezes (em média, 2 vezes)
o risco de fraturas osteoporóticas, dependendo do sítio ósseo analisado. Em
geral, indivíduos com osteopenia apresentam aumento de 4 vezes no risco de
fraturas, enquanto aqueles com OP têm risco 8 vezes maior.

Já o escore Z é o número de DPs em relação à média esperada para o mesmo


sexo e a mesma faixa etária do paciente. Representa outro parâmetro de
interesse, particularmente nas OPs secundárias a doenças crônicas ou ao uso
crônico de medicamentos que afetam a massa óssea. Em crianças,
adolescentes, mulheres na pré-menopausa e homens com menos de 50 anos, o
escore Z também é preferível. Considera-se normal escore Z >-2DP. A
presença de escore Z <-2,5DP reflete perda aproximada de 30% da massa
óssea.
Os locais mais investigados pela DMO são a coluna lombar (posteroanterior e
perfil), colo do fêmur e fêmur total. O antebraço distal, o calcâneo e,
eventualmente, o corpo inteiro (verificando a composição corpórea) podem
ser investigados. Pelo menos 2 sítios diferentes devem ser avaliados no exame
de DMO. Na presença de valores de escore T discordantes, o diagnóstico leva
em conta o valor mais baixo.

Figura 3 - Laudo de densitometria mineral óssea da coluna lombar, demonstrando osteoporose


(escore T -2,7 em L2-L4)

A avaliação da DMO do antebraço é realizada, principalmente, nos pacientes


com hiperparatireoidismo primário, pois a perda óssea tende a afetar,
predominantemente, o osso cortical, que pode ser bem avaliado na diáfise do
rádio. Essa região também é constantemente avaliada em pacientes que
apresentam dificuldades técnicas em análises da coluna vertebral, como
obesos e pacientes com alterações degenerativas importantes na coluna
vertebral.
A DMO por DEXA é o padrão-ouro no diagnóstico e o critério que define a
presença de OP pelo consenso do NIH, servindo para a avaliação do risco de
fraturas e o acompanhamento da evolução da doença. Os melhores sítios para
diagnóstico e acompanhamento parecem ser a coluna lombar e o fêmur total.
Em pacientes com OP diagnosticada pela DEXA que iniciam tratamento, a
densitometria pode ser repetida em 1 a 2 anos para avaliar o ganho de massa
óssea obtido com a terapêutica.

B - Avaliação laboratorial

a) Rotina

Na avaliação de um paciente com OP, sempre se devem descartar causas


secundárias potencialmente tratáveis. Por isso, recomenda-se a coleta dos
exames sugeridos na Tabela 5. Os exames laboratoriais podem revelar:

Anemia, que pode ser sugestiva de mieloma múltiplo ou doenças


crônicas que se associam, por vezes, à OP;
Hipercalcemia com hipercalciúria e hipofosfatemia sugestivas de
hiperparatireoidismo;
Hipocalciúria, que pode indicar deficiência de vitamina D, baixo
consumo de cálcio ou má absorção intestinal.
Exames mais específicos serão indicados conforme a história clínica e o
exame físico.
b) Marcadores bioquímicos

Os marcadores bioquímicos ósseos são substâncias que refletem a atividade


de osteoblastos e osteoclastos. Normalmente, como o processo de formação é
estreitamente ligado ao de reabsorção, seus níveis estão em equilíbrio durante
o intervalo entre a 3ª e a 5ª décadas de vida (quando o tecido ósseo está em
equilíbrio).
Os marcadores bioquímicos são preditores de perda óssea e, por esse motivo,
podem ser usados para verificar o risco de fratura. Outro uso possível está na
avaliação do sucesso da terapia com medicamentos antiosteoporose, já que
mudanças agudas dos seus níveis (de 1 a 3 meses de tratamento) serviriam
para indicar sucesso ou falha terapêutica, pois a DMO só demonstra
alterações significativas após 1 ou mais anos de tratamento.
A dosagem dos marcadores bioquímicos pode ser realizada após 3 meses de
início do tratamento com bisfosfonatos, e a diminuição maior do que 50% dos
valores dos telopeptídios urinários ou séricos é indicativa de boa resposta.
8. Screening
A National Osteoporosis Foundation, nos seus últimos guidelines, de 2014,
recomenda o rastreamento usando a medida de DMO nas situações
apresentadas na Tabela 7.
9. Tratamento

Tratamento
O tratamento não medicamentoso consiste em dieta, exercícios e combate
ao tabagismo; e o tratamento medicamentoso, principalmente com
bisfosfonatos.

A - Prevenção

Inclui medidas como a otimização do pico de massa óssea no adulto jovem,


por meio de atividade física e ingesta adequada de cálcio, além da redução de
perda de massa óssea por combate ao tabagismo, etilismo e sedentarismo.
A ingesta de cálcio deve ser estimulada, principalmente a de alimentos ricos
neste mineral (como leite e derivados), reservando-se o uso de suplementos
quando a ingesta alimentar não for suficiente. O sal de cálcio mais utilizado é
o carbonato de cálcio, que contém 40% de cálcio elementar (ou seja, 400mg
de cálcio elementar em cada comprimido de 1.000mg de carbonato de cálcio).
Para ingerir 1g de cálcio elementar na forma de carbonato de cálcio, portanto,
é necessária a ingesta de 2,5g desse sal. Não se deve usar suplementação de
cálcio isolada sem a suplementação concomitante de vitamina D, pois pode
aumentar o risco de infarto do miocárdio.
Recentemente, a National Osteoporosis Foundation e a American Society for
Preventive Cardiology afirmaram que existe nível de evidência moderada (B)
de que o cálcio, com ou sem ingestão de vitamina D, em alimentos ou
suplementos, não tem relação (benéfica ou prejudicial) com o risco
cardiovascular, e a ingesta de cálcio (alimentos e suplementos), que não
exceda 2.000 a 2.500mg/d, deve ser considerada segura do ponto de vista
cardiovascular.
A vitamina D também deve ser suplementada em todos os indivíduos com
mais de 50 anos, devido à alta prevalência da sua deficiência entre idosos. A
dose recomendada é de 800 a 1.200UI/d. Se o indivíduo apresenta doença
renal, má absorção ou usa anticonvulsivantes, está indicado o uso de doses
maiores de vitamina D (até 2.000UI/d). Na presença de deficiência
comprovada de vitamina D, devem-se usar doses mais elevadas a fim de
corrigir a deficiência (50.000UI por semana por 6 a 12 semanas, seguidas de
1.000 a 3.000UI/d, indefinidamente). A forma preferida de vitamina D é a de
fonte animal, o colecalciferol (D3), 3 vezes mais potente que a de origem
vegetal, o ergocalciferol (D2).
Em pacientes com OP já instalada, também é fundamental orientar cuidados
ambientais para prevenção de quedas, que são o principal fator precipitante de
fraturas.

B - Tratamento não farmacológico


Compõe-se de 3 medidas: dieta, exercício físico e cessação do tabagismo.

C - Tratamento farmacológico

Opções terapêuticas estão representadas na Tabela 9.

Importante
Na maioria dos casos, a 1ª linha de tratamento será o uso dos bisfosfonatos,
por sua boa eficácia na prevenção de fraturas, baixo custo e bom perfil de
tolerabilidade.

Um lembrete importante: sempre que se indica tratamento medicamentoso


específico para OP, deve-se associar suplementação de cálcio e vitamina D
para garantir a ingesta mínima recomendada (ao menos 800 a 1.200mg/d de
cálcio elementar e ao menos 800 a 1.200UI/d de vitamina D3), bem como
todas as medidas não farmacológicas já comentadas.

a) Quando iniciar o tratamento medicamentoso?

O tratamento medicamentoso deve ser indicado não apenas com base no valor
da densidade mineral óssea, medida pela DMO, mas também pelo risco de
fraturas no paciente, que pode ser medido com outras ferramentas. A National
Osteoporosis Foundation, no seu último consenso, de 2014, recomenda
tratamento para OP em mulheres pós-menopausadas ou homens com 50 anos
ou mais, que apresentem 1 dos seguintes fatores:

Fratura vertebral ou de quadril;


OP na DMO;
Osteopenia na DMO com risco estimado de fratura de quadril ≥3% ou de
alguma fratura osteoporótica ≥20% em 10 anos.

Para a estimativa do risco individual de fraturas, a National Osteoporosis


Foundation sugere a adoção de um escore de risco, chamado FRAX®, que
leva em conta não só o valor do escore T, mas ainda etnia, idade, sexo, peso,
altura, história prévia de fratura (pessoal ou parente de 1º grau), tabagismo,
uso de corticoides, etilismo, presença de artrite reumatoide ou outra causa de
OP secundária (Figura 4). O escore pode ser calculado usando uma
ferramenta online.

Figura 4 - Calculadora on-line para o escore FRAX®, para brasileiros


Fonte: site Fracture Risk Assessment Tool.

b) Bisfosfonatos

São análogos dos pirofosfatos e agem inibindo a reabsorção mediada por


osteoclastos levando, ainda, à diminuição indireta da atividade dos
osteoblastos. Reduzem o risco de fraturas de colo de fêmur e coluna de
pacientes com lesões prévias ou com fatores de risco.
Os bisfosfonatos orais (alendronato, risedronato, ibandronato) devem ser
tomados em jejum, com 1 ou 2 copos de água. Deve-se orientar a não ingerir
alimentos ou outros medicamentos e não deitar por, no mínimo, 30 minutos, a
fim de melhorar a absorção da droga e reduzir o risco de esofagite. No
tratamento da OP, o alendronato é usado em dose semanal de 70mg, e o
risedronato, em dose semanal de 35mg. O ibandronato pode ser usado por via
oral (150mg 1x/mês) ou intravenosa (3mg a cada 3 meses). Outra opção é o
zoledronato, em dose única anual (5mg IV).
Os efeitos adversos das drogas orais estão principalmente relacionados ao
trato gastrintestinal, como náuseas, vômito e queimação retroesternal
resultantes da inflamação da mucosa do esôfago e, raramente, ulceração
esofágica. Em pacientes com doenças gastroesofágicas ou em uso de anti-
inflamatórios, prefere-se o uso de bisfosfonatos injetáveis. Os efeitos adversos
mais comuns das drogas intravenosas são febre e mialgia nos primeiros dias
após a administração, contornáveis com hidratação adequada e
analgésicos/antitérmicos. Eventos adversos raros relacionados ao uso de
bisfosfonatos intravenosos incluem: osteonecrose da mandíbula e fibrilação
atrial.
Figura 5 - Osteonecrose da mandíbula por uso de bisfosfonato

Recomenda-se o uso de bisfosfonatos por até 5 anos e, então, reavaliar seu


risco de fraturas. Se, nessa ocasião, o paciente apresentar risco especialmente
alto de fraturas vertebrais (escore T <-2,5DP no colo femoral, ou história de
fraturas vertebrais prévias), será interessante continuar o bisfosfonato por
tempo maior; nos demais casos, com menor risco de fraturas, deve-se
suspender a medicação.

c) Moduladores seletivos do receptor de estrogênios

Agem seletivamente como agonistas parciais ou antagonistas em diversos


tecidos-alvo, com ação que diminui a reabsorção óssea. Associa-se a aumento
de densidade óssea de 2,1% na coluna lombar e de 2,6% no colo do fêmur
(ganho menor do que o com bisfosfonatos e estrogênios).
O raloxifeno é antagonista na mama e no endométrio, com ação agonista em
ossos e lipídios, pode ser usado, na dose de 60mg/d, em mulheres
menopausadas sem sintomas climatéricos (uma vez que pode agravar os
fogachos) e tem o benefício adicional de ajudar a prevenir o câncer de mama,
podendo ser boa opção para mulheres com OP e história familiar de
carcinoma mamário.
São contraindicados a pacientes com doença tromboembólica, pois aumentam
o risco de tromboembolismo venoso da mesma forma que a reposição
estrogênica.

d) Denosumabe

O denosumabe é um anticorpo monoclonal dirigido contra o RANKL. Essa


molécula é um ligante do receptor RANK, localizado nos osteoclastos, cuja
ação é estimular a reabsorção óssea por aumento da osteoclastogênese. O
bloqueio da ligação do RANKL ao seu receptor, com o uso do denosumabe,
reduz a osteoclastogênese e consequentemente a reabsorção óssea. Em vários
estudos, essa medicação reduziu o risco de fraturas vertebrais, não vertebrais
e de quadril, em mulheres pós-menopausa. Os efeitos adversos mais comuns
são dor musculoesquelética, hipercolesterolemia e cistite. Reações cutâneas e
hipocalcemia são incomuns. Pode ser usado em pacientes com insuficiência
renal grave (taxa de filtração glomerular <30mL/min). O denosumabe
geralmente é reservado a intolerantes aos bisfosfonatos ou com doença renal
crônica. A posologia habitual é 60mg, SC, 1x/6 meses.

e) Teriparatida (hormônio da paratireoide – PTH –


recombinante)

A teriparatida é um análogo do PTH, e este apresenta efeitos diferentes sobre


a massa óssea, dependendo da sua concentração e da forma de administração.
Em doses altas, atua na reabsorção e, ao mesmo tempo, reduz a massa óssea
(como no hiperparatireoidismo primário), já em doses baixas e intermitentes
(como as obtidas com o uso de injeções subcutâneas desse análogo), promove
a formação óssea e o aumento da densidade mineral na coluna e no quadril.
Portanto, o efeito é anabólico (estímulo à formação óssea pelos osteoblastos),
diferentemente do observado com os bisfosfonatos ou o estrogênio, que são
anticatabólicos (redução da reabsorção óssea pelos osteoclastos). É um
potente estimulador do ganho de massa óssea e, atualmente, o tratamento
mais eficiente para aumentar a densidade mineral óssea e reduzir o risco de
fraturas.
Em virtude de seu alto custo, entretanto, o seu uso, em injeções subcutâneas
de 20µg/d, está indicado como 1ª opção apenas em casos mais graves antes
mesmo do uso de bisfosfonatos orais, com tempo máximo de uso de 2 anos.
É contraindicado a pacientes com risco aumentado para osteossarcoma,
doença de Paget, elevação inexplicada da fosfatase alcalina durante o
crescimento, metástases ósseas ou radioterapia prévia. Pode provocar efeitos
adversos, como a hipercalciúria ou a hipercalcemia, obrigando, assim, a
monitorização desses parâmetros após o início do tratamento.

f) Outros medicamentos

A terapia de reposição hormonal reduz a incidência de fraturas de coluna e


fêmur em 34%. A ação dos estrogênios parece estar relacionada à diminuição
de fatores inflamatórios envolvidos na maior remodelação óssea. Há maior
benefício com essa terapia nos primeiros anos após a menopausa, perdendo
boa parte de seus efeitos 5 a 10 anos depois. Os estrogênios, portanto, só estão
indicados para mulheres com sintomas vasomotores significativos associados
à menopausa, nas menores doses e pelo menor tempo possível, não devendo
ser utilizados exclusivamente para o tratamento de OP.
A tibolona é um esteroide sintético, com metabólitos de ação estrogênica,
androgênica e progestogênica. Reduz o risco de fraturas vertebrais e não
vertebrais, além de diminuir a incidência de câncer de mama e de câncer
colorretal, mas seu uso em mulheres idosas se associou a risco aumentado de
acidente vascular cerebral e fenômenos tromboembólicos. É considerada
terapia de 2ª linha para pacientes com sintomas vasomotores associados à
menopausa e contraindicação à terapia de reposição hormonal.
Já a calcitonina é uma medicação pouco utilizada atualmente no manejo dos
pacientes com OP, apesar da eficácia comprovada apenas na prevenção de
fraturas vertebrais. Pode ser usada em indivíduos com fraturas vertebrais por
apresentar bom efeito analgésico para dores ósseas.
Resumo
A OP é o distúrbio osteometabólico mais comum, atingindo grande
número de mulheres, com aumento da morbimortalidade e alto custo
para manejo;
Os principais fatores de risco são idade avançada (>65 anos), sexo
feminino, raça branca, baixo peso corpóreo, história familiar de OP ou
fraturas de fragilidade, menopausa precoce, tabagismo, etilismo, dieta
pobre em cálcio, sedentarismo, imobilização prolongada e uso de
corticoides;
A OP não apresenta sintomas, mas representa aumento de 1,5 a 3 vezes
no risco de fraturas, principalmente nos punhos, vértebras e fêmur
proximal;
A fratura de colo de fêmur em idosos está relacionada com mortalidade
elevada, em torno de 25% ao ano. Além disso, 1/3 dos pacientes que
sofrem essa fratura torna-se dependente;
O exame padrão-ouro para o diagnóstico de OP é a DEXA. Considera-se
OP quando o paciente apresenta escore T <-2,5DP e osteopenia com
escore T entre -1 e -2,5DP (em comparação à média de adultos jovens do
mesmo sexo);
A DMO, avaliada pelo escore T, é o melhor preditor de risco de fraturas;
Os melhores locais para avaliação da densidade óssea, pela DMO, são a
coluna lombar e o fêmur total;
A DMO está indicada a todas as mulheres ≥65 anos e os homens ≥70
anos, bem como homens >50 anos ou mulheres pós-menopausa que
apresentem fatores de risco para OP, adultos com fraturas depois dos 50
anos, ou usuários de medicação ou portadores de condições associadas a
baixa massa óssea;
É recomendado repetir a DMO a cada 1 ou 2 anos, para avaliação da
densidade óssea e resposta ao tratamento;
Os marcadores bioquímicos podem ajudar a avaliar a eficácia do
tratamento;
Em indivíduos >50 anos, é recomendada ingesta diária de ao menos
1.000 a 1.200mg de cálcio elementar e de 800 a 1.200UI/d de vitamina
D3 para prevenção de OP, além de atividade física regular e cessação do
tabagismo e do etilismo;
A National Osteoporosis Foundation recomenda que a decisão de iniciar
tratamento específico para OP seja fundamentada no risco individual de
fratura, pelo escore FRAX®. Indica-se tratamento aos indivíduos com
fratura prévia de coluna ou quadril, ou com escore T <-2,5DP, ou com
escore T entre -1 e -2,5DP com risco absoluto ≥3% de fratura de quadril
ou ≥20% de fraturas osteoporóticas maiores em 10 anos pelo escore
FRAX®;
O escore FRAX® leva em conta a etnia do paciente e já pode ser usado
para calcular o risco de fratura de mulheres brasileiras, pois a ferramenta
já inclui dados específicos da nossa população. Portanto, pode ser usado
para decidir quais pacientes brasileiras são candidatas a tratamento
específico para OP;
As drogas usadas para tratamento são antirreabsortivas (bisfosfonatos,
estrogênio, raloxifeno, tibolona, denosumabe), estimuladores da
formação óssea ou anabolizantes ósseos (teriparatida).
Sempre que se indica medicamento específico para tratamento de OP
deve-se prescrever a reposição concomitante de cálcio (800 a 1.200mg/d
de cálcio elementar) e vitamina D (pelo menos 800 a 1.200UI/d, ou
mais), assim como as medidas não farmacológicas para prevenir quedas
e fraturas;
Deve-se evitar o uso de suplementos de cálcio sem vitamina D, pois o
uso de cálcio isoladamente aumenta o risco de infarto agudo do
miocárdio;
As drogas que reduzem a incidência de fraturas vertebrais e não
vertebrais são os bisfosfonatos, o estrogênio, a tibolona, o denosumabe,
o teriparatida e o ranelato de estrôncio. A calcitonina e o raloxifeno
reduzem apenas o risco de fraturas vertebrais;
Os bisfosfonatos são a 1ª opção na maioria dos casos de OP e podem ser
usados por via oral ou intravenosa;
A terapia de reposição hormonal (com estrogênio ou tibolona) só está
indicada para tratamento àquelas com sintomas vasomotores associados
ao climatério. Pode aumentar o risco de fenômenos tromboembólicos;
O raloxifeno pode ser usado em mulheres pós-menopausadas
intolerantes aos bisfosfonatos, desde que estas não apresentem sintomas
do climatério (que podem piorar com o uso da medicação). Além disso,
reduz o risco de câncer de mama;
O denosumabe pode ser uma opção nos pacientes intolerantes aos
bisfosfonatos ou com insuficiência renal grave (taxa de filtração
glomerular <30mL/min), mas antes de usá-lo deve-se avaliar e corrigir
hipocalcemia ou deficiência de vitamina D;
A teriparatida (PTH 1-34) é o agente mais potente para aumento da
massa óssea e redução de fraturas, sendo boa opção aos pacientes com
risco de fratura extremamente alto e que não estão apresentando resposta
aos bisfosfonatos;
A calcitonina pode ser utilizada por aqueles com dor óssea importante, já
que apresenta bom efeito analgésico.
Vasculites
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Introdução
As vasculites sistêmicas formam um grupo de doenças heterogêneas que
apresentam, em comum, um processo inflamatório na parede vascular,
podendo levar à diminuição de sua luz e trombose secundária ou à ruptura de
sua parede e consequente sangramento.
A maioria das vasculites sistêmicas inicia-se com sintomas constitucionais
inespecíficos, que podem ser confundidos com uma série de outras doenças,
dificultando muito o diagnóstico. Sem tratamento, a maioria dos pacientes
com vasculites sistêmicas evolui para óbito. O tratamento controla os
sintomas e pode levar a remissões prolongadas.
As vasculites primárias possuem baixa incidência na população. No que diz
respeito à faixa etária de acometimento, esta varia conforme o tipo de
vasculite. Por exemplo, a púrpura de Henoch-Schönlein predomina em
crianças, a arterite de Takayasu em adultos com idade inferior a 40 anos, e a
arterite de células gigantes é predominante em adultos acima de 60 anos.
Ainda não foi identificado fator etiológico comum, porém se sabe que os
vírus das hepatites B e C possuem correlação com vasculites, principalmente
a poliarterite nodosa e a crioglobulinemia essencial, respectivamente. Além
disso, especula-se que diversos agentes microbianos ou ambientais, como o
citomegalovírus ou o estreptococo, podem ocasionalmente desencadear
vasculite.
2. Classificação
As vasculites podem ser classificadas de vários modos. De uma maneira mais
genérica, podem-se dividi-las em:

Primárias: a inflamação vascular é a manifestação primordial da


doença;
Secundárias: a inflamação vascular é uma manifestação da doença de
base (lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, hepatites B e C,
neoplasia, drogas, pós-transplante).

Dentro das vasculites primárias, a classificação mais utilizada é a de Chapel


Hill (American College of Rheumatology, 1994). Essa classificação é, na
verdade, um sistema de nomenclatura e foi revisada em 2012, com o objetivo
de aprimorá-la, alterar nomes e definições quando apropriado, e acrescentar
algumas categorias de vasculites que não haviam sido incluídas em 1994.
Algumas doenças tiveram seus nomes substituídos, como a granulomatose de
Wegener e a síndrome de Churg-Strauss, apesar de esses nomes ainda serem
muito utilizados no cotidiano.
Dentro de cada um desses grupos, achados clínicos, laboratoriais e
patológicos distinguem as diferentes vasculites. Serão estudadas, agora, as
mais importantes.
3. Vasculite predominantemente de grandes
vasos
A arterite de células gigantes e a arterite de Takayasu são o protótipo das
vasculites de grandes vasos, envolvendo a aorta e seus ramos, mas são
doenças muito distintas clínica e epidemiologicamente.

A - Arterite de Takayasu

A arterite de Takayasu, também conhecida como doença sem pulsos


(pulseless disease), tem predomínio entre mulheres (relação 10:1), e seu
início ocorre entre 15 e 40 anos (doença de adolescentes e adultos jovens).
É uma poliarterite granulomatosa, com intenso infiltrado inflamatório nos
vasa vasorum, formação de granulomas e células gigantes. A inflamação pode
destruir a camada média e substituí-la por tecido fibrótico, enfraquecendo-a e
favorecendo a formação de aneurisma, ou proliferando e provocando o
estreitamento da luz arterial.

Dica
A arterite de Takayasu possui predomínio em mulheres, com início entre 15
e 40 anos e causa claudicação de extremidades, sopros vasculares e
diferença de pulso e pressão entre membros.

Pode acometer a aorta e quaisquer de seus ramos, bem como as artérias


pulmonares.
Até 10% dos pacientes são assintomáticos ao diagnóstico. Aproximadamente
40% dos pacientes apresentam sinais e sintomas inflamatórios (febre,
sudorese noturna, fadiga, mialgia, anorexia e perda de peso). Os sintomas
mais sugestivos, entretanto, são dor à palpação de trajetos vasculares (por
exemplo, a carotidínea), claudicação de extremidades, diminuição de pulsos,
diferença de pressão entre os membros e presença de sopros vasculares.
Comprometimento de territórios nobres podem culminar com angina cardíaca
ou mesentérica, Acidente Vascular Encefálico (AVE) ou Acidente Isquêmico
Transitório (AIT) e hipertensão renovascular.
Os critérios mais utilizados para classificar a doença são os do American
College of Rheumatology (ACR – Tabela 3). Os exames de imagem, como
arteriografia (Figura 1), angiotomografia e angiorressonância, fornecem
informações sobre o lúmen dos vasos, a distribuição e a gravidade da doença.

Figura 1 - Arteriografia que demonstra dilatação do arco aórtico


Para o diagnóstico, o paciente deve preencher 3 dos 6 critérios. As imagens
vasculares são fundamentais para o diagnóstico, sendo a arteriografia
reservada para procedimentos cirúrgicos.
O diagnóstico diferencial é amplo e difícil, necessitando de minuciosa
investigação laboratorial e de imagem. Devemos excluir arterite de células
gigantes (compromete indivíduos com mais de 50 anos), doença de Kawasaki,
doenças vasculares congênitas, aterosclerose, dentre outras.
Corticosteroide é a terapia de escolha no tratamento da arterite de Takayasu,
na dose de 1mg/kg de prednisona ou equivalente para controle inflamatório da
doença, com posterior desmame da medicação. Imunossupressores, como
metotrexato, leflunomida, azatioprina e micofenolato de mofetila, bem como
biológicos, anti-TNF e anti-IL6, são utilizados no controle da doença.
Recomenda-se a associação de ácido acetilsalicílico.
Em casos de estenose ou formações aneurismáticas, cirurgia e angioplastia
são importantes no tratamento da arterite de Takayasu.

B - Arterite de células gigantes

Tema frequente de prova


A arterite de células gigantes, bem como seu quadro clínico, pode estar
presente nos concursos médicos.

A Arterite de Células Gigantes (ACG), também conhecida como arterite


temporal, ocorre exclusivamente em indivíduos acima dos 50 anos, com
aumento da incidência conforme a idade. É 2 vezes mais frequente em
mulheres do que em homens. De causa desconhecida, afeta, primariamente,
ramos extracranianos das carótidas. O arco aórtico também pode ser
acometido, principalmente os ramos proximais dos membros superiores.
Trata-se de uma panarterite, já que todas as camadas da parede arterial são
acometidas por um infiltrado inflamatório constituído por células T e
macrófagos. O infiltrado pode ser granulomatoso, com acúmulo de histiócitos
e células gigantes multinucleadas.

Dica
Diferentemente da arterite de Takayasu (<40 anos), a arterite temporal tem
início após 50 anos.

As manifestações mais comuns são sintomas constitucionais (fadiga, perda de


peso, febre e mialgia). Após os sintomas constitucionais, a cefaleia é o
sintoma mais comum da ACG, classicamente descrita como dor moderada a
intensa no território da artéria temporal, que pode estar espessada (Figura 2)
ou dolorida.
Os sintomas visuais são comuns (1/3 dos casos), especialmente perda visual e
diplopia. A perda visual é a complicação mais temida, geralmente precedida
por episódios de borramento visual ou amaurose fugaz, estabelecendo-se
alguns meses após o início dos sintomas sistêmicos. Reflete neuropatia óptica
anterior isquêmica (NOIA) e pode ser prevenida pelo tratamento com doses
altas de corticoide. A avaliação do fundo de olho pode ser normal quando a
amaurose se estabelece, mas evolui com edema do disco óptico e palidez, até
atrofia. A diplopia acontece por oftalmoplegia (paralisia dos nervos motores
devido a isquemia).
Pode ocorrer claudicação intermitente da mandíbula pela isquemia dos
músculos da mastigação, sintoma mais específico de ACG. Também é
possível claudicação dos membros superiores por arterite em artérias
braquiais.
Figura 2 - Espessamento da artéria temporal em paciente com arterite de células gigantes

Um quadro que comumente se associa à ACG é a polimialgia reumática, que


se caracteriza por dor e rigidez nos músculos do pescoço, nas cinturas
escapular e pélvica, associada a sinais de inflamação sistêmica, como fadiga,
perda de peso, sudorese e febre baixa, além de anormalidades laboratoriais,
como aumento da velocidade de hemossedimentação (VHS), da Proteína C
Reativa (PCR) e anemia. Aproximadamente 30 a 50% dos pacientes com
ACG desenvolvem polimialgia reumática, que pode ocorrer isoladamente e é
de 2 a 4 vezes mais frequente do que a ACG. Além da coexistência das 2
doenças, compartilham fatores de risco como a faixa etária e o HLA.

Dica
A polimialgia reumática caracteriza-se por dor e rigidez nos músculos do
pescoço e nas cinturas escapular e pélvica.

A elevação das proteínas de fase aguda é um achado típico e auxilia no


diagnóstico e no seguimento dos pacientes após o tratamento: a VHS
encontra-se elevada, acima de 50mm na 1ª hora. Outras provas de fase aguda
podem estar alteradas. Fator antinúcleo (FAN) e Fator Reumatoide (FR), em
geral, são negativos.
O diagnóstico de ACG deve ser considerado a pacientes acima de 50 anos
com história inexplicada de cefaleia, sinais de isquemia em território vascular
extracranial, perda da visão ou polimialgia reumática associada à evidência
laboratorial de inflamação (aumento de proteínas de fase aguda). Como
exame complementar disponível, há a ultrassonografia com Doppler de
artéria temporal, que classicamente demonstrará o sinal do halo. Em pacientes
com quadro clínico clássico e ultrassonografia positiva, o histopatológico não
se faz necessário. A biópsia da artéria temporal, o padrão-ouro para o
diagnóstico, pode ser realizada para confirmação diagnóstica em casos
duvidosos. Recomenda-se biópsia unilateral de segmento com 2cm de artéria
temporal em até 2 semanas após o início do tratamento. Caso seja negativa,
pode-se realizar a biópsia da artéria contralateral, porém os exames não
devem retardar o tratamento. Os exames de imagem muitas vezes são
necessários e constituem importante método diagnóstico. Entre os principais
exames de imagem disponíveis para o diagnóstico do comprometimento
extracraniano na ACG, podemos citar angiotomografia de aorta e/ou
angiorressonância de aorta.
O ACR apresenta critérios diagnósticos para ACG (Tabela 4). Um paciente é
classificado como portador da doença caso apresente 3 dos 5 critérios.

É fundamental que o tratamento seja iniciado precocemente na suspeita do


diagnóstico, com o objetivo de impedir a amaurose. Nesse sentido,
recomenda-se prednisona em doses até 1mg/kg com redução lenta e
progressiva. A maioria dos pacientes responde bem ao corticoide, mas pode
haver recidiva ou corticodependência. Nesses casos, podem ser utilizadas
drogas imunossupressoras, como metotrexato, ciclosporina, ciclofosfamida e
azatioprina. Atualmente, está aprovado o uso de tocilizumabe subcutâneo
como opção para pacientes que não respondem à corticoterapia.
Sintomas de inflamação sistêmica e provas de atividade inflamatória, como
VHS ou PCR, são úteis na detecção de recidivas e má resposta. No caso de
polimialgia isolada, a resposta é rápida e muito boa com baixas doses de
corticoide (<20mg/d de prednisona), sem necessidade de imunossupressor.
Ocorrendo junto com ACG, o tratamento é ditado pelas manifestações da
deste último.
Baixas doses de ácido acetilsalicílico são indicadas para reduzir o risco de
perda visual, acidente isquêmico transitório e acidente vascular encefálico.
4. Vasculite predominantemente de médios
vasos
- Poliarterite nodosa

A poliarterite nodosa (PAN) é uma forma de vasculite que afeta artérias de


médio e pequeno calibres. Pode surgir em qualquer idade, mas o pico ocorre
entre 40 e 50 anos, sendo 3 vezes mais comum em homens do que em
mulheres. Vacinas ou infecções podem estar relacionadas ao
desencadeamento da doença. Em 30% dos casos, associa-se à infecção por
hepatite B e C, apresentando melhora após o tratamento do quadro, quando
possível. Acomete mais comumente rins, trato gastrintestinal e sistema
nervoso central.
O comprometimento inflamatório da parede arterial leva à formação de
aneurismas. A imagem à arteriografia de segmentos de várias artérias com
abaulamentos em suas paredes originou o nome da doença (Figura 3).
Caracteristicamente, as lesões histológicas estão em diferentes estágios de
evolução, acompanhadas de necrose fibrinoide, ausência de granulomas e
presença de aneurismas da parede arterial.

Dica
A PAN tem acometimento predominante em homens, diferentemente das
vasculites citadas anteriormente.
Figura 3 - Arteriografia renal em paciente com poliarterite nodosa: observar aneurismas saculares
intraparenquimatosos em artérias de médio calibre

A doença costuma começar com queixas vagas, febre baixa e emagrecimento.


As lesões cutâneas incluem nódulos subcutâneos (Figura 4), livedo reticularis
(Figura 5), úlceras vasculíticas (Figura 6) e gangrena digital. A PAN cutânea é
uma variante da PAN clássica, em que só a pele é acometida, sem
envolvimento visceral.
Mais de 80% dos pacientes têm neuropatia periférica por vasculite,
tipicamente uma mononeurite múltipla, que afeta nervos específicos, mais
frequentemente os nervos fibular, tibial, ulnar, mediano e radial, levando a
sintomas e sinais nas extremidades distais, como pé e mão caídos (Figura 7).
O acometimento de vasos mesentéricos leva à manifestação clássica de
angina intestinal: dor periumbilical pós-prandial. Pode haver perfuração ou
isquemia do intestino, com sangramento intestinal maciço. Envolvimento
renal, presente universalmente nas autópsias, pode provocar insuficiência
renal e hipertensão. Orquiepididimite também é possível. Lesões cardíacas
podem levar a infarto do miocárdico e falência cardíaca congestiva, mas, em
geral, são subclínicas. A PAN costuma poupar o leito arterial pulmonar.

Quadro clínico
O quadro clínico da PAN é composto de nódulos subcutâneos, livedo
reticularis, gangrena digital, nervos periféricos (fibular, tibial, ulnar,
mediano e radial – pés e mãos caídos), rins (insuficiência renal e
hipertensão) e trato gastrintestinal (dor periumbilical pós-prandial).

Quanto às alterações laboratoriais, as mais encontradas são leucocitose,


elevação da VHS e anemia discreta. FR e FAN podem estar presentes em
títulos baixos.
Para o diagnóstico, entretanto, é necessário excluir outras doenças sistêmicas
infecciosas, neoplásicas ou inflamatórias. Para a confirmação por achados
mais específicos de PAN, biópsias mostrando a vasculite necrosante em
parede arterial podem ser realizadas em lesões cutâneas, músculos ou nervos.
Os microaneurismas podem ser demonstrados em angiografias renais ou
mesentéricas, mesmo na ausência de sintomas. O ACR estabeleceu critérios
para o diagnóstico, e ao menos 3 dos 10 devem estar presentes (Tabela 5).

Diagnóstico
São associações fortemente sugestivas de PAN: vasculite cutânea,
mononeurite múltipla, dor muscular e perda da função renal com
hipertensão em paciente com provas de atividade inflamatória elevadas.
Figura 4 - Nódulos subcutâneos em paciente com poliarterite nodosa
Fonte: site Logical Images.

Figura 5 - Livedo reticularis em paciente com poliarterite nodosa


Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.
Figura 6 - Úlcera cutânea em paciente com poliarterite nodosa
Fonte: site Logical Images.
Figura 7 - Mão caída por acometimento do nervo radial em paciente com poliarterite nodosa

No diagnóstico diferencial dessa patologia, entram as demais vasculites


necrosantes sistêmicas (granulomatose com poliangiite – Wegener,
granulomatose com poliangiite e eosinofilia – Churg-Strauss), além das
pseudovasculites, como ateroembolismo, linfoma, neurofibromatose, displasia
fibromuscular, pseudoxantoma elástico, amiloidose, mixoma atrial,
coarctação de aorta, síndrome de Sweet, sepse, endocardite, calcifilaxia,
púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome de Ehlers-Danlos, síndrome
do desfiladeiro torácico etc.
O tratamento da PAN idiopática (não associada ao vírus da hepatite B) inclui
corticoide em altas doses e terapia com imunossupressor. Aproximadamente
metade dos pacientes apresenta remissões com altas doses de corticoide
(1mg/kg/d de prednisona ou equivalente). Indivíduos com doença refratária
aos corticosteroides e envolvimento grave de órgãos-alvo devem receber
ciclofosfamida (em pulsos mensais de 1g/m2). Em casos refratários, utiliza-se
rituximabe. No caso de PAN associada ao vírus B, é requerido o tratamento
antiviral. A plasmaférese também é uma opção nessas situações.
5. Vasculite predominantemente de pequenos
vasos
A classificação de Chapel Hill inclui várias vasculites como predominantes
em pequenos vasos. Algumas são primárias, e outras podem estar associadas a
distintas doenças. Algumas são pauci-imunes, ou seja, não são mediadas por
deposição de imunocomplexos, enquanto, em outras, o mecanismo
fisiopatológico é a deposição de imunocomplexos, cuja classe varia de acordo
com a doença. As apresentações clínicas e a faixa etária em que ocorrem são
muito variáveis.

A - Vasculites pauci-imunes

As vasculites pauci-imunes são assim chamadas porque o mecanismo de dano


à parede vascular não se faz por meio de depósitos de imunocomplexos à
histologia. Isso as difere das vasculites por imunocomplexos.
São ditas relacionadas ao ANCA porque a maioria dos pacientes com
vasculite de pequenos vasos pauci-imunes apresenta anticorpos contra
determinadas proteínas específicas encontradas dentro dos grânulos
citoplasmáticos dos neutrófilos ou anticorpos anticitoplasma de neutrófilos
(ANCA). Há 2 padrões clássicos de ANCA pela imunofluorescência: o
citoplasmático (c-ANCA) e o perinuclear (p-ANCA). Um padrão atípico,
quando não há c-ANCA nem p-ANCA, também foi descrito.
Por meio do ELISA, podemos encontrar anticorpos antiproteinase-3 (anti-
PR3) e antimieloperoxidase de neutrófilos (anti-MPO). O c-ANCA é
relativamente específico para granulomatose com poliangiite (Wegener) e
pode correlacionar-se com a atividade da doença. O p-ANCA é pouco
específico, e seus títulos não se correlacionam com a atividade das doenças
em que pode estar presente: poliangiite microscópica, granulomatose com
poliangiite e eosinofilia (Churg-Strauss), hepatite autoimune e doença
inflamatória intestinal.

a) Poliangiite microscópica

A poliangiite microscópica (PAM) é uma desordem que acomete vasos de


pequeno calibre, incluindo capilares, vênulas e arteríolas, e vasos de médio
calibre, como artérias e veias. É uma vasculite necrosante pauci-imune com
tropismo pelos rins (glomerulonefrite rapidamente progressiva) e pulmões
(capilarite pulmonar), sendo a principal causa da síndrome pulmão-rim.
As manifestações mais comuns são glomerulonefrite com hematúria, perda de
função renal, hipertensão, perda de peso, lesões cutâneas purpúricas (Figura
8), mononeurite múltipla e febre. Capilarite pulmonar pode acarretar
hemorragia alveolar (Figura 9) e hemoptise. A hemorragia pulmonar ocorre
em até 30% dos casos e pode causar dispneia e hemoptise, com raios X
mostrando infiltrado alveolar focal (Figura 10).
As manifestações neurológicas possíveis na PAM incluem neuropatia,
presente em 30% dos casos e menos comum do que na PAN. Neuropatia
afetando nervos cranianos ou periféricos é mais comum do que mononeurite
multiplex. Vasculite cerebral é rara e em geral causa acidente vascular
cerebral hemorrágico, convulsões ou cefaleias.
Setenta por cento dos pacientes com PAM são positivos para o ANCA, sendo
o padrão mais encontrado, e na imunofluorescência, é o perinuclear (p-
ANCA) que corresponde à presença de anticorpos anti-MPO. A titulação do
p-ANCA não se associa à atividade da doença. Apresentam-se ainda achados
incaracterísticos, como anemia normo/normo, trombocitose, hipoalbuminemia
e elevação de provas inflamatórias (VHS e PCR).

Dica
O p-ANCA é geralmente positivo (70%) em pacientes com PAM, porém
não se relaciona com atividade da doença.

Para pacientes com PAM que apresentam glomerulonefrite, hemorragia


alveolar, mononeurite múltipla ou outras manifestações graves, está indicado
o tratamento com a combinação de corticoide e ciclofosfamida. Pacientes com
PAM têm resposta adequada a ciclofosfamida intravenosa combinada com
altas doses de corticoide. Azatioprina, imunoglobulina intravenosa e
metotrexato também podem ser utilizados.
Figura 8 - Púrpura palpável nos membros inferiores
Figura 9 - Raios X de tórax de paciente com poliangiite microscópica e hemorragia pulmonar
Figura 10 - Tomografia computadorizada evidenciando hemorragia alveolar no pulmão direito

b) Granulomatose com poliangiite (GPA)

Tema frequente de prova


Dentro das vasculites, a granulomatose com poliangiite é um dos temas
provavelmente presentes nos concursos médicos.

A granulomatose com poliangiite (GPA), chamada anteriormente de


granulomatose de Wegener, é uma doença sistêmica caracterizada pela
vasculite necrosante granulomatosa do trato respiratório superior e inferior,
com ou sem glomerulonefrite. É uma doença incomum, que afeta ambos os
sexos igualmente e surge em todas as faixas etárias, sendo mais comumente
encontrada em caucasianos (97%). Sua causa é desconhecida.
Como sintomas gerais iniciais, o paciente costuma apresentar febre, anorexia,
emagrecimento, fadiga e fraqueza. As vias aéreas superiores (seios da face,
ouvidos, nasofaringe, orofaringe etraqueia), o trato respiratório inferior
(brônquios e pulmões) e os rins são caracteristicamente envolvidos.
Nas vias aéreas superiores, podem ocorrer obstrução nasal crônica com
rinorreia persistente (sanguinolenta e/ou purulenta), ulceração e edema da
mucosa nasal. Perfuração do septo nasal e ulceração e erosão do vômer,
levando à deformidade de nariz “em sela” (Figura 13), são achados clássicos.
É comum o envolvimento granulomatoso dos seios da face, podendo haver
invasão das estruturas contíguas, como a órbita (Figuras 12). Tais lesões são
frequentemente infectadas, secundariamente, por Staphylococcus aureus.
Podem ocorrer otite média secretora, otite média crônica, com perfuração da
membrana timpânica, otalgia e otorreia, assim como disfonia, estridor
laríngeo, sibilos, ulceração, edema oral e gengivite, além de
ceratoconjuntivite, esclerite e uveíte vasculíticas.

Dica
A granulomatose com poliangiite acomete principalmente as vias aéreas
superiores e inferiores e os rins.

É possível haver, ainda, ulceração oral e alterações gengivais típicas (Figura


11).
Figura 11 - (A) Ulceração na língua e (B) “gengivas de morango” em paciente com granulomatose
com poliangiite

Deve-se suspeitar de, caso ocorram: otite, rinite ou sinusite persistente; lesões
destrutivas das vias aéreas superiores; ou, ainda, sinais e sintomas sistêmicos:
artralgias, perda de peso e elevação de provas inflamatórias.
O envolvimento pulmonar também é extremamente comum. Tosse produtiva,
dispneia, hemoptise, dor e desconforto torácico são os principais sintomas.
Anormalidades nas radiografias de tórax são vistas em mais de 90% dos casos
e incluem lesões nodulares escavadas não calcificadas, largas, múltiplas e
bilaterais (Figura 14).
As características nefrológicas da GPA são, predominantemente,
representadas por glomerulonefrite focal necrosante, que leva a hematúria,
leucocitúria e anormalidades nos níveis de ureia e creatinina, podendo
provocar falência renal e morte. Esse acometimento está presente em 80% dos
pacientes em algum momento da evolução, porém apenas 20% dos casos
como manifestação inicial. A síndrome pulmão-rim pode aparecer na GPA,
assim como na PAM.
As manifestações oculares incluem pseudotumor orbital (Figura 12), massa
inflamatória retrobulbar, que leva a proptose; dor; diplopia e perda visual
devido à isquemia do nervo óptico, a qual constitui a lesão mais refratária ao
tratamento; esclerite, com dor e vermelhidão ocular, podendo complicar com
escleromalácia perforans e cegueira; ceratite ulcerativa periférica, que pode
evoluir com perfuração da córnea e cegueira; outros: uveíte, conjuntivite,
episclerite e obstrução do ducto lacrimal.
Manifestações no sistema nervoso, como mononeurite múltipla, neuropatia
sensorial, anormalidades de nervos cranianos e perda auditiva
neurossensorial, podem ocorrer.
Figura 12 - Pseudotumor orbital na granulomatose com poliangiite

Figura 13 - Nariz “em sela” e ulceração cutânea em paciente com granulomatose com poliangiite
Fonte: ABC of Rheumatology, 4ª edição.

Figura 14 - Nódulo pulmonar em paciente com granulomatose com poliangiite

Os achados laboratoriais encontrados são anemia de doença crônica e


aumento das provas de atividade de fase aguda, como a VHS e a PCR. O FAN
costuma ser negativo, e o complemento, normal. A associação entre GPA e
ANCA é bem estabelecida. O c-ANCA ou o anticorpo anti-PR3 é
relativamente específico, podendo correlacionar-se com a atividade da
doença. Ocorre em 60 a 90% dos pacientes. O diagnóstico diferencial inclui
outras vasculites, síndrome pulmão-rim, infecções fúngicas ou
micobacterioses, neoplasias, sarcoidose e doenças autoimunes sistêmicas
(lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide).

Dica
O c-ANCA (anticorpo antiproteinase-3) é encontrado em até 90% dos
pacientes com granulomatose com poliangiite.

O tratamento atual baseia-se na utilização de drogas imunossupressoras, e as


de escolha são a ciclofosfamida oral, na dose de 2mg/kg/d, e a prednisona, na
dose de 1mg/kg/d, com posterior redução das doses. Azatioprina e
metotrexato podem ser usados em casos menos graves ou com intolerância.
Quanto aos mais graves, com riscos de morte ou perda de função renal, deve-
se utilizar a pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida. A
plasmaférese é indicada aos casos de síndrome urêmica associada à
glomerulonefrite rapidamente progressiva, com indicação de terapia dialítica.
O rituximabe (anti-CD20) também já é utilizado com muita segurança, tanto
para casos leves, quanto para casos moderados a graves.

c) Granulomatose com poliangiite e eosinofilia (GEPA)

Anteriormente chamada de síndrome de Churg-Strauss, trata-se de uma


vasculite rara, que afeta vasos de médio e pequeno calibres, com predileção
por pequenas artérias, arteríolas, capilares e vênulas. Caracteriza-se pela
síndrome que apresenta asma, rinite alérgica, eosinofilia (>10%) e febre,
acompanhada por vasculite de vários sistemas orgânicos. Também se trata de
vasculite associada ao ANCA. É descrita na literatura a ocorrência de 3 fases
da doença (Tabela 6).

Não é obrigatório que todas as fases estejam nessa ordem. Como


manifestações pulmonares, temos asma de início tardio, de maior frequência e
intensidade até a 3ª fase, quando tende a entrar em remissão.
Alterações cutâneas podem estar presentes em 66% dos casos, e, dentre as
manifestações mais comuns, estão a púrpura (Figura 15), urticária, eritema e
nódulos. Podem ocorrer mononeurite múltipla, alterações do sistema nervoso
central e glomerulonefrite (glomerulonefrite focal e segmentar necrosante,
com presença de crescentes).
Figura 15 - Lesões purpúricas em paciente com granulomatose com poliangiite e eosinofilia

Os achados laboratoriais incluem: anemia e provas de atividade inflamatória


elevadas em 80% dos casos; eosinofilia constante, geralmente >1.000/mm3 e
prontamente reduzida após uso de corticosteroide, sendo o aumento na
contagem geralmente precedente a um período de atividade da doença. Pode
ocorrer elevação dos níveis séricos de IgE (75% dos casos). O p-ANCA
(mieloperoxidase) está positivo a uma frequência de até 40%, e o FR pode ser
positivo em 54% dos casos.

O diagnóstico diferencial se faz com pneumonia eosinofílica crônica


(comprometimento exclusivamente pulmonar) e síndromes hipereosinofílicas.
Para o tratamento, são utilizadas altas doses de prednisona (1mg/kg/d).
Agentes citotóxicos, como ciclofosfamida, devem ser reservados a casos
individuais graves e progressivos, com envolvimentos renal, intestinal,
cardíaco ou pulmonar.
B - Vasculite por depósito de imunocomplexos
a) Crioglobulinemia
As crioglobulinas são anticorpos que se precipitam em condições de baixa
temperatura, dissolvem no calor e ocorrem em associação a inúmeras
condições sistêmicas, podendo levar a complicações que incluem vasculites e
hiperviscosidade. As crioglobulinemias são classificadas em tipos I, II ou III.

A manifestação mais comum na crioglobulinemia é a presença de púrpura


palpável nos membros inferiores (Figura 16). Outras manifestações são
neuropatia, glomerulonefrite, artralgia, mialgia e fadiga.
O diagnóstico é tipicamente feito a partir da história, manifestações típicas da
doença, como púrpura e hipocomplementenemia, e a presença de
crioglobulinas. Os testes sorológicos positivos para o vírus da hepatite C
reforçam o diagnóstico da crioglobulinemia relacionada ao HCV.
Figura 16 - Púrpura palpável em paciente com crioglobulinemia

O tratamento depende se há doença de base associada. Caso seja


crioglobulinemia por vírus C, o tratamento pode ser efetivo. Para pacientes
com mononeurite múltipla ou outras manifestações graves, podem ser usados
corticosteroides, ciclofosfamida e o rituximabe. A plasmaférese pode ser
indicada a casos gravíssimos.

Dica
A crioglobulinemia é uma doença por anticorpos que se precipitam em
condições de baixa temperatura, dissolvem no calor e apresentam púrpura
palpável nos membros inferiores, neuropatia, glomerulonefrite, artralgia,
mialgia e fadiga.

b) Vasculite de hipersensibilidade

Também denominada angiite cutânea leucocitoclástica, a vasculite de


hipersensibilidade é um tipo de vasculite confinado à pele e não associado a
outras formas. Pode ser precipitada por medicações e infecções, identificáveis
em 60% dos casos. No restante, não se encontra o fator desencadeante.
Manifesta-se com lesões do tipo púrpuras palpáveis, urticária, eritema
multiforme, vesículas, pústulas, úlceras superficiais e necrose, que ocorrem
em regiões preferenciais, como membros inferiores e nádegas, sendo
acompanhadas de prurido. As lesões encontram-se no mesmo estágio de
evolução, devido à exposição simultânea ao antígeno.
Em razão da sua apresentação pleomórfica, pode mimetizar outros quadros
vasculíticos. A biópsia de pele em lesões ativas (<48 horas) confirma o
diagnóstico pelo achado de vasculite leucocitoclástica em vênulas pós-
capilares. Podem apresentar, na imunofluorescência indireta, depósito de
imunoglobulinas e complemento.
Em casos em que o agente desencadeante pode ser identificado, sua remoção
leva à resolução do quadro em dias ou semanas. Alguns casos necessitam de
anti-inflamatórios não esteroides e/ou anti-histamínicos. Podem ser utilizados,
ainda, colchicina, corticoide, hidroxicloroquina e dapsona.

c) Vasculite por IgA (púrpura de Henoch-Schönlein)

Tema frequente de prova


A vasculite por IgA (púrpura de Henoch-Schönlein) é a grande
representante das vasculites nos concursos médicos.

A Púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) pode desenvolver-se em qualquer


idade, mas, em 90% dos casos, acontece em crianças. Nesse grupo, 2/3 dos
pacientes relatam antecedente de infecção do trato respiratório superior,
sugerindo que o processo infeccioso possa ser o desencadeador da doença.
O paciente apresenta, tipicamente, quadro agudo de febre, púrpura palpável
nos membros inferiores e nas nádegas (Figura 17), dor abdominal, artrite e
glomerulonefrite com hematúria. A púrpura pode ser extensa e confluente e
envolver braços e tronco. Dor abdominal pode ser causada por edema
intestinal e isquemia mesentérica. Doença articular pode manifestar-se como
artralgia e artrite, especialmente de grandes articulações, como joelhos e
tornozelos e, menos comumente, punhos e cotovelos. A principal
manifestação da glomerulonefrite é hematúria microscópica acompanhada por
proteinúria. Em geral, é benigna, mas pode evoluir com insuficiência renal em
10% dos casos.

Quadro clínico
O quadro clínico da púrpura de Henoch-Schönlein é composto de quadro
agudo de febre, púrpura palpável em membros inferiores e nádegas, dor
abdominal (tipo cólica pós-prandial), artrite (grandes articulações) e
glomerulonefrite (hematúria e proteinúria).

Figura 17 - Púrpura nos membros inferiores em paciente com púrpura de Henoch-Schönlein


Fonte: site Logical Images.

A presença de púrpura palpável em menores de 20 anos, com angina


abdominal, é altamente indicativa do diagnóstico. À histologia, tem-se o
achado de granulócitos nas paredes dos vasos com depósito de IgA. Apesar de
ser mediada por imunocomplexos, a PHS não provoca
hipocomplementenemia.
O tratamento inclui anti-inflamatórios não hormonais para artralgias e
corticoides. Casos de glomerulonefrite grave, com crescentes, podem ser
tratados com pulsoterapia de corticoide e altas doses de corticoterapia oral,
além de imunossupressores, como azatioprina e ciclofosfamida.

d) Vasculite urticariforme ou urticária vasculite

A vasculite urticariforme é uma vasculite leucocitoclástica que se apresenta


com prurido recorrente que dura mais de 24 horas, com componente
purpúrico associado à queimação e ao prurido. Na maioria das vezes, associa-
se a doenças inflamatórias do tecido conjuntivo, como lúpus. Há uma forma
normocomplementenêmica, um subtipo da vasculite de hipersensibilidade,
autolimitada e benigna, e uma forma hipocomplementenêmica,
frequentemente associada a doença inflamatória sistêmica. O tratamento
inclui hidroxicloroquina, dapsona e baixas doses de corticoide.
Um pequeno número de pessoas com vasculite urticariforme
hipocomplementenêmica tem uma desordem grave, semelhante ao lúpus
eritematoso sistêmico, com artralgia, febre e glomerulonefrite, além de
angioedema: é a síndrome de vasculite urticariforme
hipocomplementenêmica, associada a autoanticorpos anti-C1q. Pode, ainda,
provocar uveíte e doença pulmonar obstrutiva grave.
6. Miscelânea

A - Doença de Behçet
A doença de Behçet é uma doença vascular inflamatória crônica de etiologia
desconhecida que ocorre em todo o mundo, com prevalência mais elevada em
países do Mediterrâneo, do Oriente Médio e da Ásia. Acomete,
principalmente, adultos jovens, com idade entre 25 e 30 anos.
As aftas orais são, usualmente, os primeiros sintomas. Geralmente são
discretas e dolorosas e podem estar presentes na língua, na gengiva e no
palato (Figura 18). Úlceras genitais podem ocorrer na vulva, na vagina, no
escroto e no pênis (Figura 19) e, também, podem estar presentes as perianais.

Dica
Sempre se deve pensar em doença de Behçet quando há a presença de
úlceras orais, úlceras vaginais e uveíte.
Figura 18 - Aftas orais em paciente com doença de Behçet
Figura 19 - Ulceração na bolsa escrotal de paciente com doença de Behçet

Lesões cutâneas são comuns e incluem eritema nodoso, pseudofoliculites,


lesões papulopustulosas ou nódulos acneiformes.
O teste da patergia positivo (uma resposta exacerbada da pele ao trauma,
resultante da hiper-reatividade dos neutrófilos) é considerado altamente
específico para doença de Behçet. Para reproduzir o teste, uma agulha estéril
é inserida perpendicularmente na pele e no subcutâneo, na região anterior do
antebraço. Após 48 horas, aparece eritema ou pústula (>2mm de diâmetro)
nos locais onde ocorreu o trauma, considerando o teste positivo.
O achado ocular clássico na doença de Behçet é uveíte anterior com hipópio
(Figura 20). Além da uveíte anterior, é possível que ocorram pan-uveíte,
envolvimento da câmara posterior e vasculites.

Quadro clínico
O quadro clínico da doença de Behçet é composto de aftas orais (discretas
e dolorosas), úlceras genitais e perianais, além de lesões cutâneas (eritema
nodoso, pseudofoliculite), teste de patergia positivo e uveíte anterior com
hipópio.

O envolvimento de grandes vasos, tanto no território venoso quanto no


arterial, é comum, sendo a maior causa de morbimortalidade. Trombose
venosa profunda é a complicação vascular mais comum. Podem, ainda,
ocorrer trombose de veia cava, síndrome de Budd-Chiari, trombose venosa
cerebral e varizes de esôfago. Lesões arteriais podem ocorrer na circulação
sistêmica e no leito arterial pulmonar. Podem existir estenoses, oclusões e
aneurismas.
Essa é uma doença do sistema nervoso central que pode manifestar-se como
acidente isquêmico transitório, meningite asséptica e tromboses.
Reagentes de fase aguda podem estar aumentados, especialmente em
pacientes com vasculite de grandes vasos. Dosagem do complemento, FR e
crioglobulinas são normais ou negativos.

Figura 20 - Hipópio: observar a formação do nível líquido

O diagnóstico em pacientes com história de aftas requer a presença de lesões


características e exclusão de outras desordens sistêmicas que possam estar
associadas a envolvimento mucocutâneo. São doenças que podem apresentar
lesões semelhantes: herpes-simples, doença inflamatória intestinal, HIV.
As lesões aftosas são tratadas com corticoide tópico ou triancinolona.
Colchicina, talidomida e metotrexato são utilizados no tratamento de
manifestações mucocutâneas. Azatioprina e ciclosporina têm sido utilizadas
no envolvimento ocular. A ciclofosfamida é usada em casos oculares
incontroláveis, doença do sistema nervoso central e vasculites. Inibidores do
TNF-alfa, como infliximabe, adalimumabe e etanercepte, também podem ser
utilizados no tratamento.

B - Doença de Buerger (tromboangiite obliterante)

A doença de Buerger, também conhecida como tromboangiite obliterante,


compreende a obstrução das artérias e das veias de pequeno e médio calibres
e decorre de inflamação causada pelo tabagismo.
A doença costuma ser mais predominante em homens de 20 a 40 anos (cerca
de 5% são mulheres). Embora a causa seja desconhecida, só os tabagistas a
contraem e estão sujeitos a agravamento do quadro, caso não parem com o
hábito.

a) Sintomas

Os sintomas decorrentes da redução no fornecimento de sangue aos braços ou


às pernas aparecem de forma gradual; iniciam-se na cabeça dos dedos das
mãos ou dos pés e progridem pelos braços ou pelas pernas, até que,
finalmente, causam gangrena (Figura 21). Cerca de 40% das pessoas com a
doença também têm episódios de tromboflebites superficiais dos pés ou das
pernas. À medida que a obstrução se torna mais grave, a dor é mais intensa e
persistente. Entretanto, é característico o aparecimento precoce de úlceras,
gangrena ou ambas simultaneamente.

Quadro clínico
Os sintomas da doença de Buerger decorrem da obstrução dos vasos de
membros superiores e membros inferiores, com a formação de úlceras e
gangrena.
Figura 21 - Gangrena digital em paciente com tromboangiite obliterante

b) Diagnóstico

O diagnóstico é predominantemente clínico, e deve-se suspeitar da doença


principalmente em pacientes jovens, tabagistas, e que apresentem isquemia
nas mãos ou nos pés. O diagnóstico clínico pode ser realizado em indivíduos
tabagistas com <45 anos apresentando isquemia de extremidades distais
(observada em exames complementares como o Doppler).
Faz-se necessária a exclusão de doenças autoimunes, trombofilias, diabetes
mellitus e fontes embólicas proximais.

Diagnóstico
A ecografia com Doppler confirma a diminuição de fluxo sanguíneo para
os pés, mãos e dedos na doença de Buerger.

c) Tratamento

A pessoa com essa doença deve deixar de fumar, caso contrário o quadro se
agravará, culminando em amputação. Também devem ser evitadas exposição
ao frio; lesões por calor ou frio, ou substâncias como o iodo ou os ácidos
usados para tratar calos e calosidades; lesões provocadas por calçado mais
apertado ou por pequena cirurgia (por exemplo, alisar as calosidades);
infecções provocadas por fungos e por fármacos, que podem levar à
constrição dos vasos sanguíneos (vasoconstrição).
O iloprosta, um análogo da prostaciclina, pode ser utilizado para o controle
álgico, e bloqueadores dos canais de cálcio são úteis para o tratamento do
vasoespasmo associado ao fenômeno de Raynaud. São raros os casos que
evoluem para cirurgia de derivação (bypass) com enxertos (as artérias
afetadas, normalmente, são muito pequenas).

Tratamento
Realiza-se o tratamento da doença de Buerger com cessação do tabagismo,
cuidado com lesões nos membros afetados, atividade física, medicamentos,
como iloprosta e bloqueadores dos canais de cálcio, e cirurgias em casos
raros.

C - Doença de Kawasaki

Tema frequente de prova


A doença de Kawasaki é vista com frequência, principalmente em questões
de Pediatria, por seu caráter exantemático.

a) Introdução

A doença de Kawasaki, também conhecida como síndrome do linfonodo


mucocutâneo, é uma doença aguda, febril, exantemática e de etiologia
desconhecida. Trata-se de vasculite aguda e multissistêmica, que compromete
vasos de médio calibre. Predomina no sexo masculino, em crianças menores
de 5 anos e consiste em arterite necrosante de pequenas e médias artérias, na
maioria das vezes autolimitada. A doença de Kawasaki pode causar vasculite
em vários órgãos e aparelhos, como pulmão, intestino, vesícula biliar, sistema
nervoso central, entre outros, porém o comprometimento cardíaco é o mais
significativo, com formação de aneurismas coronarianos.

b) Epidemiologia

É de ocorrência universal e atinge todas as faixas etárias pediátricas, ainda


que 85% dos casos ocorra em crianças com menos de 5 anos, sendo
infrequente em pacientes com menos de 6 meses ou mais de 8 anos, nos
quais, entretanto, há maior risco de formação de aneurismas coronarianos.

c) Etiopatogenia

Sua causa permanece desconhecida, apesar de as características clínicas


(doença febril autolimitada) e epidemiológicas (sazonalidade e caráter
epidêmico) favorecerem a hipótese de um agente infeccioso ser o
determinante causal, hipótese que, entretanto, ainda não está comprovada.
As alterações histológicas encontradas consistem em vasculite sistêmica
generalizada, afetando predominantemente vasos de médio calibre com
predileção pelas artérias coronárias, cujas alterações inflamatórias sistêmicas
podem ser observadas em vários órgãos, causando miocardite, pericardite,
vasculites, meningite asséptica, pneumonite, linfadenite e hepatite.

d) Manifestações clínicas

A doença de Kawasaki é dividida em 3 fases clínicas distintas: aguda,


subaguda e de convalescença.
A fase aguda dura de 1 a 2 semanas e caracteriza-se pela febre e os demais
critérios diagnósticos, além de achados clínicos associados, como miocardite,
derrame pericárdico, meningite asséptica (10 a 25%), diarreia (15%),
disfunção hepática (5%), uveíte (17%) e artrite e/ou artralgia (30%).
A fase subaguda inicia-se quando a febre, o rash e a linfadenopatia cessam,
em média, de 1 a 2 semanas depois do início da doença. A duração dessa fase
é de cerca de 4 semanas, na qual ocorrem descamação periungueal,
trombocitose, formação de aneurismas coronarianos e risco maior de morte
súbita. Complicações neurológicas também podem surgir em 1% dos casos e
incluem paralisia do nervo facial, ataxia, encefalopatia, hemiplegia e infarto
cerebral.
A fase de convalescença inicia-se quando os sinais clínicos desaparecem e
dura até a normalização da VHS, em média de 6 a 8 semanas após início do
quadro febril.
Na doença de Kawasaki, a febre, sinal característico da fase aguda da doença,
é, em geral, acima de 39 a 40°C e remitente. O 1º dia de febre é considerado o
1º dia de doença, no entanto alguns pacientes ocasionalmente apresentam
outras manifestações clínicas antecedendo o quadro febril. A febre dura, em
média, de 1 a 2 semanas, podendo, na ausência de tratamento, estender-se até
3 ou 4 semanas, e tem resposta apenas parcial ao uso de antipiréticos. Ao se
iniciar, porém, a terapêutica apropriada (imunoglobulina intravenosa e ácido
acetilsalicílico), a febre cessa em 2 dias.
A conjuntivite (Figura 22) bilateral não exsudativa envolve, principalmente, a
conjuntiva bulbar em relação às conjuntivas palpebral e tarsal; é indolor e
ocorre na fase aguda da doença. A iridociclite pode acompanhar o quadro
clínico, com rápida resolução, e é raramente associada a fotofobia.

Quadro clínico
O quadro clínico da doença de Kawasaki é composto de 3 fases: aguda (1 a
2 semanas), com febre (39 a 40°C), miocardite, diarreia e artrite; subaguda
(4 semanas), que se inicia quando febre, rash e linfadenopatia cessam, e
podem ocorrer descamação periungueal, formação de aneurismas
coronarianos e risco de morte súbita; de convalescença (6 a 8 semanas),
que se inicia quando sinais clínicos desaparecem e dura até a normalização
da VHS.

Figura 22 - Conjuntivite em paciente com doença de Kawasaki

As alterações vistas na mucosa labial são caracterizadas por eritema, edema


com fissuras, descamação e exsudação (Figura 23); a mucosa orofaríngea
apresenta-se com enantema, e a língua, com eritema intenso e papilas
gustativas proeminentes, o chamado “aspecto framboesiforme” (Figura 24).
O rash cutâneo que surge no paciente é polimórfico, não pruriginoso e
geralmente aparece até o 5º dia de febre. O exantema cutâneo pode
compreender lesões maculopapulares eritematosas e difusas (Figura 25), a
forma mais comum, além de rash tipo urticariforme, escarlatiniforme,
eritrodérmico, purpúrico, eritema multiforme-like e, mais raramente, com
micropústulas em superfície extensora dos membros.
Figura 23 - Intenso eritema labial e rash maculopapular na face de criança com doença de Kawasaki
Fonte: site Logical Images.
Figura 24 - Língua com aspecto framboesiforme em menor com doença de Kawasaki

Figura 25 - Descamação palmoplantar em paciente com doença de Kawasaki


As manifestações cardíacas podem ser exacerbadas na fase aguda da doença,
conferindo aumento na mortalidade e na morbidade. Pode haver miocardite,
pericardite, endocardite, além de comprometimentos valvular e coronariano
com repercussão hemodinâmica. Ao exame, pode haver precórdio
hiperdinâmico, taquicardia, sopro pansistólico em caso de regurgitação mitral
significativa e ritmo “de galope”, devido à instalação de insuficiência
cardíaca. O dano coronariano pode variar de dilatação a estenose, até a
formação de aneurisma. A frequência do envolvimento coronariano é maior
nos lactentes com menos de 6 meses em relação àqueles de 6 a 12 meses. Os
aneurismas fusiformes e saculares aparecem de 18 a 25 dias depois de
instalada a doença (Figura 26).
Outras possíveis manifestações incluem poliartrites e rabdomiólise. Pelo
comprometimento cardiovascular, é possível o achado de aneurismas
coronarianos, miocardite, pericardite e regurgitação valvar. Pacientes com
comprometimento gastrointestinal evoluem com dor abdominal e diarreia,
colangite, pancreatite e ascite. O comprometimento pulmonar apresenta-se
como quadros influenza-like ou derrames pleurais. O paciente pode evoluir
ainda com cistite e prostatite. Na presença de sintomas neurológicos,
podemos encontrar quadros de meningites assépticas e surdez
neurossensorial.

Quadro clínico
Na doença de Kawasaki, há conjuntivite bilateral não exsudativa, edema
labial com fissuras, língua “em framboesa”, rash cutâneo polimórfico,
maculopapular eritematoso e difuso e envolvimento cardíaco (mais
importante), com a formação de aneurismas coronarianos.

e) Fatores de risco para formação de aneurismas


coronarianos

São fatores de risco para surgimento de aneurismas: sexo masculino, idade <1
ano, febre recorrente apesar do tratamento, aumento de VHS, anemia e
hipoalbuminemia, trombocitopenia e hiponatremia.
Figura 26 - Arteriografia evidenciando aneurisma da artéria coronária esquerda

f) Diagnóstico
O diagnóstico exige 5 entre os 6 critérios anteriores (a febre é um critério
obrigatório). O início agudo e a evolução em surtos sugerem etiologia
infecciosa.
Laboratorialmente, observam-se aumento da VHS ou PCR, leucocitose,
trombocitose caracteristicamente a partir da 2ª semana de doença e fator de
von Willebrand elevado. Podemos ainda evidenciar hipoalbuminemia,
aumento moderado de transaminases, piúria estéril, hiponatremia e líquido
sinovial com leucocitose. O liquor demonstra pleocitose com predomínio de
mononucleares.
O diagnóstico diferencial inclui síndrome de Stevens-Johnson,
farmacodermias, exantemas virais, artrite reumatoide juvenil, síndrome da
pele escaldada, síndrome do choque tóxico e linfadenites cervicais
bacterianas.

g) Tratamento

A imunoglobulina intravenosa é o principal medicamento na doença de


Kawasaki, sendo utilizada na fase aguda, preferencialmente nos primeiros 7 a
10 dias da doença. Deve-se utilizar a dose de 2g/kg em infusão única, durante
período de 10 a 12 horas, associada a ácido acetilsalicílico na dose de 80 a
100mg/kg.
Na fase aguda, o ácido acetilsalicílico é utilizado na dose de 80 a 100mg/kg/d,
dividida em 4 tomadas diárias para potencializar o efeito anti-inflamatório da
imunoglobulina intravenosa, porém não diminui a frequência de
anormalidades coronarianas. O tempo de uso do ácido acetilsalicílico em altas
doses varia, sendo em geral reduzida a dose após período de 48 a 72 horas de
estado afebril. Em seguida, é feita a diminuição da dose, 3 a 5mg/kg/d, e
mantida por período de 6 a 8 semanas a partir do início da doença. Para
crianças com anormalidades cardíacas, o ácido acetilsalicílico é mantido
indefinidamente.

Tratamento
O tratamento da doença de Kawasaki é feito com imunoglobulina 2g/kg IV
em infusão única, em 10 a 12 horas + ácido acetilsalicílico de 80 a
100mg/kg, reduzindo a dose após 48 a 72 horas de estado afebril, seguidos
de diminuição para 3 a 5mg/kg/d, por período de 6 a 8 semanas a partir do
início da doença.
Resumo
Síndrome de Sjögren
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Introdução
A Síndrome de Sjögren (SS) é uma doença autoimune sistêmica crônica
caracterizada pelo comprometimento das glândulas exócrinas, e tem como
principais alvos as glândulas salivares e lacrimais. O processo inflamatório da
doença gera o funcionamento inadequado das glândulas comprometidas,
levando à redução na produção salivar e lacrimal.
A forma primária da doença tem maior probabilidade de acometimento
extraglandular e ocorre em indivíduos sem outras doenças inflamatórias
sistêmicas. A forma secundária associa-se a outras condições autoimunes,
principalmente a artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, mas
também esclerose sistêmica, polimiosite e tireoidite autoimune.

2. Epidemiologia
A incidência e prevalência mundial de SS variam diversamente de acordo
com os critérios de classificação utilizados e com a população avaliada. Além
disso, a minoria dos casos tem critérios bem estabelecidos para a doença. A
incidência da doença é de cerca de 7 casos por 100 mil pessoas, sendo maior
na Europa e na Ásia. A prevalência da doença é de 43 casos em 100 mil
habitantes. A síndrome sicca em idosos tem, entretanto, prevalência maior,
chegando a 30%. Não existem dados brasileiros.
Compromete indivíduos com mais de 40 anos, e a relação entre mulheres e
homens é de 9:1. Devido à sua apresentação insidiosa, o diagnóstico pode ser
retardado por vários anos.

Dica
A síndrome de Sjögren apresenta-se geralmente após os 40 anos, com
prevalência 9 vezes maior em mulheres.

3. Etiopatogenia e fatores de risco


Os gatilhos ambientais ou insultos genéticos predeterminados resultam na
produção de autoanticorpos e posterior injúria celular na doença. O papel
genético da doença mostra diversas associações com antígenos de
histocompatibilidade humanos (HLA). Há, por exemplo, associações a HLA-
DR3, DQ2 em 50% dos pacientes com SS caucasianos. Outros genes não
HLA estão sendo avaliados.
Os fatores ambientais permanecem pouco conhecidos na SS, mas há
possivelmente o envolvimento do Epstein-Barr Vírus (EBV) como gatilho da
doença. Acredita-se que infecção prévia viral seja responsável pela produção
de autoanticorpos envolvidos na patogênese da doença (por exemplo, anti-SS-
A/Ro e anti-SS-B/La) 20 anos antes do surgimento de sintomas. Outros vírus
possivelmente associados à patogênese da doença incluem citomegalovírus
(CMV), coxsackie e herpes-vírus tipo 6 (HHV-6).
Por fim, existem síndromes virais responsáveis por síndromes secas que
mimetizam a SS, sendo as mais importantes: HIV, HTLV-1 e hepatite C.

4. Quadro clínico
Os principais achados na SS são os sintomas de secura oral (xerostomia) e
ocular (xeroftalmia). Os pacientes podem apresentar, também, hipertrofia de
parótidas, artrites e/ou artralgias, fenômeno de Raynaud e sintomas sistêmicos
(febre, fadiga e perda ponderal).

Dica
Lembrar sempre de síndrome de Sjögren na mulher idosa com artrite
reumatoide e que passa a descrever sinais de xeroftalmia e xerostomia.

A - Manifestações oculares

A infiltração linfocitária da glândula lacrimal pode resultar na redução da


produção de lágrimas e na alteração na composição delas, o que acarreta dano
ao epitélio corneal e conjuntival, gerando ceratoconjuntivite seca. O quadro
ocular pode evoluir com complicações como úlcera de córnea e infecções
como a conjuntivite bacteriana, que requerem contínua avaliação
oftalmológica. O paciente queixa-se de secura nos olhos, “sensação de areia”
ou “corpo estranho”, queimação, visão borrada e fotossensibilidade.

B - Manifestações orais

Os sintomas orais mais comuns na SS incluem sensação de diminuição na


produção de saliva, secura oral, necessidade de ingerir líquidos para mastigar
alimentos secos, alteração do paladar e intolerância a alimentos apimentados.
Ao exame físico, os pacientes podem apresentar cáries, úlceras orais, mucosa
eritematosa, atrofia de papilas gustativas e candidíase oral de repetição
(Figura 1). O comprometimento inflamatório agudo das glândulas parótidas
pode ser visualizado pelo aumento dessas glândulas (Figura 2), geralmente
bilateral e em surtos de inflamação.

Quadro clínico
O quadro clínico da síndrome de Sjögren envolve secura ocular, com
sensação de “corpo estranho”, “areia nos olhos”, visão borrada e
fotossensibilidade por ceratoconjuntivite seca, que pode evoluir para úlcera
de córnea, diminuição da saliva, secura oral e alteração do paladar. Ao
exame físico, pode haver cáries, úlceras, atrofia de papilas gustativas e
candidíase de repetição.
Figura 1 - Mucosa oral com ressecamento
Fontes: Cristiane Alencar e UpToDate.
Figura 2 - Hipertrofia da parótida esquerda

C - Outras manifestações

a) Cutâneas

Pele seca, pela deficiência na produção do componente aquoso do suor, pode


ocorrer em metade dos pacientes, com prurido cutâneo devido ao
ressecamento, capaz de levar a liquenização e pigmentação da pele. Púrpuras
palpáveis e não palpáveis podem decorrer de vasculite leucocitoclástica,
geralmente associada a hipergamaglobulinemia, crioglobulinemia e elevação
dos imunocomplexos circulantes.

b) Respiratórias

O comprometimento da mucosa nasal pode provocar secura e dor, prurido e


sangramentos de repetição, além de diminuição do olfato. Secura nos seios da
face predispõe a sinusites agudas e crônicas. A secura e o infiltrado
inflamatório traqueobrônquicos podem provocar, respectivamente, tosse não
produtiva e quadro típico de doença pulmonar obstrutiva crônica. O tecido
pulmonar pode ser infiltrado por linfócitos, com diferentes manifestações:
bronquiolite folicular, pneumonite intersticial linfocítica, alveolite fibrosante,
fibrose intersticial com restrição, vasculite pulmonar e pleurite.
c) Musculoesqueléticas

A SS pode provocar artralgia e artrite periférica, simétrica, não erosiva, com


distribuição de acometimento semelhante ao da artrite reumatoide, em
pequenas articulações. Mialgias e dores musculares difusas (tipo fibromialgia)
também são comuns. Manifestações musculoesqueléticas da doença de base
(artrite erosiva na artrite reumatoide, miosite) ocorrem na SS secundária.

d) Neurológicas

Pode ocorrer neuropatia periférica, com quadros de mononeurite múltipla e


neuropatia distal “em luva” ou “em bota”, associadas à vasculite. Pode
ocorrer, também, acometimento do sistema nervoso central, com
desmielinização semelhante à da esclerose múltipla.

e) Hematológicas

A complicação mais importante na SS é a malignidade da linhagem linfoide,


geralmente linfoma não Hodgkin. O aparecimento de gânglios reativos é mais
frequente, e deve ser descartada a possibilidade de malignidade nessas
situações.

f) Geniturinárias

Secura vaginal pode provocar dor, dispareunia, prurido e candidíase vaginal


de repetição. Irritação uretral não é incomum. As manifestações clínicas
relacionadas à nefrite intersticial crônica incluem discreta elevação de
creatinina, sedimento urinário normal, síndrome de Fanconi, acidose tubular
renal distal (tipo 1), diabetes insipidus nefrogênico e hipocalemia. Nas formas
mais crônicas de doença, é possível encontrar atrofia tubular e fibrose
intersticial. Já a glomerulonefrite proliferativa é incomum, mas possível,
sobretudo quando há crioglobulinemia.
Quanto à acidose tubular renal, a maioria dos pacientes apresenta
comprometimento na secreção de íons hidrogênio nos túbulos coletores
(distais), o que caracteriza o quadro de acidose tubular renal hiperclorêmica
distal (tipo 1), com hipocalemia. Essa hipocalemia pode gerar a chamada
paralisia periódica hipocalêmica (40% dos pacientes com SS e acidose renal
tubular), caracterizada por fraqueza muscular rapidamente progressiva, sendo,
muitas vezes, a 1ª manifestação da SS.

Dica
A paralisia periódica hipocalêmica pode ser a 1ª manifestação da síndrome
de Sjögren.

g) Gastrintestinais

O paciente pode apresentar disfagia esofágica e/ou faríngea e esofagite de


refluxo. O pâncreas pode ser atingido por infiltração linfocitária, podendo
provocar má absorção pela falta de suco pancreático ou mesmo pancreatite
linfocitária aguda. Pode haver hepatite autoimune ou cirrose biliar primária
associadas. A infiltração linfocitária na mucosa gástrica pode provocar
gastrite atrófica e anemia e, no intestino, síndrome de má absorção.

h) Outras

Pode ocorrer pseudolinfoma com infiltração benigna de linfonodos e


estruturas não glandulares. Há evolução para linfoma em menos de 5% dos
pacientes com SS, na maioria não Hodgkin de células B.

Dica
A complicação mais importante na síndrome de Sjögren é a malignidade da
linhagem linfoide, geralmente linfoma não Hodgkin, sendo o linfoma
MALT o mais comum.

5. Achados laboratoriais
O fator reumatoide e os anticorpos antinucleares (FAN) estão presentes em,
respectivamente, 90 e 80% dos casos, o autoanticorpo anti-SS-A-Ro em 60%,
e o anti-SS-B/La, em cerca de 40%. O penúltimo autoanticorpo é mais
frequentemente encontrado em casos de SS primária ou associada ao lúpus, e
o último é mais específico da SS primária. Todos esses autoanticorpos são
importantes ao diagnóstico.
Metade dos pacientes apresenta hipergamaglobulinemia, geralmente
policlonal. Alguns apresentam gamopatia monoclonal benigna, geralmente do
tipo kappa.
Anemia, leucopenia, trombocitopenia, hipocomplementenemia,
imunocomplexos circulantes e crioglobulinemia (geralmente mista tipo II
com fator reumatoide IgM kappa) podem ocorrer e associam-se a
manifestações extra-articulares.
Dica
Fatores reumatoide e antinúcleo são positivos (90 e 80%) em pacientes
com síndrome de Sjögren, além dos autoanticorpos anti-SS-A/Ro (60%) e
anti-SS-B/La (40%).

6. Outros exames
Para o diagnóstico de SS primária ou secundária, é preciso que alguma
evidência concreta de xeroftalmia e/ou xerostomia seja observada, além da
queixa do paciente. Pode-se obter o diagnóstico pela mensuração da produção
lacrimal pelo teste de Schirmer, pela avaliação da estabilidade do filme
lacrimal (break-up time) ou pela quantificação do dano ao epitélio corneano
por meio do teste de rosa-bengala, mais específico do que o teste de Schirmer
para o diagnóstico da SS.

A - Testes confirmatórios de xeroftalmia

a) Teste de Schirmer

É feito por meio da introdução de papel de filtro com 30mm de comprimento


no saco conjuntival na porção lateral da conjuntiva inferior. Mantêm-se os
olhos do paciente fechados por 5 minutos, e então se remove o papel,
anotando o comprimento da área umedecida. O comprimento <5mm é
anormal (Figura 3 - A).

b) Break-up time

Colocam-se 2,5mL de solução de fluoresceína a 1% no fórnice inferior de


cada olho, e pede-se para o paciente piscar. Com o microscópio de lâmpada
de fenda, avaliam-se o intervalo de tempo entre a última piscada e o
aparecimento de áreas escuras não fluorescentes e, assim, a integridade do
filme lacrimal. As áreas escuras correspondem às de perda da integridade do
filme.

c) Rosa-bengala

Avalia-se a alteração anatômica do epitélio da córnea, causada pela redução


da secreção e da produção de mucina pela superfície ocular. Instila-se solução
de anilina a 1%, que impregna no epitélio desvitalizado (Figura 3 - B). O olho
é avaliado em 4 diferentes quadrantes, e é feito um escore de desvitalização.
Dica
O único exame diagnóstico de xeroftalmia que pode ser realizado sem
auxílio oftalmológico é o teste de Schirmer (papel filtro com 30mm de
comprimento no saco conjuntival na porção lateral da conjuntiva inferior
por 5 minutos, sendo anormal o comprimento <5mm).
Figura 3 - (A) Teste de Schirmer e (B) rosa-bengala

B - Testes de xerostomia
a) Sialografia de parótidas

Trata-se de um exame de radiologia contrastada das parótidas que visa


observar a anatomia dos ductos salivares. As alterações encontradas podem
ser deformidades grosseiras do padrão arborizado normal e dilatação ductal
(sialectasia).

b) Cintilografia de glândulas salivares

Pode demonstrar hipocaptação ou hipoexcreção do radiofármaco pelas


glândulas salivares.

c) Fluxometria de saliva

Avalia a produção salivar observando-se o peso da saliva produzida em


determinado período.

Importante

Um achado relacionado a xerostomia, e que constitui um critério diagnóstico,


é o estudo anatomopatológico de glândulas salivares menores, pela biópsia
interna no lábio inferior, buscando-se focos de inflamação no tecido salivar.

7. Diagnóstico
Vários critérios já foram formulados para o diagnóstico e a classificação da
SS. Os mais comumente usados incluem dados de sintomas, achados
objetivos de síndrome seca e sorologia autoimune (Tabela 1).
O diagnóstico de SS primária é feito na presença de 4 dos 6 critérios, desde
que o critério histopatológico ou os autoanticorpos sejam um deles, e na
exclusão dos seguintes: linfoma preexistente, síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS), sarcoidose ou doença enxerto contra hospedeiro, história
de radiação de cabeça e pescoço, hepatite C, uso de agentes anticolinérgicos
ou de outras doenças inflamatórias sistêmicas do tecido conjuntivo, aos quais
a SS pode ser secundária.
Se houve doença inflamatória sistêmica do tecido conjuntivo, o diagnóstico
de SS pode ser obtido na presença de 1 dos critérios clínicos da síndrome seca
(1 ou 2) e mais 2 de qualquer um dos outros critérios de 3 a 5.
É necessário estabelecer o diagnóstico diferencial com desordens não
autoimunes ou síndromes de sobreposição, doenças infecciosas ou processos
neoplásicos. É fundamental a exclusão de efeitos colaterais de tricíclicos,
antidepressivos e anti-histamínicos, bem como neurolépticos, anticolinérgicos
e diuréticos. Entre os principais diagnósticos diferenciais para SS, incluem-se
sarcoidose, amiloidose, linfoma, doença relacionada a IgG4, doença do
enxerto contra hospedeiro, infecção por vírus da hepatite C, HIV e diabetes.

8. Tratamento

A - Educação do paciente e cuidados próprios

Deve-se deixar o paciente a par da doença e do tratamento de possíveis


complicações, além de evitar o uso de medicamentos que possam exacerbar
os sintomas de secura (agentes tricíclicos, diuréticos), bebidas cafeinadas,
álcool e abandonar o tabagismo.

B - Tratamento farmacológico

O tratamento de sintomas extraglandulares e sistêmicos é apresentado na


Figura 4. Na presença de manifestações graves relacionadas à doença, faz-se
uso de imunossupressores, conforme a Figura 5.
Figura 4 - Tratamento das manifestações musculoesqueléticas
Fonte: Valim et al., 2015.
Figura 5 - Tratamento das manifestações sistêmicas neurológicas
Fonte: Valim et al., 2015.

O tratamento para sintomas secos é direcionado e está resumido na Figura 6.


Figura 6 - Tratamento sintomático da secura na síndrome de Sjögren
Fonte: Valim et al., 2015.

Resumo
Lúpus eritematoso sistêmico
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Definição
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica,
multissistêmica, de causa desconhecida e natureza autoimune, na qual ocorre
lesão mediada por autoanticorpos e complexos imunes contra órgãos, tecidos
e células.

2. Epidemiologia
O LES tem prevalência de 20 a 150 casos por 100.000 habitantes nos Estados
Unidos. Um estudo brasileiro no Nordeste encontrou prevalência de 8,7 casos
por 100.000 habitantes. Mulheres são mais acometidas em todas as faixas
etárias, principalmente adultas, com a proporção de 7 a 15 mulheres para cada
homem. Esse fato é justificado pelo possível papel do estrogênio na
patogênese da doença. Pacientes do sexo masculino costumam apresentar a
doença com maior gravidade.
Aproximadamente 65% dos pacientes desenvolvem a doença entre os 16 e 55
anos. Pacientes acometidos em idade mais avançada, bem como aqueles com
quadros fármaco-induzidos, apresentam formas mais brandas da patologia.

3. Etiopatogenia
A causa do LES é desconhecida. Acredita-se que um processo multifatorial
seja responsável pela doença. As interações entre genes suscetíveis e fatores
ambientais levariam a respostas imunológicas inapropriadas, com hiper-
reatividade de células B e T e falência do circuito imunorregulatório.
No LES, inúmeros grupos de autoanticorpos são produzidos contra
complexos proteicos, DNA, RNA, membranas celulares e moléculas
intracelulares. A ligação entre antígenos próprios e autoanticorpos formaria
imunocomplexos patogênicos, capazes de se depositarem sobre várias paredes
endoteliais. Os imunocomplexos que fixam complemento são responsáveis
por lesões teciduais no LES, por iniciarem agressão tecidual onde estão
depositados.
Os fatores relacionados à etiopatogenia do LES estão descritos na Tabela 1.

4. Manifestações clínicas

Tema frequente de prova


O quadro clínico do LES e suas peculiaridades podem estar presentes nos
concursos médicos.

As manifestações clínicas mais comuns são elucidadas na Tabela 2 e


posteriormente discutidas nos tópicos seguintes.
O LES pode acometer vários sistemas, com gravidade variável. A maior parte
apresenta crises com períodos de atividade intercalados com períodos de
remissão. Sintomas inespecíficos, como fadiga, mialgias, artralgias, leve
queda de cabelo, febre, prostração e emagrecimento costumam estar presentes
no início da doença e acompanham os surtos de atividade.

A - Articulares/musculares

De 76 a 100% dos pacientes têm poliartralgia ou poliartrite intermitente,


principalmente nas mãos (interfalangianas proximais e
metacarpofalangianas), nos punhos e joelhos, sem lesões erosivas,
diferentemente da artrite reumatoide. Os surtos repetidos de atividade
articular podem provocar frouxidão ligamentar, de cápsula articular e de
tendões, com subluxações não fixas das articulações, que são redutíveis, sem
destruição articular, conhecido como artropatia de Jaccoud (Figura 1).
Deformidades ocorrem em apenas 10% dos casos (Figura 2).
Dica

Convém lembrar que a poliartrite do LES não gera lesões erosivas na


articulação, diferenciando-a da artrite reumatoide.

Figura 1 - Radiografia de mãos e pés em paciente com lúpus eritematoso sistêmico e artropatia de
Jaccoud
Fonte: Imaging in Rheumatology, 2003.
Figura 2 - Deformidade fixa no 5º quirodáctilo “em pescoço de cisne”, semelhante à da artrite
reumatoide (o dedo permanece deformado), e não fixa (artropatia de Jaccoud) das
metacarpofalangianas: (A) luxadas, com desvio palmar, e (B) de volta à posição normal

Dores localizadas e persistentes em uma única articulação, como joelho ou


quadril, levam à suspeita de necrose asséptica, uma complicação associada ao
LES propriamente, mas também ao uso de corticoide e à síndrome do
anticorpo antifosfolípide (SAF). Quadros de monoartrite devem incluir artrite
séptica no diagnóstico diferencial, sobretudo quando o paciente está
imunossuprimido.
A miosite com fraqueza muscular e elevação da creatinofosfoquinase (CPK)
pode ocorrer, apesar de ser infrequente. Síndromes de superposição de
doenças (LES associado a dermatopolimiosite e/ou polimiosite) ou miopatia
por corticoide ou antimaláricos estão no diagnóstico diferencial.

Quadro clínico
O quadro clínico da poliartrite do LES envolve poliartralgia ou poliartrite
intermitente, principalmente em mãos (interfalangianas proximais e
metacarpofalangianas), punhos e joelhos, sem lesão erosiva, em associação a
frouxidão ligamentar e de tendões (artropatia de Jaccoud).

B - Mucocutâneas

Entre 80 e 90% dos pacientes têm manifestações cutâneo-mucosas. Podem ser


agudas, subagudas e crônicas.
Dentre as lesões agudas, o paciente com LES pode apresentar o lúpus bolhoso
(Figura 3), fotossensibilidade (Figura 4) e rash malar clássico, caracterizado
por lesão eritematosa e descamativa, localizada na região malar e sobre o
nariz, que poupa o sulco nasolabial (Figura 5).
O lúpus cutâneo subagudo (Figura 6) cursa com pápulas eritematosas ou
pequenas placas, de aspecto anular, que podem confluir em grandes regiões
em áreas fotoexpostas.

Dica
Convém lembrar que o rash malar poupa o sulco nasolabial, dando a
conformação “em asa de borboleta” à lesão causada pelo LES.
Figura 3 - Lúpus eritematoso sistêmico bolhoso
Figura 4 - Eritema macular difuso com fotossensibilidade

Figura 5 - Eritema fotossensível na face de paciente lúpica, que compromete as regiões malares e o
dorso do nariz (lesão “em asa de borboleta”)
Figura 6 - Lúpus cutâneo subagudo: (A) lesões no antebraço, com aspecto infiltrativo, anulares e
marginadas, e (B) lesões psoriasiformes

Lesões crônicas de LES incluem o lúpus discoide, o lúpus túmido e o lúpus


profundo. O lúpus discoide se apresenta como pápulas ou placas eritematosas,
espessadas, com áreas de hipo ou de hiperpigmentação e atrofia central.
Acomete comumente áreas fotoexpostas na face, nas orelhas externas, na
região retroauricular e no couro cabeludo. A cicatriz atrófica no couro
cabeludo leva a zonas de alopecia irreversível. Pode ocorrer isoladamente.
O lúpus profundo, ou paniculite lúpica, é menos comum e acomete a derme
profunda e a gordura subcutânea, com a formação de nódulos. A superfície
fica intacta, mas a aderência aos planos profundos pode provocar depressões.
Alopecia no LES pode ser difusa ou localizada (Figura 7), reversível ou
permanente.

Quadro clínico
O quadro clínico envolve lesões mucocutâneas agudas do LES: eritematosas,
bolhosas ou maculares, em áreas fotoexpostas, superficiais; lesões subagudas:
pápulas eritematosas ou placas anulares confluentes, simétricas e em áreas
fotoexpostas; lesões crônicas: os lúpus túmido (lesão contendo mucina),
profundo (nódulos intradérmicos) e discoide (pápulas/placas com atrofia
central).
Figura 7 - Paciente com lúpus eritematoso sistêmico, lesões discoides e alopecia

As úlceras orais e/ou nasais costumam acometer o palato duro, a língua e a


mucosa jugal ou nasal (Figura 8). Na maioria das vezes, são indolores. Lesões
cutâneas podem ocorrer por vasculite, levando a urticária, púrpura palpável,
úlceras digitais ou pápulas eritematosas nas palmas e nos dedos das mãos
(Figura 9).
Figura 8 - (A) Erosões no palato e (B) úlcera oral em paciente com lúpus eritematoso sistêmico
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

Figura 9 - Vasculite palmar

C - Renais

Tema frequente de prova


O acometimento renal no LES e sua classificação são um dos pontos mais
cobrados nos concursos médicos.

O comprometimento renal é frequente no LES e ocorre de metade a 2/3 dos


pacientes. É um fator de mau prognóstico que pode provocar nefrite, com
alteração do sedimento urinário com hematúria microscópica e leucocitúria,
perda da função renal, hipertensão e proteinúria, a qual pode ser nefrótica.
Em biópsias renais, o tipo histológico é importante, pois permite selecionar a
melhor terapia e avaliar os índices de atividade e cronicidade. Entretanto, a
biópsia renal nem sempre está indicada. As indicações de biópsia renal estão
descritas na Tabela 3.
A atual classificação para nefrite lúpica foi revisada (Tabela 4).

Dica
A nefrite lúpica proliferativa difusa (classe IV) é a forma mais comum e mais
grave de comprometimento renal e, classicamente, cursa com sedimento
urinário rico, consumo de complemento e anti-DNA positivo.

Dica
A nefrite lúpica membranosa (classe V) cursa com síndrome nefrótica
clássica.
Constituem fatores de pior prognóstico na nefrite lúpica: raça negra, início da
nefrite em idade jovem, proteinúria nefrótica, alto índice de cronicidade,
doença renal intersticial, hipertensão arterial, formação de crescentes,
hipocomplementenemia e anemia.

Dica
São critérios de pior prognóstico renal no LES: raça negra, início da nefrite
em idade jovem, proteinúria nefrótica, doença renal intersticial, hipertensão
arterial, formação de crescentes, hipocomplementenemia e anemia.

D - Hematológicas

Quaisquer componentes celulares do sangue podem ser atingidos no LES,


levando a citopenia. O hemograma é fundamental para o diagnóstico e o
seguimento de pacientes lúpicos, pois as citopenias também podem ocorrer
como complicações pelo uso de drogas (metotrexato, azatioprina,
ciclofosfamida). A anemia ocorre em até 80% dos pacientes. A anemia
normocítica e normocrômica é a mais frequente, refletindo doença crônica.
Também pode ocorrer anemia por deficiência de ferro ou insuficiência renal.
Todavia, o quadro mais dramático, que só ocorre em 10%, é o da anemia
hemolítica autoimune, de rápida instalação, com hiperbilirrubinemia indireta,
reticulocitose, aumento de desidrogenase láctica (DHL), teste de Coombs
direto e consumo de haptoglobina, requerendo terapia com corticoide em altas
doses.
A leucopenia também é comum, mas dificilmente atinge valores muito baixos
(<1.000/mm3). Quase sempre ocorre por linfopenia, sem necessidade de
tratamento (a menos que a linfopenia atinja valores <600/mm3 por tempo
prolongado).
A plaquetopenia crônica também é comum e pode atingir valores muito
baixos, com risco de sangramento espontâneo grave quando são atingidos
valores menores do que 20.000/mm3 (Figura 10).

Quadro clínico
O quadro clínico hematológico no LES é composto de anemia normocítica e
normocrômica, leucopenia (por linfopenia) e plaquetopenia (aumento do risco
de sangramentos).
Figura 10 - Lúpus eritematoso sistêmico com manifestação de sangramento cutâneo: (A) petéquias
nos membros inferiores; e mucoso: (B) petéquias palatinas – por plaquetopenia grave

E - Neuropsiquiátricas

Cerca de 2/3 dos lúpicos têm algum tipo de manifestação neuropsiquiátrica.


Podem ocorrer síndromes neurológicas centrais, periféricas, autonômicas ou
psiquiátricas.
A manifestação central mais comum é a deficiência orgânica cognitiva,
sobretudo com dificuldade de memória, atenção e argumentação. Pode
ocorrer também estado confusional agudo, que se instala em um curto
período, com flutuações de consciência e atenção ao longo do dia. A psicose
pode ser a manifestação dominante e deve ser distinguida da induzida por
corticoide, que ocorre normalmente nas primeiras semanas de terapia com
corticoide em doses altas (>40mg de prednisona ou equivalente) e melhora
após vários dias da diminuição ou suspensão da medicação.
Podem ocorrer ainda depressão, cefaleias, crises convulsivas, coma,
pseudotumor cerebral, meningite, encefalite por vasculite do Sistema Nervoso
Central (SNC – Figura 11), mielite transversa, mononeurite múltipla e
polineuropatia periférica. Em casos de acometimento do SNC, investigação
com tomografia ou ressonância e coleta de liquor são importantes para afastar
comorbidades, sobretudo infecciosas. O liquor pode apresentar aumento da
celularidade e das proteínas, mas na maioria dos casos está normal.

Quadro clínico
Quanto ao componente neuropsiquiátrico no LES, os mais comuns são
deficiência orgânica cognitiva, convulsões e psicose lúpica.

F - Vasculares

A aterosclerose acelerada é uma causa importante de morbimortalidade entre


lúpicos. Ocorre mais prematuramente e pode ser independente dos fatores de
risco tradicionais, estando associada à doença em si. Outros fatores, como
idade avançada, hipertensão, dislipidemia, presença de anticorpo
antifosfolípide e uso de corticoide em doses elevadas, aumentam o risco de
eventos trombóticos. A ocorrência de acidente isquêmico transitório, acidente
vascular encefálico e infarto agudo do miocárdio está aumentada e tem maior
mortalidade em lúpicos do que em populações não lúpicas pareadas.
Figura 11 - Ressonância magnética cerebral com imagens de comprometimento agudo por vasculite
nas regiões occipitoparietais; a paciente mostrou remissão das lesões, sem sequelas, com a
terapêutica instituída

G - Cardíacas

A pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente. Pode ser


assintomática ou se manifestar com dor que piora à inspiração e à manobra de
Valsalva e vir acompanhada de pleurite. Derrame pericárdico é comum,
pequeno ou moderado. Pericardite constritiva e tamponamento pericárdico
são raros. O eletrocardiograma pode mostrar supradesnivelamento difuso do
segmento ST, e nos raios X pode haver alargamento de área cardíaca, mas o
melhor exame é o ecocardiograma. A pericardite costuma responder bem à
terapia anti-inflamatória e a doses moderadas de corticoide.

Quadro clínico
Pericardite é a manifestação cardíaca mais frequente no LES, com dor que
piora à inspiração e à manobra de Valsalva, e supradesnivelamento difuso de
segmento ST; o tratamento feito com anti-inflamatórios não hormonais e
corticosteroides é efetivo.
A miocardite é incomum e pode se manifestar com febre, dispneia,
palpitações, arritmias, anormalidades de condução ou insuficiência cardíaca.
Comprometimento endocárdico pode ocorrer por várias razões, incluindo
endocardite bacteriana em imunossuprimidos e endocardite asséptica
fibrinosa de Libman-Sacks (Figura 12), também denominada endocardite
marântica. Tal manifestação não está diretamente relacionada a atividade de
doença e requer anticoagulação da paciente, podendo regredir com o uso de
corticoterapia. O envolvimento endocárdico pode conduzir a insuficiência
valvar, geralmente da válvula mitral ou aórtica ou por evento trombótico
(lembrar a associação com SAF). A arterite coronariana é rara e geralmente
coexiste com aterosclerose.

Quadro clínico
O envolvimento endocárdico no LES pode conduzir a insuficiência valvar,
geralmente da válvula mitral ou aórtica.

Figura 12 - Vegetação em paciente com lúpus eritematoso sistêmico e endocardite de Libman-Sacks


Fonte: UpToDate.

H - Pulmonares

As manifestações pulmonares são comuns, mas raramente com risco de


morte. A forma mais comum de acometimento é a pleurite com ou sem
derrame pleural. Os derrames pleurais geralmente são bilaterais e de pequeno
volume. Podem ocorrer dor pleurítica e atrito pericárdico, ou o derrame pode
ser mais volumoso. O derrame tem características exsudativas, com aumento
de proteína, glicose normal, celularidade <10.000 e baixo nível de
complemento. A pleurite pode ser controlada com anti-inflamatórios e
corticoides em doses moderadas por períodos curtos. Se o derrame for
unilateral, ou predominantemente unilateral, ou houver algum indício de
infecção como febre, deverá ser puncionado.

Dica
O derrame pleural no LES possui características exsudativas (aumento de
proteína, glicose normal, <10.000 células e baixo nível de complemento).

O acometimento do parênquima pulmonar é mais raro e pode incluir:


pneumonite intersticial crônica, com alveolite (infiltrado “em vidro fosco”) ou
infiltrado reticulonodular (semelhante a outras colagenoses com miopatias
inflamatórias). Em casos de pneumonite lúpica aguda, os pacientes
apresentam febre, tosse, dispneia e infiltrados aos raios X, sendo fundamental
a diferenciação com quadros infecciosos pulmonares. A presença de
hemorragia alveolar difusa é associada a alta mortalidade (50%). Pacientes
com LES podem cursar hipertensão pulmonar isolada ou associada a embolia
pulmonar. A Shrinking lung syndrome ou síndrome do encolhimento
pulmonar (Figura 13) caracteriza-se por diminuição de volume pulmonar,
possivelmente devido a miopatia do diafragma.
Figura 13 - Shrinking lung syndrome em paciente com lúpus eritematoso sistêmico

I - Gastrintestinais

Manifestações gastrintestinais são incomuns. Dentre elas, destacam-se


peritonite autoimune – que pode ser confundida com abdome agudo cirúrgico
–, pancreatite autoimune, gastroparesia e vasculite intestinal, que podem
provocar perfurações, isquemia, hemorragia intestinal e choque séptico.
Toxicidade hepática por drogas é comum, ao contrário da hepatite crônica
ativa associada ao LES.

J - Oculares

A síndrome de Sjögren secundária e ceratites e conjuntivites inespecíficas são


comuns no LES, mas raramente ameaçam a visão. Contudo, a vasculite de
retina e a neurite óptica são manifestações graves, podendo determinar
amaurose em dias.

5. Avaliação laboratorial
O seguimento laboratorial permite estabelecer o diagnóstico, a monitorização
de um novo surto e a identificação dos efeitos colaterais do tratamento.

A - Pesquisa de autoanticorpos

Tema frequente de prova


Os autoanticorpos e sua tradução na clínica/diagnóstico do LES estão
presentes em diversas questões de concursos médicos.

Na avaliação inicial do LES, tradicionalmente, utiliza-se o FAN (fator


antinúcleo), positivo em 99% dos pacientes com LES não tratado. A presença
de FAN positivo isolado não indica diagnóstico, mas é um bom teste de
triagem pela sua alta sensibilidade. O FAN pode ser positivo em uma série de
condições autoimunes e não autoimunes, sem necessariamente representar
doença. Cerca de 20% das mulheres adultas têm FAN positivo.
O resultado do FAN é fornecido por meio de 2 variáveis: o título e o padrão
de fluorescência. O título mostra a diluição mais alta em que o soro ainda
apresenta reatividade. O padrão de imunofluorescência determina contra quais
estruturas celulares o FAN está direcionado, o que pode sugerir alguns
anticorpos específicos como responsáveis pela positivação desse FAN,
conforme exposto na Tabela 5.
Alguns autoanticorpos são importantes para o diagnóstico de LES, pois são
específicos: o anti-DNA de dupla hélice ou dupla cadeia (anti-dsDNA), o
anti-Sm e o anti-P. Isso significa que a sua positividade, em um contexto
clínico compatível, indica fortemente o diagnóstico. Outros anticorpos são
inespecíficos, podendo ocorrer em outras colagenoses e mesmo em outras
doenças (Tabela 6).
B - Outros exames

Têm como objetivo avaliar o grau de envolvimento de órgãos-alvo nas crises


e no acompanhamento do tratamento da doença. Incluem hemograma
completo, creatinina, eletroforese de proteínas, provas de fase aguda
(velocidade de hemossedimentação – VHS – e Proteína C Reativa – PCR),
urina tipo I, proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina e dosagem de
complemento. O nível sérico de complemento total (CH50 ou CH100) e suas
frações C3 e C4 costumam estar baixos durante atividade lúpica, sobretudo
sistêmica, renal e de serosas. Não é específico. Outras doenças, inclusive do
diagnóstico diferencial, podem ter consumo de complemento, como hepatite
C e endocardite bacteriana.

Importante
No paciente com LES, devem-se avaliar hemograma completo (citopenias),
provas de fase aguda (elevadas na vigência de sintomas sistêmicos), urina I,
proteinúria de 24 horas, clearance de creatinina (comprometimento renal),
dosagem de complemento (baixo durante atividade), CPK e transaminases
(acometimento muscular e hepático) e sorologias para hepatites B e C e HIV
(diferencial).

6. Diagnóstico e diagnóstico diferencial

Tema frequente de prova


Convém ter em mente os critérios diagnósticos do LES, pois com eles é
possível responder a várias questões de provas de concursos médicos.

O LES é uma doença com múltiplas apresentações; os critérios de


classificação (Tabela 7) orientam o diagnóstico e a suspeita clínica. A
presença de 4 ou mais desses critérios tem sensibilidade e especificidade de
96%. Embora seja incomum, podemos encontrar pacientes com LES sem
apresentar 4 dos 11 critérios de classificação.
Recentemente, o SLICC (Systemic Lupus International Collaborating Clinics)
propôs novos critérios classificatórios revisados, mais sensíveis do que os do
American College of Rheumatology (ACR) e aplicáveis para pesquisas
clínicas e epidemiológicas (Tabela 8).

Diagnóstico
Para o paciente ser classificado como portador de LES, pelos critérios do
Systemic Lupus International Collaborating Clinics, devem ser preenchidos 4
dos 17 critérios, incluindo 1 clínico e 1 imunológico. Por esses novos
critérios, o paciente também pode ser classificado como portador de lúpus
caso apresente somente acometimento renal com biópsia compatível com
nefrite lúpica e FAN ou anti-DNA positivo.
Os principais diagnósticos diferenciais de LES são artrite reumatoide (artrite
com FAN positivo), dermatomiosite (miosite, artrite, rash cutâneo), infecções
virais crônicas como hepatite C com crioglobulinemia (artrite,
glomerulonefrite, vasculite de SNC, queda do complemento), hepatite B
(vasculite), endocardite bacteriana (artrite, rash cutâneo, queda do
complemento) etc.

7. Tratamento
O objetivo do tratamento consiste em monitorizar e evitar novas crises, por
meio de estratégias para a supressão dos sintomas em nível aceitável e
prevenção de danos em órgãos-alvo. A estratégia terapêutica deve levar em
conta vários fatores: se o acometimento orgânico da crise envolve risco de
morte ou lesão grave; se as manifestações são potencialmente reversíveis; e a
escolha da melhor abordagem para prevenir complicações da doença e seu
tratamento. O tratamento do LES envolve não só o tratamento
medicamentoso, mas também orientações gerais e tratamento das
comorbidades.

A - Orientações gerais

Os pacientes devem ser orientados a fazer uso regular de fotoprotetores e


manter dieta rica em cálcio, em razão do uso prolongado de corticoides. Além
disso, são fundamentais a prática de atividades físicas e o controle de
dislipidemia e hipertensão arterial. Orientações sobre anticoncepção e
gestação são indispensáveis.

B - Tratamento farmacológico
Os Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) são usados nos casos de artrite
e de manifestações em partes moles. Normalmente são utilizados para a
atividade leve antes que corticosteroides em baixa dose sejam iniciados, ou
associados a antimaláricos.
Os antimaláricos estão indicados a praticamente todos os casos de LES. O uso
contínuo de agentes antimaláricos (cloroquina 250mg/d ou hidroxicloroquina
400mg/d), mesmo em pacientes fora de atividade, reduz a frequência de
recidivas da doença. A toxicidade ocular é responsável pela maior
preocupação no que diz respeito ao tratamento antimalárico. Lesão precoce
geralmente é reversível, mas, na maioria das vezes, assintomática, por isso a
necessidade de exame oftalmológico regular, incluindo acuidade visual,
lâmpada de fenda, teste de campo visual e fundoscopia, normalmente a cada 6
a 12 meses. O desenvolvimento da retinopatia geralmente depende da dose e
da duração.
Além dos efeitos terapêuticos dos antimaláricos nas manifestações do LES, os
efeitos benéficos têm sido relatados no que diz respeito à melhora nos perfis
de lipoproteínas, o que é particularmente importante em pacientes tratados
com corticosteroides ou com síndrome nefrótica e hipercolesterolemia
secundária. Outro benefício potencial é o de antimaláricos na profilaxia contra
eventos tromboembólicos.
Nos casos de LES cutâneo, corticoides tópicos e antimaláricos são efetivos na
redução das lesões. Corticoide sistêmico está indicado a casos de dermatites
extensas. Nos quadros refratários, podem-se utilizar dapsona ou talidomida.
Doses moderadas de corticoide (<0,5mg/kg/d de prednisona ou equivalente)
costumam ser efetivas no tratamento de serosites.
Em casos de artralgia e artrite que não respondem, podem-se usar doses
baixas de prednisona ou equivalente e anti-inflamatórios. Em casos de artrite
franca, crônica e recorrente, uma boa opção é o metotrexato.
A pedra angular no tratamento do LES é o corticoide. Tem rápido início de
ação na resolução da inflamação e dos quadros de atividade da doença.
Normalmente é prescrito por via oral, em baixa, média (0,5mg/kg) ou dose
elevada (1mg/kg), dependendo da manifestação-alvo, em dose única matinal
ou fracionada (2 a 4x/d). Podem ser necessários pulsos de metilprednisolona
1g/d, por 3 dias consecutivos, a depender da gravidade da manifestação.
Embora a interrupção total de corticoide seja uma meta desejada, muitos
necessitam de manutenção com dose baixa de corticosteroide (5 a 10mg/d)
para evitar a recorrência.

Tratamento
O corticoide destina-se para início rápido de ação na resolução da inflamação
e quadros de atividade do LES. Utiliza-se em doses baixa e média (0,5mg/kg)
ou elevada (1mg/kg). É importante que, após o controle da atividade, seja
feita redução gradual da dose, embora a interrupção total de corticoide seja
difícil, devendo-se manter com dose baixa (5 a 10mg/d), para evitar
recorrência.

A ciclofosfamida é uma medicação com grande importância também em


casos de LES grave, como vasculites, quadros pulmonares com risco de morte
e nefrite lúpica grave (biópsia renal com classificação proliferativa III e IV e
nas formas graves da classe V), e na forma de pulsoterapia IV (0,5 a 1mg/m2
de superfície corpórea, inicialmente a cada mês).
Imunoglobulina intravenosa (2g/kg, divididos em 2 a 5 dias) e plasmaférese
podem ser utilizadas quando não há resposta ao tratamento convencional,
sendo utilizadas em casos especiais de acometimento hematológico
(plaquetopenia ou anemia graves), pulmonar (pneumonite) e neurológico.

Tratamento
A ciclofosfamida é utilizada em LES grave (vasculites e nefrite lúpica grave),
na forma de pulsoterapia IV 0,5 a 1mg/m2, inicialmente a cada mês. Recorre-
se a imunoglobulina 2g/kg IV, em 2 a 5 dias, e plasmaférese, quando não há
resposta.

A azatioprina (2 a 3mg/kg/d) permite a redução da dose de manutenção do


corticoide. É o imunossupressor mais usado na prática como agente poupador
de corticoide no LES. O tratamento de manutenção, em doses de 1,5 a
2,5mg/kg/d, parece estar associado a menor taxa de desenvolvimento de
formas graves da doença, como nefrite ou comprometimento do SNC. Além
de seus efeitos sobre a medula óssea, pode causar hepatotoxicidade,
geralmente em doses superiores a 2,5mg/kg/d.
O micofenolato de mofetila (dose ótima de 3g/d), efetivo em alguns pacientes
com LES grave (renal ou neurológico), é um inibidor reversível da inosina-
monofosfato desidrogenase, que limita a síntese de purinas. Em geral, é bem
tolerado. Os efeitos adversos mais comuns são gastrintestinais, infecciosos e
hematológicos.
As principais medidas terapêuticas do LES estão resumidas na Tabela 9.
Uma abordagem alternativa, a ablação imunológica com imunossupressão em
altas doses seguida de resgate com transplante autólogo de células-tronco
hematopoéticas, está disponível em casos de LES grave. A alta mortalidade
associada ao procedimento, juntamente com recaídas relatadas, sugere que o
transplante de células não parece ser um procedimento viável para o
tratamento de atividade grave ou refratária do LES.

8. Prognóstico e sobrevida
A sobrevida em pacientes com LES é de 90 a 95% em 2 anos, 82 a 90% em 5
anos, 71 a 80% em 10 anos e 63 a 75% em 20 anos. No momento do
diagnóstico, o pior prognóstico (50% de mortalidade em 10 anos) está
associado a creatinina elevada (>1,4mg/dL), hipertensão, síndrome nefrótica,
anemia, hipoalbuminemia, hipocomplementenemia e presença de anticorpo
antifosfolípide. Transplantados renais têm maior índice de rejeição do
enxerto, e a nefrite lúpica pode ocorrer em 10% dos casos.
9. Situações especiais

A - Lúpus eritematoso sistêmico e gestação

Tema frequente de prova


A relação entre o LES e a gestação sempre está presente entre os temas de
questões de concursos médicos.

As condições férteis de homens e mulheres com LES são iguais às da


população em geral. No entanto, o índice de perda fetal é maior em mulheres
lúpicas. O óbito fetal é maior entre mães com atividade agressiva da doença,
anticorpos antifosfolípides e/ou nefrite. Devem-se considerar atividade,
gravidade da doença e toxicidade das drogas, sendo a gravidez
desaconselhada quando há atividade de doença, especialmente na vigência de
nefropatia. Existe maior incidência de retardo de crescimento intrauterino,
prematuridade, hipertensão induzida pela gravidez e diabetes.
A supressão da atividade da doença pode ser alcançada pela administração de
corticoide sistêmico e antimaláricos que podem ser mantidos durante a
gestação. Os efeitos adversos pré-natais da exposição ao corticoide são o
baixo peso ao nascer e anormalidades na formação do SNC. Pacientes com
LES e SAF podem ter perdas gestacionais de repetição, prematuridade e
restrição de crescimento intrauterino.
Como manifestações da própria gravidez, podem ocorrer eritemas palmar e
facial, artralgias e elevação da VHS, dificultando a caracterização da
atividade da doença. A presença do anti-dsDNA e/ou a elevação dos seus
títulos e do consumo do complemento pode auxiliar na diferenciação entre
atividade de doença e pré-eclâmpsia.
Um problema potencial adicional para o feto é a presença de anticorpos anti-
Ro, às vezes associada ao LES neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio
atrioventricular (BAV) congênito. O LES neonatal é uma doença imunológica
rara, resultante da passagem para o feto de autoanticorpos maternos anti-Ro
(SS-A), anti-La (SS-B) e/ou anti-U1 RNP. A manifestação clínica mais
frequente e mais grave é o BAV completo congênito, que, geralmente, é
considerado permanente. Associa-se a significativa morbimortalidade,
particularmente durante os primeiros 3 meses de vida. Os anticorpos anti-Ro e
anti-La estão presentes em mais de 85% das mães cujos filhos têm BAV
congênito com coração estruturalmente normal. Os BAVs congênitos são
habitualmente detectados entre a 18ª e a 28ª semanas de idade gestacional e
podem causar insuficiência cardíaca intrauterina, com perda fetal ou neonatal.
Por conta disso, alguns autores recomendam ecocardiogramas seriados entre a
16ª e a 29ª semanas de gestação a todas as grávidas com autoanticorpos,
porque essa é a fase em que existe maior probabilidade de detecção de
bradiarritmia fetal.

Dica
O autoanticorpo anti-Ro materno é preocupante, pois está associado a LES
neonatal, com lesões cutâneas e bloqueio atrioventricular congênito.

As manifestações não cardíacas são transitórias e desaparecem até 6 a 8


meses de vida, quando ocorre o desaparecimento dos anticorpos maternos da
circulação. As alterações cutâneas podem estar presentes desde o nascimento
ou surgir pouco tempo depois, frequentemente associadas a exposição solar
(lesões fotossensíveis). O exantema é em geral eritematoso, anular,
descamativo, fotossensível e atinge a face e o couro cabeludo (Figura 14).
Também pode cursar com alterações da função hepática (colestase) e com
alterações hematológicas (anemia, trombocitopenia e neutropenia).
A presença de anti-Ro requer monitorização da frequência cardíaca fetal, com
intervenção precoce caso ocorra sofrimento. A gestação acontece geralmente
sem surtos da doença, porém uma proporção pequena desenvolve crises
severas que requerem terapia imunossupressora agressiva ou interrupção
precoce da gestação. Os piores resultados ocorrem entre mulheres com nefrite
ativa.

Dica
Prednisona, hidroxicloroquina e ácido acetilsalicílico em baixas doses podem
ser utilizados na gravidez de pacientes com LES.

Anticoncepcionais orais de baixa dosagem de estrogênios, quando indicados,


não têm mostrado indução de atividade significativa da doença, porém são
contraindicados na presença de anticorpos antifosfolípides em virtude do risco
aumentado de tromboses. A prednisona, a hidroxicloroquina e o ácido
acetilsalicílico em baixas doses podem ser utilizados na gravidez. Se é
extremamente necessário o uso de imunossupressores, a melhor opção é a
azatioprina, pois ciclofosfamida, micofenolato de mofetila, metotrexato e
leflunomida são totalmente contraindicados. Às gestantes com anticorpos
antifosfolípides positivos, porém sem a síndrome antifosfolípide, indica-se
ácido acetilsalicílico 100mg/d.
Na amamentação, doses superiores a 20mg/d de prednisona podem
determinar riscos para a criança, sendo recomendado intervalo de 4 horas
entre a tomada da medicação e a amamentação.
A monitorização de tais pacientes deve ser individualizada, e a gestação,
considerada de alto risco, necessita de acompanhamento multidisciplinar até o
puerpério, em virtude da possibilidade de exacerbação da doença.

Dica
Na amamentação, prednisona >20mg/d pode determinar riscos para a criança,
por isso recomenda-se intervalo de 4 horas entre medicação e amamentação.
Figura 14 - Lúpus neonatal

B - Lúpus e síndrome do anticorpo antifosfolípide

A SAF está comumente associada ao LES (50% dos casos de SAF têm LES),
mas pode ser secundária a outras doenças inflamatórias do tecido conjuntivo e
mesmo aparecer isolada (SAF primária). É uma coagulopatia adquirida,
provocada pelo efeito protrombótico de autoanticorpos como o anticoagulante
lúpico, a anticardiolipina e a antibeta-2-glicoproteína.
Pode manifestar-se pela presença de fenômenos trombóticos arteriais e/ou
venosos e/ou perdas fetais repetidas. A trombose venosa profunda com ou
sem embolia pulmonar é a apresentação mais comum. Tromboses arteriais
geralmente acometem o SNC, como ataques isquêmicos transitórios ou
acidente vascular cerebral tromboembólico.
A SAF pode associar-se também a eventos gestacionais, como perdas
gestacionais de repetição no 1º trimestre, morte fetal intrauterina por infartos
placentários e nascimentos prematuros por insuficiência placentária. Se a SAF
se manifestar apenas com eventos gestacionais, sem tromboses arteriais ou
venosas associadas, a paciente será portadora de SAF gestacional.
Outras manifestações comumente associadas são plaquetopenia leve
(geralmente de consumo) e livedo reticularis. Pode provocar, também, mais
raramente, coreia, mielite transversa e endocardite asséptica, que pode
embolizar. A SAF catastrófica é uma complicação grave, caracterizada por
múltiplas tromboses em vários órgãos em curto espaço de tempo, com alta
mortalidade (50%).
Faz-se o diagnóstico na presença de ao menos 1 critério clínico e 1
laboratorial.

Diagnóstico
Para o diagnóstico de síndrome do anticorpo antifosfolípide, recorre-se a 1
critério de cada categoria: clínicos (≥1 episódio de trombose vascular),
morbidades gestacionais (1 ou mais óbitos de fetos normais após a 10ª
semana; ou 1 ou mais partos prematuros de neonatos morfologicamente
normais até a 34ª semana de gestação; ou 3 ou mais abortamentos
espontâneos até a 10ª semana de gestação) e laboratoriais (anticorpos em 2 ou
mais ocasiões, com intervalo mínimo de 12 semanas).

O tratamento das tromboses arteriais e venosas consiste em anticoagulação


prolongada com cumarínicos. Inicialmente, sugeriu-se manter INR mais alto,
de 3 a 4, mas estudos randomizados recentes mostraram a mesma eficácia
com INR mantido entre 2 e 3. Enquanto o cumarínico não faz efeito, utiliza-se
heparinização plena com heparina de baixo peso molecular. Um estudo
demonstrou que pacientes com LES sem diagnóstico prévio de SAF, com um
1º acidente vascular cerebral trombótico e apenas 1 dosagem de anticorpo
antifosfolípide presente, podem ser mantidos com ácido acetilsalicílico sem
anticoagulação, pois muitos não vão manter o anticorpo presente e não terão
diagnóstico de SAF.
No caso de SAF gestacional, com perdas fetais anteriores, o tratamento com
heparina não fracionada ou de baixo peso molecular e ácido acetilsalicílico
em baixas doses (81mg/d) aumenta significativamente o número de nascidos
vivos e reduz a morbidade gestacional.

C - Lúpus induzido por drogas

Tema frequente de prova


O lúpus induzido por drogas aparece com frequência como diagnóstico
diferencial em questões de concursos médicos.

É uma doença diferente do lúpus verdadeiro, mas com sintomas similares,


induzida pela exposição a determinadas drogas (Tabela 10). Essas drogas não
agravam quadros de LES não induzidos por drogas. Não há critérios
definidos, mas a associação temporal à exposição a drogas potencialmente
causadoras (semanas a meses) e a resolução das manifestações com a
interrupção da droga em algumas semanas fazem o diagnóstico. Entretanto, os
autoanticorpos podem persistir por 6 a 12 meses.
Os pacientes se apresentam com queixas constitucionais como fadiga, febre
baixa e mialgia, além de artralgia, artrite e serosite (pleural e pericárdica).
Nefrite e acometimento de pele e SNC são mais raros.
Os exames laboratoriais podem apresentar FAN com padrão homogêneo e
anticorpos anti-histona característicos. O anti-dsDNA e o anti-Sm estão
ausentes.
Resumo
Esclerose sistêmica
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Definição
A Esclerose Sistêmica (ES), também chamada esclerodermia sistêmica, é uma
doença crônica, multissistêmica, caracterizada por alterações funcionais e
estruturais de pequenos vasos sanguíneos, fibrose da pele e de órgãos internos
e autoimunidade.

2. Epidemiologia
Trata-se de uma doença rara, de etiologia desconhecida. Todas as faixas
etárias podem ser acometidas, mas a maior incidência ocorre entre 30 e 50
anos. A relação entre mulheres e homens é de 4 a 5:1. É incomum em crianças
menores de 13 anos (0,1/1.000.000), mas que, quando acometidas, possuem
menor incidência de crise renal, porém maior propensão a atingir o sistema
cardiopulmonar.
A ES tem distribuição mundial e acomete todas as raças, mas com graus
variáveis. Negros tendem a ter maior incidência da forma difusa, com
comprometimento pulmonar e pior prognóstico e idade de início mais baixa,
enquanto quadros cutâneos limitados são comuns em mulheres brancas. Na
idade pós-menopausa, ocorre pequena redução na prevalência em relação aos
homens (2 a 4:1).
A maioria ocorre esporadicamente, mas, raramente, pode haver agrupamento
familiar. Alguns casos foram relatados em associação à exposição a solventes,
sílica ou metais. A contribuição genética também tem sido estudada, havendo
associação a HLA-A1, B8 e DR3.
Os autoanticorpos antitopoisomerase I e anti-RNP U3 estão associados a
doença mais severa, mais frequentes em afro-americanos. O anticentrômero é
mais frequente em brancos e se associa a doença mais moderada.
Dica
Antitopoisomerase I e anti-RNP U3 associam-se a ES mais severa, em
afro-americanos, e anticentrômero, a doença moderada, mais frequente em
brancos.

3. Etiopatogenia
Ocorrem 2 processos patológicos básicos na ES que explicam os sinais e
sintomas da doença e determinam a extensão da sua morbimortalidade:
desenvolvimento insidioso de fibrose nos tecidos e órgãos afetados e
disfunção vascular de pequenas artérias e microvasos (Figura 1).
No desenvolvimento da fibrose, ocorrem ativação anormal do sistema imune
por estímulo não identificado, ativação de linfócitos T e B autorreativos,
liberação de citocinas e quimiotaxia de células inflamatórias, como os
macrófagos. Essas células inflamatórias, em conjunto com as plaquetas
ativadas e o endotélio, liberam fatores de crescimento, capazes de atrair e
ativar os fibroblastos, levando à deposição excessiva de colágeno
(principalmente, tipos I, III e VI).
As alterações vasculares podem ser explicadas pela produção de maior
quantidade de fatores vasoconstritores (endotelina-1) e menor quantidade de
substâncias vasodilatadoras (óxido nítrico e prostaciclina), ativação
plaquetária, com formação de microagregadores de plaquetas nos capilares e
nas vênulas, e liberação de tromboxano A2 (vasoconstritor). Esse
desequilíbrio a favor de uma vasoconstrição persistente provoca episódios
repetidos de isquemia e hipoperfusão tecidual, acarretando injúria celular,
sendo o estímulo principal para o acúmulo dos fibroblastos ativados e a
formação de fibrose.
O papel dos autoanticorpos encontrados ainda não é conhecido até o
momento.
Figura 1 - Patogênese

4. Classificação
Em 2013, o American College of Rheumatology (ACR), em conjunto com a
European League Against Rheumatism (EULAR), desenvolveu critérios
diagnósticos para ES, descritos na Tabela 1.
Pacientes com pontuação ≥9 têm o diagnóstico confirmado. Note que apenas
o comprometimento cutâneo de dedos de ambas as mãos até a região
proximal de metacarpofalangianas já é capaz de indicar ES, mas esses
pacientes costumam apresentar outros achados sugestivos da doença.
A ES pode acontecer em 2 formas: difusa e limitada, de acordo com a
distribuição do acometimento cutâneo, com implicações clínicas, sorológicas
e prognósticas (Figura 2).
Figura 2 - Esclerose sistêmica (A) limitada e (B) difusa

Dica
A forma limitada de ES tem espessamento cutâneo nos membros distais
(pode acometer a face), associada a hipertensão pulmonar e ACA.
Figura 3 - Síndrome CREST
Fontes: Rheumatology in Practice, 2010.

Além da ES em suas 2 formas, difusa e limitada, o espectro da esclerodermia


compreende outros espectros clínicos distintos, esquematizados na Tabela 2.
Figura 4 - Morfeia em placas
Figura 5 - Esclerodermia linear
Figura 6 - Lesão “em golpe de sabre”

Dica
A doença mista do tecido conjuntivo engloba manifestações clínicas de
mais de 1 doença reumatológica (artrite reumatoide, lúpus e ES) e
apresenta anti-RNP positivo. Os casos em que há manifestações clínicas de
mais de 1 doença reumatológica, sem autoanticorpos definidores, são
denominados como doença indiferenciada do tecido conjuntivo.

Outro grupo de pacientes pode não fechar o diagnóstico de nenhuma doença


inflamatória do colágeno, mas apresentar alguns achados típicos como FRy e
sorologia positiva, caracterizando o diagnóstico de doença indiferenciada do
tecido conjuntivo. Esse diagnóstico, muitas vezes, é transitório, pois, com o
tempo e o aparecimento de novos achados, o paciente acaba fechando o
diagnóstico de uma doença definida.

5. Manifestações clínicas
Tema frequente de prova
O quadro clínico rico da ES pode ser cobrado em questões de concursos
médicos.

A ES é uma doença multissistêmica crônica. Os sintomas iniciais tipicamente


são inespecíficos e incluem FRy, fadiga e sintomas musculoesqueléticos.
Esses sintomas podem persistir por semanas e meses até o aparecimento de
outros sinais. O 1º sinal clínico que sugere o diagnóstico de ES na pele é o
edema dos quirodáctilos ou da mão. Os demais acometimentos são variáveis e
podem ser pulmonares, cardíacos, gastrintestinais e renais.
A vasculopatia responde pelo FRy, com úlceras digitais, pela Hipertensão
Arterial Pulmonar (HAP) e pela crise renal esclerodérmica. Já o processo
fibrosante é responsável pela fibrose cutânea e de estruturas viscerais
(pulmões, coração, tubo digestivo).

Dica
O 1º sinal clínico que sugere diagnóstico de ES na pele é o edema dos
quirodáctilos ou da mão.

A - Fenômeno de Raynaud

Trata-se de vasoespasmo reversível de artérias digitais de mãos e pés. O FRy


pode ser primário ou secundário e, nesses casos, ocorrer em associação a
outras doenças. Classicamente, o fenômeno vascular é trifásico, porém formas
menos características podem ocorrer, sendo costumeiramente desencadeado
pela exposição ao frio.

Dica
No FRy, a palidez é seguida de cianose, que é seguida de rubor
(hiperemia); 2 fases, em ordem, já definem o fenômeno.
Figura 7 - Fenômeno de Raynaud – fases: (A) e (F) palidez (vasoespasmo); (B) e (D) cianose –
isquemia e dessaturação da hemoglobina; (C) e (E) rubor (hiperemia reativa)

a) Fenômeno de Raynaud primário

Incide preferencialmente em mulheres jovens e costuma ser simétrico,


acometendo as mãos, mas é possível também nos pés. Classicamente, trata-se
de forma benigna que não cursa com manifestações isquêmicas. Seu
diagnóstico depende da exclusão de outros fatores que podem desencadeá-lo,
como uso de drogas vasoconstritoras, tabagismo, distúrbios vasculares e as
doenças inflamatórias do tecido conjuntivo, principalmente ES, LES,
síndrome de Sjögren, Doença Mista do Tecido Conjuntivo (DMTC) e as
miopatias inflamatórias (Tabela 3).
Para o diagnóstico do FRy primário, além de excluir causas externas e doença
sistêmica pela anamnese e pelo exame físico, o paciente deve ter provas de
atividade inflamatória normais (velocidade de hemossedimentação – VHS – e
Proteína C Reativa – PCR), autoanticorpos negativos (pelo menos fator
antinúcleo – FAN – e Fator Reumatoide – FR) e capilaroscopia periungueal
normal ou com leves alterações inespecíficas.

Dica
Deve-se pensar em FRy primário quando ele for brando, simétrico, sem
alterações isquêmicas, além de VHS e capilaroscopia estarem normais.

b) Fenômeno de Raynaud secundário

A forma secundária é encontrada na ES e, inclusive, pode ser sua 1ª


manifestação (mais de 90% dos pacientes apresentam formas graves), na
DMTC e nas miopatias inflamatórias, predominantemente. Costuma
apresentar-se com lesões isquêmicas crônicas e alterações estruturais
vasculares e cutâneas. Entre as manifestações crônicas associadas à gravidade
do FRy, podemos citar reabsorção de polpas digitais (Figura 8), ulcerações
por má circulação, conhecidas como pitting scars (Figura 9), e reabsorção
óssea e perda de falanges (Figura 10), que ocorrem em casos extremos e
podem complicar com gangrenas digitais, sobretudo em caso de infecções.

Dica
São lesões de isquemia gerada pelo FRy: reabsorção de polpas digitais,
pitting scars, reabsorção óssea e perda de falanges.
Figura 8 - Reabsorção de polpa digital em paciente com esclerose sistêmica difusa

Figura 9 - Fenômeno de Raynaud com pitting scars ou úlcera digital por isquemia: (A) úlcera ainda
aberta e (B) úlcera já cicatrizada
Figura 10 - Reabsorção de falanges distais em paciente com esclerose sistêmica difusa, fenômeno de
Raynaud e pitting scars: (A) infarto digital e (B) reabsorção de falanges distais

Em pacientes com FRy isolado, podemos prever a gravidade das lesões por
meio da capilaroscopia ungueal. A presença de lesões e dilatações de
capilares ou a ausência de capilares (deleções) caracteriza o padrão SD
(Figura 11), que é peculiar da ES e ocorre na DMTC e em miopatias
inflamatórias, em menor frequência. Outras doenças reumatológicas que
apresentam FRy, como LES, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren, têm
capilaroscopia normal ou com alterações leves e inespecíficas, que não
definem o padrão SD.

Dica
O padrão SD (lesões e dilatações de capilares ou a ausência de capilares)
na capilaroscopia é peculiar da ES, da doença mista do tecido conjuntivo e
das miopatias inflamatórias.
Figura 11 - Capilaroscopia periungueal: observar a dilatação dos capilares e áreas sem capilares
(deletados) – padrão SD

B - Cutânea

Os achados mais característicos da ES estão na pele. Além do espessamento


(Figura 12) ou da esclerose da pele proximal às metacarpofalangianas e
metatarsofalangianas, são comuns esclerodactilia (espessamento cutâneo
restrito aos dedos – Figura 13), telangiectasias (Figura 14), edema das mãos,
dos dedos e/ou dos pés, lesões “em sal e pimenta” (Figura 15), calcinoses e
perdas de tecido digital, como pitting scars e gangrenas, e as úlceras cutâneas
de tração (Figura 16).
Como já citado, a distribuição da esclerose é responsável pela divisão da ES
nas formas difusa e limitada. Na forma difusa, o espessamento cutâneo está
presente no tronco e nas extremidades proximais (acima dos joelhos e
cotovelos), além da face e da porção distal dos membros, e, na forma
limitada, o espessamento cutâneo fica limitado aos membros, distalmente aos
cotovelos ou joelhos, podendo acometer face e pescoço.

Quadro clínico
Espessamento da pele proximal às metacarpofalangianas e
metatarsofalangianas, esclerodactilia, telangiectasias, edema de
mãos/dedos/pés, lesões “em sal e pimenta”, calcinoses, pitting scars,
gangrenas e úlceras são algumas manifestações cutâneas da ES.

Figura 12 - Espessamento cutâneo


Figura 13 - Espessamento cutâneo e retração da pele dorsal dos dedos (esclerodactilia), com
contratura em flexão de interfalangianas proximais e distais

Figura 14 - Síndrome de CREST – telangiectasias na face e na língua


Figura 15 - Lesões “em sal e pimenta”
Figura 16 - Fase edematosa
O processo de esclerose de pele passa por 3 fases: edematosa, fibrótica e
atrófica. Na fase precoce, ou edematosa (Figura 16), há edema difuso da pele
e, em alguns casos, eritema. Este se deve ao infiltrado inflamatório e pode
estar inicialmente restrito às mãos, aos dedos ou aos pés. Pode haver sensação
de prurido e sensibilidade cutânea nessa fase pré-fibrose.
Na fase fibrótica (Figura 17), a pele se torna espessada e aderida. O processo
inicia-se distalmente e progride proximalmente, acometendo mais os
membros superiores do que os inferiores. Pode haver limitação de
movimentos pela perda de elasticidade da pele sobre várias articulações e,
dependendo da gravidade do processo, contraturas em flexão. Sobre as
superfícies extensoras dessas articulações, são comuns, pela tração da pele
pouco elástica, isquemia e traumas, além do aparecimento de úlceras de
tração, que não têm relação com o FRy, diferentemente das pitting scars, que
ocorrem nas polpas digitais. Na fase atrófica, a pele fica mais afinada e se
desprende dos planos profundos, com aparente “melhora” do quadro.
Na face, o acometimento da pele leva a perda de rugas, estiramento da pele,
afinamento dos lábios e do nariz. A rima oral se reduz, provocando
microstomia (Figura 18), o que pode dificultar abordagens na boca, como
avaliações e tratamentos odontológicos, ou mesmo a intubação.
Figura 17 - Fase fibrótica
Figura 18 - Afinamento dos lábios e redução da rima oral

Outro achado característico são as calcinoses subcutâneas, que correspondem


a depósitos de cálcio no subcutâneo, geralmente sobre áreas expostas a
microtraumas, como antebraços, mãos, cotovelos, joelhos, coxas e nádegas.
São mais frequentes na ES limitada e são um dos critérios da síndrome
CREST. Esse material pode provocar dor e desconforto, mas também ulcerar
a pele e facilitar infecções.

C - Pulmonar
a) Doenças

O acometimento pulmonar é a principal causa de mortalidade e pode dever-se


a fibrose intersticial e/ou doença vascular pulmonar, provocando hipertensão
pulmonar. Pacientes com a forma difusa da ES têm maior risco de doença
intersticial pulmonar, enquanto aqueles com a forma limitada têm maior risco
de hipertensão pulmonar. Apesar disso, a correlação não é perfeita, e todos os
pacientes devem ser monitorizados, pois, em ambos os casos, os sintomas só
aparecem tardiamente.

Dica
A principal causa de óbito em pacientes com esclerodermia sistêmica é o
acometimento pulmonar (doença intersticial pulmonar ou hipertensão
pulmonar).

b) Pneumopatia intersticial

A Doença Pulmonar Intersticial (DPI), ou alveolite fibrosante (Figura 19), é


inicialmente assintomática. Dispneia e tosse seca são sintomas tardios e
inespecíficos. Na evolução da doença, 20% dos casos precisam de oxigênio
suplementar. Tem forte associação à presença de antitopoisomerase I, mas não
está restrita a esse grupo de pacientes. Provas de Função Pulmonar (PFPs)
com difusão devem ser realizadas precoce e periodicamente, mesmo na
ausência de sintomas, e representam a forma mais sensível para indicar DPI.
Mostram alterações restritivas, com redução da capacidade vital forçada, dos
volumes pulmonares e da capacidade de difusão do monóxido de carbono.
A Tomografia Computadorizada de Alta Resolução de tórax (TCAR – Figura
20) também é usada e bem mais sensível do que radiografias simples para
mostrar alterações intersticiais. Pode ocorrer inicialmente alveolite, com
achado de “vidro fosco”, que pode responder ao tratamento, mas evolui com
fibrose, apresentando infiltrado reticulonodular e faveolamento. O lavado
broncoalveolar tem sido proposto em pacientes com TCARs alteradas para
indicar alveolite ativa, com presença de neutrófilos e eosinófilos.

Dica
A doença pulmonar intersticial é a manifestação grave mais associada à ES
difusa. Relaciona-se ao antitopoisomerase I e mostra alterações restritivas
nas provas de função pulmonar.

Dica
As principais alterações da doença pulmonar intersticial vistas na
tomografia de alta resolução são faveolamento, opacidades “em vidro
fosco” e infiltrado reticulonodular.
Figura 19 - (A) Radiografia de tórax e (B) tomografia correspondente em paciente com esclerose
sistêmica

Figura 20 - Padrões de anormalidades encontrados na tomografia de alta resolução de tórax de


paciente com esclerose sistêmica: (A) faveolamento; (B) opacidades “em vidro fosco” associadas a
opacidades reticulares; (C) opacidades reticulares; (D) opacidades “em vidro fosco”

c) Hipertensão pulmonar

Pacientes com ES podem ter hipertensão pulmonar por várias razões: doença
ventricular esquerda, doença pulmonar fibrosante ou HAP. A HAP ocorre
sobretudo na forma limitada com ACA positivo, em que o problema está na
vasculopatia esclerodérmica do leito arterial pulmonar. Ela é, inicialmente,
assintomática, e seu rastreamento precoce e periódico também é necessário.
Como discutido no capítulo sobre hipertensão pulmonar, na ausência de
doença fibrosante e indícios claros de doença cardíaca esquerda, o cateterismo
estará indicado para avaliação hemodinâmica conclusiva, definindo o
diagnóstico e direcionando o tratamento.
Dica
A colagenose mais frequentemente associada à hipertensão arterial
pulmonar é a esclerodermia na forma limitada.

D - Gastrintestinal
O aparelho digestivo é o 2º mais atingido depois da pele. O acometimento
neurológico do plexo mioentérico, com atrofia e fibrose da musculatura lisa,
leva a dismotilidade gastrintestinal. O esôfago acometido, principalmente nos
2/3 distais, pode chegar a ficar aperistáltico e provocar disfagia,
principalmente para sólidos. O esfíncter esofágico inferior acometido causa
doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), com pirose, podendo evoluir com
disfagia, erosões de mucosa, constrição esofágica, esôfago de Barrett e até
pneumopatia secundária à aspiração. O acometimento gástrico pode levar a
gastroparesia, saciedade precoce, náuseas e vômitos.
Pode ocorrer, ainda, dismotilidade intestinal: no intestino delgado, pode
provocar borborigmos, pseudo-obstrução, distensão abdominal, diarreia,
hipercrescimento bacteriano e síndrome de má absorção, necessitando de
cursos intermitentes de antibióticos. No intestino grosso, a dismotilidade
causa constipação e pode provocar incontinência fecal, caso atinja o esfíncter.
Casos graves de pseudo-obstrução intestinal também são possíveis.
Além da dismotilidade, a ES pode provocar telangiectasias com sangramento
e perda sanguínea crônica. A atrofia da mucosa gástrica pode provocar ectasia
vascular gástrica antral, também conhecida com o estômago “em melancia”,
que pode ser observada à endoscopia.
Exames como radiografias contrastadas de Esôfago-Estômago-Duodeno
(EED) mostram a dismotilidade do tubo digestivo (Figura 21), DRGE e lesões
constritivas. Pode ser necessária pHmetria para definir a DRGE. Endoscopias
periódicas para avaliar complicações e outras alterações são necessárias.

Quadro clínico
O quadro clínico gastrintestinal da ES envolve disfagia, doença do refluxo
gastroesofágico, pseudo-obstrução intestinal, diarreia, síndrome de má
absorção, constipação e sangramento gastrintestinal crônico.
Figura 21 - Síndrome CREST: dilatação e hipoperistalse do esôfago distal

E - Musculoesquelética

Podem ocorrer artralgias e mialgias inespecíficas, contraturas articulares pela


fibrose cutânea, inflamação dos tendões causando atrito ao movimento
articular e sinovites.
Miosite também pode acontecer, geralmente com baixos níveis de enzimas
musculares e baixa resposta a corticoide, com biópsia mostrando fibrose de
fibras musculares com pouca inflamação, embora miosite inflamatória franca,
com fraqueza proximal e infiltrado inflamatório, também possa ocorrer, mais
raramente, com boa resposta a corticoide. Nesse último caso, deve-se
considerar associação a miopatia inflamatória (poli ou dermatomiosite).
Artrite de mãos e punhos, simétrica, também pode ocorrer precocemente,
sendo não erosiva e responsiva à terapia com imunossupressores. A
sobreposição com artrite reumatoide leva a quadro mais agressivo, erosivo.
Um achado clássico é a osteólise ou reabsorção de extremidades ósseas
distais, principalmente falanges dos quirodáctilos, devido à isquemia crônica
pela vasculopatia. O espessamento das bainhas tendinosas do punho pode
causar a síndrome do túnel do carpo.

Quadro clínico
O quadro clínico musculoesquelético da ES envolve artrite de mãos e
punhos, simétrica, não erosiva e responsiva à terapia com
imunossupressores.

F - Renal

A manifestação clínica mais importante é a crise renal esclerodérmica (Figura


22), caracterizada por hipertensão arterial grave com perda da função renal
(oligúrica), proteinúria e hematúria microscópica. Podem ocorrer anemia
microangiopática e plaquetopenia, que se resolvem com o controle da
hipertensão.
Figura 22 - Arteriografia: (A) rim normal e (B) com crise renal esclerodérmica

Fatores de risco para crise renal incluem doença cutânea difusa, doença
precoce (4 primeiros anos), uso de altas doses de corticoide e presença de
anticorpo anti-RNA polimerase III.
Já foi a principal causa de morte em pacientes com ES, mas o uso dos
Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECAs) revolucionou o
tratamento, devendo ser rapidamente instituída a terapia com IECA no
diagnóstico de hipertensão arterial em pacientes com ES. Fatores de mau
prognóstico são sexo masculino, idade avançada e creatinina >3mg/dL.

Quadro clínico
A crise renal esclerodérmica é caracterizada por hipertensão arterial grave
com perda da função renal, proteinúria e hematúria microscópica.

G - Cardiovascular

As manifestações da doença cardíaca são variáveis. Sintomas incluem


dispneia, desconforto torácico e palpitações. Pode acometer o miocárdio, com
distúrbios de condução, arritmias e insuficiência cardíaca (inclusive com
fração de ejeção preservada). Efusão pericárdica discreta pode ser observada
em 30 a 40% dos assintomáticos. Pericardite sintomática é incomum.
6. Exames complementares
Para diagnóstico de ES, é preciso ter, além da anamnese e do exame físico
(que pode indicar rapidamente o diagnóstico pelas alterações cutâneas),
alguns exames para observação e rastreamento de acometimento de algumas
estruturas e aparelhos, além da sorologia autoimune.
Dentro da sorologia autoimune, o FAN é indispensável, pois está presente em
mais de 95% dos pacientes com ES, tanto na forma difusa quanto na limitada.
É inespecífico e pode ocorrer em indivíduos com outras doenças inflamatórias
do tecido conjuntivo e mesmo naqueles normais. Geralmente, tem padrão
nuclear, nucleolar ou centromérico, com títulos acima de 1/640.
Os principais autoanticorpos presentes na ES são o antitopoisomerase I, o
ACA e os anti-RNA polimerase, descritos na Tabela 4.

Importante
Os principais autoanticorpos presentes na ES são o antitopoisomerase I
(forma difusa, com pior prognóstico), o ACA (forma limitada e síndrome
CREST) e os anti-RNA polimerase.
O padrão SD encontrado no exame de capilaroscopia é altamente sugestivo de
esclerodermia (Figura 23), encontrado em quase todos os pacientes com ES.
Figura 23 - Capilaroscopia periungueal: (A) normal; (B) vasos tortuosos e dilatação segmentar; (C)
capilares gigantes, desorganização da estrutura capilar e hemorragias; (D) áreas avasculares e áreas
de neoformação capilar
Fonte: Rheumatology in Practice, 2010.

7. Tratamento
O tratamento de pacientes com ES deve ser individualizado de acordo com as
manifestações predominantes, levando em consideração o subtipo da doença e
os órgãos comprometidos. Não existe tratamento específico da doença, porém
pacientes com envolvimentos graves são usualmente tratados com
imunossupressão. Consideramos, portanto, tal tratamento em: envolvimento
cutâneo difuso, Doença Pulmonar Intersticial (DPI), miocardite e miopatia
inflamatória e/ou artrite graves.
Iniciamos o tratamento precocemente com o objetivo de minimizar danos ao
paciente, porém a terapêutica usualmente tem benefícios limitados. De forma
geral, no momento do diagnóstico e, rotineiramente, os pacientes são
avaliados para possíveis complicações cardíacas, pulmonares e renais.
Para tratamento com base no comprometimento de órgãos, as últimas
diretrizes publicadas são da EULAR de 2017 e serão resumidas a seguir.

A - Pele

Para pacientes com comprometimento cutâneo e visceral, o tratamento com


imunossupressores é usualmente indicado, porém com benefício limitado.
Nas formas de comprometimento cutâneo extenso sem comprometimento
visceral, são medicações de escolha metotrexato e micofenolato de mofetila.
Em casos refratários, pode-se usar ciclofosfamida, principalmente na presença
de comprometimento visceral associado. Em casos com espessamento
cutâneo refratário e falha de outros tratamentos, no contexto de
comprometimentos viscerais, há possibilidade do uso de imunoglobulina
humana ou rituximabe.
Pacientes com prurido podem se beneficiar do uso de anti-histamínicos. Na
presença de calcinose importante, gerando alteração funcional ou ulcerações,
são opções terapêuticas minociclina e metotrexato. Nos casos dolorosos e
refratários ao tratamento clínico, o tratamento cirúrgico pode ser indicado.

B - Fenômeno de Raynaud
O objetivo do tratamento é prevenir eventos isquêmicos e melhorar a
qualidade de vida dos pacientes. A exposição ao frio e o estresse emocional
são fatores que podem influenciar no sucesso terapêutico. São medidas
iniciais no tratamento de pacientes com FRy: educação do paciente,
manutenção de membros aquecidos, mudanças comportamentais e tratamento
farmacológico.
Os pacientes devem ser estimulados a realizar mudanças de estilo de vida e
interromper o uso de drogas que possam desencadear o vasoespasmo. Evitar
exposição ao frio ou a grandes variações de temperatura, manter extremidades
aquecidas (usar luvas e meias) e, ao presenciar manifestações relacionadas ao
vasoespasmo, manter o membro aquecido em água quente. Além disso, é
importante incentivar a cessação do tabagismo e o uso de medicações
simpaticomiméticas (descongestionantes nasais e anfetaminas, por exemplo),
bem como medicações para enxaqueca (sumatriptana).
Quando apenas orientações e mudanças no estilo de vida são insuficientes, há
necessidade do tratamento farmacológico. Nesse contexto, bloqueadores dos
canais de cálcio como nifedipino, anlodipino ou diltiazem podem ser úteis.
Porém, há um subgrupo de pacientes com ES que não tolera altas doses de
tais medicações e geralmente necessita de alternativa. De forma geral, os
bloqueadores de canais de cálcio são contraindicados ou pouco tolerados em
pacientes com dismotilidade gastrintestinal grave, HAP grave, doença
cardíaca com edema significativo ou hipotensão sintomática. Para esses
pacientes, são possíveis opções: sildenafila, nitratos tópicos, losartana,
fluoxetina ou ainda injeção local de toxina botulínica.

C - Comprometimento renal

O comprometimento renal mais temido na ES é a crise renal esclerodérmica


que, quando tratada precocemente, responde consideravelmente bem. É
fundamental que a terapêutica com anti-hipertensivos seja iniciada antes do
dano renal irreversível. O tratamento de 1ª linha é feito com IECAs, como
captopril, enalapril ou ramipril. Apesar de ser esperada com Bloqueadores de
Receptores da Angiotensina (BRAs), como losartana, a proteção renal não foi
confirmada. Para pacientes em que os níveis pressóricos não são atingidos
com o uso do IECA, é possível a associação a anlodipino. Nos casos
refratários, está indicada diálise.
A biópsia de pacientes com crise renal esclerodérmica não é necessária para
estabelecer diagnóstico, porém pode ser útil para indicar a reversibilidade do
quadro. A presença de múltiplos vasos trombosados, grave colapso isquêmico
glomerular e depósito de C4 peritubular correlacionam-se com pior
prognóstico.

D - Comprometimento gastrintestinal
O tratamento do comprometimento esofágico é direcionado para os sintomas
do paciente. Na presença de DRGE, mudanças no estilo de vida são indicadas,
bem como substituição de medicações possivelmente associadas aos sintomas
(bloqueadores dos canais de cálcio, por exemplo). Além disso, recomenda-se
o tratamento com inibidores da bomba de prótons 2x/d. Em casos refratários,
há possibilidade de associação de ranitidina noturna. O uso de procinéticos
não parece ser útil.
Alguns pacientes têm predomínio de sintomas relacionados à dismotilidade
esofágica e podem cursar com síndrome dispéptica e disfagia. Nesses casos,
além dos inibidores de bomba de prótons, recomendam-se procinéticos
(domperidona, metoclopramida).
A gastroparesia depende de mudanças no estilo de vida e controle de outros
fatores agravantes, como glicemia e hidratação. Em casos graves, associam-se
procinéticos e antieméticos. No tratamento da hiperproliferação bacteriana
pelo acometimento do intestino delgado, preconiza-se o uso de
antibioticoterapia rotativa, com doxiciclina 100mg, a cada 12 horas;
ciprofloxacino 500mg, a cada 12 horas; metronidazol 250mg, a cada 8 horas.
Em geral, cada antibiótico é utilizado por 10 dias, com intervalos de 15 dias
em esquema de rodízio, com o objetivo de evitar a resistência bacteriana.
A pseudo-obstrução intestinal pode ser tratada com aspiração nasogástrica e
nutrição parenteral. Na desnutrição, deve-se instituir nutrição parenteral
prolongada.

Tratamento
Na doença do refluxo gastroesofágico, utilizam-se inibidores da bomba de
prótons em doses altas e drogas procinéticas. E, na hiperproliferação
bacteriana, antibioticoterapia rotativa, com doxiciclina 100mg, a cada 12
horas; ciprofloxacino 500mg, a cada 12 horas; metronidazol 250mg, a cada
8 horas. Cada medicamento deve ser usado por 10 dias, com intervalo de
15 dias, em esquema de rodízio.

E - Comprometimento pulmonar

A abordagem terapêutica na doença pulmonar da ES visa ao controle da


alveolite fibrosante e da vasculopatia pulmonar, que podem acarretar,
respectivamente, fibrose pulmonar intersticial e HAP. A monitorização
precoce e seriada da doença pulmonar com PFP com difusão, TCAR e
ecocardiograma é fundamental para diagnosticar e dar seguimento evolutivo e
terapêutico.
Na alveolite fibrosante, é utilizada a ciclofosfamida, que pode ser
administrada pela via oral (2mg/kg/d) ou em altas doses intravenosas
(pulsoterapia 0,5 a 1g/m2) mensalmente. A duração do tratamento dessa
entidade clínica parece incerta, podendo durar até 2 anos (24 pulsos), já que
muitos autores a consideram ineficaz após esse período.
Nos pacientes com diagnóstico de HAP (nos quais a HAP não ocorre por
doença cardíaca esquerda ou fibrose pulmonar), o tratamento com
vasodilatadores/antiproliferativos da circulação pulmonar está indicado, como
discutido em capítulo específico.

F - Acometimento musculoesquelético

Mialgias, artralgias, artrites e tendinites podem ser tratadas com anti-


inflamatórios não hormonais. Terapia física deve ser instituída precocemente
para evitar contraturas. Pode-se utilizar corticoide em doses baixas para artrite
franca ou em doses altas para miosite. Em ambos os casos, o imunossupressor
de eleição é o metotrexato, mas outros podem ser usados.

G - Acometimento cardiovascular
Pacientes com distúrbios de condução, arritmias e insuficiência cardíaca
devem ser tratados de acordo com a manifestação. Derrame pericárdico
sintomático pode necessitar de corticoterapia em doses baixas e
imunossupressores. Se houver risco de tamponamento, a drenagem
pericárdica deverá ser realizada, com corticoterapia e terapia
imunossupressora para evitar novo derrame.
8. Prognóstico
A doença é crônica, sem cura definitiva, e o prognóstico está diretamente
relacionado à extensão dos acometimentos cutâneo e visceral. O diagnóstico
do envolvimento visceral deve ser feito precocemente, com terapias
necessárias instituídas prontamente para evitar progressão rápida.
Resumo
Dermatomiosite e polimiosite
Rodrigo Antônio Brandão Neto
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Introdução
As miopatias inflamatórias idiopáticas formam um grupo heterogêneo de
desordens raras caracterizadas por fraqueza muscular proximal e inflamação
não supurativa do músculo esquelético, com achados eletroneuromiográficos
característicos e aumento de enzimas musculares. As doenças inclusas nesse
grupo estão listadas na Tabela 1.

Considerando as principais características histopatológicas da


dermatomiosite, encontra-se classicamente vasculopatia imunomediada
(deposição de imunocomplexos nos vasos). Já a polimiosite cursa com lesão
celular direta, mediada por linfócitos T (Figura 1).
Figura 1 - (A) Vasculopatia da dermatomiosite (infiltrado inflamatório perivascular) e (B)
intersticiopatia da polimiosite (infiltrado inflamatório intersticial com degeneração de miócitos)
Fonte: UpToDate.
Dica
Na dermatomiosite, há infiltrado inflamatório perivascular, enquanto na
polimiosite há infiltrado inflamatório intersticial com a degeneração de
miócitos.

2. Epidemiologia
Possuem baixa incidência na população geral, em torno de 0,5 a 8,4
casos/1.000.000 de pessoas. A incidência parece estar aumentando devido ao
diagnóstico mais acurado. De forma geral, são encontradas em todos os
grupos etários, mas há distribuição bimodal, com picos nas faixas entre 10 e
15 anos e 45 e 60 anos. Entretanto, de acordo com o tipo de miopatia
inflamatória encontrada, a incidência nos grupos etários pode ser bem
diferente.
Enquanto a distribuição da miosite associada à doença do colágeno segue a da
doença de base à qual está associada, a DMJ acomete crianças e adolescentes
com menos de 16 anos, tendo algumas características clínicas peculiares. A
MCI e a miosite associada a malignidade são mais comuns após os 50 anos.
Em todas as formas de miosite inflamatória, as mulheres são mais afetadas do
que os homens, a uma relação de 2:1, com exceção da MCI, que afeta mais o
sexo masculino. Quando a miopatia acomete fora do período de menacma,
como em crianças e idosos, a distribuição é mais uniforme entre ambos os
sexos, refletindo as influências hormonais sobre essas doenças.

Dica
Há pico bimodal da dermatomiosite e polimiosite (de 10 a 15 anos e de 45
a 60 anos), sendo as mulheres mais afetadas (exceto na miosite por
corpúsculos de inclusão).

3. Patogênese
A etiologia da doença muscular inflamatória é desconhecida. A hipótese mais
aceita sugere a associação de múltiplos fatores. As miopatias idiopáticas
inflamatórias são processos imunomediados, em que estão envolvidos vários
fatores em pacientes geneticamente suscetíveis. Duas hipóteses têm reforçado
o envolvimento autoimune: a associação de outras doenças autoimunes
(tireoidite de Hashimoto, miastenia gravis, diabetes mellitus tipo 1, cirrose
biliar primária e doenças do tecido conjuntivo) e a presença de autoanticorpos
circulantes.
A importância de fatores genéticos foi demonstrada: indivíduos com HLA-
DR3 têm risco aumentado para o desenvolvimento de doença muscular
inflamatória. Todos os pacientes com anticorpo anti-Jo-1 têm HLA-DR52. Na
polimiosite e na MCI, ocorre resposta imunomediada citotóxica, em que as
fibras apresentam invasão de células T. Ao contrário, na dermatomiosite, a
resposta humoral parece ser o principal evento, ocorrendo invasão de
infiltrado celular de localização perivascular. A vasculopatia, tão proeminente
na DMJ e ocasionalmente presente na forma adulta, é mediada por
mecanismo humoral.
Apesar de os mecanismos imunes que envolvem a polimiosite e a MCI serem
semelhantes, a patologia é diferente. Na MCI, têm-se vacúolos, onde se
deposita uma substância amiloide.

4. Quadro clínico

Tema frequente de prova


Os achados clínicos da dermatomiosite e da polimiosite podem ser
cobrados nos concursos médicos.

O quadro clínico varia um pouco com a forma de miopatia. Na polimiosite, a


fraqueza muscular geralmente é progressiva, de início insidioso, levando de 3
a 6 meses para se instalar. O acometimento é simétrico e proximal, com
comprometimento dos músculos das cinturas escapular e pélvica. O indivíduo
se queixa de dificuldade para tarefas específicas que envolvam essa
musculatura proximal, como levantar-se da cadeira, subir escadas (cintura
pélvica), pentear e lavar o cabelo e elevar os braços (cintura escapular). A
musculatura do pescoço, principalmente a flexora, também pode estar
acometida, e o paciente tem dificuldade de elevar a cabeça quando deitado de
costas. É necessário, ao exame, fazer a graduação da força muscular de
acordo com a Tabela 2, tanto para o diagnóstico quanto para o
acompanhamento do tratamento.
Pacientes com polimiosite podem apresentar comprometimento da parede
posterior da faringe e do terço proximal do esôfago (músculo esquelético), o
que resulta em disfagia de transferência, isto é, dificuldade em deglutir com
sincronismo o alimento, resultando, em casos avançados, em
broncoaspiração. Pode ocorrer disfonia em alguns casos.

Dica
A musculatura ocular extrínseca, por definição, é poupada, mesmo nos
casos avançados. Seu acometimento não condiz com o diagnóstico de
miopatia inflamatória.

Dores musculares inespecíficas e artralgias leves ocorrem, mas artrite franca e


dor muscular específica nas cinturas pélvica e escapular são incomuns. A
fraqueza é bem mais proeminente do que a dor, e também pode ocorrer o
fenômeno de Raynaud.
Artralgias e, com menor frequência, artrite acompanhada de rigidez matinal
podem ser observadas. A distribuição do quadro articular é semelhante à da
artrite reumatoide. Alguns pacientes podem apresentar subluxações e
deformidades importantes, entretanto erosão óssea não é encontrada.

Quadro clínico
Na polimiosite, observa-se fraqueza muscular progressiva (de 3 a 6 meses
de instalação), simétrica e proximal, dos músculos das cinturas escapular e
pélvica, além de disfagia, mialgias inespecíficas e artralgias e alveolite que
evolui para fibrose pulmonar simétrica.
Pode ocorrer o acometimento intersticial, com alveolite ativa evoluindo com
fibrose pulmonar, simétrica, predominante nas bases e nas regiões pulmonares
inferiores (Figura 2). O envolvimento cardíaco pode manifestar-se como
arritmias, cardiomiopatia e insuficiência cardíaca congestiva. Alguns
pacientes podem apresentar a síndrome antissintetase. Trata-se de
comprometimento sistêmico grave associado a marcadores sorológicos
específicos (anti-Jo-1 e outros), acometimento pulmonar com fibrose
intersticial, fenômeno de Raynaud, quadro articular grave, acometimento
cardíaco e “mãos de mecânico” (uma alteração típica em que as laterais dos
dedos e as palmas ficam ressecadas, com fissuras e linhas horizontais e
coloração escuro-acastanhada, com aspecto sujo – Figura 3). O prognóstico
da síndrome antissintetase é reservado, e, classicamente, os pacientes
apresentam dispneia como sintoma predominante.

Dica
Na síndrome antissintetase, observam-se anti-Jo-1 positivo, fenômeno de
Raynaud, fibrose pulmonar intersticial, quadro articular, acometimento
cardíaco e “mãos de mecânico” (laterais de dedos e palmas ressecadas,
com fissuras e coloração escuro-acastanhada, de aspecto sujo).
Figura 2 - Doença intersticial pulmonar: observar a lesão “em vidro fosco” (alveolite) nas porções
inferiores e posteriores dos pulmões, simetricamente

Figura 3 - “Mãos de mecânico”


Fonte: UpToDate.

A dermatomiosite tem maior associação a neoplasias e, clinicamente, cursa


com características da polimiosite. Ao analisar o quadro desses pacientes,
existem achados cutâneos característicos. Os mais específicos são:

Sinal de Gottron: pápulas eritematovioláceas presentes na superfície


extensora das articulações em outros locais além das mãos,
principalmente nos joelhos, cotovelos ou tornozelos (Figura 4);
Pápulas de Gottron: lesões descamativas, elevadas, simétricas, de
coloração rósea, localizadas sobre as superfícies extensoras dos dedos,
cotovelos, joelhos e maléolos mediais (Figura 5);
Lesão “em heliotropo”: erupção violácea na pálpebra superior,
geralmente acompanhada de edema periorbital (Figura 6).
Figura 4 - Sinal de Gottron nos joelhos
Fonte: UpToDate.

Figura 5 - Pápulas de Gottron: (A) pápulas eritematosas nas superfícies extensoras das mãos, sobre
metacarpofalangianas, interfalangianas proximais e distais, e (B) múltiplas pápulas eritematosas
sobre metacarpofalangianas e interfalangianas

Figura 6 - Rash “em heliotropo”: pigmentação rosa ou violácea nas pálpebras de pacientes com
dermatomiosite
Fonte: UpToDate.

Dica
As 2 lesões mais características da dermatomiosite são as pápulas de
Gottron e a lesão “em heliotropo”.

De forma menos específica, ainda se podem identificar diversos


comprometimentos cutâneos em pacientes com dermatomiosite:

Eritema macular fotossensível na face: região malar, queixo, sulco


nasolabial e fronte – Figura 7. A lesão é diferente do rash em “asa de
borboleta” do lúpus eritematoso sistêmico, pois não poupa a região
nasolabial;
Sinal do “V do decote”: na região anterior do pescoço;
Rash nas superfícies extensoras de dedos, cotovelos e joelhos: mesma
distribuição que as pápulas de Gottron;
Rash e fotossensibilidade em outras áreas: couro cabeludo, braços e
coxas;
Outras alterações: cutículas distróficas, telangiectasia e hiperemias
periungueais (Figura 9), vasculites cutâneas (nódulos sensíveis, infartos
digitais, úlceras cutâneas em outras localizações) e fenômeno de
Raynaud também podem estar presentes.
Figura 7 - (A) Eritema ou rash facial nas regiões malares e mentoniana e (B) na fronte, na mesma
paciente
Figura 8 - Sinal “do xale” nos ombros e no pescoço
Fonte: UpToDate.

Figura 9 - Cutículas distróficas, telangiectasia e hiperemias periungueais


Fonte: UpToDate.
Quadro clínico
Na dermatomiosite, observam-se achados de polimiosite e quadro cutâneo:
pápulas de Gottron, sinal de Gottron, lesão “em heliotropo”, eritema
macular fotossensível na face, sinal “do xale”, fenômeno de Raynaud,
cutículas distróficas, telangiectasias e hiperemia ungueal.

Uma forma rara de dermatomiosite é a sine miosite ou amiopática, em que os


sinais cutâneos, com biópsia compatível, são encontrados sem
comprometimento muscular. A maioria desses casos evolui com o tempo para
dermatomiosite, com algum grau de miosite, mesmo que subclínica.
A DMJ pode ser muito semelhante às formas adultas, mas se diferencia pela
maior prevalência de vasculite, calcinoses (calcificações ectópicas musculares
ou subcutâneas) e lipodistrofia. O quadro pode ser bastante grave, inclusive
com vasculite intestinal, com sangramento e perfuração.

Dica
A miosite associada a neoplasia possui maior relação com
adenocarcinomas.

A miosite associada a neoplasia costuma manifestar-se, mais comumente,


como dermatomiosite e, em menor frequência, como polimiosite. A neoplasia
pode ser diagnosticada anteriormente, no momento ou mesmo anos depois da
instalação da doença, sendo o pico de incidência de 2 anos antes ou depois do
diagnóstico da miopatia. Pacientes com dermato e polimiosite devem ser
investigados para neoplasia por ocasião do diagnóstico e nos primeiros anos
da doença. A neoplasia subjacente, em geral, é uma neoplasia
epidemiologicamente comum para o sexo e a idade, mas adenocarcinomas de
colo de útero, pulmão, ovários, bexiga e estômago são responsáveis por 70%
dos casos identificados. A presença de tumor não parece afetar a severidade
ou a distribuição da fraqueza nem os valores das enzimas musculares. Além
disso, a erradicação do tumor não parece influenciar a evolução da doença
muscular; alguns pacientes respondem favoravelmente, enquanto outros não.
A MCI tem algumas características peculiares: curso mais insidioso,
acometimento de indivíduos com mais de 50 anos, maior frequência no sexo
masculino, com miopatia proximal e distal, assimétrica, com atrofia muscular
e pouca ou nenhuma resposta ao tratamento. Os achados da biópsia são
característicos, e as enzimas musculares têm elevação discreta.

Dica
Na miosite por corpúsculos de inclusão, o curso é mais insidioso acima de
50 anos e no sexo masculino, com miopatias proximal e distal, assimétrica,
com atrofia muscular e pouca ou nenhuma resposta ao tratamento.

5. Exames laboratoriais
A maioria dos pacientes com miopatia inflamatória apresenta aumento dos
níveis das enzimas musculares em algum momento do curso da doença; a
manifestação de tais enzimas na circulação demonstra a presença de dano
muscular. A enzima muscular mais comumente dosada é a
creatinofosfoquinase (CPK), que apresenta, também, maior sensibilidade. O
nível de CPK sérico se correlaciona com a atividade da doença. Na MCI, as
enzimas são muito pouco elevadas. A isoenzima MB da creatinina (CK-MB)
pode estar elevada, devido à isoforma presente no músculo esquelético.
Outras enzimas que podem ser dosadas e estar aumentadas são aldolase,
aspartato aminotransferase ou Transaminase Glutâmico-Oxalacética (AST ou
TGO), alanina aminotransferase ou Transaminase Glutâmico-Pirúvica (ALT
ou TGP) e desidrogenase láctica (DHL).
As provas de atividade inflamatória, velocidade de hemossedimentação
(VHS) e Proteína C Reativa (PCR) podem estar normais em uma grande
parcela dos pacientes.
Autoanticorpos contra antígenos nucleares (FAN) são encontrados em 50%
das miopatias inflamatórias. Alguns autoanticorpos frequentes não são
específicos para as miosites e são encontrados em outras desordens
autoimunes (anti-RNP, anti-Ro etc.). Outros autoanticorpos praticamente só
são encontrados nos casos de miosite e, geralmente, são marcadores de
características clínicas e prognóstico específicos: são os chamados
autoanticorpos miosite-específicos. Ocorrem em, aproximadamente, 30% dos
pacientes.
Três grupos de autoanticorpos miosite-específicos são definidos. O primeiro
engloba a presença de anticorpos contra RNA-sintetases (o principal é o anti-
Jo-1), que se associam à síndrome antissintetase (ver quadro clínico) e à
doença persistente, principalmente em pacientes com polimiosite. O 2º grupo
inclui indivíduos com anticorpos anti-SRP (Signal Recognition Particle, ou
partícula reconhecedora de sinal), associados ao envolvimento da musculatura
cardíaca e à doença aguda, com mau prognóstico e pouca resposta a
corticoterapia e imunossupressores. O 3º grupo é identificado com anticorpos
anti-Mi-2 ou anti-helicase. Ocorre em pacientes com dermatomiosite e DMJ,
com sinal “do xale”, rash “em tronco” e alterações na cutícula e apresenta
bom prognóstico.

Diagnóstico
São autoanticorpos miosite-específicos: anti-Jo-1 (relação com síndrome
antissintetase), anti-SRP (mau prognóstico e pouca resposta a
corticoterapia e agentes imunossupressores) e anticorpos anti-Mi-2 (relação
com dermatomiosite e dermatomiosite juvenil).

6. Outros exames
A eletroneuromiografia ajuda no diagnóstico, por demonstrar o padrão de
envolvimento miopático, simétrico e proximal das miopatias inflamatórias
idiopáticas, diferenciando-o de outros padrões de miopatia ou de neuropatia.
Na miopatia inflamatória idiopática, observam-se potenciais polifásicos de
baixa amplitude e curta duração, fibrilações e complexos motores bizarros de
alta frequência. Na MCI, a eletroneuromiografia pode apresentar achados
mistos de miopatia e neuropatia, além de comprometimento assimétrico e
distal.
Os alvos musculares habituais para biópsia são quadríceps ou deltoide. Se o
exame clínico falhar em determinar qual grupo muscular deve ser biopsiado,
pode-se optar por biopsiar o músculo contralateral no qual tenha sido
demonstrada lesão pela eletroneuromiografia. Grupos musculares atróficos ou
locais submetidos a ela não devem ser biopsiados.
A confirmação histológica de inflamação muscular é desejável em todos os
casos, mas não é sempre realizada. A presença de achado inflamatório é
importante, mas a variação no tamanho das fibras, necrose e degeneração,
com atrofia de fibras tipo 2 e substituição por colágeno são achados indiretos.
Na polimiosite, predomina o infiltrado inflamatório focal e endomisial com
macrófagos e linfócitos T CD8; na dermatomiosite, há predomínio de
infiltrado por linfócitos T CD4, com predomínio perivascular e atrofia
perifascicular. Na MCI, encontram-se vacúolos intracitoplasmáticos na
microscopia comum e inclusões intranucleares ou intracitoplasmáticas.
Estudos de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância
magnética, podem determinar o melhor lugar para biópsia. O uso da última
pode ser reservado para avaliar o curso da doença e a resposta à terapia,
demonstrando áreas de inflamação muscular, edema, fibrose e calcificação.

7. Diagnóstico
O diagnóstico de dermatomiosite e polimiosite é fundamentado em achados
clínicos compatíveis, associados a exames complementares (enzimas,
eletromiograma – EMG –, biópsia). Os critérios mais utilizados são os
propostos por Bohan e Peter (1975), descritos na Tabela 4. Tradicionalmente
não são cobrados em concursos, mas a análise é interessante, pois retrata as
principais características da doença.
Diagnóstico
O diagnóstico de dermatomiosite e polimiosite é estabelecido seguindo-se
todos os critérios: fraqueza muscular proximal e simétrica (cinturas pélvica
e escapular), miosite característica à biópsia muscular, elevação de
qualquer enzima muscular sérica (CPK, DHL, TGO) e eletromiografia
compatível; na dermatomiosite, há, ainda, lesões cutâneas características
(heliotropo, pápulas de Gottron, sinal de Gottron).

8. Diagnóstico diferencial
Diante de quadro de miopatia inflamatória, outras doenças que causam
sintomas de miopatia devem ser pesquisadas e excluídas, já que as miopatias
de origem autoimune são extremamente raras. Podem ser incluídas no
diagnóstico diferencial: miastenia gravis, síndrome miastênica de Lambert-
Eaton, doença do neurônio motor, distrofia de Duchenne, miopatia por drogas
(álcool, amiodarona, cocaína, colchicina, fibratos, corticoides, zidovudina,
lovastatina), infecções (vírus influenza, agentes oportunistas, síndrome da
imunodeficiência adquirida, fungos, toxoplasmose, citomegalovírus, rubéola,
vírus Epstein-Barr) e desordens endócrinas (hipotireoidismo, deficiência de
miofosforilase, miopatia mitocondrial, doenças da adrenal e anormalidades
eletrolíticas).

9. Tratamento
A terapia física é importante no tratamento, e o repouso no leito é necessário
em casos de inflamação severa. Exercícios passivos devem ser realizados a
fim de manter o movimento e prevenir contraturas.
Corticosteroides são o tratamento de 1ª linha nas miopatias inflamatórias,
inicialmente na dose de 1mg/kg/d de prednisona ou equivalente. Em casos
mais graves, pode ser utilizada metilprednisolona intravenosa em
pulsoterapia. A melhora clínica pode ser observada nas primeiras semanas,
mas pode ser mais demorada. Cerca de 90% dos pacientes têm alguma
resposta com corticoide.
Se o indivíduo não responde satisfatoriamente à corticoterapia, se há recidiva
do quadro ou se o paciente tem achados de maior gravidade ou de pior
prognóstico, outros agentes podem ser utilizados em associação ao corticoide,
para que ele possa ser lentamente retirado, como metotrexato ou azatioprina.
Outros imunossupressores que podem ser utilizados são ciclofosfamida,
clorambucila, ciclosporina, micofenolato de mofetila e, até mesmo, em casos
refratários, os agentes anti-TNF-alfa – fator de necrose tumoral (infliximabe,
etanercepte, adalimumabe) e o rituximabe. A imunoglobulina intravenosa
(IVIg) é uma boa opção a pacientes infectados ao diagnóstico ou em surtos de
atividade desencadeados por infecção, como aqueles com pneumonia
aspirativa. Os antimaláricos (hidroxicloroquina e cloroquina) e corticoides
tópicos podem ser usados no tratamento de lesões cutâneas da
dermatomiosite, sem ação sistêmica.

Tratamento
O tratamento da dermatomiosite e polimiosite é feito por meio de terapia
física, além de corticosteroides (1ª linha – prednisona 1mg/kg/d; ou
pulsoterapia em casos graves), metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida ou
ciclosporina (terapêutica inefetiva, casos recidivantes ou muito graves).

10. Dermatomiosite juvenil


A DMJ é primariamente uma doença vascular capilar, enquanto a polimiosite
juvenil (PMJ) envolve a invasão de células T direto das fibras musculares,
semelhante à observada em adultos.
A DMJ acomete cerca de 2 a 4/1.000.000/ano de crianças, com pico de
incidência entre 5 e 10 anos, e é muito mais frequente que a PMJ (cerca de
85%). A proporção do acometimento é de 2 a 5 garotas para 1 menino.
Apesar de a etiologia ser desconhecida, tem sido proposto que a DMJ e a PMJ
são causadas por uma reação autoimune no tecido muscular de indivíduos
geneticamente suscetíveis, possivelmente em resposta às causas ambientais.
A suscetibilidade genética está relacionada aos fenótipos do HLA: HLA-B8,
HLA-DQA1*0501 e HLA-DQA1*0301. Polimorfismos genéticos em TNF-
alfa e antagonista de receptor de interleucina-1 são conhecidos fatores de
risco para o desenvolvimento da DMJ ou para a gravidade de sua
apresentação.

Dica
A dermatomiosite juvenil possui pico entre 5 e 10 anos, e acomete mais o
sexo feminino.

A fraqueza simétrica da musculatura proximal é a característica clínica de


ambas as doenças. Além disso, lesões eritematopapulares sobre as superfícies
dorsais das articulações são alterações características da DMJ. Crianças com
DMJ e PMJ também podem ter sintomas constitucionais (febre, perda de
peso, fadiga e dor de cabeça), que podem surgir antes do aparecimento de
fraqueza muscular e erupção cutânea (em pacientes com DMJ).
Outras manifestações clínicas da DMJ incluem alterações capilares ungueais,
ulcerações cutâneas, calcinose (calcificação dos tecidos moles), artralgia e
artrite não erosiva, lipodistrofia e resistência a insulina. A vasculopatia
gastrintestinal é uma manifestação relativamente rara, mas potencialmente
fatal, que pode apresentar-se como dor abdominal, pneumatose intestinal,
sangramento gastrintestinal ou perfuração.
A calcinose é uma complicação bem conhecida na DMJ, que pode atrasar o
diagnóstico. Geralmente se desenvolve depois de alguns anos e está
relacionada à gravidade da doença e ao tratamento inadequado. Relatos de sua
prevalência variam de 30 a 50%.

Resumo
Doença mista do tecido
conjuntivo
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Epidemiologia
Poucos estudos avaliaram a prevalência e a incidência da doença. Um estudo
norueguês constatou a prevalência de 3,8/100.000 indivíduos, com incidência
de 2,1/1.000.000 ao ano. É uma doença que acomete mais mulheres do que
homens, com estimativas que variam de 3,3:1 até 16:1.

2. Quadro clínico
As características clínicas iniciais da Doença Mista do Tecido Conjuntivo
(DMTC) são inespecíficas e podem consistir em mal-estar geral, artralgias,
mialgias e febre baixa. Uma pista específica de que esses sintomas são
causados por uma doença do tecido conjuntivo é a descoberta do fator
antinúcleo (FAN) positivo em associação ao fenômeno de Raynaud. Muitos
pacientes são diagnosticados com Artrite Reumatoide (AR), Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES) ou doença indiferenciada do tecido conjuntivo
(quando não fecham critérios para outras doenças reumatológicas). A
presença de altos títulos de anti-U1 RNP em pacientes com doença
indiferenciada é um forte preditor de evolução para DMTC.
Qualquer órgão pode estar envolvido na doença, no entanto algumas
características sugerem a presença da DMTC em vez de outra doença, como
LES e Esclerose Sistêmica (ES) (Tabela 1).
Figura 1 - A doença mista do tecido conjuntivo incorpora características clínicas de doenças como o
lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e polimiosite

A - Pele e mucosas

O envolvimento cutâneo ocorre na maioria dos pacientes com DMTC e é,


frequentemente, a apresentação inicial da doença. A alteração mais comum é
o fenômeno de Raynaud, que geralmente ocorre no início da doença; edema
dos dedos e das mãos também é bastante característico. Outras apresentações,
como eritema malar e lesões discoides, são possíveis e indistinguíveis do
LES. Úlceras genitais e orais, perfuração do septo nasal e síndrome seca
também podem fazer parte do quadro.

B - Febre
A febre de origem indeterminada pode ser a característica inicial de
apresentação da DMTC. Nesse contexto, pode ser atribuída a uma miosite
coexistente, meningite asséptica, serosite, linfadenopatia ou infecção
concomitante.

C - Artrite

O envolvimento articular é comum e frequentemente mais grave do que o


LES e a AR. Aproximadamente 60% dos pacientes apresentam artrite
evidente, muitas vezes com características da AR como dedos “em
boutonnière” e “em pescoço de cisne”. A aparência radiográfica pode lembrar
a artropatia de Jaccoud, e a artrite destrutiva pode acontecer em alguns casos.
O fator reumatoide é encontrado em cerca de 70% dos casos, e o anti-CCP,
em cerca de 50% dos pacientes, especialmente naqueles que também fecham
critérios do American College of Rheumatology para AR.

D - Miosite
Uma das 3 características de sobreposição necessárias para o diagnóstico de
DMTC é uma miopatia inflamatória clínica e histologicamente idêntica à
polimiosite (PM). A mialgia é um sintoma comum, e na maioria dos casos não
há anormalidades na eletroneuromiografia ou elevação de enzimas
musculares, porém, em surtos agudos, esses exames podem se alterar. Muitas
vezes não está claro se o sintoma representa uma miosite de baixo grau, um
descondicionamento físico ou um quadro de fibromialgia associada.

E - Coração

O envolvimento cardíaco representa cerca de 20% das mortes por DMTC, e


cerca de 30% dos pacientes têm doença cardíaca sintomática e até 40% têm
doença subclínica. Todas as 3 camadas do coração podem estar envolvidas.
As anormalidades mais comuns no eletrocardiograma incluem bloqueios
fasciculares e bloqueios de ramo e atrioventriculares. O ecocardiograma pode
detectar comprometimento subclínico em até 38% dos pacientes. O derrame
pericárdico e o prolapso da válvula mitral estão entre as anormalidades
ecocardiográficas mais comuns.
A pericardite é a manifestação cardíaca mais comum, relatada em até 40% dos
pacientes, e o miocárdio também pode ser acometido. Em alguns pacientes, o
envolvimento miocárdico é secundário à Hipertensão Pulmonar (HP),
frequentemente assintomática em seus estágios iniciais.
A aterosclerose acelerada também é uma complicação bem estabelecida.
Altos níveis de PCR ultrassensível, dislipidemia, anticorpos antifosfolípides e
deficiência de vitamina D são fatores de risco.

F - Pulmão
Está envolvido em cerca de 75% dos pacientes, e a HP é a principal causa de
morte na DMTC. Sua detecção precoce é muito importante, e a presença dos
achados a seguir pode auxiliar na suspeita diagnóstica: dispneia aos esforços,
pulsação sistólica na borda esternal esquerda, acentuação do componente
pulmonar da B2, dilatação da artéria pulmonar na radiografia, hipertrofia
ventricular direita no eletrocardiograma e aumento do ventrículo direito no
ecocardiograma.
Outras manifestações, como derrame pleural, dor pleurítica, doença pulmonar
intersticial, doença tromboembólica e hemorragia alveolar, podem acontecer.

G - Rins

A ausência de acometimento renal grave é característica da DMTC, sendo


possível que altos títulos de anti-U1 RNP possam proteger o paciente contra o
desenvolvimento de glomerulonefrite difusa aguda. Entretanto, 25%
apresentam algum grau de acometimento renal. A nefropatia membranosa é a
lesão mais comum, e episódios similares a crise renal esclerodérmica já foram
relatados.

H - Trato gastrintestinal

O envolvimento do trato gastrintestinal é a característica de sobreposição


mais comum com a ES, ocorrendo em cerca de 60 a 80% dos casos; o
comprometimento esofágico é o mais comum. A dismotilidade esofágica pode
piorar com a evolução da doença, e o refluxo gastroesofágico, levar ao
esôfago de Barrett e, eventualmente, ao câncer. Outros acometimentos, como
pancreatite, hemoperitônio, megacólon, síndromes disabsortivas e
pseudodivertículos no cólon são possíveis.

I - Sistema nervoso central


A descrição original da DMTC enfatizou o pouco envolvimento do SNC. Essa
observação permanece bastante correta, uma vez que os pacientes não
costumam desenvolver complicações graves, como cerebrite, psicose ou
convulsões. No entanto, cerca de 25% dos casos apresentam alguma
alteração, mesmo que leve, do SNC. A manifestação mais comum é a
neuropatia do trigêmeo, podendo ser a manifestação inicial da doença; a
cefaleia é comum (frequentemente de origem vascular), e a perda auditiva
neurossensorial pode acometer até 50% dos pacientes. Em geral, os pacientes
com DMTC apresentam comprometimento cognitivo relativamente leve em
comparação aos pacientes com LES com envolvimento neuropsiquiátrico.
Casos de hemorragia cerebral, mielite transversa, síndrome da causa equina e
neuropatia desmielinizante já foram descritos.

Dica
Um forte preditor de evolução para DMTC é a presença de altos títulos de
anti-U1 RNP em pacientes com doença indiferenciada. Cerca de 60%
apresentam artrite evidente e 75%, acometimento pulmonar. A pericardite é
a manifestação cardíaca mais comum, com comprometimento do trato
gastrintestinal em 60 a 80% dos casos, sendo o esôfago o órgão mais
acometido. Há pouco envolvimento do sistema nervoso central, e a doença
renal é geralmente benigna.

3. Diagnóstico
O diagnóstico definitivo da DMTC é, muitas vezes, difícil, pelo fato de que as
características das doenças tendem a ocorrer sequencialmente. Vários anos
podem se passar até que apareça toda a constelação de achados. Diversos
critérios diagnósticos já foram criados, e um estudo que revisou 4 deles
definiu os critérios de Alarcon-Segovia como os melhores; eles apresentam
sensibilidade de 63% e especificidade de 86%.
O diagnóstico será estabelecido se o critério sorológico estiver acompanhado
de 3 ou mais critérios clínicos (1 deles deve incluir sinovite ou miosite). A
presença do anti-U1 RNP é indispensável para o diagnóstico.
O paciente que apresente FAN positivo com padrão pontilhado ou salpicado
em altos títulos (>1:1.000 até >1:10.000) associado a alterações como edema
de mãos deve ser atentamente acompanhado, pois apresenta risco de evolução
para síndromes de superposição. A existência de altos títulos de anti-U1 RNP
nesses pacientes é um forte preditor para evolução futura para DMTC. Outros
autoanticorpos, como o anti-dsDNA, anti-Sm e anti-Ro, também podem estar
presentes, e caso sejam dominantes e persistentes, há maior chance no
desenvolvimento de outras colagenoses. Caso o anti-U1 RNP seja dominante,
é mais provável que a DMTC se desenvolva. A relação com o HLA-DR4
(principalmente) e HLA-DR2 já foi constatada.
Cerca de 75% dos pacientes têm anemia leve. A leucopenia (principalmente
linfopenia) pode estar relacionada a atividade da doença, enquanto a maioria
dos pacientes apresenta hipergamaglobulinemia. Os anticorpos
antifosfolípides ocorrem com menor frequência do que no LES e, se
presentes, tendem a se correlacionar com trombocitopenia e HP, mas não com
trombose e/ou abortos.

Diagnóstico
São utilizados os critérios de Alarcon-Segovia, sendo o diagnóstico
definido pela presença obrigatória do anti-U1 RNP acompanhado de 3 ou
mais critérios clínicos.

4. Prognóstico
A descrição original de pacientes com DMTC enfatizou o prognóstico
relativamente bom e excelente resposta aos glicocorticoides. Esses pacientes
apresentam baixa prevalência de doença renal grave e problemas neurológicos
potencialmente fatais. A doença renal geralmente é benigna, na forma de
nefropatia membranosa, enquanto o envolvimento do SNC é mais comumente
relacionado a neuropatia do trigêmeo.
A mortalidade global é aparentemente mais baixa do que naqueles com LES.
O maior estudo de mortalidade (280 pacientes) revelou taxas de sobrevivência
de 98, 96 e 88% aos 5, 10 e 15 anos de doença, respectivamente. As
principais causas de morte incluem HP e suas complicações cardíacas,
miocardite, hipertensão renovascular e hemorragia cerebral.

5. Tratamento
A terapia utilizada para o tratamento da DMTC consiste nas já conhecidas
drogas para as diversas colagenoses.
Uma vez que a HP é a principal causa de morte, recomenda-se o diagnóstico
precoce com ecocardiograma de rotina a todos os pacientes. Terapias incluem
um bloqueador dos canais de cálcio (geralmente nifedipino de ação
prolongada), anticoagulação, prostaciclina intravenosa, imunossupressão
prolongada (começando com corticoides, podendo-se associar ciclofosfamida)
e inibidor da enzima conversora de angiotensina. A bosentana, um antagonista
oral da endotelina-1 e inibidores da fosfodiesterase, como o sildenafila, estão
se mostrando úteis no manejo dessa complicação.
Os corticoides são muito úteis no manejo das diversas complicações, porém
se deve ter em mente que alguns quadros podem ser secundários a doenças
como fibromialgia e síndrome dolorosa miofascial, que não apresentam
resposta a essa terapia.

Importante
Ecocardiograma de rotina é fundamental para o diagnóstico precoce da
principal causa de morte: hipertensão pulmonar.

Resumo
A DMTC engloba doenças como LES, ES e PM;
Alguns achados que sugerem a presença da DMTC:
1 - Fenômeno de Raynaud, assim como mãos ou dedos
edemaciados.
2 - Ausência de doença grave acometendo rins e SNC.
3 - Artrite mais grave (deformante em alguns casos).
4 - Início insidioso de HP (não relacionada à fibrose pulmonar).
5 - Autoanticorpos como o anti-RNP U1, especialmente anticorpos
contra a proteína 68kD.
6 - Altos títulos de FAN com padrão pontilhado ou salpicado.
O autoanticorpo mais importante é o anti-U1 RNP;
O paciente que apresente FAN positivo com padrão pontilhado ou
salpicado em altos títulos (>1:1.000 até >1:10.000), associado a
alterações como edema de mãos, deve ser atentamente acompanhado,
pois apresenta risco de evolução para síndromes de superposição;
A glomerulonefrite membranosa é a lesão renal mais comum;
A alteração neurológica mais comum é a neuropatia do trigêmeo;
A HP é a principal causa de morte;
É preciso ter atenção com o uso de corticoides, pois doenças como
fibromialgias e síndrome dolorosa miofascial não apresentam resposta.
Síndrome antifosfolípide
Aleksander Snioka Prokopowitsch
Ana Cristina de Medeiros Ribeiro
Hérica Cristiani Barra de Souza
Renan de Almeida Augustinelli
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli

1. Introdução

Tema frequente de prova


A SAF é vista em muitas questões de Obstetrícia, por isso convém atentar-
se à sua relação com abortos de repetição.

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma condição patológica adquirida de


hipercoagulabilidade associada à presença, no plasma, de anticorpos
antifosfolípides, cujas principais manifestações se relacionam a tromboses
arteriais e/ou venosas, morbidades gestacionais e plaquetopenia. Estima-se
que 5% da população geral e 50% dos portadores de Lúpus Eritematoso
Sistêmico (LES) apresentem tais anticorpos, mas apenas parte deles
apresentam alguma manifestação clínica da SAF. Nos pacientes com Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES), portadores de anticorpos antifosfolípides, o
risco de trombose venosa é de, aproximadamente, 50% em 20 anos; os mais
sujeitos ao quadro são aqueles com títulos mais elevados e persistentes de
tais anticorpos. A síndrome é denominada primária quando ocorre na
ausência de doenças do colágeno, e secundária, quando aparece associada a
doenças reumatológicas (LES, artrite reumatoide, síndrome de Sjögren),
hematológicas (mielodisplasias, mieloma, leucemias), uso de medicações
e/ou infecções.
2. Anticorpos antifosfolípides
Os 3 principais tipos de anticorpos antifosfolípides relacionados à SAF estão
relacionados a seguir.

A - Anticoagulante lúpico

Apesar do nome, sua atividade associa-se a um estado pró-coagulante in


vivo, tendo sido assim denominado por ser capaz de prolongar, in vitro, o
tempo de tromboplastina parcial ativada, não corrigível pela adição de
plasma normal ao ensaio. A pesquisa do anticoagulante lúpico é um teste
funcional de coagulação para a detecção de anticorpos antifosfolípides,
sendo que mais de 1 anticorpo antifosfolípide pode estar associado à
atividade do anticoagulante lúpico. É o anticorpo mais associado a perdas
fetais.

B - Anticorpos anticardiolipina

São, geralmente, detectados por ELISA e podem ser da classe IgM, IgG ou
IgA. Vale ressaltar que aproximadamente 50% dos pacientes com SAF
portadores de anticorpos anticardiolipina podem apresentar testes falsos
positivos para VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), uma vez
que, nesse exame, o substrato é formado por partículas contendo
cardiolipina. No entanto, o VDRL falso positivo apresenta baixa
sensibilidade e fraca correlação com a ocorrência de tromboses, não
devendo ser usado como teste de screening para SAF.

C - Anticorpo antibeta-2-glicoproteína-I (antibeta-2-


GP-I)
O beta-2-GP-I é o antígeno-alvo mais comum dos anticorpos
antifosfolípides. Geralmente, os anticorpos anticardiolipina de pacientes
com SAF são dependentes de beta-2-GP-I; no entanto, nem sempre
pacientes positivos para anticardiolipina são também positivos para antibeta-
2-GP-I.
Há outros anticorpos antifosfolípides, como antifosfatidilserina e
antianexina-V, porém seu papel na SAF ainda é incerto, e sua pesquisa não
faz parte da avaliação-padrão da síndrome.

3. Critérios diagnósticos
Os critérios definidos pelo American College of Rheumatology para a
classificação da SAF são:

A - Clínicos

a) Trombose vascular

Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos,


em qualquer tecido ou órgão. É importante salientar que a trombose
superficial não consta nos critérios, e o exame histopatológico não deve
apresentar inflamação significativa.

b) Morbidades gestacionais

1 ou mais óbitos de fetos morfologicamente normais após a 10ª semana


de gestação;
1 ou mais partos prematuros de neonatos morfologicamente normais até
a 34ª semana de gestação, devido a pré-eclâmpsia grave ou insuficiência
placentária;
3 ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª semana de gestação,
excluídas alterações hormonais e anatômicas maternas e cromossômicas
dos pais.

B - Laboratoriais

É necessária a presença de anticorpos antifosfolípides em 2 ou mais ocasiões


com intervalo de, pelo menos, 12 semanas:

Detecção no sangue de anticorpos anticardiolipina IgG ou IgM em


títulos moderados a elevados;
Detecção no sangue de anticoagulante lúpico;
Detecção no sangue de anticorpo antibeta-2-GP-I IgM e/ou IgG em altos
títulos.

O diagnóstico da SAF definida requer a presença de, no mínimo, 1 critério


clínico e de, pelo menos, 1 critério laboratorial, sem limite de tempo
decorrido entre os eventos clínicos e os achados laboratoriais. No momento
da coleta, pacientes em vigência de anticoagulação terão níveis de
anticoagulante lúpico alterados, porém os níveis de anticardiolipina e anti-
beta-2-GP-I IgM e/ou IgG poderão ser avaliados.

Diagnóstico
Para o diagnóstico de SAF, recorre-se a 1 critério de cada categoria:
clínicos (≥1 episódio de trombose vascular), morbidades gestacionais (1 ou
mais óbitos de fetos normais após a 10ª semana; ou 1 ou mais partos
prematuros de neonatos morfologicamente normais até a 34ª semana de
gestação; ou 3 ou mais abortamentos espontâneos até a 10ª semana de
gestação) e laboratoriais (anticorpos em 2 ou mais ocasiões, com intervalo
mínimo de 12 semanas).

4. Quadro clínico
Por tratar-se de uma síndrome relacionada a um estado de
hipercoagulabilidade, a SAF pode produzir eventos tromboembólicos em,
virtualmente, qualquer tecido ou órgão. Como exemplos mais comuns e
importantes, podem-se citar tromboses venosas profundas (em 32% dos
casos), oclusões arteriais agudas de membros, acidentes vasculares
encefálicos (em 13% dos casos), ataques isquêmicos transitórios do sistema
nervoso central (em 7% dos casos), tromboembolismo pulmonar (em 9%
dos casos), infarto agudo do miocárdio, infartos hepáticos ou esplênicos,
síndrome de Budd-Chiari, insuficiência adrenal isquêmica e neuropatia
óptica.
Do ponto de vista obstétrico, além das manifestações citadas nos critérios de
classificação da SAF, são possíveis outras condições mórbidas durante a
gravidez, como pré-eclâmpsia, eclâmpsia, síndrome HELLP e retardo de
crescimento intrauterino.
Outra alteração comum na SAF é a plaquetopenia (em 22% dos casos),
causada por consumo ou mesmo destruição imunomediada de plaquetas.
Geralmente é leve, mas pode ser grave a ponto de predispor o paciente a
quadros hemorrágicos variados.
Também são frequentes as alterações cutâneas, e o livedo reticularis (20%
dos casos de SAF) é uma das manifestações mais características (embora
não específica) da síndrome. Outras morbidades cutâneas comuns na SAF
são tromboflebites superficiais (9% dos casos) e úlceras de pele,
especialmente nos membros inferiores.

Figura 1 - Livedo reticularis

Quanto às afecções neurológicas observadas na SAF, alterações cognitivas e


síndromes demenciais são relativamente comuns, mesmo na ausência de
manifestações isquêmicas evidentes do sistema nervoso central. Da mesma
forma, coreia e mielite transversa também podem ocorrer na SAF, sem
associação a eventos trombóticos.

Dica
Lembrar de SAF sempre que houver um quadro clínico de mulher jovem
que chega ao pronto-socorro com acidente vascular encefálico isquêmico.

Importante
A síndrome de Sneddon é caracterizada pela presença de acidente vascular
encefálico isquêmico e livedo reticularis, e, em cerca de 50% dos casos,
anticorpos antifosfolípides são detectados.

Por fim, vale lembrar a possibilidade da denominada SAF catastrófica,


forma bastante grave de manifestação da síndrome, caracterizada por
múltiplas tromboses de grandes e pequenos vasos em diferentes órgãos e
tecidos simultaneamente (≥3 órgãos). A mortalidade da SAF, na sua forma
catastrófica, pode chegar a 50%.

Quadro clínico
O quadro clínico de SAF envolve eventos tromboembólicos (trombose
venosa profunda, tromboembolismo pulmonar, infarto agudo do miocárdio,
acidente vascular encefálico, ataque isquêmico transitório, síndrome de
Budd-Chiari e neuropatia óptica), além de plaquetopenia (por consumo),
livedo reticularis, tromboflebites superficiais, alterações cognitivas e
síndromes demenciais.

5. Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial inclui, necessariamente, outras causas de
trombofilias. Dentre as congênitas, podem ser citados fator V de Leiden,
mutação de protrombina, deficiências de proteínas C e S, deficiência de
antitrombina III e hiper-homocisteinemia. As causas adquiridas mais
importantes de trombofilia são o uso de anticoncepcionais orais, terapia de
reposição hormonal, gravidez, neoplasias, traumas, cirurgias e imobilidade.
Na sua forma catastrófica, a SAF pode requerer diagnóstico diferencial com
quadros de púrpura trombocitopênica trombótica e coagulação intravascular
disseminada.

6. Tratamento
O tratamento inicial dos eventos trombóticos agudos relacionados à SAF é o
mesmo de qualquer outra trombose, requerendo anticoagulação com
heparina. Podem ser usadas tanto a heparina subcutânea de baixo peso
molecular em dose plena quanto a não fracionada em infusão intravenosa
contínua.
Em todos os pacientes com SAF confirmada, está indicada a anticoagulação
oral com varfarina em longo prazo, muitas vezes por tempo indeterminado,
dado o elevado risco de recorrência dos quadros trombóticos. A intensidade
de anticoagulação atualmente recomendada tem, como meta, a manutenção
do valor do INR (razão normatizada internacional) entre 2 e 3. Estudos
recentes demonstraram que, em pacientes com SAF, a manutenção do INR
nesses níveis é tão eficaz quanto em níveis mais agressivos (3 a 4) para a
prevenção de tromboses, não sendo indicada, portanto, anticoagulação de
alta intensidade em longo prazo na SAF. Vale ressaltar que os novos
anticoagulantes orais (como dabigatrana e rivaroxabana) têm sido estudados
no tratamento da SAF, porém ainda não há recomendação oficial para seu
uso nesses casos, como alternativa à varfarina. Quando houver
plaquetopenia (níveis >50.000/mm3), a anticoagulação oral tem as mesmas
metas.
Na gestação, a heparina e o ácido acetilsalicílico passam a ter papel central
no tratamento da SAF, dados os riscos do uso de varfarina durante a
gravidez. A gestantes com SAF definida e história de tromboses ou perdas
embrionárias precoces (antes da 10ª semana de gestação), recomenda-se o
uso de anticoagulação plena com heparina de baixo peso molecular
associada a baixas doses de ácido acetilsalicílico. Nos casos de gestantes
com SAF e história de perdas fetais após a 10ª semana, mas sem
antecedentes de tromboses, recomenda-se ácido acetilsalicílico durante a
gravidez, associado a doses profiláticas de heparina de baixo peso molecular.
Em gestantes com SAF e história de partos prematuros (antes da 34ª
semana), ou em gestantes portadoras de anticorpos antifosfolípides, mas sem
manifestações clínicas de SAF, pode-se usar somente ácido acetilsalicílico
durante a gravidez, especialmente no 2º e no 3º trimestres. Vale ressaltar que
o uso de corticoides no manejo da SAF durante a gravidez é contraindicado,
devido ao aumento de morbidade materna (pré-eclâmpsia e diabetes). Após
o parto, a anticoagulação deve ser iniciada assim que possível.
Em condições específicas, pode-se lançar mão de outras linhas terapêuticas.
Quadros de plaquetopenia grave podem requerer prednisona e
gamaglobulina intravenosa. Episódios de coreia e mielite transversa exigem
o emprego de pulsoterapia com metilprednisolona. Nos casos de SAF
catastrófica, há necessidade de terapêutica agressiva, incluindo, além da
anticoagulação com heparina, pulsoterapia com corticoide e plasmaférese. E,
em casos resistentes, o rituximabe ou eculizumabe pode ser utilizado.
Do ponto de vista profilático, em pacientes com LES portadores de
anticorpos antifosfolípides sem manifestações clínicas de SAF, pode-se
considerar o uso de ácido acetilsalicílico associado a cloroquina, embora a
eficácia dessa medida não tenha sido rigorosamente demonstrada nos
estudos realizados até o momento.
Em outubro de 2017, a Associação Pediátrica de Reumatologia da Europa
publicou o 1º consenso exclusivo de SAF em crianças (SHARE). Porém, as
evidências ainda são pequenas. O estudo objetivou o diagnóstico e
tratamento de SAF em crianças reunindo estudos previamente publicados. A
conclusão do consenso é que os critérios diagnósticos de SAF do adulto são
pouco sensíveis para a faixa pediátrica, e novos critérios são necessários
para tal faixa etária. Além disso, as recomendações sobre o tratamento são
semelhantes às dos adultos, apresentando contradições sobre a manutenção
do INR entre 3 e 4 em pacientes com eventos trombóticos arteriais, visto que
não existem estudos com evidência significativa na literatura.
Importante
SAF e gestação são assuntos muito abordados em provas.

Dica
Anticorpos positivos e/ou 1 perda <10 semanas: nenhum tratamento ou
AAS® 100 mg/d; anticorpos positivos e morbidade gestacional:
enoxaparina 1mg/kg/d + AAS® 100mg/d até 6 a 12 semanas do puerpério;
anticorpos positivos e trombose vascular: enoxaparina 1mg/kg a cada 12
horas + AAS® 100mg/d até 6 a 12 semanas do puerpério.

Resumo
Principais características laboratoriais e autoanticorpos das doenças
autoimunes
Renato Akira Nishina Kuwajima
Bruna Savioli
1. Autoanticorpos
2. Padrões de imunofluorescência indireta
Resumo

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