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O respeito às diferenças existentes entre cada ser humano constitui pressuposto de uma
sociedade democrática que, como tal, reconhecendo a singularidade de cada indivíduo e a
complexidade que disso emerge, assegura-lhe direitos e garantias que, em verdade, são inerentes
a toda e a qualquer pessoa.
Com efeito, a liberdade atinente à orientação sexual de cada pessoa, assim como, por exemplo, a
sua liberdade de consciência, de pensamento e de expressão, encontra inquestionável guarida na
esfera dos direitos humanos fundamentais, porquanto intrínseca e visceralmente ligada ao
indivíduo.
Partimos da premissa óbvia de que um ser humano, em toda sua particularidade, ostenta
qualidades próprias, que lhe são indissociáveis, e que possui gosto e preferências próprios, jamais
subtraídos pela opinião alheia. Daí soar evidente que eventual tentativa de constrangê-lo a
"optar" por aquilo que não se coaduna com uma simples "opção", ofenderia a sua dignidade como
pessoa, atentaria contra suas preferências e afeições, contrastando, ademais, com a diversidade
natural havida entre os seres humanos em suas respectivas predileções.
Urge destacar que a República Federativa do Brasil possui como um de seus objetivos
fundamentais promover o bem de todos, sem qualquer espécie de discriminação (art. 3°, IV, da
CRFB), sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana (fundamento da República ¿
art. 1°, III, da CRFB) e o princípio da igualdade (art. 5°, caput, da CRFB) impõem o respeito social à
diversidade e obstam que a realidade vivenciada por uma pessoa que se relaciona sexual e
afetivamente com outra do mesmo sexo seja ignorada pelo Estado, porquanto, necessariamente,
aos pares homoafetivos deve ser assegurada a mesma proteção conferida às pessoas que
preferem constituir família com alguém do sexo oposto, em virtude dos princípios aludidos, e, por
óbvio, porque isso expressa autonomia de vontade, tendo o ser humano liberdade para dispor da
própria sexualidade.
Ademais, preconiza a Carta Magna que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do
Estado (art. 226, caput), e que é livre o planejamento familiar (art. 226, §7°).
No entanto, a despeito de tantas garantias inseridas na Carta Magna, são fatos corriqueiros a
discriminação, a humilhação e, não poucas vezes, a violência física, praticadas por seres humanos
contra outros seres humanos, em razão, simplesmente, da "colisão" entre suas orientações
sexuais.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, no ano de 2011 foram
denunciados ao poder público federal 515 casos de homofobia ocorridos no Estado do Rio de
Janeiro, e noticiados, na imprensa, 25 casos de violações cometidas em face do segmento LGBT,
além de 20 casos de homicídio. (Fonte: Relatório Sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano 2011
- elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2013).
No ano de 2011, segundo consta do Relatório mencionado, o Rio de Janeiro foi o terceiro Estado
onde mais houve casos de homofobia, ficando atrás apenas de São Paulo e de Minas Gerais.
Em face da violência verificada, é imperioso frisar e repisar que, pelo ordenamento jurídico
vigente, cada pessoa, em sua intimidade, com o consenso de outrem que tenha a plena capacidade
de discernimento, com quem venha a se relacionar sexualmente, e desde que não incida em
nenhum crime, possui a plena liberdade de escolha do ato libidinoso. Assim, se tal prática sexual
em nenhum momento afeta a vida de terceiro, a pura discriminação denota ato de "imposição de
preferência", que faz transbordar o mar do desarrazoado.
De outro lado, cumpre sublinhar e enaltecer que não somente as preferências de cada pessoa, mas
também a aparência por ela externada em nada atingem diretamente a vida de terceiro que,
porventura, não sinta agrado por aquela aparência. Vale dizer e reconhecer que somos desiguais,
em nossa igualdade.
Apenas a título de ilustração, vale trazer a lume outras duas decisões do Supremo Tribunal
Federal, quando a questão em voga foi enfrentada por cada uma das duas Turmas, após o decisum
do Plenário, ocasiões em que, novamente, o Pretório Excelso apresentou fundamentos
irretocáveis:
No tocante ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o Superior Tribunal de Justiça
decidiu, com fundamentos incriticáveis,
em julgamento de recurso especial, que pessoas homossexuais podem casar-se:
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias
multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente
em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da
união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado
melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado
melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos
pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela
optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as
famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos
axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade
das pessoas de seus membros e o afeto.
8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não
vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se
enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros
princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da
dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.