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No mundo atual, escrever é sempre im- estudo das obras literárias, mas também com-
portante, necessário e freqüente. Mostrar que preender e avaliar a evolução da nossa pró-
você sabe comunicar-se (bem), usando a es- pria língua e as diferentes estéticas que dela se
crita, é um dos fundamentos da capacidade de apossaram para, ou permitir a manutenção das
ser e realizar, da cidadania e da competência. normas sociais vigentes, ou sutilmente relatar
A tão propalada era do computador que, muitos suas agruras ou, mais freqüentemente rebater
afirmavam, iria diminuir drasticamente a ne- e revolucionar essas normas a partir da escri-
cessidade de papel e de escrever, fez o inver- ta. Houve e há diferentes "estratégias" de ex-
so: nunca tanta informação e conhecimento pressão da língua, que enriqueceram e inseri-
circularam entre tantas pessoas e de modo tão ram essa cultura literária no contexto mundial,
rápido, nunca as pessoas se comunicaram desde os primórdios da literatura portuguesa
tanto (via e-mails, chats, impressos etc), fa- até finalmente chegarmos a uma literatura de
zendo com que todos escrevamos mais e mais. caráter efetivamente brasileiro.
Apesar de tantas inovações trazidas pela Foi pensando em levar ao seu conheci-
era da modernidade, algo certamente perma- mento toda a trajetória de nossos principais
nece incólume nos dias atuais: a relevância da autores e obras de língua portuguesa que ela-
tradição literária em língua portuguesa. A partir boramos esse prático e indispensável Manual
de dois paises, Portugal e Brasil, unificados de Literatura, para auxiliá-lo na análise e com-
pela expansão marítima e econômica iniciada preensão do contexto em que se manifestaram
no século XV, edificou-se uma gama forte e os principais movimentos e escolas literárias,
admirável de obras que revelaram, literaria- no Brasil e em Portugal, e quais suas contribui-
mente, os costumes, as angústias, as con- ções e influências na literatura do século XX.
quistas e derrotas de conjuntos sociais que Através de uma visão concisa, mas sólida e
igualmente ascenderam e decaíram ao longo bem fundamentada, este guia vai ajudá-lo a
da história. enfrentar as questões de vestibulares das prin-
É certo que não apenas esse descompro- cipais faculdades e universidades do país.
missado caráter documental torna relevante o Aproveite o estudo e boa sorte!
índice
Arcadismo 43
Resumo do Arcadismo 50
Introdução 1
Romantismo 51
Panorama da Literatura
Primeira Geração 52
Portuguesa 2
Segunda Geração 60
O que é Literatura? 3
Terceira Geração 63
Onde se iniciou a Literatura? 6
Resumo do Romantismo 65
Antigüidade Clássica 6
Realismo 66
A Ilíada e a Odisséia 6
Resumo do Realismo-
Principais autores 8 Naturalismo 84
Idade Média 10 Simbolismo 85
As cantigas 10 Resumo do Simbolismo 94
Novelas de cavalaria 14 Modernismo 95
Resumo do Trovadorismo 18 Primeira Geração
Humanismo 19 (1915-1927) 96
Segunda Geração
A poesia palaciana 21
(1927-1940) 109
O teatro popular 21
Terceira Geração
Resumo do Humanismo 26
(1940 até os dias atuais) 111
Renascimento 27 Resumo do Modernismo 115
Resumo do Renascimento .... 34 A Narrativa do Pós-Guerra 116
Barroco 35 A Poesia do Pós-Guerra 122
A estética barroca 35 Questões de vestibulares 123
Resumo do Barroco 42 Respostas 158
Resumo do Realismo-
Naturalismo 239
Introdução 160 Parnasianismo 241
Quinhentismo 161 Resumo do Parnasianismo.. 248
Literatura Informativa 161 Simbolismo 249
A literatura jesuítica 165 Resumo do Simbolismo 253
Influências posteriores da Pré-Modernismo 254
literatura informativa 167 Resumo do Pré-
Resumo do Quinhentismo ... 168 Modernismo 253
A Literatura teve sua origem mais Então, o autor cria ficção, ao fugir
ou menos paralela ao surgimento da da realidade, mas não da contextuali-
escrita, há milhares de anos atrás, cria- dade. Em sua obra literária, são encon-
da pelo homem com o objetivo de con- trados os elementos essenciais - con-
servar a sua história através de epopéi- teúdo, que é a mensagem da obra, as
as e lendas, e controlar a natureza, cri- idéias que o autor quer transmitir; e for-
ando-se os mitos e religiões. ma que é como o autor empregou a pala-
vra para elaborar seu texto.
Em recentes pesquisas de estudio-
sos e historiadores, descobriu-se que a Diante destas colocações, é neces-
Literatura é anterior à escrita. Certas len- sário ressaltar que a Literatura se cons-
das e canções eram feitas oralmente e, titui de três gêneros literários, neste ca-
neste caso, não existia um autor espe- pítulo brevemente definidos, mas sem-
cífico - a literatura era oral, anônima e pre retomados ao longo deste trabalho.
coletiva. Somente com o surgimento da
• Gênero lírico - trata-se de uma re-
escrita é que a Literatura tomou forma e
velação subjetiva de uma exposição
ganhou a figura do autor.
dos sentimentos humanos, como a
Literatura nada mais é do que uma alegria, a tristeza, o amor, a inquieta-
combinação de palavras com uma inten- ção, a fatalidade etc. Este gênero
ção estética, cujos gêneros podem ser apresenta-se em versos.
classificados em epopéia, poema e teatro.
Exemplo de um texto lírico:
Ao combinarem-se as palavras, al-
cança-se novos significados (metáfo-
Motivo
ras), sobre os quais o escritor acaba Eu canto porque o instante existe
criando sua própria realidade através
E a minha vida está completa
da imaginação. Portanto, dizemos que
Não sou alegre nem sou triste:
a Literatura é invenção, e o autor culti-
va essa realidade imaginária através Sou poeta.
de situações básicas da vida, sua vi-
são do mundo, seu talento e sua sensi- Irmão das coisas fugidias.
bilidade. Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
É pelo contentamento (ou não) com
realidade que o autor procura descre- No vento.
ver a vida através de uma linguagem
pessoal, porém se preocupando com a Se desmorono ou se edifico,
compreensão do leitor. Se permaneço ou me desfaço,
— 4 —
- não sei, não sei. Não sei se fico digo. Confiança - o senhor sabe - não
se tira das coisas feitas ou perfeitas:
ou passo.
ela rodeia é o quente da pessoa. E
Sei que canto. E a canção é tudo. despaireci meu espírito de ir procurar
Otalícia, pedirem casamento, mandado
Tem sangue eterno e asa ritmada.
de virtude. Fui logo, depois de ser cin-
E um dia sei que estarei mudo: za. Ah, a algum, isto é que é, a gente
- mais nada. tem de vassalar. Olhe: Deus como es-
MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. 3ª. ed. Rio de condido, e o diabo sai por toda parte
Janeiro: Ed. Do Autor, 1963, p. 7. lambendo o prato... Mas eu gostava de
Diadorim para poder saber que estes
• Gênero épico - trata do mundo ex- gerais são formosos.
terior e das relações do homem com
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 8ª ed.
este mundo. Este gênero é mais ob- Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1972, p. 45.
jetivo e há a predominância de um
narrador que conta um fato, num am- • Gênero dramático - trata-se do gê-
biente dotado de elementos como: nero em que os personagens falam di-
tempo, espaço, personagem e ação. retamente, expondo seus dramas e con-
O personagem, na sua totalidade, é flitos. O texto dramático é feito para a
um herói que exemplifica todo o he- encenação teatral, ou seja, é represen-
roísmo e qualidades de um povo. tado por atores, que encarnam os per-
sonagens.
Exemplo de um texto épico:
Exemplo de um texto dramático:
Grande sertão: veredas
(fragmento) A Ceia dos Cardeais
Esbandalhados nós estávamos, (fragmento)
escatimados naquela esfrega. Esmo-
recidos é que não. Nenhum se lastima- Cardeal Rufo, acercando-se também
va, filhos do dia, acho mesmo que nin- do Cardeal Gonzaga
guém se dizia dar por assim. Jagunço é Em que pensa, cardeal?
isso. Jagunço não se escabreia como
perda nem derrota - quase que tudo Cardeal Gonzaga, como quem
para ele é o igual. Nunca vi. Para ele a acorda, os olhos cheios de brilho, a
vida já está assentada: comer, beber, expressão transfigurada
apreciar mulher, brigar, e o fim final. E
Em como é diferente o amor de Por-
todo mundo não presume assim? Fa-
tugal!
zendeiro, também? Querem é trovão em
outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo Nem a frase sutil, nem o duelo san-
que eu mesmo, do que mal houve, me grento...
esquecia. Tornava a ter fé na clareza É o amor coração, é o amor senti-
de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, mento.
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Idade Média
Ai Deus, que me-a fizestes mais ca GUILHADE, J. Garcia de Apud Amora, A S. Etalli.
Presença da Literatura Portuguesa. São Paulo: Difusão
[mim amar, Européia do Livro, 1 9 6 1 , p. 52.
Mostrade-me-a u possa com ela
[falar, No poema acima, a linguagem é sim-
Se non dade-me-a morte. ples, direta, agressiva; predomina a zom-
baria aberta.
Neste período também surgiram can-
tigas satíricas, nas quais os trovadores Cantiga de Maldizer
portugueses criticavam ou ridicularizavam (Duarte da Gama)
situações do cotidiano. Esse tipo de can-
tiga divide-se em cantigas de maldizer, na Nam sey que possa viuer
qual se falava mal de pessoas conheci- Neste rreyno já contente,
das, através de um vocabulário de baixo
Poys a desorden na gente
calão; e cantigas de escárnio, onde se
Nã quer layxar de creçer.
fazia crítica às pessoas, de maneira irô-
nica, porém, sem citação de nomes. A qual vay tam sem medida,
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Aquel dia que vos eu digo, direita- veerem ca por al - deles por vos veerem
mente quando queriam poer as mesas - e deles por averem vossa companha?
esto era ora de noa - aveeo que üa
- Senhor, - disse el - nom vou
donzela chegou i, mui fremosa e mui bem
senam a esta foresta com esta donzela
vestida. E entrou no paaço a pee, como
que me rogou; mais eras, ora de terça,
mandadeira. Ela começou a catar de üa
seerei aqui.
parte e da outra, pelo paaço; e pergun-
tavam-na que demandava. Entom se saio Lançarot do Lago e
sobio em seu cavalo, e a donzela em
- Eu demando - disse ela - por Dom
seu palafrem; e forom com a donzela
Lançarot do Lago. É aqui?
dous cavaleiros e duas donzelas. E quan-
- Si, donzela - disse üu cavaleiro. do ela tornou a eles, disse-lhes:
Veede-lo: stá aaquela freesta, falando
- Sabede que adubei o por que viim:
com Dom Gualvam.
Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele,
Entam se filharom andar e entraram
tanto que a vio, recebeo-a rnui bem e na foresta; e nom andaram muito per ela
abraçou-a, ca aquela era üa das don- que chegaram a casa do ermitam que
zelas que moravam na Insoa da Lediça, soía a falar com Gualaz. E quando el vio
que a filha Amida del-rei Peles amava Lançarot ir é a donzela, logo soube que
mais que donzela da sua companha i. ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou
sua irmida por ir ao mosteiro das donas,
- Ai, donzela! - disse Lançalot -
ca nom queria que se fosse Gualaaz
que ventura vos adusse aqui, que bem
ante que o el visse, ca bem sabia que,
sei que sem razom nom veestes vós?
pois se el partia dali, que nom tornaria i,
- Senhor, verdade é; mais rogo- ca lhe convenria e, tanto que fosse ca-
vos, se vos aprouguer, que vaades co- valeiro, entrar aas venturas do reino de
migo aaquela foresta de Camaalot; e Logres. E por esto lhe semelhava que o
sabede que manhãa, ora de comer, avia perdudo e que o nom veeria a
seeredes aqui. meude, e temia, ca avia em ele mui gran-
de sabor, porque era santa cousa e san-
- Certas, donzela - disse el - mui- ta creatura.
to me praz; ca teúdo e soom de vos
fazer serviço em tôdalas cousas que Quando eles cheguarom aa aba-
eu poder. dia, levaram Lançarot pera üa câmara,
e desarmarom-no. E vèo a ele a aba-
Entam pedio suas armas. E quando
dessa com quatro donas, e adusse con-
el-rei vio que se fazia armar a tam gram
sigo Gualaaz: tam fremosa cousa era,
coita, foi a el com a raia e disse-lhe:
que maravilha era; e andava tam bem
- Como leixar-nos queredes a atai vesàdo, que nom podia milhor. E a aba-
festa, u cavaleiros de todo o mundo dessa chorava muito com prazer. Tanto
veem aa corte, e mui mais ainda por vos que vio Lançarot, disse-lhe:
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vam muito mais formosos. De tão maravi- percebesse quem o conduzia nem por
lhados que estavam não conseguiam falar. qual porta saíra. Então os cavaleiros reto-
Apenas se olharam. E nesse momento en- maram a voz e começaram a dar Graças a
trou no palácio o Santo Graal, envolto por Nosso Senhor, que tão grande e honra lhes
um veludo branco, sem que ninguém con- dera, confortando-os com a graça do San-
seguisse ver quem o trazia. Tão logo o to Vaso. Mas, mais alegre que todos esta-
Santo Graal penetrou no palácio, este se va o rei Artur, porque maior graça lhe pro-
cobriu de um odor tão agradável como se porcionara Nosso Senhor que a qualquer
os mais finos perfumes aí tivessem sido outro rei que anteriormente houvesse rei-
derramados. E ele percorreu o palácio de nado sobre Logres. E disse aos que com
ponta a ponta, detendo-se ao redor de ele estavam:
cada uma das mesas. E estas, à sua pas-
sagem, cobríam-se dos mais deliciosos — Amigos, devemos nos conside-
manjares, despertando o apetite e o pra- rar imensamente felizes, pois Deus nos
zer de todos. Depois que cada um se ser- mostrou tão grande sinal de amor, ali-
viu, o Santo Graal desapareceu da mesma mentando-nos, nesta festa de Pentecos-
forma como entrara: sem que ninguém tes, de seu santo celeiro.
— 18 —
Resumo do Trovadorismo
disser que muitos forom ja que tanto e ca ella viinha em huumas andas, muito
mais que el amaram, assi como Adriana bem corregidas pera tal tempo, as
e Dido, e outras que nom nomeamos, quaaes tragiam gramdes cavalleiros,
segumdo se lee em suas epistolas, acompanhadas de gramdes fidalgos, e
respomdesse que nom falíamos em amo- muita outra gente, e donas, e domzellas,
res compostos, os quaaes alguuns au- e muita creelezia. Pelo caminho estavom
tores abastados de e l o q u e m c i a , e muitos homeens com çirios nas maãos,
floreçentes em bem ditar, hordenarom de tal guisa hordenados, que sempre o
segumdo lhes prougue, dizemdo em seu corpo foi per todo o caminho per
nome de taaes pessoas, razoões que antre çirios acesos; e assi chegarom
numca nenhuuma delias cuidou; mas ataa o dito moesteiro, que eram dalli
falíamos daquelles amores que se con- dezassete legoas, omde com muitas mis-
tam e lêem nas estórias, que seu sas e gram solenidade foi posto em aquel
fumdamento teem sobre verdade. Este muimento: e foi esta a mais homrrada
verdadeiro amor ouve eIRei Dom Pedro trelladaçom, que ataa aquel tempo em
a Dona Enes como se delia namorou, Portugal fora vista. Semelhavelmente
seemdo casado e aimda Iffamte, de gui- mandou eIRei fazer outro tal muimento e
sa que pero dela no começo perdesse tam bem obrado pera si, e fezeo poer
vista e falia, seemdo alomgado, como acerca do seu delia, pera quamdo se
ouvistes, que he o principal aazo de se aqueeçesse de morrer o deitarem em
perder o amor, numca cessava de lhe elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo
emviar recados, como em seu logar de sua postumeira door, e jazemdo
teemdes ouvido. Quanto depois traba- doemte, nembrousse como depois da
lhou polia aver, e o que fez por sua mor- morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coe-
te, e quaaes justiças naquelles que em lho, el fora certo, que Diego Lopes
ella forom culpados, himdo contra seu Pachequo nom fora em culpa da morte
juramento, bem he testimunho do que de Dona Enes, e perdohou-lhe todo quei-
nos dizemos. E seemdo nembrado de xume que dei avia, e mandou que lhe
homrrar seus ossos, pois lhe ja mais emtregassem todos seus beens; e assi
fazer nom podia, mandou fazer huum o fez depois eIRei Dom Fernamdo seu
muimento dalva pedra, todo mui sotillmen- filho, que lhos mandou emtregar todos,
te obrado, poemdo emlevada sobre a e lhe alçou a semtemça que eIRei seu
campãa de cima a imagem delia com padre comtra elle passara, quamto com
coroa na cabeça, como se fora Rainha; dereito pode. E mandou eIRei em seu
e este muimento mandou poer no testamento, que lhe tevessem em cada
moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada huum ano pera sempre no dito mosteiro
hu jazem os Reis, mas demtro na egreja seis capellaaens, que cantassem por el
ha maão dereita, acerca da capella moor. e lhe dissessem cada dia huuma missa
E fez trazer o seu corpo do mosteiro de oficiada, e sahirem sobrei com cruz e
Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho augua beemta; e eIRei Dom Fernamdo
mais homrradamente que se fazer pode, seu filho, por se esto melhor comprir e
— 21 —
O poeta critica o comportamento hu- Eis que chega a primeira alma para
mano com finalidade moralizadora, em- a viagem. É Dom Henrique, o Fidalgo,
bora de maneira cômica, com o uso de acompanhado por um criado que trans-
prosopopéias (Todo Mundo e Ninguém), porta uma cadeira e carrega um manto
satirizando o comportamento humano. para seu Senhor. Assim como outros
personagens, o Fidalgo argumenta con-
Auto da Barca do Inferno
tra sua ida para o Inferno, considera
Publicado em 1517, foi encenada que a barca não é digna de sua nobre
pela primeira vez na câmara da rainha D. pessoa. O Diabo procura ironizar os
Maria de Castela, na presença do rei D. diversos argumentos do nobre, dizendo
Manuel I e de sua irmã D. Leonor, a Rainha que uma vida cheia de prazeres e peca-
Velha. O Auto da Barca do Inferno tem dos só podia resultar em punição.
como cenário fixo duas embarcações, num
porto imaginário para onde vão as almas O Fidalgo reporta-se à barca do
no instante em que morrem. Uma barca é Anjo. Alega direito de embarcar por per-
representada por um Anjo, simbolizando tencer a uma boa linhagem, mas era
o Paraíso e a outra é representada pelo muito tirano e vaidoso. Seu esforço foi
diabo, simbolizando o Inferno. A ação se em vão e, retornando à barca do Infer-
desenrola a partir da chegada dos perso- no, quer demonstrar força moral ao re-
nagens no porto, procurando encontrar a conhecer que vivera erroneamente.
passagem para a vida eterna. Na peça,
os personagens serão julgados segundo Chega o Onzeneiro, carregando
as obras que realizaram em vida. seus bolsões de dinheiro. Recusa-se a
embarcar quando toma conhecimento do
A obra apresenta-se com versos destino da barca, mas o Diabo, sarcás-
redondilhos, rimas, símbolos e metáfo- tico, se faz de espantado e ironiza o
ras. Os personagens são considerados fato de o dinheiro do Onzeneiro não ter
tipos sociais - a nobreza, o clero e o
servido para salvá-lo da morte. Procura
povo. Além da oposição do Bem X Mal,
então a barca do Anjo, pedindo-lhe que
Céu X Inferno, o Anjo e o Diabo assu-
o deixasse entrar, pois queria mesmo
mem posturas também opostas, fazen-
era o Paraíso. Seu pedido é recusado
do com que a simpatia e a ironia do Dia-
quando o Anjo vê seus bolsões, afir-
bo domine toda a peça.
mando que estavam tão cheios de di-
(resumo) nheiro que tomariam todo o espaço do
navio. Desconsolado, o Onzeneiro en-
Num braço de mar, onde estão an- tra na barca infernal, cumprimentando
coradas duas barcas, chegam as almas com respeito o Fidalgo, que lá já estava,
de representantes de várias classes so- aguardando a triste partida.
ciais e profissionais. Uma das barcas di-
rige-se ao Purgatório ou ao Inferno; a Joane, personagem caracterizado
outra, ao Paraíso. A primeira será tripula- como o Parvo, conversa com o Diabo e
da pelo Diabo e seu Companheiro; a ou- começa a praguejá-lo quando descobre
tra, por um Anjo. o destino de sua barca; entra em territó-
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rio do Anjo porque - assim lhe haviam quanto representante da Santa Madre
dito - o reino do Céu seria dos pobres. Igreja, mas nada consegue, nem sequer
Para o Anjo, os atos do bobo eram fruto uma resposta do Anjo. Volta à barca do
de uma doença, sendo provas de ino- Diabo ridicularizado pelo Parvo, que lhe
cência e não sua sagacidade. Irá ao pergunta se furtara o facão.
Paraíso, portanto, o Parvo, passageiro
do barco que vai à Glória! Mas antes de Assim que o Frade e sua amante
entrar, mantém-se ao lado do Anjo, para são embarcados, chega uma alcovitei-
ajudar na avaliação dos próximos pas- ra, Brísida Vaz, que se recusa a entrar
sageiros. na barca. Representa a mais terrível das
almas penadas, passara a vida alician-
Chega ao barco do Inferno um Sa- do meninas para padres.
pateiro, com suas ferramentas de ofí-
A Alcoviteira dirige-se à barca do
cio. Aparentemente, um bom trabalha-
Anjo, que se nega ouvi-la, alegando que
dor. Quando é convidado pelo Diabo a
é uma pessoa inoportuna. Brísida, en-
embarcar, tenta repeli-lo com o argumen-
tão, volta à barca do Diabo, pedindo-lhe
to de que morrera comungado e con-
fessado. Que bom cristão parece ser! a prancha e embarcando nela.
Mas o Diabo responde que foi excomun- Depois da Alcoviteira, chega o Ju-
gado por omissão de seus pecados, pois deu com um bode às costas. O Diabo
roubava seus fregueses ao cobrar pe- nega-se a embarcar o animal, mas o
los serviços prestados. Não contente, Judeu tenta suborná-lo com alguns tos-
dirige-se à barca do Anjo e é barrado; tões, sem muita discussão, é rebocado
explicação: o lugar de quem rouba na pela barca do Inferno.
praça é no barco que vai ao Demo. De
nada adiantava ter ido à missa se ao Então chega a vez do Corregedor;
mesmo tempo havia roubado, cobrado carregado de processos, aproxima-se
preços extorsivos. Assim, o Sapateiro da barca do Inferno. Recusa-se a rumar
se dirige a outra barca, aceitando seu para destino tão cruel, tentando defen-
destino. der-se, mas é desmascarado pelo Dia-
bo, que expõe o recebimento de propi-
Chega então um Frade, trazendo nas através de sua mulher. Para se de-
uma moça pela mão: sua amante, Flo- fender, o Corregedor culpa sua própria
rença. Com ela, traz um broquel, uma esposa, mas o esforço é em vão.
espada e um capacete, representando
sua paixão pelo esporte. Enquanto o Corregedor conversa
com o Diabo, chega um Procurador cheio
O Frade tenta convencer o Diabo de livros; ambos se recusam a entrar no
de sua inocência, ensinando-lhe a arte barco do Diabo, chamando pelo Anjo e
da esgrima, mas seu esforço é em vão. dirigindo-se até ele. O Anjo roga praga
Não contente, busca a barca do Anjo aos documentos jurídicos que carregam
para tentar defender seus direitos en- e os manda de volta.
— 25 —
Resumo do Humanismo
Renascimento
Teve seu início no século XV e es- logo. Além do poema épico, Camões fi-
tendeu-se até meados do século XVI e cou conhecido por seus poemas líricos,
é marcado pela supervalorização do ho- em que buscava o amor espiritual e ex-
mem e pelo antropocentrismo, em opo- punha as contradições do coração. Sua
sição ao teocentrismo e misticismo. poesia lírica toma dois sentidos: popular
(redondilhas) e erudita (sonetos).
Há uma retomada das idéias greco-
romanas; o artista não se contenta em
apenas observar a natureza, mas pro- A poesia lírica de Camões
cura estudá-la e imitá-la; valoriza-se a
individualidade do artista, em contraposi- Soneto
ção à coletividade das obras clássicas.
Transforma-se o amador na
O Renascimento em Portugal deu- [cousa amada,
se no período de 1527 a 1580, com o Por virtude do muito imaginar;
retorno do poeta Sá de Miranda após seus
Não tenho logo mais que desejar,
estudos na Itália, trazendo inovações de
poetas italianos. Porém, foi com Luís de Pois em mim tenho a parte desejada.
Camões que ocorreu o aprimoramento
Se nela está minha alma
dessas novas técnicas poéticas.
[transformada,
Este período ficou conhecido como
Que mais deseja o corpo de
Classicismo e os escritores introduziram
em suas obras temas pagãos, além do [alcançar?
ideal do amor platônico, a exaltação do Em si somente pode descansar,
antropocentrismo, a imitação de autores
Pois consigo tal alma está liada.
clássicos, a predominância da ciência e
da razão, o uso da mitologia, clareza e Mas esta linda e pura semidéia,
objetividade, uso de linguagem simples e
Que, como o acidente em seu sujeito,
precisa, o culto da beleza e da perfeição.
Assim com a minha alma se conforma,
fala sobre D. Henrique de Borgonha, pai vência do ideal das cruzadas, a super-
do fundador de Portugal; menciona al- valorização do homem, a exaltação da
guns episódios da história de Portugal, aventura, a busca de novos horizon-
como o de Egas Moniz, a batalha de tes e a presença da mitologia.
Aljubarrota, a tomada da cidade de Ceuta
"As armas e os barões assinalados
no norte da África e outros.
que da ocidental praia lusitana,
Relembra os fatos que antecede-
por mares nunca dantes navegados
ram sua partida de Lisboa, os preparati-
vos da viagem; a conversa com o velho passaram ainda além da Taprobana.
do Restelo; por último as primeiras aven-
E em perigos e guerras esforçados,
turas à beira-mar: o fogo de Santelmo, a
tromba marinha, a aventura de Veloso, o Mais do que prometia a forca humana,
Gigante Adamastor e, finalmente, a che- Entre gente remota edificaram
gada a Melinde.
Novo reino, que tanto sublimaram;
Terminado o relato, Vasco da Gama
prossegue em sua viagem marítima. Baco E também as memórias gloriosas
resolve falar com Éolo, deus dos ventos, Daqueles Reis que foram dilatando
para prejudicar a frota com uma forte A fé, o Império, e as terras viciosas
ventania, no entanto, Vénus novamente
De África e de Ásia andaram
protege os navegadores enviando ninfas
amorosas para levar a calmaria. [devastando
E aqueles que por obras valerosas
Fim da tormenta. A frota portugue-
sa chega à salvo a Calicute, na índia, e Se vão da lei da morte libertando:
são recebidos por Samoriam. A bordo, Cantando espalharei por toda
Paulo da Gama recebe o Catual e deci- [parte,
fra-lhe o significado dos desenhos nas Se a tanto me ajudar o engenho e
bandeiras. [arte".
"Não mais musa, não mais, Contra uma fraca dama delicada?
Resumo do Renascimento
Barroco
"É um estilo voltado para a alusão (e restaurar um clima de religiosidade, con-
não a cópia) e para a ilusão enquanto trário às idéias da antigüidade clássica.
fuga da realidade convencional. Se par-
Estes fatores fizeram com que o
tirmos da exegese (interpretação) do
homem conciliasse os valores medie-
estilo barroco em termos de crise defen-
vais (teocentrismo) com os valores re-
siva da Europa pré-industrial, aristocráti-
nascentistas (antropocentrismo).
ca e jesuítica (Espanha e Portugal), pe-
rante o avanço do racionalismo burguês Essa situação contraditória provo-
(Inglaterra, Holanda, França), então en- cou o aparecimento de atitudes igual-
tenderemos o quanto de angústia, de mente contraditórias do artista face ao
desejo de fuga e de ilimitado subjetivismo mundo, à vida e a si mesmo.
havia nestas formas. E entenderemos
também a imagem barroca da vida como
um sonho, como uma comédia, como um
labirinto, um jogo de espelhos, uma festa:
A estética barroca
o triunfo da ilusão".
(Alfredo Bosi) O Barroco opõe-se à estética clás-
sica: superfície X profundidade, forma
Surgiu no final do século XVII e inicio fechada X forma aberta, multiplicidade
do século XVIII na Espanha e se expandiu X unidade.
por toda a Europa. O movimento barroco
inicia-se, em Portugal, em 1580, com a O homem barroco foge das coisas
morte de Camões e termina com a funda- e sentimentos contraditórios que envol-
ção da Arcádia Lusitana. Está relaciona- vem a natureza humana, exaltando os
do à Contra-Reforma. valores cristãos - o homem volta-se
para Deus.
O século XVII é um período de gran-
des conflitos e contradições. A situação Podemos encontrar dois tipos de es-
de instabilidade política e a decadência tética barroca: a gongórica e a conceptista.
econômica nos países europeus foram
A estética gongórica está preocu-
fatores importantes para o surgimento
pada com a descrição das coisas. É fre-
deste movimento artístico.
qüente o uso de figuras de linguagem
O Barroco é fruto de um período em como a antítese, a metonimia, o parado-
que o conservadorismo da Igreja se inten- xo, o assíndeto, a metáfora, o simbolismo,
sifica, reagindo contra a inovação da épo- a sinestesia, a hipérbole e a catacrese,
ca e os valores burgueses, como o amor, além do uso de neologismos. Preocupa-
o luxo, o dinheiro etc. Procura-se, então, se com uma linguagem bem trabalhada.
— 36 —
Fermoso Tejo meu, quão diferente Se só por ser de mim tão receada,
Te vejo e vi, me vês agora e viste: Com dura execução me tira a vida
Que fará se chegar a ser sabida?
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Que fará se passar de suspeitada?
Claro te vi eu já, tu a mim contente.
Porém se já me mata, sendo incerta,
A ti foi-te trocando a Somente imaginá-la e presumi-la,
[grossa enchente Claro está (pois da vida o fio corta)
A quem teu largo campo não resiste;
O que fará depois quando for certa:
A mim trocou-me a vista
- ou tornar a viver, para senti-la,
[em que consiste
ou senti-la também depois de morta.
O meu viver contente ou descontente.
/
Já que somos no mal participantes,
Se apartada do corpo a doce vida,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Domina em seu lugar a dura morte,
Que fôramos em tudo semelhantes!
De que nasce tardar-me tanto a
[morte
Mas lá virá a fresca primavera;
Se ausente da alma estou, que me
Tu tornarás a ser quem eras de
[dá vida?
[antes,
Eu não sei se serei quem de antes Não quero sem Silvano já ter vida,
[era. Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a
[morte,
Sóror Violante do Céu
Perca-se por Silvano a minha vida.
(1601-1693)
Ah! suspirado ausente, se esta
Produziu poemas marcados pelo [morte
sentido passional, pelas imagens sutis Não te obriga querer vir dar-me vida,
e pela veemência. Depois de entrar para Como não ma vem dar a mesma
o convento, impregna suas poesias de [morte?
cunho religioso. Sua principal obra foi
Rimas Várias. Mas se na alma consiste a própria
[vida,
Amor, se uma mudança imaginada Bem sei que se me tarda tanto a
É já com tal rigor minha homicida, [morte,
Que será de passar de ser temida, Que é porque sinta a morte de tal
A ser, como temida, averiguada? [vida.
— 38 —
//
Frei Luís de Sousa
Se era brando o rigor, firme a
[mudança,
(1555-1632)
Humilde a presunção, vária a Historiador rigoroso, escreveu Histó-
[firmeza, ria de São Domingos e Anais de D. João III.
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a
[confiança.
Sóror Mariana Alcoforado
(1640-1723)
Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza, Escreveu Cartas Portuguesas em
1669, atribuídas a um amor proibido, uma
Lhana a ficção, sofística a
paixão violenta, incontrolada e não cor-
[lhaneza,
respondida por um militar, o capitão Cha-
Áspero o amor, benigna a milly.
[esquivança;
Nestas cinco cartas, a consciên-
Será merecimento a indignidade, cia moral é suplantada pelo sentimento
Defeito a perfeição, culpa a amoroso e pela ânsia de esquecer uma
[defensa, relação pecaminosa, mas que ainda as-
sim era ardentemente desejada.
Intrépido o temor, dura a piedade,
Era voltado para a poesia lírica, a Pois que! A tua ausência, para que
historiografia, o teatro e a prosa filosófi- a minha dor não acha nome bastante
ca e moralizante. Sua principal obra foi triste, há de privar-me para sempre de
Carta de Guia aos Casados, que retra- me mirar nos teus olhos, onde eu via
ta as relações conjugais de forma irôni- tanto amor, que me enchiam de alegria,
ca e humorística. que eram tudo para mim?
— 39 —
são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; acaba. Atreve-se o tempo a colunas de
os vivos pó levantado, os mortos pó caído; mármore, quanto mais a corações de
os vivos pó com vento, e por isso vão; os cera? São as afeições como as vidas,
mortos pó sem vento, e por isso sem vai- que não há mais certo sinal de haverem
dade. Esta é a distinção e não há outra. de durar pouco, que terem durado mui-
to. São as linhas, que partem do centro
Sermões para a circunferência, que quanto mais
continuadas, tanto menos unidas. Por
Há de tomar o pregador uma só
isso os Antigos sabiamente pintaram o
matéria,- há de defini-la para que se co-
amor menino; porque não há amor tão
nheça, há de dividi-la para que se
robusto que chegue a ser velho. De to-
distingüa, há de prová-lo com a Escritu-
dos os instrumentos com que o armou a
ra, há de declará-la com a razão, há de
natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-
confirmá-la com o exemplo, há de am-
lhe o arco, com que já não atira; embota-
plificá-la com as causas, com os efei-
lhe as setas, com que já não fere; abre-
tos, com as circunstâncias, com as con-
lhes os olhos, com que vê o que não via;
veniências que se hão de seguir, com os
e faz-lhe crescer as asas, com que voa
inconvenientes que se devam evitar, há
e foge. A razão natural de toda esta dife-
de responder às dúvidas e há de satis-
rença, é porque o tempo tira a novidade
fazer as dificuldades, há de impugnar e
às cousas, descobre-lhe os defeitos, en-
refutar com toda a força da eloqüência
fastia-lhe o gosto, e basta que sejam usa-
os argumentos contrários, e depois dis-
das para não serem as mesmas. Gasta-
so, há de colher, há de apertar, há de
se o ferro com o uso, quanto mais o amor?
concluir, há de persuadir, há de acabar...
O mesmo amar é causa de não amar, e o
ter amado muito, de amar menos.
Neste sermão, há uma enumeração,
ou seja, uma lista de elementos que ca-
O sermão acima mencionado não
racterizam o ato de pregar, através de
se enquadra, em princípio, como sendo
um tom de oratória, de pregação. Atra- um texto literário, por não se tratar de
vés do conceptismo, Vieira se utiliza de uma poesia, romance, conto, ou novela.
três recursos para a elaboração do ser- Entretanto há uma literalidade por se re-
mão: a escritura, a razão e o exemplo. ferir ao tema Amor.
Vieira também utiliza-se de textos Carta
bíblicos como referencial - fazendo ana-
(fragmento)
logias com o cotidiano.
Senhor, os reis são vassalos de
Sermão do Mandato
Deus e, se os reis não castigam os seus
(fragmento) vassalos, castiga Deus os seus. A cau-
sa principal de se não perpetuarem as
O primeiro remédio que dizíamos, é coroas nas mesmas nações e famílias é
o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz a injustiça, ou são as injustiças, como
esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo diz a Escritura Sagrada; e entre todas
— 41 —
Resumo do Barroco
Arcadismo
O inicio do século XVIII é marcado ras obras seu estilo satírico e anticle-
pela decadência do pensamento barro- rical, criticando ferozmente a Igreja de
co, cujos (atores básicos são: o exage- sua época. Proclamou ódio pelas mo-
ro da expressão barroca, que havia narquias absolutas e sua admiração
cansado o público; a ascensão da bur- pela monarquia liberal inglesa. Suas
guesia supera o domínio religioso; o sur- principais obras foram: Édipo, A Hen-
gimento das primeiras arcádias, enfati- ríada, Cartas Filosóficas, Cândido ou
zando a pureza e a simplicidade. o Otimismo e o Dicionário Filosófico.
dos centros urbanos. A natureza pas- ras e hipérboles deixadas pela es-
sa a ser, então, um refúgio ao homem tética anterior;
civilizado.
6. utiiizam-se da natureza em suas poe-
Sua preocupação prioritária era a sias, tornando-as de aspecto bucó-
de formular uma sociedade mais iguali- lico e ingênuo;
tária. Teve sua fundação no culto das
ciências, da razão e do progresso. 7. dão ênfase à linguagem simples, po-
rém, sem perder a sua nobreza;
De espírito reformista, o Arcadismo
pretende, reformular o ensino, os hábi- 8. possuem uma tendência introspectiva;
tos e as atitudes sociais. Propunha a
restauração da simplicidade na lingua- 9. há o culto excessivo à natureza;
gem, abandonando as figuras de lingua-
gem - antíteses, metáforas, paradoxos 10. a linguagem torna-se melodiosa;
- dando mais ênfase a uma linguagem
direta. 11. usam pseudônimos pastoris. Ex: El-
mano Sadino (Bocage).
Em oposição aos artistas barrocos,
que preferiam a fuga da realidade, o Ar- Este movimento chega a Portugal
cadismo valoriza o tempo presente. em 1756 com a fundação da Arcádia
Lusitana e teve seu término em 1825,
O artista árcade, além de tomar a com a publicação do poema Camões,
vida campestre e suas paisagens como de Almeida Garret.
modelos, incorpora, em suas obras, a
mitologia, usando-se de deuses e he- Com o lema da Arcádia Lusitana de
róis da história grega. cortar as coisas inúteis, os árcades
passam a buscar, então, a simplicidade,
Resumidamente falando, podemos a linguagem mais clara, a metrificação
citar diversas características da arte li- simples e o uso de versos brancos (sem
terária arcadista:
rima).
1. volta aos modelos greco-romanos;
Permanece a presença da mitolo-
2. predominam a razão e a ciência, em gia greco-romana e há uma restaura-
oposição à fé e a religião; ção de alguns escritores como Virgílio,
Horácio, Teócrito, Camões e Sá de Mi-
3. há o retorno ao equilíbrio, reagindo randa.
contra os preceitos barrocos quan-
Com o governo de Marquês de Pom-
to ao desequilíbrio;
bal, há em Portugal uma preocupação em
4. buscam a perfeição da forma; modernizar a sociedade portuguesa e ex-
pulsar os jesuítas do sistema educacional
5. procuram um estilo simples de lin- português. Daí o Marquês de Pombal ser
guagem, despojando-o das metáfo- conhecido como déspota esclarecido.
— 45 —
Resumo do Arcadismo
Romantismo
Movimento artístico que teve seu Principais Características
início em meados do século XVIII, esten-
• volta ao passado para fugir dos con-
dendo-se até metade do século XIX. O
flitos do mundo atual;
tema central desta estética foi a "liber-
dade do indivíduo em relação ao poder • o romântico opõe-se ao modelo clássico;
dominante da aristocracia". Com isto, ex-
• opõe-se à arte de caráter erudito e
terna-se a emoção e o sentimentalismo.
nobre, tornando-se uma arte de cará-
Os românticos buscam uma arte indivi-
ter popular, que valoriza o nacional;
dualista, em que o "eu" torna-se o cen-
tro de tudo. • o indivíduo passa a ser o centro das
atenções, carregado de imaginação e
O nacionalismo, o sentimentalismo, sentimentos;
o subjetivismo e o irracionalismo são
• os românticos cultivavam o naciona-
características marcantes no Romantis-
lismo, que se manifestava na exal-
mo inicial.
tação da natureza pátria, no retorno
O Romantismo busca explicar o ao passado histórico e na criação do
nacionalismo e a valorização do passa- herói nacional (o belo e valente cava-
do, voltando-se ao amor medieval, que leiro medieval);
passa a ser o tema de grandes roman- • cultuam-se os ideais da Idade Média;
ces e poemas.
• promove uma volta ao catolicismo me-
Em Portugal, Almeida Garret inau- dieval;
gurou o movimento com o poema Ca-
• supervalorização das emoções pes-
mões, em 1825. Os primeiros anos do
soais - subjetivismo;
Romantismo em Portugal coincidem com
as lutas civis entre liberais e conserva- • excessiva valorização do eu, geran-
dores, acirradas por uma guerra que do o egocentrismo;
durou dois anos.
• o sentimento passa a predominar so-
Segundo Alfredo Bosi, em História bre a razão;
Concisa da Literatura Brasileira, "o Ro- • a natureza passa a ser o tema poéti-
mantismo expressa o sentimento dos co para o romântico;
descontentes com as novas estruturas:
• a criação é um ato de liberdade;
a nobreza que já caiu, e a pequena bur-
guesia que ainda não subiu: de onde as • fuga à realidade para um mundo ima-
atitudes saudosistas ou reivindicatórias ginário, criado a partir de sonhos e
que pontuam todo o movimento". emoções;
— 52 —
Madalena Madalena
Deixai, deixai, não importa, eu folgo Como se chama?
de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado
quando quiserdes... logo, amanhã... Romeiro
O seu nome, nem o da sua gente
Romeiro nunca o disse a ninguém no cativeiro.
Hoje há de ser. Há três dias que
não durmo nem descanso, nem pousei Madalena
esta cabeça, nem pararam estes pés
Mas, enfim, dizei vós...
dia nem noite, para chegar aqui hoje,
para vos dar meu recado... e morrer
Romeiro
depois... ainda que morresse depois;
As suas palavras, trago-as escri-
porque jurei... faz hoje um ano... quando
tas no coração com as lágrimas de san-
me libertaram, dei juramento sobre a
gue que lhe vi chorar, que muitas vezes
pedra santa do Sepulcro de Cristo...
me caíram nestas mãos, que me corre-
ram por estas faces. Ninguém o conso-
Madalena
lava senão eu... e Deus! Vede se me
Pois éreis cativo em Jerusalém? esqueceriam as suas palavras.
Romeiro Jorge
Era: não vos disse que vivi lá vinte Homem, acabai!
anos?
Romeiro
Madalena
Agora acabo; sofrei que êle tam-
Sim, mas...
bém sofreu muito. Aqui estão as suas
palavras: "Ide a D. Madalena de Vilhena,
Romeiro
e dizei-lhe que um homem que muito bem
Mas o juramento que dei foi que, lhe quis... aqui está vivo... por seu mal...
antes de um ano cumprido, estaria dian- e daqui não pode sair nem mandar-lhe
te de vós e vos diria da parte de quem novas suas de há vinte anos que o trou-
me mandou... xeram cativo".
— 54 —
Romeiro Romeiro
Sim. É aquele, (sem preocupar, e apon-
tando logo para o retrato de D. João)
Madalena
Madalena
Português?... cativo da batalha de?...
Minha filha, minha filha, minha filha!...
Romeiro Estou... estás... perdidas, desonradas...
Alcáler-Quibir infames! Oh! Minha filha, minha filha!...
G A R R E T , Almeida. Lírica incompleta. Lisboa: Arcádia, Para mais realçar a beleza do qua-
1971, p. 368-9.
dro, vê-se por entre um claro das árvo-
res a janela meia aberta de uma habita-
Poema escrito em primeira pessoa,
ção antiga mas não dilapidada - com
retrata uma confissão de forma since-
certo ar de conforto grosseiro, e carre-
ra. Há o u s o d e oposições p a r a e x p o r
gada na côr pelo tempo e pelos venda-
sua contradição (amar é um inferno).
Podemos notar neste poema o egocen- vais do sul a que está exposta. A janela
trismo do autor, pois tudo gira em torno é larga e baixa; parece mais ornada e
do "eu". também mais antiga que o resto do edifí-
cio que todavia mal se vê...
Viagens na minha Terra
Interessou-me aquela janela.
O Vale de Santarém é um destes
Quem terá o bom gosto e a fortuna
lugares privilegiados pela natureza, sí-
de morar ali?
tios amenos e deleitosos em que as
plantas, o ar, a situação, tudo está numa Parei e pus-me a namorar a janela.
harmonia suavíssima e perfeita: não há
ali nada grandioso nem sublime, mas Encantava-me, tinha-me ali como
tia uma como simetria de cores, de um feitiço.
sons, de disposição em tudo quanto se Pareceu-me entrever uma cortina
vê e se sente, que não parece senão branca... e um vulto por detrás... Imagi-
que a paz, a saúde, o sossego do espí- nação decerto! Se o vulto fosse femini-
rito e o repouso do coração devem vi- no!... era completo o romance.
ver ali, reinar ali um reinado de amor e
benevolência. As paixões más, os pen- Como há de ser belo ver pôr o Sol
samentos mesquinhos, os pesares e daquela janela!...
as vilezas da vida não podem senão
E ouvir cantar os rouxinóis!...
fugir para longe. Imagina-se por aqui o
Éden que o primeiro homem habitou com E ver raiar uma alvorada de Maio!...
a sua inocência e com a Virgindade do
Se haverá ali quem a aproveite, a
seu coração.
deliciosa janela?... quem aprecie e sai-
À esquerda do vale, e abrigado do ba gozar todo o prazer tranqüilo, todos
norte pela montanha que ali se corta os santos gozos de alma que parece
quase a pique, está um maciço de ver- que lhe andam esvoaçando em tomo?
— 56 —
de Portugal, pretendia realizar uma his- des, casas, igrejas e conventos. Her-
tória política e social da Idade Média por- mengarda é raptada pelos árabes e
tuguesa, ressaltando o papel da bur- Eurico enfrenta todos os perigos para
guesia. salvá-la.
Resumo do Romantismo
Realismo
"É de todos os tempos o realismo É nesse ambiente que os artistas
como o é a arte. Ele existiu sempre, passam a observar e a externar a verda-
porque a imaginação tem necessa- de possível da realidade, colocando-se
riamente por base a observação e a contra o tradicionalismo romântico e pro-
experiência, e porque a arte tem curando incorporar os descobrimentos
sempre por objeto as realidades da científicos de seu tempo. As principais
vida. Na observação da vida, com o teorias realistas são:
propósito de fazer arte, há duas ati-
• Teoria determinista: Hipolite Taine
tudes extremas: a da franca subjeti-
(1825-1893), doutrina filosófica que
vidade e a dum ardente desejo de afirma que todo evento, mental ou fí-
impassível objetividade. Estas duas sico, tem uma causa, e que, a causa
atitudes de espírito do artista coexis- que é determinada, o evento invaria-
tem, mas como que se doseiam, ten- velmente a segue. Conseqüência de
do o predomínio ora uma ora outra. uma herança, de um meio ou de uma
O artista, que observa, altera, corri- circunstância (momento)
ge a realidade, porque não só re-
produz um fragmento da vida, esco- • Filosofia positivista: Auguste Comte
lhido já de acordo com as suas incli- (1798-1857), sistema de filosofia ba-
nações pessoais, mas também o re- seada em experiência e conhecimen-
produz tal como o viu, isto é, desfi- to empírico dos fenômenos naturais no
gurado. qual metafísica e teologia são consi-
deradas como sistemas de conheci-
E assim, através da concepção artís- mento Inadequados e defeituosos.
tica, a verdade real deforma-se para
se tornar em verdade artística". • Socialismo utópico: Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865), sociedade na
FIGUEIREDO, Fidelino de. História da Literatura
Realista. 3. ed. Sâo Paulo: Anchieta, 1946, p. 13. qual as pessoas seriam de natureza
ética e senso de responsabilidade
Movimento que se inicia na segun- moral tão altamente desenvolvidas,
da metade do século XIX com a retoma- que um governo seria desnecessá-
da do racionalismo e se estende até o rio para regular e proteger essa so-
início do século XX. Sua principal carac- ciedade. Seu idealizador rejeitou o
terística é a tentativa de traduzir a reali- uso de força para impor qualquer sis-
dade. O Realismo, portanto, é o reflexo tema a um povo. Num estado ideal de
da desilusão do homem frente à socie- sociedade, o que ele chamou de "or-
dade: miséria das cidades, crise da pro- dem em anarquia", pessoas agiriam
dução no campo e péssimas condições de uma maneira responsável, ética,
de vida. de livre arbítrio.
— 67 —
Os Maias (fragmentos)
Os Maias é voltado para a alta so- "A casa que os Maias vieram habi-
ciedade com suas jogatinas, corridas tar em Lisboa, no outono de 1875, era
de cavalo, festas noturnas, adultérios e conhecida na vizinhança da rua de S.
incestos. Francisco de Paula, e em todo o bairro
das Janelas Verdes, pela casa do Ra-
Os Maias tem como sub-título "Epi- malhete ou simplesmente o Ramalhete.
sódios da vida romântica". Através da Apesar deste fresco nome de vivenda
história incestuosa do jovem médico Car- campestre, o Ramalhete, sombrio casa-
los de Maia e sua irmã Maria Eduarda, rão de paredes severas, com um renque
— 73 —
de estreitas varandas de ferro no pri- dade das ramagens silvestres. Além dis-
meiro andar, e por cima uma tímida fila so, a renda que pediu o velho Vilaça,
de janelinhas abrigadas à beira do te- procurador dos Maias, pareceu tão exa-
lhado, tinha o aspecto tristonho de Resi- gerada a Monsenhor, que lhe perguntou
dência Eclesiástica que competia a uma sorrindo se ainda julgava a Igreja nos
edificação do reinado de D. Maria I: com tempos de Leão X. Vilaça respondeu
uma sineta e com uma cruz no topo, que também a nobreza não estava nos
assimilhar-se-ia a um Colégio de Jesuí- tempos do senhor D. João V. E o Rama-
tas. O nome de Ramalhete provinha de lhete, continuou desabitado.
certo de um revestimento quadrado de
Este inútil pardieiro (como lhe cha-
azulejos, fazendo painel no lugar herál-
mava Vilaça Júnior, agora por morte de
dico do Escudo d'Armas, que nunca
seu pai administrador dos Maias) só veio
chegara a ser colocado, e representan-
a servir, nos fins de 1870, para lá se
do um grande ramo de girassóis atado
arrecadarem as mobílias e as louças
por uma fita onde se distinguiam letras e
provenientes do palacete de família em
números duma data.
Bemfica, morada quase histórica, que,
Longos anos o Ramalhete perma- depois de andar anos em praça, fora
necera desabitado, com teias de ara- então comprada por um comendador
nha pelas grades dos postigos térreos, brasileiro. Nessa ocasião vendera-se
e cobrindo-se de tons de ruína. Em 1858 outra propriedade dos Maias, a Tojeira;
Monsenhor Buccarini, Núncio de S. San- e algumas raras pessoas que em Lis-
tidade, visitara-o com idéia de instalar lá boa ainda se lembravam dos Maias, e
a Nunciatura, seduzido pela gravidade sabiam qae desde a Regeneração eles
clerical do edifício e pela paz dormente viviam retirados na sua quinta de Santa
do bairro; e o interior do casarão agra- Olavia, nas margens do Douro, tinham
dara-lhe também, com a sua disposição perguntado a Vilaça se essa gente es-
apalaçada, os tectos apainelados, as tava atrapalhada.
paredes cobertas de frescos onde já
- Ainda tem um pedaço de pão, dis-
desmaiavam as rosas das grinaldas e
se Vilaça sorrindo, e a manteiga para
as faces dos Cupidinhos. Mas Monse-
lhe barrar por cima.
nhor, com os seus hábitos de rico prela-
do romano, necessitava na sua vivenda Os Maias eram uma antiga família
os arvoredos e as águas de um jardim da Beira, sempre pouco numerosa, sem
de luxo: e o Ramalhete possuía apenas, linhas colaterais, sem parentelas - e
ao fundo dum terraço de tijolo, um pobre agora reduzida a dois varões, o senhor
quintal inculto, abandonado às ervas da casa, Afonso da Maia, um velho já,
bravas, com um cipreste, um cedro, uma quase um antepassado, mais idoso que
cascatasinha seca, um tanque entulha- o século, e seu neto Carlos que estuda-
do, e uma estátua de mármore (onde Mon- va medicina em Coimbra. Quando Afon-
senhor reconheceu logo Vénus Citherêa) so se retirara definitivamente para San-
enegrecendo a um canto na lenta umi- ta Olavia, o rendimento da casa excedia
— 74 —
já cinqüenta mil cruzados mas desde Afonso riu muito da frase, e res-
então tinham-se acumulado as econo- pondeu que aquelas razões eram exce-
mias de vinte anos de aldeã; viera tam- lentes - mas ele desejava habitar sob
bém a herança de um último parente, tectos tradicionalmente seus; se eram
Sebastião da Maia, que desde 1830 vi- necessárias obras, que se fizessem e
via em Nápoles, só, ocupando-se de largamente; e enquanto a lendas e
numismática e o procurador podia cer- agoiros, bastaria abrir de par em par as
tamente sorrir com segurança quando janelas e deixar entrar o sol.
falava dos Maias e da sua fatia de pão.
S.ex.ª mandava: - e, como esse in-
A venda da Tojeira fora realmente verno ia seco, as obras começaram logo,
aconselhada por Vilaça mas nunca ele sob a direção de um Estevas, arquiteto,
aprovara que Afonso se desfizesse de político, e compadre de Vilaça. Este ar-
Bemfica - só pela razão daqueles mu- tista entusiasmara o procurador com um
ros terem visto tantos desgostos do- projeto de escada aparatosa, flanqueada
mésticos. Isso, como dizia Vilaça, acon- por duas figuras simbolizando as con-
tecia a todos os muros. O resultado era quistas da Guiné e da índia. E estava
que os Maias, com o Ramalhete inabitá- ideando também uma cascata de louça
vel, não possuíam agora uma casa em na sala de jantar - quando, inesperada-
Lisboa; e se Afonso naquela idade ama- mente, Carlos apareceu em Lisboa com
va o sossego de Santa Olavia, seu neto, um arquiteto decorador de Londres, e,
rapaz de gosto e de luxo que passava depois de estudar com ele à pressa al-
as férias em Paris e Londres, não que- gumas ornamentações e alguns tons de
reria, depois de formado, ir sepultar-se estofos, entregou-lhe as quatro pare-
nos penhascos do Douro. E, com efeito, des do Ramalhete, para ele ali criar, exer-
meses antes de ele deixar Coimbra, cendo o seu gosto, um interior confortá-
Afonso assombrou Vilaça anunciando- vel, de luxo inteligente e sóbrio.
Ihe que decidira vir habitar o Ramalhete!
O procurador compôs logo um relatório A Capital
a enumerar os inconvenientes do casa-
A Capital possui uma estrutura de
rão: o maior era necessitar tantas obras
novela e retrata a sociedade, os costu-
e tantas despesas; depois, a falta de
mes, através de sátiras e caricaturas.
um jardim devia ser muito sensível a
quem saia dos arvoredos de Santa Artur Corvello, 23 anos, pertence a
Olavia; e por fim, aludia mesmo a uma uma família burguesa, originaria de Lis-
lenda, segundo a qual eram sempre fa- boa. Seu pai, Manuel Corvello, tinha o
tais aos Maias as paredes do Ramalhe- sonho de ver seu filho estudando em
te, «ainda que (acrescentava ele numa Coimbra e tornando-se um homem ilus-
frase meditada) até me envergonho de tre. Sob este severo regime, o rapaz não
mencionar tais frioleiras neste século se desenvolveu. Era pálido, sensível,
de Voltaire, Guisot e outros filósofos li- chorava por qualquer coisa, era triste e
berais . . . » pensava muito no amor e na morte. Nas
— 75 —
férias da Universidade, sua mãe vem a muito adjetivada, fazendo com que o
falecer e, logo depois, seu pai, tendo de leitor perceba claramente estas carac-
voltar para sua cidade natal a fim de ven- terísticas.
der em leilão sua mobília e alguns perten- a
horrenda delícia, num forno rubro e rugi- O sobrinho, ao saber disso, pas-
dor; ora me parecia ser uma faminta sou a fazer de tudo para agradá-la, e
fogueria onde flamejava, estalava e se passa, então, a se fingir de beato, mas,
consumia um molho de galhos secos. ao mesmo tempo, não consegue abrir
Desses dias de sublime sordidez só mão dos prazeres da vida e acaba se
conservo a impressão de uma alcova envolvendo com mulheres sem sua tia
forrada de cretones sujos, de uma bata saber.
de lã cor de lilás com sutaches negros,
de vagas garrafas de cerveja no már- Através de um falso comportamen-
more de um lavatório, e de um corpos to beato, consegue conquistar a confi-
tisnado que rangia e tinha cabelos no ança da tia, e esta lhe proporciona uma
peito. E também me resta a sensação de viagem a Terra Santa e pede para que
incessantemente e com arroubado de- Teodorico traga de lá uma relíquia que
leite me despojar, arremessar para um fosse capaz de curá-la de todos os
regaço, que se cavava entre um ventre seus males.
sumido e uns joelhos agudos, o meu re-
lógio, os meus berloques, os meus anéis, Nessa v i a g e m , conhece várias
os meus botões de punho de safira, e pessoas como o historiador Topsius e
as cento e noventa e sete libras que eu Mary, que se tornou sua amante. Mary,
trouxera de Guiães numa cinta de ca- ao se despedir dele, deu uma lembran-
murça. Do sólido, decoroso, bem forne- ça sua, uma camisola com uma dedi-
cido Zé Fernandes, só restava uma car- catória dentro: "Ao meu Teodorico, meu
caça errando através de um sonho, com portuguesinho passante; em lembran-
as gâmbias moles e a baba a escorrer. ça do muito que gozamos". A camisola
foi embrulhada em um papel pardo.
A um poeta
Antero Tarquinio de Quental Tu que dormes, espírito sereno,
(1842-1891) Posto à sombra dos cedros
[seculares,
Suas primeiras poesias refletem
Como um levita à sombra dos altares,
ainda uma postura romântica {Raios de
Longe da luta e do fragor terreno,
Extinta Luz e Primaveras Românticas).
Com Odes Modernas, Antero inaugura Acorda! É tempo! O sol,
o Realismo - é a fase revolucionária. Já
[já alto e pleno,
com Sonetos, retrata toda a evolução
de sua vida artística - a juventude do Afugentou as larvas tumulares...
poeta marcada pelo amor, a época da Para surgir do seio desses mares,
Questão Coimbrã e a fase metafísica e Um mundo novo espera só um
de sentimento pessimista. [aceno...
— 80 —
Quental, Antero de. In. Sonetos. 6 ed. Lisboa: Sá da E farte a sede, enfim, o peito
Costa, 1979. p. 52. [humano?
Oh! diz-me o coração que estes
O Palácio da Ventura [tormentos
Sonho que sou um cavaleiro Chegarão a acabar: e o nosso
[andante, [engano,
Resumo do Realismo-Naturalismo
Simbolismo
O Simbolismo representa, por um porém, não apenas a evasão a dar
lado, o resultado final da evolução um nome diretamente, mas a ex-
iniciada pelo Romantismo, isto é, pressão indireta de um significado
pela descoberta da metáfora, célu- que é impossível dar diretamente,
la germinal da poesia e que condu- que é essencialmente indefinível e
ziu à riqueza da imaginária impres- inesgotável.
sionista; mas não só repudia o
H A U S E R , Arnold. História social da literatura e a arte.
impressionismo pelo seu ponto de São Paulo: Mestre Jou, s.d., t. II, p. 1076-8.
vista materialista e o Parnaso pelo
seu formalismo e racionalismo, Movimento literário que se iniciou
como também repudia o romantis- no final do século XIX e se estendeu até
mo pelo seu emocionalismo e o o início do século XX, o Simbolismo se
convencionalismo da sua lingua- destacou na poesia, inteiramente volta-
gem metafórica. Na realidade, o sim- da para a subjetividade (eu interior do
bolismo pode considerar-se a rea- poeta), opõe-se às propostas do Rea-
ção contra toda a poesia anterior; lismo. Segundo Alfredo Bosi, "Do âma-
descobre qualquer coisa que ou go da inteligência européia surge uma
nunca se conhecera ou a que nun- oposição vigorosa do triunfo da coisa e
ca até aí se dera relevo: a pura do fato sobre o sujeito - aquele sujeito a
poesia - a poesia que surge do quem o otimismo do século prometera,
espírito irracionalista, não concep-
mas não dera senão um purgatório de
tual, da linguagem, que é contrária
contrastes e frustrações".
a toda interpretação lógica. Para o
simbolismo, a poesia é apenas a O Simbolismo reflete um movimento
expressão daquelas relações e histórico complexo. As correntes mate-
correspondências que a linguagem, rialistas e racionalistas não evoluíram
deixada a si própria, cria entre o com a nova realidade - industrialismo
concreto e o abstrato, o material e burguês e Segunda Revolução Industri-
o ideal, e entre as diferentes esfe- al. Quando não se consegue explicar o
ras dos sentidos. Mallarmé pensa mundo exterior, os artistas apelam para
que a poesia é a anunciação de a negação deste, voltando-se para uma
imagens suspensas, oscilantes, e
realidade subjetiva, interior.
constantemente evanescentes; afir-
ma que nomear um objeto é destruir Representa um movimento de atitu-
três quartos do prazer que reside de pura e subjetiva; importa ao simbolis-
no adivinhar gradual de sua verda- ta o seu estado de alma, a emoção in-
deira natureza. O símbolo implica, terior.
— 86
Sem nada que pese ou que pouse. Que teu verso seja a coisa volátil
Que se sente fugir de uma alma
É preciso também que não vás nunca [em vôo
Escolher tuas palavras sem Para outros céus e para outras
[ambigüidade: [paixões.
Nada mais caro que a canção
Que teu verso seja o bom
[cinzenta
[acontecimento
Onde o Indeciso se junta ao Preciso.
Esparso no vento crispado da manhã
São belos os olhos atrás dos véus, Que vai florindo a hortelã e o timo...
É o grande dia trêmulo de meio-dia, E tudo o mais é só literatura.
— 87 —
[pequeninas,
As oliveiras secaram,
E loiras vacas de maternas ancas
Morreram as vacas, perdi as
Que me davam o leite de manhã, [ovelhas,
Lindo rebanho de ovelhas brancas; Saíram-me os Ladrões, só me
Meus bibes eram da sua lã. [deixaram
Pessanha ( 1 8 6 7 - 1 9 2 6 ) (2)
Passou o Outono já, já
Considerado o melhor poeta sim-
[torna o frio...
bolista português. Sua poesia apresen-
- Outono de seu riso magoado.
ta imagens fugidias e noção de transito-
riedade da vida. Escreveu Clepsidra, Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
pura abstração onde, acredita o poeta, - O sol, e as águas límpidas do rio.
'ludo é passageiro".
Águas claras do rio! Águas do rio,
Clepsidra Fugindo sob o meu olhar cansado,
(fragmentos) Para onde me levais meu vão
[cuidado?
(1) Aonde vais, meu coração vazio?
Quem poluiu, quem rasgou os
Ficai, cabelos dela, flutuando,
[meus lençóis de linho,
E, debaixo das águas fugidias,
Onde esperei morrer, - meus tão
Os seus olhos abertos e cismando...
[castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os Onde ides a correr, melancolias?
[altos girassóis - e, retratadas, longamente
Quem foi que os arrancou e [ondeando,
[lançou no caminho? as suas mãos translúcidas e frias...
— 93 —
Resumo do Simbolismo
Modernismo
"Os primeiros anos do século XX, • Cubismo - surgiu em 1907 na pin-
em Portugal, são marcados pelo entrecho- tura, com Pablo Picasso e George
que de correntes literarias que vinham Braque e valorizava as formas geo-
agitando os espíritos desde algum tempo: métricas (cubos, cones e cilindros).
Decadentismo, Simbolismo, Impressionis-
mo etc., eram denominações da mesma • Futurismo - movimento cujo obje-
tendência geral que impunha o domínio da tivo principal era o de abolir o pas-
Metafísica e do Mistério no terreno em que sado, adotando novos temas e téc-
as ciências se julgavam exclusivas e to- nicas da arte. O principal represen-
do-poderosas. tante foi Filippo Tommaso Marinetti.
Principais características
Fernando Antônio
• atitude irreverente aos padrões esta-
belecidos;
Nogueira Pessoa
(1888-1935)
• reação ao passado clássico e estático;
Veio pela encosta de um monte Não era mulher: era uma mala
Tornado outra vez menino, Em que ele tinha vindo do céu.
A correr e a rolar-se pela erva E queriam que ele, que só nascera
E a arrancar flores para as deitar [da mãe,
[fora E nunca tivera pai para amar com
E a rir de modo a ouvir-se de longe. [respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Tinha fugido do céu. Um dia que Deus estava a dormir
Era nosso demais para fingir E o Espírito santo andava a voar,
Da segunda pessoa da Trindade. Ele foi à caixa dos milagres e
No céu era tudo falso, tudo em [roubou três,
E, porque sabe que elas não gostam Podemos observar nestes trechos
E que toda a gente acha graça, de O guardador de rebanhos a lingua-
gem coloquial de Alberto Caeiro, muitas
Corre atrás das raparigas
vezes próxima da prosa, algumas ve-
Que vão em ranchos pelas estradas zes muito rítmica. Observamos, também,
Com as bilhas às cabeças que o poeta faz diversas negações das
metafísicas, das transcendencias, op-
E levanta-lhes as saias.
tando pela natureza, ou seja, pelo que é
A mim ensinou-me tudo. natural. No primeiro texto, a criança é
divina porque é humana e natural e, as-
Ensinou-me o olhar para as cousas,
sim, é muito mais verdadeira. No segun-
Aponta-me todas as cousas que do texto, observamos a identificação do
[há nas flores. ato de pensar com as sensações físi-
Mostra-me como as pedras são cas, com relação corpo-a-corpo com o
mundo.
[engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas. Ricardo Reis
(1887-?)
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos. Representa o mundo clássico. Mo-
E os meus pensamentos são todos narquista, educado em colégio de jesuí-
[sensações. tas, valoriza a vida campestre e a simplici-
dade das coisas. Deixa de lado a emoção,
Penso com os olhos e com os ouvidos
por desconfiar da felicidade extrema.
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca. Obra Poética
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Só o ter flores pela vista fora
Pouco tão pouco pesará nos braços O cabelo do jovem que perdi.
[és
Podemos observar o vocabulário
No mínimo que fazes.
erudito, a essência clássica e a refe-
Assim em cada lago a lua toda rência aos deuses e ao destino. Cabe
Brilha, porque alta vive. ressaltar, também, que podemos ob-
servar o tema da passagem do tem-
Tão cedo passa tudo quanto passa! po, da transitoriedade da vida, da ne-
Morre tão jovem ante os deuses cessidade de se viver o momento real,
[quanto sem ilusões.
101 -
Sem que um sonho, no erguer de asa, Valeu a pena? Tudo vale a pena
Faça até mais rubra a brasa Se a alma não é pequena.
Da lareira a abandonar! Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Triste de quem é feliz!
Deus ao mar o perigo e o abismo
Vive porque a vida dura.
[deu.
Nada na alma lhe diz Mas nele é que espelhou o céu".
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura. D. Sebastião, Rei de Portugal
Pela visão que a alma tem! Não coube em mim minha certeza;
Sou estrela ébria que perdeu os Lúcio vai estudar em Paris, acaba
[céus, conhecendo o poeta Ricardo, que se
Sereia louca que deixou o mar; torna seu grande amigo. Após dez me-
ses de confidências, Ricardo, de for-
Sou templo prestes a ruir sem deus,
ma inexplicável, volta a Portugal e eles
Estátua falsa ainda erguida ao ar... passam a se corresponder através de
cartas. Lúcio também volta a Portugal
Último Soneto e descobre que seu amigo havia se
Que rosas fugitivas foste ali: casado com Marta. Passa, então, a fre-
qüentar a casa deles e descobre que
Requeriam-te os tapetes - e
Marta tem um amante. Lúcio sente ciú-
[vieste...
mes e começa a investigar a vida par-
- Se me dói hoje o bem que me ticular dela, mas torturado pelas emo-
[fizeste, ções conflituosas, deixa Portugal e vol-
É justo, porque muito te devi. ta para Paris. Porém, logo tem que vol-
tar para entregar a sua peça de teatro
Em que seda de afagos me envolvi ao empresário. Reencontra o amigo,
que lhe confessa saber de toda a ver-
Quando entraste, nas tardes
dade a respeito de sua esposa, pois
[que apareceste -
ele mesmo a enviava aos seus amigos
Como fui de percal quando me para se relacionar. Se arrepende de
[deste ter feito tal coisa, pois queria que Mar-
Tua boca a beijar, que remordi... ta amasse apenas Lúcio e não os de-
Pensei que fosse o meu o teu mais. Então, Ricardo leva o amigo até o
[cansaço - encontro de Marta e dá um tiro nela. O
Que seria entre nós um longo fantástico da narrativa acontece no
[abraço momento em que o corpo cai no chão,
pois já não é Marta (que desaparece
O tédio que, tão esbelta, te
aos olhos de Lúcio) e sim, o próprio
[curvava...
— 109 —
Ricardo atingido pelo tiro que deu. Lú- através de flash-back, daí para frente
cio é acusado pelo crime e vai preso. seguindo linearmente. O personagem
Após cumprir a pena, retira-se para o Ricardo de Loureiro é um desdobramen-
interior e escreve a sua confissão, a to do personagem Lúcio, que, por sua
sua narrativa. vez, é desdobramento do autor. Nesta
obra, a trama consiste na integração das
Em A Confissão de Lúcio, encon-
duas personagens masculinas através
tramos uma linguagem metafórica. Para
da figura feminina - Marta.
o próprio autor, esta obra pode ser vista
como um registro de sua vida pessoal.
Aparece diversas vezes a problemática
do corpo e da beleza física, com Ricardo 2ª geração
desejando até ser mulher para ser belo.
Em vida, um dos problemas do autor era
o seu corpo obeso, que o fazia sentir-se
(1927-1940)
ridículo e desprezível às mulheres. Dota-
do de uma sensibilidade aguçada, que é Presencismo - artistas que partici-
levada ao delírio, capta as sensações param da revista Presença. No Presen-
inusitadas e as coloca em um estilo bri- cismo, a literatura é viva, ou seja, há
lhante e luminoso, sugestivo e rico de sinceridade. Há a desmistificação do real
ambigüidade. Abusa de reticências para e da realidade aparente das coisas, eli-
criar sensação de insegurança, indeci- minação da objetividade da ação, pois
são e impressão. A obra pode ser en- se mistura com o lado psicológico. Des-
quadrada no gênero fantástico, pois os tacam-se José Régio e Branquinho da
acontecimentos narrados pelo persona- Fonseca.
gem principal Lúcio não podem ser expli-
cados pelas leis naturais. Às vezes su-
gere que tudo é uma loucura, outras, afir- José Régio
ma que está lúcido e que tudo é verdade,
mesmo que pareça absurdo. Podemos
(1901-1969)
destacar algumas características da obra
abarcando a estética simbolista: obses- Suas obras são de estruturas aber-
são da morte e do suicídio como únicas tas, que retratam o mundo psicológico
soluções; traz a marca da frustração; dos personagens. Abrange a poesia, o
obsessão pelo amor pervertido ou sexu- romance, o conto, o teatro e a crítica lite-
alidade ambígua, sempre balançando en- rária. Seu romance Jogo da Cabra Cega
tre a hetero e a homossexualidade (fictí- é considerado o marco da prosa con-
cia); busca da identidade. Narrado em temporânea. Aborda em suas obras a
primeira pessoa, a linguagem caracteri- introspecção e sondagem dos conflitos
za uma narração subjetiva e de estado do homem em relação com o mundo. Re-
de inconsciência do eu-lírico. A narrativa trata também o tema religioso com as opo-
começa pelo fim, quando o personagem- sições entre o bem X mal, espírito X ma-
narrador decide escrever sua confissão téria, Deus X diabo.
110 -
Eu reparava que Clarisse era agora de simples companheiros de acaso não ti-
um dos alvos preferidos dessa intriga me- vesse uma condescendência lamuriosa a
líflua e subterrânea. E ela também o sabia. justificá-la, para que essa vida fosse autên-
No modo como observava as companhei- tica, verídica, e não o fruste delírio de um mo-
ras, acirradas, estou certo, por um instinto ribundo. Era tão urgente o amor dos outros!
de desagravo social (pois não era Claris- Por isso os cortejavam, subornando-os,
se, entre elas, uma burguesinha a quem a atiçando-lhes capciosamente o interesse,
doença e o desespero iam amachucando a presença, o diálogo ou um arremedo des-
a soberba de classe?), via-se que procu- se amor. A simulação, por último, bastava,
rava todo o indício que pudesse dizer-lhe comoatemura das meretrizes. Lembro-me,
quanto as outras a achavam já diferente, por exemplo, daquela velhota ricaça que eu
quanto lhe notavam o emagrecimento ou a internara numa clínica. No último Natal ofe-
palidez. Mas era sobre mim que incidia recera centenas de presentes. Escrevia
mais vezes a sua alertada acuidade: em montes de cartas, todos os dias, mesmo a
todos os estremecimentos da minha face desconhecidos. O importante era que vies-
entediada de médico, ela descobria, ou jul- sem agradecer-lhe, vê-la, que, durante al-
gava descobrir, os agouros da sua ruína. guns minutos, ao pensarem nela, a fizes-
sem viva. Tinha um casal de criados já ido-
Era inútil, aliás, prolongar o Ludíbrio.
sos; obrigava-os a ficarem horas, de pé, ao
Ainda que baralhássemos na mesma en-
fundo da cama - dois macacos decrépitos,
fermaria doentes com moléstias e prognós-
testemunhas de sua existência.
ticos diferentes, e zelássemos por que ne-
nhum deles pudesse averiguar a natureza Quando esses doentes voltavam - e
da sua doença, a verdade escorria não se voltavam sempre -, tinham lido livros, con-
sabia donde, um fio de água sub-reptício sultado outros médicos, e discutiam já as
que, de súbito, encharcava o ambiente. notícias sobre novas e milagrosas drogas
Qualquerdeles, ao fim de algum tempo, per- para o seu caso, com que as gazetas lhes
cebia que, sendo apontado pelos outros sacudiam a febre de persistir. Investigavam-
como meu doente, essa identificação equi- se a si próprios, procurando os ardis sob
valia a um ferrete. O rebanho marcado. Re-
que a morte se escondia e, lá no íntimo, es-
agiam, então, de muitos modos: violência,
peravam ser os primeiros a conseguir
pânico, misticismo, náusea, raramente com
dominá-la. Os ardis não eram apenas da
heroísmo e nunca com resignação. Muitos
doença. Eles também os teciam. Apercebi-
saíam do hospital ou desapareciam da con-
am-se da vizinhança da morte, sentiam-lhe
sulta e, durante semanas, meses, mistura-
a voracidade e o cheiro, mas, inexorável,
vam-se freneticamente no convívio dos ou-
só nos outros. A pérfida ameaça, presença
tros, os de lá de fora, os que continuavam a
obcecante na vida de todos eles, como um
viver, para lhes enfiar pelos olhos dentro
punhal enquistado, e que, na sua injusta e
que estavam vivos também. Era preciso
medonha objetividade, se assimilava atra-
que os outros não os distinguissem pelo
vés da experiência em redor, não lhes dizia,
horror ou pela compaixão, não os distin-
guissem fosse pelo que fosse, que não os porém, individualmente respeito. No último
diferenciassem de ninguém. Era preciso instante, cada um, de per si, conseguiria li-
que a estima dos familiares, dos amigos ou bertar-se. Velada ou abertamente, falavam-
114
me então dos tais fabulosos tratamentos - ses seres humanos se faz presente quan-
até mos exigirem, e era-me mais cômodo do eles dividem entre si a comida, num jantar
falsear-lhes as análises do que, como dan- de comemoração pelo nascimento da crian-
tes, evitar que lhes caíssem sob os olhos. ça. Dentre os personagens, todos com difi-
culdade em se ajustará sociedade.
(NAMORA, Fernando. Domingo à Tarde. Porto Alegre:
Globo, 1963) (fragmento)
... era uma espécie de saguão, colado
Casa da Malta
à forja do ferreiro. Em tempos servira de abri-
(resumo)
go às manadas de porcos da Granja; mas o
A narrativa inicia-se com o persona- patrão fora-se para a cidade, o portão de
gem Abílio contando sobre suas andanças castanho velho abrira feridas ao sol e às
com o circo e o fim da companhia circense chuvas das bandas do montado, e agora os
ao amigo Ricocas e este o leva à casa da que vinham de longe para roubar, pedir, emi-
malta, lugar onde pessoas que não tinham grar, sabiam que era ali a sua casa. Um resto
para onde ir se estabelecem por lá. Outros de palha da malhada forrava o chão térreo e
personagens são introduzidos na narrati- cada ambulante acamara mais um molho de
va e cada um com um passado trágico que feno, de urze, ou de trapos velhos. Ainda no
os levaram a morar na casa da malta. To- domínio do saguão, em dois metros quadra-
dos vão relembrando o passado até o mo- dos de terreno roubados ao adro, os ciga-
nos arrumavam carroças e animais e expu-
mento do nascimento do bebê da cigana,
nham sedas vermelhas ao pessoal da vila.
onde todos se confraternizam como se
fosse uma grande família.
A narrativa descreve as ações das Manuel da Fonseca
personagens socialmente desprivilegiadas
e perdidas num mundo de injustiças e misé-
(1911-)
ria. Podemos perceber claramente nesta Escreveu Seara de Vento.
obra a busca pela interioridade das perso-
nagens, através de suas lembranças, re- Seara de Vento
velando suas angústias, dúvidas, numa (comentários)
analise profunda de sentimentos e rala- A narrativa se inicia com a descri-
ções humanas. Assim sendo, ao passo ção do vento, anúncio de desgraças. Duas
que traduz a individualidade do homem não personagens, Júlia e Amanda Carrusca,
deixa de enquadrá-lo no seu meio social. A dialogam com certa agressividade sobre
ação se divide entre o tempo presente da a situação precária em que vivem: estão
narrativa (casa da malta) e os acontecimen- morrendo de fome. Amanda exige que sua
tos passados na vida de cada um dos per- filha Júlia convença o marido Antônio Val-
sonagens, possibilitando a compreensão murado, o Palma, a permitir que ambas
de como chegaram até aquele casebre. A peçam esmola. Amanda, habilmente, diz
grande metáfora encontrada nesta obra é o que é para curar Bento, um dos filhos do
humanismo, ou seja, há uma grande preo- casal, que é excepcional.
cupação com os valores representativos
O romance começa, pois, a partir de
do ser humano. A solidariedade unindo es-
uma situação trágica.
— 115 —
Resumo do Modernismo
A Narrativa do Pós-Guerra
A cultura sofreu uma revolução em 1998 ganhou o Prêmio Nobel de Lite-
após 1940. Encontramos, então, a lite- ratura.
ratura comercial dos best-sellers, opon-
De Saramago destacamos as se-
do-se às narrativas pós 2- Guerra Mun-
guintes obras: Terra do Pecado, Os
dial.
Poemas Possíveis, Provavelmente Ale-
Destacam-se José Saramago com gria, Deste Mundo e do Outro, A Baga-
Memorial do Convento, José Cardoso gem do Viajante, As Opiniões que o DL
Pires com Hóspede de Jô e Adolfo Cor- teve, O Ano de 1993, Os Apontamen-
reia da Rocha com A Criação do Mundo. tos, Manual de Pintura e Caligrafia,
Objecto Quase, Poética dos Cinco Sen-
tidos, A Noite, Levantado do Chão; Que
José Saramago Farei dom este Livro?, Viagem a Portu-
gal, Memorial do Convento, O Ano da
(1922-) Morte de Ricardo Reis, A Jangada de
Pedra, A Segunda Vida de Francisco
José Saramago nasceu em Azinha- de Assis, História do Cerco de Lisboa,
ga, no ano de 1922. Trabalhou como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, In
jornalista em vários jornais, entre eles o Nomine Dei, Cadernos de Lanzarote,
Diário de Lisboa, de que foi diretor, até Ensaio sobre a Cegueira, Todos os No-
partir e fixar-se definitivamente na ilha mes, e A Caverna.
de Lanzarote, arquipélago das Canárias.
A partir de 1975 passou a dedicar-se O Evangelho Segundo Jesus
integralmente à literatura, mas foi após Cristo
a publicação de Levantado do Chão
(comentários)
(1980) que passou a ser considerado
um grande nome da literatura em língua Publicado pela primeira vez em no-
portuguesa contemporânea. vembro de 1991, O Evangelho Segun-
Declaradamente comunista e ateu, do Jesus Cristo causou muita polêmi-
suas convicções fizeram-no deixar Por- ca. Saramago foi acusado de investir
tugal. contra o cristianismo, de pretender des-
sacralizar Jesus Cristo, e, principalmen-
É considerado um dos escritores
te, de interpretar o Novo Testamento de
portugueses mais lidos e traduzidos no
forma abusiva.
estrangeiro. Em 1991, ganhou o Grande
Prêmio APE, com o romance O Evange- A opinião da crítica, que não levou
lho Segundo Jesus Cristo; o Prêmio em conta essa pretensa tentativa de
Camões em 1996 por toda sua obra; e Saramago de desvirtuar os Evangelhos,
— 117 —
é que, ao ler-se essa obra, devemos Podemos observar que, assim co-
considerar que tudo não passa de ar- mo o poeta Fernando Pessoa (na pers-
tifício literário, de invenção. pectiva fictícia) tem os seus contornos
físicos dissipados ao longo do romance
O Vaticano criticou duramente a
pelo decorrer dos nove meses de fale-
obra, que não foi inscrita pelo governo
cimento, tecendo um paralelo com o
português em um importante prêmio li-
embrião humano que leva nove meses
terário europeu, fato que precipitou a
para ser gerado, o seu heterônimo reto-
saída de Saramago do país, passando
mado vai também dissipando a sua per-
a residir nas Ilhas Canárias.
sonalidade ao longo desse período: "Al-
O ano da morte de Ricardo Reis guma latinação clássica de que já não
fazia leitura regular" (p. 22) "formara,
A obra O Ano da Morte de Ricardo de enfiada, três versos de sete sílabas,
Reis, de José Saramago, tem como ca- redondilha maior, ele, Ricardo Reis, au-
racterística marcante a intertextualidade.
tor de odes ditas sáficas ou arcaicas,
No título do livro, que resume o conteúdo
afinal saiu-nos poeta popular." (p. 47).
básico e conduz o fio narrativo, podemos
perceber a retomada de um dos heterôni- O Reis de Saramago deixa-se con-
mos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis,
tagiar pelas coisas mundanas, já não é
que, na obra, revela-se como narrador
tão coerente e objetivo. Surge Lídia, ca-
onisciente, presente em todas as situa-
mareira do Hotel Bragança com quem
ções, revendo o passado, prevendo o
ele mantém relações. Sua musa se
futuro e, principalmente, tomando conhe-
corporifica e ele deixa de "fruir o mo-
cimento dos pensamentos e sentimentos
mento que passa" como espectador,
passados no "eu" de cada personagem.
para realizá-lo carnalmente. Aparece
Na retomada de sua personalidade também a personagem Marcenda, por
por Saramago, o personagem perde al- quem Ricardo Reis se apaixona, pas-
gumas características básicas, motivo sando a espectador - aguarda a sua
de cobrança para Fernando Pessoa, que presença de todos os meses, as car-
ressurge do mundo dos mortos: "você tas, e por fim uma decisão de unir-se a
afinal desilude-me, amador de criadas, ele, o que não se concretiza.
cortejador de donzelas, estimava-o mais
quando você via a vida à distância que Ao final do romance, Reis se deixa
está" (p. 183). contagiar totalmente pelos acontecimen-
tos do mundo, quando chora a morte de
"gestos que parecem querer re-
compor umas feições, restituí-las aos Daniel, irmão de Lídia: "E entra em casa,
seus lugares de nascença, refazer o atira-se para cima da cama desfeita,
desenho, mas o artista tomou a borra- escondeu os olhos com o antebraço pa-
cha em vez do lápis, onde passou apa- ra poder chorar à vontade, lágrimas ab-
gou, um lado da cara perdeu o contor- surdas que esta revolta não foi sua,
no, é natural, vai para seis meses que sábio é o que se contenta com o espe-
Fernando Pessoa morreu." (p. 330) táculo do mundo." (p. 411).
— 118 —
teres descido aqui na Nazaré para vires vidado, Agora não sei se estás a falar
deixar-me nesta dúvida, aliás, se que- comigo, ou com o teu filho, Com ele, con-
res que te fale com franqueza, um filho tigo, com ambos, que posso eu fazer
do Senhor, mesmo tendo-me a mim como para emendar o mal feito, Que é que te
mãe, dávamos por ele logo ao nascer, e aconselharia o teu coração de mãe, Que
quando crescesse teria, do mesmo Se- fosse procurá-lo, dizer-lhe que creio
nhor, o porte, a figura e a palavra, ora, nele, pedir que me perdoe e volte para
ainda que se diga que o amor de mãe é casa, aonde o Senhor o virá chamar, em
cego, o meu filho Jesus não satisfaz as chegando a hora, Francamente, não sei
condições, Maria, o teu primeiro grande se vais a tempo, não há nada mais sen-
engano é julgares que eu vim cá apenas sível do que um adolescente, arriscas-
para te falar desse antigo episódio da te a ouvir más palavras e a levar com a
vida sexual do Senhor, o teu segundo porta na cara, Se tal acontecer, a culpa
grande engano é pensares que a bele- tem-na aquele demónio que o embruxou
za e a facúndia dos homens existem à e perdeu, nem sei como o Senhor, sen-
imagem e semelhança do Senhor, quan- do pai, lhe consentiu tais liberdades, tan-
do o sistema do Senhor, digo-to eu que ta rédea solta, De que demónio falas, Do
sou da casa, é ele ser sempre o contrá- pastor com quem o meu filho andou du-
rio de como os homens o imaginam, e, rante quatro anos, a governar um reba-
aqui muito em confidência, eu até acho nho que ninguém sabe para que serve,
que o Senhor não saberia viver doutra Ah, o pastor, Conhece-lo, Andámos na
maneira, a palavra que mais vezes lhe mesma escola, E o Senhor permite que
sai da boca não é o sim, mas o não, um demónio como ele perdure e prospe-
Sempre ouvi eu dizer que o Diabo é que re, Assim o exige a boa ordem do mun-
é o espírito que nega, se no teu coração do, mas a última palavra será sempre a
não deres pela diferença, nunca sabe- do Senhor, só não sabemos é quando a
rás a quem pertences, Pertenço ao Se- proferirá, mas vais ver que uma manhã
nhor, Pois é, dizes que pertences ao destas acordamos e descobrimos que
Senhor e caíste no terceiro e maior dos não há mal no mundo, e agora devo ir-
enganos, que foi o de não teres acredi- me, se tens mais algumas perguntas a
tado no teu filho, Em Jesus, Sim, em Je- fazer, aproveita, Só uma, Óptimo, Para
sus, nenhum dos outros viu Deus, ou que quer o Senhor o meu filho, Teu filho
alguma vez o verá, Diz-me, anjo do Se- é uma maneira de dizer, Aos olhos do
nhor, é mesmo verdade que meu filho mundo Jesus é meu filho, Para que o
Jesus viu Deus, Sim, e, como uma crian- quer, perguntas tu, pois olha que é uma
ça que encontrou o seu primeiro ninho, boa pergunta, sim senhor, o pior é que
veio a correr mostrar-to, e tu, céptica, e não sei responder-te, a questão no es-
tu, desconfiada, disseste que não podia tado actual, é toda entre eles dois, e
ser verdade, que se ninho havia estava Jesus não creio que saiba mais do que
vazio, que se ovos tinha, eram goros, e a ti te terá dito, Disse-me que terá poder
que se os não tinha, comera-os a ser- e glória depois de morrer, Dessa parte
pente, Perdoa-me, meu anjo, por ter du- também estou informado, Mas que irá
— 121 —
ele ter de fazer em vida para merecer superior, que parecia mordido de beijos.
as maravilhas que o Senhor lhe prome- Se não fosse a certeza de ter estado ali
teu, Ora, ora, tu crês, ignorante mulher, apenas um anjo conversador, os sinais
que essa palavra exista aos olhos do mostrados por Lísia fariam gritar e cla-
Senhor, que possa ter algum valor e sig- mar que um demónio incubo, desses que
nificado o que presunçosamente cha- acometem maliciosamente as mulheres
mais merecimentos, em verdade não sei adormecidas, andara a fazer das suas
que é que vos julgais, quando não pas- no desprevenido corpo da donzela, en-
sais de míseros escravos da vontade quanto a mãe se deixava distrair com a
absoluta de Deus, Nada mais direi, sou conversa, provavelmente foi sempre
realmente a escrava do Senhor, cum- assim e nós que não o sabíamos, anda-
pra-se em sim segundo a sua palavra, rem estes anjos aos pares para onde
diz-me só, depois de todos estes me- quer que vão, e enquanto um, para en-
ses passados, onde poderei encontrar treter e fazer costas, se põe a contar
o meu filho, Procura-o, que é a tua obri- histórias da Carochinha, o outro, cala-
gação, ele também foi à procura da ove- do, opera o actus nefandus, maneira de
lha perdida, Para matá-la, Sossega, que dizer, que nefando em rigor não é, tudo
a ti não te matará, mas tu, sim, o matarás indicando que na vez seguinte se troca-
a ele, não estando presente na hora da rão as funções e as posições para que
sua morte, Como sabes que não morre- não se perca, nem no sonhador nem no
rei eu primeiro, Estou bastante próximo sonhado, o beneficioso sentido da duali-
dos centros de decisão para sabê-lo, e dade da carne e do espírito. Maria co-
agora adeus, fizeste as perguntas que briu a filha como pôde, puxando-lhe a
querias, talvez não tenhas feito alguma túnica até à altura do que é impróprio
que devias, mas isso é assunto que já estando descoberto, e, quando a teve
não me diz respeito, Explica-me, Expli- decente, acordou-a e perguntou-lhe em
ca-te tu a ti própria. Com a última pala- voz baixa, por assim dizer à queima-
vra, o anjo desapareceu e Maria abriu roupa, Que estavas a sonhar. Apanha-
os olhos. Todos os filhos dormiam, os da de surpresa, Lísia não podia mentir,
rapazes em dois grupos de três, Tiago, respondeu que sonhara com um anjo,
José e Judas, os mais velhos, a um can- mas que o anjo nada lhe dissera, ape-
to, noutro canto os mais novos, Simão, nas olhara para ela, e era um olhar tão
Justo e Samuel, e com ela, uma de cada meigo e tão doce que melhores não po-
lado, como de costume Lísia e Lídia, mas derão ser os olhares no paraíso. Não te
os olhos de Maria, perturbados ainda tocou, perguntou Maria, e Lísia respon-
pelos anúncios do anjo, arregalaram-se- deu, Ó minha mãe, os olhos não servem
Ihe de repente, estarrecidos, ao ver que para isso. Sem bem saber se devia tran-
Lísia estava toda descomposta, prati- quilizar-se ou preocupar-se com o que
camente nua, a túnica arregaçada por se passara a seu lado, Maria, em voz
cima dos seios, e dormia profundamen- ainda mais baixa, disse, Eu também so-
te, e suspirava sorrindo, com o brilho de nhei com um anjo, E o teu, falou, ou tam-
um leve suor na testa e sobre o lábio bém esteve calado, perguntou Lísia, ino-
122
centemente, Falou para me dizer que lha, nós não estávamos lá, para o Se-
teu irmão Jesus dissera a verdade quan- nhor não há pais nem filhos, lembra-te
do nos anunciou que tinha visto Deus, de Abraão, lembra-te de Isaac, Ai, mãe,
Ai, minha mãe, que mal fizemos então, que aflição, O mais prudente, filha, é
não acreditamos na palavra de Jesus, e guardarmos estas coisas nos nossos
ele tão bom, que, de zangado, até podia corações e falarmos delas o menos pos-
ter levado o dinheiro do meu dote, e não sível, Então, que faremos, Amanhã man-
o fez, Agora temos de ver como o reme- darei Tiago e José a procurar Jesus,
diaremos, Não sabemos onde está, no- Mas onde, se a Galileia é imensa, e a
tícias não deu, o anjo é que bem podia Samaria, se para lá foi, oua Judeia, ou a
ter ajudado, sabem tudo, os anjos, Pois Idumeia, que essa está no cabo do mun-
não, não ajudou, só me disse que pro- do, O mais provável é teu irmão ter ido
curássemos o teu irmão, que era esse o para o mar, recorda-te do que ele nos
nosso dever, Mas, ó minha mãe, se afi- disse quando veio, que tinha andado com
nal foi verdade que o mano Jesus este- uns pescadores, E não teria antes vol-
ve com o Senhor, então a nossa vida, tado para o rebanho, Esse tempo aca-
daqui por diante, vai ser diferente, Dife- bou, Como sabes, Dorme, que a manhã
rente, talvez, mas para pior, Porquê, Se ainda vem longe, Pode ser que tome-
nós não acreditámos em Jesus nem na mos a sonhar com os nossos anjos,
sua palavra, como esperas que os ou- Pode ser. Se o anjo de Lísia, acaso ten-
tros acreditem, com certeza não quere- do fugido à companhia do parceiro, veio
rás que vamos aí pelas ruas e praças habitar-lhe outra vez o sono, não se
de Nazaré a apregoar Jesus viu o Se- chegou a perceber, mas o anjo do anún-
nhor Jesus viu o Senhor, seríamos cor- cio, mesmo se se esqueceu de algum
ridas à pedrada, Mas o Senhor, visto pormenor, não pôde voltar, porque Ma-
que o escolheu, nos defenderia, que ria esteve sempre de olhos abertos na
somos a família, Não estejas tão certa meia escuridão dacasa, o que sabia
disso, quando o Senhor fez a sua esco- sobrava-lhe, o que adivinhava temia".
A Poesia do Pós-Guerra
O período pós-Segunda Guerra Mun- criam uma poesia intimista, mas simulta-
dial foi de tristeza e desencanto; o conti- neamente preocupada com o destino pes-
nente europeu ficou profundamente mar- soal e coletivo, adotando um tom de pro-
cado pelo conflito mundial. Foi a época da testo contra as injustiças e arbitrarieda-
Guerra Fria e da ameaça de Guerra Nu- des do mundo. O número de autores e
clear. Mediante esses fatos, os poetas correntes tornou-se muito grande.
123
Questões de vestibulares
e) l - I V - l l - V e l l l .
II. À intensidade expressiva des-
se tipo de texto literário, à sua
3 . ( U F M T ) Sobre literatura, gênero
c o n c e n t r a ç ã o e ao seu caráter
e estilos literários, p o d e - s e d i -
imediato, associa-se, como tra-
zer q u e :
ço estético importante, o uso do
ritmo e da musicalidade. a) tanto no verso quanto na prosa pode
haver poesia.
III. Essa modalidade de texto literá-
rio prende-se a uma vasta área b) todo momento histórico apresenta um
de v i v ê n c i a , f a z - s e g e r a l m e n t e conjunto de normas que caracteriza
de uma história longa e apresen- suas manifestações culturais, cons-
ta uma estrutura complexa. tituindo o estilo da época.
— 124 —
d) o Trovadorismo e o Medievalismo só
d) durante o trovadorismo, ocorre a se-
poderiam ser provençais.
paração entre poesia e música.
e) tanto o Trovadorismo como Humanis-
e) muitas cantigas trovadorescas foram mo são expressões da decadência
reunidas em livros ou coletâneas que medieval.
receberam o nome de cancioneiros.
7. (UFMG) Nas mais importantes no-
5. (PUC-RS) O paralelismo, uma téc- velas de cavalaria que circularam
nica de construção literária nas na Europa medieval, principal-
cantigas t r o v a d o r e s c a s , consis- mente como p r o p a g a n d a das
tiu e m : Cruzadas, sobressaem-se:
a) unir duas ou mais cantigas com te- a) as namoradas sofredoras, que fa-
mas paralelos e recitá-las em simul- zem bailar para atrair o namorado au-
taneidade. sente.
b) um conjunto de estrofes ou um par b) os cavaleiros medievais, concebidos
de dísticos em que sempre se procu- segundo os padrões da Igreja Católi-
ra dizer a mesma idéia. ca (por quem lutam).
125 -
e) Gil V i c e n t e .
13. (ENC-SP) Se o teatro vicentino é
acentuadamente religioso e me-
15. ( U F U - M G ) Na Farsa de Inês Pe-
dievalizante, como se explica
reira, Gil Vicente:
sua classificação nos limites do
Humanismo? a) retoma a análise do amor do velho
a p a i x o n a d o , d e s e n v o l v i d a em O ve-
Se partir de O Auto da Barca do
lho da horta.
Inferno, responda mediante a alter-
nativa correta: b ) m o s t r a a humilhação d a j o v e m q u e
não p o d e e s c o l h e r s e u m a r i d o , t e m a
a ) a n a l i s a o h o m e m e m s u a s relações de várias p e ç a s d e s s e autor.
sociais, nas b u s c a do melhor cami-
nho para o encontro com Deus e a c) denuncia a revolta da j o v e m confina-
moralidade religiosa. da aos serviços domésticos, o que
confere atualidade à obra.
b ) a n a l i s a o h o m e m e m s u a s relações c o m
Deus, na busca do melhor caminho para d) conta a história de u m a j o v e m q u e
o encontro c o m o semelhante. a s s a s s i n a o m a r i d o p a r a se livrar d o s
m a u s tratos.
c ) i n v e s t i g a o h o m e m e m s u a s relações
c o m a igreja, d e s t a c a n d o a crítica a o s e ) a p o n t a , q u a n d o L i a n o r n a r r a a s ações
p a d r e s q u e não s e v o l t a m p a r a o s v a - d o c l é r i g o , u m a solução r e l i g i o s a p a r a
lores h u m a n o s . a decadência m o r a l d e s e u t e m p o .
127
16. (UF-SC) Marque a alternativa in- 17. (MACK-SP) Este soneto, um dos
c o r r e t a a r e s p e i t o do H u m a - m a i s perfeitos q u e f o r a m p r o -
nismo: duzidos em Língua Portuguesa,
pertence ao estilo de época do
a) época de trasição entre a Idade Mé-
R e n a s c i m e n t o , portanto criado
dia e o Renascimento.
no século:
b) o teocentrismo cede lugar ao antropo-
a) XV. c) XVII. e) XIX.
centrismo.
b) XVI. d) XVIII.
c) Fernão Lopes é o grande cronista da
época. 18. ( M A C K - S P ) Indique o n o m e do
d) Garcia de Resende coletou as poe- autor desse s o n e t o :
sias da época, publicadas em 1516
a) Bocage.
com o nome de Cancioneiro Geral.
b) Camilo Pessanha.
e) a Farsa de Inês Pereira é a obra de
Gil Vicente cujo assunto é religioso, c) Camões.
desprovido de critica social. d) Gil Vicente.
Este famoso soneto correspon- e) Manuel Bandeira.
de às questões 17 e 18:
19. (FUVEST) Assinale a(s) alterna-
Amor é fogo que arde sem se ver; tiva(s) incorreta(s) sobre Os Lu-
É ferida que dói e não se sente; síadas:
É um contentamento descontente; a) () herói coletivo - o povo português;
É dor que desatina sem doer; herói individual - Vasco da Gama.
g) ( ) a p e s a r de r e f l e t i r a i d e o l o g i a do [celebrado
Renascimento há em alguns episódi- F o i d e m i m v o s s o rio a l e g r e m e n t e ,
os c o m o Os Doze Pares da Ingla-
terra e O Velho do Restelo f o r t e Dai-me a g o r a um s o m alto, e
presença da mentalidade e gosto m e - [sublimado,
dievais.
Um estilo grandíloco e corrente,
h) ( ) na L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a , o b r a s Porque de vossas águas Febo
c o m o : Prosopopéia ( B e n t o T e i x e i r a ) , [ordene,
Vila Rica ( C l á u d i o M . D a C o s t a ) , Q u e não t e n h a i n v e j a à s d e
Caramuru ( S a n t a R i t a Durão), Ura- [Hipocrene.
guai ( B a s í l i o d a G a m a - d e f o r m a
não-sistemática), A Confederação 2 1 . (UFU-MG) Os versos acima per-
dos Tamoios ( G o n ç a l v e s d e M a g a - tencem aos Lusíadas. Pelo que
lhães) e a t é Invenção do Orfeu ( d o se lê, conclui-se que encerram:
m o d e r n i s t a J o r g e de Lima) - refle-
a ) a proposição d a e p o p é i a .
t e m , em maior ou menor grau, a in-
fluência de Os Lusíadas. b) o e p í l o g o de um t r e c h o lírico.
c ) u m a invocação.
20. (FUVEST) Na Lírica de Camões:
d) u m a dedicatória.
a) o m e t r o u s a d o p a r a a composição d o s
sonetos é a redondilha. e ) a narração d o p o e m a .
d ) r e c e b e n d o influência d i r e t a d e H o - (...)
m e r o e Virgílio, elimina em s u a e p o - Q u e eu c a n t o o peito ilustre
péia quaisquer vestígio da concep- [Lusitano
ção d e m u n d o cristã. A q u e m Neptuno e Marte
e) sensível aos valores do m u n d o clás- [obedecerão;
sico, vale-se da mitologia greco-lati- Cesse tudo o que a M u s a antiga
na c o m o um recurso retórico, que e n - [canta,
riquece e e m b e l e z a os elementos his- Q u e outro valor m a i s alto se
tóricos. [alevanta.
a ) miscigenação d e supertições, p r o v é r -
e) Camilo Castelo Branco é lembrado
b i o s e a n e d o t a s — coexistência de
sobretudo pelo romance histórico.
e n t i d a d e s m i t o l ó g i c a s c o m a tradição
monoteísta herdada da Idade Média.
30. (UFPR) Os trechos abaixo foram
retirados, respectivamente, das b ) problematização s o c i a l v i s t a à s a v e s -
obras de Mário de Andrade e de s a s a t r a v é s d o h u m o r — coexistên-
Camões: cia de entidades mitológicas c o m a
tradição p o l i t e í s t a h e r d a d a d a I d a d e
No outro dia o herói acordou muito Média.
constipado. Era porque apesar do calo-
c ) ridicularização d o h o m e m a t r a v é s d a s
rão d a n o i t e e l e d o r m i r a d e r o u p a c o m
tradições h i s t ó r i c a s — exaltação do
medo da Caruviana que pega indivíduo
h o m e m por seus feitos históricos.
dormindo nu. M a s estava muito gangen-
to c o m o discurso da véspera. Esperou d ) problematização s o c i a l v i s t a à s a v e s -
impaciente os quinze dias da doença s a s a t r a v é s d o h u m o r — exaltação
resolvido a contar mais casos pro p o v o . do h o m e m por seus feitos históricos.
Porém q u a n d o se sentiu b o m era m a - e ) comparação d o h o m e m a s e r e s f o l -
nhãzinha e q u e m c o n t a h i s t ó r i a s d e d i a c l ó r i c o s — comparação do h o m e m a
cria rabo de cutia. seres mitológicos.
— 132 —
c ) foi g r a n d e c u l t o r d o s o n e t o b a r r o c o . o r i e n t a v a m a criação p o é t i c a d o A r c a -
dismo.
d) escreveu contos eróticos.
b) o texto d e m o n s t r a que Bocage, ape-
e) representa a poesia parnasiana em
sar de pertencer à Arcádia Lusitana,
Portugal.
u l t r a p a s s a os limites do A r c a d i s m o e
antecipa características da inspira-
55. ( E N C - S P ) Leia c o m a t e n ç ã o o
ção p o é t i c a d o R o m a n t i s m o .
texto de Manuel Maria Barbosa
du Bocage, a seguir: c) o poeta se identifica c o m os b e m -
a v e n t u r a d o s e s o l i c i t a a p i e d a d e do
Chorosos versos meus desentoados, leitor p a r a c o m o s s e u s v e r s o s .
S e m arte, s e m beleza e s e m
d ) a emoção i n t e r f e r e n a elaboração a r -
[brandura,
tística.
U r d i d o s p e l a mão d a D e s v e n t u r a ,
Pela baça Tristeza envenenados: e ) s a b e - s e q u e B o c a g e foi u m á r c a d e
rebelde; pertenceu à Nova Arcádia,
V e d e a l u z , não b u s q u e i s , m a s foi e x p u l s o d e l a . O s o n e t o em
[desesperados, questão a p r e s e n t a c a r a c t e r í s t i c a s
No m u d o esquecimento a formais neo-clássicas e, quanto ao
conteúdo, antecipa o sentimentalis-
[sepultura;
mo romântico.
Se os ditosos vos lerem s e m
[ternura, 56. ( O B J E T I V O - S P ) A s s i n a l e , c o m
Ler-vos-ão c o m t e r n u r a o s r e l a ç ã o ao A r c a d i s m o (V) ver-
[desgraçados: dadeiro ou (F) falso:
Não v o s i n s p i r e , ó v e r s o s , c o b a r d i a , a) ( ) d e s e n v o l v e u - s e na s e g u n d a m e -
Da sátira m o r d a z o furor louco, tade do século XVIII, refletindo os
ideais iluministas. Coincide no Bra-
De maldizente voz a tirania:
sil c o m o c i c l o d a mineração e c o m
D e s c u l p a t e n d e s , s e v a l e i s tão a s rebeliões n a t i v i s t a s .
[pouco; b) ( ) é um r e g r e s s o a o s i d e a i s do c l a s -
Q u e não p o d e c a n t a r c o m m e l o d i a sicismo greco-romano e renas-
Um peito, de g e m e r c a n s a d o e centistas (clareza, simplicidade,
[rouco. b u s c a d o b e l o , b e m , v e r d a d e e per-
feição).
Sobre esse soneto, é correto
c) () o s t e m a s p r e d o m i n a n t e s são o p a s -
afirmar:
toralismo e o bucolismo. A natureza
a) o a m o r é a p r e s e n t a d o de m a n e i r a é o cenário suave e convencional
controlada, de acordo c o m os princí- onde "pastores" e "musas" vivem
pios do racionalismo e equilíbrio q u e a m e n o s idílios c a m p e s t r e s .
— 1 40 —
opressão e s t a p r o m o v i d a p o r u m a d) f o r m a l i s m o - t e m a s g r e c o - l a t i n o s e
sociedade provinciana ligada a ve- p a t r i ó t i c o s - preferência p e l a s f o r -
lhos preconceitos. mas fixas e versos alexandrinos -
i m p a s s i b i l i d a d e - denotação - d e s c r i -
b) e s t a b e l e c e - s e , na narrativa, o confli- tivismo.
to entre o m e i o social, c o m a c o n s e -
quente vitória do indivíduo através da e) m u s i c a l i d a d e - s i n e s t e s i a - s u g e s -
realização d e s e u s o b j e t i v o s . tão - náo-separação de s u j e i t o e o b -
j e t o - metaforização - fusão de c o n -
c) n o t a - s e q u e o s e n t i m e n t o a m o r o s o , a creto + abstrato.
imaginação e a s e n s i b i l i d a d e são v a -
lores q u e r e a l ç a m a liberdade indivi- 77. (FUVEST) Assinale o que não é
dual e a b r e m , a e x p e c t a t i v a de m a - correto sobre a poesia r o m â n -
nutenção d a s n o r m a s s o c i a i s i n s t i t u - tica:
cionalizadas.
a) de m o d o geral, a m e n s a g e m focaliza a
d) percebe-se que o sentimento do a m o r
p e s s o a do e m i s s o r ("eu"), p r e d o m i -
r o m â n t i c o e n t r a e m relação d e e q u i l í -
n a n d o a função e m o t i v a d a l i n g u a g e m .
b r i o c o m a razão, p a r a m a n t e r a l i b e r -
d a d e do indivíduo e o s e u contato b) a poesia romântica m a r c a u m a ruptu-
harmônico c o m o meio social provin- ra c o m a poética clássica, quando
ciano. a b a n d o n a o s e s q u e m a s métricos re-
gulares e deprecia o soneto.
e) o b s e r v a - s e a p o u c a i m p o r t â n c i a atri-
buída ao sentimento a m o r o s o , que é c) a poesia romântica r e t o m a os t e m a s
s u p e r a d o p e l a razão e q u i l i b r a d a d e do Neoclassicismo, apenas inovan-
u m a sociedade provinciana e estável. d o a seleção v o c a b u l a r , q u e s e t o r n a
pessoal.
76. ( F U V E S T ) Assinale a alternativa
d) de maneira geral, acentua-se na poe-
q u e só c o n t é m c a r a c t e r í s t i c a s
sia romântica o s e u caráter intimista,
românticas:
u m a vez que a poesia é pensada co-
a) f u s i o n i s m o - d u a l i s m o - s e n t i d o d i l e - m o " v o z d o coração" o u expressão
m á t i c o d a v i d a - oposições, p a r a d o - de um pensamento divino.
x o s e a n t í t e s e - metaforização.
e) dos dois procedimentos básicos de
b) s i m p l i c i d a d e - b u c o l i s m o - p a s t o r a - operação c o m a l í n g u a , a m e t á f o r a e
l i s m o - r e l a c i o n a l i s m o - " p o e s i a de a metonimia, os românticos t o m a m
gramática". partido da metáfora: do que decorre
a idealização d e s e u s p o e m a s .
c ) s e n t i m e n t a l i s m o - valorização d a n a -
tureza - religiosidade - egocentrismo 78. (UNI-TAUBATÉ-SP) Das caracte-
- miscigenação d o s gêneros l i t e r á - rísticas abaixo, assinale a que
r i o s - metaforização. não se refere ao R o m a n t i s m o :
— 146 —
e) temática nacionalista.
8 1 . (PUC-RJ) Das alternativas abai-
79. (SANTA CASA-SP) Afrânio Cou- xo, assinale aquela que não cor-
tinho aponta as seguintes qua- responde às características do
lidades que caracterizam o e s - Romantismo:
pírito romântico:
a) ocorre a superação das normas lite-
I - Individualismo e subjetivismo rárias construtoras e negação da con-
II - Escapismo cepção tradicional de poesia.
te dizia os meus!... Por que não mere- mismo, morte, ruínas, mal-do-
cemos nós o que tanta gente tem!... As- século - spleen, irracionalismo,
sim acabaria tudo, Simão? Não posso cemitérios, cadáveres e senti-
crê-lo! A eternidade apresenta-se-me mentos lúgubres:
tenebrosa, porque a esperança era a
a) João de Deus.
luz que me guiava de ti para a fé. Mas
não pode findar assim o nosso destino. b) Camilo Castelo Branco.
Vê se podes segurar o último fio da tua c) Soares de Passos.
vida a uma esperança qualquer. Ver-
d) Castilho.
nos-emos num outro mundo, Simão?
Terei eu merecido a Deus contemplar- e) Álvares de Azevedo.
te? Eu rezo, suplico, mas desfaleço na
fé, quando me lembram as últimas ago- 84. (UFV-MG) Assinale a alternativa
nias do teu martírio. falsa:
V. No R o m a n t i s m o , e s s a r e l a ç ã o V a i a l t a a l u a ! n a mansão d a m o r t e
se m o s t r a m e d i a d a pela v i s ã o Já meia-noite c o m vagar soou.
e interpretação científica da rea-
Q u e paz tranqüila; dos vaivéns da
lidade.
[sorte
Assinale a opção correta: S ó t e m d e s c a n s o q u e m ali b a i x o u .
a ) t o d a s a s a l t e r n a t i v a s estão c o r r e t a s .
Q u e p a z tranqüila!... m a s eis longe,
b) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, II e III estão
[ao longe
corretas.
Funérea c a m p a c o m fragor rangeu;
c) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, IV e V estão
corretas. Branco fantasma semelhante a um
[monge,
d ) a p e n a s a s a l t e r n a t i v a s I , I I , e I V estão
Dentre os sepulcros a c a b e ç a
corretas.
[ergueu.
e ) a p e n a s a s a l t e r n a t i v a s I I , III e I V estão
corretas. Caracterizam o ultra-romantis-
mo devido:
86. (UFU-MG) O homem de todas as
é p o c a s se preocupa com a na- a) à introspecção s u b j e t i v a .
t u r e z a . C a d a p e r í o d o a vê de
b) à predestinação p a r a a g r a n d e z a .
m o d o particular. No Romantis-
m o , a natureza aparece c o m o : c) à beleza estética.
— 149 —
Q u e n a d a existe q u e a mitigue e a
Essa postura de Ricardo Reis
[farte!
frente à imagem de Cristo sugere
que o poeta:
C o n s i d e r e as a f i r m a ç õ e s a
a) aceita Cristo c o m o um deus a mais, r e s p e i t o das q u a d r a s de Florbela
p o r q u e , a p e s a r d e pagão, c o n s i d e - Espanca:
ra-o u m a divindade superior às da
antigüidade greco-latina. I. O recorrente apelo sensual na
poesia de Florbela Espanca in-
b) aceita Cristo apenas c o m o um deus dicia s e u f l a g r a n t e m o d e r n i s -
a m a i s , e m n o m e d e u m a visão m ú l - mo, pelo fato de desafiar as
tipla da realidade, própria da m e n - convenções morais da socieda-
t a l i d a d e pagã. de da época.
c) rejeita o Cristianismo, p o r q u e abra-
II. O p r i n c i p a l traço da m o d e r n i -
ça os ideais do Paganismo, que su-
p u n h a m a negação d a existência d e dade em Florbela Espanca mos-
u m a divindade triste. tra-se na audaciosa ruptura das
convenções literárias, o que se
d) divide-se entre os princípios pa- verifica na revolução sintática e
gãos s e n s u a l i s t a s e o s p r i n c í p i o s na reinvenção da metáfora.
cristãos e s p i r i t u a l i s t a s , c r i a n d o c o m
i s s o u m a tensão e m s u a p o e s i a . III. A confissão amorosa de Florbe-
la Espanca, bastante explícita,
e) se sente impelido a aceitar os prin-
lembra o erotismo das cantigas
c í p i o s cristãos, a i n d a q u e i s t o l h e
de amigo, pelo fato de a mulher
custe a renúncia aos valores do
expor abertamente os sentimen-
paganismo.
tos ao amante.
115. (ENC-SP)
Está correto o que se afirma em:
Frêmito d e m e u c o r p o a p r o c u r a r - t e ,
a) II e III, a p e n a s . d) I e II, a p e n a s .
F e b r e d a s m i n h a s mãos n a t u a p e l e
b) III, a p e n a s . e) I e III, a p e n a s .
Q u e cheira a âmbar, a baunilha e a
[mel, c ) I, II e III.
— 158 —
Respostas
1.b 52. b
2. a 53a
3. a 54. b
4. d 55. b
5.b 56.V,V,V,V,V, V,V
6.C 57. b
7.b 58. e
8.C 59. a
9.e 60. e
10.1,2,1,1,2,1 61. e
11.c 62. c
12.2,3,6,5,1,4 63. c
13. a 64. d
14. e 65.1.a; ll.e
15. c 66. a) Mariana alimenta um amor resignado e subserviente
16. e a Simão. E Simão dedica à Mariana apenas um sen-
17. b timento de gratidão.
18.0 b) Os papéis são as cartas trocadas entre Simão e
19- g Teresa.
20. e c) Mariana serve de apoio a Simão nas adversidades
21. a que ele enfrenta. Além disso, Mariana é o elo de liga-
22. a ção entre Teresa e Simão.
23. c 67. c
24. d 68. c
25.0 69.0
26. e 70. e
27. a 71.b
28. e 72. a) Alexandre Herculano.
29. b b) Fim da Idade Média.
30. d 73. Camilo Castelo Branco. Sua obra situa-se no século
31.a XIX e pertence ao Romantismo.
32. b 74. d
33. c 75. a
34.0 76. c
35. c 77. c
36. e 78. c
37. e 79.6
38. e 80. a) Camões.
39. c b) Almeida Garret.
40. c 81.d
41.e 82. I. Camilo Castelo Branco -Amar de Perdição.
42. b II. "Está conosco a morte."
43. e "Olha q u e te escrevo s e m lágrimas"
44. g , h , i "Deus é bom (...)."
45. f "Eu rezo, suplico, mas desfaleço na fé (...)."
46. b III. Almeida Garret, Soares de Passos, Alexandre Her-
47. V, V, F, F culano, Antônio Castilho, João de Lemos.
48. b 83. c
49. d 84. a
50. e 85. d
51. b 86. d
— 159 —
LITERATURA BRASILEIRA
Introdução
Este livro tem por intenção traçar os portugueses as leis, costumes e va-
um panorama de nossa literatura, deli- lores de sua sociedade, marcados pela
neando o caminho percorrido por esta forte influência do cristianismo.
na busca de sua identidade, enfatizando
Considerei, entretanto, o nosso
seus principais autores e comentando
Quinhentismo como marco inicial da Li-
aspectos relevantes de algumas das
teratura Brasileira, ainda que esta se
obras que compõem o sistema literário
realize nos moldes portugueses sob a
brasileiro.
influência do Classicismo e, sobretudo,
Destina-se, sobretudo, a estudan- de Camões.
tes de Ensino Médio, professores e aos
Aos poucos nossa literatura vai
que iniciam seus estudos relacionados
sofrendo transformações e passando
à literatura brasileira.
a trabalhar com temas e "formas" que
Obviamente, ele não esgota o as- melhor expressam os sentimentos e a
sunto, devido à amplitude e complexida- realidade brasileiros.
de do mesmo, mas pode ser considera-
Outro problema encontrado foi afir-
do um ponto de partida para reflexões
mar com exatidão o início e o término de
posteriores.
um período literário. Na verdade, esta
Ao iniciar o trabalho, deparei-me com tarefa é impossível, já que as transfor-
uma dificuldade: a impossibilidade de de- mações estéticas ocorrem de forma lenta
limitar com precisão o início de uma litera- e gradual, porém, pode-se estabelecer
tura efetivamente brasileira, pois o con- critérios para separar as escolas literá-
ceito de "começo" nela é muito relativo, rias. Procurei seguir um método comu-
como bem ressaltou Antônio Cândido em mente utilizado pelos estudiosos da área:
sua Iniciação à Literatura Brasileira. a publicação de obras decisivas para a
As literaturas que a preconizaram configuração dos movimentos. Eviden-
(portuguesa, francesa) foram se cons- temente, as transformações históricas
tituindo concomitantemente com a for- e sociais refletem-se no campo das ar-
mação dos respectivos idiomas. De tes; por isso não dispensarei uma con-
modo diverso, porém, no caso brasileiro textualização de cada período literário,
temos uma transposição da Lingua Por- enfatizando as mudanças na sociedade
tuguesa, já constituída, para um outro brasileira no decorrer dos tempos.
ambiente. Além da língua, vieram com T. O. L.
— 161 —
Quinhentismo
A história da literatura brasileira tem
início em 1500, com a Carta de Pero Vaz de Literatura
Caminha, escrivão da frota de Pedro Álva-
res Cabral, enviada a D. Manuel I, comuni-
Informativa
cando a descoberta das terras brasileiras.
'Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso. Os motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil,
Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
— 165 —
Resumo do Quinhentismo
Momento sócio-cultural • Destacamos a literatura informativa -
descrição das terras brasileiras, em
É o momento das grandes navega- tom de deslumbramento, e a literatura
ções e descobertas: em busca de jesuítica—obras que exaltam afé cris-
riquezas, as nações européias en- tã, visando à conversão dos índios.
viam expedições marítimas, que as
põem em contato com outras cultu-
Autores e obras
ras. Portugal é uma das principais
• Pero Vaz de C a m i n h a : Autor da
potências marítimas e possui colôni- Carta, documento de inestimável
as ou relações comerciais na Amé- importância por ser a primeira des-
rica, Ásia e África. crição do Brasil.
Dois objetivos distintos (e até con-
• Padre Manuel da Nóbrega: Impor-
traditórios) guiam as navegações
tante figura do início da colonização
portuguesas: a expansão do cristia-
e da catequese dos índios, escreveu
nismo e o desejo de conquistas e de
Cartas cio Brasil (1886) e Diálogo
enriquecimento. sobre a Conversão do Gentio (1557).
Características literárias • J o s é de A n c h i e t a : principal
humanista clássico do Brasil. Escre-
A literatura produzida no Brasil do veu poemas religiosos que exalta-
século XVI não possui traços pró- vam a colonização e a primeira gra-
prios. Apenas descreve as carac- mática do tupi. Obras: Na Festa de
terísticas do território recém-desco- São Lourenço ( 1 5 8 3 ) . Arte de Gramá-
berto. É uma literatura sobre o Brasil tica da Língua mais Usada na Costa
e não uma literatura do Brasil. do eras/7 (1595).
Barroco
O Barroco inicia-se com a publica- so e o profano, a metafísica e a racio-
ção do poema épico Prosopopéia, de nalidade, de modo a conciliar as pers-
Bento Teixeira, em 1601, e tem seu térmi- pectivas medieval e renascentista.
no em 1768, ano em que Cláudio Manuel
Este movimento caracteriza-se por
da Costa publica suas Obras Poéticas,
marcando o princípio do Arcadismo. um profundo dinamismo, audácia, imagina-
ção e exagero. Apesar da existência de
Inicialmente, o termo Barroco expres- um espírito pagão, que valoriza o humano,
sava um fenômeno específico da pintura, instável e finito, ainda há um forte sentimen-
da escultura e da arquitetura, referente to religioso. Dois processos expressivos
aos séculos XVII e XVIII, comumente con- marcam este período: o cultismo e o
siderado monstruoso e de mau gosto. Pos- conceptismo. Um diz respeito ao som e à
teriormente, passou a ser valorizado e re- forma, criando imagens e sensações que
conhecido nas diversas manifestações superam as sugestões da realidade; já o
artísticas. outro centra-se no significado da palavra,
privilegiando o pensamento, a razão.
A Espanha foi o primeiro país a culti-
var a estética barroca, tendo Portugal re- Os escritores trabalham desde as-
cebido forte influência desta, já que se en- suntos triviais até grandes temas, mui-
contrava dominado pela mesma na época. tas vezes utilizando-se de vocábulos
raros, derivados do latim. Preocupam-se
Caracterizado por uma mentalidade
com a beleza, fazendo uso de recursos
pós-renascentista, se por um lado o ho-
da tradição clássica e renascentista,
mem barroco convive com valores medie-
beirando o exagero. Preferem sugerir
vais e cristãos, por outro participa das no-
luzes, cores e sons, transmitindo as con-
vidades pagãs e terrenas advindas do
tradições do ser humano, a nomear dire-
ressurgimento do espírito greco-latino.
tamente as coisas e os seres.
Dessa forma, ele vive em conflito, oscilan-
do entre a razão e a fé, o misticismo e o Cultivam tanto a prosa como a poe-
erotismo, entre o prazer da vida e os mis- sia, principalmente por meio da oratória
térios da morte, entre o material e o espiri- religiosa, merecendo destaque o Padre
tual. Tal estado de conflito interior do ho- Antônio Vieira. Além desta, realizam a
mem barroco pode ser percebido pelo oratória acadêmica, com objetivos his-
uso de artifícios e figuras de linguagem, tóricos ou laudatórios.
que demonstram a tensão entre o homem
A comédia e o drama sobressaem-
e o mundo.
se, tendo Lope de Vega como mestre,
O espírito da Contra-Reforma influen- tanto em Portugal como no Brasil. Entre
ciou o pensamento barroco, que buscou nós, seu grande seguidor é Manuel Bote-
reaproximar o homem e Deus, o religio- lho de Oliveira.
— 170 —
3
Massaud Moisés, História da literatura brasileira, p. 72.
— 171 —
XXI
XVIII
Sendo os Deuses à lajem já
É este porto tal, por estar posta [chegados,
Ua cinta de pedra, inculta e viva,
Estando o vento em calma, o Mar
Ao longo da soberba e larga costa, [quieto,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva.
Depois de estarem todos
Entre a praia e pedra descomposta,
[sossegados,
O estanhado elemento se deriva
Por mandado do Rei, e por decreto,
Com tanta mansidão, que ua fateixa
Proteu no Céu, cos olhos
Basta ter à fatal Argos aneixa.
[enlevados,
XIX Como que investigava alto secreto.
Com voz entoada, e bom meneio,
Em o meio desta obra alpestre, e dura,
Ao profundo silêncio larga o freio.
Ua boca rompeu o Mar inchado,
(TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia, Rio de Janeiro:
Que na língua dos bárbaros escura, I.N.L.,1972)
— 172 —
que foi castigo dos cativeiros, que na neste mesmo ano tirou Deus a Sua Ma-
costa da mesma África começaram a jestade o primogênito dos filhos e a
fazer os nossos primeiros conquista- primogênita das filhas. Senhor, se alguém
dores, com tão pouca justiça como a pedir ou aconselhar a Vossa Majestade
que se lê nas mesmas histórias. maiores larguezas que as que hoje há
nesta matéria, tenha-o Vossa Majestade
As injustiças e tiranias, que se têm por inimigo da vida, e da conservação
executado nos naturais destas terras, da coroa de Vossa Majestade.
excedem muito às que se fizeram na
África. Em espaço de quarenta anos se Dirão porventura (como dizem) que
mataram e se destruíram por esta costa destes cativeiros, na forma em que se
e sertões mais de dois milhões de índi- faziam, depende a conservação e au-
os, e mais de quinhentas povoações mento do Estado do Maranhão; isto, Se-
como grandes cidades, e disto nunca se nhor, é heresia. Se, por não fazer um
viu castigo. Proximamente, no ano de pecado venial, se houver de perder Por-
1655, se cativaram no rio das Amazo- tugal, perca-o Vossa Majestade e dê por
nas dois mil índios, entre os quais mui- bem empregada tão cristã e tão gloriosa
tos eram amigos e aliados dos portugue- perda; mas digo que é heresia, ainda
ses, e vassalos de Vossa Majestade, politicamente falando, porque sobre os
tudo contra a disposição da lei que veio fundamentos da injustiça nenhuma cousa
naquele ano a este Estado, e tudo man- é segura nem permanente; e a experiên-
dado obrar pelos mesmos que tinham cia o tem mostrado neste mesmo Estado
maior obrigação de fazer observar a do Maranhão, e que muitos governado-
mesma lei; e também não houve casti- res adquiriram grandes riquezas e ne-
go: e não só se requer diante de Vossa nhum deles as logrou nem elas se logra-
Majestade a impunidade destes delitos, ram; nem há cousa adquirida nesta terra
senão licença para os continuar! que permaneça, como os mesmos mora-
dores dela confessam, nem ainda que
Com grande dor, e com grande re- vá por diante, nem negócio que aprovei-
ceio de a renovar no ânimo de Vossa te, nem navio que aqui se faça que tenha
Majestade, digo o que agora direi: mas bom fim; porque tudo vai misturado com
quer Deus que eu o diga. A El-Rei Fa- sangue dos pobres, que está sempre cla-
raó, porque consentiu no seu reino o mando ao céu.
injusto cativeiro do povo hebreu, deu-lhe
Deus grandes castigos, e um deles foi
tirar-ihes os primogênitos. No ano de
1654, por informação dos procuradores
deste Estado, se passou uma lei com
As Academias
tantas larguezas na matéria do cativeiro
dos índios, que depois, sendo Sua Ma- O Brasil, assim como Portugal, teve
jestade melhor informado, houve por bem a vida intelectual no século XVIII associa-
mandá-la revogar: e advertiu-se que da a sociedades literárias.
— 178 —
Nas academias discutiam-se as- dos Felizes, que durou de 1736 a 1740,
suntos diversos e recitavam-se com- localizada no Rio de Janeiro; a Acade-
posições. Dentre as academias que mia dos Seletos, também ambientada
se formaram podemos destacar a Aca- no Rio, porém no ano de 1752, e a
demia Brasílica dos Esquecidos, fun- Academia dos Renascidos, fundada
dada em 1724 na Bahia; a Academia em 1759 na Bahia.
Resumo do Barroco
Arcadismo
Ao remontarmos à segunda me- região mitológica da Grécia em que se
tade do século XVIII, encontramos a concretizou o ideal da vida rústica e
Europa em um importante momento de em harmonia com a natureza. Os es-
mudanças culturais. No ano de 1751 critores idealizavam a vida campestre,
foi publicada na França a Enciclopé- autodenominavam-se "pastores" e di-
dia, tendo como principais responsá- rigiam-se às mulheres como pastoras.
veis D'Alambert, Diderot e Voltaire, que
A importância atribuída à nature-
visavam compilar todo o conhecimen-
za em grande parte deve-se à figura
to científico da humanidade adquirido
de Rousseau, que propôs o retorno à
ao longo dos anos.
natureza, origem de todo bem. Traba-
A razão foi muito valorizada pe- lhou com a figura do "bom selvagem",
los enciclopedistas, que enxergavam homem ainda não corrompido pela so-
nela uma possibilidade de progresso ciedade. Como bem enfatizou Antônio
5
social e cultural. No ano de 1789 ocor- Cândido em Formação da Literatura
reu a Revolução Francesa e, como Brasileira, no século XVIII o herói lite-
conseqüência, assiste-se à queda da rário por excelência é o homem natu-
monarquia. ral, demonstrando toda a nobreza e ter-
nura do ser humano, como enxergava
Tais transformações compõem o Rousseau.
que chamamos de Iluminismo, movi-
mento renovador que enfatiza a razão
Os árcades criticam os exageros
como único guia infalível da sabedo-
verbais do Barroco, propondo uma li-
ria e caracteriza o universo como uma
teratura mais simples e natural, em
máquina governada por leis inflexíveis
consonância com o pensamento do sé-
que o homem não pode desprezar,
culo XVIII. Enfatizam a importância dos
não havendo milagres ou intervenção
sentimentos, da clareza nas idéias, da
divina para modificar a ordem da na-
retomada da naturalidade dos escrito-
tureza.
res clássicos, sobretudo Teócrito e Vir-
O Arcadismo em Portugal teve iní- gílio. Tanto o campo intelectual como o
cio em 1756, com a fundação da Arcá- afetivo devem ser constituídos tendo
dia Lusitana. Esta procurava estrutu- como base a simplicidade. Por retoma-
rar-se da mesma forma que a Arcádia rem o equilíbrio dos clássicos antigos,
Romana, criada em Roma em 1690. A recebem a denominação de neoclás-
denominação Arcádia remonta a uma sicos.
5
Aníônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira, v. 1, p. 56
— 180 —
A poesia deve ter seu cerne na ver- grupo de letrados, alguns deles ex-es-
dade e ser verossímil, ou seja, transmitir tudantes da Universidade de Coimbra,
algo que parece possível e encontra-se reuniram-se e tiveram importante papel
próximo da realidade. Dessa forma, ela na Inconfidência Mineira.
pode ser considerada bela, pois imita o
A literatura procurava distanciar-se
mundo físico e moral, como propunha a
dos moldes portugueses, apesar de ainda
mimesis aristotélica, que resultou na es-
realizar a imitação dos clássicos. Somado
tética da imitação.
a isso, tentava buscar uma identidade bra-
Apesar de ainda valorizarem a reli- sileira, valorizando o índio como um herói,
gião e a monarquia, voltam-se para as- caso dos poemas épicos O Uraguai, de
suntos mais ligados à vida material, tais Basílio da Gama e Caramuru, de Santa
como a virtude civil e a obediência às leis Rita Durão. Tal literatura possuía uma vi-
da natureza como forma de harmonia so- são crítica da realidade brasileira, como
cial. Dessa forma, envolvem-se mais com podemos perceber no poema satírico Car-
a política e acreditam na instrução e no tas Chilenas, de Tomás Antonio Gonzaga.
amadurecimento cultural como indicado-
Os poetas árcades passaram a tra-
res da felicidade humana. Influenciados
balhar temas universais, além de reno-
pela Ilustração (outro nome para o Ilumi-
var as técnicas artísticas. Com isso, a
nismo), vêem na razão e na ciência mei-
literatura brasileira foi se consolidando,
os para transformar a sociedade.
à medida que aumentava a consciência
O Arcadismo no Brasil iniciou-se em literária.
1768 com a publicação das Obras Poé-
A divulgação da literatura no país ocor-
ticas, de Cláudio Manuel da Costa e teve
ria nas Academias, sessões literárias pas-
seu término em 1836, com a obra Suspi-
sageiras e não muito densas: Após a
ros poéticos e saudades, de Gonçalves
vinda da Família Real, em 1808, a ativida-
de Magalhães, quando começou o Ro-
de intelectual cresceu e tornou-se mais
mantismo.
amadurecida. Foi difundido o primeiro jor-
O século XVIII no Brasil é tido como o nal - O Correio Brasiliense - e as pri-
século do ouro, pois há forte atividade de meiras revistas foram publicadas, como
extração mineral. Após a descoberta de O Patriota; estabeleceram-se novas es-
ouro e diamante, o eixo político deslocou- colas; houve a fundação da Imprensa
se para o Sul e a capital deixou de ser a Régia e a abertura da Biblioteca Real.
Bahia, passando a ser o Rio de Janeiro.
Portugal tinha como objetivo explorar sua
colônia, por isso aumentava os impostos Cláudio Manuel da Costa
sobre a extração dos minérios. (1729-1789)
Os Estados Unidos obtiveram sua
independência, além disso propagavam- Cláudio Manuel da Costa nasceu em
se idéias liberais, trazidas por estudan- 1729, em Minas Gerais. Estudou no Rio de
tes brasileiros. Como conseqüência, um Janeiro e posteriormente cursou Direito
— 181 —
5
Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, p. 6 1 .
— 182 —
De algum vassalo a dor; não se limita, Que desde a sua altura ao centro
[desce
O régio braço: a todos se dilata,
Da profunda cata, e as águas chupa.
A todos favorece, acolhe, e trata,
Vê-se outro mineiro, que se ocupa
Sem outra distinção mais, do que
[aquela, Em penetrar por mina o duro monte
Os grossos esmeris são depurados, Que inda nos lembra o mísero tributo,
[terra. [guardam:
Possui uma visão do índio mais en- Vendo avançar-se a nau na via
quadrada nos moldes jesuíticos e colo- [undosa,
niais do que propriamente iluministas.
E que a esperança de o alcançar
O indígena encontra-se diante do [perdiam:
elemento colonizador e missionário, que Entre as ondas com ânsia furiosa
tenta persuadi-lo a modificar suas ati-
Nadando o esposo pelo mar seguiam,
tudes e postura diante da vida e abando-
nar práticas contrárias à moral e à reli- E nem tanta água que flutua vaga
gião portuguesas, tais como a antropo- O ardor que o peito tem, banhando
fagia. [apaga.
Diogo Álvares, o Caramuru, é o
herói do poema. O termo, segundo o pró- XXXVII
prio autor, significa "filho do trovão". Este
coloniza e ensina a doutrina cristã aos Copiosa multidão da nau francesa
índios, considerados bárbaros. Corre a ver o espetáculo
[assombrada;
Caramuru
E ignorando a ocasião da estranha
Caramuru é composto por dez can-
[empresa,
tos e dividido em cinco partes: proposi-
ção, invocação, dedicatória, narrativa e Pasma da turba feminil, que nada:
epílogo. Assim como Camões em Os Uma, que às mais precede em
Lusíadas, faz uso do maravilhoso pa-
[gentileza,
gão e do cristão. A narrativa gira em
torno do personagem Diogo Alves Cor- Não vinha menos bela, do que irada:
reia, o Caramuru, que naufraga e con- Era Moema, que de inveja geme,
segue escapar da morte. O texto carac-
E já vizinha à nau se apega ao leme.
teriza-se pela descrição da terra brasi-
leira, suas riquezas, fauna e flora. Além
XLII
disso, traz informações sobre os índios
e sua cultura. Destacam-se os perso-
Perde o lume dos olhos, pasma e
nagens Diogo Alves Correia, o Caramu-
ru, Paraguaçu (sua esposa), Moema, [treme,
Sergipe, Gupeva. Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Resumo do Arcadismo
Momento sócio-cultural dismo é o bucolismo (exaltação da
• O centro sócio-econômico da colo- vida no campo, idealizada como tran-
nia desloca-se do Nordeste para o qüila e feliz).
Centro-sul, devido à descoberta de • Uso da mitologia clássica e dos prin-
cípios renascentistas: racionalismo,
ouro e diamantes em Minas Gerais.
equilíbrio, clareza.
• Ocorre um surto de urbanização em
Minas e Rio de Janeiro (que se torna Autores e obras
a nova capital da colônia), e aumen-
ta o número de intelectuais. • Cláudio Manuel da Costa: partici-
• Influenciada pelas idéias iluministas pante da Inconfidência Mineira, dei-
e pela Revolução Francesa, ocorre xou Obras Poéticas (1768) e o épi-
a Inconfidência Mineira, rebelião que co Vila Rica (1839).
intentava a independência do Brasil. • T o m á s A n t ô n i o G o n z a g a : outro
poeta que participou da Inconfidên-
Características literárias cia. Deixou obra muito influente, onde
• O Arcadismo opõe-se ao Barroco, os destaques são Cartas Chilenas
procura eliminar da arte os exces- (reunidas entre 1845-1863) e Marília
sos praticados pela literatura barro- de Dirceu (1792).
ca. Esse objetivo produziu uma arte • B a s í l i o da G a m a : escreveu O
simples, sem exageros formais, que Uraguai (1769), poema épico que
pretendia retratar a natureza de critica a ação dos jesuítas e enaltece
modo direto. Outra marca do Arca- o marquês de Pombal.
— 193 —
Romantismo
No Brasil, o Romantismo tem início vés das ricas descrições da terra bra-
em 1836, com a publicação de Suspiros sileira que encantara o colonizador por-
Poéticos e Saudades, do mesmo Gon- tuguês.
çalves de Magalhães.
Em Portugal os escritores românti-
Após a vinda da família real para o cos procuravam retomar o passado his-
Brasil, em 1808, o Rio de Janeiro pas- tórico medieval. Já os autores brasilei-
sou a ter hábitos semelhantes aos da ros retomaram a época colonial reali-
sociedade aristocrática européia. Além zando a idealização do índio, que pas-
disso, D. João VI tomou medidas que sou a ser o nosso herói. Entretanto, o
possibilitaram o nosso crescimento cul- índio brasileiro possuía a mesma per-
tural, tais como a abertura dos portos, a feição física e moral do cavaleiro medi-
criação de bibliotecas e de escolas su-
eval europeu. Além do passado históri-
periores e a permissão para o funciona-
co, os românticos buscavam as paisa-
mento de tipografias.
gens e civilizações exóticas. O Brasil
dirige seu olhar à Europa e ao Oriente.
A economia brasileira era essen-
Há, portanto, uma evasão temporal e
cialmente agrária e apoiada no latifún-
espacial. Além disso, preferem a noite,
dio, escravismo e exportação, tendo
pois esta possibilita o sonho, a imagina-
como detentores do poder a nobreza
fundiária e o alto clero. ção, enfim, a manifestação do incons-
ciente.
No período imperial, o Brasil pos-
suía grande número de analfabetos.
Dessa forma, havia um restrito público
leitor, mas este era ávido por uma litera- Poesia
tura que viesse ao encontro de seus
dramas sentimentais.
Os românticos rompem com a ri-
O movimento romântico possuía gidez formal, preferindo a liberdade de
forte ligação com a política e defendia a criação. A expressão de seus senti-
liberdade, assim como a construção de mentos não pode ficar presa a esque-
uma pátria brasileira. Percebia-se um mas rítmicos regulares, tais como o so-
forte anseio de criação de uma literatu- neto. Por Isso, praticamente não o uti-
ra essencialmente brasileira, com estilo lizam.
próprio. Por isso, alguns temas eram tra-
tados de modo diverso ao da literatura Percebe-se o emprego dos versos
portuguesa. livres e de estrofes regulares e irregu-
lares. Além disso, dá-se importância à
A natureza expressava o universo musicalidade.
interior do poeta ou personagem, seus
sentimentos, aspirações e frustrações. Os estudiosos costumam dividir a
Além disso, refletia o nacionalismo atra- poesia romântica em três fases.
— 195 —
voltou para o Maranhão, mas dois anos de- Minha terra tem palmeiras,
pois vai para o Rio de Janeiro, atuando co-
Onde canta o Sabiá;
mo professor de Latim e História do Brasil
no Colégio Pedro II e redator da revista As aves, que aqui gorjeiam,
Guanabara. Seus escritos abrangem poe- Não gorjeiam como lá.
sia, teatro, etnografia e historiografia. Fale-
ceu em 1864, quando retornava de uma Nosso céu tem mais estrelas,
viagem à Europa, no naufrágio do "Ville de
Nossas várzeas têm mais flores,
Boulogne". Foi, segundo Massaud Moi-
8
sés , o primeiro poeta realmente brasileiro Nossos bosques têm mais vida,
no que diz respeito à sensibilidade e à Nossa vida mais amores.
temática.
Em cismar, sozinho, à noite,
Realizou estudos na Amazônia so-
Mais prazer encontro eu lá;
bre a cultura indígena e enriqueceu seus
poemas com a mesma, além de acres- Minha terra tem palmeiras,
centar termos de língua indígena. Onde canta o Sabiá.
B
M a s s a u d Moisés, A literatura brasileira através dos textos, p. 122.
9
Esses versos compõem a "Canção de Mignorf de Goethe e foram traduzidos do seguinte modo por Manuel
Bandeira: "Conheces o país onde florescem as laranjeiras? / Ardem na escura fronde os frutos de ouro... / Conhecê-
lo? - Para lá, para lá quisera eu ir!".
— 197 —
Em sua popular Canção do exílio, Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Gonçalves Dias exalta sobremaneira o Um quê mal definido, acaso podem
Brasil, enfatizando sua paisagem e con-
Num engano d'amor arrebatar-nos.
trapondo-a à paisagem européia.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Demonstra forte nacionalismo, che-
Devaneio, ilusão, que se esvaece
gando a exagerar na descrição da na-
tureza brasileira e não demonstrando Ao som final da orquestra, ao
senso crítico em relação à realidade. [derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer
Se Se Morre de Amor! [despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o
Meere und Berge und Horizonte zwischen
[chamam,
[den
D'amor igual ninguém sucumbe à
Liebenden - aber die Seelen versetzen
[perda.
[sich
aus d e m staubigen Kerker und treffen Amor é vida; é ter constantemente
[sich im Alma, sentidos, coração - abertos
Paradiese der Liebe. Ao grande, ao belo; é ser capaz
Schiller, Die Räuber [d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Se se morre de amor! - Não, não se
Compr'ender o infinito, a
[morre,
[imensidade,
Quando é fascinação que nos E a natureza e Deus; gostar dos
[surpreende
[campos,
De ruidoso sarau entre os
D'aves, flores, murmúrios
[festejos;
[solitários;
Quando luzes, calor, orquestra e
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
[flores
E ter o coração em riso e festa;
Assomos de prazer nos raiam
E à branda festa, ao riso da nossa
[n'alma,
[alma
Que embelezada e solta em tal
Fontes de pranto intercalar sem
[ambiente
[custo;
Nos ouve, e no que vê prazer
Conhecer o prazer e a desventura
[alcança!
No mesmo tempo, e ser no mesmo
Simpáticas feições, cintura breve, [ponto
Graciosa postura, porte airoso, O ditoso, o misérrimo dos entes;
— 198 —
Juntas-em puro céu d'extases puros: Esse, que à dor tamanha não
[sucumbe,
Se logo a mão do fado as torna
Inveja a quem na sepultura
[estranhas,
Se os duplica e separa, quando [encontra
[unidos Dos males seus o desejado termo!
— 199 —
O Canto do Piaga
Segunda Fase:
l
O Mal-do-século ou
Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Geração Byroniana
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Mais precisamente entre as décadas
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi. de 1840 e 1850, o romantismo atinge seu
ponto culminante e mais egocêntrico com
Essa noite - era a lua já morta - o Ultra-Romantismo ou mal-do-século.
Anhangá me vedava sonhar; Esta fase recebeu forte influência de poe-
Eis na horrível caverna, que habito, tas europeus, principalmente do inglês
George Gordon Byron (1788-1824), mais
Rouca voz começou-me a chamar.
conhecido como Lord Byron. Este criou
heróis sonhadores, que viviam grandes
Abro os olhos, inquieto, medroso,
aventuras e contestavam as convenções
Manitôs! que prodígios que vi! morais e religiosas aceitas pela burguesia.
Arde o pau de resina fumosa, Byron teve uma vida conturbada, defen-
Não fui eu, não fui eu, que o acendi! deu a liberdade, integrou diversos movi-
mentos revolucionários e veio a morrer na
Eis rebenta a meus pés um Grécia, juntamente com os gregos que al-
mejavam a independência na luta contra
[fantasma,
os turcos. Em vários países teve imitado-
Um fantasma dMmensa extensão;
res e admiradores. No Brasil, vários escri-
Liso crânio repousa a meu lado. tores da segunda geração tinham profun-
Feia cobra se enrosca no chão. da admiração por sua figura; por isso esta
geração também é conhecida como byro-
O meu sangue gelou-se nas veias, niana. Álvares de Azevedo parece ter si-
Todo inteiro - ossos, carnes - do o poeta que mais se inspirou em Byron
para escrever seus poemas, além de citá-
[tremi,
lo com freqüência em seus versos.
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti. Nesta fase, a produção poética bra-
sileira acentua o subjetivismo, trabalha com
Era feio, medonho, tremendo,
os temas do amor e da morte e, sobretu-
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi. do, com as questões do tédio existencial.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O ultra-romântico fecha-se em si
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi! mesmo, pois se vê insatisfeito com a rea-
(zlpud MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira lidade circundante. Dessa forma, por ve-
através dos textos, p. 127-129.) zes parte para o devaneio, para o erotis-
— 200 —
Esta noite eu ousei mais atrevido Oh! meu Deus! era um rol de
[roupa suja!
Nas telhas que estalavam nos
[meus passos Mas se Werther morreu por ver
Ir espiar seu venturoso sono, [Carlota
Seio da virgem
Oh! decerto... (pensei) é doce
[página Quand on te vott, il vient à maints
Une envie dedans les mains
Onde a alma derramou gentis Oe te tâter, de te tenir...
[amores; Clement Marot
— 206
Ondam ermos, rochedo alto e selvagem; E tudo, ameaçam co'o trovão que
[atroa.
S'estende o cortinado, a áurea
Tarde este céu despertam, que nos tomam
[teagem;
Sempre véu-luz à cada negra vaga Pelo inimigo invasor, e as cataratas
Minhalma é Triste
Laurindo Rabelo
Mon coeur est plein - je veux pleurer!
(1826-1864)
Lamartine
IV
Laurindo José da Silva Rabelo nas-
MinI'alma é triste como o grito agudo ceu em 1826 no Rio de Janeiro. De ori-
Das arapongas no sertão deserto; gem mestiça e humilde, cursou a Esco-
la Militar, porém optou por Medicina, vin-
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
do a formar-se na Faculdade da Bahia.
Longe da praia que julgou tão perto!
Ficou muito conhecido por seus repen-
tes e solos de violão; compôs quadras,
A mocidade no sonhar florida
publicadas em 1853 intituladas Trovas.
Em mim foi beijo de lasciva virgem: Serviu no Exército durante alguns anos
- Pulava o sangue e me fervia a vida, como oficial médico e permaneceu como
professor adido à Escola Militar pouco
Ardendo a fronte em bacanal
antes de sua morte, em 1864. Utilizou
[vertigem.
fontes populares de forma criativa e
De tanto fogo tinha a mente cheia!... simples.
(Apud Antonio Candido e José Aderaldo Castello, José Martiniano de Alencar nasceu
Presença da Literatura Brasileira, pp. 264-270.) em Mecejana, Ceará, em 1829. Realizou
— 215 —
Era uma bela tarde de janeiro. Dois - Pois vamos lá com isso, Margari-
meninos brincavam à sombra das pai- da, exclamou Eugênio, vindo ao chão de
neiras: um rapazinho de doze a treze um salto, e ambos foram ajuntar as pou-
anos e uma menina, que parecia ser cas vacas que ali andavam pastando.
pouco mais nova do que ele.
- Arre! Com mil diabos!... que bezer-
A menina era morena, de olhos rada mofina! - exclamou o rapaz tan-
grandes, negros e cheios de vivacida- gendo os bezerros. - Por que é que es-
de, de corpo esbelto e flexível como o tes bezerros da tia Umbelina andam
pendão da imbaúba. sempre assim tão magros?
O rapaz era alvo, de cabelos cas- - Ora! Pois, que é que você quer?
tanhos, de olhar meigo e plácido e em Mamãe tira quase todo o leite das va-
sua fisionomia como em todo o seu ser cas, e deixa um pinguinho só para os
transluziam indícios de uma índole pa- pobres bezerros. Por isso mesmo qua-
cata, doce e branca.
se nenhuma cria pode vingar, e algum
A menina, sentada sobre a relva, que escapa mamãe vende logo.
despencava um molho de flores silves-
- E por que é que ela não te dá uma
tres de que estava fabricando um rama-
bezerrinha? aquela vermelhinha estava
lhete, enquanto seu companheiro, atra-
bem bonita para você...
cando-se como um macaco aos galhos
das paineiras, balançou-se no ar, fazia - Qual!... não vê que ela me dá!... e
mil passes e piruetas para diverti-la. eu que tenho tanta vontade de ter a mi-
nha vaquinha. Há que tempo Dindinha
Perto deles, espalhados no var-
prometeu de me dar uma bezerra e até
gedo, umas três ou quatro vacas e mais
hoje estou esperando...
alguns reses estavam tosando tranqüi-
lamente o fresco e viçoso capim. - Mamãe?... ora!... é porque ela se
O sol, que já não se via no céu, to- esqueceu... deixa estar, que eu hei de
cava com uma luz de ouro os topes abau- falar com ela... mas não, eu mesmo é
lados dos altos espigões; uma aragem que hei de te dar uma novilha pintada
quase imperceptível mal rumorejava pe- muito bonitinha que eu tenho. Assim como
las abas do capão e esvoaçava por assim, eu tenho de me ir embora mesmo,
aquelas baixadas cheias de sombra. que quero eu fazer com a criação?
12
Segundo Antônio Cândido , pos-
Joaquim Manuel suía uma visão da sociedade e do ho-
de Macedo mem estreita e superficial, além de pou-
co senso estético.
(1820-1882)
Joaquim Manuel de Macedo nasceu A moreninha
em São João do Itaboraí, Rio de Janeiro,
em 1820. Graduou-se em Medicina, po- Carolina e Augusto se amavam e já
rém não chegou a atuar como médico. haviam até jurado eterna felicidade em
Exerceu o magistério no Colégio Pedro sua infância, porém o pai do rapaz se
II, foi deputado e jornalista. Faleceu no opunha ao relacionamento. Apesar dis-
Rio de Janeiro no ano de 1882. so, após alguns contratempos o casa-
mento se consuma e assiste-se a um
A sua obra de maior importância é A
final feliz.
Moreninha (1844), pois se tornou um mar-
co para o romance brasileiro, além de ob- VI
ter grande sucesso junto ao público. Tra-
balha neste romance a posição da mu- Augusto com seus amores
lher, considerada na época meio de enri-
(...)
quecimento ou qualificação através do ca-
samento, já que as moças costumavam D. Carolina, pelo contrário, havia
casar levando um dote a seu futuro mari- rejeitado dez braços. Queria passear
do. Contudo, transmitiu uma visão con- só. Um braço era uma prisão e a engra-
servadora, reforçando nas mulheres a çada Moreninha gostava, sobretudo, da
idéia de que eram destinadas ao casa- liberdade. Ela queria correr, saltar e en-
mento e só através dele encontrariam a
treter com as outras diante de todos, e
felicidade. Além de romances, escreveu
daqui a pouco ser a última no passeio,
contos, novelas, teatro, poesia, relatos
viva, com os olhos brilhantes, ágil, e com
biográficos, sátiras de costumes, crôni-
seu pezinho sempre pronto para a car-
cas e obras de caráter didático. Eis algu-
reira; inocente para não se envergonhar
mas de suas obras: O Moço Loiro (1845),
de suas travessuras e criada com mimo
A Luneta Mágica; O Cego (1849); O Novo
Otelo (1860); A Nebulosa (1857); Me- demais para prestar atenção ao conse-
mórias do Sobrinho de meu Tio (1868). lho de seu Irmão, estava em toda a par-
te, via, observava tudo, e de tudo tirava
Sua prosa assemelha-se à fala diá- partido para rir-se. Em contínua hostili-
ria, estando seus romances muito pró- dade com todas aquelas que passea-
ximos da narrativa oral. Além disso, pro- vam com moços, de cada vista d'olhos,
curava observar o mundo a sua volta e de cada suspiro, de cada ação que per-
retratava-o com certa simplicidade. cebia, tirava motivo para seus epigra-
,Ibi
d,p.127.
— 223 —
mas; e, inimigo invencível, porque não - Não, minha senhora, o único par-
tinha fraco por onde fosse atacado, era tido que eu procuro e tenho conseguido
por isso temido e arriscado. Deixemo-la, tirar, é o sossego de que há algum tem-
pois, correr e saltar, aparecer e desapa- po gozo.
recer ao mesmo tempo; nem à nossa pena
- Como?
é dado o poder de acompanhá-la, que
ela é tão rápida como o pensamento. - É uma história muito longa, mas que
eu resumirei em poucas palavras. Com
Finalmente, o pobre Augusto en-
efeito, não sou tal qual me pintei durante
controu uma senhora que teve piedade
o jantar. Não tenho a louca mania de
dele. Estão afastados do resto da com-
amar um belo ideal, como pretendi fazer
panhia, e conversavam. Vamos ouvi-los.
crer; porém, o certo é que eu sou e que-
8
- Com efeito, disse a sr d. Ana, ro ser inconstante com todas e conser-
devo confessar que me espantei ouvin- var-me firme no amor de uma só.
do-o sustentar com tão vivo fogo a in-
- Então o senhor já ama?
constância do amor.
- Julgo que sim.
- Mas, minha senhora, não sei por
- A uma moça?
que se quer espantar!... é uma opinião.
- Pois então a quem?
- Um erro, senhor!... ou, melhor ain-
- Sem dúvida bela?...
da, um sistema perigoso e capaz de pro-
duzir grandes males. - Creio que deve ser.
- Pois o senhor não sabe?...
- Eis o que também me espanta!
- Juro que não.
- Não senhor, nada há aqui que
- O seu semblante?
exagerado seja; rogo-lhe que por um
instante pense comigo; se o seu siste- - Não me lembro dele.
ma é bom, deve ser seguido por todos; - Mora na corte?...
e se assim acontecesse, onde iria as- - Ignoro-o.
sentar o sossego das famílias, a paz
- Vê-a muitas vezes?
dos esposos, se lhe faltava a sua base
- a constância?... - Nunca.
- Como se chama?
Augusto guardou silêncio e ela con-
tinuou: - Desejo sabê-lo.
- Que mistério!...
- Eu devo crer que o sr. Augusto
pensa de maneira absolutamente diver- - Eu devo mostrar-me grato à bon-
sa daquela peia qual se explicou; con- dade com que tenho sido tratado, satis-
sinta que lhe diga: no seu pretendido fazendo a curiosidade que vejo muito
sistema, o que há é muita velhacaria; avivada no seu rosto; e, pois, a senho-
finge não se curvar por muito tempo di- ra vai ouvir o que ainda não ouviu ne-
ante de beleza alguma, para plantar no nhum dos meus amigos, o que eu não
amor-próprio das moças o desejo de tri- lhes diria, porque eles provavelmente
unfar de sua inconstância. rir-se-iam de mim. Se deseja saber o
— 224 —
Resumo do Romantismo
Momento sócio-cultural Autores e obras
• Recém independente, o Brasil pro- • Gonçalves Dias: considerado o pri-
cura afirmar sua individualidade meiro poeta genuinamente nacional,
como nação, busca o reconhecimen- deixou obra vasta, destacando-se Pri-
to perante outras nações. meiros Cantos (1847), Os Timbiras
(1857), Últimos Cantos (1851).
• Ascensão da burguesia e de seus
valores: liberdade individual e libera- • Álvares de Azevedo: maior nome
da geração mal-do-século. Escreveu
lismo. Porém, logo surge insatisfa-
Lira dos Vinte Anos (1853), Noite
ção com o cotidiano da vida burgue-
na Taverna (1855), Macário (1855).
sa, o que gera um sentimento de
• Castro Alves: expoente da gera-
tédio e desencanto com o mundo,
ção condoreira, denunciou a escra-
expressos pela arte romântica.
vidão, defendeu a liberdade e exal-
Características literárias tou a mulher. Deixou Espumas Flu-
tuantes (1870), A Cachoeira de Pau-
• Negação dos valores pregados pelo
lo Afonso (1876).
Arcadismo: a arte deve ser subjeti-
• José de Alencar: defensor de uma
va, emotiva, sua força deve estar literatura realmente brasileira, que ali-
no conteúdo; o artista expõe seu asse consciência nacional ao rigor
mundo interior. estético. De sua vasta e influente
• O culto à forma é rejeitado. Em nome obra, d e s t a c a m o s O Guarani
da liberdade de expressão o artista (1857), Iracema (1865), Ubirajara
dispõe da forma como bem entende. (1874), O Sertanejo (1875).
• Os temas principais do Romantismo • Manuel Antônio de Almeida: dei-
(introversão, tédio, nacionalismo, xou Memórias de um Sargento de
amor, morte) são tratados de forma Milícias (1855), importante retrato do
sentimental e imaginativa. Rio de Janeiro do período joanino.
— 226 —
Realismo-Naturalismo
A economia açucareira encontra- enunciar a noção de evolução. Todavia,
se em decadência e esta situação agra- foi Darwin quem expôs os processos
va-se ainda mais com a extinção do trá- pelos quais a evolução das linhagens
fico negreiro em 1850. Com isso, o eixo determina a das populações. O avanço
econômico desloca-se para o Sul e há da medicina e das ciências biológicas é
um ambiente favorável ao pensamento percebido em sua obra A Origem das
liberal, abolicionista e republicano. O país Espécies (1859).
recebe influências do Positivismo e Evo-
lucionismo. Com tais idéias em voga, há um
campo propício para o desenvolvimento
O Positivismo foi criado por Augusto de uma nova estética literária: o Realis-
Comte (1798-1857) com o Curso de Fi- mo, que se opõe ao Romantismo, con-
losofia Positiva, obra em seis volumes, trapondo-se ao caráter espiritualista e
publicada entre 1830 e 1842. Nela de- idealizador do mesmo.
fende a importância crucial da Ciência
para a vida do homem em sociedade. O Realismo tem início no Brasil em
Propõe o abandono da Teologia e da 1881, com a publicação de Memórias
Metafísica e sugere a busca do conhe- Póstumas de Brás Cubas, de Machado
cimento "positivo" da realidade, ou seja, de Assis. Paralelamente ao Realismo,
concreto, objetivo e obtido através da caminha o Naturalismo, que principia
análise e experimentação. no mesmo ano, com a publicação de O
Mulato, de Aluísio de Azevedo. O Rea-
A filosofia positiva influenciou ou- lismo-Naturalismo tem seu término em
tros pensadores, entre eles Proudhon, 1902, com o surgimento de Os Sertões,
que forneceu a base para as idéias so- de Euclides da Cunha, e Canaã, de Gra-
cialistas por meio de seus escritos em ça Aranha, obras que marcam o princí-
jornais e obras como Filosofia do Pro- pio de um novo período literário: o Pré-
gresso (1835) e Sistemas das Contra- Modernismo. —
dições Econômicas (1846). Além des-
te, Hipólito Taine baseou-se nas idéias Os escritores desse período pro-
de Comte para apresentar a sua teoria curam descrever os costumes e as re-
determinista da obra de arte, condicio- lações entre os seres humanos com
nada a alguns fatores: herança, meio e maior realidade.
momento histórico.
O Naturalismo pode ser conside-
O Evolucionismo é uma teoria fun- rado como o Realismo levado até as
damentada na idéia de evolução dos últimas conseqüências. Procura dar ex-
seres vivos. Lamarck foi o primeiro a plicações científicas para o comporta-
— 227 —
mente seguindo uma ordem linear, mas um autor defunto, mas um defunto au-
acompanhando o fluxo das lembranças. tor, para quem a campa foi outro berço;
Entre outras coisas, recorda a paixão a segunda é que o escrito ficaria assim
adolescente pela prostituta Marcela e o mais galante e mais novo. Moisés, que
grande amor de sua vida: Virgília, espo- também contou a sua morte, não a pôs
sa de Lobo Neves. no intróito, mas no cabo: diferença radi-
cal entre este livro e o Pentateuco.
Brás Cubas sempre almejou a imor-
talidade. Não obteve os meios para con- Dito isto, expirei às duas horas da
segui-la em vida: não se casou, não teve tarde de uma sexta-feira do mês de agos-
filhos, não foi político, tampouco reali- to de 1869, na minha bela chácara de
zou grandes contribuições científicas, Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro
apesar de sua tentativa, o emplasto. anos, rijos e prósperos, era solteiro, pos-
Entretanto, após sua morte, consegue suía cerca de trezentos contos e fui
realizar seu intento escrevendo uma acompanhado ao cemitério por onze
obra póstuma. amigos. Onze amigos! Verdade é que
não houve cartas nem anúncios. Acres-
O capítulo a seguir é o primeiro do
ce que chovia - peneirava - uma chuvi-
livro, em que o narrador apresenta-se
nha miúda, triste e constante, tão cons-
como um "defunto autor" e inicialmente
tante e tão triste, que levou um daqueles
reflete sobre a própria construção da
fiéis da última hora a intercalar esta en-
narrativa, discutindo como deveria
genhosa idéia no discurso que proferiu
começá-la. Em seguida, relata sua mor-
à beira de minha cova: - "Vós, que o
te e reconstrói o quadro de seu enterro,
conhecestes, meus senhores, vós po-
mostrando com sutileza e ironia os jo-
deis dizer comigo que a natureza pare-
gos de interesse e as atitudes dissimu-
ce estar chorando a perda irreparável
ladas dos indivíduos e desmascarando
de um dos mais belos caracteres que
a hipocrisia da sociedade. Merece des-
têm honrado a humanidade. Este ar som-
taque a caracterização psicológica dos
brio, estas gotas do céu, aquelas nu-
personagens, realizada com maestria
vens escuras que cobrem o azul como
pelo escritor.
um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua
CAPÍTULO I e má que lhe rói à natureza as mais ínti-
mas entranhas; tudo isso é um sublime
ÓBITO DO AUTOR louvor ao nosso ilustre finado."
Algum tempo hesitei se devia abrir Bom e fiel amigo! Não, não me arre-
estas memórias pelo princípio ou pelo pendo das vinte apólices que lhe deixei.
fim, isto é, se poria em primeiro lugar o E foi assim que cheguei à cláusula dos
meu nascimento ou a minha morte. Su- meus dias; foi assim que me encaminhei
posto o uso vulgar seja começar pelo para o undiscovered country de Hamlet,
nascimento, duas considerações me le- sem as ânsias nem as dúvidas do moço
varam a adotar diferente método: a pri- príncipe, mas pausado e trôpego como
meira é que eu não sou propriamente quem se retira tarde do espetáculo. Tar-
— 229 —
(Machado de Assis, Quincas Borba, São Paulo: Globo. Tudo era matéria às curiosidades
1997. p.6-9.) de Capitu. Caso houve, porém, no qual
— 233 —
Entretanto, das portas surgiam ca- cansavam, era um abrir e fechar de cada
beças congestionadas de sono; ouvi- instante, um entrar e sair sem tréguas.
am-se amplos bocejos, fortes como o Não se demoravam lá dentro e vinham
marulhar das ondas; pigarreava-se gros- ainda amarrando as calças ou as salas;
so por toda a parte; começavam as xí- as crianças não se davam ao trabalho
caras a tilintar; o cheiro quente do café de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no
aquecia, suplantando todos os outros; capinzal dos fundos, por detrás da es-
trocavam-se de janela para janela as talagem ou no recanto das hortas.
primeiras palavras, os bons dias; reata-
vam-se conversas interrompidas à noi- O rumor crescia, condensando-se;
te; a pequenada cá fora traquinava já, e o zunzum de todos os dias acentuava-
lá dentro das casas vinham choros aba- se; já se não destacavam vozes dis-
fados de crianças que ainda não an- persas, mas um só ruído compacto que
dam. No confuso rumor que se forma- enchia todo o cortiço. Começavam a fa-
va, destacavam-se risos, sons de vo- zer compras na venda; ensarilhavam-
zes que altercavam, sem se saber onde, se discussões e resingas; ouviam-se
grasnar de marrecos, cantar de gaios, gargalhadas e pragas; já não se falava,
cacarejar de galinhas. De alguns quar- gritava-se. Sentia-se naquela fermen-
tos saíam mulheres que vinham pendu- tação sangüínea, naquela gula viçosa
rar cá fora, na parede, a gaiola do papa- de plantas rasteiras que mergulham os
gaio, e os louros, à semelhança dos pés vigorosos na lama preta e nutriente
donos, cumprimentavam-se ruidosamen- da vida, o prazer animal de existir, a
te, espanejando-se à luz nova do dia. triunfante satisfação de respirar sobre
a terra.
Resumo do Realismo-Naturalismo
Momento socio-cultural abolicionista desgastam o governo
de D. Pedro II, que perde continua-
mente o apoio dos grandes proprie-
• O Segundo Reinado está em crise: a
tários rurais.
Guerra do Paraguai (que custou
muitas vidas e dinheiro ao país) e a • O eixo econômico e de poder deslo-
cada vez mais intensa campanha ca-se para o Sul, devido à decadên-
— 240 —
• O retrato que os realistas fazem da • Raul Pompeia: autor crítico, que de-
sociedade é objetivo e implacável. Re- nunciou as instituições superadas
alizam análise psicológica dos perso- do Império. Sua obra mais importan-
nagens, por vezes muito profunda. te é o romance O Ateneu (1888),
baseado em sua experiência em co-
• Os autores naturalistas levam os
légio interno.
princípios realistas ao extremo. Sua
abordagem do homem e da socieda- • Aluísio Azevedo: introdutor e prin-
de pode ser chamada de biológica: cipal nome do Naturalismo no Brasil,
mostram o ser humano condiciona- escreveu O Mulato (1881), Casa de
do por patologias, taras e impulsos Pensão (1884), O Cortiço (1890).
— 241 —
Parnasianismo
No plano da prosa, a reação contra nos. Este último preconizou a teoria da
o Romantismo constituiu o Realismo. Já "arte pela arte", ou seja, a idéia de que a
no plano da poesia, o combate ao senti- palavra deveria ser encarada como um
mentalismo produziu o que chamamos objeto e a estética teria que ser busca-
de Parnasianismo. da através de engenhoso trabalho e não
simplesmente por meio da inspiração. A
O movimento parnasiano iniciou-se
beleza seria, dessa forma, a única fina-
em 1882, com a publicação das Fan-
lidade da arte.
farras, de Teófilo Dias e prolongou-se até
aproximadamente 1922, quando recebeu Vale ressaltar que, além da Fran-
severas críticas dos modernistas. ça, o Brasil foi o único país em que se
manifestou o Parnasianismo.
O nome Parnasianismo tem sua ori-
gem no Parnasse Contemporain, uma A arte de escrever poesia foi com-
antologia de escritos de diversos poe- parada ao trabalho do escultor, pintor e
tas franceses que reagiam contra as até mesmo do ourives, pela paciência e
tendências românticas, organizada por atenção aos detalhes, que devem pos-
Lemerre em 1866. suir os poetas. Para tanto, deveriam
atentar para a rigidez formal, cuidando
Parnaso era o nome de um monte
da versificação, rima, sonoridade (ob-
grego, dedicado na Antiguidade às Mu-
tida através das aliterações e asso-
sas e a Apolo. De acordo com a mitolo-
nâncias).
gia, neste lugar havia a fonte Castália,
cujas águas inspiravam os poetas. O Os mais importantes poetas parna-
vocábulo Parnaso também foi utilizado sianos brasileiros compõem a "tríade
com o sentido de "grupo de poetas", parnasiana". São eles: Alberto de Olivei-
"antologia" e até mesmo de "poesia". ra, Raimundo Correia e Olavo Bilac. Me-
recem destaque também Vicente de Car-
Os escritores inspiravam-se em
valho, Francisca Júlia e Artur de Aze-
Leconte de Lisle, que iniciou a descri-
ção objetiva do mundo e dos objetos, vedo.
utilizou temas da história antiga e dos
povos orientais e teve grande preocu-
pação com a forma, construindo versos Alberto de Oliveira
com ritmo, vocabulário raro e elementos (1857-1937)
sensoriais.
Visões que n'alma o céu do exílio Em vão tateiam tuas mãos trementes
[incuba,
As entranhas da noite erma, infinita,
Mortais visões! Fuzila o azul Onde a dúvida atroz blasfema e
[infando...
[grita,
Coleia, basilisco de ouro, ondeando E onde há só queixas e ranger de
O Níger... Bramem leões de fulva [dentes...
[juba...
A essa abóbada escura, em vão
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba [elevas
IbKl, p. 377.
— 246 —
Que outro - não eu! - a pedra corte E que o lavor do verso, acaso,
Para, brutal, Por tão sutil,
Erguer de Atena o altivo porte Possa o lavor lembrar de um vaso
Descomunal. De Becerril.
Mais que esse vulto extraordinário, E horas sem conto passo, mudo,
Que assombra a vista,
O olhar atento,
Seduz-me um leve relicário
A trabalhar, longe de tudo
De fino artista.
O pensamento.
Invejo o ourives quando escrevo:
Porque o escrever - tanta perícia,
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo Tanta requer,
Sobre o papel
Deusa! A onda vil, que se avoluma
A pena, como em prata firme
De um torvo mar,
Corre o cinzel.
Deixa-a crescer; e o lobo e a espuma
Corre; desenha, enfeita a imagem, Deixa-a rolar!
A idéia veste:
Blasfemo, em grita surda e horrendo
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste. ímpeto, o bando
Venha dos Bárbaros crescendo,
Torce, aprimora, alteia, lima
Vociferando...
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima, Deixa-o: que venha e uivando passe
Como um rubim. - Bando feroz!
Vía-láctea In Extremis
Nunca morrer assim! Nunca
"Via-láctea" compõe a segunda
[morrer num dia
parte do livro Poesias, constituída de
trinta e cinco sonetos. A temática cons- Assim! de um sol assim!
tante destes é o amor. Tu, desgrenhada e fria,
XX Fria! postos nos meus os teus
[olhos molhados,
Olha-me! O teu olhar sereno e
[brando E apertando nos teus os meus
[dedos gelados...
Entre-me o peito, como um largo
[rio E um dia assim! de um sol assim!
De ondas de ouro e de luz, [E assim a esfera
[límpido, entrando Toda azul, no esplendor do fim da
O ermo de um bosque tenebroso [primavera!
[e frio.
Asas, tontas de luz, cortando o
Fala-me! Em grupos doudejantes, [firmamento!
[quando
Ninhos cantando! Em flor a terra
Falas, por noites cálidas de [toda! O vento
[estilo,
Despencando os rosais,
As estrelas acendem-se, [sacudindo o arvoredo...
[radiando,
Altas, semeadas pelo céu E, aqui dentro, o silêncio... E este
[sombrio. [espanto! e este medo!
Nós dois... e, entre nós dois,
Olha-me assim! Fala-me assim! [implacável e forte,
[De pranto
A arredar-me de ti, cada vez
Agora, de ternura cheia, [mais, a morte...
Abre em chispas de fogo essa
[pupila... Eu, com o frio a crescer no
[coração, - tão cheio
E enquanto eu ardo em sua luz, De ti, até no horror do derradeiro
[enquanto [anseio!
Em seu fulgor me abraso, uma Tu, vendo retorcer-se
[sereia [amarguradamente,
Soluce e cante nessa voz A boca que beijava a tua boca
[tranqüila! [ardente,
(Poesia, Rio de Janeiro: Garnier, 1902) A boca que foi tua!
— 248 —
(1866-1924)
Artur de Azevedo
Vicente Augusto de Carvalho nas-
ceu em Santos em 1866. Graduou-se (1855-1908)
em Direito em 1886. Exerceu as fun-
ções de advogado, político, juiz e de- Irmão de Aluísio Azevedo, ficou
sembargador. Defendeu idéias republi- mais conhecido como jornalista e come-
canas e abolicionistas; foi também fa- diógrafo. Retrata com fidelidade a soci-
zendeiro e negociante. Faleceu em São edade carioca do final do século, mar-
Paulo em 1924. cada pela vida boêmia.
Resumo do Parnasianismo
Simbolismo
A publicação das obras Missal e Os poetas fecham-se numa "torre
Broquéis de Cruz e Sousa em 1893 de marfim" e fazem culto do vago e do
marca o início do movimento simbolista, misterioso.
que se estende até 1902, com a publi-
cação de Os Sertões, de Euclides da
Cunha e Canaã, de Graça Aranha, Cruz e Sousa
Diferentemente do Parnasianismo, (1861 - 1 8 9 8 )
seu contemporâneo, não se assemelha
em nenhum aspecto ao Realismo-Natu-
João da Cruz e Sousa nasceu em
ralismo. Aproxima-se do Romantismo por
Santa Catarina em 1861, filho de escra-
seu caráter subjetivo.
vos negros. Concluiu o curso secundá-
Os simbolistas procuram recupe- rio no Ateneu Provincial Catarinense e
rar a unidade entre o material e espiritu- passou a exercer a função de profes-
al, assim como os românticos. Contudo, sor. Faleceu em 1898, vítima de tuber-
diferem destes por buscá-la aqui mes- culose.
mo na terra e não em uma vida após a
morte. Escreveu Tropos e Fantasias
(1885), Missal (1893), Broquéis (1893),
Acreditam na idéia do místico sue- Evocações (1898), Faróis (1900), Últi-
co Swedenborg de que tudo que existe mos Sonetos (1905).
no mundo natural depende do mundo
espiritual e, portanto, todos os elemen- Além de ter introduzido o Simbolis-
tos da natureza são correspondências. mo no Brasil, Cruz e Souza foi o escritor
Os objetos do mundo real constituem mais significativo desse movimento em
símbolos do mundo espiritual e devem nosso país.
ser decifrados.
Recebeu influência dos realistas,
Influenciados também por Mallarmé, compondo textos marcados por profun-
consideram a poesia como expressão do pessimismo e materialismo, e dos
dos mistérios da existência humana e parnasianos, demonstrando excessiva
buscam a sugestão através do uso do preocupação com a forma.
símbolo. Este é usado para revelar um
estado de alma.
Antífona
A música é tida pelos simbolistas
como a arte que melhor realiza a suges- Neste poema encontramos elemen-
tão. Por isso, elaboram textos que ex- tos tipicamente simbolistas: vaguidão,
pressam musicalidade. fluidez, utilização de objetos litúrgicos
— 250 —
(Clássicos da Poesia Brasileira, São Paulo: Kliok A mão que afaga é a mesma que
Editora, 1997, p. 175) [apedreja.
Resumo do Simbolismo
Momento socio-cultural vida, mas sem nomear esses misté-
rios. Deve sugeri-los, utilizando o som
• O fim do século XIX é de profundo
e o símbolo.
pessimismo e desánimo. A civiliza-
• Em suma, a poesia simbolista é mis-
ção industrial produz desencanto e
tério e imprecisão.
vazio, vazio este que leva o homem
a procurar o espiritual e o absoluto. Autores e obras
Características literárias • Cruz e Sousa: o mais importante
simbolista brasileiro (e um dos maio-
• Essa ânsia pelo absoluto leva os sim- res do mundo). Escreveu M/ssai
bolistas a tentarem unificar matéria ( 1 8 9 3 ) , Broquéis ( 1 8 9 3 ) , Faróis
e espírito por meio de urna arte que (1900), Últimos Sonetos (1905).
é pura sugestão, fluidez e musica- • Alphonsus de Guimaraens: autor
lidade, negando a poesia fria dos de obra mística e que idealiza a ama-
parnasianos. da morta. Deixou Setenário das Do-
• Para os simbolistas a poesia deve res de Nossa Senhora (1889), Kiriale
expressar os mistérios da alma e da (1902), A Escada de Jacó (1938).
— 254 —
Pré-Modernismo
Tido como louco, vai para o hospí- podia levar um trem de vida superior
cio. Em seguida dedica-se à agricultura. aos seus recursos burocráticos, go-
Na revolta contra o Marechal Floriano, zando, por parte da vizinhança, da con-
apresenta-se para servi-lo, chefia uma sideração e respeito de homem abas-
guarnição, mas é preso como traidor e tado.
condenado à morte.
Não recebia ninguém, vivia num
/ isolamento monacal, embora fosse cor-
tês com os vizinhos que o julgavam es-
A LIÇÃO DE VIOLÃO quisito e misantropo. Se não tinha ami-
Como de hábitos, Policarpo Qua- gos na redondeza, não tinha inimigos,
resma, mais conhecido por Major Qua- e a única desafeição que merecera,
resma, bateu em casa às quatro e quin- fora a do doutor Segadas, um clínico
ze da tarde. Havia mais de vinte anos afamado no lugar, que não podia admi-
que isso acontecia. Saindo do Arsenal tir que Quaresma tivesse livros: "Se não
de Guerra, onde era subsecretário, era formado, para quê? Pedantismo!"
bongava pelas confeitarias algumas
O subsecretário não mostrava os
frutas, comprava um queijo, às vezes,
livros a ninguém, mas acontecia que,
e sempre o pão da padaria francesa.
quando se abriam as janelas da sala de
Não gastava nesses passos nem sua livraria, da rua poder-se-iam ver
mesmo uma hora, de forma que, às três as estantes pejadas de cima abaixo.
e quarenta, por aí assim, tomava o bon-
Eram esses os hábitos; ultimamen-
de, sem erro de um minuto, ia pisar a
te, porém, mudara um pouco; e isso pro-
soleira da porta de sua casa, numa rua
vocava comentários no bairro. Além do
afastada de São Januário, bem exata-
compadre e da filha, as únicas pesso-
mente às quatro e quinze, como se fos-
as que o visitavam até então, nos últi-
se a aparição de um astro, um eclipse,
enfim um fenômeno matematicamente mos dias, era visto entrar em sua casa,
determinado, previsto e predito. três vezes por semana e em dias cer-
tos, um senhor baixo, magro, pálido,
A vizinhança já lhe conhecia os com um violão agasalhado numa bolsa
hábitos e tanto que, na casa do Capitão de camurça. Logo pela primeira vez o
Cláudio, onde era costume jantar-se aí caso intrigou a vizinhança. Um violão
pelas quatro e meia, logo que o viam em casa tão respeitável! Que seria?
passar, a dona gritava à criada: "Alice,
olha que são horas; o Major Quaresma E, na mesma tarde, uma das mais
já passou." lindas vizinhas do major convidou uma
amiga, e ambas levaram um tempo per-
E era assim todos os dias, há qua- dido, de cá para lá, a palmilhar o pas-
se trinta anos. Vivendo em casa pró- seio, esticando a cabeça, quando pas-
pria e tendo outros rendimentos além savam diante da janela aberta do es-
do seu ordenado, o Major Quaresma quisito subsecretário.
— 258 —
Resumo do Pré-modernismo
Momento sócio-cultural Autores e obras
• Parte do Brasil se industrializa e se • Euclides da Cunha: jornalista, es-
urbaniza rapidamente. Milhares de creveu Os Sertões (1902), obra-pri-
imigrantes europeus se estabelecem
ma que relata a guerra de Canudos.
no país. Enquanto o Centro-sul se
• Lima Barreto: escritor simples e ob-
moderniza, conflitos em regiões como
jetivo, denunciou os vícios e precon-
Canudos expõem a miséria de gran-
de parte do país. ceitos da sociedade brasileira. Escre-
veu Triste Fim de Policarpo Quares-
Características literárias ma (1915), Clara dos Anjos (1948).
• Esse período é uma transição para o • Monteiro Lobato: denunciou muitos
Modernismo e não possui os traços problemas nacionais, em obras como
de uma escola literária. Vemos o ini- Urupês (1918), Idéias de Jeca Tatu
cio de tendências e temas que se (1919), Cidade Mortas (1919), Negri-
firmam no Modernismo. nha (1920).
— 259 —
Modernismo
O movimento modernista teve início fase (1945 até a atualidade), também
em São Paulo, com a Semana de Arte conhecida como Pós-Modernismo.
Moderna, em 1922. Logo em seguida ex-
pandiu-se por todo o país, renovando a
idéia de literatura e de escritor.
O pintor Lasar Segall em 1913 fez Bandeira e Ribeiro Couto. Além disso, Mário
uma exposição, influenciada pelas Van- de Andrade fez uma pequena palestra
guardas Européias, em São Paulo. Em sobre a exposição de artes plásticas, se-
1914 foi a vez de Anita Malfatti, ocasião guido do bailado de Yvonne Daumerle e
em que recebeu severas críticas de do concerto de Guiomar Novais.
Monteiro Lobato. Já no ano de 1915 Ro-
No dia 17, Villa Lobos fez um con-
nald de Carvalho colaborou com a publi-
certo e foi muito vaiado.
cação da revista Orpheu, que marca o
início do Modernismo na literatura portu-
guesa.
liderado por Menotti de Picchia, Cassiano sos livres e abandonam as formas fi-
Ricardo e Plínio Salgado e marcado pela xas, como o soneto. A linguagem colo-
defesa de um nacionalismo ufanista, quial é recorrente, assim como a au-
tendendo para o conservadorismo. O sência de pontuação. Combatem valo-
grupo autodenominou-se Escola de res tradicionais; valorizam elementos
Anta e identificou-se com o Integralismo. do cotidiano e do progresso; reescre-
vem textos do passado, com lirismo ou
parodiando-os; as linguagens da poe-
sia e da prosa aproximam-se; são em-
Primeira Geração pregados períodos curtos e utiliza-se a
metalinguagem.
do Modernismo
(1922-1930)
Mário de Andrade
Durante as primeiras décadas do
(1893-1945)
século XX, ocorrem algumas mudanças
na economia brasileira. A industrializa- Mário Raul de Morais Andrade nas-
ção cresce, sobretudo em São Paulo, ceu em São Paulo em 1893. Formou-se
importa-se mão-de-obra, tanto para a no Conservatório Dramático e Musical,
lavoura cafeeira como para as indústri- onde posteriormente lecionou História
as. O anarquismo é trazido pelos italia- da Música. Trabalhou como professor
nos, provocando protestos, reivindica- de piano, jornalista e funcionário públi-
ções e greves, ou seja, lutas por melho- co. Em 1934 passou a dirigir o Departa-
res condições de trabalho. Mas a eco- mento de Cultura da Prefeitura de São
nomia ainda centrava-se na cafeicultu- Paulo, permanecendo até 1937. Um ano
ra paulista e na pecuária mineira. Entre depois se transferiu para o Rio de Ja-
os anos de 1922 a 1930 intensifica-se o neiro. Foi crítico literário, professor de
Tenentismo, cria-se a Coluna Prestes e Estética na Universidade do Distrito Fe-
o Partido Comunista é considerado ile- deral e idealizou a Enciclopédia Brasi-
gal pelo governo. leira do Ministério da Educação. No ano
Em 1929 o preço do café no mer- de 1940 retornou a São Paulo, onde foi
cado internacional cai, devido à quebra funcionário do Serviço do Patrimônio
da Bolsa de Nova Iorque, e muitos fa- Histórico e faleceu em 1945.
zendeiros vão à falência. Imigrantes são
Além da literatura, Mário de Andra-
presos pela participação em greves.
de era um amante e estudioso da músi-
Getúlio Vargas é candidato à presidên-
ca, das artes plásticas e do folclore
cia da República.
brasileiro. Desejava construir os alicer-
Durante a primeira fase modernis- ces de uma cultura verdadeiramente
ta. os escritores fazem uso dos ver- nacional.
— 262 —
(...)
Tupi, or not tupi that is the question. A luta entre o que se chamaria
Incriado e a Criatura - ilustrada pela con
tradição permanente do homem e o seu
Tabu. O amor cotidiano e o modus-vivendi
Contra todas as catequeses. E con-
capitalista. Antropofagia. Absorção do
tra a mãe dos Gracos.
inimigo sacro. Para transformá-lo em
totem. A humana aventura. A terrena
finalidade. Porém, só as puras elites con-
Só me interessa o que não é meu.
seguiram realizar a antropofagia carnal,
Lei do homem. Lei do antropófago.
que traz em si o mais alto sentido da
vida e evita todos os males identifica-
dos por Freud, males catequistas. O que
(...)
se dá não é uma sublimação do instinto,
Tínhamos a justiça codificação da sexual. É a escala termométrica do ins-
vingança. A ciência codificação da Ma- tinto antropofágico. De carnal, ele se
gia. A Antropofagia. A transformação torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o
permanente do Tabu em totem. amor. Especulativo, a ciência. Desvia-
se e transfere-se. Chegamos ao avilta-
mento. A baixa antropofagia aglomera-
(...) da nos pecados de catecismo - a inve-
ja, a usura, a calúnia, o assassinato.
De William James a Voronoff. A
Peste dos chamados povos cultos e
Transfiguração do Tabu em totem. An-
cristianizados, é contra ela que estamos
tropofagia.
agindo. Antropófagos.
(...)
(...)
Antes dos portugueses descobri-
Contra a realidade social, vestida e
rem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a
opressora, cadastrada por Freud - a
felicidade.
realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituição e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.
(...)
Somos concretistas. As idéias to- Oswald de Andrade
mam conta, reagem, queimam gente nas Em Piratininga.
praças públicas. Suprimamos as idéias Ano 374 da Deglutição do Bispo
e as outras paralisias. Pelos roteiros.
Sardinha.
Acreditar nos sinais, acreditar nos ins-
trumentos e nas estrelas. Revista de Antropofagia, Ano I, N 1,s
maio de 1928.
— 265 —
Pneumotórax
Manuel Bandeira
Febre, hemoptise, dispnéia e
(1884-1968)
[suores noturnos.
Manuel Carneiro de Sousa Bandei- A vida inteira, que podia ter sido
ra Filho nasceu no Recife, Pernambuco, [e que não foi.
em 1886. Realizou os estudos secun- Tosse, tosse, tosse.
dários no Rio de Janeiro, no Colégio
Pedro II. Iniciou o curso de Engenharia
Mandou chamar o médico:
em São Paulo, mas devido à tuberculo-
se que contraíra teve que deixá-lo. Em - Diga trinta e três.
busca de melhora, foi para diversos lu- - Trinta e três... trinta e três...
gares, entre eles a Suíça. Iniciada a Pri- [trinta e três...
meira Guerra, retorna ao Brasil, vindo a
- Respire.
publicar em 1917 seu primeiro livro, A
Cinza das Horas. Além de escritor, foi
também jornalista, inspector do ensino - O senhor tem uma escavação
secundário, professor no Colégio Pedro [no pulmão esquerdo
II e na Faculdade Nacional de Filosofia, [e o pulmão direito infiltrado.
vindo a aposentar-se em 1956. Foi mem-
- Então, doutor, não é possível
bro da Academia Brasileira de Letras.
[tentar o pneumotórax?
Faleceu no Rio de Janeiro em 1968.
- Não, a única coisa a fazer é
Escreveu poesias {Carnaval - [tocar um tango argentino.
1919, Libertinagem - 1930, Estrela da
( A p u d Massaud Moisés, A literatura brasileira através
Manhã- 1936, Estrela da Tarde- 1963, dos textos, p. 417)
Estrela da Vida Inteira - 1966) e prosa
{Itinerário de Pasárgada- 1954, Frauta
de Papel- 1957). Poética
Estou farto do lirismo comedido
Soube adequar muito bem a poesia
à linguagem coloquial da primeira fase Do lirismo bem-comportado
modernista, além de manejar com per- Do lirismo funcionário público com
feição os versos livres, dotando-os de [livro de ponto expediente
ritmo. Tornou-se um "clássico" entre os [protocolo e manifestações de
modernistas, pois expressava com sim- [apreço ao sr. diretor
plicidade os sentimentos mais profun-
dos do ser humano. Não se submeteu a Estou farto do lirismo que pára e
formas literárias fixas, mas produziu uma [vai averiguar no dicionário o
obra poética rica em lirismo, mesmo ao [cunho vernáculo de um vocábulo
tratar de fatos do cotidiano. Abaixo os puristas
— 266 —
Segunda Geração
Prosa Regionalista
do Modernismo
(1930-1945) O grupo regionalista ou nordestino,
organizando-se a partir das idéias de
Gilberto Freyre, retomou uma tendência
A segunda geração modernista ini- iniciada no Romantismo: retratar a reali-
cia-se em 1930 e estende-se até 1945, dade brasileira.
— 268 —
zer ainda. Ele tinha o Pilar para tomar para ficar ali como uma pobre. Podia ter
conta, ele tinha o seu eleitorado, os seus ido. Ele, Vitorino Carneiro da Cunha, não
adversários. Tudo isto precisava de seus precisava de ninguém para viver.Se lhe
cuidados, da força do seu braço, de seu tomassem a casa onde morava, armaria
tino. Lá se fora o seu compadre José a sua rede por debaixo dum pé de pau.
Amaro, com o negro Passarinho, o cego Não temia a desgraça, não queria a rique-
Torquato. Todos necessitavam de Vitorino za. Lá se foram os três homens que liber-
Carneiro da Cunha. Fora à barra do tribu- tara, a quem dera toda a sua ajuda. O
nal para arrastá-los da cadeia. Que lhe tenente se enfurecera com o seu poder.
importava a violência do tenente Maurí- Nunca pensara que existisse um homem
cio? O que valia era a petição que, com a que fosse capaz de enfrentá-lo como fi-
sua letra, com a sua assinatura, botara zera. A sua letra, o papel que assinara
para a rua três homens inocentes. Ele era com o seu nome, dera com a força do
homem que não se entregava aos gran- miserável no chão. Era Vitorino Carneiro
des. Que lhe importava a riqueza de José
da Cunha. Tudo podia fazer, e nada te-
Paulino? Tinha o seu voto e não dava ao
mia. Um dia tomaria conta do município. E
primo rico, tinha eleitores que não vota-
tudo faria para que aquele calcanhar-de-
vam nas chapas do governo. O governo
judas fosse mais alguma coisa. Então
não podia com a sua determinação. Ele
Vitorino se via no dia de seu triunfo. Ha-
sabia que havia muitos outros tenentes
veria muita festa, haveria tocata de músi-
Maurícios na dependência e às ordens
ca, discurso do dr. Samuel, e dança na
do governo. Todos seriam capangas, guar-
casa da Câmara. Viriam todos os chalei-
da-costas do presidente. Mas Vitorino
ras do Pilar falar com ele. Era o chefe, era
Carneiro da Cunha mandava no que era
o mais homem da terra. E não teria as
seu, na sua vida. As feridas que lhe abri-
besteiras de José Paulino, aquela tole-
am no corpo nada queriam dizer. Não ha-
via força que pudesse com ele. Os pa- rância para com o sujeitos safados, que
rentes se riam de seus rompantes, de só queriam comer no cocho da munici-
suas fraquezas. Eram todos uns pobres palidade. Com Vitorino Carneiro da Cu-
ignorantes, verdadeiros bichos que não nha não haveria ladrões, fiscais de feira
sabiam onde tinham as ventas. Quando roubando o povo. Tudo andaria na cor-
parava no engenho, quando conversava reta, na decência. Delegado não seria
com um Manuel Gomes do Riachão, via um mole como José Medeiros. Quem se-
que era melhor ser como ele, homem sem ria o seu delegado? Que homem iria en-
um palmo de terra, mas sabendo que era contrar na vila para ser o seu homem de
capaz de viver conforme os seus dese- confiança? O escrivão Serafim era muito
jos. Todos tinham medo do governo, to- mole, o capitão Costa apanhava da mu-
dos iam atrás de José Paulino e de Quinca lher, Saiu da venda era capaz de roubar
do Engenho Novo, como se fossem car- a ração dos presos, Chico Frade bebia
neiros de rebanho. Não possuía nada e demais. E ele precisava de um homem
se sentia como se fosse senhor do mun- para delegado.
do. A sua velha Adriana quisera abando-
ná-lo para correr atrás do filho. Desistiu {José Uns do Rego. Fogo Morto, São Paulo: Klick
Editora, 1997)
— 273 —
Estúpida e inválida
Irmão das coisas fugidias,
A rosa com cirrose
não sinto gozo nem tormento.
A anti-rosa atômica
Atravesso noites e dias
Sem cor sem perfume
no vento.
Sem rosa sem nada.
(Ibd,pp.416-417) Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
Cecília Meireles
ou passo.
(1901-1964)
Sei que canto. E a canção é tudo.
Cecília Meireles nasceu no Rio de
Tem sangue eterno a asa ritmada.
Janeiro em 1901. Órfã desde tenra idade,
recebeu educação da avó materna. Con- E um dia sei que estarei mudo:
clui o curso primário em 1910 e inicia a - mais nada.
Escola Normal, vindo a formar-se em 1917.
{Apuo Massaud Moisés, A literatura brasileira através
Atua como professora, escritora e jorna- dos textos, p. 452)
ista. Foi grande divulgadora da cultura
brasileira no estrangeiro. Faleceu em 1964.
Reinvenção
Escreveu Mar Absoluto ( 1 9 4 5 ) ;
Romanceiro da Inconfidência (1953); A vida só é possível
Canções (1956); Giroflé, Giroflá (1956);
Ou isto ou aquilo (1964), e outras obras, reinventada.
envolvendo literatura adulta e infantil,
Anda o sol pelas campinas
ensaios, antologias e biografias.
e passeia a mão dourada
A escritora escreveu uma poesia
repleta de musicalidade, demonstrando pelas águas, pelas folhas...
influências simbolistas. Além disso, co- Ah! tudo bolhas
loca em questão a fugacidade do tempo
que vêm de fundas piscinas
e a precariedade das coisas, o que re-
sulta numa profunda melancolia. de ilusionismo... - mais nada.
— 278 —
Clarice Lispector
(1925-1977) Uma galinha
Era uma galinha de domingo. Ainda
Clarice Lispector nasceu em Tchet- viva porque não passava de nove ho-
chelnik, Ucrânia, em 1925. Quando ela ras da manhã.
— 282 —
Parecia calma. Desde sábado en- gante num beiral de telhado e enquanto
colhera-se num canto da cozinha. Não o rapaz galgava outros com dificuldade
olhava para ninguém, ninguém olhava tinha tempo de se refazer por um mo-
para ela. Mesmo quando a escolheram, mento. E então parecia tão livre.
apalpando sua intimidade com indiferen-
Estúpida, tímida e livre. Não vitorio-
ça, não souberam dizer se era gorda ou
sa como seria um galo em fuga. Que é
magra. Nunca se adivinharia nela um an-
que havia nas suas vísceras que fazia
seio.
dela um ser? A galinha é um ser. É ver-
Foi pois uma surpresa quando a vi- dade que não se poderia contar com ela
ram abrir as asas de curto vôo, inchar o para nada. Nem ela própria contava con-
peito e, em dois ou três lances, alcançar sigo, como o galo crê na sua crista. Sua
a murada do terraço. Um instante ainda única vantagem é que havia tantas gali-
vacilou - o tempo da cozinheira dar um nhas que morrendo uma surgiria no mes-
mo instante outra tão igual como se fora
grito - e em breve estava no terraço do
a mesma.
vizinho, de onde, em outro vôo desajei-
tado, alcançou um telhado. Lá ficou em
Afinal, numa das vezes em que
adorno deslocado, hesitando ora num,
parou para gozar sua fuga, o rapaz
ora noutro pé. A família foi chamada com
alcançou-a. Entre gritos e penas, ela
urgência e consternada viu o almoço
foi presa. Em seguida carregada em
junto de uma chaminé. O dono da casa
triunfo por uma asa através das telhas
lembrando-se da dupla necessidade de
e pousada no chão da cozinha com
fazer esporadicamente algum esporte e
certa violência. Ainda tonta, sacudiu-
de almoçar vestiu radiante um calção de
se um pouco, em cacarejos roucos e
banho e resolveu seguir o itinerário da
indecisos.
galinha: em pulos cautelosos alcançou
o telhado onde esta hesitante e trêmula Foi então que aconteceu. De pura
escolhia com urgência outro rumo. A afobação a galinha pôs um ovo. Sur-
perseguição tornou-se mais intensa. De preendida, exausta. Talvez fosse pre-
telhado a telhado foi percorrido mais de maturo. Mas logo depois, nascida que
um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma fora para a maternidade, parecia uma
luta mais selvagem pela vida a galinha velha mãe habituada. Sentou-se sobre
tinha que decidir por si mesma os cami- o ovo e assim ficou respirando, aboto-
nhos a tomar sem nenhum auxílio de sua ando e desabotoando os olhos. Seu
raça. O rapaz, porém, era um caçador, coração tão pequeno num prato soleava
adormecido. E por mais ínfima que fos- e abaixava as penas enchendo de tepi-
se a presa o grito de conquista havia dez aquilo que nunca passaria de um
soado. ovo. Só a menina estava perto e assis-
tiu a tudo estarrecida. Mal porém con-
Sozinha no mundo, sem pai nem seguiu desvencilhar-se do aconteci-
mãe, ela corria, arfava, muda, concen- mento despregou-se do chão e saiu aos
trada. Às vezes, na fuga, pairava ofe- gritos:
— 283 —
Disse de não, conquanto os costu- podia ser para cada momento. Tivesse
mes. Conservava-se de chapéu. Via- aceitado de entrar e um café, calmava-
se que passara a descansar na sela - me. Assim, porém, banda de fora, sem
decerto relaxava o corpo para dar-se a-graças de hóspede nem surdez de
mais à ingente tarefa de pensar. Per- paredes, tinha para um se inquietar, sem
guntei: respondeu-me que não estava medida e sem certeza.
doente, nem vindo à receita ou consul-
ta. Sua voz se espaçava, querendo-se - "Vosmecê é que não me conhe-
calma; a fala de gente de mais longe, ce. Damázio, dos Siqueiras... Estou vin-
talvez são-franciscano. Sei desse tipo do da Serra..."
de valentão que nada alardeia, sem
farroma. Mas avessado, estranhão, per- Sobressalto. Damázio, quem dele
verso brusco, podendo desfechar com não ouvira? O feroz de estórias de lé-
algo, de repente, por um és-não-és. Muito guas, com dezenas de carregadas mor-
de macio, mentalmente, comecei a me tes, homem perigosíssimo. Constando
organizar. Ele falou: também, se verdade, que de para uns
anos ele se serenara - evitava o de
- "Eu vim preguntar a vosmecê uma evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tré-
opinião sua explicada..." guas de pantera? Ali, antenasal, de mim
Carregara a celha. Causava outra a palmo! Continuava:
inquietude, sua farrusca, a catadura de
- "Saiba vosmecê que, na Serra,
canibal. Desfranziu-se, porém quase
por o ultimamente, se compareceu um
que sorriu. Daí, desceu do cavalo; ma-
moço do Governo, rapaz meio estron-
neiro, imprevisto. Se por se cumprir do
doso... Saiba que estou com ele à reve-
maior valor de melhores modos; por es-
lia... Cá eu não quero questão com o
perteza? Reteve no pulso a ponta do
cabresto, o alazão era para paz. O cha- Governo, não estou em saúde nem ida-
péu sempre na cabeça. Um alarve. Mais de... O rapaz, muitos acham que ele é
os ínvios olhos. E ele era para muito. de seu tanto esmiolado..."
Seria de ver-se: estava em armas - e
Com arranco, calou-se. Como ar-
de armas alimpadas. Dava para se sen-
rependido de ter começado assim, de
tir o peso da de fogo, no cinturão, que
evidente. Contra que aí estava com o
usado baixo, para ela estar-se já ao ní-
fígado em más margens; pensava, pen-
vel justo, ademão tanto que ele se per-
sava. Cabismeditado. Do que, se resol-
sistia de braço direito pendido, pronto
veu. Levantou as feições. Se é que se
meneável. Sendo a sela, de notar-se,
riu: aquela crueldade de dentes. Enca-
uma jereba papuda urucuiana, pouco de
se achar, na região, pelo menos de tão rar, não me encarava, só se fito à meia
boa feitura. Tudo de gente brava. Aque- esguelha. Latejava-lhe um orgulho inde-
le propunha sangue, em suas tenções. ciso. Redigiu seu monologar.
Pequeno, mas duro, grossudo, todo em
O que frouxou falava: de outras,
tronco de árvore. Sua máxima violência
diversas pessoas e coisas, da Serra,
— 286 —
ver se deu mortos. O senhor tolere, isto executa; razão que o Simpilício se em-
é o sertão. Uns querem que não seja: presa em vias de completar de rico.
que situado sertão é por os campos- Apre, por isso dizem também que a bes-
gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de ta pra ele rupeia, nega de banda, não
rumo, terras altas, demais do Urucuia. deixando, quando ele quer amontar...
Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, Superstição. Jisé Simpilício e Aristides,
então, o aqui não é dito sertão? Ah, que mesmo estão se engordando, de assim
tem maior! Lugar sertão se divulga: é não-ouvir ou ouvir. Ainda o senhor es-
onde os pastos carecem de fechos; onde tude: agora mesmo, nestes dias de épo-
um pode torar dez, quinze léguas, sem ca, tem gente porfalando que o Diabo
topar com casa de morador; e onde cri- próprio parou, de passagem, no Andre-
minoso vive seu cristo-jesus, arredado quicé. Um Moço de fora, teria apareci-
do arrocho de autoridade. O Urucuia vem do, e lá se louvou que, para aqui vir -
dos montões oestes. Mas, hoje, que na normal, a cavalo, dum dia-e-meio - ele
beira dele, tudo dá - fazendões de fa- era capaz que só com uns vinte minutos
zendas, almargem de vargens de bom bastava... porque costeava o Rio do
render, as vazantes; culturas que vão Chico pelas cabeceiras! Ou, também,
de mata em mata, madeiras de grossura, quem sabe - sem ofensas - não terá
até ainda virgens dessas lá há. O gerais sido, por um exemplo, até mesmo o se-
corre em volta. Esses gerais são sem nhor quem se anunciou assim, quando
tamanho. Enfim, cada um o que quer passou por lá, por prazido divertimento
aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é engraçado? Há-de, não me dê crime,
questão de opiniães... O sertão está em sei que não foi. E mal eu não quis. Só
toda a parte. que uma pergunta, em hora, às vezes,
clareia razão de paz. Mas, o senhor
No demo? Não gloso. Senhor per- entenda: o tal moço, se há, quis mangar.
gunte aos moradores. Em falso receio, Pois, hem, que, despontar o Rio pelas
desfalam no nome dele - dizem só: o nascentes, será a mesma coisa que um
Que-Diga. Vote! não... Quem muito se se redobrar nos internos deste nosso
evita, se convive. Sentença num Aristi- Estado nosso, custante viagem de uns
des - o que existe no buritizal primeiro três meses... Então? Que-Diga? Doidei-
desta minha mão direita, chamado a Ve- ra. A fantasiação. E, o respeito de dar a
reda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita - ele assim esses nomes de rebuço, é
todo o mundo crê: ele não pode passar que é mesmo um querer invocar que ele
em três lugares, designados: porque forme forma, com as presenças!
então a gente escuta um chorinho, atrás,
e uma vozinha que avisando: - "Eu já Não seja. Eu pessoalmente, quase
vou! Eu já vou!..." - que é o capirote o que já perdi nele a crença, mercês a
que-diga... E um Jisé Simpilício - quem Deus; é o que ao senhor lhe digo, à puri-
qualquer daqui jura ele tem um capeta dade. Sei que é bem estabelecido, que
em casa, miúdo satanazim, preso obri- grassa nos Santos-Evangelhos. Em oca-
gado a ajudar em toda ganância que sião, conversei com um rapaz semina-
— 290 —
Resumo do Modernismo
Momento sócio-cultural Grande (1933), O Rei da Vela (1937).
• Manuel Bandeira: deixou obra líri-
• As máquinas e o ritmo acelerado da
ca, precisa e simples, mas muito bem
civilização industrial se incorporavam
construída. Destacam-se Libertina-
à paisagem brasileira.
gem ( 1 9 3 0 ) , Estrela da Manhã
• Problemas sociais antigos continuam
( 1 9 3 6 ) , Itinerário de Pasárgada
sem solução, produzindo tensões e
(1954), Estrela da Vida /nfe/ra(1966).
conflitos graves. Os meios intelec-
• Graciliano Ramos: expoente do ro-
tuais sentem que é preciso reformar
mance regional e de análise psicológi-
o Brasil, mergulhado numa contradi-
ca. Principais obras: São Bernardo
ção grave: ao mesmo tempo em que
(1934), Angústia (1936), Wdas Secas
se modernizava, mantinha uma or-
(1938), Memórias do Cárcere (1953).
ganização social arcaica.
• Carlos D r u m m o n d de A n d r a d e :
Características literárias considerado o maior poeta da litera-
tura brasileira, deixou obra que ex-
• A 1- fase é a de ruptura com o pas-
pressa a angústia do homem con-
sado. Humor, uso do coloquial,
primitivismo, vanguardas, tudo é vá- temporâneo. Destaques: Alguma Po-
lido para criar uma literatura em esia (1930), Sentimento do Mundo
sintonia com os novos tempos. (1940), A Rosa do Povo (1945), Cla-
• na 2- fase se estabelecem o roman- ro Enigma (1951), Boitempo (1968).
ce regionalista, que retrata urna certa • João Cabral de Melo Neto: um dos
região do país, e a prosa intimista, poetas brasileiros mais importantes,
que estuda o homem urbano. deixou obra sem exageros sentimen-
• 8
a 3 fase nega algumas das pro- tais, precisa e seca. Destaques: Pe-
postas da \- e retoma o uso cuida- dra do Sono (1942), O Cão sem Plu-
doso e consciente da palavra. O mas (1950), Morte e Vida Severina
número de correntes literárias e au- (1956), Museu de Tudo (1975).
tores cresce, o que torna difícil clas- • Clarice Lispector: autora de obra
sificar essa fase. voltada ao intimismo e ao mergulho
na psique dos personagens. Princi-
Autores e obras pais obras: A Cidade Sitiada (1949),
• Mário de Andrade: deixou uma obra A Paixão segundo G. H. (1964), Água
vasta e muito influente, onde os des- Viva (1973), A Via-Crúcis do Corpo
taques são Paulicéia Desvairada (1974), A Hora da Estrela (1977).
(1922), Macunaíma (1928), Contos • Guimarães Rosa: usando o sertão
Novos (1946), Lira Paulistana (1946). mineiro como cenário, criou obra que
• Oswald de Andrade: Incorporou ele- Investiga temais universais. Desta-
mentos das vanguardas européias em ques: Sagarana(1946), Corpo de Bai-
seus poemas. Escreveu Memórias le (1956), Grande Sertão: Veredas
Sentimentais de João Miramar(1924), (1956), Tutaméia (Terceiras Estó-
Paul Brasil (1925), Serafim Ponte rfas)(1967).
— 292 —
Tendências Contemporâneas
(1960 até a atualidade)
Realismo Urbano
Romance Psicológico
Os romances de ambientação ur-
bana tematizam a violência e a margina- O romance psicológico possui um
lidade nas grandes cidades. tom intimista e centra-se nas inquieta-
Podemos citar como principais au- ções interiores dos personagens, tra-
tores Rubem Fonseca, com seus con- balhando temas do cotidiano, relaciona-
tos; Dalton Trevisan, com parte de sua dos à família e à afetividade.
obra e João Antônio, com seus contos.
A literatura intimista aproxima-se do
Dentro do realismo urbano há o ro- diário ou das memórias, trabalhando os
mance-reportagem, que parte de episó- grandes conflitos existenciais, muitas
dios verídicos e utiliza recursos como a vezes beirando o pessimismo.
ironia e a paródia. Destacam-se José
Louzeiro e Ignacio de Loyola Brandão. Uma autora que merece destaque
é Lygia Fagundes Telles.
Prosa Regionalista
Crônica
A prosa regionalista retrata as re-
giões brasileiras e suas particularida- Pequenas histórias, baseadas em
des humanas e sociais. A região Cen- fatos do cotidiano, são exploradas por
tral é explorada por Bernardo Ellis e José autores como Stanislaw Ponte Preta,
J. Veiga; a região Sul por Moacyr Scliar Rubem Braga, Otto Lara Resende, Fer-
e a região Norte por Márcio de Souza. A nando Sabino e Luís Fernando Verís-
Bahia, particularmente, tem um escritor simo.
— 295 —
Um turbilhão de setas crivou o longo Então o herói soltou seu grito de triun-
escudo do herói, que ficou semelhante fo, que era como o rugido do vento no
ao grosso tronco de juçara, eriçado de deserto;
espinhos.
— Eu sou Ubirajara, o senhor da lan-
Ubirajara embraçou o escudo na al- ça, o guerreiro invencível que tem por arma
tura do ombro, e com o pé brandiu sete uma serpente.
vezes a corda do grande arco gêmeo.
"Eu sou Ubirajara, senhor das na-
As setas vermelhas e amarelas su- ções, o c h e f e dos chefes, que varre a
biram direitas ao céu e perderam-se nas terra, como o vento no deserto."
nuvens.
O herói estendeu a vista pela campi-
Quando voltaram, Agniná e os che- na, e não descobriu mais o inimigo, que
fes que obedeciam a seu arco, tinham sumia-se na poeira.
cada um fincado na cabeça o desafio do
Ubirajara lançou-lhe seus guerrei-
formidável guerreiro.
ros, que tinham fome de vingança; po-
Enfurecidos mais pelo insulto do que rém o terror de sua lança dava asas aos
pela dor, arremessaram-se contra o inimi- fugitivos.
go que os esperava coberto com seu vas-
Desde esse dia nunca mais um tapuia
to escudo.
pisou as margens do grande rio.
Agniná era o primeiro na corrida e o
Ubirajara voltou à cabana, onde o
primeiro na sanha. Após ele vinham os
esperava Araci.
outros a dois e dois, lutando na rapidez.
A esposa despiu as armas de seu
Quando o esposo de Araci viu que
guerreiro, enxugou-lhe o corpo com o ma-
eles se estendiam pela campina, como dois
cio cotão da monguba, e cobriu-o do bál-
ribeiros que se aproximam para confundir
samo fragrante da embaíba.
suas águas; o herói empunhou a lança de
duas pontas e soltou seu grito de guerra, Encheu depois de generoso cauim a
que era como o bramir do jaguar, senhor taça vermelha feita do coco da sapucaia;
da floresta. e aplacou a sede do combate.
(fragmentos)
Com efeito, Bom-Crioulo não era
As duas nações, dos araguaias e somente um homem robusto, uma des-
dos tocantins, formaram a grande na- sas organizações privilegiadas que tra-
ção dos Ubirajaras, que tomou o nome zem no corpo a sobranceira resistência
do herói. do bronze e que esmagam com o peso
Foi esta poderosa nação que domi- dos músculos.
nou o deserto. A força nervosa era nele uma qua-
Mais tarde, quando vieram os cara- lidade intrínseca sobrepujando todas as
murus, guerreiros do mar, ela campeava outras qualidades fisiológicas, empres-
ainda nas margens do grande rio. (pp. tando-lhe movimentos extraordinários,
92-94) invencíveis mesmo, de um acrobatismo
imprevisto e raro.
posição, rosto a rosto, juntinhos, agarra- numa ânsia de novidade. Latiam cães.
dos misteriosamente. Porque Bom-Criou- Um movimento cheio de rumores, uma
lo não falava alto, que todos ouvissem, balbúrdia! Circulavam boatos aterrado-
não dava escândalo, não fazia alarme: res, notícias vagas, incompletas. Inven-
sua voz era um rugio cavernoso e histé- taram-se histórias de assassinato, de
rico, um regougo abafado, longínquo e cabeça quebrada, de sangue. Cada
profundo. olhar, cada fisionomia era uma interro-
gação. Chegavam soldados, marinhei-
— Grita, anda, grita pela vaca da ros, policiais. Fechavam-se portas com
Carolina! estrondo.
— Mas eu não fiz nada! Me solte, De cima, das casas, mãos aponta-
que é tarde! vam para baixo.
Corinthians (2) vs. Palestra (1) de apenas nove anos. O menino encan-
ta a todos e tem seu nome mudado para
Grande parte do conto centra-se
Januário. Passa então a estudar no Gi-
num jogo de futebol entre Corinthians e násio de São Bento. O Coronel, muito
Palestra no Parque Antártica, onde es- contente, pensa em deixar sua herança
tão Miquelina e Iolanda. para o italianinho.
Rocco é grande jogador do Pales-
tra e namorado de Miquelina, enquanto O monstro de rodas
Biagio joga no time oposto e também já
havia namorado a moça. Esta, depois O "monstro de rodas" a que o con-
que acabou o namoro com ele, nunca to faz referência é o carro responsável
mais dirigiu-se à Sociedade Beneficen- pelo atropelamento de uma menina mo-
te e Recreativa do Bexiga e deixou de ir radora da Barra Funda. Dona Nunzia, a
às reuniões dominicais, passando a tor- mãe, não se conforma, enquanto uma
moça negra reza o terço.
cer pelo Palestra.
A moça pede a Rocco que marque O autor faz questão de ressaltar
Biagio. Assim ele procedeu e no segun- alguns episódios comuns em enterros:
do tempo fez um pênalti, que possibilitou por um lado, o respeito de homens den-
tro do bonde tirando o chapéu e, por
a Biagio marcar o segundo gol do Corin-
outro, a indiferença de Nino, preocupa-
thians e garantir a vitória. Miquelina não
do em contar o número de "trouxas" que
se conforma, assim como a torcida do
tirariam o chapéu até que o enterro che-
Palestra, que responsabiliza Rocco. Ela
gasse ao cemitério.
decide então retornar às reuniões da
Sociedade no Bexiga.
Armazém Progresso de São
Vale ressaltar que o conto utiliza
Paulo
uma linguagem coloquial, típica dos cam-
pos de futebol: O "Armazém Progresso de São Pau-
"Alegoá-goá-goá! Alegoá-goá-goá! lo" pertence a Natale, comerciante italia-
Urrá-urrá! Corinthians!" no muito esforçado e trabalhador. Ao
lado de sua mulher, Dona Bianca, traba-
"O'... Ih'agasosa!"
lhava com esmero e prosperava.
"Go-o-o-o-ol! Corinthians!"
Na confeitaria da frente, o portu-
guês vendia cebolas a preço baixíssimo
Notas biográficas do novo e tinha grande estoque das mesmas.
deputado
Natale fica sabendo através da mu-
O Coronel Juca Peixoto de Faria é lher que as cebolas subiriam de preço e
um rico fazendeiro casado com Dona pede ao fiscal que lhe confirmara a notí-
Nequinha. Os dois, entretanto, não têm cia que se mantenha calado, se quiser
filhos. Ao saberem do falecimento do ser recompensado. Dona Bianca sonha
compadre João Intaliano, resolvem aco- com a ascensão econômica, representa-
lher o filho deste, o órfão Gennarinho, da por um palacete na Avenida Paulista.
— 307 —
Nacionalidade Angústia
Este conto também tematiza a ques- Graciliano Ramos
tão do nacionalismo exagerado, agora
de um italiano: o barbeiro Tranquillo Zam- Angústia foi publicada em 1936,
pinetti, da Rua do Gasómetro. após a publicação de São Bernardo, em
1934, ano em que começou a escrever
Contudo, sua maior tristeza eram
a obra quando diretor da Instrução Pú-
seus filhos Lorenzo e Bruno, que não
blica de Alagoas. Contudo, a prisão de
conservavam o mesmo fervor em rela-
Graciliano Ramos durante o regime do
ção à pátria do pai, nem mesmo queriam
Estado Novo leva-o à interrupção do li-
falar o italiano.
vro, vindo a publicá-lo contra seu dese-
A guerra européia encontrou Tran- jo, já que não o tinha revisado como gos-
quillo Zampinetti proprietário de quatro taria.
prédios na Rua do Gasómetro, dois na
Rua Rratininga, cabo influente do Parti- A obra tem a marca do estilo de
do Republicano Paulista e dileto compa- Graciliano: extrema concisão e busca
dre do primeiro subdelegado do Brás; o do essencial, eliminando tudo que não
Lorenzo interessado na firma vanzinello se mostra necessário.
& Cia. e noivo da filha mais velha do
major Antônio Del Piccolo, membro do O autor realiza análise psicológica
diretório governista do Bom Retiro; o dos personagens, mostrando suas an-
Bruno vice-presidente da Associação gústias, aflições, temores íntimos. Para-
Atlética Ping-Pong e primeiro anista do lelamente, observa a situação social dos
Ginásio do Estado, (p.71) mesmos, a influência do ambiente sobre
suas vidas, a exploração dos mais for-
Tranquilo inscreveu-se para um em-
tes sobre os mais fracos.
préstimo de guerra, sendo contestado
por Dona Emília. A rudeza e hostilidade do cenário
O barbeiro conseguiu mais dois pré- nordestino refletem-se na expressão
dios na Rua Santa Cruz da Figueira, fe- dura, incisiva, sem lirismos ou derrama-
chou o salão e passou a sócio coman- mentos sentimentais.
ditario da Perfumaria Santos Dumont.
Luís da Silva é o narrador-perso-
Bruno forma-se em Direito, dando nagem, atormentado pela situação de
grande satisfação ao pai, e ao irmão miséria em que vive. Escreve seu diário
Lorenzo, já casado e com um filho. íntimo a partir de sua memória, que or-
O primeiro serviço profissional do ganiza racionalmente os fatos, e por
Bruno foi requerer ao exmo. sr. dr. Mi- outro lado, partindo das alucinações que
nistro da Justiça e Negócios Interiores o afligem. Dessa forma, o tempo da nar-
do Brasil a naturalização de Tranquillo rativa não é linear, mas caminha de acor-
Zampinetti, cidadão italiano residente em do com as lembranças e devaneios do
São Paulo. (p. 73) narrador.
— 308 —
cheiro esquisito. O engraxate escutava dos pés mortos que não tocavam o chão,
histórias de capoeiras. O homem acabo- vinha deitar-se na minha cama. Fernando
clado cruzava os braços, mostrando Inguitai, com o braço carregado de vol-
bíceps enormes. O mendigo estirava a tas de contas, vinha deitar-se na minha
perna entrapada e ensangüentada. As cama. As riscas de piche cruzavam-se,
moscas dormiam, e o mendigo, com a formavam grades. — "José Baía, meu
muleta esquecida, bebia cachaça e ria. irmão, há tempo!" As crianças corriam
Passos na calçada. Quem ia entrar? em torno da barca. — "José Baía, meu
Quem tinha negócio comigo àquela hora? irmão, estamos tão velhos!" Acomoda-
Necessário Vitória fechar as portas e vam-se todos. 16.384. Um colchão de
despedir o hóspede incômodo que não paina. Milhares de figurinhas insignifi-
se arredava da sala. Mas Vitória conta- cantes. Eu era uma figurinha insignifi-
va moedas, na parede, resmungava a cante e mexia-me com cuidado para não
entrada e a saída dos navios. A placa molestar as outras. 16.384. íamos des-
azul de D. Albertina escondia-se a um cansar. Um colchão de paina.
canto, suja de piche. Todo aquele pes-
soal entendia-se perfeitamente. O ho-
(...)
mem cabeludo que só cuidava da sua
vida, a mulher que trazia uma garrafa Manuelzão e Miguilim
pendurada ao dedo por um cordão, Guimarães Rosa
Rosenda, cabo José da Luz, Amaro va-
queiro, as figuras do reisado, um vaga- Manuelzão e Miguilim, assim como
bundo que dormia nos bancos dos jar- as obras No Urubuquaquá, no Pinhém
dins, outro vagabundo que dormia de- e Noites do Sertão, inicialmente era par-
baixo das árvores, tudo estava na pa- te integrante do livro Corpo de Baile,
rede, fazendo um zumbido de carapa- publicado em 1956.
nãs, um burburinho que ia crescendo e Compõem a obra duas novelas:
se transformava em grande clamor. José "Campo Geral" e "Uma Estória de Amor".
Baía acenava-me de longe, sorrindo,
mostrando as gengivas banguelas e
agitando os cabelos brancos. —"José Campo Geral
Baía, meu irmão, estás também aí?" José Esta novela tem como personagem
Baía, trôpego, rompia a marcha. Um, principal Miguilim, um garoto de oito anos
dois, um, dois... A multidão que fervilha- que morava na mata do Mutum com a
va na parede acompanhava José Baía e família.
vinha deitar-se na minha cama. Quitéria,
Sínha Terta, o cego dos bilhetes, o con- Dos irmãos, Miguilim era o mais ve-
tínuo da repartição, os cangaceiros e lho. Depois vinha Dito, irmão que tinha a
maturidade de um adulto e fazia refle-
os vagabundos, vinham deitar-se na
xões sobre as coisas da vida. Para tris-
minha cama. Cirilo de Engrácia, estica-
teza de todos, acabou morrendo de té-
do, amarrado, marchando nas pontas
tano.
— 310 —
Tomé era o irmão caçula. Havia ain- do Grivo. — "Dá lembrança a seo Aris-
da as irmãs Drelina e Chica e Liovaldo, o teu... Dá lembrança a seo Deográcias..."
mais velho, que morava com o tio Os- Estava abraçado com Mãe. Podiam sair.
mundo.
Mas, então, de repente, Miguilim
O pai de Miguilim era Nhô Bernardo parou em frente do doutor. Todo tremia,
Caz, que nutria grande ciúme pela es- quase sem coragem de dizer o que ti-
posa, devido à traição com o tio Terêz, nha vontade. Por fim, disse. Pediu. O
que é expulso de casa. doutor entendeu e achou graça. Tirou
Além de Tio Terêz, a mãe tem um os óculos, pôs na cara de Miguilim. •
caso com Luisaltino, trabalhador da la- E Miguilim olhou para todos, com
voura, assim como o pai. Este, louco de tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos
ciúme, mata Luisaltino e enforca-se. escuros de cima do morro, aqui a casa,
Posteriormente Tio Terêz casa-se com a cerca de feijão-bravo e são-caetano;
a mãe e volta a morar com a família. o céu, o curral, o quintal; os olhos re-
Outra personagem que se destaca dondos e os vidros altos da manhã.
é a vovó Izidra, magra e que se irritava Olhou, mais longe, o gado pastando perto
com tudo. do brejo, florido de são-josés, como um
algodão. O verde dos buritis, na primei-
Miguilim preocupava-se com seu ra vereda. O Mutum era bonito! Agora
estado de saúde. Achava que ia morrer,
ele sabia. Olhou Mãitina, que gostava de
pois estava muito magro.
o ver de óculos, batia palmas-de-mão e
No entanto, ele não morre, mas tem gritava: — "Cena, Corinta!..." Olhou o re-
uma revelação que transforma sua vida. dondo de pedrinhas, debaixo do jeni-
Um dia o doutor José Lourenço vem ca- papeiro.
çar na Vereda do Tipã e põe óculos no
Olhava mais era para Mãe. Drelina
menino, percebendo sua dificuldade
era bonita, a Chica, Tomezinho. Sorriu
para enxergar. Ele, então, passa a ver
para o Tio Terêz: — "Tio Terêz, o senhor
todas as coisas com mais nitidez e en-
parece com Pai..." Todos choravam. O
contrar beleza no Mutum, em cada ele-
mento da natureza, em cada pessoa. doutor limpou a goela, disse: — "Não sei,
Descoberta sua miopia, Miguilim desco- quando eu tiro esses óculos, tão fortes,
bre-se a si mesmo e admira a grandeza até meus olhos se enchem d'água,.."
do mundo e sua própria existência. Miguilim entregou a ele os óculos outra
vez. Um soluçozinho veio. Dito e a Cuca
(fragmento) Pingo-de-Ouro. E o Pai. Sempre alegre,
Miguilim... Sempre alegre, Miguilim... Nem
O doutor chegou. — "Miguilim, você
sabia o que era alegria e tristeza. Mãe o
está aprontado? Está animoso?" Miguilim
beijava. A Rosa punha-lhe doces-de-lei-
abraçava todos, um por um, dizia adeus
te nas algibeiras, para a viagem. Papaco-
até aos cachorros, ao Papaco-o-Paco,
o-Paco falava, alto, falava.
ao gato Sossõe que lambia as mãozi-
nhas se asseando. Beijou a mão da mãe (...)
— 311 —
Manuelzão, aos sessenta anos, vai — O João Urúgem, vigia: que veio
em busca de seu filho Adelço, que se em ouvir, na beira da escuridão... Oi, o
casara e vivia do trabalho na lavoura, João Urúgem de quatro patas, de som-
ao lado de sua família, diferentemente brio, com todas as mãos no chão...
do pai, mas de modo semelhante ao avô,
— Tenção de caluda, companhei-
para desgosto do primeiro.
ros, deixa a estória terminar.
No final da novela, Manuelzão está
— "... O Boi estava amarrado, chi-
prestes a conduzir mais uma boiada, car-
fres altos e orvalhados. Nos campos o
regando consigo apenas as lembranças
sol brilhava. Nos brancos que o Boi ves-
da festa e de suas próprias experiências.
tia, linda mais luz se fazia. Foi Bonito
(fragmento) desse berro, não agüentavam a maravi-
lha. E esses pássaros cantavam.
Foi ordem de se acender festa, com
tocada de viola e dança: té, té, té, té, té, — Vosmecê, meu Fazendeiro, na-
té, té — até o dia clareou. Fizeram noite, de me atender primeiro, dino. Meu nome
dançando. As iaiás também. O quando hei: Seunavino... Não quero dote em di-
— 312 —
Questões de vestibulares
5. (UFPE) 7. ( U N I S A - S P ) A " l i t e r a t u r a j e s u í -
t i c a " , nos p r i m ó r d i o s de nossa
"Se suas cartas não apresentam história:
valor literário reconhecível, os demais
aspectos da obra do missionário - um a) tem grande valor informativo.
representado por criações literárias b) marca nossa maturação clássica.
com objetivo pedagógico em relação à
catequese, outro por criações desin- c) visava à catequese do índio, à ins-
teressadas - devem ser literariamen- trução ao colono e sua assistência
te valorizados, sobretudo o teatro em religiosa e moral.
verso". d) estava a serviço do poder real.
b) Castro Alves e Tomás Antônio Gon- b) Gregório de Matos, que viveu no sé-
zaga.
culo XVII, destacou-se como poeta
c) Gonçalves Dias e Cláudio Manuel da lírico e satírico.
Costa.
c) religiosidade, antítese, paradoxos,
d) Gonçalves Dias e Gonçalves de Ma- contraste material X espiritual são
galhães. características do Barroco.
— 322 —
b) Castro Alves.
29. (FUVEST)
c) Gonçalves de Magalhães.
"Já da morte o palor me cobre
d) Tobias Barreto.
[o rosto,
e) Casimiro de Abreu.
Nos lábios o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece, 3 1 . (MACK-SP) Sobre a poesia de
E devora meu ser mortal Castro Alves é incorreto afirmar
[desgosto!" que:
— 324 —
c) o equíbrio entre o improvisador, o ins- d) "A outra que ri a alma do Rubião. Es-
pirado e o artista, que é demonstrado cutai a cantiga alegre, brilhante, com
pelas obras de valor desigual que que ela desce o morro, dizendo as
ocorrem no decorrer de sua procução cousas mais íntimas à estrelas, es-
literária. pécie de rapsódia feita de uma lin-
guagem que ninguém nunca alfabetou,
d) a sinceridade com que manifesta, por
por ser impossível achar um sinal que
linguagem desprovida de metáforas,
lhe exprime os vocábulos."
em cada romance que escreveu, as
várias fases de sua biografia. e) 'Tédio por dentro e por fora. Nada em
que espraiasse a vista e descansas-
e) ter iniciado a carreira escrevendo ro-
se a alma. Sofia meteu a alma em um
mances realistas, convertendo-se,
caixão de cedro, encerrou o cedro
mais tarde, ao Naturalismo.
no caixão de chumbo do dia, e dei-
xou-se estar sinceramente defunta."
45. (UFMG) "A concretização do abs-
trato é uma técnica da ironia ma- 46. (UFPA)
chadiana." Todas as alternativas
explicam essa afirmação, exceto: "Mas o ilustre médico, com os olhos
acesos da convicção, trancou os ouvi-
a) "A alma do Rubião bracejava debai- dos à saudade da mulher, e brandamen-
xo desse aguaceiro de palavras; te a repeliu. Fechada a porta da Casa
mas, estava num beco sem saída por Verde, entregou-se ao estudo e à cura
um lado nem por outro. Tudo mura- de si mesmo."
lhas. Nenhuma porta aberta, nenhum
corredor, e a chuva a cair." Sobre o autor do texto acima é
incorreto afirmar q u e :
b) "Vá desapontamento. Misturem-lhe o
a) é um dos mais festejados representan-
pesar da separação, não esqueçam
tes da prosa literária no Brasil.
a cólera que o primeiro trovejou sur-
damente, e não faltará quem ache que b) autor eclético, destacou-se na produção
a alma deste homem é uma colcha de de uma vasta obra constituída de ro-
retalho. Pode ser; moralmente as col- mances, contos, poesia, crônicas etc.
chas inteiriças são tão raras!" c) são personagens definitivos que nas-
c) "Não esqueça dizer que Rubião to- ceram de sua pena: Simão Bacamarte.
Capitu, Brás Cubas, Quincas Borba etc.
mou a si dizer uma missa por alma do
finado, embora soubesse ou pres- d) produziu uma obra marcada pela fina
sentisse que ele não era católico. ironia e profundo pessimismo.
— 329 —
e) seus principais romances desenvolvem e) "Sua história tem pouca coisa de no-
o tema do amor, colocando os senti- tável. Fora Leonardo algibebe em Lis-
mentos mais nobres acima de qualquer boa, sua pátria; aborrecera-se po-
obstáculo. rém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui
chegando, não se sabe por proteção
47. (PUCCAMP-SP) Identifique o tre- de quem, alcançou o emprego de que
cho em que o narrador de Dom o vemos empossado."
Casmurro introduz o romance e
considera seu sentido profundo: 48. (UCP-PR) São obras da fase rea-
lista de M a c h a d o de A s s i s :
a) "Horas inteiras eu fico a pintar o re-
trato dessa mãe angélica, com as co- a) Dom Casmurro / Casa de pensão.
res que tiro da imaginação, e vejo-a
b) O mulato / Casa de Pensão.
assim, ainda tomando conta de mim,
dando-me banhos e me vestindo. A c) Dom Casmurro / O mulato.
minha memória ainda guarda detalhes
bem vivos que o tempo não conse- d) Memórias Póstumas de Brás Cubas /
guiu destruir. Dom Casmurro.
b) "O meu fim evidente era atar as duas e) Memórias Póstumas de Brás Cubas /
pontas da vida, e restaurar na velhi- A mão e a luva.
ce a adolescência. Pois, senhor, não
conseguiu recompor o que foi nem o 49. (UFPA) Os p e r s o n a g e n s realis-
que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a tas-naturalistas têm seus des-
fisionomia é diferente. É o que vais tinos marcados pelo determinis-
entender, lendo." mo. Identifica-se e s s e d e t e r m i -
nismo:
c) "Faz dois anos que Madalena mor-
reu, dois anos difíceis. E quando os a) pela preocupação dos autores em
amigos deixaram de vir discutir polí- criar personagens perfeitos, sem de-
tica, isto se tornou insurpotável. Foi feitos físicos ou morais.
aí que me surgiu a idéia esquisita
b) pelas forças atávicas e/ou sociais
de, com o auxílio de pessoas mais
que condicionam a conduta dessas
entendidas que eu, compor esta his-
tória." criaturas.
d) "Suposto o uso vulgar seja começar c) por ser fruto, especificamente, da ima-
pelo nascimento, duas considera- ginação e da fantasia dos autores.
ções me levaram adotar diferente d) por se notar a preocupação dos auto-
método: a primeira é que não não sou res de voltarem para o passado ou para
propriamente um autor defunto, mas o futuro ao criarem seus personagens.
um defunto autor; a segunda é que o
escrito ficaria assim mais galante e e) por representarem a tentativa dos
mais novo." autores nacionais de reabilitar uma
— 330 —
64. (PUC-RS)
66. (FEM-PA) Seus poemas suge-
"Hão de chorar por ela os rem um clima de mistério, atra-
[cinamomos, vés de uma linguagem rica em
Murchando as flores ao tomar adjetivos semanticamente va-
g o s e i m p r e c i s o s . T r a t a - s e de
[do dia
... que escreveu ... e, como poe-
Dos laranjais hão de cair os pomos ta, está vinculado ao ... .
Lembrando-se daquela que os
[colhia." a) Vinícius de Moraes / Sonetos e Bala-
das I Modernismo.
Uma das linhas temáticas da
b) Ávares de Azevedo / Lira dos Vinte
poesia de Alphonsus de Guima-
Anos/Romantismo.
r a e n s , c o m o s e observa n o e x e m -
plo, é a: c) Cruz e Souza / Faróis / Simbolismo.
a) Parnasianismo.
68. (MACK-SP)
b) Romantismo.
"Vozes, veladas, veludosas,
[vozes, c) Modernismo.
volúpias dos violões, vozes d) Simbolismo.
[veladas,
e) Arcadismo.
vogam nos velhos vórtices velozes
70. (MACK-SP)
dos ventos, vivas, vãs,
[vulcanizadas". "Dentre as atitudes mais comuns à
sua poesia, no plano temático, desta-
O trecho acima representa um
cam-se: a transcendência espiritual, a
d o s m o m e n t o s mais inspirados da
integração cósmica, o mistério, o sagra-
poesía de
do, o conflito entre matéria e espírito, a
angústia e a sublimação sexual, a es-
Assinale a alternativa que com- cravidão e uma verdadeira obsessão
pleta corretamente as lacunas. por brilhos e pela cor branca. E, no pla-
a) simbolista - Alphonsus de Guima- no específico da expressão, têm desta-
raens. que as sinestesias, as imagens insóli-
tas, a sonoridade das palavras, a pre-
b) parnasiana - Olavo Bilac.
dominância de substantivos e a utiliza-
c) simbolista - Cruz e Sousa. ção de maiúsculas, com a finalidade de
d) romântica - A l v a r e s de Azevedo. dar um valor absoluto a certos termos".
b) Cecília Meireles.
"Praticam uma poesia predominan-
temente descritiva, interessada em re- c) Alphonsus de Guimaraens.
presentar plasticamente paisagens e
d) Gregório de Matos.
ambientes, reduzindo o mais possível o
envolvimento emotivo do poeta com os e) Augusto dos Anjos.
— 336
sua biblioteca,
88. ( P U C C A M P - S P ) J o s é t e r i a , se-
sua lavra de ouro,
gundo o poeta, possibilidades
seu terno de vidro, de alterar seu destino. Essas
sua incoerência, possibilidades estão suge-
ridas:
seu ódio - e agora?
a a
a) na 5 e 6 estrofes.
Com a chave na mão
a a
b) na 1ª, 2 e 3 estrofes.
quer abrir a porta,
a a
no, a mais extremada está conti- c) exprimir que, após o término da fes-
da no v e r s o : ta, a temperatura caíra.
a) deixar bem claro que José foi aban- b) O ritmo dos sete primeiros versos da
donado porque fazia frio. S
5 estrofe é dançante.
b) traduzir a idéia de que José sentiu c) "Sem teogonia" significa "sem deu-
frio porque anoiteceu. ses", "sem credo", sem religião".
— 343 —
Respostas
1.a 26. b 51. b 76. c
2. a 27. a 52. c 77. e
3.c 28. c 53. d 78. a
4. d 29. a 54. b 79. d
5. a 30. b 55. c 80. e
6.c 31. a 56. c 81. a
7.c 32.C 57. b 82. a
8.c 33.C 58. c 83. b
9.e 34. a 59. b 84. b
10.e 35. c 60. b 85. c
11.e 36. e 61. e 86. c
12. e 37. c 62. b 87. e
13. b 38. a 63. c 88. d
14. b 39. d 64. a 89. b
15. c 40. b 65. c 90. a
16. d 41.b 66. c 91. c
17.A.d,B.b 42. b 67. c 92. d
18. c 43. a 68. c 93. e
19. d 44. a 69. a 94. a
20. b 45. c 70. a 95. a
21.b 46. e 71. a 96. d
22.d 47. b 72. a 97. d
23. a 48. d 73. c 98. e
24. a 49. b 74. C 99. b
25. e 50. b 75. c 100. d
— 345
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