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11ª AULA TEÓRICA PARTE II – AÇÃO DOS FÁRMACOS NA INIBIÇÃO DA DOR I

FISIOLOGIA DA DOR

A via da dor começa nos nociceptores periféricos que são terminações nervosas livres. De seguida o estímulo vai pelas
fibras C (não mielinizadas) e pelas fibras Aδ (menos mielinizadas). Há uma primeira sinapse nas pontas posteriores da
medula e depois há um segundo neurónio que passa pela comissura cinzenta do lado oposto e vai ascender nos
cordões ântero-laterais até ao tálamo e deste até ao córtex parietal.

Há dois tipos de fibras para a condução da dor: as fibras C que são


desmielinizadas e de condução lenta e as Aδ que são mielinizadas (apesar
de pouco) e de condução mais rápida. Daí que estas sejam as responsáveis pela
maior condução nervosa.
Com dois tipos de fibra surgem também dois tipos de dor:
- Dor crónica, tipo queimor – conduzida pelas fibras C desmielinizadas;
- Dor aguda, tipo picada – conduzida pelas fibras Aδ.
O trajeto é quase igual, mas as C emitem pequenos ramos que fazem sinapse com
outros neurónios que ativam o nosso cérebro.

SISTEMA ANALGÉSICO ENDÓGENO

O organismo humano possui um sistema endógeno que controla a dor. Se a dor for excessiva, aumenta o limiar para
a mesma, ou seja, de forma a diminuir a dor.
Nós temos duas partes do sistema analgésico endógeno que são o sistema analgésico descendente (principal) e
sistema analgésico segmentar.

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Sistema Analgésico Endógeno Descendente

A transmissão ao nível deste sistema começa por neurónios peri-ventriculares e peri-


aquedutais e cujo primeiro neurónio (opioide) faz sinapse com os núcleos da rafe
média e, de seguida, com neurónios serotoninérgicos que vão posteriormente realizar
a sinapse com um terceiro neurónio muito pequenino também opioide.

Assim, esta via é constituída por três neurónios:


‒ 1º Neurónio; Opióide – Encefalina;
‒ 2º Neurónio; Serotoninérgico – Serotonina;
‒ 3º Neurónio; Opióide - Encefalina, β-endorfina e Dinorfina.

A encefalina é um opioide endógeno, tal como a dinorfina e a metamorfina. São


opioides endógenos com recetores da morfina. Isto significa que, quando há
morfina, há estimulação destes recetores e hiperativação do sistema analgésico
endógeno.
Se aumentarmos a transmissão serotoninérgica, vai haver reforço do sistema
endógeno. Esta neurotransmissão pode ser aumentada com antidepressivos. Os
antidepressivos melhoram a dor, sobretudo a dor crónica, não por o indivíduo estar
deprimido, mas porque há reforço do sistema analgésico endógeno.
No entanto, há uma forma mais completa. Outra via que vem do tronco cerebral,
mais concretamente do locus coeruleus que possui neurónios noradrenérgicos que
vão diretamente à substância gelatinosa de Rolando, libertando noradrenalina e
inibindo a dor. Assim, a noradrenalina inibe diretamente a neurotransmissão da
dor.
Na via que envolve a serotonina, é necessário um neurónio encefalinérgico.

Concluindo, temos como neurotransmissores do sistema analgésico endógeno: opioides, serotonina e noradrenalina.

Sistema Analgésico Endógeno Segmentar – Teoria da Cancela

Esta teoria consiste no facto de as fibras de condução mais rápida Aβ ativarem um


segundo neurónio, ou seja, um interneurónio opioide que faz neurotransmissão
com um terceiro neurónio e “fecha” a via da dor, seja nas fibras C ou Aδ.
Esta teoria tem diversas aplicações práticas, por exemplo, as massagens.
Ao fazer uma massagem estamos a estimular as fibras Aβ que ativam
interneurónios opioides e fecham a via da dor, daí o bem-estar originado pela
massagem.
São os neurónios opióides que libertam encefalinas ou outros opióides endógenos
que dão origem a um estado de euforia.
Outro exemplo é uma dor de dentes, ao aplicar pressão no local dorido, as fibras
Aβ vão inibir a via da dor.
Através de estimulação de alta frequência (TENS), ativam-se fibras grossas e o
interneurónio que fecha a transmissão da via da dor.

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TIPOS DE DOR

Até agora vimos que a dor se inicia em terminações nervosas


livres que podem ser estimuladas por muitas substâncias e
também por distensão ou outros mecanismos físicos.
Entre essas substâncias que estimulam as terminações
nervosas livres temos: Citocinas, Óxido Nítrico,
Neuropéptidos, H+, Cininas, Aminas e Eicosanóides.

Esta “sopa de substâncias” estimula as terminações nervosas


livres das fibras nervosas da via da dor e dá origem à
chamada Dor Somática.

Quando estamos a administrar, por exemplo, um AINE que inibe a síntese de prostanóides, sabemos que estes
correspondem apenas a uma parte desta “sopa de substâncias”, ou seja, o efeito é sempre limitado tanto em
intensidade como no tempo, ou seja, trata-se apenas de uma terapêutica sintomática de certo modo limitada.
Há outro tipo de dor que não é estimulada por substâncias químicas, são fibras nervosas defeituosas e que fazem
sinapse com a fibra da dor, dando origem à Dor Neuropática.

EICOSANÓIDES (“EICO” – 20; “ANÓIDES” – DUPLAS LIGAÇÕES)

Um dos elementos fundamentais para esta “sopa de substâncias” são os eicosanoides.


Os eicosanóides são ácidos gordos com duplas ligações e com 20 carbonos. São derivados dos fosfolípidos das
membranas, sendo formados por ácidos gordos poli-insaturados (ácido araquidónico) e incluem:
- Prostaglandinas;
- Prostaciclinas;
- Tromboxano A2;
- Leucotrienos.
Existem em quase todos os líquidos e tecidos do organismo e a sua produção aumenta em resposta a diversos
estímulos físicos, químicos e hormonais. Produzem um largo espetro de efeitos biológicos.

Etapas do Processo Inflamatório e Dor por Eicosanóides

Os fosfolípidos da membrana, por ação da fosfolipase


A2, ativada, por exemplo, em situações de lesão, dá
ácido araquidónico. O ácido araquidónico tem várias
vias, como por exemplo a da ciclo-oxigenase que dá
prostaglandinas e tromboxanos, e a da lipoxigenase que
dá leucotrienos.
Existem 2 prostaglandinas intermédias (PGG2 e PGH2)
que por ação de enzimas de síntese dão origem a várias
prostaglandinas e tromboxanos inflamatórios.

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Como podemos perceber pelo esquema, se quisermos diminuir ou tratar a inflamação poderá inibir-se a COX (ciclo-
oxigenase) com AINEs ou inibir a fosfolipase A2 com corticosteroides.

Então, os Eicosanóides (Prostaglandinas, Tromboxano A2 e Prostaciclinas) dão:

▪ Inflamação;
▪ Influenciam o tónus do músculo liso (aumentam – ex: Prostaglandina F2α - ou diminuem – ex: prostaciclina);
▪ Trombose (Tromboxano A2; Prostaciclinas – antiagregantes);
▪ Parto ou expulsão do embrião/feto 1;
▪ Secreção gastrointestinal e produção de muco no estômago (PGE1 e PGE2).
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A ocitocina só desencadeia o parto no caso de um parto a termo. Por isso é que antes do parto a termo no segundo
trimestre ou início do terceiro trimestre, a ocitocina tem pouco ou nenhum efeito, ao contrário do que acontece com
as prostaglandinas que são utilizadas, porque têm um efeito muito maior e eficaz.

Cada prostaglandina tem recetores próprios. No entanto, ainda não se avançou muito no que toca a fármacos
agonistas e antagonistas dos recetores das prostaglandinas.

A PGD2 tem como recetor o DP. Foi descoberto um antagonista deste recetor – laropiprante. Esta descoberta deu-se,
pois ao administrarmos aos doentes alguns fármacos, como ácido nicotínico, o doente acabava com um “flushing” da
face e cefaleias originadas pela PGD2 e, ao ser administrado o antagonista desse recetor, essa situação era evitada.

Porém, depois descobriu-se que ao invés de se utilizar um fármaco caríssimo como o laropiprante poderia utilizar-se,
por exemplo, um AINE (inibidor da COX) numa dose baixa para obter o mesmo resultado.

Pela via da lipoxigenase são originados leucotrienos que, de um modo geral, têm uma ação contraturante. Todos
ativam a fosfolipase C.

Resumo
Músculo Brônquico

- PGF’s e PGD2 – contraem o músculo liso brônquico e traqueal;


- PGE’s – relaxam o músculo liso brônquico e traqueal;
- TXA2 – broncodilatação;
- LTC4 e LTD4 – broncoconstrição.

Músculo Uterino

- PGF2 e PGE2 (doses baixas) – contraem;


- PGE2 e PGI2 – relaxam.

Músculo Gastrointestinal

- PGE’s e PGF’s – contração do músculo longitudinal;


- Endoperóxidos, TXA2 e PGI2, LTC4 – contração;
- PGE2 e PGI2 – inibem a secreção gástrica e aumentam a secreção de muco – gastro protetor.

Sistema Cardiovascular

- PGE2 – potente ação vasodilatadora (arteríolas, esfíncteres pré-capilares e vénulas);


- PGD2 – em baixas concentrações dilata os vasos mesentéricos, coronários e renais; contrai os vasos
pulmonares;
- PGF2a – contrai as artérias e veias pulmonares;

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- PGI2 - vasodilatação e hipotensão; taquicardia;
- TXA2 – vasoconstrição potente;
- LTC4 e LTD4 – hipotensão, redução do fluxo, exsudação de plasma.

Sangue - Modulam a agregação plaquetar.

- PGI2 – sintetizada no endotélio vascular inibe a agregação plaquetar e é antitrombogénica na parede vascular
intacta;
- TXA2 – origina-se nas plaquetas e é um indutor da agregação plaquetar (trombose);
- LTB4 – agente quimiotático potente dos leucócitos, eosinófilos e monócitos, promove a desgranulação dos
leucócitos e a geração de radicais superóxidos. Promove a adesão dos neutrófilos ao endotélio vascular e a
sua migração;
- PGE2 – inibe a diferenciação dos linfócitos B em células produtoras de anticorpos, deprimindo a resposta
humoral.

Rim e Formação de Urina

As prostaglandinas de um modo geral aumentam a excreção renal de sal e água e aumentam o fluxo sanguíneo renal,
tendo assim efeitos diretos ao nível do túbulos renais.

Assim, posteriormente, iremos estudar que, ao inibir as prostaglandinas pela administração de AINEs, o rim vai ser
afetado.

Sistema Nervoso Central - Podem ter um efeito estimulante ou depressor

Nervos aferentes

- PGE’s e PGI2 – sensibilizam terminações nervosas à dor, baixando o limiar de perceção;


- LTB4 – hiperalgesia.

Sistema Endócrino e Efeitos Metabólicos

- PGE2 – aumenta as concentrações circulantes de ACTH, hormona do crescimento, prolactina e gonadotropinas


por ação hipotalâmica;
Estimula a produção de esteroides, a libertação de insulina e a secreção de progesterona;
Inibe a lipólise, tem efeitos do tipo insulina e do tipo da paratormona com mobilização do cálcio do tecido
ósseo.

PARADIGMA DA COX-1 E DA COX-2

A COX-1 “boa” é constitutiva e está sempre a trabalhar, responsável pela


produção de muco - proteção gastrointestinal. No entanto, também está
envolvida na inflamação.

A COX-2 “má” está mais envolvida na dor e na inflamação, mas que


também tem envolvimento na proteção.

Há 3 tipos de COX!

O paradigma trata-se de conseguir fármacos seletivos para a COX-2 que não inibissem a COX-1 - coxibes.

Mas há um grande contra relativamente à utilização destes fármacos: a COX-2 está envolvida na produção de
prostaciclina PGI2 (antiagregante plaquetar) e a COX-1 é um agregante plaquetar ou trombogénica, ou seja, ao inibir
a COX-2, a COX-1 fica livre e o resultado são tromboembolias por agregação plaquetar. Este paradigma resultou num
grande número de enfartes do miocárdio.

Por isso, os fármacos muito seletivos da COX-2 foram praticamente todos retirados do mercado.
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DOR NEUROPÁTICA VS DOR SOMÁTICA

A dor neuropática pode resultar da lesão da própria fibra da dor em que esta
se estimula a si mesma ou de sinapses anómalas entre fibras do simpático e
as fibras sensitivas da dor.

Esta dor pode ser periférica (em toda a fibra nervosa até ao sistema nervoso
central) ou central (no seu trajeto até ao córtex parietal).

É uma dor terrível, muito incomodativa e extremamente intensa. A dor do


membro fantasma é uma dor neuropática.

TIPOS DE DOR E FÁRMACOS INDICADOS

- Dor Somática
• Analgésicos e anti-inflamatórios (AINEs e corticoides).

- Dor Visceral (variante da dor somática)


• Analgésicos (também a linaclotida), espasmolíticos

- Dor Nervosa (neuropática)


• Antidepressivos (reforço do sistema analgésico endógeno), anticonvulsivantes, anti-inflamatórios
esteroides (2ª linha), lidocaína (bloqueia canais de Na+) e capsaicina (esgota as terminações nervosas
nos seus neuromediadores da dor) tópicas…
• Inibição simpática (médica e /ou cirúrgica) – se forem utilizados fármacos simpaticolíticos, existem
muitos efeitos secundários.

ANALGÉSICOS

- Centrais
• Narcóticos
• Não narcóticos

- “Periféricos”
• Analgésicos Simples
• Analgésicos Antipiréticos
• Anti-inflamatórios não esteroides

TIPOS DE DOR SEGUNDO A SUA SENSIBILIDADE AOS OPIOIDES

- Dor insensível aos opioides


Dor central, dor por espasmo muscular estriado, por distensão gástrica, tenesmo retal;

- Dor parcialmente sensível aos opioides


Dor neuropática (não se devem utilizar opioides nestes casos, porque podem provocar dependência), dor por
metástases ósseas, dor por compressão nervosa;

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- Dor sensível aos opioides
Dor somática, dor visceral;

- Dor sensível aos opioides, mas que, no entanto, são inapropriados


Cólicas intestinais (os opioides causam contratura da musculatura intestinal).

ANALGÉSICOS DE AÇÃO CENTRAL DE ACORDO COM A SUA ORIGEM


▪ Origem Natural: Morfina, codeína;
▪ Origem semissintética: Heroina (diacetilmorfina);
▪ Origem sintética: buprenorfina, levorfanol, dextropropoxifeno, meperidina, metadona, fentanil, tapentadol,
tramadol.

Ópio
O ópio tem origem na papoila.

Tipos de Recetores Opiáceos


μ (MOR) – analgesia supra-espinhal, depressão respiratória, euforia, dependência física

‒ μ 1- analgesia;
‒ μ 2- depressão respiratória.

K (KOR) – analgesia espinhal, miose, sedação.

δ (DOR)

Alguns fármacos:
▪ Mofina, Codeína, metadona, fentanil – são
agonistas sobretudo dos recetores μ;
▪ Buprenorfina é um agonista parcial dos μ;
▪ Naloxona, naltrexona, nalmefeno –
antagonistas dos três tipos de recetor;
▪ Tramadol – agonista μ e também é um
inibidor da recaptação neuronal de 5-HT (serotonina)
e NA (noradrenalina);

▪ Naloxona – não é absorvido pela mucosa gastrointestinal – via parentérica;


▪ Naltrexona e nalmefeno – absorvido pela mucosa gastrointestinal.

AÇÕES DA MORFINA

▪ Ações Excitantes
Náuseas, Vómitos, contratura intestinal, miose (pupilas em ponta de alfinete);
▪ Ações Depressoras
Analgesia, depressão do centro da tosse (antitússica), depressão do centro respiratório (depressão
respiratória), apatia (embotamento mental), sedação;
▪ Outras
- Dependência (vício e dependência física), disforia.

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12ª TEÓRICA – AUTACÓIDES I

Os autacóides ou hormonas locais são substâncias naturais do organismo com estruturas químicas e atividades
fisiológicas e farmacológicas variadas, e são produzidas rapidamente pelo organismo em resposta a estímulos.
Mediadores inflamatórios (autacóides):
− Histamina
− Serotonina
− Eicosanóides (como Prostaglandinas PG e leucotrienos LTs) e PAF
− Peptídeos (como cininas, neuropeptídeos, citocinas)

A histamina e a serotonina são aminas que se encontram em muitos tecidos. Têm efeitos fisiológicos e patológicos
complexos em múltiplos tipos de recetores. São frequentemente libertadas localmente e têm uma curta duração de
ação.
Os seus efeitos são normalmente indesejáveis e nem a histamina nem a serotonina têm qualquer aplicação no
tratamento de doenças.
A utilidade clínica destas substâncias baseia-se em compostos que ativam seletivamente alguns subtipos de recetores
destas aminas (mimetizam as aminas) ou compostos que antagonizam as ações destas aminas.

HISTAMINA
Biossíntese da histamina nos mastócitos e basófilos

Os mastócitos e basófilos têm uma importância fundamental na síntese e metabolismo da histamina.


Vamos explicar o mecanismo de síntese:
− O aminoácido essencial L-Histidina é metabolizado por a L-histidina descarboxilase, obtendo-se Histamina.
− Depois a histamina pode entrar em duas vias metabólicas principais. Assim, vamos obter muitos metabolitos
importantes como a metilhistamina, o ácido metil-imidazolacético e o Ribotido-ácido Imidazolacético. Muitas
enzimas estão envolvidas neste processo, o professor menciona a MAO-B e a desidrogenase do aldeído.

Uma vez sintetizada, a histamina é armazenada ou rapidamente inativada. Muito pouca é excretada de forma
inalterada. Temos então duas hipóteses:
− Inibir a síntese de histamina:
• Inibir a descarboxilase da histidina, utilizando a alfa-metilhistidina.
− Aumentar a excreção de histamina:
• Doenças como a urticaria pigmentosa, algumas neoplasias (ex: mastocitose sistémica), o carcinoide
gástrico e, por vezes, a leucemia mielógena estão associadas com o aumento do número mastócitos
ou basófilos e com o aumento da excreção de histamina.

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Formas de armazenamento da histamina nos mastócitos e basófilos

A histamina é armazenada em grânulos associados a um proteoglicano formando um complexo


histamina-proteoglicano.
No mastócito o grânulo de histamina está associado com heparano sulfato ou a condroitino
sulfato E.
No basófilo, o grânulo de histamina está associado a condroitino (e em menor quantidade a
monossulfato).
Os proteoglicanos, para além de estarem associados à histamina, também estão associados a
protéases. Assim, ficamos com complexos histamina-proteoglicano-protéase.

Outros tecidos onde se encontra histamina


Para além dos mastócitos e dos basófilos, a histamina também tem funções muito importantes noutros tecidos.
No cérebro, a histamina funciona como um neurotransmissor endógeno. Assim, vai ter um papel fundamental à nível:
− Do controlo neuroendócrino,
− Na regulação cardiovascular,
− Na regulação térmica,
− Na regulação do peso corporal,
− Na vigília.

A histamina também tem um papel fundamental no estômago nas células do tipo enterocromafim. As células
enterocromafins do estômago libertam histamina que regula a produção de ácido clorídrico pelas células parietais da
mucosa. Também encontramos células enterocromafins libertadoras de histamina noutros locais do tubo digestivo.

Outras substâncias libertadas conjuntamente com a histamina (no mastócito principalmente)


Para além da histamina, os mastócitos também libertam:
− Mediadores pré-formados como a heparina e a protéase
neutra;
− Fator quimiotático dos neutrófilos;
− Fator quimiotático dos eosinófilos;
− PGD2, LTB4, LTC4, LTD4, SRS-A (Slow reacting substances of
anaphylaxis);
− Fator ativador das plaquetas.

Libertação de histamina
Como já vimos, a maior parte da histamina está sequestrada em vesículas nos mastócitos e basófilos. Está armazenada
na forma ligada (complexo grânulo-proteoglicano-protease) que é inativa.
Alguns estímulos que desencadeiam a libertação de histamina são:
− Processos imunológicos: após sensibilização pelos anticorpos IgE ligados à superfície das membranas, nas
reações tipo I.
− Processos patológicos: inflamação, reações de hipersensibilidade imediata.
− Agentes físicos: radiações, frio, estímulos mecânicos, traumatismos, queimaduras.
− Compostos químicos: venenos de animais, dextrano, fármacos (tubocarina, morfina etc.).
− Os mastócitos existem em tecidos de potencial agressividade - alvos de lesão (nariz, boca, pés, superfícies
internas do corpo, vasos ...)

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Subtipos de recetores da histamina
Temos 4 subtipos de recetores metabotrópicos: H1, H2,
H3 e H4.
H1: aumentam os níveis de diacilglicerol DAG Inositol
trifosfato IP3 e cálcio intracelular
H2: aumentam os níveis de AMPc
H3: diminuem os níveis de cálcio intracelular
H4: diminuem os níveis de AMPc

Os recetores H4 são expressos essencialmente em células do sistema imunitário como eosinófilos, neutrófilos,
linfócitos T CD4…
No cérebro, os recetores H1 e H2 tem uma localização pós-sináptica.
Inversamente, os recetores H3 tem uma localização pré-sináptica no SNC. Assim, vai diminuir as concentrações de
cálcio intracelular e inibir a libertação de neurotransmissores.
Para além do cérebro, os recetores H1 existem também no músculo liso e no endotélio. Assim, os antagonistas do
recetor H1 (mepiramina, triprolidina, cetirizina) são usados para tratar situações alérgicas (por exemplo, a cetirizina é
usada para tratar a rinite alérgica).
Da mesma forma, os recetores H2 também existem no musculo cardíaco e na mucosa gástrica. De facto, os
antagonistas seletivos H2 (como a ranitidina e cimetidina) são usados para tratar doenças do ácido péptico já que
reduzem a libertação de histamina.

Resposta da histamina
Podemos consideram um efeito geral e um efeito local.
Efeito geral - O efeito geral depende da quantidade de histamina em circulação sanguínea. Temos:
− Pele vermelha;
− Taquicardia (reflexa ou direta);
− Cefaleia pulsátil;
− Hipotensão;
− Broncoconstrição.

Efeito local - O efeito local acontece em resposta a uma injeção intradérmica de histamina, uma picada de inseto, etc,
com participação do músculo liso, endotélio e terminações nervosas sensitivas. Obtemos uma resposta muito
particular:
− Edema;
− Vesícula ou pápula no local de injeção;
− Rubor por vasodilatação;
− Prurido e urticaria,

Ações da histamina no sistema cardiovascular


Os efeitos cardiovasculares resultam da ativação dos recetores H1 e H2. Assim, temos:
− Redução de pressão sistólica e diastólica por vasodilatação arteriolar.
− Aumento da frequência cardíaca (associada a reação direta e taquicardia reflexa).
− Vasodilatação facial (a vasodilatação é mediada pelo NO).
− Sensação de calor.
− Cefaleia.
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− Edema (por ação nos recetores H1 dos vasos pós-capilares que permite a transudação de fluidos e pequenas
moléculas e que é responsável pelo prurido).
− Aumento da contratilidade e da frequência do “pacemaker” – efeito direto no coração com importância
fisiológica pouco esclarecida.

Outras ações da histamina


− Broncoconstrição.
− Contração do músculo liso intestinal (o músculo liso intestinal é menos sensível à histamina do que o músculo
liso brônquico).
− Ação estimulante da secreção ácida gástrica e, em menor extensão, estimulação da secreção de pepsina e de
fator intrínseco.
− Tripla resposta após injeção intradérmica:
• Vermelhidão (por dilatação dos vasos pequenos);
• Edema envolvente;
• Vesícula o pápula no local de injeção.

Usos clínicos da histamina


No passado, foi utilizada para o diagnóstico nestas situações (hoje é pouco usada):
− Teste de capacidade de secreção ácida gástrica (tem sido substituída na atualidade pela pentagastrina);
− Diagnóstico de feocromocitoma (porque a Histamina pode libertar catecolaminas em doentes com
feocromocitoma);
− Teste de função pulmonar de hiperreatividade brônquica (como agente brônquico provocativo de
hiperreatividade).

Como antagonizar à Histamina?


Temos 3 tipos de antagonistas:
− Antagonistas fisiológicos;
− Inibidores da libertação;
− Antagonistas dos recetores da histamina.

Antagonistas fisiológicos
Estes antagonistas têm ações opostas às da histamina por ação em recetores distintos. Um exemplo destes é a
adrenalina usada em choques anafiláticos.

Inibidores da libertação
Estes reduzem a desgranulação dos mastócitos consecutiva à interação antigénio/anticorpo. Por exemplo, o
cromoglicato de sódio, o nedocromil e agonistas b2.

Antagonistas dos recetores da histamina


− Antagonistas dos recetores H1:
• Antagonistas H1 de 1ª geração (maior capacidade para atravessar a barreira hematoencefálica,
causando efeito sedativo)
• Antagonistas H1 de 2ª geração (menor capacidade para atravessar a barreira hematoencefálica, logo
menor efeito sedativo)
− Antagonistas dos recetores H2.

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Antagonistas dos recetores de histamina de 1ª geração
Estes fármacos causam:
− sedação (por antagonismo dos receptores H1 centrais)
− sonolência
− cefaleias
− diminuição da agilidade
− diminuição da capacidade de condução automóvel
− aumento do tempo para controlo de maquinaria
− redução da função cognitiva.
Alguns exemplos são: doxilamina, hidroxizina (ou atarax. Usada como hipnótico para perturbações curtas do sono),
cinarizina (para tratar perturbações vestibulares), clorfeniramina (ou clorfenamina usada para doenças gripais - “cold
drugs” - associado com paracetamol), ciclizina, dimetindeno.

Anti-histamínicos H1 de 2ª geração – não sedativos (pouco)


Alguns exemplos: loratadina (o menos sedativo), desloratadina (metabolito da loratadina), cetirizina (nome comercial
Zyrtec), levocetirizina (enantiómero ativo da cetirizina), ebastina, astemizol, levocabastina.

Farmacodinamia dos antagonistas H1 de 1ª geração


Estas são as ações gerais possíveis dos anti-histamínicos H1 1ª geração (variável consoante o tipo de antagonista):
− Ação central de sedação, sonolência;
− Ação antiemética (evita vómitos produzidos pelo movimento e pela gravidez; usa-se a doxilamina há muitos
anos na grávida);
− Ações antimuscarínicas (algum benefício nas rinites não alérgicas, mas retenção urinaria e visão turva);
− Bloqueio dos recetores adrenérgicos alfa;
− Bloqueio dos recetores da 5-HT;
− Bloqueio dos recetores da dopamina (a prometazina derivado fenotiazinico têm ação antidopaminérgica e
provocam um efeito parkinsónico);
− Ação anestésica local (em doses superiores àquelas com ação anti-histamínica).
Os anti-histamínicos de 2ª geração darão menos sonolência e têm menos ações anticolinérgicas. São antagonistas H1
mais seletivos.

Usos dos anti-histamínicos H1


− Antieméticos: (no enjoo do movimento também conhecido como cinetose, vómitos do pós-operatórios, da
urémia ...):
• cetirizina, difenidramina, dimenidrato, prometazina, doxilamina, meclizina
− Controlo dos sintomas associados à enxaqueca (pouco usados geralmente):
• destacamos a flunarizina bastante usada na profilaxia (= prevenção das doenças), dimenidrato,
meclizina
− Alívio do prurido, em uso tópico:
• dimetindeno e outros
− Tratamento da vertigem associada a doenças do sistema vestibular (labirinto, doença de Ménière e outras):
• dimenidrato, flunarizina, cinarizina, meclizina
− Hipnóticos: usa-se a doxilamina. É utilizado sobretudo nas crianças e nos idosos que reagem, por vezes, de
modo paradoxal aos hipnóticos clássicos (como as benzodiazepinas).
− Na medicação pré-anestésica para induzir o sono (exemplo: hidroxizina)
− Descongestionantes nasais (normalmente associam-se a vasoconstritores que são os “verdadeiros
descongestionantes”).

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Reações alérgicas que respondem melhor aos anti-histamínicos H1
Como já vimos os antagonistas H1 tem um papel muito importante nos processos alérgicos. As seguintes são as
reações alérgicas que respondem melhor ao tratamento com antagonistas H1:
− Rinite sazonal e perene;
− Conjuntivite alérgica;
− Urticária;
− Reações de hipersensibilidade a medicamentos;
− Prurido que acompanha a dermatite atópica e a dermatite de contato;
− Picadas de insetos.

Efeitos adversos dos anti-histamínicos

Os efeitos adversos têm a ver com a associação com


os recetores H1 e também com o bloqueio de
recetores colinérgicos, alfa adrenérgicos,
dopaminérgicos e serotoninérgicos.

Os efeitos adversos principais são:


− Sedação;
− Tonturas;
− Cansaço muscular e alteração da coordenação física (controlo de máquinas, condução automóvel alterada por
isso a necessidade de avisar aos doentes);
− Reações paradoxais nas crianças: quando normalmente esperaríamos reações depressivas, obtemos reações
excitatórias como insónia, tremores, euforia, delírio e convulsões;
− Precipitação de convulsões (sobretudo em doentes com lesões focais no SNC);
− Reações distónicas agudas (em fármacos com bloqueio dopaminérgicos);
− Risco de arritmias ventriculares (com astemizol, terfenadina, loratadina) se associados entre si ou com
antiarrítmicos.

Antagonistas H1 não sedativos


Em doses terapêuticas penetram mal a barreira hematoencefálica. Por isso, têm menor ação sedativa e psicomotora
e menos efeitos não específicos. Os menos sedativos não potenciam as ações depressoras do álcool e das
benzodiazepinas.
Em doses elevadas podem penetrar a barreira hematoencefálica e alterar as funções do SNC, produzindo insónias e
outros sintomas.

Fármacos que não se devem administrar concomitantemente com o astemizol e terfenadina


O astemizol e terfenadina têm ação arritmogénica (a terfenadina já não se usa). Por isso, não se devem administrar
em associação com estes fármacos:
− Macrólidos (antibióticos) (como a eritromicina, claritromicina);
− Antifúngicos (inibidores do CYP3A4) (cetoconazol, itraconazol);
− Inibidores do sistema do citocromo P450 (também do CYP3A4) das oxidases hepáticas de função mista (ex:
sumo de toranja).
Se administramos conjuntamente, podemos causar a prolongação do intervalo QT e originar taquicardia ventricular
polifocal (como a torsade de pointes) ou outra arritmia cardíaca grave.

119
Inibidores da libertação de histamina
Os principais inibidores da libertação de histamina são: o cromoglicato de sódio, o cetotifeno (que também é um
antagonista H1 de 1ª geração) e o nedocromil sódico.

Cromoglicato de sódio
Esta substância estabiliza a membrana dos mastócitos e impede que o estímulo derivado da interação antigénio-
anticorpo seja capaz de libertar esta histamina.
Não tem ação relaxante nos músculos brônquicos e é ativo sobre os mastócitos da mucosa nasal e do tecido pulmonar.
Previne também a desgranulação não imunológica dos mastócitos.
Só tem valor profilático (asma, rinite e conjuntivite alérgicas) e não é eficaz na terapêutica da asma aguda. Em Portugal,
já não se usa para tratar a asma, mas sim para tratar a conjuntivite e a rinite alérgicas.
O fármaco absorve-se mal por via oral. Por isso, administra-se por inalação (asma), embora se perca 50-80% na boca
e faringe, sendo a absorção total no pulmão. Produz mau sabor na boca e irritação brônquica (se necessário usar
imediatamente antes um estimulante b2 inalado para prevenir a broncoconstrição induzida pela irritação brônquica).

Cetotifeno e nedocromil sódico


Estes fármacos têm uma ação semelhante à do cromoglicato de sódio.
O cetotifeno (é também um antagonista H1 de 1ª geração) usa-se por via oral na profilaxia da asma, rinite alérgica e
conjuntivite e dermatites pruriginosas. Usa-se com mais frequência nas crianças até aos 14 anos pela facilidade de
administração. Como se usa por via oral, tem vários efeitos adversos: cefaleias, náuseas e vômitos, dispepsia, dores
abdominais e sabor amargo.
A eficácia do cetotifeno é inferior à dos outros inibidores da libertação de histamina.
O nedocromil usa-se por via inalatória na asma e, por via ocular, na profilaxia e tratamento da conjuntivite alérgica.
Em Portugal usa-se apenas o cetotifeno. O nedocromil está em desuso.

Contraindicações gerais e precauções dos antagonistas dos recetores H1


− Epilepsia (só nos doentes que respondem com estimulação do SNC);
− Todos os estados em que os parassimpaticolíticos estão contraindicados (porque alguns anti-histamínicos têm
uma forte ação antimuscarínica);
− Gravidez (exceto os que já são usados desde há muito tempo, como a doxilamina);
− Casos de respostas aberrantes (como as respostas paradoxais das crianças).

Antagonistas dos recetores H2


Ações farmacológicas:
− Inibem competitivamente o recetor H2 na célula parietal gástrica e suprimem a secreção ácida basal
(diminuem volume, acidez, pepsina) de modo dependente da dose.

− Reduzem a ação estimulante sobre a secreção gástrica induzida por:


• Histamina ou seus agonistas (betazol)
E também menos eficazmente:
• O vago
• A gastrina e pentagastrina
• Estímulos mecânicos e químicos

− A redução da acidez gástrica provoca um aumento compensador da secreção de gastrina.

120
Alguns antagonistas H2
− Cimetidina (protótipo)
− Ranitidina
− Famotidina
− Nizatidina

Com o conhecimento do papel do H. pylori na doença ulcerosa (que pode ser tratada com antibacterianos adequados)
e o advento dos inibidores da bomba de protões, a prescrição dos bloqueadores H2 tem diminuído muito.

Indicações dos antagonistas H2


Nas doses usuais, todos os antagonistas H2 inibem um 60-70% da secreção ácida total de 24 horas.
Inibem muito bem a secreção ácida noturna (estimulada pela histamina), mas têm ação modesta na secreção
desencadeada pelos alimentos (estimulada pela gastrina e acetilcolina).
Os usos clínicos mais habituais são:
− Úlceras gástricas e duodenais;
− Úlceras pépticas pós-operatórias;
− Doença do refluxo gastroesofágico;
− Síndroma de Zollinger-Ellison (em doses elevadas);
− Dispepsia não ulcerosa;
− Prevenção de hemorragia das gastrites relacionadas com o stress.

Efeitos adversos dos antagonistas H2


São fármacos seguros. As reações adversas só surgem em menos dos 3% dos doentes.
Os efeitos adversos são mais frequentes com a cimetidina, raros com a ranitidina e a nizatidina. Alguns destes efeitos
são (sobretudo consequência da cimetidina):
− Diarreia, sonolência, zumbidos, cefaleias, erupção (1-2%)
− Disfunções do SNC: linguagem arrastrada, delírio, estado confusional (efeitos adversos descritos pela
cimetidina administrada via intravenosa)
− Efeitos endócrinos: ginecomastia (em homens) e redução dos espermatozoides, impotência reversível,
galactorreia (em mulheres) (também observado com a administração de cimetidina)
A cimetidina é o antagonista H2 menos seguro.
As principais contraindicações são a gravidez e o aleitamento.

SEROTONINA OU 5-HIDROXITRIPTAMINA (5-HT)


Biossíntese da 5-HT
A serotonina é sintetizada no cérebro, em células cromafins, nas células
nervosas do plexo mientérico e neurônios internos.
O triptofano sofre uma hidroxilação pela tripatofano-hidroxilase e
obtemos 5-hidroxitriptofano. Seguidamente, é descarboxilada por uma
descarboxilase e obtemos serotonina.
Depois a serotonina é metabolizada pela MAO, obtendo-se 5-
hidroxitriptofol. Seguidamente, este metabolito sofre uma
desidrogenação pela aldeído-desidrogenase e obtemos o ácido 5-hidroxi-
indolacético, o 5HIAA.
Este metabolito secretado na urina pode ser medido, sendo um marcador
da síntese de serotonina.
121
Onde está localizada a serotonina no corpo:
− 90% da serotonina encontra-se nas células enterocromafins da parede intestinal. Também encontramos
serotonina nas células nervosas no plexo mientérico.

− Sangue: as plaquetas concentram (não sintetizam) a amina por meio dum transportador ativo, semelhante ao
das vesículas das terminações nervosas noradrenérgicas e serotonérgicas).

− SNC: neurotransmissor no córtex, substância subcortical e nos núcleos do rafe (são os maiores sintetizadores
de serotonina do SNC). Como estes núcleos têm conexões com inúmeras áreas do SNC, a serotonina tem um
papel importante no humor, sono, apetite, regulação da temperatura, perceção da dor, regulação da pressão
arterial e vómito. Existem recetores para a serotonina em terminações nervosas (por exemplo do trigémeo)
que regulam a dor na enxaqueca.

− Na glândula pineal serve como precursor a melatonina.

Papeis fisiológicos e fisiopatológicos da serotonina


− Peristalse (associado ao recetor 5-HT3);
− Vômitos (associado ao recetor 5-HT3);
− Agregação plaquetar;
− Hemostase;
− Mediador inflamatório;
− Sensibilização de nociceptores;
− Controlo microvascular (aumenta a permeabilidade vascular);
− Ativação dos recetores 5-HT3 nas terminações vagais das artérias coronárias - está associada ao reflexo de
Bezold-Jarish (3 ações: bradicardia, hipotensão e apneia).

No SNC:
− Controlo do apetite;
− Controlo movimentos estereotipados;
− Sono;
− Perceção da dor;
− Humor;
− Vómitos;
− Temperatura.

Tipos de recetores da serotonina


Temos 14 subunidades de recetores da serotonina.
Os recetores 5HT1 tem um papel fundamental nos vasos cerebrais e nos vasos em geral. Os recetores 5-HT1B, 5HT1D
e 5HT1F são muito importantes na enxaqueca. Os agonistas dos 5HT1B e D são os triptanos e os agonistas do 5HT1F
são o lasmiditano e outros ditanos. Estes agonistas são usados no tratamento da enxaqueca.
Os recetores 5HT1A são muito importantes no SNC. O agonista parcial 5HT1A buspirona é um potente ansiolítico.
Os recetores 5HT2 estão localizados nas células musculares lisas, cérebro e nas plaquetas.
Os recetores 5HT3 encontram-se nos nervos sensoriais e entéricos, no músculo liso e na área postrema (área
relacionada com náuseas e vómitos). Por isso, os antagonistas 5HT3 como o tropisetron, o ondansetron e o
granisetron são importantes fármacos antieméticos.
Os recetores 5HT4 encontram-se nos neurónios mesentéricos e músculo liso. Os agonistas 5HT4 como a
metoclopramida e a domperidona são fármacos gastrocinéticos (estimulam a libertação de acetilcolina pelo sistema
nervoso entérico).

122
Efeitos farmacológicos da serotonina
5-HT1:
− controlo aferente da sensibilidade dolorosa;
− regulação de funções vegetativas (pressão arterial e atividade respiratória);
− contração dos vasos cerebrais.

5-HT2: efeito de agregação plaquetar e contração do musculo liso.

5-HT1 e 5HT2: quando combinados vão ter efeitos no SNC como:


− regulação do sono;
− da posição e tónus postural;
− da atividade dos gânglios basais;
− da secreção de ACTH;
− De outras hormonas (ex: gonadotrópicas, do crescimento e prolactina).

Serotonina e sistema nervoso periférico


− Estimula as terminações sensitivas da dor e sensoriais (prurido...);
− Ativa terminações quimiossensitivas do leito vascular coronário;
− Estimula as terminações vegetativas (recetores 5-HT3), com reflexos respiratórios e cardiovasculares do tipo
reflexo Bezold-Jarish que se caracteriza por: bradicardia, hipotensão por vasodilatação e apneia.

Outras ações da serotonina


− Aumento da motilidade gastrointestinal (5-HT3) e estimulação do centro do vomito na medula (importância
nos agentes anticancerosos). Estimulação de nervos aferentes para os centros centrais do vómito.
− Contração de outros músculos lisos (brônquios e útero) e hiperventilação.
− Contração vascular direta, por exemplo, nos vasos cerebrais.
− Contração vascular via inervação simpática, por exemplo, nos vasos pulmonares e renais.
− Dilatação vascular no coração e musculo esquelético (por libertação de NO pelas células endoteliais).
− Estimulação das terminações nervosas nociceptivas periféricas.
− Excitação/inibição de neurônios do SNC.
− Aumento da permeabilidade microvascular.

123
Agonistas da serotonina
Agonistas dos recetores 5-HT1A
A buspirona é um agonista parcial. É um fármaco ansiolítico.
A fenfluramina e a desfenfluramina são também agonistas dos recetores 5-HT1A. Foram muito utilizados para suprimir
o apetite, mas foram retirados por ações cardiovasculares.

Agonistas 5-HT1B e 5-HT1D


Os fármacos agonistas dos recetores 5HT1B e 5HT1D são os triptanos.
Os recetores 5HT1B são responsáveis da contração dos vasos gerais, dos vasos cerebrais e dos vasos meníngeos. Os
recetores 5HT1B vão mediar a vasoconstrição. Os recetores 5TH1D mediam a via da dor trigeminal.
Os triptanos são usados no tratamento da enxaqueca (tratamento sintomático).

Tempo de semivida t½ em
Triptano Modo de administração
horas
Almotripatano 3,3 Via oral
Eletriptano 4 Via oral
frovatriptano >25 Via oral
Naratriptano 6 Via oral
Sumatriptana 2-3 Via oral, via subcutânea e nasal
Zolmitriptano 2,8 Via oral, orodispersível e nasal
Rizatriptano 2 Via oral, orodispersível

Reações adversas dos triptanos: Calor, formigueiros, zumbidos, cansaço muscular, dor na nuca, sensação de aperto
retroesternal, dor cutânea no local de injeção (para o sumatriptano que pode ser injetável).

Contraindicações: Angina de peito (ou qualquer doença aterosclerótica manifesta é uma precaução ou
contraindicação), doença hepática, doença renal ou síndroma vascular periférico.

Agonista dos recetores 5HT1F: o lasmitidano


Os ditanos (como o lasmitidano) são diferentes farmacologicamente dos triptanos. O lasmitidano apenas tem efeitos
nos recetores 5HT1F da via do dor trigeminal e não tem ação vasoconstritora.
Usa-se para o tratamento agudo da enxaqueca.
[Se fores forte e curioso o suficiente sobre o tema, vê o ppt, porque tem lá um texto sobre isto.]

Agonistas 5HT4
Os fármacos agonistas dos recetores 5HT4 são pro-cinéticos.
Cisapride
Útil no refluxo gastroesofágico e alterações da motilidade gastrointestinal.
Já quase não se usa, porque se descobriu que a coadministração da cisapride com macrólidos ou antifúngicos (que são
inibidores da CYP3A4) pode causar interações a nível da CYP3A4 e provocar arritmias cardíacas graves às vezes mortais.
Tegaserod
É um agonista parcial do recetor 5HT4.
Usa-se em casos de síndroma do colón irritável associado à obstipação. Causa uma melhoria modesta e descobriram-
se, após comercialização, efeitos cardiovasculares graves.

124
Metoclopramida e domperidona
Também são antagonistas pouco potentes dos recetores D2 dopamina.
São úteis como gastrocinéticos e antieméticos. A metoclopramida, mas não a domperidona, atravessa a barreira
hemato-encefálica e pode causar sintomas extrapiramidais por ações anti-D2 no SNC.

Antagonistas da serotonina
Antagonistas dos recetores 5HT3
O ondansetrom, granisetrom e tropisetrom são fármacos antagonistas do recetor 5HT3, sendo potentes antieméticos.
São usados para tratar as náuseas e vómitos provocados pela radioterapia abdominal ou pelo tratamento com alguns
antineoplásicos compostos de platina.

Antagonistas 5HT2
A cetanserina é um fármaco antagonistas dos recetores 5HT2. Foi usado na hipertensão arterial, mas está agora em
desuso.

Outros antagonistas
Alguns antipsicóticos, as fenotiazinas e as butifenonas e antipsicóticos de 2ª geração, como a risperidona, cariprazina
e outros, são antagonistas dos recetores 5HT2A.
Os sintomas da esquizofrenia estão associados a baixos níveis de dopamina nas vias mesocorticais. Assim, estes
fármacos favorecem a libertação de dopamina nestas vias, melhorando a sintomatologia da esquizofrenia.

Síndroma carcinóide
A síndroma carcinoide é um estado clínico associado a tumores das células enterocromafins. As células
enterocromafins libertam serotonina, substância P, prostaglandinas e bradicininas. Nesta doença, estão aumentadas
todas estas substâncias.
Verifica-se rubor, diarreia, broncoconstrição, variações da tensão arterial, fibrose cardíaca associada à insuficiência
cardíaca.
Quando medimos o 5-HIAA, observamos um aumento de até 10 vezes da concentração normal, confirmando-se a
hipótese diagnóstica.
Interessa bloquear a produção destas substâncias (serotonina, substância P, prostaglandinas e bradicininas). Na
clínica, usam-se análogos da somatostatina ou recessão cirúrgica.

Síndroma serotoninérgica
Esta síndroma é grave e potencialmente fatal.
É causada pelo excesso de serotonina na fenda sináptica. É precipitada pela
administração de fármacos serotoninérgicos e sobretudo pela coadministração
destes (inibidores da recaptação da serotonina, IMAO, tramadol, sumatriptano,
ondansetrom, lítio, MDMA, erva de são João, LSD e outros.)
Note-se que o ondansetrom é um fármaco antagonistas dos recetores
serotoninérgicos, pelo que não se conhece bem o mecanismo da síndroma
serotoninérgica associada a este fármaco.
Quadro clínico: hipertensão, hiperreflexia, tremor, clónus, hipertermia, diarreia,
midríase, agitação, coma dentro de horas.
Terapêutica: benzodiazepinas, clorpromazina (antagonista dos recetores da
serotonina) e eventualmente intubação traqueal.

125
Nesta tabela vemos comparados os sintomas da síndroma serotoninérgica com outras doenças.

[Para veres um quadro com os fármacos associados a esta síndrome, podes consultar o ppt.]

126
13ª AULA TEÓRICA – FÁRMACOS NA INIBIÇÃO DA DOR II

ANALGÉSICOS CENTRAIS NÃO NARCÓTICOS


Tramadol
Agonista fraco dos recetores opioides MOR (µ) e inibe a recaptação da serotonina e da noradrenalina no sistema
analgésico endógeno descendente.
Origina muito pouca ou nenhuma dependência e depressão respiratória.
Tapentadol
O contrário acontece com o tapentadol. Estruturalmente é semelhante ao tramadol, mas tem mais afinidade para os
recetores µ. Inibe a recaptação da serotonina e da noradrenalina.
Deve ser incluído nos opioides. É um bom analgésico central, porque causa menos tolerância e dependência do que a
própria morfina.

UTILIZAÇÃO DOS OPIOIDES

− Plano individualizado, muito personalizado.


− Pela escala analgésica, isto é, dar se for eficaz. O doente deve referir o quão eficaz.
− Via oral quando possível.
− Pelo relógio, ou seja, em intervalos determinados, de x em x horas, para aumentar a eficácia.
− Terapêutica adjuvante, quando possível.

ESQUEMA EM “ESCADA” DA OMS PARA TRATAMENTO DA DOR ONCOLÓGICA

− 1º degrau – analgésico não opioide (+ eventualmente um adjuvante)


− 2º degrau - analgésico opioide fraco + não opioide (+ eventualmente um adjuvante)
− 3º degrau – analgésico forte (+ não opioide + eventualmente um adjuvante)

ANALGÉSICOS PERIFÉRICOS/ANALGÉSICOS ANTIPIRÉTICOS


Paraminofenois
Dose habitual de paracetamol: 500mg/toma
Na enxaqueca e na dor da artrose: até 1000mg/toma
Não deve ser tomado mais de 4 vezes por dia. Se a pessoa tiver hábitos alcoólicos, com consumo de glutatião,
nunca ultrapassar as 2000/3000mg diárias, caso contrário causaremos uma hepatite tóxica.
Este analgésico corresponde ao Paracetamol ou Acetaminofeno (analgésico/antipirético).

Derivados pirazólicos
Utiliza-se apenas como analgésico. Bom analgésico em termos de eficácia (em termos de segurança,
obviamente que não será).
Pode provocar depressão da medula óssea, sendo que é necessário ter cuidado com a administração repetida.
A administração durante uma semana é perigosa.
Apenas existe um: Dipirona ou Metamizol (nome mais utilizado)

Derivados do ácido antranílico


Glafenina (deixou de ser utilizada, devido à recorrência de choques anafilatoides – espécie de choque
anafilático, mas mais ligeiro), ácido mefenâmico ou etofenamato.

127
Derivados do ácido nicotínico
Utiliza-se apenas como analgésico. Causa irritação da mucosa gástrica.
Clonixonato de lisina ou Clonixina (muito utilizada)

Salicicatos
Utilizados a par do paracetamol. Muito irritantes da mucosa.
Ácido acetilsalicílico (AAS) e Acetilisalicilato de lisina (pó). Existem outros que foram cada vez menos usados.

Alguns AINEs
Também se utilizam como analgésicos.
Ibuprofeno e Nimesulida.

PARACETAMOL
O metabolismo do paracetamol dá origem a um metabolito hepatotóxico, ou seja, pode casar hepatite tóxica. Para
evitar que ocorra hepatite tóxica, este metabolite tem que ser eliminado através da conjugação com o glutatião, como
já visto na farmacocinética. O glutatião está normalmente disponível, exceto em casos de alcoolismo.
Deve-se, assim, evitar dar doses muito elevadas de paracetamol, para que não se esgote o glutatião, nunca
ultrapassando as 2/3 g diárias, especialmente no alcoólico. Uma dose de 10g diárias é hepatotóxica para qualquer
pessoa.

SALICILATOS
Os salicilatos provocam irritação da mucosa gástrica, asma e outros efeitos secundários, sobretudo a nível renal.
O Síndroma de Reye corresponde a encefalopatia e hepatopatia necrosante e pode ser resumida em: salicilato +
criança + febre elevada. Não se sabe bem qual é a causa, mas trata-se de uma associação estatisticamente significativa.
Assim, deve-se evitar os salicilatos na criança com febre elevada, por exemplo, na criança com gripe.

Ácido Acetilsalicílico (AAS)


O AAS tem 3 usos:
− Antiagregante plaquetar - numa dose baixa, entre 75-325mg diários;
− Analgésico e antipirético - 500mg/ toma;
− Anti-inflamatório - numa dose de 1000mg/toma.

O AAS é um forte irritante gástrico e, mesmo com a toma de doses baixas, há estudos que demonstram a perda de
eritrócitos nas fezes.

ASSOCIAÇÕES FIXAS
São aceitáveis desde que haja:
− sinergismo na eficácia/ efetividade (adição ou potenciação);
− aumento da segurança;
− significativo aumento da adesão à terapêutica.

Exemplos:
− Analgésico associado à cafeína – a cafeína aumenta a eficácia do analgésico, mas teria de ser uma dose
superior a 100mg diárias. Sendo que os comprimidos de cafeína têm, normalmente cerca de 30mg de cafeína,
a sua utilidade é questionável.

128
− Analgésico associado à vitamina C – a vitamina C não ter qualquer interação com o analgésico, sendo inútil em
qualquer dose.
− Analgésico + analgésico – é preferível dar uma dose eficaz e terapêutica de apenas um analgésico, em vez de
associar, especialmente fármacos com o mesmo mecanismo de ação.
Um exemplo de uma associação fixa admissível é a de um analgésico periférico, como paracetamol, com um opioide,
como a codeína, porque o mecanismo de ação é diferente. (dose máxima de codeína: 180mg diárias; 3 comprimidos
de 60mg)

MNSRM (MEDICAMENTOS NÃO SUJEITOS A RECEITA MÉDICA)


O principal critério para um MNSRM é segurança. Para haver segurança, o medicamento tem de ter pelo menos 5
anos de mercado.
É importante incluir na história medicamentosa do doente.

AINES
Representam cerca de 10 % das vendas de medicamentos sem Portugal. São extremamente usados (e abusados).
Todos são classificados em classes químicas à exceção dos coxibes.

Classe química Exemplos

AAS
Acetilsalicilato de lisina
Derivados do ácido salicílico Diflunisal
Trisilicato de magnésio e colina
Salsalato

Indometacina (dos mais potentes)


Diclofenac (o AINE mais usado em Portugal)
Derivados do ácido acético
Aceclofenac, Sulindac, Etodolac, Fentiazac, Tolmetina,
Protacina.
Ibuprofeno
Derivados do ácido propiónico
Naproxeno
(grupo grande com a mesma farmacodinamia – inibição Cetoprofeno
da COX) Fenoprofeno, Flurbiprofeno, Pirprofeno, Carprofeno,
ácido tiaprofénico, Oxaprozim
Fenilbutazona e oxifenilbutazona (ambas retiradas do
mercado por toxicidade medular óssea; a fenilbutazona
Derivados pirazolónicos apenas existe para aplicação tópica)
Azapropazona (para aplicação sistémica, em
comprimidos, mas é necessário ter cuidado com a
depressão medular)

Piroxicam (provoca fotossensibilidade tópica)


Oxicans Tenoxicam (semelhante ao piroxicam, mas não
provoca fotossensibilidade)
Droxicam, Isoxicam
Ácido mefenâmico
Ácidos fenâmicos
Ácido flufenâmico, Ácido tolfenâmico, Ácido
(são mais analgésicos que anti-inflamatórios) etofenâmico, Meclofenamato de sódio
Etofenamato (formulações tópicas, como Reumon Gel)

129
Nabumetona (a agressão gástrica é sistémica, inibindo
a COX e a produção de prostaglandinas E1 e E2, o que
diminui a produção de muco. Por isso, apesar de a
Compostos não acídicos nabumetona não ser ácida, continua a provocar
gastrite)
Proquazona
Bufexamac.

Inibidores preferenciais / "seletivos" da COX-2 Nimesulida (composto sulfonanilido)


Associam-se a um maior risco de tromboembolias. Ao Meloxicam (oxicam)
inibirem a COX-2 e não interagirem com a COX-1, Celecoxib (Icomposto pirazol 1,5 diaril)
inibem a produção de prostaciclina, e a COX-1 origina Etoricoxib (metilsulfonilfenilbiperidina)
tromboxano- A2, provocando tromboembolias.

Os inibidores preferenciais/”seletivos” da COX-2 não são uma classe química! Qual a razão desta exceção?
Os AINEs classificam-se por classes químicas, exceto os coxibes, já que em diversas classes químicas existem inibidores
preferenciais ou seletivos da COX-2.

Segundo o NICE (National Institute for Clinicai Excellence), para os coxibes:


"The effectiveness review found that the Cox-II inhibitors have equivalent efficacy to that of NSAIDs but have fewer
side effects. However, there is not enough evidence favouring any of the four drugs included in the review over the
others".
"The current evidence on cost-effectiveness of Cox II inhibitors remains inconclusive"

As enzimas proteolíticas não são anti-inflamatórias! São muito utilizadas em ORL, mas felizmente não são absorvidas,
porque se não digeririam as proteínas do organismo – ex: ananase [“dar ananase é um disparate. Comam ananás que
faz melhor.”]

INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE AINES


Em Reumatologia
- Tratamento de curta duração:
• Acessos dolorosos de artrose (tratamento na dor- paracetamol em dose de cerca de 1000 mg)
• Afeções reumatismais abarticulares (junto às articulações)
• Artrites microcristalinas
- Tratamento sintomático prolongado:
• Reumatismos inflamatórios crónicos
• Artroses dolorosas e invalidantes (preferível paracetamol)
Outras Indicações
- Como analgésicos e antipiréticos (nem todos)
- Afeções O.R.L.
- Afeções estomatológicas
- Em traumatologia
- Em ginecologia
- Em flebologia
- Em urologia
- Em oncologia
Não esquecer que a terapêutica com AINEs é sintomática. Não é um tratamento etiotrópico. Não trata a causa,
mas a manifestação dolorosa e inflamatória.

130
AUSÊNCIA DE RESPOSTA AOS AINES

− Causas farmacodinâmicas (ao nível do mecanismo farmacológico);


− Dose insuficiente;
− Questão farmacocinética: tempo de exposição insuficiente a uma determinada dosagem.
Estes fármacos são anti-inflamatórios, quando entram no líquido sinovial. No entanto, não é necessária a
existência de um pico elevado de concentração para que isto aconteça, é apenas necessário tempo para que
o medicamento esteja na concentração steady-state (Css).
O tempo que se demora a atingir Css é 4 a 5 semividas, desde que se administre o fármaco a cada semivida.
Se não se proceder assim, encurtando o intervalo de tempo entre administrações, ou administrando-se uma
dose mais elevada, este patamar de steady-state é atingido mais rápido:
• AINEs com T ½: curta:
o Ibuprofeno
o Cetoprofeno
o Diclofenac
o Fenoprofeno
• AINEs com T ½ longo – demoram muito mais tempo a atingir o Css:
o Piroxicam
• AINEs com T ½ intermédia:
o Sulindac,
o Naproxeno

NHS R & D CENTRE FOR EVIDENCE-BASED MEDICINE


Obviamente, devemos utilizar os fármacos para os quais há uma maior evidência.
Devem ser favorecidos os níveis de evidencia 1 e 2.
Os níveis 4, com muitas dúvidas, e 5 não devem ser utilizados, a não ser que a opinião do perito seja balizada pela
evidência existente.

Grau de Recomendação Nível de Evidência Análise Metodológica

1a RS de RCT
A
RCT individuais (com IC
1b
curtos)
2a RS de estudos de coorte

Estudos de coorte e RCT


2b
baixa qualidade
B Investigação sobre
2c
resultados
3a RS de estudos caso-controlo
3b Estudos de caso-controlo

Estudos de séries de casos e


C 4 estudos de coorte e caso-
controlo de baixa qualidade
D 5 Opinião de peritos

131
Biblioteca MBE (Medicina Baseada na Evidência): The Cochrane Library
As revisões sistemáticas não encontram diferenças na eficácia entre os AINEs (não há correlação entre a concentração
plasmática e a eficácia, existindo uma grande variabilidade interindividual), existindo risco diferente entre alguns.
Para os síndromes músculo-esqueléticos agudos, não existe comparação robusta com o paracetamol.
Uma revisão sistemática verificou eficácia dos AINEs tópicos quando comparados com placebo.
Não existem RCT (Randomized Control Trial) de qualidade que comparem as formas tópicas (mais seguras, mas menos
eficazes) com as sistémicas dos AINEs.

UTILIZAÇÃO CLÍNICA

− São tratamentos quase sempre sintomáticos, para as dores somáticas (nunca neuropáticas).
− Não há uma indicação preferencial, nem hierarquias. Se a eficácia é semelhante, começar pelo mais bem
tolerado (baseado na prova).
− Existe variabilidade interindividual na resposta aos AINEs — ritmos circadianos, patogenias diferentes...
− Começar pela dose mais baixa que tenha a melhor relação benefício/risco.
− Não prescrever AINEs para melhorar a penetração dos antibióticos- prática já não utilizada.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A VARIABILIDADE NA RESPOSTA AOS AINES


Relacionada com a possível eficácia e/ou toxicidade dos AINEs:
- Preferência do doente
- Diferença nas propriedades físico-químicas dos AINEs
- Doses administradas
- Farmacocinética (variabilidade interindividual)
- Farmacodinamia: as diferenças farmacodinâmicas não são muitas, mas os fármacos podem intervir em fases
distintas da doença em causa, tendo diferentes respostas.

REAÇÕES ADVERSAS
Em 1997, nos EUA, a toxicidade por AINEs foi responsável por 16.500 mortes, quase tantas como a SIDA. Foi este grupo
farmacoterapêutico que viu maior número de fármacos a serem retirados do mercado por toxicidade. Quase 25% de
todas as reações adversas imputadas aos medicamentos!
AINEs retirados do mercado:
− Fenclofenac, zomepirac
− Indoprofeno, suprofeno, benoxaprofeno
− Fenilbutazona, hidrofenilbutazona, oxifenilbutazona, suxibuzona, tiazolinobutazona, pirazinobutazona
− Isoxicam

Efeitos adversos dos AINEs


1. Ligados à inibição das PGs
- Digestivos
• Ligeiros (Gastrite/Epigastrialgias, Náuseas, Dores Abdominais)
• Graves (Hemorragias Digestivas, Perfuração de úlceras)
- Asma e broncospasmo (deve tentar-se um AINE de outra classe química)
- Renais (Pirazolonas):
• Insuficiência Renal Funcional (porque se inibe a COX, inibindo-se a irrigação renal)
• Necrose papilar
• Hiponatrémia, Hiperealiémia
- Perturbações neurosensoriais (raras)
- Neuropatias (raras)

132
2. Não dependentes das PGs
- Reações Cutâneas (Piroxicam, Diclofenac)
• Erupções alérgicas banais
• Acidentes cutâneos graves
(Piroxicam provoca fotossensibilidade; Diclofenac provoca dermopatias)
- Reações Hematológicas (Pirazolonas)
• Agressão medular de origem Imuno-Alérgica
• Agressões tóxicas
- Reações Hepáticas (Nimesulida)
• Hepatites colestáticas, citolíticas ou mistas
• Muitos outros AINEs são hepatotóxicos
- Púrpura e vasculites

Hepatotoxicidade: um medicamento tem hepatotoxicidade, quando há um aumento das transaminases superior a 3


vezes o limite superior do seu valor normal. No entanto, basta as transaminases estarem aumentadas para sabermos
que está a haver agressão hepática.
O problema principal dos AINES é a tolerância gástrica ou digestiva por ação direta de contacto (pela natureza ácida
dos fármacos), mas sobretudo pela inibição da síntese das prostaglandinas gastroprotetoras que desencadeiam a
produção de muco – PGE1 e PGE2.

Enfarte do miocárdio e outras patologias isquémicas e os coxibes


COX-1 - Proteção gástrica (produção de muco,
Os coxibes inibem seletivamente a COX-2, responsável pela bicarbonato, renovação celular);
produção de PGI2, pelo endotélio. Assim, ao inibirmos a - Síntese de TXA2
produção de PGI2, deixamos livre o TXA2 da COX-1, que é um
agregante plaquetar. Desta forma, não temos a proteção
antiagregante da PGI2, que previne tromboembolias. Há então
- Produção de PGI2 (pelo endotélio)
risco aumentado de tromboembolias. COX-2
- PGI2 faz antiagregação plaquetar
prevenção de tromboembolias

O rofecoxib, num ano, atingiu quase 100% de vendas em Portugal. Num ensaio clínico de rofecoxib vs naproxeno
(estudo de vigor), o rofecoxib teve 4x mais casos de enfarte do miocárdio que o naproxeno. A FDA questionou a
farmacêutica que se defendeu dizendo que o problema não era do rofecoxib, mas sim uma vantagem do naproxeno,
porque este é antiagregante plaquetar. Depois, a farmacêutica resolveu utilizar o rofecoxib como preventivo do cancro
do colon, porque a COX-2 transforma os pólipos em carcinoma do colon, pelo que, inibindo a COX-2, estamos a evitar
a transformação. Assim, o rofecoxib foi utilizado em doses muito mais elevadas que antes. A taxa de enfartes do
miocárdio foi brutal e o rofecoxib acabou por ser retirado do mercado, bem como outros coxibes.

FATORES QUE AUMENTAM A SUSCETIBILIDADE DA MUCOSA GÁSTRICA AOS AINES

− Antecedentes de doença ulcerosa péptica;


− Cirrose hepática / hipertensão portal;
− Lesões do SNC;
− Insuficiência cardíaca congestiva;
− Idade.
Para ultrapassar estes problemas pode recorrer-se a:
− Novas formas galénicas (efeitos secundários sistémicos não são solucionados desta forma, sendo que novas
formas galénicas apenas atenuam a ação de contacto);
− Via de administração alternativa (tópicos, evitam irritação gástrica e renal);
− Posologia adequada;

133
− Proteção gástrica (antiácidos e inibidores da bomba de protões só devem ser utilizados em doentes de risco,
com antecedentes de, por exemplo, úlcera péptica ou cirrose hepática).
Apesar de os inibidores seletivos da COX-2 provocarem menos agressão gástrica, continuam a tê-la!

CONTRAINDICAÇÕES DOS AINES

− Úlcera gastroduodenal em evolução;


− Insuficiência hepática ou renal grave;
− Perturbações da coagulação;
− Intolerância ou alergia comprovada anteriormente a um AINEs da mesma família;
− Síndrome que associe:
• Polipose nasal;
• Asma alérgica à aspirina.

INTERAÇÕES A NÍVEL FARMACOCINÉTICO

Fármaco afetado Fármaco responsável Ação


Inibição do metabolismo e
competição na ligação às
proteínas do sangue
Anticoagulantes orais (tipo
aumentam o anticoagulante
da varfarina) e sulfonilureias Pirazólicos
oral e a sulfonilureia na
(antidiabéticos orais)
forma livre, levando a
hemorragias e a
hipoglicémias graves.
Redução na depuração e
competição na ligação às
proteínas, estando a
Metotrexato AINEs
concentração de
metotrexato sanguínea
aumentada.
Redução da depuração renal,
aumentando também a
Digoxina AINEs
concentração sanguínea de
digoxina.
Aumento da absorção pela
Gastrocinético – aumenta o aceleração do esvaziamento
esvaziamento gástrico gástrico, sendo que o
AINEs conteúdo, assim como o
(ex: metoclopramida, AINE, passa mais rápido do
domperidona) estômago para o duodeno,
onde o AINE é absorvido.

134
INTERAÇÕES A NÍVEL FARMACODINÂMICO

Fármaco afetado Fármaco responsável Ação


Redução do efeito anti-
hipertensor, pois estes
Anti hipertensores antihipertensores atuam
(diuréticos, bloqueadores AINEs através de prostaglandinas
beta, IECA, ARA) renais, que não são
produzidas com a toma de
um AINE.
Diuréticos AINEs Risco de insuficiência renal.
Sinergismo de efeito
Ticlopidina AINEs
(problemas de hemostase).
Sinergismo de risco.
Aumento do risco gástrico e
AINEs AINEs
renal, sem aumento
considerável da eficácia.

Nota: deve começar-se por prescrever produtos que se conhecem melhor, normalmente os mais antigos, porque se
sabe quais são os efeitos adversos, mesmo os mais raros, e porque são, na sua maior parte, menos dispendiosos.

É importante lembrar que a dor somática é desencadeada pelos


eicosanoides e que os AINEs são inibidores da sua síntese.
A dor somática tem, no entanto, muitas outras substâncias
envolvidas no conjunto de químicos que estimula as terminações
nervosas livres. A tabela apresenta as interleucinas, GM-CSF, TNF-
alfa, interferões e PDGF.
Os síndromes inflamatórios relacionados com as interleucinas e
com o TNF-alfa respondem pouco aos AINEs. Por isso, criaram-se
fármacos específicos que são utilizados sobretudo como
modificadores da doença (DMARTs).

DOR NEUROPÁTICA
A dor neuropática corresponde a uma lesão da fibra, ou da via da dor, excetuando a estimulação os nociceptores, ou
seja, de todo o trajeto da fibra até ao córtex parietal.
Envolve múltiplos mecanismos, desde a estimulação excessiva da fibra, por sinapses anómalas do simpático com a
fibra nervosa, ou até mesmo por desmielinização da fibra nervosa. Há sempre alguma fragilidade do sistema analgésico
endógeno.
É uma dor espontânea e muito intensa (hiperalgesia periférica e central; alodinia – hipersensibilidade periférica e
central), sendo muito frequente.
Exemplos:
− Polirradiculoneuropatias inflamatórias desmielinizantes, aguda ou crónicas
− Polineuropatia alcoólica
− Polineuropatia por quimioterapia
− Neuropatias por compressão (entrapment neuropathies)
− Neuropatias por compressão ou infiltração tumoral
− Neuropatias por deficiência nutricional (sobretudo de vitaminas do complexo B)

135
− Neuropatia diabética
− Dor do membro fantasma
− Nevralgia pós-herpética
− Radiculopatias (cervicais, torácicas ou lombossagradas)
− Nevralgia do trigémeo
− Nevralgias pós-traumáticas
− Neuropatias por intoxicação
− "Causalgias" (não se sabe a causa); síndrome ombro-mão; atrofia de Sudeck (acontece quando me mete, por
exemplo, gesso num membro, ocorrendo uma certa descalcificação).

Tratamento da dor neuropática


1. Antiepilépticos/anticonvulsivantes (neuromoduladores)
− Carbamazepina (mais nas nevralgias — ex: nevralgia do trigémeo)
− Gabapentina — 1ª ou 2ª linha
− Pregahalina — 1ª ou 2ª linha
− Oxcarbazepina
− São antiepilépticos (cuidado com as RAMs)

2. Antidepressores (também podem melhorar a comorbilidade psiquiátrica)


− Amitriptilina e outros (ex: nortriptilina, doluxetina, venlafaxina)
− Antidepressivos de última geração (SSRI) - (ex: fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopram),
não são igualmente eficazes.
3. Analgésicos opioides (oxicodona, morfina de libertação controlada, tapentadol)
− Risco de dependência, devendo ser de 3ª linha.
− Também podem melhorar a dor somática.

4. Outros, como a lidocaína tópica (inibe canais de sódio) ou capsaicina tópica na dor pós-herpética.

INIBIÇÃO DA DOR EM SITUAÇÕES PARTICULARES

− Espasmolíticos (musculatura lisa): papaverina, mebeverina, antagonistas do cálcio, anticolinérgicos.


− Espasmos intestinais com dor (colite espástica): linaclotida (agonista do recetor da guanilato-ciclase)
− Antirreabsortivos ósseos: bisfosfonatos de ação rápida (ex: ácido zoledrónico)
− Vasoconstritores/inibidores da libertação de neuromediadores da dor e diminuição da inflamação:
ergotamina, triptanos (sumatriptano, almotriptano, frovatriptano e ditanos. Gepantes - antagonistas do
recetor CGRP.
− Diminuição da desmielinização: Interferões beta-1 a/b, Fingolimod, Natalizumab, Alentuzumab, Ocrelizumab.

136
14ª AULA TEÓRICA – ANTI-INFLAMATÓRIOS ESTERÓIDES (CORTICOESTERÓIDES)

SÍNTESE DE CORTICOSTEROIDES NAS GLÂNDULAS SUPRARRENAIS


Os corticoides podem ser divididos em dois tipos: glicocorticoides e
mineralocorticoides.
Os corticosteroides são derivados dos glicocorticoides, ou seja, do
cortisol, hormona sintetizada na zona fasciculada do córtex
suprarrenal sob influência da ATCH circulante, secretada na
adenohipófise.
Na zona glomerulosa é produzida aldosterona e, na zona reticulada,
são produzidos alguns esteroides sexuais, como a
dehidroepiandrosterona (DHEA).

Regulação da secreção de glicocorticoides


O cortisol tem um ritmo circadiano: a maior secreção de cortisol ocorre por
volta das 7-8h da manhã, devido ao stress existente no nosso corpo, quando
nos levantamos (o cortisol é, por excelência, uma hormona do stress!).
Isto é importante, pois, quando administramos corticosteroides, devemos
obedecer a este ritmo circadiano. Por esta razão, a administração deve ocorrer
de manhã, depois do pequeno-almoço. Se a dose a administrar for maior,
devemos repartir a dose (uma dose de manhã e uma dose à noite).

O cortisol é libertado no córtex suprarrenal em resposta à CRH, hormona hipotalâmica,


que é segregada em situações de stress, hipovolémia, hipoglicemia, hipertermia,
esforço físico (acima dos 60-65% do consumo máximo de oxigénio), dor, queimaduras,
infeções…
O CRH irá atuar sobre a hipófise anterior, que produz ACTH que, por sua vez, irá
estimular o córtex suprarrenal.
Quando administramos corticosteroides, a regulação irá ser feita por retrocontrolo
negativo (os níveis de CRH e ACTH irão descer). Numa situação onde os níveis de ACTH
são muito baixos, começa a existir atrofia do córtex suprarrenal e, se suspendermos
bruscamente os corticosteroides, podemos colocar o doente em risco de vida. Deste
modo, os corticosteroides devem ser “desmamados”/descontinuados lentamente.

MECANISMOS DE AÇÃO DOS GLICOCORTICOIDES


1. Ligação ao recetor citoplasmático
2. Interação glicocorticoides-recetor causa alteração conformacional do
recetor e complexo migra até ao núcleo
3. Transcrição → mRNA
4. Tradução mRNA → síntese proteica (mudar as setas!!)
5. Várias ações…
a. Ação principal: inibição da fosfolipase A2 por uma das proteínas
sintetizadas

137
PRINCIPAIS AÇÕES DOS GLICOCORTICOIDES
‒ Efeitos metabólicos e sistémicos gerais;
‒ Efeitos de feedback negativo sobre a hipófise anterior e hipotálamo;
‒ Efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores.

Efeitos metabólicos e sistémicos gerais


‒ Estimulação da neoglicogénese hepática e redução da captação da glicose pelos tecidos - ação anti-insulina,
causando hiperglicemia (“diabetes dos corticosteroides”).
‒ Estimulação do catabolismo proteico e diminuição do anabolismo proteico, levando ao aumento da
degradação proteica.
‒ A nível vascular, tem uma ação sinérgica com substâncias vasoconstritoras (catecolaminas, angiotensina,
endotelina). Inibem também a NO-sintetase e reduzem a permeabilidade capilar, resultado em aumento da
tensão arterial.
‒ Efeito permissivo sobre hormonas lipolíticas e redistribuição característica do tecido adiposo: face em lua
cheia, pescoço tipo búfalo e presença de acne.
‒ A nível ósseo, dá-se a estimulação dos osteoclastos e inibição da atividade osteoblástica, aumentando o
catabolismo da matriz óssea (“osteoporose dos corticosteroides”).
‒ Balanço negativo do Ca2+ e das proteínas: redução da absorção gastro intestinal e aumento da excreção renal.

Efeito de feedback negativo


‒ Efeito de feedback negativo
• sobre o hipotálamo, levando à diminuição da produção de CRH;
• sobre a hipófise, levando à diminuição da produção de ACTH.
Risco de atrofia do córtex suprarrenal com tratamento prologado com glicocorticoides

Regras para a descontinuação da toma de glicocorticoides:


‒ Se administramos glicocorticoides em dose baixa ou média até uma semana, o desmame pode ser rápido (1 a
3 dias).
‒ Se administrarmos glicocorticoides em dose elevada num período superior a uma semana, o desmame tem
de ser mais lento (1 semana).
‒ Se a dose for muito elevada e o período de tempo for muito prolongado, o desmame pode levar meses.

Efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores


‒ Efeitos inibitórios generalizados, marcados, sobre a resposta inflamatória.
‒ Inibem a atividade da fosfolipase A2, reduzindo a expressão de COX2
• A fosfolipase A2 é a enzima que possibilita a libertação do ácido araquidónico por parte dos
fosfolípidos da membrana. A ácido araquidónico vai depois entrar na via da cicloxigenase e da
lipoxigenase.
‒ Redução da produção de mediadores da inflamação aguda, especialmente eucasinóides (PG, Leucotricenos…).
‒ Maior efeito sobre a imunidade celular (comparativamente à imunidade humoral).
‒ Redução da atividade dos macrófagos e da proliferação de fibroblastos envolvidos nos estádios crónicos da
inflamação, causando um atraso na cicatrização.
‒ Linfopenia, com redução da atividade dos linfócitos B e T (maioritariamente linfócitos T).
‒ Inibição do sistema complemento.

138
Os fosfolípidos da membrana, por ação da fosfolipase A2,
libertam ácido araquidónico, que pode ser usado em várias
vias. As principais são as vias da lipoxigenase e da
cicloxigenase.
A cicloxigenase irá dar origem às prostaglandinas TXA2 e
PGI2, enquanto a lipoxigenase dá origem aos leucotrienos.
Os corticosteroides inibem a fosfolipase A2, sendo, por
isso, mais potentes que os AINEs, que inibem apenas a
cicloxigenase.

PRINCIPAIS CORTICOSTEROIDES
‒ Glucorticoides
• Hormonas naturais
o Cortisona (cortisol)
o Hidrocortisona (pouco potente)
• Hormonas sintéticas
o Prednisona: pró-fármaco da prednisolona
o Betametasona
o Dexametasona
o Beclometasona
o Triancinolona

‒ Mineralocorticoides
• Hormonas sintéticas
o Fludrocortisona: não é comercializado em Portugal. Muito útil em situações de hipotensão
arterial grave.

Cortisol e cortisona
‒ Pouco potente;
‒ Usado apenas em terapêuticas de reposição;
‒ Não possuem boas propriedades anti-inflamatórias;
‒ Elevada atividade mineralocorticóide.

Prednisona e prednisolona
‒ 1ª escolha no tratamento anti-inflamatório a longo prazo, sendo dos mais utilizados;
‒ Baixa atividade mineralocorticóide;
‒ Grande atividade glicocorticoide.

Dexametasona e betametasona
‒ Usados com anti-inflamatórios para respostas agudas máximas (choque séptico e edema cerebral);
‒ Mais potentes;
‒ Baixa atividade mineralocorticóide;
‒ Atividade supressora do crescimento e cicatrização;
‒ Anti-inflamatórios potentes.

139
Podemos observar que, em termos de afinidade
relativa, potência inflamatória e retenção de sódio, a
hidrocortisonsa toma o valor de 1.
A prednisolona, em termos de afinidade relativa e
potância inflamatória, toma valores mais altos.
No entanto, quanto à retenção de sódio (capacidade
mineralocorticóide), todas as substâncias têm um
desempenho inferior à hidrocortisona, à exceção da
fludrocortisona e da aldosterona.
Quanto à potência inflamatória, todas as substâncias são superiores à hidrocortisona. A dexametasona e a
betametasona são 30 vezes mais potentes que a hidrocortisona neste parâmetro.
Em relação à semivida, excluindo a cortisona e a hidrocortisona que têm uma semivida curta, todas as substâncias têm
uma semivida intermédia ou longa, sendo que só é preciso uma administração por dia.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS

‒ Atravessam a membrana celular com muita facilidade, tendo uma boa e rápida absorção por via oral.
‒ Existem preparações para administração por diversas vias (oral, intramuscular, endovenosa, parentéricas,
inalatória, nasal, tópica, intra-articular).
‒ Baixa ligação às proteínas plasmáticas (10-15% á albumina e apenas 3 a 10% livre).
‒ Os corticosteroides sintéticos apresentam melhor biodisponibilidade que o cortisol.
‒ Metabolização pelo fígado, formando compostos hidrossolúveis que são eliminados pelo rim.

Na via oral:
− O corticosteroide mais utilizado é a prednisolona (mais
práticos) ou o seu pró-farmaco prednisona.
− A forma metilada da prednisolona – metilprednisolona – é
mais solúvel, sendo mais preferível para a administração
endovenosa.
− A Fludrocortisona não é comercializada em Portugal
− O deflazacort é muitas vezes descrito como tendo poucos
efeitos secundários. Isto não é verdade, uma vez que, em
doses equiefetivas, todos os corticosteroides têm efeitos
secundários semelhantes. O que realmente acontece é
que, por miligrama, o deflazacort é menos eficaz, tendo
menos efeitos secundários por este motivo.

Na via parentérica:
− São frequentemente usados a prednisolona ou a metilprednisolona.
• Estes fármacos devem estar presentes em qualquer consultório, caso ocorra uma situação de alergia
ou choque anafilático.
− A dexametasona é bastante utilizada em neurologia, para diminuir o edema cerebral.
− A betametasona e a trimcinolona têm aplicação oftálmica.

Para aplicação tópica:


− São mais utilizados mometasona, dexametasona e betametasona

Na via inalatória (para prevenção da asma, por exemplo):


• O fármaco mais utilizado é a beclometasona.
• Também é utlizado o budesonido, que tem uma menor absorção.

140
USO TERAPÊUTICO DOS CORTICOSTEROIDES
‒ Terapêutica de substituição, quando existe destruição do córtex renal (insuficiência suprarrenal aguda ou
crónica, tuberculose)
‒ Doenças alérgicas (choque anafilático, urticária, …)
• Em situação de choque anafilático, a administração tem de ser imediata.
‒ Doenças inflamatórias (arterite temporal, colite ulcerosa, doença de Crohn, iridociclite, pericardite, edema
cerebral vasogénico, etc).
• No caso de doenças graves como a iridociclite, pericardite e edema cerebral vasogénico, os
corticosteroides devem ser administrados por via parentérica.
‒ Doenças autoimunes (anemia hemolítica autoimune, artrite reumatoide, LES, hepatite auto-imune,
vasculite, …)
• Deve ser administrado corticosteroide junto com um imunomodelador.
‒ Asma brônquica, sobretudo na prevenção.
• Grelhas de tratamento R-CHOP (rituximab, ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona)
‒ Tratamento de neoplasias (linfomas, leucemias…)
‒ Doentes transplantados (em combinação com imunossupressores).
‒ Situações muito graves de COVID-19, para evitar a morte dos doentes.

Dexametasona na infeção SARS-CoV-2


Numa situação de infeção por SARS-CoV-2, o vírus liga-se ao
recetor ACE-2 das células, penetrando nos pneumócitos tipo 2
da via área. Depois desta ligação, é desencadeada uma
tempestade inflamatória de citocinas.
A dexametasona inibe esta tempestade inflamatória de
citocinas, evitando a ocorrência de respostas inflamatórias
graves que poderiam levar à morte dos doentes.

PRINCIPAIS REAÇÕES ADVERSAS (RAM) DOS CORTICOSTEROIDES


A terapêutica de reposição com glicocorticoides em baixas doses normalmente não tem riscos significativos.
No entanto, em doses elevadas ou administração prolongada, ocorrem RAM graves, tais
como:
‒ Face em lua cheia;
‒ Acne;
‒ Pescoço tipo búfalo;
‒ Cataratas (mais frequentes quando existe administração tópica);
‒ Hipertensão arterial;
‒ Diminuição da quantidade de lípidos e proteínas nos membros, sendo que estes
ficam finos;
‒ Aumento da gordura abdominal;
‒ Osteoporose;
‒ Diabetes;
‒ Aumento do apetite;
‒ Depressão da imunidade, causando um aumento da suscetibilidade a infeções;
‒ Má cicatrização.

Efeitos ocorrentes no uso sistémico


‒ Síndrome de Cushing iatrogénico;
‒ Supressão do eixo hipotálamo-hipofise-SR, causando atrofia do córtex suprarrenal;
‒ Retenção de Na+ e H2O, causando edemas e hipertensão arterial;
‒ Hiperglicémia e diabetes mellitus (“diabetes dos corticosteroides”);
‒ Osteoporose, causando fraturas (“osteoporose dos corticosteroides”);

141
‒ Atraso do crescimento em crianças
• Nas crianças com asma, existia a preocupação dos corticosteroides terapêuticos inalados estarem a
causar atraso do crescimento. No entanto, foi provado que esse atraso não é muito significante, sendo
apenas de 1-2cm.
‒ Miopatia (enfraquecimento e atrofia muscular);
‒ Cataratas;
‒ Depressão imunitária (suscetibilidade imunitária). Pode ser utilizada clinicamente em algumas situações (p.ex.
em casos graves de Covid-19);
‒ Úlcera gastroduodenal, com irritação gástrica e problemas renais;
‒ Atraso na cicatrização de feridas;
‒ Diminuição da líbido e amenorreia;
‒ Complicações tromboembólicos;
‒ Ansiedade, euforia, insónias (por vezes depressão ou reações psicóticas, ideação suicida);
‒ Hipertensão intracraniana.

CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS DOS CORTICOSTEROIDES

− Insuficiência cardíaca;
− Hipertensão arterial grave;
− Insuficiência renal;
− Úlcera péptica;
− Psicose;
− Osteoporose;
− Infeções sistémicas ativas.

Recomendações para o uso de corticosteroides


‒ Avaliar risco/benefício;
‒ Dose mínima eficaz (exceto em doenças potencialmente não fatais);
‒ Preferir vias não sistémicas sempre que possível;
‒ Administração única (6-10h), respeitando ritmo circadiano (exceto doses altas).

Desmame: redução gradual da dose. Quanto maior a dose e a duração do tratamento, mais lento e progressivo tem
de ser o desmame.

142
14ª AULA TEÓRICA – AUTACÓIDES II

PÉPTIDOS VASOATIVOS

Vasoconstritores Vasodilatadores
‒ Angiotensina II ‒ Bradicinina e cininas relacionadas
‒ Vasopressina ‒ Péptidos natriuréticos
‒ Endotelina ‒ Péptido intestinal vasoativo (VIP)
‒ Neuropéptido Y ‒ Substância P
‒ Neurotensina
‒ Péptido relacionada com o gene da calcitonina
(CGRP)
‒ Adrenomedulina
‒ Urotensina

‒ Os péptidos vasoativos são hormonais locais, para comunicar entre células.


‒ Desempenham funções importantes nos Sistemas Nervoso Periférico e Central.
‒ Vários péptidos exercem efeitos diretos importantes no músculo liso vascular e outros músculos lisos (noutras
células).

SISTEMAS PEPTIDÉRGICOS QUE PARTICIPAM NA REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL, VOLÉMIA E EXCREÇÃO DE SÓDIO

− Renina-angiotensina-aldosterona
− Cininas
− Péptidos natriuréticos

SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA
‒ Sistema mais importante no aparelho cardiovascular.
‒ A renina, produzida no rim por estimulação simpática, transforma Angiotensinogénio
(presente no fígado) em Angiotensina I. A Angiotensina I é convertida em
Angiotensina II pela Enzima de conversão (ECA)
‒ As aminopeptidases degradam Angiotensina II em Angiotensina III.

Ações da angiotensina
Locais de ação
‒ Músculo liso vascular, aumentando a contração vascular;
‒ Coração;
‒ Córtex suprarrenal, aumentando a produção e libertação de aldosterona;
‒ Rim, aumentando a taxa de filtração glomerular;
‒ Cérebro.
Através das ações exercidas nestes locais regula
− O equilíbrio dos fluidos e eletrólitos;
− A pressão arterial, sobretudo através da aldosterona, que promove a retenção de sódio e água e a
vasoconstrição;
− A estrutura cardiovascular, sobretudo a espessura das paredes do coração e dos vasos.
A atividade excessiva resulta em
− Hipertensão;
− Alteração da homeostasia de fluidos e eletrólitos;
− Alteração da parede.

143
Efeitos na pressão arterial
− Agente pressor muito potente (40 vezes mais potente que a noradrenalina)
• O efeito pressor deve-se, em grande parte, à contração do músculo liso arteriolar e ao efeito no SNC
e SNV (estimula os gânglios, aumenta a libertação de aldosterona e noradrenalina e estimula a
transmissão simpática por ação nos terminais nervosos.
− Início rápido (10-15s) e mantido durante a infusão.
− Tem um efeito direto inotrópico no coração.

Efeitos no córtex suprarrenal


‒ Estimula a síntese de aldosterona, promovendo por isso a retenção de água e sódio.
‒ Em doses altas, estimula a síntese de glicocorticoides

Efeitos no rim
‒ Vasoconstrição renal;
‒ Aumenta a reabsorção de sódio no tubo contornado proximal.

Efeitos no SNC (sobretudo indiretos)


‒ Estimula a ingestão de líquidos;
‒ Aumenta a secreção de vasopressina e ACTH.

Efeitos sobre o crescimento celular


É mitogénica para as células musculares dos vasos e cardíacas (pode contribuir para a hipertrofia cardiovascular).

INIBIDORES DO SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA


1. Fármacos que bloqueiam a secreção de renina
No fundo, são modificadores do sistema nervoso simpático.
‒ Clodinina - Agonista alfa-2 pré-sináptico, inibe a libertação de noradrenalina e de renina.

‒ Metildopa - Simpaticolítico

‒ Propanolol e outros antagonistas beta - Bloqueia os recetores beta envolvidos na secreção de renina; é um
dos mecanismos de ação dos bloqueadores beta no controlo da hipertensão arterial.

2. Inibidores da renina
‒ Aliscireno
• É administrado por via oral, tendo uma biodisponibilidade reduzida - compensa-se aumentando a dose
administrada.
• Eficácia aparentemente semelhante aos IECAs e ARAs (em doses equiefetivas!).
• Igual tolerabilidade (mais diarreia que os IECAs e ARAs e menos tosse que os IECAs).

3. Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECAs)


‒ Inibem a conversão da angiotensina I em angiotensina II e inibem a degradação da bradicinina, da substância
P e das encefalinas.
‒ O aumento da bradicinina (devido à inibição da sua degradação) provoca tosse e edema maleolar.
‒ Os nomes destes fármacos acabam em -pril.
.

144
‒ Ativos por via oral:
• Captopril (já não tem muito interesse, pois são precisas várias administrações ao longo do dia)
• Enalapril
• Perindopril Administram-se uma vez por dia
• Ramipril
• Trandolapril
• Benazepril
• Fosinopril
• Lisinopril
• Quinapril

Ações farmacológicas
‒ Reduzem a resistência vascular sistémica sem aumentarem a frequência cardíaca.
‒ Promovem a natriurese.
‒ São eficazes como anti-hipertensores.
‒ Reduzem a morbilidade e a mortalidade na insuficiência cardíaca congestiva (substituíram a digoxina) e na
disfunção do ventrículo esquerdo após enfarte do miocárdio – fármacos de 1ªlinha nestas patologias.
‒ Atrasam a progressão da nefropatia diabética
• Será que devemos administrar IECAs na nefropatia diabética, mesmo que não exista HTA? Há quem
defenda que sim, para evitar a sua progressão.
Reações adversas
‒ Hipotensão arterial, sobretudo no aumento do eixo renina-angiotensina-aldosterona e na primeira
administração e/ou com diuréticos;
‒ Palpitações (compensação da vasodilatação periférica);
‒ Taquicardia;
‒ Tosse (20% dos indivíduos);
‒ Perturbações hematológicas (neutropenia, anemia e trombocitopenia);
‒ Proteinuria, hipercaliémia (diminuímos a retenção de sódio e aumentamos a retenção de potássio), urémia e
creatinina elevadas
• Nunca associar um aliscereno com um IECA ou um ARA, porque irá existir sinergismo associado à
retenção de potássio.
‒ Manifestações cutâneas e outras reações alérgicas;
‒ Edema angioneurótico e maleolar.
Apesar de todas estas reações adversas, são dos anti-hipertensores mais seguros! (a par com os ARAs)

4. Antagonistas dos recetores da Angiotensina II (ARAs)


Os recetores da Angiotensina II podem ser de 2 tipos:
AT1 (A maior parte das ações da angiotensina são mediadas por estes recetores) - responsável por:
• Vasoconstrição
• Proliferação celular
o hipertrofia ventricular
o hipertrofia da média vascular
o neoformação da íntima
o nefroesclerose

‒ AT2: responsável por:


• Vasodilatação;
• Desenvolvimento dos tecidos fetais;
• Inibição do crescimento e proliferação celular;
• Diferenciação celular;
• Apoptose;
• Antagonismo dos efeitos mediados por AT1.

145
Os fármacos que denominamos de antagonistas dos recetores da angiotensina são antagonistas dos recetores AT1,
não atuando sobre os recetores AT2.
Estes antagonistas irão bloquear os recetores AT1, deixando a angiotensina II disponível para atuar apenas nos
recetores AT2, contribuindo para um efeito anti-hipertensor e remodelador da parede do coração e dos vasos.

Os antagonistas dos recetores AT1:


‒ Representam uma alternativa útil aos IECAs e são ativos por via oral.
‒ Não antagonizam os recetores AT2.
‒ Produzem um bloqueio mais específico do sistema renina-angiotensina-aldosterona, sem interferirem com o
metabolismo das cininas (menos tosse como efeito secundário).
‒ Reduz a progressão da nefropatia diabética.
‒ São eficazes na insuficiência cardíaca.
‒ São bem tolerados, mas não devem ser usados por doentes com afeção renal não diabética, nem durante a
gravidez.
‒ Os nomes destes fármacos acabam todos em -sartan.
O aumento da dose não causa um aumento proporcional do efeito! A correlação entre dose-efeito é muito baixa
(a curva é quase plana).
Fármacos antagonistas competitivos de ação reversível:
‒ Losartan
‒ Candesartan
‒ Irbesartan
‒ Telmisartan
‒ Valsartan

CININAS
As cininas são vasodilatadores potentes. São formados por ação das calicreínas ou cininogenases sobre substratos
proteicos, os cininogénios (de baixo peso molecular, presentes no plasma, linfa e fluido intersticial).
Estão envolvidas na inflamação. Apresentam várias características comuns com o sistema renina-angiotensina-
aldosterona.

Bradicinina (BK)
- É um nonapeptídeo, derivado do cininogénio de peso molecular elevado, presente no plasma.
- Degradada por uma bradicininase semelhante a uma ECA (cininase I). Deste modo, quando administramos um
IECA, inibimos a bradicininase e aumentamos os níveis de bradicinina, que contribui para um efeito
hipertensor.
- 2 subtipos de recetores
• Tipo B1
o Inflamação, síntese do colagénio e multiplicação celular;
o Antagonistas B1 são de uso farmacológico apenas em investigação.

• Tipo B2 (B2A e B2B)


o Mobilização de Ca2+
o Transporte de Cl-
o Formação de NO
o Ativação de fosfolipase C
o Ativação de adenilciclase
o Serão úteis nas afeções alérgicas, síndroma carcinoide e pancreatite aguda.

146
Ações das cininas
‒ Aparelho cardiovascular:
• Vasodilatação arteriolar acentuada (por ação direta ou mediada pela libertação de NO ou PGI2 e
PGE2);
• Vasoconstrição das veias (PGF2a);
• Contração do músculo liso visceral;
• Por via intravenosa, produz queda rápida da Pressão Arterial.

‒ Glândulas endócrinas e exócrinas:


• Estão presentes no pâncreas, rim, intestino, glândulas salivares e sudoríparas;
• Participam na ativação da pró-insulina e pró-renina.

‒ Inflamação
• Produzem todos os sintomas da inflamação.

‒ Nervos sensoriais
• Desencadeiam dor, por estimulação dos nervos aferentes nociceptivos da pele e vísceras.

Fármacos que afetam o sistema calicreina-cinina


‒ Inibidor da síntese: Aprotinina
• Utiliza-se sobretudo na pancreatite aguda;
• A indicação que aparece no RCM é “doentes adultos que estão em alto risco de perdas sanguíneas
importantes submetidos a bypass cardiopulmonar isolado no decurso de cirurgia por enxerto”;
• Inibidor de largo espectro das proteinases, possuindo propriedades fibrinolíticas.

‒ Antagonistas competitivos B1: [Leu8-des-Arg 9] bradicinina e [Lis- Leu8-des-Arg9] bradicinina


• Uso farmacológico em laboratório.

‒ Antagonista competitivo B2: Icatibant


• Inibe a broncoconstrição e a dor;
• A indicação que aparece no RCM é ”tratamento sintomático de episódios agudos de angioedema
hereditário (AEH) em doentes adultos, adolescentes e crianças com 2 anos ou mais de idade, com
deficiência de funcionamento do inibidor da C1-esterase”.
• É um medicamento órfão.
Antagonistas dos recetores da bradicinina serão úteis nas seguintes condições:
‒ Alergias;
‒ Angioedema;
‒ Síndrome carcinoide;
‒ Síndrome de esvaziamento rápido do estômago;
‒ Pancreatite aguda.

PÉPTIDOS NATRIURÉTICOS
‒ Péptidos de 19 a 20 aminoácidos formados e libertados, por exemplo, pelos miócitos das aurículas, de onde
serão lançados para a circulação.
‒ São neuromodeladores do SNC.
‒ Provêm de uma pré-pró-hormona de 152 aminoácidos por rutura de 24 aminoácidos na terminação N,
formando o atriopeptinogénio.

Péptido natriurético auricular (ANP): chama-se assim, porque foi descoberto na parede
das aurículas. Aumenta a excreção de Na+ e o volume urinário. Têm estruturas semelhantes,
Péptido natriurético cerebral (BNP): atividade natriurética, diurética e hipotensora. mas ações biológicas distintas
Péptido natriurético C (CNP): vasodilatador potente.

147
Ações farmacológicas dos péptidos natriuréticos
‒ Atuam em recetores específicos (ANPA, ANPB, ANPC).
‒ Rápida e intensa ação diurética e natriurética.
‒ Aumentam inicialmente o fluxo plasmático renal, a nível medular e papilar, e a velocidade de filtração
glomerular.
‒ Inibem a produção de aldosterona em resposta à angiotensina.

São diuréticos e natriuréticos, por isso, se aumentarmos no sangue o ANP, temos um efeito mais natriurético e mais
diurético. A enzima neprilisina é responsável pela degradação do ANP. Se diminuirmos os níveis de neprilisina,
aumentamos os níveis de ANP e, consequentemente, o efeito diurético e natriurético.
O sacubitril é um inibidor da neprilisina e utiliza-se na insuficiência cardíaca, em associação com o valsartan. Verificou-
se que, em doentes com insuficiência cardíaca com diminuição da fração de ejeção ventricular, o sacubitril aumentou
a sobrevivência em 20%. Surgiu um artigo no mês passado que diz que o sacubitril não é eficaz em casos sem
diminuição da fração de ejeção ventricular.

ENDOTELINAS
‒ 3 tipos: ET-1, ET-2 e ET-3.
‒ Dois tipos de recetores: ETA e ETB.
‒ Potentes vasoconstritores: produzem vasoconstrição das coronárias, ação inotrópica e cronotrópicas
positivas; vasoconstrição renal. Predomina o efeito vasoconstritor potente.
‒ Aumentam a secreção de renina, aldosterona, vasopressina e péptidos natriuréticos.
‒ Exercem ações no SNC e periférico, trato gastrointestinal, fígado e sistema reprodutor.

Os antagonistas dos recetores ETA e ETB – Bosentano e Macitentano – produzem vasodilatação pulmonar. Por isto,
são úteis na hipertensão pulmonar.
Em situações de hipertensão pulmonar, usamos também análogos da prostaciclina e fármacos inibidores da
fosfodiasterase tipo 5, também utilizados na disfunção erétil (p.e. sildenafil e tadalafil). Muitas vezes, associa-se um
inibidor da fosfodiasterase tipo 5 com um inibidor das endotelinas.

INTERFERÕES (IFN)
‒ São citocinas indutáveis sintetizadas pelas células, em resposta a estímulos indutores, virais e outros, e causam
alterações bioquímicas das próprias células com efeito antiviral, por exemplo.
‒ 3 classes:
• IFN alfa
• IFN beta
• IFN gama (“O gama não serve para nada no fundo”)
‒ São produzidos por células imunitárias (monócitos, macrófagos e alguns linfócitos B e T).
‒ Induzem a produção de citocinas e são também induzidos por citocinas.

Ações dos interferões


‒ Induzem febre e possuem efeitos anti-tumorais em determinados tipos de linfomas e tumores sólidos.
‒ Promovem a proliferação das células T (exceto IFN beta).
‒ Estimulam a proliferação e diferenciação das células B (exceto IFN beta).
‒ Ativam os macrófagos.
‒ Modulam o sistema imunitário! (não estimulam apenas. Por exemplo, na esclerose múltipla, inibem o sistema
imunitário)
Possuem propriedades antivirais, imunomoduladoras e antiproliferativas.

148
Interferões disponíveis
Interferão Alfa-2a: indicação clínica para a hepatite B e C
Interferão Alfa-2b: indicação clínica para a hepatite B crónica e doença granulomatosa crónica
Existem ainda formas conjugadas com o polietilenoglicol, que dão origem ao peginterferão alfa-2a e peginterferão alfa
2b, que são mais ativas e têm maior duração de ação e melhor tolerabilidade, sendo por isso muito usadas.
Interferões Beta-1a e Beta-1b: indicação clínica para esclerose múltipla na forma surto-remissiva. Existe também um
peginterferão beta-1a para a esclerose múltipla.

Efeitos adversos
‒ Síndrome tipo gripal (febre, arrepios, cefaleias, mialgias, artralgias, náuseas, vómitos e diarreia);
‒ Supressão da medula óssea;
‒ Neurotoxicidade (sonolência, confusão, alterações do comportamento, depressão, tendência suicida);
‒ Cardiotoxicidade e inibição enzimática;
‒ Fadiga (muito frequente).

Contraindicações - Doença depressiva grave, doença hepática descompensada, gravidez e aleitamento.

FATOR ATIVADOR DAS PLAQUETAS (PAF)


‒ Lípido biologicamente ativo em concentração muitíssimo baixas (<10-10 mol/L).
‒ Exerce funções em diferentes órgãos e participa nas reações alérgicas e inflamatórias.
‒ Produzido pelos neutrófilos, macrófagos ativados, eosinófilos, basófilos e mastócitos após interação com
antigénio, e pelas plaquetas, quando estimuladas com a trombina.
‒ Atua em recetores específicos e promove vasodilatação.
‒ Agente quimiotático.
‒ Promove a ativação da fosfolipase A2.
‒ Modifica a forma das plaquetas, liberta o conteúdo dos grânulos densos que se associa ao metabolismo do ác.
araquidónico e TXA2 com repercussão na hemostase e trombose.
‒ É espasmogénio do músculo liso brônquico e do íleo.
‒ Tem antagonistas específicos, ainda a serem avaliados como antiasmáticos.
‒ Sem aplicações clínicas ainda.

VASOPRESSINA OU HORMONA ANTIDIURÉTICA


É um oligopéptido. Como o próprio nome indica, é vasopressora e antidiurética, retendo água no tubo contornado
distal. controla a pressão sanguínea, através da sua ação no rim onde aumenta a absorção de água. Tem ação
vasoconstritora e regula a pressão sanguínea a curto prazo.
Em doses inferiores às necessárias para produzir a concentração urinária máxima, aumenta a pressão arterial em
situações em que a sensibilidade pressora à vasopressina está aumentada, como no choque.
Tem dois recetores:
‒ V1: medeia a vasoconstrição;
‒ V2: medeia a ação antidiurética.

Análogos antidiuréticos (muito parecidos com a hormona antidiurética):


‒ Desmopressina e terlipressina
• A desmopressina é um antidiurético, usado essencialmente na diabetes insípida e na enurese noturna
(o professor considera um disparate usar desmopressina na enurese noturna, que é um problema do desenvolvimento que
aparece maioritariamente em crianças)
• A terlipressina é indicada no tratamento de hemorragias digestivas, sobretudo por rotura das varizes
esofágicas.

149
Antagonistas seletivos dos recetores V2
‒ Tolvaptano (inicia uma nova classe)
• Indicação clínica presente no RCM: “para abrandar a progressão do desenvolvimento de quistos e
insuficiência renal da doença poliquística renal (…)”.
• Medicamento órfão (“interessante”).
‒ Lixivaptano
‒ Mozavaptano
‒ Satavaptano

MONÓXIDO DE AZOTO/ÓXIDO NÍTRICO


‒ Ação relaxante do músculo liso.
‒ Reduz hipertensão associada com a gravidez.
‒ Inalado, reduz a pressão arterial pulmonar (usado clinicamente) e melhora a oxigenação do sangue na
síndrome de dificuldade respiratória aguda
• Para reduzir a pressão arterial pulmonar, utilizamos também fármacos inibidores da guanil-ciclase,
que são os inibidores da fosfodiasterase tipo 5
‒ Efeito broncodilatador.
‒ Produz hipotensão exagerada no choque séptico, que é revertida pelos inibidores da NO-sintetase e por
compostos como o azul de metileno e a hemoglobina.
‒ Inibe a adesão e agregação plaquetar.
‒ Inibe adesão dos neutrófilos ao endotélio vascular.

Existem 3 formas da enzima que sintetiza o óxido nítrico (NO Sintetase), descritas no quadro abaixo:

Manipulação farmacológica do óxido nítrico ou monóxido de azoto


‒ Inibidores seletivos da síntese do óxido nítrico
• Como são universais, atuam sobre todo o organismo e provocam diversos efeitos secundários, sendo por
isso apenas de uso experimental.
• Alguns exemplos:
o NG-Monometil-L- arginina (L-NMMA)
o NG-NITRO-L-arginina metil éster (L-NAME)
o 7-Nitroindazol
o 5-Metiltiocitrulina

‒ Dadores de Óxido Nítrico ou espécies relacionadas


• Nitratos orgânicos
o Nitroglicerina: usada na crise de angina de peito
o Dinitrato ou mononitrato de Isossobirdo: profilaxia de angina de peito na insuficiência cardíaca
• Nitritos orgânicos:

150
o Nitroprussiato de Sódio: medicação de urgência em crises hipertensivas. Não pode ser exposto a
grande luminosidade.
• Outros dadores de NO
o SNAP (experimental)
• Inalação do gás NO, para redução da pressão pulmonar
• Estratégias alternativas
o Inibidores da fosfodiesterase de tipo 5: sildenafil, tadalafil e vardenafil, que aumentam a duração do
aumento do GMPc induzido pelo NO nos tecidos. São muito usados na impotência sexual masculina e
também na hipertensão pulmonar

OUTROS PÉPTIDOS
Péptido intestinal vasoativo (VIP)
Vasodilatador potente, que atua em recetores VPAC1 e VPAC2. É também um cotransmissor no sistema nervoso
parassimpático, atuando com a acetilcolina.

Substância P (SP), Neuroquinina B e Neuroquinina A (NKB e NKA)


Pertencem à família das Taquicininas e atuam em recetores NK1, NK2 e NK3.
Antagonista do recetor NK1: Aprepitant. Utiliza-se para a prevenção de náuseas e vómitos relacionados com a
quimioterapia antineoplásica alta e moderadamente emetizante. Muitas das vezes associa-se a um antagonista 5HT3
(p.e. ondansetron).

Neurotensina
Neuromodelador do SNC, associado ao sistema dopaminérgico e da neurotensina, envolvido na esquizofrenia, doença
de Parkinson e abuso de drogas. Ainda não existem medicamentos para este tipo de fármacos.

Péptido relacionado com o gene da Calcitonina (CGRP)


Neurotransmissor da via da dor. (Vamos falar disto nas cefaleias)
Os seus antagonistas são os gepantes:
• Telcagepant: associado a hepatotoxicidade
• ubrogepant e rimegepant: para a crise de enxaqueca
• atogepant: prevenção da enxaqueca
Existem ainda bloqueadores do CGRP (eptinezumab, galcanezumab e fremanezumab) e também bloqueadores do
recetor do CGRP (erenumab).

Neuropéptido Y (NPY)
Possui 5 recetores (Y1 a Y5), é um cotransmissor no sistema nervoso simpático. Contrai os vasos cerebrais e alguns
periféricos. Sem aplicação clínica ainda.

Leptina e adiponectina (adipocinas), grelina


São adipocinas. Uma grande quantidade de gordura está associada a altos
níveis de leptina e baixos níveis de adiponectina.
Leptina: Produzia no adipócito branco. Suprime o apetite.
Adiponectina: reduz a resistência à insulina.
Grelina: Produzida no estômago. Estimula o apetite.

151
15ª AULA TEÓRICA - TRATAMENTO DE FUNDO DE DOENÇAS REUMÁTICAS
(DMARDS - MODIFICADORES DA PROGRESSÃO DA DOENÇA)

ARTRITE REUMATOIDE
A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crónica autoimune, onde há degradação das pequenas articulações
(pulsão, mão, pé…) e uma grande deterioração da qualidade de vida. Há desenvolvimento de artrite com proliferação
de macrófagos, linfócitos e de fibroblastos que vão formar um panus de tecido conjuntivo que cobre parcialmente a
cartilagem. Assim, verifica-se a perda do espaço interarticular e grande dificuldade no movimento, o que resulta em
dor e contraturas.
Esta patologia possui um ritmo inflamatório, ou seja, demonstra-se com dor precoce, geralmente logo nas primeiras
horas da manhã (rigidez matinal) e também durante a noite, e piora com o movimento.
Nesta patologia verifica-se um aumento dos eicosanóides, nomeadamente das prostaglandinas (PGE2, PGF2a), do
tromboxano (TXA2), leucotrienos (LTB4) e de outras vias. É por este motivo que se começa em primeiro lugar o
tratamento com anti-inflamatórios não esteroides. Os AINEs proporcionam principalmente alívio sintomático.
Reduzem a inflamação e a dor e, muitas vezes, preservam a função, mas têm pouco efeito na progressão da destruição
da cartilagem e do osso.
Além do aumento dos eucosanóides, também se verifica um aumento dos radicais livres do oxigénio e de aniões
superóxido e uma enorme quantidade de citocinas e, por isso, é que muitos fármacos atualmente tentam combater
estas citocinas. As imunoglobulinas ativam o MHC e há ativação de linfócitos B (formação de imunocomplexos) e T
(mecanismo de imunidade celular).
Depois de se tentarem os AINEs, utilizam-se os corticosteroides e, por último, os DMARDs. Inicialmente, os DMARDs
têm um efeito muito lento, visto que demoram entre 6 semanas e 6 meses para começarem a fazer efeito.
Era bom que isto fosse muito eficaz, ou seja, que a progressão da doença fosse lentificada ou parasse. Infelizmente,
isto consegue-se de início, mas depois deixa de se conseguir.
Apesar de a artrite reumatóide ser a mais falada, existem outros tipo que não podem ser esquecidos, como a artrite
reumatóide juvenil, espondilite anquilopoiética e artrite psoriática, sendo que esta última é muito mais resistente aos
tratamentos em comparação com a artrite reumatóide.

NOTA: Tanto os linfócitos como os monócitos e os macrófagos produzem citocinas, principalmente TNFα, IL-1 e IL-6
(citocinas pró-inflamatórias).

Terapêutica
Não farmacológica: repouso (principalmente quando o doente está nos períodos agudos da doença), fisioterapia (deve
ser feita quando o doente não tem dores), aparelhos auxiliares, entre outros.

Farmacológica:
− Inicia-se com analgésicos (ex: paracetamol), de seguida AINEs, corticosteroides (sendo o preferido a
prednisolona ou o seu pró-fármaco, a prednisona). Pode adicionar-se ao corticosteroide um citotóxico
(metrotrexato, clorambucil, azatioprina, ciclofosfamida). Contudo, muitas vezes, não se acrescenta e apenas
faz-se a administração isolada de metrotrexato.
− Quando já nenhum destes fármacos resulta, recorre-se aos DMARDs. Inicialmente, com os DMARDs clássicos
(muitas vezes podemos fazer combinação terapêutica de 2 ou mais tipos - metotrexato+ciclosporina e
metotrexato+sulfassalazina).
− Se estes falharem, passa-se para os medicamentos biológicos. Os medicamentos biológicos não são
substitutos e, por isso, são quase sempre acrescentados a DMARDs, nomeadamento ao metotrexato.

152
Concluíndo, o tratamento farmacológico:
- AINEs;
- Corticosteroides;
- Metotrexato ou outro fármaco citotóxico (como clorambucil, azatioprina, ciclofosfamida);
- Ciclosporina (foi uma revolução em medicina, permitindo os transplantes de órgãos);
- Micofenolato de mofetil (pouco utilizado);
- Cloroquina e Hidroxicloroquina;
- Sais de ouro (já não se utilizam);
- Penicilamina (é um quelante do cobre – raramente usado pela sua toxicidade);
- Sulfassalazina (uma sulfamida);
- Leflunomide;
- Agentes biológicos - Infliximab, Etanercept (liga-se ao recetor do anti-TNFα), Adalimumab, Rituximab (anti-
CD20), Tocilizumab (anti-IL6), entre outros.

CORTICOSTEROIDES

- São glicocorticóides de síntese.


- Usados em inúmeras doenças inflamatórias e imunológicas, nomeadamente na AR (usam-se em 60-70% dos
doentes com artrite reumatoide).
- Têm efeitos imediatos e dramáticos e reduzem o aparecimento de novas erosões ósseas, no entanto possuem
vários efeitos secundários.
- Muito úteis também em manifestações extra-articulares da AR e de síndromas associados, como a pericardite
e a uveíte.
- É possível fazer-se injeção diretamente deste fármaco na articulação desde que sejam poucas vezes. Isto
porquê? Como sabemos, a AR atinge sobretudo pequenas e médias articulações e, por isso, a injeção
intrarticular é pouco prática. A administração de corticosteroides em injeção intra-articular alivia os sintomas
dolorosos e, quando tem sucesso, é muitas vezes preferível ao aumento da dosagem sistémica.
- Pode dar-se uma dose elevada num dia e, no dia seguinte, baixar a dose ou mesmo deixar de dar
corticosteroide, fazendo dia sim, dia não uma dose mais elevada.
- Efeitos adversos graves: ações hormonais que levam à síndrome de Cushing iatrogénico, insónias, alterações
do comportamento, úlceras pépticas, etc.

FÁRMACOS CITOTÓXICOS
Exs: Metotrexato (mais utilizado), azatioprina, ciclofosfamida, clorambucil;

− São eficazes. Quando a doença atinge determinada fase, é quase obrigatória a utilização do metotrexato, em
doses inferiores às usadas em quimioterapia anticancerosa.
− Melhoram o curso clínico e reduzem o aparecimento de novas erosões. Impedem a evolução agressiva
articular enquanto são administrados.
− Os efeitos secundários centram-se na depressão imunitária e da medula óssea. O metotrexato é um anti-
neoplásico mas um dos seus efeitos secundários é precisamente a neoplasia (engraçado, não?).
− Uso reservado a formas reumatismais particularmente graves, pela toxicidade destes fármacos.
− Reduzem a necessidade de consumo de corticoides.
− São administrados em meio hospitalar (hospital de dia...).
− Usam-se na artrite crónica juvenil, na psoríase, na artrite psoriática, espondilite anquilosante, poliomiosite,
dermatomiosite, granulomatose de Wegener, arterite de células gigantes, lúpus eritematoso sistémico e
vasculite.

153
Metotrexato
Representa a primeira escolha para tratar a artrite reumatoide e é usado em 60% dos doentes. O metotrexato é usado
em doses inferiores às usadas em quimioterapia anticancerosa.

O metotrexato inibe a transformilase e a timidilate sintetase do ribonucleótido aminoimidazocarboxamida (AICAR),


ou seja, interfere com mecanismos nucleares. Também interfere com a redutase do dihidrofolato, afetando a função
dos linfócitos e dos macrófagos, sendo isto um efeito secundário, pelo que, às vezes, é necessário coadministrar com
ácido fólico.

Clorambucil
O clorambucil atua através do seu metabolito, mustarda do ácido fenilacético, e da ligação cruzada com o DNA,
impedindo a replicação celular.

Azatioprina
A azatioprina também atua através do seu metabolito, a 6-tioguanina, impedindo a síntese de ácido inosínico, a função
das células B e T, produção de imunoglobulinas e secreção de interleucina-2 e, por isso, a replicação.

Ciclofosfamida
A ciclofosfamida é um antineoplásico independente de fase, sendo pouco utilizado. Utilizado, por exemplo, no cancro
da mama.

O seu metabolito mais ativo é a mustarda fosforamida que se liga de forma cruzada com o DNA para impedir a
replicação celular. Suprime a função das células T e B. A supressão das células T correlaciona-se com a resposta da
doença reumática.

Ciclosporina
A ciclosporina foi uma grande revolução na medicina por ter permitido o transplante de órgãos com sucesso. Regula
a transcrição genética e os linfócitos B e T, por isso, é que impede a rejeição de transplante.

Atua através da regulação da transcrição genética. Inibe a produção de recetores de interleucina-1 e interleucina-2 e,
secundariamente, inibe a interação macrófago – célula T e a resposta da célula T. Afeta ainda a função da célula B
dependente da célula T.

Tem alguma metabolização pela CYP3A4. Tem má disponibilidade, pois a sua absorção é incompleta. Através de uma
microemulsão, é possível melhorar a biodisponibilidade. Foi descoberto que o consumo de laranja ou de toranja faz
com que haja um aumento da sua biodisponibilidade de 30 para 62%. Assim, a forma de ciclosporina utilizada
atualmente é uma forma líquida que tem sumo associado.

Além de ser usada nos síndromas reumatológicos, a ciclosporina tem muitas outras utilizações. No entanto, também
têm efeitos secundários, nomeadamente nefrotoxicidade (pode aumentar, quando se associa com diltiazem,
diuréticos e inibidores do CYP3A), HTA, hiperplasia das gengivas (acontece, mas raramente é grave) e hirsutismo.

Micofenolato de mofetil
O micofenolato de mofetil é convertido na sua forma ativa, o ácido micofenólico, que inibe a desidrogenase da citosina
monofosfato e, secundariamente, a proliferação dos linfócitos T. Na corrente sanguínea, interfere com a adesão dos
leucócitos às células endoteliais por inibição da selectina-E, da selectina-P e de outras moléculas de adesão
intercelular.
Impede a proliferação de linfócitos T e B e, por isso, é também muito utilizado para evitar a rejeição de transplantes e
em conjunto com os corticosteroides para tratar doenças autoimunitárias. Apesar de ter alguns efeitos secundários é
bem tolerado. Tem perfis de toxicidade gastrointestinais, hematopoiéticos e hepáticos semelhantes aos da
azatioprina, com menor incidência de infeções por fungos.
154
Cloroquina e Hidroxicloroquina
Hoje em dia, a cloroquina não é tão utilizada. A hidroxicloroquina é um antimalárico, usado nas doenças reumatismais.

O seu mecanismo de ação passa por suprimir as respostas linfocitárias, por reduzir a quimiotaxia dos leucócitos e por
captar radicais livres de O2. Inibe a síntese de DNA e RNA e estabilizam as membranas lisossomais.

Tem um período de latência de 3 a 6 meses, sendo que só após esse período é que melhoram a artrite reumatoide.
Reduz a inflamação, mas não altera muito as lesões ósseas.

É necessário controlo oftalmológico a cada 6-12 meses por haver o risco de lesão ocular. Produz ainda efeitos
secundários não tão importantes, tais como dispepsia, náuseas, erupções e tonturas. Parece ser relativamente seguro
na gravidez.

Sulfassalazina
A sulfassalazina é formada pela junção de ácido salicílico com sulfapiridina (aparentemente, a sulfapiridina é o
composto ativo). É pouco absorvida, mas é possível compensar isso aumentado a dose. Atua a nível do sistema
imunitário, sendo metabolizada pelas bactérias intestinais até sulfapiridina (que é reabsorvida e excretada por via
renal) e ácido 5-aminosalicico que não é absorvido. Por isso, é que se usa em doença inflamatória intestinal, como
colite ulcerosa.

Reduz a produção de IgA e de fator reumatóide IgM. Além disso, suprime as respostas das células T à concavalina e
inibe a proliferação das células T.

Sendo uma sulfamida, tem reações tóxicas como febre, anemia hemolítica, uveíte, erupções... Se a pessoa for alérgica
às sulfamidas, não pode tomar sulfassalazina. O contrário também é verdadeiro, ou seja, se for alérgico à
sulfassalazina, não pode tomar sulfamidas.

Leflunomide
O leflunomide é um imunossupressor, mas ainda não se conhece muito sobre ele. Apenas se sabe que atua no
aparelho nuclear, inibindo a ativação do fator nuclear K, e inibe a proliferação dos linfócitos B e T e,
consequentemente, inibe a produção de anticorpos.

Sofre ativação por via oral e tem uma biodisponibilidade muito boa (aproximadamente 100%). Sofre rápida convesão
no intestino e no plasma num metabolito ativo, o A77-1726 (não tem interesse saber o nome do metabolito, por isso, esqueçam o
A77-1726). Tem uma semivida longa (19 dias), o que permite a uma administração única diária. A sua eficácia é
semelhante à do metotrexato, no entanto, este último é muito mais barato, por isso, não faz sentido substituir um
pelo outro. Os doentes que não respondem ao metotrexato beneficiam com a associação.

É eficaz na artrite reumatoide e inibe a reabsorção óssea.

Tem como principais reações adversas: diarreia e elevação das enzimas hepáticas (suspender se o aumento for
superior a 3 vezes o normal).

TERAPÊUTICAS BIOLÓGICAS
É necessário em 1º lugar definir quais os alvos biológicos, de seguida, é preciso desenvolver fármacos que consigam
alterar os alvos escolhidos, como:
- Anticorpos monoclonais - contra antigénios como o TNF-α, a IL-1e a IL-6. Ex: fliximab (anti-TNFα);
- Fármacos recetores que neutralizam os alvos - um recetor para o TNF-α liga-se a ele e neutraliza-o. Ex:
etanercept (mais bem tolerado que o infliximab e é dado por via subcutânea);
- Inibidores enzimáticos/antagonistas/agonistas.

Um aparte sobre nomenclatura: todos os anticorpos monoclonais terminam em -mab (monoclonal antibody). Quando
são de origem murina, terminam em -mumab. Quando são de origem quimérica (ou seja, rato e humano) terminam
em -ximab. Quando são humanizados, acabam em -zumab. Quando são totalmente humanos, terminam em -humab.

155
Um dos grandes problemas destes anticorpos monoclonais, que são proteínas muito grandes, é o facto de poderem
desenvolver anticorpos contra eles mesmos. Portanto, quanto mais próximo eles forem da espécie humana, menos
chances há de rejeição.

FÁRMACOS ANTAGONISTAS DO FATOR DE NECROSE TUMORAL Α


Como sabemos, as citocinas desempenham um papel central no que toca à artrite reumatóide, especialmente o fator
TNF-α, elemento central do processo inflamatório nesta patologia. Posto isto, criaram-se fármacos que são
antagonistas de fator de necrose tumoral, os Anti-TNFα.
Além destes, também existem os fármacos anti-IL1 e anti-IL6.
Os novos fármacos que interferem com o TNFa são anticorpos monoclonais e outros que se usam no tratamento da
artrite reumatóide: adalimumab, Infliximab, golimumab, certolizumab pegol e etanercept... Destinam-se a uso
hospitalar na artrite reumatóide e doenças semelhantes (eg, artrite reumatóide juvenil).

TRATAMENTO DE FUNDO DE DOENÇAS REUMÁTICAS COM AGENTES BIOLÓGICOS


- Infliximab - é um anticorpo monoclonal quimérico anti-TNFα (25% de rato e 75% humano) e tem como efeitos
secundários a depressão imunitária que pode levar a reativação de infeções que estavam adormecidas, como,
por exemplo, a tuberculose. O facto de este ser administrado por via endovenosa é um fator que pode levar
a choque anafilático (bastante raro). Sendo um fármaco biológico, pode levar a doenças desmielinizantes tais
como esclerose múltipla. É das melhores terapêuticas para a colite ulcerosa e para a doença de Crohn. Já
existem fármacos biossimilares.
- Etanercept - neutraliza o TNFα – é um recetor solúvel dimérico para o TNFα. É mais bem tolerado que o
infliximab e é dado por via subcutânea.
- Anacinra - é um anti-IL1.
- Adalimumab - é o anticorpo monoclonal mais vendido em Portugal. É um anti-TNFα.
- Golimumab e Certolizumab pegol - são anti-TNFα.
- Rituximab - é um anti-CD20 (marcador de superfície dos linfócitos B). a sua administração leva a destruição de
linfócitos B, conduzindo a depleção linfocitária B. Utiliza-se em doenças onde existem linfócitos B a mais, como
na leucemia e no linfoma. Utiliza-se em associação com outros fármacos.
- Abatacept - uma proteína de fusão que inibe linfócitos T. Administra-se principalmente quando os outros
fármacos falharam.
- Tocilizumab - anti-IL6 (envolvida em doenças reumáticas e na arterite temporal).
- Tofacitinib - inibe a família JAK. A JAK é uma via de sinalização para recetores de citocinas e que vão ativar
fatores de transcrição, como o STAT. Os doentes que tomam este agente biológico NÃO PODEM ter
predisposição para tromboembolias. É também usado na colite ulcerosa.

FORMAÇÃO DE ANTICORPOS MONOCLONAIS


Os anticorpos monoclonais formam-se a partir da injeção de um
antigénio, como, por exemplo, o TNF-α, num ratinho.
O rato vai desenvolver imunidade contra esse antigénio, ou seja,
vai produzir linfócitos B que se vão transformar em plasmócitos.
Vamos ligar estes plasmócitos a células humanas do mieloma
(células imortalizadas) e vamos formar assim hibridomas.
Estes hibridomas são células capazes de produzir anticorpos que
depois se purificam e se transformam em anticorpos monoclonais
quiméricos.
Nestes anticorpos monoclonais quiméricos, vamos substituir
sequências murinas por sequências humanas e transformam-se
assim em anticorpos monoclonais humanizados.

156
ANTICORPOS MONOCLONAIS

− Imunogenicidade e alergia - murinos > quiméricos > humanizados > humanos;


− Muitas vezes o anticorpo monoclonal gera anticorpos neutralizantes que neutralizam o efeito do próprio
anticorpo monoclonal.
− Resposta inflamatória (produção de citocinas).
− Infeções (eg, infeções oportunistas).
− Maior permanência no organismo (menor depuração; maior semivida) - efeitos anteriores mais acentuados,
porque é complicado retirar o anticorpo do corpo humano, caso este leve a efeitos secundário.

Infliximab
É um anticorpo monoclonal quimérico lgG1 (25% de ratinho e 75% humano) que se liga com elevada especificidade
ao TNF-a humano, neutralizando-o. Isto porque, ao complexar-se com TNF-a solúvel, impede a interação com
recetores de superfície celular p55 e p75, de que resulta subregulação do macrófago e das funções da célula T.
Administra-se por via intravenosa e a sua concentração plasmática é proporcional à dose. Não sofre distribuição e a
sua semivida é de 8-10 dias, pelo que se administra uma vez por mês. É de salientar que doses repetidas não levam a
acumulação.
Usa-se em combinação com o metotrexato, mas pode ser usado isoladamente, quando não é possível dar o
metotrexato.
As reações adversas mais comuns da associação são infeções da árvore respiratória superior, em particular
tuberculose; náuseas; cefaleias; sinusite; erupção e tosse; não parece aumentar a incidência de doenças malignas;
pode levar à formação de anticorpos, neutralizando o seu efeito.

Etanercept
Como percebemos pelo nome, não é um anticorpo monoclonal (não acaba em -mab). É uma proteína que funciona
como recetor do TNF-α, neutralizando-o. Pode ser administrado em combinação com o metotrexato ou isoladamente.
Em combinação com o metotrexato, verificou-se que a progressão das lesões articulares, avaliadas radiograficamente,
é mais lenta do que com o metotrexato isolado (eficácia pelo menos igual ao infliximab).
Administra-se por via subcutânea e, por isso, é mais seguro, e tem como reações adversas eritema e prurido no local
da injeção. Aparecem isoladamente anticorpos em 16% dos doentes.
Utiliza-se o Abatacept e Tocilizumab, quando já não há resposta a um anti-TNFα.

Inibidores da família da JAK


O tofacitinib é um potente inibidor seletivo da família JAK (inibe a JAK1, a JAK2, a JAK3 e, em menor extensão, a TVK2).
A inibição da JAK1 e da JAK3 pelo tofacitinib atenua a sinalização de interleucinas (IL-2. -4, -6, -7. -9, -15. 21) e de
interferões de tipo I e II, que irá resultar na modulação das resposta imunitária e inflamatória.
Os inibidores da família da JAK são fármacos interessantes, mas não têm mais eficácia que os apresentados
anteriormente. A vantagem é que, como têm um mecanismo de ação diferente, pode ser utilizado quando os outros
não funcionam.
Muitos destes medicamentos também se usam noutras doenças. O tofacitinib tem indicação clínica na colite ulcerosa.
O infliximab e o golimumab também e na doença de Crohn.

157
BIOSSIMILAR
“Os biossimilares são uma espécie de equivalente, mas não é, não são iguais aos medicamentos genéricos”.
(Perceberam? Não? Temos pena.)

Os medicamentos genéricos são iguais à substância química que é o comparador/medicamento de referência.


Já os medicamentos biossimilares pretendem ser iguais aos medicamentos biológicos, no entanto não o conseguem
ser. Isto porquê? Os medicamentos biológicos têm sequências de aminoácidos muito grandes e com conformações
muito complexas e, por isso, é muito complicado criar outros iguais.
No entanto, são semelhantes e, para isso, têm de seguir alguns critérios:
1. Qualidade
2. Eficácia - demonstrada em estudos não clínicos e clínicos. Os medicamentos genéricos não precisavam de
apresentar eficácia, pois bastava que o medicamento original o demostrasse.
3. Segurança - demonstrada em estudos não clínicos e clínicos. É importante avaliar a imunogeneicidade.

Nos estudos não clínicos:


1. Estudos in vitro - para avaliar por exemplo a ligação aos recetores.
2. Estudos in vivo - avaliar a farmacodinamia, farmacocinética, de toxicidade no animal e de segurança.

Nos estudos clínicos a grande questão que se coloca é: Que ensaio clínico? Por exemplo, o infliximab tem indicação
clínica na artrite reumatoide, na artrite reumatoide juvenil, na artrite psoriática, na doença de Crohn, na colite
ulcerosa… então a dúvida é em que doença fazer o ensaio clínico. A empresa pede aconselhamento à EMA.
No ensaio clínico, são feitos estudos de farmacocinética e de farmacodinamia e tentou-se estabelecer equivalência
terapêutica com o original, sempre em termos comparativos. É muito importante estudar a imunogenicidade, porque
é uma molécula nova.

ARTROSE
A artrose é a doença mais frequente em Portugal. A dor é tratada com analgésicos e, em algumas circunstâncias, com
AINEs, como em situações inflamatórias. Os AINEs quando usados prolongadamente prejudicam as cartilagens das
articulações.
A Glucosamina atrasa a evolução da artrose, mas é muito pouco eficaz. No entanto, é bastante usada devido à escassez
de outras terapêuticas. Tem um efeito curioso, porque às vezes dá um efeito de analgesia. Além disso, poupa as
cartilagens.

GOTA
A gota é uma patologia associada ao ácido úrico. Antigamente, ao ser eliminado pelos rins, o ácido formava litíase nos
túbulos renais e, consequentemente, causava insuficiência renal crónica e levava à morte do indivíduo, algo que
atualmente já não acontece.
A gota é uma doença metabólica caracterizada por episódios frequentes de artrite aguda, resultantes da deposição de
cristais de urato no líquido sinovial das articulações e em tecidos moles (orelhas, por exemplo). A deposição de uratos
vai desencadear um processo inflamatório e sintomas como calor, dor, rubor, dor intensa, impotência funcional...
Ocorre aumento da atividade quimiotática dos polimorfonucleares e da fagocitose de ácido úrico pelos leucócitos com
lise rápida das células, descarga de enzimas proteolíticas e reação inflamatória.
O ácido úrico pode causar nefrolitíase e também nefrite intersticial.
A correlação entre a quantidade de ácido úrico e a gota ainda não está bem esclarecida, porque foi descoberto que se
pode desenvolver gota com baixos níveis de ácido úrico.
Esta doença manifesta-se mais frequentemente nas pequenas articulações, em especial na primeira articulação
metatársico-falângica (basicamente no dedo grande do pé).

158
Critérios para o diagnóstico de gota
− Presença de uratos no líquido articular;
− Desenvolvimento de tophus;
− Inflamação aguda de uma articulação (podagra) (excecionalmente de várias em simultâneo) ou deposição de
uratos numa cartilagem.
A hiperuricémia não é fundamental para o diagnóstico de gota. Contudo, o risco de gota aumenta com a intensidade
e duração da hiperuricémia.

Os fármacos usados na gota dividem-se em 2 categorias: os que são para crise aguda (alívio da dor) e os que são para
prevenir os seus episódios recorrentes. Na crise aguda, utiliza-se: colchicina, AINEs (exemplo: indometacina,
etoricoxib, azapopazona) e corticosteroides. Na prevenção de episódios utilizam-se: alopurinol e febuxostato.

Crise Aguda
Colchicina*
Dada por via oral e tem um efeito muito rápido. Tem um efeito de inibição do quimiotatismo e inibe a formação do
fuso mitótico. A célula para se dividir tem de unir microtúbulos para formar o fuso mitótico, para depois haver a
migração dos cromossomas. A colchicina inibe esta formação, tendo um efeito antineoplásico. Alivia rapidamente a
dor e a inflamação nas crises de gota. Não atua sobre o metabolismo dos uratos.

Ninguém administra colchicina por via intravenosa, porque é perigoso, devido ao aumento da toxicidade da medula
óssea.

Tem uma larga distruição e ligação tecidular, persistindo nos leucócitos durante 10 dias. É excretada na bílis, nas
secreções intestinais (circulação entero-hepática) e na urina.

Pode ser também utilizada na profilaxia dos episódios recorrente de artrite gotosa, mas apenas a curto prazo.

O problema da colchicina é que, quando entramos em doses terapêuticas (médias a elevadas), ocorre diarreia por
vezes sanguinolenta, dose-dependente. Além disso, sendo um antineoplásico, pode dar supressão da medula óssea. E
está ainda associada a problemas renais e hepáticos.

AINEs
Apenas estes 3: indometacina (muito utilizada em alternativa à colchicina), etoricoxib, azapropazona. Porquê? Porque
são os que têm ensaios clínicos onde foi demonstrado eficácia. Administram-se em doses muito elevadas e inibem a
fagocitose e a síntese de prostaglandinas.

A indometacina pode ser usada desde o início ou em alternativa à colchicina, quando esta não é bem tolerada pelos
doentes.
Outros AINEs, como a azapropazona e o etoricoxibe, têm que ser administrados em doses terapêuticas mais elevadas.

Corticoesteróides
Os corticosteróides (ex., prednisolona) podem ser usados em situações clínicas mais severas (tratamento sintomático
apenas). Como são dados por curtos períodos de tempo, os efeitos secundários não são um grande problema.

159
Prevenir recorrência das crises
Alopurinol
Fármaco de eleição. É um isómero da hipoxantina. É bem absorvido por via oral e rapidamente metabolizado até
oxipurinol, um análogo da xantina (aloxantina) que também inibe a xantina-oxidase, inibindo assim a produção de
ácido úrico.
Tem uma semivida longa o que permite apenas 1 toma diária. Tem alguns efeitos adversos, mas a erupção cutânea é
o maior problema, porque não há alternativa acessível ao alopurinol. A alternativa é o febuxostato, mas este não está
muito disponível.
A excreção do oxipurinol é impedida na insuficiência renal, mas é aumentada pelos uricosúricos.

Febuxostato
Quando não se pode dar alopurinol, sendo bem tolerado pelos doentes tolerados ao alopurinol. É um inibidor
potente da xantina-oxidase, bem absorvido por via oral e é mais eficaz que o alopurinol. Porque é que não entrou
para a farmácia comunitária? Porque tem efeitos adversos, nomeadamente, alterações hepáticas (e outros de
menor relevância como diarreia, cefaleias e náuseas).
É extensamente metabolizado pelo fígado até metabolitos inativos.

Uricosúricos
Eliminam o ácido úrico da urina. O problema é o risco de litíase renal. Exs: Sulfimpirazona e Probenecid. O
probenecid inibe um transportador renal para aminas, ou seja, não há passagem de aminas (anfetaminas, penicilina)
para a urina e é bom para quem quer fazer dopping.

Provocam irritação gastrointestinal (a sulfimpirazona é a mais responsável) e estão associados a problemas renais.

O ácido úrico é um produto final da via das purinas, e, como sabemos, as purinas vêm dos ácidos nucleicos. Quanto
mais células tiver a carne, mais ácido úrico vai produzir, e, por isso, é importante fazer-se mudanças na alimentação,
evitando sobretudo carnes jovens e marisco (sobretudo quando associado a ceveja).

160
16º AULA TEÓRICA – ANESTÉSICOS LOCAIS

ANESTÉSICOS LOCAIS

São fármacos usados para bloquear a sensação de dor, uma vez que inibem a sensibilidade a nível local ou regional,
sem perda da consciência. Inibem os processos de excitação e condução do estímulo nervoso ao longo dos nervos.
Esta capacidade inibitória ocorre sobretudo porque os anestésicos locais inibem os canais de sódio responsáveis por
originar os potenciais de ação.

PROPRIEDADES DE UM ANESTÉSICO LOCAL IDEAL

− Ter especificidade e ação reversível (reversíveis são, mas ter especificidade nem por isso)
− Não possuir toxicidade sistémica (tem, desde que sejam absorvidos)
− Ter um elevado índice terapêutico (eles são potentes inibidores dos canais de sódio. Portanto, o índice
terapêutico não é tão elevado quanto isso)
− Ser ativo topicamente e por injeção (por exemplo, não são ativos na pele íntegra)
− Ter um início de ação rápida (tem)
− Ter uma duração de ação apropriada (tem)
− Não provocar reações de hipersensibilidade alérgica (a maior parte não provoca)
− Possibilitar o uso simultâneo de outros fármacos (ex: vasoconstritores) sem perda de atividade
− Ser quimicamente estável
− Não ser irritante
− Não provocar uma lesão permanente
− Não criar dependência (não criam, exceto a cocaína que já não é usada)

Na realidade, nenhum anestésico local é ideal, porque estas propriedades não se verificam todas.

HISTÓRIA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS


O uso de anestésicos locais teve início há muito tempo com os índios da América do Sul que usavam sobretudo as
folhas de coca (Erythroxylum coca).

Em 1860, com o isolamento da cocaína, esta começou a ser usada para estes fins.

Só em 1905 é que foi sintetizado o primeiro anestésico local a sério, a procaína (anestésico local dominante nos 50
anos seguintes).

Em 1943, sintetizou-se pela primeira vez a lidocaína (protótipo dos anestésicos locais) que ainda hoje é o usado.

ASPETOS QUÍMICOS DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

São bases fracas que têm na sua composição:

- Um anel aromático (grupo lipofílico);


- Uma ligação intermédia (incluindo um éster ou uma amida);
- Uma amina terciária (pode ser ou não ionizável).

137
Existem anestésicos locais de dois tipos: um dos tipos é liderado pela Lidocaína e o
outro pela Procaína.

Ambos tem um anel aromático (anel benzénico), uma parte intermédia e uma amina
terciária que pode ou não estar ionizada.

FAMÍLIAS DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

Há duas grandes famílias: os Ésteres e as Amidas.

Ésteres: Cocaína, Procaína, Tetracaína, Benzocaína

- Estes anestésicos são ésteres, porque tem uma cadeia intermédia éster.
- O protótipo do grupo dos ésteres é a Procaína, mas, como esta tem uma duração de ação muito curta, foi
substituída por outros, como, por exemplo, pela Tetracaína.
- A Cocaína, pertencente a este grupo, deixou de ser utilizada.
- A Benzocaína é um bom anestésico local, mas é um bocado irritante e, por isso, só se dá em forma de pastilhas
para a boca, por exemplo.

Amidas: Lidocaína, Bupivacaína, Etidocaína, Mepivacaína, Prilocaína, Ropivacaína

- As amidas são de longe as mais usadas. Tem uma cadeia intermédia amida.
- O protótipo deste grupo é a Lidocaína, sendo o anestésico mais usado.
- A Bupivacaína, Mepivacaína, Prilocaína e Ropivacaína são mais caros que a Lidocaína que, por si só, é um bom
anestésico local e, portanto, é usado para tudo.

MECANISMO DE AÇÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

Mecanismo principal nos nervos periféricos:

- Bloqueio dos canais de sódio dependentes de voltagem: só há condução nervosa na fibra nervosa, se houver
entrada de Na+. Essa entrada é bloqueada pelos anestésicos locais, sejam do tipo éster ou tipo amida.

Nesta imagem, vemos o canal de Na+ a ser bloqueado pelo


anestésico local, deixando de haver transmissão. Este é o principal
mecanismo de ação dos anestésicos locais.

- Algumas toxinas (tetrodotoxina e saxitoxina): estes canais de Na+ podem ser bloqueados por outras
substâncias como toxinas. A tetrodotoxina é capaz de matar uma pessoa, sendo um terrível veneno.
- O frio também inibe estes canais de Na+: o cloreto de etilo é um gás que, ao evaporar, provoca um frio de tal
ordem que permite um efeito de anestesia local. Este gás é aquele spray milagroso muito utilizado nos campos
de desporto, que se aplica nos atletas e estes melhoram logo.

138
AÇÕES FARMACOLÓGICAS DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

O bloqueio das fibras nervosas é devido ao bloqueio dos canais de Na+, mas as diferentes fibras nervosas reagem de
um modo distinto a este bloqueio. Assim:

1. Primeiro são bloqueadas as fibras mais finas e pequenas: fibras do tipo C (dor).
2. Depois as fibras de tipo A delta (dor e temperatura).
3. As fibras de tipo A gama, A beta e A alfa são muito pouco bloqueadas. A função motora é a última a ser
bloqueada.

O bloqueio das fibras depende do diâmetro das mesmas. Quanto menor o diâmetro, maior o bloqueio da fibra.
Começando pelas fibras C que não são mielanizadas e terminando nas fibras A alfa que são as mais resistentes (mais
mielinizadas). É de relembrar que as fibras A alfa são referentes sobretudo à atividade motora.
Os anestésicos locais têm efeitos sobre outras membranas celulares excitáveis, nomeadamente nas células cardíacas.
A Lidocaína que é o mais usado, também se utiliza como antiarrítmico.

SNC
- Os anestésicos locais, se atingirem concentrações elevadas no sangue, atravessam a barreira
hematoencefálica (BHE) e, portanto, vão bloquear neurónios. Isto raramente acontece, porque os anestésicos
locais, tal como o nome indica, são para aplicação local ou regional.
- Baixas concentrações podem originar: excitação com agitação, tremores e convulsões.
- Concentrações mais elevadas: originam sono ou mesmo coma, deprimem completamente o tecido nervoso
(centros vasomotores e respiratório).

Aparelho cardiovascular
- Diminuição da velocidade de condução AV e ventricular relacionada com a dose; também gera arritmias.
- Depressão da contractilidade cardíaca.
- Vasodilatação.

FARMACOCINÉTICA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

São aplicados localmente ou regionalmente, pelo que não têm uma questão complexa a nível da farmacocinética.
Dependente de:
- Idade (tem um efeito mais potente nos idosos; são mais sensíveis aos anestésicos locais).
- Especificidade dos enantiómeros

Absorção depende de:


- Vascularização e débito sanguíneo;
- Lipossolubilidade;
- Dose usada e ação vasomotora;
- Associação de vasoconstritores (a dose pode ser potenciada pela junção de um vasoconstritor. Os anestésicos
locais são normalmente vasodilatadores e, se se juntar um vasoconstritor, o anestésico local não difunde tão
bem e, portanto, aumenta a potência e a duração do efeito. Muito utilizada a associação da Lidocaína com a
Adrenalina, assim consegue-se duplicar a duração de alguns bloqueios).

Não é desejável a absorção sistémica! Temos de ter cuidado para que o anestésico local seja administrado nos tecidos
e não nos vasos, porque, se, por exemplo, for numa veia, é absorvida mais rapidamente e dá mais problemas.

139
Absorção dos anestésicos locais com vasoconstritores
Para aumentar a duração da ação e a potência do efeito dos anestésicos gerais juntam-se vasoconstritores.
Preferencialmente esta associação faz-se com os anestésicos de duração curta ou intermédia, por exemplo, a
adrenalina junta-se à procaína, lidocaína e mepivacaína. Os anestésicos de duração longa, como bupivacaína e
etidocaína, praticamente não precisam destes vasoconstritores.
A captação neuronal é aumentada pela concentração local mais elevada do fármaco e os efeitos tóxicos sistémicos
são diminuídos.
Os anestésicos locais também se utilizam para anestesia epidural ou raquianestesia (administra-se no espaço epidural)
ou a nível intratecal (administra-se diretamente no LCR). Cada vez mais é feita esta raquianestesia ou anestesia
epidural e a anestetesia intratecal.

Distribuição dos anestésicos locais


Os anestésicos locais de tipo amida têm uma distribuição alargada após injeção i.v. em bolus.
Pode ocorrer sequestração em locais de armazenamento, como o tecido adiposo.
Os anestésicos do tipo éster, especificamente a Procaína, têm uma semivida extremamente curta, mas, por exemplo,
a Tetracaína já não tem. Por isso, esta característica não se verifica para todo o grupo éster.
A nível da fibra nervosa, apenas uma fração pequena penetra na fibra, mas o bloqueio funcional é proporcional à
concentração intra-neural.

Metabolismo e excreção dos anestésicos locais


São metabolizados no fígado (os de tipo amida) ou no plasma (+ os de tipo éster) e excretados na urina. O ser humano
está cheio de esterases no plasma, por isso, se os anestésicos de tipo éster entram em contacto com uma esterase, é
óbvio que são degradados. Portanto, os anestésicos locais do tipo éster são degradados no plasma e os do tipo amida
mais no fígado.
De um modo geral, os anestésicos locais são bem tolerados. Contudo, se forem mal metabolizados no fígado (os de
tipo amida), pode haver uma concentração mais elevada no sangue, tornando-se tóxicos. A toxicidade dos anestésicos
tipo amida ocorre mais nos doentes hepáticos.
Há uma variação considerável na rapidez do metabolismo hepático: prilocaína (a mais rápida) > etidocaína > lidocaína
> mepivacaína > ropivacaína > bupivacaína (a mais lenta/mais longa duração de ação).
A ionização vai prejudicar a travessia das membranas e, portanto, se o fármaco for ionizado, vai ser eliminado pelo
rim e não é reabsorvido. A acidificação da urina promove a ionização da base terciária até formas ionizadas solúveis
na água e facilmente excretadas.

VIAS DE ADMINISTRAÇÃO

- Anestesia tópica, de contacto ou superficial: aplica-se o anestésico local na mucosa ou numa ferida (pele
lesada sem as camadas superficiais).

Repara que o anestésico local a nível da pele integra não atua, porque não atinge as terminações nervosas livres. A pele
tem de estar danificada, por exemplo, por uma abrasão ou por uma queimadura de 1º ou 2º grau (não pode ser de 3º
grau porque aí nem sequer há terminações nervosas), para que o anestésico local consiga atuar.

- Anestesia infiltrativa: variante da anestesia tópica. Injeção do anestésico à volta do local a ficar anestesiado
(na vizinhança das fibras nervosas periféricas a serem bloqueadas).

140
Imagina que temos uma ferida inciso contusa. Não vais injetar na ferida, porque podes infetar os tecidos com a própria
picada. Vais antes injetar na pele íntegra à volta da ferida (fazer múltiplas injeções/infiltrações, tendo o cuidado de não
administrar um volume muito elevado).

- Anestesia troncular ou nervosa: outro tipo de anestesia local. Injeção na vizinhança de um nervo.
- Anestesia epidural e raquianestesia: dentro do espaço epidural, à volta das meninges e no espaço
subaracnoide, no próprio LCR.
- Anestesia endovenosa regional: uma variante da anestesia infiltrativa. Injeta-se o anestésico local junto ao
rolo vasculo-nervoso.
Exemplos: Imagina que tens de arrancar uma unha, podes injetar o anestésico à volta da unha, o que vai doer
muito ou então podes injetar junto ao rolo vasculo-nervoso e ficar com o dedo todo anestesiado. Outro
exemplo é, quando se quer fazer várias intervenções dentárias em vários dentes do mesmo quadrante, injeta-
se junto ao nervo maxilar interno e toda essa parte fica anestesiada.

ESCOLHA DO ANESTÉSICO LOCAL


Devemos escolher o anestésico local em função da velocidade de indução, intensidade do efeito e duração da ação.
Os anestésicos de ação curta ou intermédia podem ser prolongados pelo aumento da dose ou pela adição de um
vasoconstritor (adrenalina).
O iniício da anestesia local pode ser acelerado pelo uso de soluções saturadas com CO2 (carbonatadas) que provocam
acidose intracelular de que resulta acumulação da forma ionizada do anestésico.
A gravidez parece aumentar a suscetibilidade aos anestésicos locais, podendo usar-se doses menores.

ANESTÉSICOS LOCAIS USADOS EM CLÍNICA

De duração de ação curta: Procaína e Clorprocaína


De duração de ação intermédia: Lidocaína, Mepivacaína e Prilocaína
De duração de ação longa: Bupivacaína, Etidocaína, Ropivacaína, Tetracaína e Levobupivacaína

Procaína: utiliza-se para anestesias locais de curta duração.


Lidocaína: apesar dos vários anestésicos disponíveis, acabamos sempre por escolher a lidocaína, porque tem uma
duração de ação intermédia, semivida de 2 horas. Utiliza-se para qualquer tipo de anestesia local.
Mepivacaína: também se utiliza para qualquer tipo, embora seja um exagero utilizá-la para anestesia tópica cutânea
pois a lidocaína serve para o efeito e é muito mais barata.
Bupivacaína e Ropivacaína: mais lentas, semivida plasmática é 4h. Utilizamos em injeções epidural, infiltrativa e
bloqueio nervoso.

141
ANESTÉSICOS LOCAIS USADOS EM ANESTESIA DE SUPERFÍCIE OU TÓPICA

Devem ter uma penetração rápida e pouca tendência a difundir-se do local de aplicação.
Não nos interessa que eles tenham grande penetração através da pele. Interessa é que atinga as terminações nervosas
livres. Usam-se no olho, ouvido, nariz, orofaringe e no alívio de curta duração em algumas afeções dermatológicas.
Utiliza-se principalmente a Lidocaína, mas também se pode usar a Tetracaína, Pramoxina, Dibucaína, Benzocaína e
Diclonina. A Benzocaína é muito mal absorvida, mas isso não é um problema, porque é usada em anestesia tópica ou
de superfície.

A ASSOCIAÇÃO AO ANESTÉSICO LOCAL DE UM VASOCONSTRITOR

Diminui:
- A absorção sistémica do anestésico local
- Os efeitos indesejáveis
- As hemorragias
Aumenta:
- A duração da anestesia
- A potência do efeito do anestésico geral

TOXICIDADE DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

A toxicidade dos anestésicos locais é baixa, porque são pouco absorvidos. Todavia, quando são absorvidos, podem ser
atingidos níveis sanguíneos elevados e provocar efeitos secundários:
No SNC:
- Sonolência, delírio, distúrbios visuais e auditivos, cansaço, insensibilidade lingual e circum-oral.
- Em concentrações mais elevadas: nistagmo e contraturas musculares; podem chegar às convulsões e depois
há depressão do SNC e, eventualmente, morte.

Sistema cardiovascular:
- Como os anestésicos locais são vasodilatadores e bloqueadores dos canais de Na+, podem provocar depressão
da atividade do “pacemaker”, da excitabilidade e da condução. Isto também pode ser útil. Por exemplo, a
Lidocaína é usada para evitar arritmias no EAM.

Neurotoxicidade:
- Só quando se atinge uma concentração muito elevada (após anestesia
espinhal prolongada ou doses elevadas) é que começa a haver parestesias,
convulsões, coma e, por fim, o indivíduo entra em colapso cardiovascular.

Sangue:
- Metahemoglobinémia

Reações alérgicas:
- Muito mais comuns com os anestésicos locais de tipo éster, nomeadamente a Procaína.

142
CONTRAINDICAÇÕES PARA O USO DE ANESTÉSICOS LOCAIS

- Indivíduos alérgicos aos anestésicos locais do mesmo grupo químico não devem tomá-los (são sobretudo os
anestésicos do tipo éster, sendo raríssimo para o grupo das amidas)
- Alterações da condução auriculoventricular (por exemplo: indivíduos com bradiarritmias não devem tomar
anestésicos locais)
- Epiléticos não controlados
- Profiria (exceto a procaína)
- Hipertermia maligna
- É preciso ter muito cuidado para não se provocar uma isquémia quando se administra o anestésico local junto
de um rolo vasculo-nervoso porque pode dar vasoconstrição e isquémia – ex: na base de um dedo pode
provocar isquémia do dedo.

143
16º AULA TEÓRICA – RELAXANTES DO MÚSCULO ESQUELÉTICO OU
MIORRELAXANTES
PERIFÉRICOS

TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR
Os miorrelaxantes do tipo periférico vão bloquear a neurotransmissão a nível da junção neuromuscular, isto é, ao nível
comunicação da fibra nervosa motora voluntária com a fibra muscular esquelética.
Na imagem, vemos a fibra motora a amarelo e a roxo o sarcolema da fibra muscular esquelética.

1. Chegada de um impulso nervoso à fibra motora


terminal;
2. A terminação nervosa liberta ACh;
3. ACh vai atuar nos recetores nicotínicos da membrana
muscular e dá-se a abertura do canal iónico de sódio;
4. Entrada de Na+, resultando na despolarização da
membrana da placa terminal. Esta despolarização é
conduzida ao retículo sarcoplasmático;
5. Libertação de Ca2+ pelo retículo com consequente
contração muscular;
6. Remoção da ACh da junção neuromuscular pela
acetilcolinesterase.

MODIFICAÇÃO DA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR

Facilitação: Podemos facilitar a transmissão neuromuscular:


- Aumentando a libertação de ACh (4-aminopiridina).
- Inibindo as colinesterases (piridostigmina).

Inibição:
- A nível pré-sináptico:
• Por impedimento da síntese de ACh:
o Hemicolina e Trietilcolina (são fármacos experimentais, não se utilizando na clínica).

• Por interferência com a libertação de ACh:


o Procaína e outros anestésicos locais: com exceção da cocaína, todos os anestésicos locais são
simpaticolíticos. Os anestésicos locais também podem inibir a libertação da ACh a nível da
junção neuromuscular, por bloqueio da entrada de Na+.

o Toxina botulínica: o que é utilizado na clínica para provocar paralisia.


Exemplo: As rugas são contrações permanentes dos músculos e, portanto, ao utilizar a toxina
botulínica vamos provocar a paralisia destes músculos esqueléticos e desfazer as rugas.
Também se usa a toxina botulínica na neurologia para prevenção da enxaqueca ou então para
a terapêutica do blefaroespamo, tiques nervosos, etc.

144
- A nível pós-sináptico:
• Antagonismo competitivo com a ACh, provocando um bloqueio não despolarizante ou competitivo
dos recetores nicotínicos.
• Dessensibilizar o recetor nicotínico: ativação do recetor nicotínico com despolarização sustentada da
membrana.

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES OU INIBIDORES DA TRANSMISSÃO NEUROMUSCULAR

A Transmissão Neuromuscular pode ser bloqueada de 3 formas:


- Inibindo a síntese de ACh
- Inibindo a libertação de Ach
- Bloqueando ou dessensibilizando o recetor nicotínico (principal forma):
• Bloqueadores não despolarizantes ou fármacos que bloqueiam o recetor nicotínico (bloqueiam os
recetores da ACh)
• Bloqueadores despolarizantes ou fármacos que dessensibilizam o recetor nicotínico (agonistas nos
recetores da ACh)

1- Fármacos que inibem a síntese da Acetilcolina


Bloqueiam o transporte de colina para a terminação nervosa: Hemicolina e Trietilcolina
[O Professor passou isto à frente, porque não tem aplicação clínica. Tem apenas aplicação experimental farmacológica.]

2- Fármacos que inibem a libertação da Acetilcolina


− Agentes que inibem a entrada de cálcio na terminação nervosa:
• Magnésio (utilizado nas cãibras)
• Antibióticos aminoglicósidos – ex: gentamicina, neomicina (muito tóxica) - inibem os canais de Ca2+
tipo N e, portanto, bloqueiam a libertação da ACh, efeito secundário deste grupo de antibióticos;
− Procaína e outros anestésicos locais
− Toxina botulínica (injeção local):
• Bloqueia as proteínas do citoesqueleto envolvidas na exocitose da ACh e na docagem das vesículas à
membrana neuronal.
• Esta toxina é um produto da bactéria Clostridium botulinicum, capaz de gerar uma intoxicação brutal
(poucos miligramas matam muita gente).
• Existem 7 toxinas imunologicamente ativas (de A a G), sendo a toxina A a mais utilizada.
• A injeção desta toxina bloqueia a libertação pré-sináptica da ACh.
• Reduz o tónus muscular e o espasmo no AVC e lesões traumáticas cerebrais. Injeta-se no músculo ou
junto a este. Ter muito cuidado para não injetar na corrente sanguínea, porque pode provocar a morte
do indivíduo. A paralisia pode atingir os músculos respiratórios e causar a morte.
• Tem aplicações clínicas definidas: na espasticidade da paralisia cerebral infantil, contraturas espáticas,
espasmo hemifacial, blefarospasmo (piscar os olhos constantemente), formas localizadas de distonias,
tremor, na cosmética, na profilaxia da enxaqueca, etc.

3- Fármacos que produzem bloqueio não despolarizante, curarizantes ou competitivos: bloqueiam o recetor nicotínico
Compostos naturais:
− d-Tubocurarina: primeiro a surgir. Vem do Curare (toxina que os indígenas da América do Sul colocavam nas
setas para paralisar os animais ou o inimigo);
− Dimetil-d-tubocurarina;
− Alcurónio.

145
Compostos de síntese: hoje em dia são estes os fármacos utilizados para provocar paralisia. São sobretudo dados
durante a anestesia geral, para provocar um relaxamento da musculatura estriada. Por exemplo, se abrirmos o
abdómen do individuo, as vísceras com a pressão intra-abdominal saem e, para evitar isso, injetam-se durante a
anestesia geral.
− Pancurónio, Atracúrio, Rocurónio, Vecurónio, Cisatracúrio e Mivacúrio

Protótipo: d-Tubocurarina:
− Antagonista competitivo do recetor nicotínico;
− Bloqueio reversível do recetor nicotínico e, consequentemente, bloqueio do canal de Na+ associado.

3.1 - Mecanismo de ação


- Atuam como antagonistas competitivos nos recetores da ACh na placa terminal (recetores N).
- Bloqueiam canais iónicos.
- Bloqueiam auto-recetores pré-sinápticos, inibindo a libertação de ACh.

3.2 - Efeitos dos bloqueadores não despolarizantes


Paralisia motora flácida: administrado num indivíduo que está a ser anestesiado, portanto, vai ter um efeito geral.
Ordem de aparecimento:
1. Músculos oculares extrínsecos (com visão dupla)
2. Pequenos músculos da face
3. Músculos dos membros e da faringe
4. Músculos respiratórios

São fármacos que se utilizam sempre na anestesia geral - relaxamento muscular em cirurgia abdominal, torácica,
ortopédica e oftalmológica, quando a duração prevista da intervenção é igual ou superior a 20 minutos.
Contra-indicações:
− Miastenia (já há falta de ACh)
− Associação com antibióticos aminoglicósidos e polipeptídicos (bloqueiam os canais de Ca2+ tipo N)
− Asma (não usar d-tubocurarina, porque aumenta a histamina e esta pode induzir asma)
− Insuficiências respiratórias

3.3 - Toxicidade dos bloqueadores não despolarizantes


− Depressão respiratória (necessidade de respiração assistida, porque há paralisia dos músculos esqueléticos,
inclusive do diafragma)
− Apneia e hipotensão arterial
− Efeito libertador de histamina (sobretudo a tubocurarina)
− Potenciam os ganglioplégicos
− São potenciados por alguns anestésicos gerais (halotano, etc) e por antibióticos da família dos aminoglicósidos
(estreptomicina, neomicina, etc) e dos polipéptidos (Polimixina B)
− Vercurónio (dos mais bem tolerados)
− Cisatracúrio (mais potente que o atracúrio, tem menor tempo de latência e menos efeitos cardiovasculares
que este último)
− Mivacúrio (pouco interesse, pouco utilizado)

146
4- Fármacos que produzem bloqueio despolarizante (acetilcolinomiméticos): dessensibilizam o recetor nicotínico
O efeito é muito semelhante aos bloqueadores não despolarizantes, mas não é igual!
Ocupam de modo ativo o recetor nicotínico e provocam despolarização da membrana, o que faz com que o recetor
fique refratário a novos estímulos.
O resultado final é o bloqueio da junção neuromuscular.
Há, portanto, uma estimulação inicial do recetor nicotínico que origina fasciculações musculares e só depois é que há
um relaxamento de certo modo espático.

4.1 Despolarizantes ou acetilcolinomiméticos


- Fármacos que vão dessensibilizar o recetor nicotínico.
- A succinilcolina ou suxametónio (2 moléculas de acetilcolina ligadas pelos grupos acetil) inicialmente ativa o
recetor nicotínico e provoca despolarização das fibras musculares esqueléticas não seguida de repolarização.
- A despolarização manifesta-se pelo aparecimento de fasciculações musculares e só depois disto é que entra
em período refratário, dessensibilizando o recetor nicotínico. Deixa de haver efeito da ACh.
- A succinilcolina tem uma semivida muito curta (cerca de 3 a 5 minutos). Por esta razão é utilizada, pois, quando
queremos interromper o efeito deste miorrelaxante, basta interromper a sua administração e o indivíduo
recupera imediatamente. O mesmo não acontece com o Pancurónio, Atracúrio, Rocurónio, etc, cujos efeitos
permanecem mais de 20 minutos.
- A succinilcolina poderia ser muito útil, uma vez que tem uma semivida tão curta e uma duração de ação breve
(2-3 minutos). O problema é que a succinilcolina é metabolizada pela colinesterase plasmática ou
butirilcolinesterase e 1 em cada 3 indivíduos tem colinesterases plasmáticas atípicas/anormais que não
funcionam devidamente. Por esta razão, nestes indivíduos, o tempo de semivida deste fármaco passa de 3 a
5 minutos para 30 a 50 minutos. Se o anestesista não estiver precavido, ao retirar a assistência respiratória, o
indivíduo pode ficar em apneia.
- São potenciados pelos anticolinesterásicos na 1ª fase (não se podem administrar simultaneamente senão o
doente morre).

Efeitos secundários:
• Depressão respiratória e apneia
• Aumento da pressão intragástrica, intracraniana e intraocular
• Fasciculações peri-orbitárias, etc,
• Reação taquifiláctica possível

Problema: Não há antídoto capaz de terminar a sua ação (mas não é um problema grave, porque a sua ação só
dura 3 a 5 minutos).

Aplicação clínica: Usam-se em intervenções de curta duração (mas também nas de longa duração, desde que se
faça uma administração contínua).

Contraindicações: Indivíduos com défices congénitos de colinesterases.

4.2 Efeitos indesejados dos despolarizantes (succinilcolina)


- Bradicardia (principalmente em crianças);
- O músculo excitado liberta K+: há hipercaliemia e pode causar paragem cardíaca;
- Dores musculares frequentes nos ombros, regiões subcostal e dorsal (porque o músculo está excitado);
- Aumento da pressão intraocular e intragástrica;
- Nos indivíduos com colinesterase anormal, a duração da paralisia ser muito prolongada e isto pode ser uma
complicação séria;
- Hipertermia maligna (raramente): tratada com Dantroleno.
147
REVERSÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR
Despolarizante: Para acabar o bloqueio neuromuscular, basta interromper a infusão de succinilcolina (a colinesterase
plasmática encarregar-se-á de destruir o fármaco).

Não despolarizantes: Estando o recetor nicotínico bloqueado, para o desbloquear temos de aumentar a ACh na fenda
sináptica e para tal usamos:
- Inibidores das Colinesterases: Neostigmina, Prostigmina e outros anticolinesterásicos
- Sugamadex:
• Neutraliza diretamente dois miorrelaxantes esteroides: Vecurónio e Rocurónio.
• Tem 2 problemas: só neutraliza esteroides, especificamente o Vecurónio e o Rocurónio (ambos caros
e, por isso, menos usados) e o próprio Sugamadex é caro.
• Tem uma ciclodextrina modificada que estabelece uma ligação seletiva e neutraliza o Vecurónio e o
Rocurónio, revertendo o bloqueio deste dois miorrelaxantes com uma certa facilidade.
• Administra-se no final da anestesia.

OUTROS BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES PERIFÉRICOS


Dantroleno
- É um derivado da hidantoína (antiepiléptico) que reduz a força muscular esquelética, por interferir com o
acoplamento da excitação – contração na fibra muscular.
- Atua no retículo sarcoplasmático, impedindo a libertação de cálcio (bloqueia os canais de Ca2+ no retículo
sarcoplasmático).
- Reações adversas: cansaço muscular generalizado, sedação e, ocasionalmente, hepatite.
- Utiliza-se em situações de hipertermia maligna (ocorre libertação prolongada de Ca2+ com contração muscular
maciça, produção de ácido láctico e hipertermia) causada, por exemplo, pelos neurolépticos. Assim, neste
caso concreto, é um fármaco que salva vidas.

CENTRAIS

Os miorrelaxantes centrais utilizam-se em situações em que há espasticidadede, ou seja, em que há um exagero da


contratura muscular, havendo uma hipertonia acentuada dos músculos do esqueleto com rigidez e exagero dos
reflexos ósteo-tendinosos.
Ao administrarmos estes miorelaxantes centrais, eles não são totalmente específicos para o músculo esquelético, o
que significa que muitas vezes vamos ter alguns problemas derivados do seu efeito a nível de outros mecanismos de
ação.
Sinais adicionais: cansaço, aumento do tónus muscular, impedimento da coordenação, hiperreflexia, espasmos
musculares espontâneos e contraturas.
Utilizam-se muito na espasticidade, por exemplo no torcicolo, hiperreflexia, contraturas musculares, etc.

148
FÁRMACOS QUE INTERFEREM COM A FUNÇÃO MOTORA
Existem vários fármacos que interferem com o controlo neuronal da célula muscular, uns são eficazes e outros não
são nada eficazes. Relativamente aos eficazes temos os:
- Agonistas: reduzem o tónus muscular por aumentarem a atividade dos interneurórios intra-espinhais
inibitórios (GABA). Usam-se no tratamento dos espasmos dolorosos decorrentes das lesões espinhais.
• Baclofeno: é um fármaco que atua no recetor GABA-B e utiliza-se imenso na espasticidade pós-AVC.
• Benzodiazepinas como o diazepam: atuam no recetor GABA-A e potenciam a entrada de GABA.

- Angatonistas: são convulsionantes, inibem ou diminuem a eficácia da inibição sináptica interneuronal


mediada pela glicina. São fármacos contrários ao miorelaxamento. Ex: toxina tetânica, estricnina.
• Toxina tetânica: vai interferir com o próprio GABA ou com a glicina nos seus recetores e, portanto, há
contraturas.
AGENTES ORAIS MAIS USADOS PARA TRATAR A ESPASTICIDADE

Agente Efeitos adversos Aspetos a considerar


Cansaço muscular, flacidez, Tem uma ligeira hepatotoxicidade. Deve
Baclofeno sedação, fadiga, zumbidos, náuseas ser vigiado através de testes de função
Agonista do recetor GABA-B
hepática.

Diazepam Sedação, embotamento cognitivo, Suspensão pode dar síndroma de


Agonista do recetor GABA-A depressão... privação.

Provoca miorrelaxamento por ação


central.

Sonolência, boca seca, zumbidos, Testes de função hepática periódicos


elevação das transaminases (devido às transaminases).
Tizanidina
Não associar a hipertensores ou
clonidina.
Dantroleno Alguma hepatotoxicidade Fazer testes de função hepática devido à
Só se utiliza em situações de urgência (eventualmente irreversível), hepatotoxicidade
como intoxicação ou hipertermia maligna cansaço, sedação e diarreia
Cansaço acentuado quando se A ser usada só por médicos treinados
difunde (por norma não se difunde,
Toxina botulínica
pois é um miorrelaxante localizado
e, por isso, não dá cansaço nenhum)
Nota: O Baclofeno, Diazepam e Tiranidina são os 3 mais utilizados e têm eficácia demostrada!
Baclofeno
- Análogo estrutural do GABA, liga-se ao recetor GABA-B. Associado a canais de Ca2+ e K+, pré e pós-sináptico.
- Utiliza-se muito na espasticidade pós-AVC ou nas contraturas musculares (ex: torcicolo).
- Inibe os reflexos mono e polissinápticos.
- A libertação do neurotransmissor nas vias espinhais não é muito afetada. Contudo, pode acontecer a redução
da libertação do neurotransmissor nas vias espinhais excitatórias, com redução da atividade do neurónio alfa,
por ação pré-sináptica.
- Hiperpolarização da membrana pela ativação dos recetores GABA-B, devido à ligação pós-sináptica nos
terminais aferentes Ia que aumenta a condutância para o K+.
- Da ativação do recetor GABA-B resulta a redução da sensibilidade do fuso muscular e a inibição do
motoneurónio gama.

149
Tizanidina
- É um agonista alfa-2 com ação na ME (diferente dos outros).
- Usa-se na espasticidade associada à esclerose múltipla e a outras lesões do SNC. Também se usa no torcicolo
e outras contraturas e nas lombalgias.
- Produz alguma sonolência e perturbações gastrointestinais. Ainda que produza sonolência, esta é menor que
a provocada pelo diazepam pelo que a tizanidina acaba por ser utilizada.
- Potencia as ações dos outros depressores do SNC e dos antihipertensores

OUTROS MIORRELAXANTES CENTRAIS


− Carisoprodol
− Ciclobenzaprina
− Clormezanona
− Orfenadrina
− Tiocolquicosido

São muito usados como miorrelaxantes nas contraturas, nas mialgias e noutras situações, sobretudo o tiocolquicosido.
Não têm eficácia demonstrada (porque não têm estudos), enquanto os outros mencionados em cima tem eficácia
demostrada. Na prática, as pessoas usam muito o tiocolquicosido, porque acham que faz alguma coisa, mas a verdade
é que não tem ensaios clínicos de suporte.

MIORRELAXANTES DE AÇÃO CENTRAL: RESUMO


− Os miorrelaxantes de ação central têm vários mecanismos de ação.
− Usam-se sobretudo no tratamento da espasticidade (associada à esclerose múltipla, traumatismos cranianos
e/ou medulares, pós-AVC, etc).
− Eficácia demonstrada: baclofeno (agonista dos recetores GABA-B), tizanidina (agonista adrenérgico alfa-2;
bloqueia reflexos polissinápticos) e dantroleno (ação periférica – antagonista do Ca2+ a nível intracelular, a
usar em situações graves).
− Os outros (carisoprodol, ciclobenzaprina, clormezanona e sobretudo o tiocolquicósido) poderão ter eficácia,
mas não foi evidenciada. O tiocolquicósido é bastante utilizado e valia a pena fazer estudos para provar a sua
eficácia.

Nota: Os antagonistas competitivos são de longe os miorrelaxantes periféricos mais usados.

150
17ª AULA TEÓRICA – FARMACOLOGIA DAS CEFALEIAS I

As cefaleias são das queixas mais comuns em Medicina. Hoje em dia, em termos de farmacologia, passámos do 8 ao
80, ou seja, hoje temos muitos tratamentos.
Desde tempos muito antigos, pensava-se em algumas causas que deram origem a tratamentos um bocado drásticos
(ex: trepanação).

CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALEIAS PELO INTERNATIONAL HEADACHE SOCIETY (IHS)

Parte 1: Cefaleias primárias (sem lesão orgânica):


− Cefaleias do tipo tensão;
− Enxaqueca (com ou sem aura e outras);
− Cefaleia hemicrania contínua;
− Cefaleias em salva (“cluster headache”)…
− A maioria das cefaleias são primárias e as de tipo tensão são as mais frequentes.

Parte 2. Cefaleias secundárias (há uma causa):


− Traumatismo crânio-encefálico e/ou cervical;
− Doença vascular craniana ou cervical (AVC, AIT, HSA, MAV, arterite,...);
− Perturbação intracraniana não vascular (tumores, HIC, fístula, epilepsia, etc)
• Os tumores são as causas que mais assustam os doentes, no entanto, são muito pouco frequentes -
0,001% das cefaleias são devidas a tumores.
− Uso e/ou abuso de fármacos (ergotamina/triptanos, analgésicos, nitratos e outros vasodilatadores) ou
privação de fármacos (cafeína, opioides...)
• Atualmente há o exemplo de cefaleias após a toma da vacina da covid-19.
− Infeção (intracraniana [meningites, abcessos, encefalite), sistémica, HIV).
− Perturbação da homeostase (hipoxia, hipercapnia, diálise, HTA, jejum, hipoglicémia, hipotiroidismo...)
• A HTA em si não dá cefaleias. É quando há mudanças bruscas dos valores de tensão
− Cefaleia ou dor facial atribuída a perturbação do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios perinasais,
dentes, boca ou outras estruturas cranianas ou faciais.
− Perturbação psiquiátrica.

Parte 3: Nevralgias cranianas, dor facial primária e central e outras cefaleias


− Nevralgias(...), compressão, nevrite óptica, neuropatia ocular diabética...

TRATAMENTO DA ENXAQUECA/MIGRAINE

A enxaqueca é habitualmente uma dor ligeira e intensa, unilateral, pulsátil, com uma duração de 4h a 72h no adulto
(na criança, tem duração mais curta), acompanhada frequentemente de náuseas e vómitos. Pode ser desencadeada
pela atividade física de rotina (embora esta atividade física também previna a enxaqueca). São crises de cefaleias
recorrentes.
− Tratamento preventivo – de modo que não haja crises de cefaleias.
• Tratamento preventivo de sucesso é quando se tem menos de 50% das cefaleias que é habitual.

130
− Tratamento sintomático – tratar a própria crise.
• Tratamento sintomático de sucesso é quando há alívio de mais de 50% na intensidade da crise de
enxaqueca. Não é possível fazer com que as crises de enxaquecas desapareçam, ainda que fosse o
ideal!

− Medidas não farmacológicas


− Medidas farmacológicas

FISIOPATOGENIA DA ENXAQUECA

A teoria fisiopatológica da enxaqueca tem sofrido várias alterações ao longo dos anos. contudo, atualmente,
considera-se que é uma teoria mista, mas sobretudo neurovascular.
A enxaqueca mais comum é a sem aura, depois a enxaqueca com aura, depois a enxaqueca hemiplégica familiar (a
pessoa tem crise de enxaqueca e fica paralisada de um lado).
Na enxaqueca mais comum (sem aura), a genética não é muito evidente.
Há uma zona de gatilho/gerador da enxaqueca, que já se
confirmou por PET, que pode estar no tronco cerebral ou no
hipotálamo. Este ponto de gatilho vai fazer com que, a nível do
território do trigémeo oftálmico, haja uma ativação dos seus
ramos, mas ao contrário (do SNC para fora – condução
antidrómica1) e, a nível das terminações do trigémeo, vão ser
libertados neurotransmissores da dor (CGRP, neuroquinina A e
B, substância P). Estes neurotransmissores levam a
vasodilatação, incluída numa inflamação neurogénica,
originando a enxaqueca. Depois segue-se um período
pósdrómico, o período de resolução.
Na fase inicial, depois do gerador da enxaqueca e antes de
começar a crise, pode haver a aura – inclui, por exemplo,
alterações do campo visual (negro, tremido ou com luzes
brilhantes – mais frequente), alterações auditivas, sensitivas,
motoras. A aura deve-se a uma depressão alastrante em que vai
haver despolarização (não respeitando estruturas – não para
nas cisuras), desde o polo occipital para a frente. Depois há uma
hipoperfusão seguida de hiperperfusão, por alterações
vasculares.

TEORIA NEUROVASCULAR

− Baseia-se no princípio de que existe um centro gerador da enxaqueca (locus


coeruleus ou núcleos dorsais do rafe no tronco cerebral, hipotálamo...).
− O Locus coeruleus recebe aferentes de múltiplas regiões do cérebro e envia
também fibras para múltiplas estruturas.
− Fatores desencadeantes atuariam sobre o centro gerador e ocasionariam a
cascata de eventos que leva a uma crise de enxaqueca
− Há ativação do ramo oftálmico do trigémeo, mas também do parassimpático.
Temos na imagem, a verde, o sistema nervoso autónomo que sai do gânglio
salivar superior, faz sinapse no gânglio pterigopalatino e vai inervar os vasos.

1
O trigémeo oftálmico é sensitivo, ou seja, faz a condução da informação recolhida nos olhos e em certas zonas da face para o
SNC.
131
− Facilitação da passagem dos estímulos dolorosos no sistema trigeminal oftálmico.
− Simultaneamente: estimulação do locus coeruleus levando a vasoconstrição dos vasos intracranianos, seguida
de vasodilatação intra e extracraniana.
− Vasodilatação, levando ao reflexo trigémio-vascular e, consequente, inflamação neurogénica, porque tem
origem nos neurotransmissores da dor e provocam inflamação nas meninges. No fundo, a enxaqueca é uma
inflamação das meninges que, por um dor referida, vai ser sentida na região fronto-parieto-temporal.

Nestas terminações do trigémeo há vários recetores, como para a serotonina


(5-HT1D – pré-sináptico - e 5-HT1F). A nível do vaso também há recetores para
a serotonina, 5-HT1B (pós-sináptico), e recetores para o CGRP.
Na sinapse no trigémeo, do neurónio periférico com o neurónio central que vai
até ao tálamo e depois até ao córtex, há recetores 5-HT1D/B.
Vamos ver o que acontece na área delimitada a vermelho na imagem de cima –
descrito pela imagem de baixo.

Temos a terminação do trigémeo com os neurotransmissores da dor


(substância P, CGRP, neuroquinina A). Quando chega o estímulo são
libertados, vão para a fenda sináptica e vão estimular recetores nos
vasos das meninges - 5-HT1B (também existe o 5-HT1D, mas é menos
importante aqui).
Estes neuropéptidos, nomeadamente o CGRP, vão produzir a
inflamação neurogénica.
Há recetores pré-sinápticos 5-HT1D e 5-HT1F.
Nos recetores 5-HT1B pós-sinápticos e 5-HT1D pré-sinápticos, atuam os
triptanos. Nos recetores 5-HT1F, atuam os ditanos.
Os triptanos são agonistas dos recetores 5-HT1B e 5-HT1D. Os ditanos são agonistas dos recetores 5-HT1F. Ambos são
usados na terapêutica das crises de enxaqueca.
O CGRP tem um recetor próprio para o qual existem antagonistas para as crises de enxaqueca, mas também para a
sua prevenção. Estes antagonistas são os gelpantes.
Existe ainda um anticorpo monoclonal contra o recetor do CGRP que é o erenumab, utilizado apenas na prevenção.
Podemos apenas fazer prevenção usando eptinezumab, galcanezumab, fremanezumab – anulamos o próprio CGRP.

TRATAMENTO SINTOMÁTICO

Tratamento escalonado – Começamos com fármacos mais fracos e vamos avançando para fármacos mais fortes.
Neste tratamento, podemos esperar demais e há alodinia e não resposta a fármacos.
− 1º Analgésicos, analgésicos anti-inflamatórios não esteroides
• Opióides (?); neurolépticos (...)
− 2º Ergotamina, triptanos, ditanos, gepantes.

Tratamento estratificado – vemos a intensidade da dor:


− Dor ligeira a moderada: usamos Analgésicos, AINEs;
− Dor severa: usamos Ergotamina, triptanos, ditanos, gepantes.

132
Deve optar-se pelo tratamento estratificado, porque, quando o estímulo é muito intenso, há uma hipersensibilização
a nível central (do 1º com 2º neurónio), desencadeando-se alodinia – haver dor para um estímulo que habitualmente
não dá dor.
− Quando a dor é severa, desencadeia-se alodinia e o indivíduo depois não responde aos fármacos.

Não esquecer a cefaleia por uso excessivo de analgésicos ou triptanos ou ergotamina.


Estes fármacos podem transformar uma enxaqueca episódica numa enxaqueca crónica (ou enxaqueca/migraine
transformada), quando há abuso de medicação sintomática. É preciso ter cuidado e não abusar destes fármacos.
Esta situação surge devido a (causas ordenadas de acordo com a maior probabilidade de ocorrência):
− 1º - Mais que um analgésico e outras substâncias (ex: cafeína)
− 2º - Analgésico + cafeína
− 3º - Ergotamina
− 4º - Triptanos
− 5º - Analgésico simples
− 6º - AINEs de curta duração de ação
− 7º - AINEs de longa duração de ação
Surge mais com analgésico simples e menos com AINES de longa duração. Não tratar mais de 5/10 dias por mês com
analgésicos, ergotamina ou triptanos.
A enxaqueca crónica, por definição, é aquela que surge pelo menos 15 dias por mês durante 3 meses seguidos.

TRIPTANOS

Os triptanos surgiram porque se injetou serotonina por via endovenosa e descobriu-se que aliviava a dor de cabeça.
Então, fez-se um fármaco análogo, o sumatriptano, por administração subcutânea, com bastante eficácia. Ainda hoje
existe este fármaco quer por administração subcutânea como por comprimido.
Depois surgiram os outros fármacos como: almotriptano, eletriptano, frovatriptano, naratriptano, rizatriptano,
zolmitriptano. São todos semelhantes. São todos agonistas dos recetores 5-HT1B e 5-HT1D.
Têm todos início de ação semelhante exceto naratriptano e
frovatriptano, que também atingem o pico mais tarde uma
vez que têm maior semivida.
Um dos problemas destes fármacos é que o início de ação é
demasiado lento. Depois têm o pico bastante depois da
toma.
A biodisponibilidade pode ser mais baixa, mas compensa-se com a administração de dose mais elevada.
Alguns destes fármacos têm uma estrutura de sulfonamida, como sumatriptano, naratriptano, eletriptano e
almotriptano. Se o indivíduo for alérgico a sulfamida, não pode obviamente tomar estes fármacos.
Quanto à eliminação, os IMAO (inibidores da monoamina
oxidase), antidepressivos do grupo dos inibidores seletivos
da recaptação da serotonina (SSRI) são fármacos usados
frequentemente para a prevenção de crises de enxaquecas.
Pode haver interações entre os fármacos, portanto é
aconselhado não dar triptanos com SSRI e com IMAOs. O
propranolol só aumenta o rizatriptano.

133
Recorrência do ataque de enxaqueca
Muitas vezes tratamos as crises, mas, após algumas horas, há nova crise de
enxaqueca – recorrência.
Verifica-se que a recorrência é menor para fármacos de maior semivida. O
frovatriptano é o que tem a maior semivida e tem a menor recorrência.
Havendo taxa de recorrência elevada, só se deve dar o tratamento mais 1 vez, para
qualquer triptano. Ex: se após 4h tiver outra vez enxaqueca, dar medicamento, mas
depois não se deve dar mais.

Eficácia dos triptanos


O ganho terapêutico é a diferença entre a
eficácia dos triptanos e do placebo. O
inverso do ganho terapêutica é o NNT
(número necessário tratar) – é o número de
doentes que temos de tratar para ter o
benefício de 1 doente.
São muito semelhantes entre si em termos
de eficácia.
A segunda dose tem maior eficácia, mas não
se pode repetir mais do que duas vezes.

Reações adversas dos triptanos


São muitas e frequentes, mas de pouca gravidade.
− Tonturas − Boca seca
− Cefaleias − Dor torácica – um dos mais frequentes. Não se
− Náuseas sabe bem porquê, mas pode ser por contração
− Fadiga do esófago – dor pré cordial que assusta
− Parestesia bastante o doente.
− Flushing − Sonolência
− Sensação de calor − Vómitos
− Dor abdominal − Astenia

Tolerabilidade em doentes com risco cardiovascular evidente


Embora haja estudos que dizem que: “in migraineurs in or at high risk of coronary artery disease, frovatriptan 2.5 mg
was well tolerated and not associated with an increase in cardiovascular monitoring abnormalities”, o bom senso
manda que, quando o doente tem doença cardiovascular, deve evitar-se o uso de triptanos.

Pôs-se outra questão: se se devia dar triptanos na aura – na aura há aquela fase de vasoconstrição e o triptano atua
nos recetores 5-HT1B vasculares, causando vasoconstrição. Ora, se já há vasoconstrição na aura e vamos dar um
fármaco que causa vasoconstrição, poderíamos piorar a vasoconstrição na aura. Houve estudos que mostraram que a
aura não é contraindicação para uso de triptanos. Isto é importante, porque a aura é o início da cefaleia, se não
pudéssemos dar o fármaco na aura tínhamos muitos doentes excluídos.

134
AGONISTAS 5-HT1F – DITANOS - LASMIDITANO
O lasmiditano é um agonista dos recetores 5-HT1F, mas não é específico. Não tem grande afinidade para os 5-HT1B/D.
Em relação à eficácia, há um estudo comparativo com o sumatriptano e não há grandes diferenças.

[Caso queiras ler mais informação sobre isto, vê o ppt, porque tem lá um texto com muitas letras.]

FUTURO NO TRATAMENTO SINTOMÁTICO

− Antagonistas do CGRP
• Telcagepant (causou hepatotoxicidade e foi suspenso);
• Ubrogepant e rimegepant (já tratam a crise de enxaqueca);
• Atogepant (será para a prevenção), Vazegepant.
• Inibidores da síntese de NO – gera dúvidas, porque estas sintetases estão por todo o organismo e
dariam muitos efeitos secundários – só se se descobrir que há subtipos. Existem 3 sintetases de óxido
nítrico: endotelial, neuronal e indutível. Contudo, ainda não se sabe se existem subtipos destas
sintetases.
• Estes fármacos são mais caros e discute-se se são superiores aos triptanos.

− Modificadores do sistema vanilóide (quer antagonistas quer agonistas)


• os recetores vanilóides estão no reticulo endoplasmático da célula. Estes fármacos de início dão
sensação de calor, depois há esgotamento da terminação nervosa e do neurotransmissor, portanto,
deixa de haver dor – efeito agonista sobre o recetor vanilóide na terminação nervosa do trigémeo.
Estes fármacos fazem com esta terminação nervosa sensitiva fique depletada de neurotransmissores.

− Antagonistas de outros neuropeptídeos envolvidos na dor.

TRATAMENTO PREVENTIVO DA ENXAQUECA

− Fazer sempre um tratamento não farmacológico (único ou a acompanhar os fármacos), ou antes ou durante
− Quando utilizar medicamentos? Ter em atenção a frequência de crises (mais do que 2/mês) e a qualidade de
vida, mas depende muito da pessoa.
− Personalizar a terapêutica
• por exemplo, um hipotenso não pode tomar um adrenolítico beta, nem um obeso a flunarizina. Um
hipertenso trata a hipertensão e previne a enxaqueca com um bloqueador beta...

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO DA ENXAQUECA

− Regularizar o sono – o excesso ou falta de sono causa enxaqueca (há a enxaqueca de fim de semana, quando
se dorme demais ao fim de semana, por exemplo).
− Praticar exercício, em intensidade, frequência e duração, que habitualmente não desencadeia cefaleias e pode
levar ao tratamento das cefaleias – inicialmente pode sentir-se pior, mas eventualmente as crises diminuem.
− Evitar os alimentos que o doente relaciona com os ataques de cefaleias (comida com glutamato – é muito
usado na comida chinesa, chocolate, vinho ou álcool, determinadas frutas, leite e derivados), situações de
stresse, modificações rápidas de estilo de vida (ex: enxaqueca de fim de semana).
− Limitar a ingestão de cafeína (se necessário) – pode melhorar ou pode piorar, depende da pessoa.
− Identificar os medicamentos que causam cefaleias, nomeadamente vasodilatadores.

135
TRATAMENTO PREVENTIVO FARMACOLÓGICO

− Antagonistas adrenérgicos beta (ex: propranolol, metoprolol,


atenolol, bisoprolol) - não servem os que têm atividade
simpaticomimética intrínseca como o pindolol
• O propranolol é o mais usado. É eficaz em doses mais
baixas do que as que se utilizam como antiarrítmico,
antihipertensor e doença cardíaca isquémica.

− Antidepressores (ex: amitriptilina, fluoxetina, sertralina (...))


• Os SSRI são pouco eficazes.
• Os IMAO são dos menos seguros.

− Antagonistas do cálcio (flunarizina – útil nas enxaquecas das crianças, porque temos que ter fármacos que
não prejudiquem o desenvolvimento da criança)
• A enxaqueca surge principalmente na infância/adolescência e dura a vida toda. Nas mulheres, depois
da menopausa, costumam parar as enxaquecas. É importante ter atenção se estas não pararem ou se
surgirem apenas após a menopausa.

− Antiepiléticos (deviam ser apenas usados em situações mais pontuais) ou neuromoduladores


(valproato/divalproato, topiramato – único que tem ensaios clínicos robustos na prevenção da enxaqueca; os
grandes efeitos secundários são parestesias e diminuição da capacidade acima de 200mg/dia. Na enxaqueca,
usa-se habitualmente até 100mg/dia).

− AINEs (ex: ibuprofeno, naproxeno, diclofenac... - usar mais na enxaqueca menstrual) – estes fármacos dão
irritação gástrica e diminuição da perfusão renal; são preventivos, mas a curto prazo.
• Existe a enxaqueca menstrual e a enxaqueca associada à menstruação. Na enxaqueca menstrual,
começa-se uns dias antes da data prevista (cerca de 3) e usar durante a menstruação e depois parar.
• Pode-se ainda manter o nível hormonal com vários meses de ação como DIUs...

− Anticorpos monoclonais (contra o CGRP: galcanezumab, fremanezumab e eptinezumab; contra o recetor do


CGRP: erenumab) – devem ser utilizados em situações em que já não há resposta aos outros fármacos, porque
são mais caros

− Outros (L-5-hidroxitriptofano – usado apenas como adjuvante, toxina botulínica; Q10; candesartan;...)

Erenumab/”Aimovig é indicado para o tratamento profilático da enxaqueca em


adultos que têm pelo menos 4 dias de enxaqueca por mês. “(do RCM) – útil na
enxaqueca crónica. Fora isto não se deve utilizar. A dose recomendada é 70 mg de
erenumab a cada 4 semanas por via subcutânea. Alguns doentes podem beneficiar
de uma dose de 140 mg a cada 4 semanas. É menos seguro.

Toxina botulínica A
É eficaz, mas tem de ser administrada em 31 pontos do couro cabeludo.
A toxina botulínica A liga-se à SNAP-25 (complexo fundamental para a docagem das vesículas à membrana celular para
haver exocitose), clivando-a e não permitindo a sua ligação à VAMP/sinaptobrevina (nas vesículas sinápticas). Assim,
altera o complexo SNARE, não permitindo a fusão e a libertação de neurotransmissores (ACh (leva a paralisia
muscular), CGRP e SP (leva a diminuição da inflamação neurogénica); também interferirá na estimulação do 2º
neurónio da via sensitiva e nas células da glia (com diminuição da sensibilização central).
O uso principal é para provocar paralisia muscular, por exemplo, nas mistenias, tiques, mas também em
hipersudoração e prevenção de crises de enxaquecas.
Usado para a enxaqueca crónica, refratária.
136
CEFALEIAS DO TIPO TENSÃO

São as mais comuns e surgem mais por stress, atividade do dia a dia... Maior parte destas cefaleias não se tratam,
tomando-se apenas um analgésico.
Termos previamente utilizados:
− Cefaleia de tensão, cefaleia de contração muscular (mas nem sempre há a contração muscular), cefaleia psico-
miogénica, cefaleia do stresse, cefaleia comum, cefaleia essencial, cefaleia idiopática e cefaleia psicogénica.
Quanto à fisiopatologia das cefaleias de tipo tensão, não se sabe grande coisa, mas a classificação internacional divide-
as em 3 tipos.

Fisiopatologia / Classificação
− Cefaleia tipo tensão episódica pouco frequente (12 ou menos dias com cefaleias por ano)
• efaleia tipo tensão episódica pouco frequente associada a dor pericraniana
• Cefaleia tipo tensão episódica pouco frequente não associada a dor pericraniana

− Cefaleia tipo tensão episódica frequente (entre as outras duas)


• Cefaleia tipo tensão episódica frequente associada a dor pericraniana
• Cefaleia tipo tensão episódica frequente não associada a dor pericraniana

− Cefaleia tipo tensão crónica (pelo menos 15 dias por mês durante pelo menos 3 meses)
• Cefaleia tipo tensão crónica associada a dor pericraniana
• Cefaleia tipo tensão crónica não associada a dor pericraniana

A fisiopatogenia está associada à enxaqueca. Num extremo estaria a


enxaqueca com aura (clássica) e no outro está a cefaleia de tensão.
Tem os mesmos mecanismos da enxaqueca. Muitas vezes está associada
a tensão psicológica e a tensão muscular.

Fatores psicológicos
− Ansiedade, depressão e neurose são comuns na CTT.
− Não há diferença do grupo controlo, portanto isto pode não ser muito evidente.
− Quanto mais intensa a cefaleia, mais peso têm os fatores psicológicos (mas CTT crónica = dor crónica).

Cefaleia atribuída a perturbação psiquiátrica (grupo 12)


− Cefaleia atribuída a perturbação de somatização
− Cefaleia atribuída a perturbação psicótica
− Cefaleia atribuída a alteração depressiva major
− Cefaleia atribuída a alteração de pânico
− Cefaleia atribuída a alteração de ansiedade generalizada
− Cefaleia atribuída a alteração somatoforme indiferenciada
− Cefaleia atribuída a fobia social
− Cefaleia atribuída a alteração de ansiedade de separação
− Cefaleia atribuída a alteração de stress pós-traumático

137
Fatores musculares
− Alguns estudos fizeram EMG (frontal, temporal e trapézio) sem diferenças em relação a um grupo controlo.
− 87% com CTT crónicas e 66% com CTT episódicas => maior tensão muscular pericraniana e/ou atividade EMG

Ativação de nociceptores [“dose-dependente” (temporal e espacialmente)], em indivíduos suscetíveis e/ou


fragilizados leva Sensibilização central (neurotransmissores implicados? –glutamato, SP, CGRP...).

Outros fatores
− Fatores vasculares
• Sensibilidade à vasodilatação › intermédia entre enxaqueca e controlos
− Fatores humorais
• 5-HT plaquetar baixa na cefaleia tipo tensão crónica com abuso de analgésicos
• níveis anteriores aumentam com o "desmame" de analgésicos
− Fatores centrais
• [NGF e SP]LCR na cefaleia crónica diária
• [glutamato e NO]LCR na cefaleia crónica diária
• hipersensibilidade (e alodinia?)

Papel do NO
− Cefaleias tardias induzidas por dadores de NO em indivíduos com história de cefaleias do tipo tensão.
− Prevenção pelos inibidores da NOS
− NO tem papel a nível periférico e a nível central.

Hipersensibilização periférica e central, alodinia


− Grande estimulação periférica
− Aumento da neurotransmissão central (maior libertação de NT, interneurónios ou vias recorrentes
sensibilizadoras, menor modulação pelo sistema analgésico endógeno, fenómenos adaptativos
(supersensibilização dos recetores; limiar mais baixo para a despolarização (› [Ca2+ ]i, outros mecanismos
transdutores/efetores.)…..

Dor leva a “exaustão" do sistema analgésico endógeno, havendo menor eficácia dos interneurónios inibitórios ("gate"
aberta!, levando à supersensibilização e alodinia (dor referida)) e menor eficácia do sistema analgésico endógeno
descendente (<[5- HT], < [catecolaminas] e < [opioides endógenos] para uma situação de "dependência", estabelecida
pela dor crónica).

138
18ª AULA TEÓRICA – FARMACOLOGIA DAS CEFALEIAS II

TRATAMENTO SINTOMÁTICO DAS CEFALEIAS TIPO TENSÃO


Relembrando que as cefaleias do tipo tensão dão uma sensação de aperto, como se o indivíduo tivesse uma fita a
apertar-lhe a cabeça, é mais vespertina e desencadeada pelo stress.
Estas cefaleias podem ser episódicas (pouco frequentes ou frequentes) ou crónicas (pelo menos 15 dias/mês por mais
de 3 meses).
É necessário fazer um tratamento sintomático e/ou preventivo.
No sintomático:
‒ Tratamento não farmacológico – evitando os comportamentos desencadeantes tanto quanto possível (evitar
o stress, alterações do sono, certos alimentos) …
‒ Tratamento farmacológico – Analgésicos (evitar o abuso - não ultrapassar os 15 dias por mês de uso de
analgésicos, porque podemos ter uma cefaleia do tipo tensão crónica ou até enxaqueca). Os opióides também
são eficazes, mas podem provocar tolerância e dependência e isso é uma grande limitação.

TRATAMENTO PREVENTIVO DAS CEFALEIAS TIPO TENSÃO

‒ Tratamento não farmacológico


‒ Tratamento não farmacológico
• Antidepressivos (qualquer tipo) – fármacos com maior eficácia.
• Tranquilizantes, miorrelaxantes centrais (ex: diazepam) – sem eficácia demonstrada. Isto pode ser
relativo, porque se a cefaleia for causada por stress e, se administrarmos um ansiolítico, a
sintomatologia é aliviada. Pode ter um efeito indireto, aliviando fatores desencadeantes.
• Outros…

CEFALEIA EM SALVAS E OUTRAS CEFALEIAS TRIGÉMINO- AUTONÓMICAS (TACS)


‒ Cefaleia em Salvas (episódica ou crónica) é caracterizada por crises com duração de cerca de 20 minutos,
podendo ser bastante maior e que se vão repetindo ao longo do dia e da semana. Depois há um período sem
nada e voltam-se a repetir.
São cefaleias brutais e mais frequentes no homem. Têm de se avaliar e verificar se há algum tipo de causa
orgânica. São raras.
‒ Hemicrânia paroxística – episódica ou crónica (responde bem à indometacina em doses elevadas) – só dói de
um lado, caracterizada por ser um contínuo flutuante.
‒ Cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperémia conjuntival e lacrimejo

De notar que se as crises forem constantemente de um só lado (não variam o sítio) podemos estar perante
uma causa orgânica.
O doente pode apresentar-se com o nariz entupido, lacrimejo e olhos vermelhos.

TRATAMENTO DA CEFALEIA EM SALVAS (“CLUSTER HEADACHE”)

‒ Tratamento Sintomático
• Tem uma resposta particularmente boa ao oxigénio. Quando o indivíduo aparece na urgência com
este quadro clínico, pode administrar-se O2 (7-15L/min)
• Triptanos (sumatriptano subcutâneo) – estamos a falar de cefaleias brutais, não se utilizam fármacos
orais, mas sim endovenosos.

139
‒ Tratamento Preventivo
• O Lítio é muito eficaz, mas tem muitos efeitos secundários.
• Antagonistas do cálcio (verapamil em doses muitos elevadas).
• Ergotamina e Triptanos orais (no início – por exemplo, frovatriptano), e outros fármacos também
usados na enxaqueca.
Hemicrânia (paroxística ou contínua de fenómenos autonómicos) – Indometacina em doses elevadas. Se o doente não
reagir, temos de pôr em dúvida o diagnóstico.

OUTRAS CEFALEIAS PRIMÁRIAS (BENIGNAS)

‒ Cefaleia primária tipo guinada


‒ Cefaleia primária da tosse
‒ Cefaleia primária do exercício
‒ Cefaleia primária associada à atividade sexual (frequentemente devido à atividade física durante o ato sexual,
por isso, deve tornar-se a pessoa com as cefaleias mais passiva)
• Cefaleia pré – orgásmica
• Cefaleia orgásmica
‒ Cefaleia hípnica
‒ Cefaleia explosiva primária
‒ Hemicrânia contínua
‒ Cefaleia persistente diária desde o início (NDPH).

TRATAMENTO DE OUTRAS CEFALEIAS


Outras cefaleias primárias (benignas):
Cefaleias pelo frio, tosse, atividade sexual – fazer principalmente um tratamento não farmacológico (eventualmente
indometacina). Nas cefaleias da atividade sexual – mudar de posição (ficar mais passivo), evitar vasodilatadores, aliviar
o stress…).
Cefaleias Secundárias
Deve-se tratar a situação clínica que origina a cefaleia!
‒ Cefaleias devido a fármacos – suspender o fármaco;
‒ Cefaleias por abuso de fármacos – insistir no tratamento preventivo e substituir o medicamento
(eventualmente, dar corticosteroides…).

TRATAMENTO DAS NEVRALGIAS DA FACE


Dar sobretudo anticonvulsivantes (geralmente a 1ª linha de tratamento das nevralgias) - Carbamazepina numa dose
semelhante à epilepsia.
Se a cefaleia for, por exemplo, por nevralgia do trigémeo e não responder à carbamazepina ou outro, temos mesmo
de recorrer à lesão do trigémeo (álcool, radiofrequência ou cirurgia…). A nevralgia no trigémeo é uma dor neuropática
e podem ser utilizados antidepressivos. Contudo, acaba por ser uma dor demasiado intensa para a sua utilização, pelo
que acabam por ser utilizados como adjuvantes de anticonvulsivantes.

RECOMENDAÇÃO FINAL
‒ Estabelecer e ser razoável nos objetivos terapêuticos. Não é razoável esperar alívio completo (bom objetivo:
aliviar pelo menos 50%).
‒ Sossegar o doente.
‒ Evitar o “efeito dominó” – tratar uma cefaleia com medicamentos, efeitos secundários, medicamentos para
efeitos secundários…

140
18ª AULA TEÓRICA – ANESTÉSICOS GERAIS
ANESTESIA GERAL
A anestesia geral é uma alteração do estado funcional do SNC com perda de consciência, de indução rápida e reversão
fácil, provocada por fármacos.
Caracteriza-se por:
− Analgesia;
− Perda da consciência (grande distinção da anestesia local)
• Impossibilidade de posterior recordação consciente (amnésia) dos acontecimentos peri- anestésicos;
− Perdem-se todas as sensibilidades
• Ausência de reflexos sensoriais e autonómicos à agressão;
• Relaxamento muscular esquelético.
Qualquer anestésicos gerais pode exercer estes efeitos, variando um pouco com a natureza do fármaco, a dose e as
circunstâncias clínicas.

UM ANESTÉSICO IDEAL
- Deve induzir uma anestesia suave e rápida;
- Condicionar recuperação rápida, uma vez terminada a administração;
- Ter uma larga margem de segurança;
- Deve ser fácil de aplicar;
- Deve ser destituído de reações adversas (é impossível, mas tenta-se que tenha o menos possível).
Há alguns anestésicos que estão perto de conseguir todas estas características como é o caso do Propofol, mas mesmo
este tem uma duração curta e necessita de um anestesista muito experiente para intubar o doente.
Assim, nenhum dos anestésicos gerais usados isoladamente é capaz de satisfazer todos estes efeitos desejados.

A ANESTESIA ATUAL
Hoje em dia, faz-se a indução da anestesia geral com um fármaco e a manutenção da mesma com outro fármaco.
Assim:
− Envolve o uso de combinações de fármacos;
− Procura as vantagens das propriedades favoráveis de cada doente;
− Tenta reduzir ao máximo o potencial de reações adversas;
− Usa protocolos variáveis de acordo com os vários propósitos:
• Diagnóstico
• Terapêutica
• Intervenção Cirúrgica
Na pequena cirurgia, não é preciso muitas vezes recorrer a um anestésico geral. Basta usa um sedativo oral + anestesia
loco-regional.
Nos protocolos de sedação consciente (por exemplo nos partos com epidural), utilizam-se benzodiazepinas i.v. +
analgésicos opióides ou dexmedetomidina. Nestes protocolos, o doente mantém a capacidade respiratória e responde
a ordens verbais.
Na grande cirurgia, tem que se fazer a indução e a manutenção da anestesia geral. Utiliza-se:
- Sedativos pré-operatórios;
- Antieméticos;
- Atropina para evitar o choque vagal;
- Relaxantes neuromusculares periféricos;
- Indução da anestesia com propofol, tiopental ou outros anestésicos i.v.;
- Continuação da anestesia com anestésicos inalados só ou em combinação com fármacos i.v.

184
TIPOS DE ANESTÉSICOS GERAIS
- Anestésicos inalados (para a manutenção da anestesia)
Os mais antigos - éter e ciclopropano (inflamáveis); clorofórmio (muito tóxico, tendo uma margem de
segurança muito curta) – já não são utilizados nos países desenvolvidos.
Os mais utilizados na atualidade incluem o protóxido de azoto, halotano e outros.
- Anestésicos intravenosos (indução da anestesia)

Anestésicos Inalados
− Protóxido de azoto (gás à temperatura ambiente. É obrigatoriamente associado a oxigénio - 80% protóxido
de azoto + 20% oxigénio)
− Desflurano
− Enflurano
− Halotano
− Isoflurano
− Metoxiflurano
− Sevoflurano
- O Éter e Clorofórmio já não são utilizados.

Anestésicos Intravenosos
− Barbitúricos: tiopental (muito potente)
− Benzodiazepinas: midazolam, diazepam
− Analgésicos opióides: morfina, fentanilo (normalmente dá-se associado a droperidol que é um neuroléptico)
e seus análogos (alfentanilo, remifentanilo, sufentanilo)
− Propofol (indução e recuperação muito rápidas, doente tem de ser intubado rapidamente)
− Cetamina
− Vários: droperidol, etomidato, dexmetoximidina

SINAIS E ETAPAS DA ANESTESIA GERAL


I – Estadio ou Estado de Analgesia
II – Estadio de Excitação
III – Estadio de Anestesia Cirúrgica
IV – Estadio de Depressão Medular
V – Morte
Estas etapas foram descritas por Guedel para o éter e não se distinguem na prática
anestésica moderna por:
− Início de ação rápida dos anestésicos inalatórios;
− A atividade respiratória ser controlada com ventilação mecânica;
− Presença de outros agentes farmacológicos que influenciam os sinais de
anestesia.

Correlação entre os efeitos observáveis – Sinais – e a profundidade da anestesia


(Sinais de Guedel).
Estadio I – Analgesia
− Plano 1 – memória e sensações normias
− Plano 2 – amnésia e analgesia parcial
− Plano 3 – amnésia e analgesia

185
Estadio II – Excitação ou Delírio
O doente está delirante, excitado, com hiperreação a estímulos, respiração irregular em volume e frequência (estadio
perigoso em termos de arritmias cardíacas).
Pode ocorrer vómito (no fim do estadio), pupilas dilatadas e movimentos involuntários.

Estadio III – Anestesia Cirúrgica


Começa com o retorno à respiração regular e estende-se até à cessação da respiração espontânea.
Distinguem-se 4 planos ou fases no Estadio III definidos com base em:
- Movimentos oculares;
- Diâmetro pupilar;
- Reflexos oculares e outros (ex: faríngeo, laríngeo…) – importante porque a perda dos reflexos faríngeo e
laríngeo só surge no 3ºplano, sendo por isso muito tardio. Para que intervenhamos mais cedo, no 2ºplano, é
preciso um miorrelaxante periférico.
Abolição do reflexo córneo-palpebral
Plano 1
Olhos imóveis
Sono
Constrição máxima das pupilas

Plano 2 Paralisia dos músculos intercostais inferiores

Perda da Desaparece o reflexo da córnea


sensibilidade Algum relaxamento esquelético
Relaxamento esquelético, incluindo começo da paralisia do
Plano 3 diagragma
Perda do tónus Pupilas dilatadas
muscular
Perda do reflexo laríngeo
Plano 4 Paralisia intercostal

Estadio IV – Estadio de Depressão Medular


- Cessa a respiração espontânea;
- Depressão grave dos centros vasomotor e repiratório;
- Sem suporte circulatório e respiratório a morte ocorre a curto prazo.

ANESTÉSICOS INALATÓRIOS
Usam-se principalmente para a manutenção do estado anestésico da anestesia geral, após administração de um
agente i.v..
Hoje em dia temos anestésicos tanto inalatórios como endovenosos muito potentes.
Há o mito de que se deve vomitar depois da anestesia ou a pessoa fica marcada para toda a vida, obviamente, isto é
mentira e pode tornar-se até perigoso. Outro é que há pessoas com problemas no SNC para a toda a vida. Nas primeiras
semanas, pode haver alguns défices, mas posteriormente passam e volta tudo ao normal.
Têm a vantagem (que os agentes i.v. não possuem) de permitir variar rapidamente a profundidade da anestesia com
a alteração da concentração do anestésico inalado.
Uma vez que são rapidamente eliminados do organismo, não causam depressão respiratória pós – operatória.

186
Características comuns aos Anestésicos inalatórios usados
− São dados em circuito fechado (não se espera que passe alguma coisa para o ambiente);
− Não são agentes explosivos (o éter que era já não se usa);
− Diminuem a resistência vascular cerebral, com aumento da perfusão do cérebro;
− Causam broncodilatação (é uma vantagem) e diminuem o volume respiratório por minuto;
− A potência clínica não está relacionada com a estrutura química, mas está algo (não altamente) relacionada
com a lipossolubilidade, porque, se estivesse altamente relacionada, significaria que todos os fármacos
lipossolúveis eram anestésicos gerais, o que é obviamente falso;
− A sua distribuição depende da sua solubilidade no sangue e nos vários tecidos;
− A recuperação dos seus efeitos deve-se à redistribuição a partir do cérebro. O cérebro é muito lipídico, pelo
que os anestésicos gerais se ligam muito a este. Assim, quando a concentração no sangue começa a diminuir,
saem do cérebro para a circulação geral.

Potência Anestésica dos Anestésicos Inalatórios


É a concentração alveolar mínima (CAM ou MAC), isto é, a concentração
alveolar mínima de gás anestésico (expressa em % de 760 mmHg) necessária
para prevenir o movimento em 50% dos doentes submetidos a uma incisão
padronizada na pele.
Expressa-se como a percentagem do gás numa mistura necessária para
produzir aquele efeito.
A MAC é menor para o anestésicos potentes (ex: halotano) e grande para os
menos potentes (ex: protóxido de azoto).
A MAC relaciona-se com a velocidade de instalação da anestesia.

Quanto maior a lipossolubilidade do anestésico, menor a concentração necessária para produzir a anestesia,
ou seja, quanto maior a lipossolubilidade menor a MAC.

Why induction of anesthesia is slower with more soluble


anesthetic gases.In this schematic diagram, solubility in
blood is represented by the relative size of the blood
compartment (the more soluble, the larger the
compartment). Relative partial pressures of the agents in
the compartments are indicated by the degree of filling of
each compartment. For a given concentration or partial
pressure of the two anesthetic gases in the inspired air, it
will take much longer for the blood partial pressure of the
more soluble gas (halothane) to rise to the same partial
pressure as in the alveoli. Since the concentration of the
anesthetic agent in the brain can rise no faster than the
concentration in the blood, the onset of anesthesia will be
slower with halothane than with nitrous oxide.

Captação e Distribuição dos Anestésicos Inalatórios


A captação e distribuição dos anestésicos inalatórios depende essencialmente da pressão parcial de um gás anestésico
- força que move esse gás nas vias respiratórias em direção ao espaço alveolar e daí para o sangue, que o distribui para
o cérebro e outros compartimentos.
O Estado de Equilíbrio é alcançado no momento em que a pressão parcial em cada compartimento é equivalente
àquela existente na mistura inalada.

187
O tempo decorrido para se alcançar o estado de equilíbrio de um anestésico geral no sangue depende de:
− Solubilidade no sangue;
− Captação tecidular;
− Solubilidade no cérebro.

Locais de Ação dos Anestésicos Inalatórios


Atuam em áreas importantes do SNC:
- Sistema Ativador Reticular e Córtex – o que tem relação com a função do SNC no controlo do estado geral da
consciência e da resposta a estímulos sensoriais (anestesia cirúrgica);
- Na Espinhal Medula suprimem a atividade reflexa (contribuindo para o relaxamento muscular) – surge numa
fase muito avançada e perigosa da anestesia geral;
- Células da substância gelatinosa na ponta dorsal da espinhal medula, onde interrompem a transmissão
sensorial, incluindo a nociceptiva (contribuem para o estadio I ou analgesia).

Mecanismos de Ação de Anestésicos Inalatórios


Pensava—se que era por causa da lipossolubilidade, mas não é, porque há substâncias muito lipossolúveis que não
são anestésicos gerais. Também não pode ser a alteração específica de recetores, porque têm uma ação geral, ainda
que alterem a função do GABA-A e d recetor do NMDA. Basicamente, o que prevalece são ações não específicas.
Assim, os anestésicos inalatórios e intravenosos têm uma ação não seletiva sobre o SNC (deprimem a atividade
espontânea e provocada dos neurónios) e também alteram a função de vários tipos celulares periféricos.
Alteram a função dos recetores dos neurotransmissores (ex: GABAA – canal do Cl, glutamato), facilitando a inibição
mediada pelo GABA nos recetores GABAA, mas esta ação não é seletiva.
A Cetamina antagoniza a ação do glutamato no recetor N-metil-D-aspartato (NMDA), que é também um alvo para o
Protóxido de Azoto.
Alguns anestésicos também causam hiperpolarização da membrana (isto é, ação inibitória) por ativação de canais de
potássio.

Efeitos dos Anestésicos Inalatórios nos Sistemas Orgânicos


Aparelho Cardiovascular
- Reduzem a tensão arterial em proporção direta da concentração alveolar;
- Alteram a frequência cardíaca;
- Aumentam a pressão na aurícula direita e diminuem a função miocárdica;
- No caso específico do halotano, sensibiliza o miocárdio às catecolaminas, podendo ocorrer arritmias
ventriculares, por isso, deixou-se de usar muito o halotano. Além disso, este fármaco apresenta também
hepatotoxicidade.
Sistema Respiratório
- Reduzem o volume corrente e aumentam a frequência respiratória (exceto o protóxido de azoto);
- São depressores respiratórios (os mais depressores são o isoflurano e o enflurano);
- Aumentam a PaCO2 (pressão parcial de CO2 no sangue arterial);
- Reduzem a resposta ventilatória à hipóxia e deprimem a função dos brônquios (todos estes efeitos são
reduzidos pela ventilação controlada por ventilador mecânico durante a cirurgia);
- Deprimem a função ciliar brônquica (com acumulação do muco, atelectasia e infeções respiratórias);
- Tendem a ser broncodilatadores.
Efeitos no Cérebro
- Reduzem o metabolismo cerebral;
- Aumentam o fluxo sanguíneo cerebral, por reduzirem a resistência vascular cerebral, com aumento da pressão
intracraniana.

188
Efeitos no Rim
- Reduzem a filtração glomerular e o fluxo plasmático renal efetivo;
- Aumentam a resistência vascular renal.
Efeitos no Fígado
- Reduzem o fluxo sanguíneo hepático;
- Podem ser tóxicos hepáticos (halotano).
Efeitos no Músculo Liso Uterino
- Os hidrocarbonetos halogenados são relaxantes uterinos potentes;
- O protóxido de azoto não afeta muito o útero.

Toxicidade dos Anestésicos Inalatórios


Hepatotoxicidade (Halotano)
1 em cada 20.000 – 35.000 doentes faz uma hepatite tóxica grave, sendo potencialmente mortal, por formação de
radicais livres ou respostas imunes com anticorpos contra proteínas hepáticas.
Nefrotoxicidade (Metoxiflurano)
Por libertação de fluoretos inorgânicos durante o metabolismo.
Hipertermia Maligna (alteração genética autossómica dominante do músculo esquelético) trata-se com dantroleno –
inibidor dos canais de cálcio do retículo sarcoplasmático. Apresenta-se com:
- Taquicardia e hipertensão;
- Rigidez muscular grave;
- Hipertermia;
- Hipercaliémia e desequilíbrio ácido-base com acidose (há aumento dos iões de cálcio livres nas células
musculares);
- Morte possível.

Toxicidade Crónica dos Anestésicos Inalatórios


A toxicidade crónica tipicamente não ocorre nos doentes, mas pode ocorrer nos profissionais da sala de cirúrgica,
porque apesar de o circuito do sistema inalatório ser fechado poderá sempre haver alguma fuga e, estando os
profissionais expostos a essa pequena concentração de anestésico geral todos os dias, poderá haver:
- Mutagenicidade (para o éter e o fluoroxano, raramente usados);
- Carcinogenicidade (no pessoal exposto nas salas de operação);
- Efeitos na reprodução;
- Hematotoxicidade.

PROTÓXIDO DE AZOTO

Desvantagens Vantagens
- Anestesia incompleta; - Rápida instalação/recuperação;
- Ausência de relaxamento muscular; - Seguro, não irritante;
- Deve ser associado a outros anestésicos para atingir - Não deprime a respiração;
anestesia cirúrgica (fraco anestésico geral); - É o menos hepatotóxico de todos os anestésicos
- Necessita de, pelo menos, 20% de O2 em inalatórios.
administração concomitante.

189
HALOTANO

Desvantagens Vantagens
- Reduz o fluxo sanguíneo hepático e renal; - Agente de escolha em pediatria;
- Diminui a Tensão Arterial; - Conveniente relaxamento da musculatura lisa
- Sensibiliza o miocárdio às ações das catecolaminas; brônquica em doentes asmáticos.
- Hepatotóxico;
- Arritmias.

ISOFLURANO
- Anestésico halogenado com baixa toxicidade orgânica;
- Bom relaxamento muscular;
- Recuperação rápida;
- Não afeta o débito cardíaco;
- Não aumenta a pressão intracraniana;
- Não sensibiliza o miocárdio às catecolaminas (não induz arritmias).

DESFLURANO
- Baixa volatilidade, pode dar tosse e laringoespasmo;
- Ativação simpática

SEVOFLURANO
- Quimicamente instável, nomeadamente em substâncias reativas ao CO2, produzindo-se um metabolito
nefrotóxico (o sevoflurano também se degrada no fígado em iões de fluoreto que são nefrotóxicos).

Propriedades dos Anestésicos Inalatórios (Resumo)


Anestésico Comentários
Protóxido de Azoto Anestésico incompleto; início e recuperação rápidos
Desflurano Baixa volatilidade; agente de indução pobre; recuperação rápida
Enflurano Rapidez de início e de recuperação médios

Halotano Rapidez de início e de recuperação médios

Isoflurano Rapidez de início e de recuperação médios

Metoxiflurano Início e recuperação lentos


Sevoflurano Início e recuperação rápidas; instável em óxido de cálcio

190
ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS
Tiopental
Desvantagens Vantagens

- Pouco analgésico; - Início de ação rápido;


- Discreto relaxamento muscular; - Anestésico muito potente;
- Laringo-espasmo, apneia e tosse (não é frequente); - Efeitos mínimos no sistema cardiovascular.
- Bronco-espasmo (cuidado nos asmáticos);
- Contraindicação nos doentes com porfiria – tal
como todos os barbitúricos;
- Recuperação lenta (segundo o professor o indivíduo
fica “apardalado”).

Fig.2 - Redistribuição do tiopental depois de uma administração endovenosa


em bólus.

Propofol – utiliza-se muito em anestesias mais “simples”


- Início de ação rápida (usa-se na indução anestésica e manutenção da anestesia) e tem recuperação rápida;
- A instalação do efeito é suave e ocorre em 40 segundos;
- Requer suplemento com analgésicos narcóticos para analgesia;
- Facilita a depressão do SNC, mas pode causar excitação;
- Diminui a tensão arterial sem deprimir o miocárdio e reduz a pressão intracraniana;
- Ação antiemética útil.

Cetamina
- Anestésico de ação curta que induz um quadro de dissociação: o doente parece estar acordado, mas na
verdade está inconsciente e não sente dor;
- Esta anestesia dissociativa fornece sedação, amnésia e imobilidade;
- Estimula o tónus simpático central, com estímulo cardíaco, aumento da tensão arterial, do débito cardíaco e
do fluxo sanguíneo, que limitam o uso da cetamina em hipertensos e vítimas de AVC;
- Sofre redistribuição e é metabolizado no fígado;
- Usa-se principalmente em crianças e adultos jovens para intervenções curtas;
- Produz alucinações (+ pesadelos) no período pós-anestésico;
- Muito utilizado em farmacologia experimental;
- Devido ao quadro de dissociação e às alucinações, não é um anestésico muito utilizado atualmente.

Dexmedetomidina
- Sedativo utilizado nas Unidades de Cuidados Intensivos e em cirurgia;
- É um agonista do recetor α2 (tal como a clonidina), atuando em determinados locais do cérebro (locus
ceruleus);
- Particularidade de causar sedação SEM depressão respiratória;
- Tem efeito sedativo (sono NREM), analgésico, ansiolítico e simpaticolítico;
- Coadministração com: propofol, midazolam, fentanil, cetamina

191
Opióides
- Usam-se em associação com outros anestésicos gerais pelas suas propriedades analgésicas;
Ex: Morfina + Protóxido de Azoto = anestesia adequada para cirúrgica cardíaca;
- Não fornecem boa amnésia;
- Podem causar alterações da pressão sanguínea, depressão respiratória e rigidez muscular;
- Após a anestesia, podem produzir náuseas e vómitos – ação excitante;
- O Fentanilo é mais usado que a Morfina;
- Podem ser antagonizados pela Naloxona (i.v.).

NEUROLEPTOANALGESIA / NEUROLEPTOANESTESIA
A associação de Droperidol com Fentanilo em proporções fixas produz amnésia e analgesia e corresponde à
neuroleptoanalgesia. O Droperidol (neuroléptico) causa bloqueio adrenérgico e possui propriedades sedativas,
antieméticas e anticonvulsivantes, enquanto o Fentanilo e.v. (ou outro analgésico opióide) tem uma duração de ação
curta e é muito potente.

É um procedimento usado em doentes de risco muito elevado (idosos, insuficiência hepática).

Usados em associação com o protóxido de azoto (ou outro anestésico inalado) realizam a neuroleptoanestesia.
Representam uma variante da Anestesia Analgésica Opióide.

COADJUVANTES DOS ANESTÉSICOS


Medicação pré-anestésica (antes da anestesia propriamente dita)

- Anticolinérgicos (atropina) – para evitar o reflexo vagal que faz com que o coração pare;
- Anti-arrítmicos (eventualmente, utilizava-se mais quando o halotano ainda era usado);
- Anti-histamínicos H1 (mais quando há risco de alergia ou de náuseas e vómitos);
- Benzodiazepinas (nos dias precedentes);
- Opióides.

Relaxantes Musculares

- Atracúrio;
- Succinilcolina;
- Vecurónio.

Algumas Funções dos Coadjuvantes da Anestesia - Componentes da anestesia balanceada


− Diminuição da ansiedade (benzodiazepinas);
− Relaxamento Muscular (relaxantes musculares de ação periférica) – para evitar que se chegue à fase 3 do
estadio III;
− Prevenção da secreção de líquidos na árvore respiratória e inibição do vago (atropina);
− Prevenção de náuseas e vómitos no pós-operatório: anti-eméticos;

Adjuvantes da Anestesia Geral


Miorrelaxantes Periféricos

- Permitem uma intervenção cirúrgica numa fase menos avançada da anestesia geral (por exemplo, na fase 2
do estadio III)
• Despolarizantes – Suxametónio (duração de ação de 3 a 5 minutos);
• Não despolarizantes ou curarizantes ou antagonistas competitivos (mais usados)– tubocurarina,
gallamina, pancurónio, vecurónio, atracúrio…
192
Estes antagonistas do recetor nicotínico (anticolinesterásicos) podem ser deslocados, aumentando a acetilcolina na
fenda sináptica para deslocar o antagonista. Mas a atropina que é administrada de seguida vai proteger os recetores
muscarínicos do excesso de acetilcolina.

Parassimpaticolíticos (ex: atropina)

- Permitem evitar a reação ou choque vagal.

Anticolinesterásicos reversíveis (ex: neostigmina)


- É necessário reverter o miorrelaxamento. Damos anestésico geral endovenoso para indução da anestesia cujo
efeito demora largos minutos. Depois continuamos com anestesia geral inalada. Contudo, no início demos um
miorrelaxante, pelo que o indivíduo se encontra em paralisia flácida, pelo que é preciso recuperar o indivíduo.
- Os miorrelaxantes, antagonistas do recetor nicotínico, podem ser deslocados, aumentado a quantidade de
acetilcolina presente na fenda sináptica. Isto faz-se com anticolinesterásicos reversíveis, como a neostigmina.
- Tem que se utilizar este componente, exceto quando se utiliza o rocurónio e o vecurónio como relaxantes.
- Atua no sítio que interessa, ou seja, na junção neuromuscular, mas também inibe as colinesterases do resto
do organismo. Só não há grande problema, porque o indivíduo já foi injetado com a atropina que protege os
recetores muscarínicos do exceto de acetilcolina.

SUGAMADEX
Sugamadex é uma gama ciclodextrina modificada, a qual é um agente de ligação seletivo de miorrelaxantes. No
plasma, forma um complexo com os agentes bloqueadores neuromusculares rocurónio ou vecurónio, o que reduz a
quantidade de agente bloqueador neuromuscular disponível para se ligar aos recetores nicotínicos da junção
neuromuscular – neutralização direta. Isto resulta na reversão do bloqueio neuromuscular induzido pelo rocurónio
ou vecurónio.

Administra-se no final da anestesia para recuperar o indivíduo deste miorrelaxamento.

193
19ª AULA TEÓRICA - POLITERAPIA E POLYPILL

ASSOCIAÇÕES FIXAS
Associações fixas correspondem à existência de dois ou mais fármacos no mesmo comprimido/cápsula (muito pouco
frequente mais que dois). Os dois fármacos devem ter um objetivo final comum. Uma condição necessária nestas
associações é a congruência de farmacocinética e farmacodinâmica dos fármacos.
Exemplo de farmacocinética: não pode um fármaco ter semivida de 2h e outro de 12h, pois isso resultaria em efeitos
secundários e menor eficácia.
Exemplo de farmacodinâmica: os dois fármacos têm de contribuir para um efeito comum final. Pode ser no sentido
de uma contribuição sinérgica de adição/potenciação ou um dos fármacos ter como objetivo diminuir os efeitos
secundários do efeito principal. A morfina dá-se com naloxona, impedindo o efeito de obstipação (secundário à
morfina).
Hoje em dia começam a surgir conjuntos de fármacos para diferentes objetivos terapêuticos, ou seja, na mesma
associação fixa os vários fármacos têm vários efeitos – polypill.

TIPOS DE ASSOCIAÇÕES
Associações para a mesma indicação clínica
- Sinergismo
• Adição
• Potenciação
- Antagonismo (opioide, como a morfina, e naloxona)
Quando dois fármacos já têm um efeito individual próximo do máximo, a sua
soma não é tão substantiva – não há uma adição de efeitos. Sem interesse
nenhum.

Associações para indicações clínicas diferentes


- Contribuindo para o mesmo resultado clínico final (exemplo: antiagregante plaquetar + estatina + IECA (ou
ARA))
- Contribuindo para resultados clínicos em áreas diferentes, mas com resultado clínico final único.

Associações fixas de fármacos já administrados isoladamente nas mesmas doses


- A associação fixa é dada quando o doente já toma os fármacos administrados isoladamente nas mesmas doses
estabelecidas, não sendo exigidos ensaios clínicos.
- Ter em conta que as associações fixam melhoram a adesão à terapêutica, dado que o doente toma apenas um
comprimido em vez de vários.
- Podem quer aumentar quer diminuir as reações adversas.
- Normalmente é exigida a bioequivalência da associação fixa em relação aos componentes tomados
isoladamente.
- Existe uma guideline da EMA para associações fixas que obviamente deve ser seguida.

MEDIDA DA ADESÃO
A principal vantagem das associações fixas é a melhoria da adesão. A adesão pode ser testada por vários métodos:
questionário/entrevista/consulta, inspeção - ver o blister, quantos comprimidos já foram tomados ou faltam tomar -,
concentrações sanguíneas - não tão exata como seria de prever, pois para valores baixos é complicado saber se o
doente tomou de facto a medicação. A monitorização eletrónica - frasco com rolha eletrónica (data, hora e tempo de
abertura da embalagem) - é o gold standart.

199
Quanto mais tomas diárias, menor a adesão.

ASSOCIAÇÕES FIXAS DE SUBSTÂNCIAS ATIVAS DE DIFERENTES GRUPOS FARMACOTERAPÊUTICOS


As associações fixas levantam alguns problemas, mas têm esta vantagem da adesão. Alguns dos problemas são:
− Personalização da terapêutica é dificultada, porque, quando se escolhe uma associação fixa, não se pode
escolher os componentes. Se calhar algum desses componentes não era o mais indicado para o doente em
causa.
− Efeitos pleiotrópicos de cada fármaco (ou seja, outros efeitos para além do efeito principal) e não do grupo
farmacológico - realidade pouco presente (exemplo: estatinas interferem de diferentes formas no
metabolismo da glicose).
− Desperdício é maior, pois, se um dos componentes da associação fixa levar a algum efeito secundário, a caixa
terá de ser toda descartada.
− Aumento da adesão pode ser também um problema. Se o doente tiver dúvidas se já tomou o comprimido e
tomar novamente, toma os 2 fármacos novamente, enquanto, se não tomar, deixa de tomar os 2.
− Quando surge uma reação adversa numa associação fixa, a imputação da reação adversa a um dos
componentes é difícil.
− O que fazer quando há necessidade de mudar a dose de um dos componentes da associação – dose-efeito.
− Liberdade de escolha do médico.

É necessária a existência de regras de racionalidade farmacológica


avaliadas pelo Infarmed.
Exemplo para a HTA: é útil misturar diuréticos tiazídicos com ARAs, IECAs
ou antagonistas do cálcio e já não faz muito sentido com beta
bloqueantes e ainda menos sentido com outros anti-hipertensores.
A Polifarmácia/politerapia consiste na toma de 4 ou mais
medicamentos juntos, sendo muito comum no idoso. Leva a menor
adesão e a menor toma de medicamentos. As associações fixas vão
melhorar isto.

Polypill é uma associação fixa com vários fármacos com fins terapêuticos
diferentes, embora com o mesmo efeito final comum (exemplo: no
mesmo comprimido ter um anti-hipertensor, um fármaco para o
colesterol – estatina, p.ex. – e um antiagregante plaquetar. O
antiagregante plaquetar é para evitar as tromboembolias, a estatina é
para baixar o colesterol e o anti-hipertensor é para baixar a tensão
arterial – objetivos terapêuticos diferentes, mas têm como objetivo final
baixar o risco de AVC ou de enfarte do miocárdio).
A polypill é uma terapêutica de população, ou seja, não é personalizada, sendo este o real problema, porque a
dosagem dos vários componentes pode não estar adequada para todos os indivíduos. Assim, vai contra a base da
medicina personalizada.

Problemas da Polypill
- Em termos de farmacocinética, os componentes têm que ser similares.
- Têm de ser estudados de modo que não haja incompatibilidade dos seus componentes.
- A validade dos vários componentes deve ser mais ou menos comum.
- A influência alimentar nos vários componentes não deve significar relevâncias clínicas diferentes.

200
- A cronobiologia deve ser semelhante. Exemplo: uma estatina com um antiagregante plaquetar. A estatina
deve ser dada à noite e o antiagregante plaquetar de manhã. A questão prende-se com a relevância clínica
diferir consoante serem tomados no seu devido tempo vs. serem tomados em conjunto ao mesmo tempo.
- Os fármacos presentes na polypill são considerados os mais apropriados com base na sua patente, no
portefólio do seu laboratório e no lucro. As doses também devem ser as mais corretas para a maioria da
população, uma vez que estas não são adaptáveis ao doente. Este problema de dosagem pode ser
ultrapassado, caso a adesão ultrapasse a dos medicamentos isolados.

Indicação Clínica
- Substituir: doente já toma os fármacos isoladamente e passa a tomar polypill. Não são necessários estudos.
- Adicionar: O doente não está controlado com um medicamento isolado, então adiciona-se aos fármacos que
já toma outro na associação fixa. São necessários estudos.
- Escolher fármacos com efetividade demonstrada, perfil farmacocinético similar e perfil de ligação ao alvo
semelhante (seria inadmissível adicionar um fármaco com ligação irreversível ao alvo, mas claro que há
exceções. Uma das exceções é a aspirina que inibe irreversivelmente a cicloxigenase, mas é aceitável, porque
é um bom antiagregante plaquetar). Pode adicionar-se um terceiro medicamento a uma associação fixa.

CANABINÓIDES

INTRODUÇÃO
A canábis tem dois tipos principais: a sativa e a índica, sendo composta por mais de 500 compostos dos quais mais de
100 são canabinóide - 1 a 12,4% de D9-tetrahidrocanabinol que é o composto mais psicoativo. De entre tantos
compostos é importante perceber quais os efeitos de cada um, se são ou não semelhantes, se o seu uso é ou não
aceitável... A canábis medicinal é uma forma de legalizar o seu uso.
[Aparte subjetivo do professor de como grandes empresas em Portugal podem produzir, colher e vender e os pequenos produtores com plantas
na varanda não, que se devia proibir ou legalizar tudo...]

Alguns produtos naturais com diferentes variedades canabinóides já estão legalizados com AIM:
− Sativex: nabiximol (delta-9-tetrahidrocanabinol) + canabidiol – RCM: “espasticidade moderada a grave na
EM”;
− Epidyolex: canabidiol usado na epilepsia sobretudo em crianças, em associação com clobazam;
− Canábis Medicinal (empresa Tiray Flor Seca).
O que se aproveita da planta da canábis são as flores e o caule, mas existem também sementes das quais se extrai
óleo que é muito comercializado, mas tem muito pouco tetrahidrocanabinol, sendo, portanto, uma grande burla. Não
vão à loja do fórum em frente ao continente...

Componentes
Saber só os mais importantes: tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD).

SISTEMA ANALGÉSICO ENDÓGENO CANABINÓIDE


No nosso organismo temos um sistema analgésico endógeno
canabinóide constituído por 2 agonistas canabinóides: AEA
(anandamida) e 2-AG (2-araquidonoglicerol). Ambos os
componentes endógenos provêm das membranas fosfolipídicas
por ação de uma acetiltransferase para a AEA e de uma fosfolipase
C para o 2-AG.
Existem dois recetores responsáveis pela captação: o CB1 e o CB2.
As enzimas próprias para a degradação associadas a cada um dos
componentes são a FAAH para a AEA e a MGL para o 2-AG. Já se
tentou a criação de fármacos inibidores, por exemplo, do FAAH,
mas o resultado não foi bom num estudo clínico de fase I.

201
Recetores
− CB1 é mais a nível do SNC: neocórtex, gânglios da base, hipotálamo, hipocampo, cerebelo, substância
cinzenta periaquedutal...
− CB2 mais em células imunológicas, microglia e outros locais do SNC.

O tetrahidrocanabinol atua em enzimas próprias como a COX, a lipoxigenase e em algumas CYPs, bem como em alguns
recetores para além do CB1 e do CB2.
Descobriu-se que algumas doenças têm defetos no sistema endocanabinoide. Ainda existem diversas dúvidas quanto
ao objetivo da existência deste sistema. Contudo, sabemos ao certo que os canabinóides estão associados à
diminuição da ansiedade, aumento do apetite, na analgesia e em fenómenos psicológicos.
Descobriu-se a diminuição de AEA no LCR em doentes com epilepsia e baixos níveis do recetor CB1. Isto sugere
fortemente que o sistema endocanabinóide tem um papel controlador das convulsões. Agora faltam fármacos eficazes
para tratar estas situações.

CANABIDIOL

É um fármaco que atua sobretudo nos recetores CB2 (no


CB1 pode funcionar como antagonista/agonista parcial).
Tem também efeitos como diminuir a libertação de
glutamato, ativar recetores 5-HT1A e inibir a recaptação
de adenosina (neurotransmissor inibitório), ou seja, acaba
por ser um depressor do SNC.
Chega a representar mais de 40% dos extratos da canábis
sativa. De realçar que não produz euforia nem intoxicação
ao contrário do THC. Os efeitos eufóricos do THC são
causados pela ativação dos recetores CB1. A CBD tem uma
afinidade muito baixa por esses recetores (100 vezes
menos que o THC) e, assim, produz pouco ou nenhum
efeito através destes recetores – isto pode ser visto no
gráfico do lado.
Atua no CB2 especialmente das células imunitárias, tem efeitos nas cicloxigenases e lipoxigenases, tendo efeito anti-
inflamatório e imunossupressor. É agonista dos recetores 5-HT1A e 5-HT2A e ativador do recetor da adenosina A1A
(modulação da excitabilidade neuronal). O CBD compete com a anandamida na ligação a proteínas ligadoras de ácidos
gordos (FABP), transportadoras da anandamida para a sua metabolização. Tem ação antiepilética e indicação clínica
para o uso na Síndrome de Lennox-Gastaut, provavelmente dada a sua ação reguladora dos canais de Ca2+ tipo T.

202
O CBD e o THC apresentam perfis diferentes. CBD apresenta um efeito mais depressor do SNC. O THC é o componente
mais psicoativo da canábis, diferindo o seu efeito consoante a dose. Tem uma tolerância associada e causa
dependência. Sendo agonista parcial do CB1 diminui a memória, afeta o pensamento, ficando este mais fragmentado,
desinibe o comportamento, aumenta o apetite, a recompensa e os movimentos, modulando ainda a libertação de
outros neurotransmissores. Ambos contribuem para evitar o vómito e a ansiedade.

A partir dos conhecimentos do sistema endocanabinoide e daquilo que se sabe sobre a canábis e os seus efeitos,
começou-se a tentar desenvolver fármacos que vão atuar numa destas facetas. Ribonamant diminuía o apetite e o
peso, sendo depois removido do mercado por efeitos psiquiátricos graves.
[O professor não focou muito a atenção em nenhum destes fármacos, mas fica aqui para consulta, caso tenham memória fotográfica ou caso o
exame seja online.]

203
MODULAÇÃO ENDOCANABINÓIDE
Era muito bom que a neuroprotecção pela modulação
endocanabinóide em doenças neurodegenerativas
fosse muito eficaz, mas não é.
Por exemplo, a nível da microglia, diminui o P38, o
NFkB e a expressão de citocinas pró-inflamatórias, de
COX2 e da óxido nítrico sintetase. Tem um efeito
canabinoide direto, inibindo a síntese de Superóxido
Dismutase e, assim, diminuindo os radicais livres.
Aumenta ainda o BDNF (fator de crescimento),
aumentando a neurogénese. Atua ainda a nível da
astroglia (recetores CB1 e CB2). Estes vários processos
contribuem para a neuroproteção.

ALVOS NÃO CANABINÓIDES ASSOCIADOS À CANÁBIS

− GPR55;
− Antagonismo 5-HT3 (recetor da serotonina ligado às náuseas e aos vómitos) – será um dos mecanismos
que justificam o efeito antiemético da canábis;
− Ativação TRPV1 (recetor vanilóide ativado pela capseicina ou pelos canabinóides, uma vez ativado vai
depletar a terminação nervosa neurotransmissora da dor t inibe a transmissão do primeiro para o segundo
neurónio da via da dor, daí o efeito analgésico da canábis). A libertação de CGRP em pequenas doses pode
levar ao alívio da dor (dores de cabeça), enquanto em altas doses pode despoletar a própria dor.

DESENVOLVIMENTO CEREBRAL EM JOVENS E CRIANÇAS

O desenvolvimento cerebral nos jovens e nas crianças é


influenciado pelo uso de canabinóides.
No córtex pode parar o ganho a longo prazo e o
comportamento criativo. Não sabemos se estas alterações
se mantêm pela vida ou se são transitórias.
A nível do núcleo Accumbens, leva à sensação de
recompensa imediata que estimula a procura da droga,
levando a dependência e a síndrome de privação.

204
EFEITOS NAS VIAS DA RECOMPENSA

A dopamina tem uma via mesolímbica, dos pedúnculos cerebrais ao


Núcleo Accumbens. Nesta via dopaminérgica, a canábis tem um efeito
positivo, contribuindo para a dependência. Inibe também o sistema do
GABA, aumentando a excitabilidade neuronal (especialmente pela ação
do THC; o CBD é ao contrário). Por inibir a libertação de glutamato,
prejudica a aprendizagem e a memória.
De um estudo de 2020, estabeleceu-se uma correlação positiva entre
diversos problemas de saúde mental (ansiedade, depressão, etc.) e o
uso de canábis.

INDICAÇÕES CLÍNICAS
Apesar de diversas indicações clínicas publicadas por Lochte em 2017, o Professor refere que “isto é mais fantasia” e
atualmente a canábis tem apenas umas 7 indicações clínicas aprovadas pelo Infarmed como ansiedade, epilepsia,
analgesia, espasticidade na esclerose múltipla e pouco mais.
Há racionalidade farmacológica para o uso de canabinóides? Não há racionalidade, embora, nas cefaleias (eg,
migraine), pareça haver alteração do sistema endocanabinóide, tal como noutras doenças ou sintomas. Existe grande
variabilidade inter-individual. Não se tem a certeza se, tratando alguma debilidade do sistema endocanabinoide, se
vai ter alguma consequência clínica útil.
São necessários ensaios clínicos consistentes (robustos) com os canabinoides (naturais, semissintéticos e sintéticos).
Há a questão do “p<0,05”. Muitas vezes o p é de facto menor que 0,05, mas não é clinicamente relevante. Contudo,
deve ser clinicamente relevante! Daí que alguns autores recomendem um p<0,005.
As especialidades farmacêuticas têm de ter AIM (eficácia e segurança), mas a “canábis medicinal" (Decreto-Lei
08/2019) tem de ter uma "autorização de colocação no mercado" (ACM), com descrição da segurança (e eficácia?).
Na opinião do professor isto trata-se de “um enviesamento e cedência aos media … e não existem ensaios clínicos
praticamente nenhuns que justifiquem o uso da canábis medicinal. Ou não demonstram eficácia, ou a janela
terapêutica é demasiado pequena, ou falham...”
Quando se usam as plantas ou partes das plantas temos a certeza de usar a mesma qualidade e quantidade de
canabinóides? Padronização? Existe grande variabilidade nos componentes e respetiva quantidade.

Sativex (THC e CBD)


O Sativex é comercializado em Portugal para doentes com esclerose múltipla. É tomado por pulverização nasal. Os
resultados mostram diminuição de apenas 20% nos sintomas de espasticidade, ao fim de 4 semanas de tratamento
ativo, com demasiados efeitos secundários...

Epidyolex (CBD)
Está indicado para Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) ou Síndrome de Dravet (SD) e deve-se tomar associado ao
clobazam. É utilizado apenas quando nada resultou (depois da toma sem efeito de vários antiepiléticos). Apresenta
diversos eventos adversos como diarreia, vómito, pneumonia e bronquite...

FARMACOCINÉTICA DO THC
Quando é fumado, a farmacocinética do THC é boa, sendo muito semelhante à via intravenosa. Quando é tomado por
via oral, a farmacocinética é miserável e com alta variabilidade, permanecendo no organismo muito tempo (semivida
de 30h).

205
MÉTODO DE ADMINISTRAÇÃO

Atualmente o método mais usado é a vaporização da canábis a temperaturas inferiores à sua


combustão, sendo cada vez mais popular e com menos efeitos secundários.

FARMACODINÂMICA DO THC - EFEITOS


- Aumento da FC
- ”Increase in subjective feeling high”
- Diminuição da vigília
- Distorção do tempo e do espaço
- Aumento da instabilidade motora
- Homens com aumento de LH, FSH, prolactina e GH
- Mulheres mais sensíveis à dor, recompensa, aumento dos estrogénios
- Em conjunto com tabaco, leva ao aumento ainda maior da FC
- Com MDMA, tem efeito sinérgico na perturbação da memória (fragmentação e diminuição)
- Efeitos secundários como alucinações, taquicardia, polipneia, disforia, sedante, sedativos, despersonalização,
agravação de psicoses, alteração da perceção de cores e sons, alterações psicomotoras e cognitivas, memória,
AVC (raro), diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, hipotensão, arritmias, efeitos cardiovasculares...

LEGISLAÇÃO EM PORTUGAL
LEI nº 33/2018 - Implica AIM, prescrição médica, cedência na farmácia.
Decreto-Lei nº 8/2019 (refere que regulamenta a Lei nº 33/2018)
Criou a chamada “Autorização de Colocação no Mercado” para “preparações ou substâncias à base da planta da
canábis para fins medicinais”. Não obriga à evidência de eficácia, mas apenas a “qualidade farmacêutica”. Deve ser
por prescrição médica e dispensado na farmácia. A legislação da publicidade aplica-se. Segundo o professor, “Existem
muitos interesses envolvidos.”.

Elevado THC, logo muita substância


psicoativa.

206
20ª AULA TEÓRICA – FARMACOGENÓMICA, TERAPIA GÉNICA E EPIGENÉTICA

Assume-se farmacogenómica e farmacogenética como dois termos idênticos.


Farmacogenómica - novo ramo da Medicina que estuda o impacto da variação genética na variabilidade da resposta
dos doentes aos fármacos, tendo por objetivo melhorar a eficácia e segurança na utilização de fármacos (terapêutica
personalizada). Estuda ainda a inserção de sequências genéticas no genoma, quer para repor genes em falta, quer
para corrigir sequências defeituosas, permitindo criar novas respostas a patologias.

TERMINOLOGIA EM FARMACOGENÓMICA
As sequências lidas são de 3 bases -tripleto, codão e anticodão (tRNA).
Apenas os exões são transcritos do DNA para o mRNA. Os intrões não
são transcritos. Os intrões condicionam a expressão dos exões.
Locus: local físico que um gene ocupa num cromossoma ou numa
porção de DNA.
Alelos: formas alternativas de um dado gene.
Duas pessoas não relacionadas partilham 99.9% do genoma, mas esta
diferença de 0.1% permite a ocorrência de milhões de polimorfismos.
Mutação: troca de uma base no nosso código genético.
Polimorfismo: variante da sequência de DNA num determinado alelo que ocorre em > 1% da população. Responsáveis
por variações na expressão e função proteica, que resultam em fenótipos de doença ou alteração da reposta
farmacológica. São considerados variantes do normal, importantes para a sobrevivência da espécie.

Tipos de polimorfismos genéticos


- SNP (single nucleotide polimorfism): substituição de uma base (um nucleótido — A, C, G, T - é substituído por
outro)
- DIP (delection insertion polymorfism): inserção ou deleção de uma base ou de um conjunto de bases (centenas
a milhares) no DNA
- STR (short tandem repeats): inserção ou deleção, repetidas vezes, de uma ou mais bases, constituindo os
chamados microssatélites

Consequências dos polimorfismos


As consequências dos polimorfismos dependem da localização no gene:
- Na região codificadora do gene — alteração na sequência de aminoácidos da proteína codificada — alteração
da função (diminuída, ausente ou aumentada);
- Na região reguladora do gene — afeta os níveis normais de expresso do gene e a quantidade de proteína
expressa;
- Na região não-codificadora do gene — desconhece-se o impacto sobre o fenótipo do indivíduo;
- Perda do gene ou pelo contrário, produção de várias cópias de determinado gene - ausência da proteína ou
sobrexpressão da mesma;

HISTÓRIA DA FARMACOGENÓMICA
510 a.C: Pitágoras documentou o primeiro caso de variação interindividual na resposta — alguns indivíduos
desenvolviam anemia hemolítica após ingestão de favas (FAVISMO — deficiência de Glicose-6-fosfato desidrogenase)
Existiu um grande período sem novas descobertas.
1950: uso de succinilcolina (relaxante muscular) em anestesia associou-se nalguns doentes a paragem respiratória.
Defeito em ambas as copias da pseudocolinesterase – colinesterase atípica.

202
1959: Fredrich Vogel introduziu o termo Farmacogenómica (idiossincrasia a medicamentos – variações de resposta a
um medicamento conforme o indivíduo, ainda sem grandes respostas, mas veio-se a descobrir que eram devido a
variações genéticas).
Neuropatia periférica com isoniazida no tratamento da tuberculose devido a variação genética na enzima N-
acetiltransferase (acetiladores lentos).

FARMACOGENÓMICA E RESPOSTA INDIVIDUAL A FÁRMACOS


A farmacogenómica é a ciência que estuda a forma como a genética influencia a resposta individual aos fármacos,
assim como a terapia génica. Portanto, estuda as alterações a nível farmacocinético, farmacodinâmico e o modo como
os genes afetam a eficácia e a segurança do tratamento, assim como a dose de fármaco necessária para produzir o
efeito desejado.

A genética condiciona muito a farmacocinética sobretudo a nível do metabolismo, dos transportadores e da ligação
às proteínas plasmáticas. Também condiciona muito a absorção. Quando a absorção ocorre por difusão simples, não
há qualquer intervenção genética. Quando está associada a um transportador ou a uma bomba de transporte, se
houver uma alteração genética dessa proteína, há alteração da absorção.
Várias proteínas transportadoras podem ser afetadas por diferentes polimorfismos e alterar a absorção, distribuição,
metabolismo ou a excreção de fármacos. Tudo isto vai dar alterações na curva dose-resposta.

Glicoproteína P (P-gl) é fundamental para a absorção de alguns fármacos e para


a expulsão de outros para fora das células. Também se designa de multi-drug
resistance protein (MDR1) e é responsável pela resistência a vários citostáticos,
nomeadamente, antineoplásicos. Isto acontece, porque a Glicoproteína P
bombeia ativamente o fármaco para fora da célula.
Nos enterócitos, tem um importante papel de barreira, não deixando que haja
absorção, podendo condicionar a biodisponibilidade (ex: digoxina,
ciclosporina).
Genes codificadores: MORI e ABCB1
Polimorfismo MDR1 3435 TT — expressão de P-gl no duodeno e rim muito
inferior - > biodisponibilidade de digoxina.
Polimorfismo MDR1 3435 C>T — associa-se a melhor absorção da ciclosporina.
Os transportadores relacionados com resistência a citostáticos em células
neoplásicas (MRPs) são também P-gl capazes de transportar um amplo grupo
de fármacos (MRP1 e MRP6) e tem uma ampla distribuição pelo organismo
(fígado, rim e intestino).

203
= tipo normal

Como sabemos, os fármacos são metabolizados por reações de fase I e fase II. Estas também estão sujeitas a variação
genética.
Obviamente, as variações mais importantes são mediadas pela superfamília do Citocromo P450, que são enzimas
oxidativas (CYPs).
O Citocromo P450 é uma das principais fontes de variabilidade farmacocinética e de resposta a fármacos.
As oxidases mais frequentes são a CYP3A4 e a CYP2D6, que representam 70 a 80% das CYPs e que metabolizam a
maioria dos medicamentos. No entanto, o ideal e útil é que o medicamento seja metabolizado por várias CYPs e não
apenas por uma.
Através da imagem, conseguimos compreender que há determinismo genético tanto para a fase I como para a fase II.

A maioria das enzimas metabolizadoras exibem polimorfismos genéticos clinicamente relevantes - subgrupos
populacionais com distinta capacidade biotransformadora.
Os polimorfismos podem provocar expressão ou atividade enzimática aumentada, diminuída ou inexistente.
Dependendo do polimorfismo podemos ter 4 fenótipos:
- Metabolizadores lentos (sem atividade enzimática);
- Metabolizadores intermédios (atividade baixa);
- Metabolizadores rápidos (ATIVIDADE NORMAL);
- Metabolizadores ultrarrápidos (atividade aumentada).
O ideal seria fazer-se a personalização da terapêutica, caracterizando o
genoma, e verificar de que tipo de metabolizador se trata, para adaptar
as doses e as tomas. No entanto, isto raramente se faz.
De notar que a frequência dos alelos varia com as diferentes populações.

CYP2C9

− Metabolização de centenas de fármacos, incluindo fármacos com margem terapêutica estreita. Como por
exemplo:
• Fenitoína —casos de confusão mental e alteração da memória em doentes com variante alélica não
funcional
• Glipizida - risco de hipoglicemia
• AINEs — aumento do risco de gastropatia
• Varfarina e acenocumarol - risco de hemorragias graves

− 6 polimorfismos: CYP2C9*1 (alelo selvagem), CYP2C9*2, CYP2C9*3, CYP2C9*4, CYP2C9*5, CYP2C9*6


204
− As variantes CYP2C9*2 e CYP2C9*3 são comuns em caucasianos e levam a redução na atividade enzimática
até 90%
• Metabolizadores lentos;
• Redução significativa do metabolismo e clearance de substratos específicos. ~

CYP2C9 e Varfarina
A varfarina é um anticoagulante oral, que atua na inibição da enzima vitamina K epóxido redutase (VKORC1),
impedindo a formação de vitamina K funcionante e, por conseguinte, a ativação de fatores de coagulação no fígado.
Se houver um alelo com alterações da resposta a varfarina, teremos uma diminuição da eficácia da varfarina,
contribuindo para um maior risco hemorrágico, sendo que 1/3 da população é portadora de pelo menos 1 alelo para
a forma metabolizador lento da CYP2C9.
A personalização da terapêutica não será muito útil na toma da varfarina, porque é utilizada em função dos resultados
do tempo de coagulação e do tempo de protrombina, sendo a dose ajustada em função destes parâmetros.

CYP2C19

− Grandes diferenças na proporção de metabolizadores lentos em função da etnia (5% caucasianos, 20%
asiáticos)
− Para além do alelo selvagem CYP2C19*1, conhecem-se mais 8 alelos mutados.
− Fármacos metabolizados pela CYP2C19:
• Clopidogrel
o Pro-fármaco. Tem de ser convertido em metabolito ativo pela CYP2C19.
o 6-10% dos indivíduos de raça caucasiana têm baixa expressão enzimática (PM), sendo
metabolizadores lentos. Deve considerar-se outro antiagregante plaquetar.
o Black-box warning em 2010 — eficácia diminuída em metabolizadores lentos.

• Inibidores da bomba de protões


o Taxas variáveis na erradicação do H. pylori na úlcera péptica dependentes do genótipo
(metabolizadores ultrarrápidos — 28%, metabolizadores rápidos — 60%, metabolizadores lentos
— 100%).

• Diazepam
o A semivida plasmática do diazepam é mais longa nos indivíduos homozigotos para o alelo
defeituoso CYP2C19*2 comparativamente com os homozigotos para o alelo selvagem.
o Risco de toxidade com diazepam - particularmente em asiáticos, onde a prevalência de
metabolizadores lentos é muito elevada.

CYP2D6

− Metaboliza 25% de todos os fármacos.


− Tem 62 alelos diferentes.
− 35% da população é portadora de pelo menos um alelo CYP2C disfuncional.
− Os metabolizadores lentos tem uma frequência bastante elevada, no entanto, 10% dos portugueses são
metabolizadores ultrarrápidos.
− Substratos principais:
• Antiarrítmicos (flecainida, propafenona, lidocaína);
• Antidepressivos (fluoxetina, paroxetina, venlafaxina, ADT);
• Bloqueadores beta (carvedilol, metoprolol);
• Antipsicóticos (haloperidol, risperidona);
• Analgésicos opioides (tramadol, codeína - pró-fármaco, transforma-se em morfina, que é mais
potente - e morfina);
• Tamoxifeno (pró-fármaco, transforma-se em endoxifeno, que é cerca de 100x mais potente).

205
CYP2D6 e Tamoxifeno
- O tamoxifeno é usado como adjuvante no tratamento da neoplasia da mama estrogénio-dependente.
- É um pró-fármaco.
- A CYP2D6 medeia a ativação do tamoxifeno em endoxifeno que é 100x mais potente.
- Os polimorfismos genéticos são responsáveis por diferentes outcomes no tratamento com tamoxifeno:
ineficácia terapêutica nos PM e toxicidade nos UM.
- Os alelos CYP2D6*4, *5, *10 ou *41 estão associados a menor formação de metabolito ativo, diminuindo
significativamente a ação anti-estrogénica – recorrência significativamente maior de cancro da mama e
períodos livres de recorrência mais curtos.
- Recomendação: avaliação genética prévia.

CYP3A4

− É a CYP mais frequente (30% do total de enzimas do CYP450).


− Localizadas no fígado, parede do intestino e rim.
− Metabolização de até 50% de todos os fármacos, incluindo várias classes de fármacos importantes na prática
clínica.
− Importante para absorção, metabolismo sistémico e efeito de primeira passagem.
− Mais de 30 SNPs identificados.
− Principais substratos da CYP3A4:
• Antifúngicos (ex. fluconazol, itraconazol, cetoconazol);
• Bloqueadores dos canais de Ca (ex: verapamil, diltiazem, felodipina, nifedipina);
• Anti-histamínicos;
• Corticosteroides;
• Anticonvulsivantes (ex: carbamazepina);
• Alfentanil;
• Imunossupressores (ex: ciclosporina, tacrolimus);
• Estatinas (ex: sinvastatina);
• Antidepressivos (ex: SSRIs).

METABOLISMO DE FASE II – REAÇÕES DE CONJUGAÇÃO


UDP-Glucuroniltransferase (UGT)
− Superfamília responsável por reações de glucuronidação (ex: UGT1A1, UGT1A4, UGT1A7, UGT1A9 e UGT2B7).
− A variante alélica UGT1A1*28 apresenta atividade metabolizadora reduzida e está associada a toxicidade com
Irinotecano:
• Irinotecano é um antineoplásico que inibe a topoisomerase I e está indicado no tratamento do CCR
metastático e não só.
• O metabolito ativo, o S38, é glucuronizado através da UGT1A1 num um metabolito inativo, o 538G.
• A menor inativação do 538 aumenta o risco de neuropatia e de diarreia potencialmente fatal.
• A FDA recomenda ajuste da dose de Irinotecano de acordo com o genótipo UGT1A1 (26-38% dos
indivíduos caucasianos têm UGT1A1*28).
A interação molecular do fármaco com um alvo específico (recetores, transportadores ou vias de sinalização celulares)
também pode ser influenciada por polimorfismos.

Vitamina K epóxido redutase (VKORC)


- A VKORC é codificada pelo gene VKORC1 e é o alvo da varfarina e do acenocumarol.
− Ao inibirem esta enzima, estes anticoagulantes impedem a formação de fatores da coagulação dependentes
de vitamina K.
− Alguns polimorfismos da VKORC1 associam-se a menor ligação da varfarina - resistência à varfarina.
− Grande variabilidade na dose de varfarina necessária para atingir INR terapêutico.

206
IMPORTÂNCIA DA FARMACOGENÓMICA
A farmacogenómica é, de facto, muito importante, porque doentes com o
mesmo diagnóstico, tomando o mesmo fármaco, podem ter respostas muito
diferentes.
Podemos ter, felizmente, uma resposta favorável, o que acontece para a
maioria dos doentes, mas uma parte significativa pode ter uma resposta fraca
ou ausente, necessitando de uma dose mais elevada. Um número menor de
indivíduos, no entanto, pode ter uma toxicidade aumentada, necessitando de
uma dose mais baixa.
Esta é uma noção que deve ser tida em conta na personalização da terapêutica,
apesar de ser aplicada, atualmente, apenas em casos muito específicos.
Pode existir uma abordagem fenotípica ou genotípica. A genotípica foca-se em caracterizar o gene, enquanto a
fenotípica visa caracterizar as consequências de todos os mecanismos genéticos e epigenéticos da alteração do gene.
Na abordagem fenotípica, mede-se no sangue e ao longo do tempo, um fármaco, por exemplo, a debrizoquina, e o
seu metabolito ativo hidroxilado pela CYP2D6, e calcula-se a razão. Conseguimos assim, concluir se estamos perante
um metabolizador rápido, intermédio ou lento para a CYP2D6.
A abordagem genotipica é menos exata porque, apesar de estudarmos o gene, há várias sequências que podem
modificar a sua expressão, nomeadamente os mecanismos epigenéticos. No entanto, esta abordagem é mais barata,
recorrendo-se, por isso, com mais regularidade a esta abordagem.

APLICAÇÕES DA FARMACOGENÓMICA
A Farmacogenómica pode vir a transformar a forma como praticamos Medicina, substituindo métodos gerais de
diagnóstico e tratamento por abordagens personalizadas, tendo em conta quer as características clínicas, quer
genéticas do doente. Pode influenciar a escolha racional do fármaco para início da terapêutica (identificação de
resposta), a dose a administrar e a monitorização de reações adversas.
Seleção do fármaco com:
- Melhor eficácia;
- Menor risco de reações adversas;
- Dose personalizada de fármaco.

TERAPIA GÉNICA
A terapia génica é uma nova abordagem terapêutica que tem por objetivo corrigir defeitos genéticos responsáveis por
uma determinada doença, através da introdução de material genético no organismo hospedeiro. Ou seja, imagina que
há um gene defeituoso, vamos introduzir um gene normal ou, se for necessária uma proteína especifica, introduzimos
o gene que permite a sua produção.

Possíveis abordagens
1. Terapia de melhoria genética — o gene em falta ou mutado é substituído por um gene normal (ex:
substituição do gene p53 mutado por gene normal na neoplasia do fígado)

2. Terapia de inibição genética —2 tipos:


i. Antigene: inativação ou "knocking out" do gene mutado com uso de oligonucleótido antigene
(ex: anemia falciforme).
ii. Antisense— sequência de bases que, por complementaridade, bloqueia um gene ou uma
sequência de genes.

207
Tipos
A. Terapia Génica na Linha Germinativa – proibido eticamente;
B. Terapia Genica em Células Somáticas
a. Ex Vivo - extração de células – cultura dessas células – transferência dos
genes terapêuticos - transplante das células tratadas (feito para tratar
leucemia linfoblástica ou mieloblástica aguda).

b. In Vivo – administração direta de genes em células de um determinado tecido


do organismo. São necessários vetores que levem o gene até às células de
interesse, como um retrovírus, por exemplo.

Vetores em terapia génica


− Transportadores necessários à transferência do gene de interesse até
a célula-alvo.
− O vetor ideal deve ser seletivo e seguro, deve permitir a transfetação
eficaz e persistente e não ser imunogénico — NÃO EXISTE!
− 3 Tipos:
• Químicos: oligonucleótidos, lipossomas, dendrímeros, outros
lípidos
• Físicos: microinjeções, eletroporação, sonoporação, gene gun
(espécie de injeção do gene)
• Biológicos: vírus (vetores associados a adenovírus - AAV,
adenovírus, retrovírus, lentivírus). Remoção de parte ou de todo o material genético do vírus e
substituição pelo gene terapêutico.

Apenas os adenovírus são vírus de DNA, os outros são de RNA.


As capacidades dos vírus são bastante diferentes. Enquanto o
retrovírus e o lentivírus têm uma capacidade muito pequena, o
adenovírus tem uma elevada capacidade. Ou seja, se o gene for
grande, é necessário fazer uma expansão da cápside dos dois
primeiros.
O adenovírus pode desencadear uma resposta imunitária, o
que aconteceu, por exemplo, com algumas vacinas contra a
Covid-19.
Já os retrovírus e os lentivírus podem desencadear mutagénese
e oncogénese, em alguns casos.
A integração dos genes e a expressão a longo tempo acontece
apenas no retrovírus e no lentivírus, não se verificando no caso
do adenovírus.
O grande problema da terapia génica é a expressão, ou seja, é necessário que o gene se exprima em quantidade
suficiente e que esta expressão se mantenha ao longo do tempo, sendo, por isso, tão importante escolher o vetor e
inserir corretamente o gene.

208
APLICAÇÕES CLÍNICAS DA TERAPIA GÉNICA
1— Deficiência de Adenosina Desaminase (ADA) – EX VIVO
− Primeira experiência com terapia génica realizada com algum sucesso
(1990).
− ADA é fundamental na manutenção de linfócitos saudáveis - sem
tratamento, esperança de vida < 2 anos.
− Strimvelis - fração celular autóloga enriquecida com células CD34+
transduzidas com vetor retroviral que codifica a sequência cADN da ADA
humana.
− Aprovado pela EMA em 2016 para a imunodeficiência combinada grave
por deficiência de ADA (ADA-SCID) em doentes sem dador compatível.

2 — Beta-Talassemia (major) – EX VIVO


− Défice de beta-globinas, com necessidade de transfusões frequentes de
GV.
− Zynteglo - autorizado na EU para beta-talassemia em doentes > 12 anos,
sem dador compatível.
− Células estaminais autólogas enriquecidas com células CD34+
geneticamente modificadas para conter o gene funcional da beta-
globina (βA-T87Q-globina).
− Como os eritrócitos têm uma semivida de 120 dias, é preciso realizar
mais tratamentos.

3 — Distrofia Retiniana Hereditária Causada Por Mutações Bialélicas Do Gene RPE65 – IN VIVO
− A ausência da enzima RPE65 causa deficiência severa no funcionamento
da rodopsina (uma proteína sensorial que converte a luz em sinal elétrico)
e morte das células fotorrecetoras da retina. Os doentes acabam
eventualmente por perder a visão.
− Voretigene neparvovec - vetor de transferência génica que utiliza um
capsídeo vírico adeno-associado (AAV) para transporte do gene da
proteína do epitélio pigmentado da retina humana (hRPE65) — injeção
intravítrea do gene. Elevada taxa de sucesso.

4 — Atrofia Muscular Espinhal Tipo 1 – IN VIVO


− Doença progressiva causada por deficiência do gene SMN1 que codifica a proteína de sobrevivência do
neurónio motor, levando a atrofia muscular (incluindo músculos respiratórios)
− Principal causa genética de morte em crianças
− 2 formas de tratamento:
i. Terapia genica in vivo - Onasemnogene
abeparvovec - vetor de vírus adeno-associado
AAV9, modificado para conter o gene SMN1. A
transcrição do SMN1 funcional resulta na expressão
da proteína SMN, atrasando a progressão da
doença. Injeção iv única.
Um dos problemas é saber por quanto tempo se
mantém a terapêutica.
ii. Terapia de RNA com oligonucleótido antisense.

209
EPIGENÉTICA
A epigenética estuda as alterações na atividade genética não dependentes de variações na sequência de DNA e que
podem resultar de fatores ambientais e outros. Revela-se cada vez mais importante, sobretudo na oncologia.
Inclui uma sobreposição de mecanismos:
− Metilação do DNA (...);
− Modificação de histonas;
− RNA não codificadores (ex: miRNA).

A Terapia Epigenética corresponde ao uso de fármacos ou de técnicas influenciadoras do epigenoma para tratar
doenças.

Terapia de RNA
1. Vacinas mRNA para doenças infeciosas (COVID-19)
e neoplásicas (pouco desenvolvidas).
2. mRNA transcrito in vitro para substituir ou
suplementar proteínas.
3. RNAs antisense ou RNA de interferência (iRNA)
para inativação da expressão génica, via:
- miRNA;
- siRNAs (pequenos RNAs de interferência).
4. Aptâmeros de RNA ou "anticorpos químicos" que
podem funcionar como transportadores de
pequenas moléculas quimioterapêuticas, como
siRNAs, miRNAs ou nanopartículas até aos tecidos
alvo.

RNAs antisense
Uso de sequências de RNA complementares do mRNA alvo (maiores que o miRNA ou iRNA), que são introduzidas nas
células e reduzem, alteram ou anulam a expressão da proteína associada à doença.
O facto de o RNA antisense ser maior que o miRNA e o iRNA é muito importante, porque o miRNA e o iRNA são
sequências pequenas que podem existir no mRNA que queremos neutralizar, mas também noutros mRNAs que não
queremos afetar – respostas off target. Com um sequência maior, reduzimos a possibilidade de ser complementar a
sequências de bases noutros mRNAs. Assim, é mais seguro.
Aplicações clínicas
− Nusinersen —para tratamento da Atrofia Muscular Espinhal tipo 1;
− Os doentes têm deficiência de SMN1, mas possuem o gene SMN2 que produz uma proteína SMN curta e que
não funciona tão bem como a proteína de comprimento completo;
− Nusinersen é um oligonucleótido antisense que se liga ao pré-RNAm da SMN2, originando um RNAm do SMN2
mais estável e com produção da proteína de comprimento completo e alívio dos sintomas da doença;
− Injeções intratecais repetidas (basal, 2, 4, 9 semanas, 4/4 meses); eficácia muito eficaz à terapia génica.

iRNA
− Os miRNAs são pequenos RNAs não codificadores que desempenham um importante papel na diferenciação,
proliferação e sobrevivência celular. Atuam no complexo indutor do silêncio do RNA (RISC), interagindo com
alvos parcialmente complementares no RNAm e inibem a produção proteica.
− Podem usar-se RNAs antisense anti-miRNA que bloqueiam a sua atividade ou RNAs que mimetizam miRNA
aumentando a sua atividade.
− Tanto os inibidores como os miméticos de miRNA estão atualmente em fase de investigação.
− Os siRNAs (pequenos RNAs de interferência) reconhecem o mRNA, causando a sua clivagem e degradação.
Silenciam completamente o gene e inibem a produção proteica.

210
Aplicações clínicas
− Patisiran — liga-se a nanopartículas lipídicas que levam siRNA
até aos hepatócitos para tratamento da hATTR, em doentes com
polineuropatia em estadio 1 e 2 – permite tratar a doença dos
pezinhos ou paramiloidose familiar. Nesta doença, há falta de
transtirretina (TTR).
− Alvo: sequência na região 3' não traduzida do mRNA da TTR —
degradação catalítica do mRNA da TTR.
− Inibição da expressão de TTR e atraso da evolução da hATTR.
− Injeção iv a cada 3 semanas. Substitui o Tafamidis, mas é mais
caro.

Aptâmeros de RNA
− São RNAs curtos de cadeia simples, selecionados in vivo para ligação a alvos moleculares específicos, usando
SELEX (systematic evolution of ligands by exponential enrichment).
− Devido à sua dimensão reduzida e flexibilidade, têm capacidade de ligação a locais inacessíveis para outros
anticorpos.
− Exemplo: PEGAPTANIB – para a Senescência Macular Senil.

Resumo

LIMITAÇÕES DA TERAPIA GÉNICA E EPIGENÉTICA

− Acondicionamento/estabilidade;
− Expressão em quantidade e ao longo do tempo;
− Elevados custos;
− Penetração de barreiras biológicas – por isso é que se usam vetores, mas não resolvem tudo;
− Ineficácia no tratamento de doenças multigénicas, que são as mais frequentes (ex: diabetes, doença
aterosclerótica coronária ...);
− Limitações éticas (o que é normal e anormal?);
− Toxicidade.

SEGURANÇA E PRINCIPAIS RISCOS DA TERAPIA GÉNICA E EPIGENÉTICA

− Genotoxicidade com terapia génica. Risco de disrupção do DNA e mutagenicidade insercional (mais com
retrovírus, menos com vetores associados a adenovírus);
− Imunogenicidade e reações inflamatórias (reações anafiláticas)
• Terapia génica - principalmente com AAV (in vivo) (aumento da aminotransferase ou CK)
• Terapia dependentes de RNA - por desenvolvimento de anticorpos anti-fármaco
• Pré-medicação com corticosteroides e anti-histamínicos

211
− Risco de infeções;
− Carcinogénese por inespecificidade da terapia e atingimento de outras células;
− Depressão medular (trombocitopenia com Nusinersen).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

− A farmacogenómica, as terapias génicas e epigenéticas são promissoras para a cura das doenças genéticas.
− Existem várias dificuldades técnicas e de segurança que têm de ser ultrapassadas.
− Em três décadas de terapia génica, verificou-se uma evolução lenta e um número limitado de opções
terapêuticas.
− Medicamentos órfão — doenças raras.
− Os elevados custos destas terapêuticas podem limitar o seu desenvolvimento.
− A farmacogenómica, a terapia génica e epigenética têm o potencial de poder revolucionar a prática da
Medicina.

212
Errata das aulas teóricas 11 a 20

Aula 12 - página 120 - na segunda linha deve ler-se “antagonista H1 de 1ªgeração”


Aula 12 - página 122 - nos “tipos de recetores da serotonina”:

Aula 12 - página 124 - é “lasmiditano” e não “lasmitidano”

Aula 13 - página 130 - nos “compostos não acídicos”:

Aula 13 - página 132 - nos “efeitos adversos dos AINEs”

Aula 14 Parte 1 - página 137 + em baixo onde diz “mudar as setas!!” isso não devia estar aí
(é para apagar)

Aula 14 Parte 1 - página 139

Aula 14 Parte 2 - página 146

Aula 14 Parte 2 - página 147

Aula 15 - página 155 - em “TERAPÊUTICAS BIOLÓGICAS” (ainda que no ppt diga


“-humab”, de acordo com o ppt de imunologia é “-umab”)
Aula 16 - página 137 - em “Aspetos químicos dos anestésicos locais”

Aula 16 - página 139 - em “Farmacocinética dos anestésicos locais”

Aula 18 - página 180 antiga/página 186 atual (voltámos a versão anterior. Ainda que o
professor diga “estadio II”, consideramos que não faz muito sentido intervir no estadio II,
porque o doente está em estado de delírio. Se alguém achar que faz mais sentido “estadio
II” ou outra opção, diga, por favor)

Aula 18 - página 182 antiga/página 188 atual

Aula 19 - página 201 - “Canabinoides”

Aula 20 - página 205

Vou procurar manter os documentos atualizados e com os erros que estão aqui corrigidos.
Caso encontres algum erro que não está nesta lista ou que ainda não está corrigido nos
documentos (já foram encontrados dois ou três erros que estão corrigidos, mas que não
estão nesta lista, porque foram encontrados logo no início), por favor, avisa uma das
pessoas que esteve envolvida na realização destas desgravadas: Maria José Torres, Ana
Filipa Caldeira, Ana André Pereira, Ana Brás, Ana Isabel Santos, Adriana Moura, Luísa
Sousa, Ana Catarina Ramos.
Erros ortográficos não contam XD já basta a dor que sinto quando os encontro.

É mesmo importante que ajudes a encontrar os erros!

Já estão todas as aulas! Bom estudo!

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