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Introdução

No mundo atual, escrever é sempre im- estudo das obras literárias, mas também com-
portante, necessário e freqüente. Mostrar que preender e avaliar a evolução da nossa pró-
você sabe comunicar-se (bem), usando a es- pria língua e as diferentes estéticas que dela se
crita, é um dos fundamentos da capacidade de apossaram para, ou permitir a manutenção das
ser e realizar, da cidadania e da competência. normas sociais vigentes, ou sutilmente relatar
A tão propalada era do computador que, muitos suas agruras ou, mais freqüentemente rebater
afirmavam, iria diminuir drasticamente a ne- e revolucionar essas normas a partir da escri-
cessidade de papel e de escrever, fez o inver- ta. Houve e há diferentes "estratégias" de ex-
so: nunca tanta informação e conhecimento pressão da língua, que enriqueceram e inseri-
circularam entre tantas pessoas e de modo tão ram essa cultura literária no contexto mundial,
rápido, nunca as pessoas se comunicaram desde os primórdios da literatura portuguesa
tanto (via e-mails, chats, impressos etc), fa- até finalmente chegarmos a uma literatura de
zendo com que todos escrevamos mais e mais. caráter efetivamente brasileiro.
Apesar de tantas inovações trazidas pela Foi pensando em levar ao seu conheci-
era da modernidade, algo certamente perma- mento toda a trajetória de nossos principais
nece incólume nos dias atuais: a relevância da autores e obras de língua portuguesa que ela-
tradição literária em língua portuguesa. A partir boramos esse prático e indispensável Manual
de dois paises, Portugal e Brasil, unificados de Literatura, para auxiliá-lo na análise e com-
pela expansão marítima e econômica iniciada preensão do contexto em que se manifestaram
no século XV, edificou-se uma gama forte e os principais movimentos e escolas literárias,
admirável de obras que revelaram, literaria- no Brasil e em Portugal, e quais suas contribui-
mente, os costumes, as angústias, as con- ções e influências na literatura do século XX.
quistas e derrotas de conjuntos sociais que Através de uma visão concisa, mas sólida e
igualmente ascenderam e decaíram ao longo bem fundamentada, este guia vai ajudá-lo a
da história. enfrentar as questões de vestibulares das prin-
É certo que não apenas esse descompro- cipais faculdades e universidades do país.
missado caráter documental torna relevante o Aproveite o estudo e boa sorte!
índice

Arcadismo 43
Resumo do Arcadismo 50
Introdução 1
Romantismo 51
Panorama da Literatura
Primeira Geração 52
Portuguesa 2
Segunda Geração 60
O que é Literatura? 3
Terceira Geração 63
Onde se iniciou a Literatura? 6
Resumo do Romantismo 65
Antigüidade Clássica 6
Realismo 66
A Ilíada e a Odisséia 6
Resumo do Realismo-
Principais autores 8 Naturalismo 84
Idade Média 10 Simbolismo 85
As cantigas 10 Resumo do Simbolismo 94
Novelas de cavalaria 14 Modernismo 95
Resumo do Trovadorismo 18 Primeira Geração
Humanismo 19 (1915-1927) 96
Segunda Geração
A poesia palaciana 21
(1927-1940) 109
O teatro popular 21
Terceira Geração
Resumo do Humanismo 26
(1940 até os dias atuais) 111
Renascimento 27 Resumo do Modernismo 115
Resumo do Renascimento .... 34 A Narrativa do Pós-Guerra 116
Barroco 35 A Poesia do Pós-Guerra 122
A estética barroca 35 Questões de vestibulares 123
Resumo do Barroco 42 Respostas 158
Resumo do Realismo-
Naturalismo 239
Introdução 160 Parnasianismo 241
Quinhentismo 161 Resumo do Parnasianismo.. 248
Literatura Informativa 161 Simbolismo 249
A literatura jesuítica 165 Resumo do Simbolismo 253
Influências posteriores da Pré-Modernismo 254
literatura informativa 167 Resumo do Pré-
Resumo do Quinhentismo ... 168 Modernismo 253

Barroco 169 Modernismo 259

Poesia 170 Antecedentes e a Semana de


Arte Moderna 259
Prosa 174
Conseqüências da Semana de
As Academias 177
Arte Moderna 260
Resumo do Barroco 178
Primeira Geração do Modernismo
Arcadismo 179 (1922-1930) 261
Resumo do Arcadismo ........ 192 Segunda Geração do Modernismo
(1930-1945) 267
Romantismo 193
Terceira Geração do Modernismo
Poesia 194
(1945 até a atualidade) 279
Primeira Fase:
Resumo do Modernismo 291
Nacionalista ou
Indianista 195 Tendências Contemporâneas
(1960 até a atualidade) 292
Segunda Fase:
O Mal-do-Século ou Poesia 292
Geração Byroniana 199 Prosa 294
Terceira Fase: Leituras Obrigatórias
Condoreira 211 (Literatura Brasileira) da
Prosa 214 ÜNICAMP 2001-2002-2003 295
Teatro 225 Questões de Vestibulares 314
Resumo do Romantismo 225 Respostas 344
Realismo-Naturalismo 226 Bibliografia 345
Introdução
A pesquisa realizada sobre Litera- as obras épicas de Homero - a Ilíada e
tura Portuguesa tem como primordial a Odisséia, de origem grega, que servi-
objetivo retratar as estéticas que existi- ram de incentivo a autores portugueses
ram durante um longo período de gran- importantíssimos como é o caso de Ca-
des transformações por todo o mundo e, mões, com sua obra Os Lusíadas, e
em especial, em Portugal. Fernando Pessoa, com Mensagem. Am-
Por todo o livro, poderão ser cons- bas as obras possuem traços idênticos
tatados os principais fatos históricos so- às duas obras citadas de Homero.
fridos pelos estilos literários e suas de- Outros autores sofreram influên-
terminadas conseqüências para a ela- cias de obras francesas e americanas;
boração das mais belas obras portu- nossos saudosos artistas portugueses,
guesas. no entanto, enriqueceram obras que vi-
Esta viagem por todo o universo li- eram a surgir depois destes - refiro-
terário português poderá ser abarcada me à Literatura Brasileira.
por alunos do ensino médio, vestibulan- É claro que muitos estudiosos e
dos e por estudantes de nível superior. professores acreditarão que trabalhar
Preocupei-me, em primeiro plano, somente com esta obra será incompleto
em explicitar o que é Literatura, e citar devido à complexidade do tema, mas
os primeiros registros encontrados no poderá servir de base a estudos mais
mundo a respeito do que viria posterior- aprofundados.
mente a se tornar essencial à vida de Para moldar este livro, dispus-me a
estudantes e literatos. pesquisar literatos importantes de nos-
Segundo Van Loon, a Literatura "é sa história: baseei-me em Salvatore
universal, mas não está ligada em par- D'Onofrio, Massaud Moisés e José An-
ticular a este ou àquele país ou período tônio Saraiva.
histórico. É de fato tão antiga quanto a
Por fim, agrupei certas questões
raça humana e é inerente ao homem,
apresentadas por faculdades e univer-
como são parte dele os olhos ou os
sidades em seus vestibulares e proces-
ouvidos, a fome e a sede".
sos seletivos para fixar os estudos e
Como marco inicial à Literatura Por- preparar estudantes para uma nova eta-
tuguesa, tomei como ponto de partida pa de suas vidas - o ensino superior.
Panorama da literatura Portuguesa

A Clássica I. Média Classicismo Barroco Arcadismo Romantismo Realismo Simbolismo


O que é literatura?

A Literatura teve sua origem mais Então, o autor cria ficção, ao fugir
ou menos paralela ao surgimento da da realidade, mas não da contextuali-
escrita, há milhares de anos atrás, cria- dade. Em sua obra literária, são encon-
da pelo homem com o objetivo de con- trados os elementos essenciais - con-
servar a sua história através de epopéi- teúdo, que é a mensagem da obra, as
as e lendas, e controlar a natureza, cri- idéias que o autor quer transmitir; e for-
ando-se os mitos e religiões. ma que é como o autor empregou a pala-
vra para elaborar seu texto.
Em recentes pesquisas de estudio-
sos e historiadores, descobriu-se que a Diante destas colocações, é neces-
Literatura é anterior à escrita. Certas len- sário ressaltar que a Literatura se cons-
das e canções eram feitas oralmente e, titui de três gêneros literários, neste ca-
neste caso, não existia um autor espe- pítulo brevemente definidos, mas sem-
cífico - a literatura era oral, anônima e pre retomados ao longo deste trabalho.
coletiva. Somente com o surgimento da
• Gênero lírico - trata-se de uma re-
escrita é que a Literatura tomou forma e
velação subjetiva de uma exposição
ganhou a figura do autor.
dos sentimentos humanos, como a
Literatura nada mais é do que uma alegria, a tristeza, o amor, a inquieta-
combinação de palavras com uma inten- ção, a fatalidade etc. Este gênero
ção estética, cujos gêneros podem ser apresenta-se em versos.
classificados em epopéia, poema e teatro.
Exemplo de um texto lírico:
Ao combinarem-se as palavras, al-
cança-se novos significados (metáfo-
Motivo
ras), sobre os quais o escritor acaba Eu canto porque o instante existe
criando sua própria realidade através
E a minha vida está completa
da imaginação. Portanto, dizemos que
Não sou alegre nem sou triste:
a Literatura é invenção, e o autor culti-
va essa realidade imaginária através Sou poeta.
de situações básicas da vida, sua vi-
são do mundo, seu talento e sua sensi- Irmão das coisas fugidias.
bilidade. Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
É pelo contentamento (ou não) com
realidade que o autor procura descre- No vento.
ver a vida através de uma linguagem
pessoal, porém se preocupando com a Se desmorono ou se edifico,
compreensão do leitor. Se permaneço ou me desfaço,
— 4 —

- não sei, não sei. Não sei se fico digo. Confiança - o senhor sabe - não
se tira das coisas feitas ou perfeitas:
ou passo.
ela rodeia é o quente da pessoa. E
Sei que canto. E a canção é tudo. despaireci meu espírito de ir procurar
Otalícia, pedirem casamento, mandado
Tem sangue eterno e asa ritmada.
de virtude. Fui logo, depois de ser cin-
E um dia sei que estarei mudo: za. Ah, a algum, isto é que é, a gente
- mais nada. tem de vassalar. Olhe: Deus como es-
MEIRELES, Cecília. Antologia Poética. 3ª. ed. Rio de condido, e o diabo sai por toda parte
Janeiro: Ed. Do Autor, 1963, p. 7. lambendo o prato... Mas eu gostava de
Diadorim para poder saber que estes
• Gênero épico - trata do mundo ex- gerais são formosos.
terior e das relações do homem com
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 8ª ed.
este mundo. Este gênero é mais ob- Rio de Janeiro: J. Olímpio, 1972, p. 45.
jetivo e há a predominância de um
narrador que conta um fato, num am- • Gênero dramático - trata-se do gê-
biente dotado de elementos como: nero em que os personagens falam di-
tempo, espaço, personagem e ação. retamente, expondo seus dramas e con-
O personagem, na sua totalidade, é flitos. O texto dramático é feito para a
um herói que exemplifica todo o he- encenação teatral, ou seja, é represen-
roísmo e qualidades de um povo. tado por atores, que encarnam os per-
sonagens.
Exemplo de um texto épico:
Exemplo de um texto dramático:
Grande sertão: veredas
(fragmento) A Ceia dos Cardeais
Esbandalhados nós estávamos, (fragmento)
escatimados naquela esfrega. Esmo-
recidos é que não. Nenhum se lastima- Cardeal Rufo, acercando-se também
va, filhos do dia, acho mesmo que nin- do Cardeal Gonzaga
guém se dizia dar por assim. Jagunço é Em que pensa, cardeal?
isso. Jagunço não se escabreia como
perda nem derrota - quase que tudo Cardeal Gonzaga, como quem
para ele é o igual. Nunca vi. Para ele a acorda, os olhos cheios de brilho, a
vida já está assentada: comer, beber, expressão transfigurada
apreciar mulher, brigar, e o fim final. E
Em como é diferente o amor de Por-
todo mundo não presume assim? Fa-
tugal!
zendeiro, também? Querem é trovão em
outubro e a tulha cheia de arroz. Tudo Nem a frase sutil, nem o duelo san-
que eu mesmo, do que mal houve, me grento...
esquecia. Tornava a ter fé na clareza É o amor coração, é o amor senti-
de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, mento.
— 5 —

Uma lágrima... Um beijo... Uns sinos Se amei! Se amei — Eu tinha uns


a tocar... quinze anos, apenas.
Um parzinho que ajoelha e que se Ela, treze. Um amor de crianças pe-
vai casar. quenas,
Tão simples tudo! Amor, que de ro- Pombas brancas revoando ao abrir
sas se inflora: da manhã...
Em sendo triste canta, em sendo Era minha priminha. Era quase uma
alegre chora! irmã.
O amor simplicidade, o amor delica-
Bonita não seria... Ah, não... Tal-
deza...
vez não fosse.
Ai, como sabe amar, a gente portu-
Mas que profundo olhar e que ex-
guesa!
pressão tão doce!
Tecer de Sol um beijo, e, desde ten-
Chamava-lhe eu, a rir, a minha mu-
ra idade,
lherzinha...
Ir nesse beijo unindo o amor com a
amizade, Nós brincávamos tanto! Eu senti-a
tão minha!
Numa ternura casta e numa esti-
ma sã, Toda a gente dizia em pleno po-
Sem saber distinguir entre a noiva voado:
e a irmã... "Não há noiva melhor para o se-
Fazer vibrar o amor em cordas mis- nhor morgado,
teriosas Nem em capela antiga há santa
Como se em comunhão se enten- mais santinha..."
dessem as rosas, E eu rezava, baixinho: "É minha! É
Como se todo o amor fosse um amor minha! É minha!"
somente... Quanta vez, quanta vez, cansados
Ai, como é diferente! Ai, como é di- de brincar,
ferente!
Ficávamos a olhar um para o outro,
Cardeal Rufo a olhar,
Também Vossa Eminência amou? Todos cheios de Sol, ofegantes
Cardeal Gonzaga ainda...
Também! Também! Numa grande expressão de dor:
Pode-se lá viver sem ter amado Era feia, talvez, mas Deus achou-a
alguém! linda...
Sem sentir dentro d'alma — ah, po- E, uma noite, a minha alma, a minha
dê-la sentir! —
luz, morreu!
Uma saudade em flor, a chorar e BRANDÃO, Raul. A Ceia dos Cardeais, 40ªed. Lisboa:
a rir! ü v . Clássica Editora, 1950, pp.41-45.
— 6 —

Onde se iniciou a Literatura?


A Literatura Portuguesa teve seu No princípio, a literatura narrava os
início durante a Idade Média, porém, é feitos de personagens heróicos - suas
primordial salientar a importância das li- derrotas e vitórias. Este gênero ficou co-
teraturas grega e latina, pois foi através nhecido como gênero épico. Posterior-
delas que muitos autores portugueses mente, deu-se lugar aos deuses para
se engajaram no caminho literário e se protagonizarem histórias de amor e ciúme;
fixaram na história das artes. ganharam aspecto humano e passaram a
Em Os Lusíadas, de Luís de Camões, sentir e agir como mortais; e configurou-
observamos a grandiosidade dos feitos se o gênero lírico. E, por fim, surgiu o teatro
e a exaltação do herói, que desbrava com o objetivo fundamental de emocionar
aventuras mágicas e percorre caminhos o público através dos aspectos cômicos e
de vida ou de morte. Tal como o astucioso trágicos - o gênero dramático.
Ulisses e o bravo Aquiles enaltecidos por
Homero, ou do nobre Enéas de Virgílio,
Vasco da Gama ora enfrentará a fúria de
deuses e outros seres fantásticos, ora A Ilíada e
por outros será protegido e mantido aler-
ta sobre os perigos que estão por vir.
Todos são, por fim, figuras imaginárias
a Odisséia
que servem de modelo ao homem, seja
ele antigo ou medieval. Estas duas obras representam os
dois maiores modelos de epopéia e têm
Interessante conhecermos algumas
como principais características a narra-
manisfestações literárias da Grécia An-
tiva em grandes dimensões, que retrata
tiga e, em seguida, entraremos no per-
o tema de modo heróico, na maioria das
curso da Literatura Portuguesa.
vezes, sobrecarregando-o de elemen-
tos fantásticos e sobrenaturais.

Antigüidade A presença do mito tem papel fun-


damental, pois, este irá mostrar outra
Clássica forma de ver o mundo e estreitar a dis-
tância entre o humano e o divino.

Teve seu inicio no século IX a . C , Suas narrativas focalizam episó-


com o surgimento, na Grécia, das pri- dios ocorridos durante a guerra de gre-
meiras manifestações da arte literária, gos e troianos e têm, como persona-
através das obras Ilíada e Odisséia, de gens principais, os heróis lendários Aqui-
Homero, e estendeu-se até o final do les e Ulisses, cruéis e sanguinários, po-
século V d.C. rém justos e generosos.
— 7 —

Ilíada e Odisséia mão de Paris e filho do rei Príamo. Pátro-


clo, o mais próximo amigo de Aquiles,
Os acontecimentos da Ilíada e da
vai lutar no exército para ajudar os gre-
Odisséia se passam durante e depois
gos, mas é morto por Heitor, Aquiles
da Guerra de Tróia, guerra esta ocorrida
retorna à guerra em busca de vingança,
entre a Grécia e a cidade de Tróia, apro-
e concretiza seu intento fora de Tróia:
ximadamente no século XII a.C. Muitos
Heitor é morto, e seu funeral finaliza o
acreditam que os poemas foram escritos
poema.
entre 800 e 700 a.C. Baseia-se a data em
referências, encontradas nos poemas, A Odisséia
às condições sociais da época.
A Odisséia é formada por 24 capí-
A Ilíada tulos e tem lugar em um período de dez
anos, no séc. XII a . c . O poema começa
É o mais antigo poema grego, entre
quando grande parte de sua ação já
os que sobreviveram. Foi escrito por
havia ocorrido.
Homero por volta do séc. VIII a.c. e des-
creve acontecimentos do último ano da É a obra mais influente e popular da
guerra de Tróia, que durou cerca de dez antiga literatura grega. Figura entre as
anos. maiores histórias de aventuras da lite-
ratura de todos os tempos, servindo de
Inicia-se a guerra devido ao rapto modelo para obras posteriores do mes-
de Helena, de Esparta, por Páris, her- mo gênero.
deiro do trono troiano. Em busca da
filha de seu irmão Menelau, Agamênon A Odisséia foi composta pelo poe-
chefia o exército de heróis gregos, den- ta grego Homero e tem como persona-
tre eles, o orgulhoso guerreiro Aquile. gem principal Ulisses, rei de ítaca. A
obra descreve as aventuras de Ulisses
A história cobre 54 dias, e a ação ao tentar regressar a sua terra natal,
ocorre, em sua maior parte, em campo depois da vitória da Grécia na guerra de
grego, mas também dentro dos muros Tróia.
de Tróia e nas áreas próximas.
A história começa na ilha de Igígia,
Uma disputa ocorre entre Agamêm- onde Ulisses cai prisioneiro da ninfa
non e Aquiles, o mais forte dos jovens Calipso durante sete anos. Durante um
heróis gregos: Aquiles reclama por mai- conselho de deuses no Olimpo, Zeus
or recompensa devido aos seus servi- decide que é chegada a hora de Ulisses
ços aos gregos; Agamêmnon, por sua voltar para sua esposa Penélope, em
vez, acha que Aquiles não demonstra ítaca, onde seu palácio encontrava-se
respeito bastante a sua posição como ocupado por um grupo de jovens no-
comandante do exército. O conflito faz bres e desregrados. Os nobres pressi-
Aquiles abandonar a guerra e, sem seu onam Penélope a admitir a morte de seu
auxílio, os gregos são expulsos pelas marido e a casar-se com um deles, es-
forças troianas lideradas por Heitor, ir- colhendo assim um novo rei para ítaca.
— 8 —

O filho de Ulisses, Telêmaco, alertado O barco de Ulisses passa por mui-


pela deusa Atena, viaja em busca de tos perigos e parece pronto para atingir
notícias de seu pai, e suas viagens tor- ítaca sem mais problemas. Porém, al-
nam-se parte da história. guns de seus homens haviam roubado
e comido o gado sagrado do sol na ilha
Enquanto isso, o deus Hermes faz
de Trinácria, e, como punição, um raio
Calipso libertar Ulisses, que mais tarde
destrói a embarcação e se afogam.
naufraga em alto mar devido à ira de
Ulisses consegue se salvar, mas é pre-
Poseidon. Ao fim da tempestade causa-
so na ilha de Calipso, onde a história
da pelo deus dos mares, o herói é en-
começou.
contrado por Nausícaa, filha do rei dos
Feacos. Quando Ulisses termina de narrar
sua história, os Feacos o conduzem a
Ulisses descreve aos Feacos suas
uma praia deserta de ítaca. Lá, Atena
aventuras desde a guerra de Tróia, con-
ta sua visita à terra dos comedores de conta-lhe sobre os nobres em seu pa-
lótus, flor cujos poderes mágicos fa- lácio e o aconselha a retomar disfarça-
zem as pessoas esquecerem a sua ter- do, para sua própria segurança. Vesti-
ra natal. Vencendo a resistência de do como mendigo, Ulísses chega a seu
seus homens, que não desejavam con- palácio, onde os nobres participam de
tinuar a viagem, Ulisses e sua frota aca- um concurso: desposaria Penélope
bam capturados em uma ilha por Poli- quem conseguisse usar o arco do rei
femo, um dos Ciclopes, gigantes de um desaparecido. Ulisses ganha o concur-
olho só. Conseguem escapar, mas o bar- so, mata os nobres e é reconhecido por
co em que estavam é desviado de seu Penélope.
curso pelo vento. Chegam à ilha da fei-
ticeira Circe, que transforma em porcos
os homens de Ulisses e o torna seu
amante.

Advertido de que, para regressar


a seu país, precisava descer aos infer- Encontramos, na Antigüidade Clás-
nos para consultar o profeta Tirésias, sica, diversos autores que fizeram his-
ele faz o que lhe é aconselhado, e nos tória na arte literária, tais como:
infernos, Ulisses vê a alma de sua mãe • Homero - viveu entre os séculos IX
e dos heróis da guerra de Tróia, além de e VIII a C, na cidade de Esmirna e
testemunhar a punição dos pecadores. recolheu a poesia que, até então, era
Tirésias indica-lhe o caminho de volta e
oral. Escreveu as duas maiores poe-
Circe lhe ensina a evitar os monstros
sias épicas: Ilíada e Odisséia.
marinhos Cila e Carible. Adverte-o, ain-
da, com relação às sereias, ninfas do • Hesíodo - descreveu a origem do
mar que utilizam seu belo canto para mundo e dos deuses, reunindo-os
atrair os viajantes para a morte numa em sua obra Teogonia. Preocupa-
ilha mágica. va-se com as emoções do homem e
— 9 —

desprezava a guerra. Foi ele o res- • Ésquilo - precursor da dramaturgia.


ponsável pelo surgimento da poesia Escreveu mais de 80 obras e foi o
lírica. primeiro grande autor trágico.

• Píndaro - poeta dos Jogos Olímpi- • Sófocles - deu continuidade à obra


cos, foi o símbolo do amor dos gregos de Ésquilo e escreveu Édipo Rei,
pelo esporte e pela beleza do corpo considerado o "drama de todos nós"
masculino. (segundo Sigmund Freud, pai da psi-
canálise).
• Esopo - autor quase lendário, viveu
em Atenas no século V; escreveu • Eurípedes - revolucionou a técnica
fábulas que ensinavam sobre o bem teatral. Preocupava-se com a refle-
e o mal, através de figuras de ani- xão sobre controvérsias intelec-
mais que assumiam as virtudes e os tuais, políticas e éticas. Escreveu
defeitos do ser humano. Medeia.
— 10 —

Idade Média

Inicia-se no final do século V, com des de Besteiros, Fernando Esguio, João


o avanço do Cristianismo, estendendo- Garcia de Guilhade, João Zorro, Airas
se até o século XV. Neste período há Nunes de Santiago e Nunes Fernandes
uma preocupação com os ideais gregos Torneol.
e judaicos em relação ao Novo Testa-
A novela de cavalaria teve como pre-
mento. Surgem a literatura cortesã e as
cursor o francês Chréstien de Troyes,
novelas de cavalaria. Este período da
autor de Lancelot. Em oposição à primei-
literatura fica conhecido como Trova-
ra, as novelas de cavalaria desenvol-
dorismo (1198 - 1434).
veram-se sob a forma de narrativas e
O Trovadorismo foi o primeiro movi- retratavam o amor concreto e mais rea-
mento literário no mundo ocidental e apre- lista. As relações amorosas se davam
sentou a realidade da época. Suas poe- entre nobres. De caráter pagão, os poe-
sias eram acompanhadas por instrumen- tas exaltavam a valentia, a aventura e a
tos musicais como a lira, a harpa, a ra- capacidade de conquista. Surgiram, en-
beca, o alaúde, a flauta, o tamborete, o tão, as narrativas centradas no rei Artur
címbalo e outros. e seus cavaleiros da Távola Redonda.

O primeiro documento literário de que


se tem notícia em Portugal é a Cantiga da
Ribeirinha, escrita por Paio Soares de
As cantigas
Taveirós em 1198. Tal obra é dotada de
lirismo e sátira, porém, é classificada como Criadas por trovadores, poetas das
cantiga de amor. Esta cantiga é ofereci- cortes feudais, retratavam sentimentos
daa Maria Pais Ribeiro (Ribeirinha), amante amorosos entre cavalheiros e damas da
de D. Sancho I, então rei de Portugal. nobreza (cantigas de amor) ou entre uma
jovem compesiva e seu amante distante
A literatura cortesã se desenvol- (cantigas de amigo).
veu no sul da França, na Provença, en-
quanto que as novelas de cavalaria se • Cantigas de amigo - de origem ga-
desenvolveram no norte da França. Sur- laico-portuguesa, são marcadas por
giu com Guilherme de Aquitânia, que um eu-lírico feminino, uma donzela
criou o amor idealizado, ou seja, seu que fala sobre seu problema amoro-
objetivo era centrado no amor impossí- so, seja através de um monólogo ínti-
vel entre a mulher amada e o poeta (tro- mo, seja através de um confidente,
vador). Entre os autores de cantigas simbolizada pela figura da mãe, irmã,
destacam-se D. Dinis, Paio Soares de amiga ou até mesmo algum elemento
Taveirós, Martim Codax, D. Afonso Men- da natureza (flores, árvores...).
— 11 —

A cantiga de amigo possui um as- Ondas do mar levantado,


pecto folclórico, pois retrata um determi- se vistes meu amado!
nado ambiente ou costume repleto de
e ai Deus, voltará cedo?
sentimento amoroso burguês. Desse mo-
do, pode ser uma bailada, romaria, barca-
Se vistes meu amigo,
rola, pastoreia ou alba. De caráter nar-
rativo e descritivo, retrata as relações aquele por quem suspiro,
afetivas entre pessoas de níveis sociais e ai Deus, voltará cedo?
inferiores. O amor é singelo e espon-
tâneo. Se vistes meu amado

Normalmente, estas cantigas narram que me pôs neste cuidado,


a partida do namorado para combater os e ai Deus, voltará cedo?
mouros, surgindo, assim, aspectos como
CODAX, Martim. Cantares dos trovadores galego-
a solidão, a tristeza e a saudade. Os ver- portugueses. Seleção, introdução, notas e adaptação de
sos apresentam musicalidade e ritmo, Natália Correia. Lisboa: Editorial Estampa, 1970, p. 76.
com repetição total ou parcial do refrão.
No poema acima, o poeta assume a
Cantiga de amigo fala da mulher enamorada.

Ondas do mar de Vigo, Cantiga de amigo


se vistes meu amigo! (Aires Nunes)
e ai Deus, se verá cedo!
Bailemos nós já todas três, ai
Ondas do mar levado, [amigas,

se vistes meu amado! so aquestas avelaneiras frolidas,

e ai Deus, se verá cedo! e quen for velida, como nós, velidas,


[se amig'amar,
Se vistes meu amigo, so aquestas avelaneiras frolidas
o por que eu suspiro! [verrá bailar.
e ai Deus, se verá cedo!
Bailemos nós já todas três, ai
Se vistes meu amado [irmanas,
por que hei gran cuidado! so aqueste ramo destas avelanas,
e ai Deus, se verá cedo! e quen bem parecer, como nós
[parecemos, se amig'amar,
(adaptação)
so aqueste ramos destas avelanas
Ondas do mar de Vigo, [verrá bailar.
se vistes meu amigo! Por Deus, ai amigas, mentr'al non
e ai Deus, voltará cedo? [fazemos,
— 12 —

so aqueste ramo frolido bailemos Cantiga de amor


e quen ben parecer, como nós Quer'eu a Deus rogar de coraçon,
[parecemos, se amig'amar, com'ome que é cuitado d'amor,

so aqueste ramo so lo que nós que el me leixe veer mia senhor


[verrá bailar. mui ced'; e se m'el non quiser' oír,
logo lh'eu querrei outra ren pedir:
• Cantigas de amor - originária de que me Ion leixe mais eno mundo
Provença, sul da França, a cantiga [viver!
de amor chegou a Portugal através
de casamentos, peregrinações, cru- E se m'el á de fazer algum bem,
zadas entre os reinos, dando início oír-mi-á questo que lh'eu rogarei,
às primeiras manifestações do liris-
e mostrar-mi-á quanto bem
mo subjetivo, reunidas na coletânea
[no mundo'ei,
Cancioneiro da Ajuda.
E se mi-o el non quiser "amostrar,
Sua característica principal revela logo lh'eu outra ren querrei rogar:
sempre a fala de um homem a uma se- que me non leixe mais eno
nhora da nobreza - é o chamado amor [mundo viver!
cortês. Os ambientes desta poesia são
os arredores do palácio, campo ou vilas E se m'el amostrar'a mia senhor,
em construção. Mostra uma diferença que am'eu mais ca o meu coraçon,
de classe social, e neste caso, o ho-
vedes, o que lhe rogarei enton;
mem está sempre abaixo da camada
que me dê seu Ben que m'é
social da amada. O amor baseia-se na
relação vassalo/senhor, refletindo o sis- [mui mester;
tema feudal e a divisão de classe social: e roga-lh'ei que, se non fezer',
nobreza - clero - povo. que me non leixe mais eno mundo
[viver!
A cantiga de amor é marcada pelo
eu-lírico masculino e sofredor, sua ama- E roga'-lh'ei, se me Ben á fazer,
da é chamada por ele de "mia senhor", que el me leixe viver en logar
de novo um reflexo da relação vassalo/
u a veja e lhe possa falar,
senhor feudal.
por quanta coita me por ela deu;
Não se revela o nome da dama, se non, vedes que lhe rogarei eu;
cultivando seu amor em segredo. Des-
que me non leixe mais eno
sa forma, a mulher é idealizada, inatingí-
[mundo viver!
vel e sempre colocada num plano eleva-
do. Essa relação é conhecida por "coita TORNEOL, Nuno Fernandes. M E N D E S dos
Remédios. História da Literatura portuguesa. Coimbra:
d'amor"(amor-sofredor). Atlântida Livraria Editora, 1930, p. 64.
— 13 —

No poema acima, o trovador dirige- Cantiga de maldizer


se à dama, que, quase sempre é indife-
Ai dona fea! foste-vos queixar
rente às suas súplicas.
porque vos nunca louv' en meu trobar,
Cantiga de amor mais ora quero fazer un cantar
(Bernardo Bonaval) en que vos loarei tôda via;
e vêdes como vos quero loar:
A dona que eu am'e tenho por
dona fea, velha e sandia!
[senhor
amostrade-mh-a Deus, se vos en Ai dona fea! se Deus me perdon!
[prazer fôr,
e pois havedes tan gran coraçon
se non dade-mh-a morte.
que vos eu loe en esta razon,
A que tenh'eu por lume dêstes olhos vos quero já loar tôda via;
[meus e vêdes qual será a loaçon:
e por que choran sempre
dona fea, velha e sandia!
[amostrade-me-a Deus,
se non dade-mh-a morte. Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar; pero muito trobei;
Essa que Vós fezestes melhor
[parecer mais ora já um bon cantar farei

De quantas sei, ai Deus, en que vos loarei tôda via;


[fazede-me-a ver, e direi-vos como vos loarei:
Se non dade-mh-a morte. dona fea, velha e sandia!

Ai Deus, que me-a fizestes mais ca GUILHADE, J. Garcia de Apud Amora, A S. Etalli.
Presença da Literatura Portuguesa. São Paulo: Difusão
[mim amar, Européia do Livro, 1 9 6 1 , p. 52.
Mostrade-me-a u possa com ela
[falar, No poema acima, a linguagem é sim-
Se non dade-me-a morte. ples, direta, agressiva; predomina a zom-
baria aberta.
Neste período também surgiram can-
tigas satíricas, nas quais os trovadores Cantiga de Maldizer
portugueses criticavam ou ridicularizavam (Duarte da Gama)
situações do cotidiano. Esse tipo de can-
tiga divide-se em cantigas de maldizer, na Nam sey que possa viuer
qual se falava mal de pessoas conheci- Neste rreyno já contente,
das, através de um vocabulário de baixo
Poys a desorden na gente
calão; e cantigas de escárnio, onde se
Nã quer layxar de creçer.
fazia crítica às pessoas, de maneira irô-
nica, porém, sem citação de nomes. A qual vay tam sem medida,
— 14 —

Q se não pode soffrer cálice, conforme diz a lenda, teria sido


Nam há hy quem possa ter levado à um castelo na Inglaterra. Simbo-
Boa vida. licamente falando, esta busca nada mais
(...) é do que a luta do homem em busca de
uma verdade metafísica.
outros vão trazer atados
hus lençinhos no pescoço A Demanda do Santo Graal
q cõ gram pedra nu poço
A novela A Demanda do Santo Graal
deuiam de ser lançados.
inicia-se em Camaalot, reino do rei Artur. É
Outros, sem ser mãçypados, dia de Pentecostes, e os cavaleiros estão
Sendo menores dydade, reunidos à volta da 'Távola Redonda".
Andam já cõ vaydade Galaaz chega, ocupa o assento reserva-
Agrauados. do para o "cavaleiro escolhido" e tira a
(...) espada fincada no "padrom" (pedra de
mármore) que boiava na água. Durante a
em qual quer aldeazinha
refeição, o Graal (cálice com que José de
achareys tal corruçam,
Arimatéia colhera o sangue derramado por
ca molher do escriuam Cristo na cruz) perpassa o ar, nutre os
ccuyda q he hua rraynha. presentes com o seu manjar celestial e
E tam bem os lauradores desaparece. No dia seguinte, após ouvir a
Com suas maas nouydades missa, os cavaleiros saem na "demanda"
Querem ter as vaydades (procura) do Santo Vaso. Daí por diante,
Dos senhores. vão-se entrelaçando várias aventuras, que
culminam quando Galaaz é beneficiado
(...)
com a aparição do Graal enquanto cele-
bra o ofício religioso. O episódio a seguir

Novelas de cavalaria transcrito corresponde ao capitulo XXV.


Adaptação do texto transcrito in Moisés, Massaud. 4
Literatura Portuguesa através dos textos. 3. e d . , Sâo
Paulo: Cultrix, 1970, pp. 36 e 37.
Posteriormente, a Igreja passa a acei-
tar tais obras em sua doutrina e, com isso,
(fragmentos)
surgem as primeiras novelas de cavala-
ria, nas quais encontramos aspectos mís- Véspera de Pinticoste foi grande
ticos, ou seja, as aventuras dos cavalei- gente assüada em Camaalot, assi que
ros têm significado religioso. Podemos poderá homem i veer mui gram gente,
destacar, como exemplo A Demanda do muitos cavaleiros e muitas donas mui
Santo Graal, uma lenda baseada na bus- bem guisadas. El-rei, que era ende mui
ca incessante do cálice sagrado pelos ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem
cavaleiros da Távola Redonda, onde José servir; e toda rem que entendeo per que
de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus aquela corte seeria mais viçosa e mais
quando este ainda estava na cruz. Este leda, todo o fez fazer.
— 15 —

Aquel dia que vos eu digo, direita- veerem ca por al - deles por vos veerem
mente quando queriam poer as mesas - e deles por averem vossa companha?
esto era ora de noa - aveeo que üa
- Senhor, - disse el - nom vou
donzela chegou i, mui fremosa e mui bem
senam a esta foresta com esta donzela
vestida. E entrou no paaço a pee, como
que me rogou; mais eras, ora de terça,
mandadeira. Ela começou a catar de üa
seerei aqui.
parte e da outra, pelo paaço; e pergun-
tavam-na que demandava. Entom se saio Lançarot do Lago e
sobio em seu cavalo, e a donzela em
- Eu demando - disse ela - por Dom
seu palafrem; e forom com a donzela
Lançarot do Lago. É aqui?
dous cavaleiros e duas donzelas. E quan-
- Si, donzela - disse üu cavaleiro. do ela tornou a eles, disse-lhes:
Veede-lo: stá aaquela freesta, falando
- Sabede que adubei o por que viim:
com Dom Gualvam.
Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele,
Entam se filharom andar e entraram
tanto que a vio, recebeo-a rnui bem e na foresta; e nom andaram muito per ela
abraçou-a, ca aquela era üa das don- que chegaram a casa do ermitam que
zelas que moravam na Insoa da Lediça, soía a falar com Gualaz. E quando el vio
que a filha Amida del-rei Peles amava Lançarot ir é a donzela, logo soube que
mais que donzela da sua companha i. ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou
sua irmida por ir ao mosteiro das donas,
- Ai, donzela! - disse Lançalot -
ca nom queria que se fosse Gualaaz
que ventura vos adusse aqui, que bem
ante que o el visse, ca bem sabia que,
sei que sem razom nom veestes vós?
pois se el partia dali, que nom tornaria i,
- Senhor, verdade é; mais rogo- ca lhe convenria e, tanto que fosse ca-
vos, se vos aprouguer, que vaades co- valeiro, entrar aas venturas do reino de
migo aaquela foresta de Camaalot; e Logres. E por esto lhe semelhava que o
sabede que manhãa, ora de comer, avia perdudo e que o nom veeria a
seeredes aqui. meude, e temia, ca avia em ele mui gran-
de sabor, porque era santa cousa e san-
- Certas, donzela - disse el - mui- ta creatura.
to me praz; ca teúdo e soom de vos
fazer serviço em tôdalas cousas que Quando eles cheguarom aa aba-
eu poder. dia, levaram Lançarot pera üa câmara,
e desarmarom-no. E vèo a ele a aba-
Entam pedio suas armas. E quando
dessa com quatro donas, e adusse con-
el-rei vio que se fazia armar a tam gram
sigo Gualaaz: tam fremosa cousa era,
coita, foi a el com a raia e disse-lhe:
que maravilha era; e andava tam bem
- Como leixar-nos queredes a atai vesàdo, que nom podia milhor. E a aba-
festa, u cavaleiros de todo o mundo dessa chorava muito com prazer. Tanto
veem aa corte, e mui mais ainda por vos que vio Lançarot, disse-lhe:
— 16 —

- Senhor, por Deos, fazede vós eu venho; e metuda ei minha speranç


nosso novel cavaleiro, ca nom que- em Nosso Senhor. E por esto vos roç
ríamos que seja cavaleiro por mão dou- que me façades cavaleiro.
tro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no
E Lançalot respondeo:
pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos
que ainda seja tam bõo que vos acha- - Filho, pois vos praz, eu vos tara
redes ende bem, e que será vossa hon- cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como,
ra de o fazerdes; e se vos el ende nom el aprouver e o poderá fazer, vos façi
rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca tam bõo cavaleiro como sodes fremoso
bem sabedes que é vosso filho.
E o irmitam respondeo a esto:
- Gualaaz - disse Lançalot - quere-
- Dom Lançalot, nom ajades dulds
des vós seer cavaleiro?
de Galaaz, ca eu vos digo que de bon-
El respondeo baldosamente: dade de cavalaria os milhores cavalei-
ros do mundo passará.
- Senhor, se prouvesse a vós, bem
no queria seer, ca nom há cousa no E Lançalot respondeo:
mundo que tanto deseje como honra de - Deos o faça assi como eu queria.
cavalaria, e seer da vossa mão, ca dou-
tra nom. no: queria seer, que tanto vos Entam começarom todos a chorar
auço louvar e preçar de cavalaria, que com prazer quantos no lugar stavam.
nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer
(...)
covardo nem mao que vós fezéssedes
cavaleiro. E esto é üa das cousas do Como os da Mesa Redonda
mundo que me dá maior esperança de houveram da graça do Santo
seer homem bõo e bõo cavaleiro. Graal

- Filho Gualaaz - disse Lançalot - (trecho adaptado ao português moderno)


stranhamente vos fez Deos fremosa Grande foi a alegria e o prazer que
creatura. Par Deos, se vós nom cuidades os cavaleiros da Távola Redonda tiveram
seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi naquele dia, quando se encontravam to-
Deos me conselhe, sobejo seria gram dos reunidos. Nunca, nem antes nem de-
dapno e gram malaventura de nom seer- pois do início da Távola Redonda todos os
des bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fre- cavaleiros assim se reuniram.
moso.
Ao cair da noite, quando se sentavam
E ele disse: às mesas, ouviram um trovão tão grande e
assustador, que lhes pareceu que todo o
- Se me Deos fez assi fremoso, palácio tremia. E, logo após, uma imensa
dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, claridade o iluminou inteiramente. Então,
em outra guisa, valeria pouco. E ele todos os cavaleiros foram tomados da gra-
querrá que serei bõo e cousa que se- ça do Espírito Santo e começaram a con-
melhe minha linhagem e aaqueles onde templar uns aos outros e viram que esta-
— 17 —

vam muito mais formosos. De tão maravi- percebesse quem o conduzia nem por
lhados que estavam não conseguiam falar. qual porta saíra. Então os cavaleiros reto-
Apenas se olharam. E nesse momento en- maram a voz e começaram a dar Graças a
trou no palácio o Santo Graal, envolto por Nosso Senhor, que tão grande e honra lhes
um veludo branco, sem que ninguém con- dera, confortando-os com a graça do San-
seguisse ver quem o trazia. Tão logo o to Vaso. Mas, mais alegre que todos esta-
Santo Graal penetrou no palácio, este se va o rei Artur, porque maior graça lhe pro-
cobriu de um odor tão agradável como se porcionara Nosso Senhor que a qualquer
os mais finos perfumes aí tivessem sido outro rei que anteriormente houvesse rei-
derramados. E ele percorreu o palácio de nado sobre Logres. E disse aos que com
ponta a ponta, detendo-se ao redor de ele estavam:
cada uma das mesas. E estas, à sua pas-
sagem, cobríam-se dos mais deliciosos — Amigos, devemos nos conside-
manjares, despertando o apetite e o pra- rar imensamente felizes, pois Deus nos
zer de todos. Depois que cada um se ser- mostrou tão grande sinal de amor, ali-
viu, o Santo Graal desapareceu da mesma mentando-nos, nesta festa de Pentecos-
forma como entrara: sem que ninguém tes, de seu santo celeiro.
— 18 —

Resumo do Trovadorismo

Momento socio-cultural De escárnio (crítica pessoal e/ou social


indireta, irônica)

• Idade Média De maldizer (crítica pessoal e/ou social


direta)
• Feudalismo: sistema de poder basea-
do na posse da terra • Prosa medieval: novelas de cavala-
ria (o heroísmo de influência religio-
• Supremacia do clero (teocentrismo)
sa e feudal).
e da nobreza (senhores feudais, pa-
tríarcalismo)
Autores e obras
Características literárias
• Trovadores (poetas-cantores)
• Predomínio da literatura oral, associa-
Paio Soares de Taveirós, autor
da à música e à dança, as cantigas
da Cantiga da Ribeirinha, cantiga de
• Tipos de cantiga: amor homenageando uma dama da corte
(D. Maria Paes Ribeiro)
De amor (eu-lírico masculino, pres-
tando "vassalagem amoro- D. Dinis: rei-trovador e mecenas
sa" à mulher, à senhora: o (protetor das artes).
amor cortês)
Novelas de cavalaria (criações po-
De amigo (eu-lírico feminino, sensual pulares): O rei Artur e os cavaleiros da
e popular, o lamento pela au- Távola Redonda, Carlos Magno e os
sencia do amigo/amante) doze pares da França.
Humanismo
Período de transição entre a Idade esferas do Paraíso, até que São Bernardo
Média e o Renascimento, marcado por (a Mística) lhe permite desfrutar da pre-
diversas transformações, nas quais po- sença de Deus".
demos citar a expansão marítima, as in- Resumo elaborado por Help! Sistema de Consulta
venções como a bússola e a pólvora, o Interativa - Técnicas de Redação e Literatura. São
Paulo: O Estado de S. Paulo, 1996. p. 99.
aperfeiçoamento da imprensa, o desen-
volvimento do comércio, o mercantilismo, • Francisco Petrarca - é o criador do
além do desaparecimento do misticismo Humanismo. Escreveu Canzoniere,
medieval, compreendendo-se o homem obra que contém canções, badaladas,
com mais naturalidade. sextinas, estâncias e sonetos que,
posteriormente, vieram a ser imitados
Foi um movimento que tinha por ob-
por toda a lírica européia.
jetivo principal a contestação do teocen-
trismo, dando espaço ao antropocen- • G i o v a n n i B o c c a c c i o - escreveu
trismo. Decameron, obra repleta de lingua-
gem expressiva e rica inventividade.
Num cenário como este, surgiram
vários autores como Dante Alighieri • Fernão Lopes - foi o primeiro cro-
(1265 - 1375), Petrarca (1304 - 1373) e nista-mor de Portugal, responsável
Boccaccio (1313 - 1375). pela tarefa de registrar a História de
seu país. Lopes foi o iniciador da his-
• Dante Alighieri - nascido em Floren- toriografia portuguesa. Utilizava-se
ça, estudou clássicos latinos e dedi- de um estilo elegante e coloquial nas
cou-se à filosofia. Sua obra principal suas narrativas e descrições e acre-
foi A Divina Comédia, que se dividia ditava que o povo era o agente das
em "Inferno", "Purgatório" e "Paraíso". transformações sociais.

A Obra: "Perdido numa selva (o Crônica de D. Pedro I


Pecado), Dante é auxiliado pelo poeta C o m o foi trelladada Dona Ines
latino Virgílio (a Razão), que o guia atra- pera o m o e s t e i r o D a l c o b a ç a , e da
vés doHnferno: para ele, um grande lo-
m o r t e dei Rei D o m P e d r o
cal afunilado, situado no centro da Terra,
onde os condenados sofrem enormes tor- Por que semelhante amor, qual el-
mentos. Acompanhado de Virgílio, o poe- Rei Dom Pedro ouve a Dona Enes, rara-
ta visita depois o Purgatório, uma monta- mente he achado em alguuma pessoa,
nha de nove estágios, ao final dos quais porem disseram os antiigos que nenhuum
desaparece Virgílio e aparece Beatriz (a he tam verdadeiramente achado, como
Teologia). Junto desta, Dante avança en- aquel cuja morte nom tira da memoria o
tre os coros dos anjos, ao-tongo das nove gramde espaço do tempo. E se alguum
— 20 —

disser que muitos forom ja que tanto e ca ella viinha em huumas andas, muito
mais que el amaram, assi como Adriana bem corregidas pera tal tempo, as
e Dido, e outras que nom nomeamos, quaaes tragiam gramdes cavalleiros,
segumdo se lee em suas epistolas, acompanhadas de gramdes fidalgos, e
respomdesse que nom falíamos em amo- muita outra gente, e donas, e domzellas,
res compostos, os quaaes alguuns au- e muita creelezia. Pelo caminho estavom
tores abastados de e l o q u e m c i a , e muitos homeens com çirios nas maãos,
floreçentes em bem ditar, hordenarom de tal guisa hordenados, que sempre o
segumdo lhes prougue, dizemdo em seu corpo foi per todo o caminho per
nome de taaes pessoas, razoões que antre çirios acesos; e assi chegarom
numca nenhuuma delias cuidou; mas ataa o dito moesteiro, que eram dalli
falíamos daquelles amores que se con- dezassete legoas, omde com muitas mis-
tam e lêem nas estórias, que seu sas e gram solenidade foi posto em aquel
fumdamento teem sobre verdade. Este muimento: e foi esta a mais homrrada
verdadeiro amor ouve eIRei Dom Pedro trelladaçom, que ataa aquel tempo em
a Dona Enes como se delia namorou, Portugal fora vista. Semelhavelmente
seemdo casado e aimda Iffamte, de gui- mandou eIRei fazer outro tal muimento e
sa que pero dela no começo perdesse tam bem obrado pera si, e fezeo poer
vista e falia, seemdo alomgado, como acerca do seu delia, pera quamdo se
ouvistes, que he o principal aazo de se aqueeçesse de morrer o deitarem em
perder o amor, numca cessava de lhe elle. E estamdo el em Estremoz, adoeçeo
emviar recados, como em seu logar de sua postumeira door, e jazemdo
teemdes ouvido. Quanto depois traba- doemte, nembrousse como depois da
lhou polia aver, e o que fez por sua mor- morte Dalvoro Gomçallvez e Pero Coe-
te, e quaaes justiças naquelles que em lho, el fora certo, que Diego Lopes
ella forom culpados, himdo contra seu Pachequo nom fora em culpa da morte
juramento, bem he testimunho do que de Dona Enes, e perdohou-lhe todo quei-
nos dizemos. E seemdo nembrado de xume que dei avia, e mandou que lhe
homrrar seus ossos, pois lhe ja mais emtregassem todos seus beens; e assi
fazer nom podia, mandou fazer huum o fez depois eIRei Dom Fernamdo seu
muimento dalva pedra, todo mui sotillmen- filho, que lhos mandou emtregar todos,
te obrado, poemdo emlevada sobre a e lhe alçou a semtemça que eIRei seu
campãa de cima a imagem delia com padre comtra elle passara, quamto com
coroa na cabeça, como se fora Rainha; dereito pode. E mandou eIRei em seu
e este muimento mandou poer no testamento, que lhe tevessem em cada
moesteiro Dalcobaça, nom aa emtrada huum ano pera sempre no dito mosteiro
hu jazem os Reis, mas demtro na egreja seis capellaaens, que cantassem por el
ha maão dereita, acerca da capella moor. e lhe dissessem cada dia huuma missa
E fez trazer o seu corpo do mosteiro de oficiada, e sahirem sobrei com cruz e
Samta Clara de Coimbra, hu jazia, ho augua beemta; e eIRei Dom Fernamdo
mais homrradamente que se fazer pode, seu filho, por se esto melhor comprir e
— 21 —

se cantarem as ditas missas, deu de- Cantiga sua partindo-se


pois ao dito moesteiro em doaçom por (João Ruiz Castelo Branco)
sempre o logar que chamam as Pare-
des, termo de Leirea, com todallas ren- Senhora, partem tão tristes
das e senhorio que em el avia. E leixou meus olhos por vós, meu bem,
eIRei Dom Pedro em seu testamento que nunca tão tristes vistes,
certos legados, a saber, aa Iffamte Dona
outros nenhuns por ninguém.
Beatriz sua filha pera casamento cem
mil livras; e ao Iffamte Dom Joham seu Tão tristes, tão saudosos,
filho viimte mil livras; e ao Iffamte Dom
tão doentes da partida,
Denis outras viinte mil; e assi a outras
tão cansados, tão chorosos,
pessoas. E morreo eIRei Dom Pedro
da morte mais desejosos
huuma segumda feira de madurgada,
dezoito dias de janeiro da era de mil e cem mil vezes que da vida.
quatro cemtos e cimquo anos, avemdo Partem tão tristes os tristes,
dez annos e sete meses e viimte dias tão fora d'esperar bem,
que reinara, e quaremta e sete anos e que nunca tão tristes vistes
nove meses e oito dias de sua hidade, e outros nenhuns por ninguém.
mandousse levar aaquel moesteiro que
dissemos, e lamçar em seu muimento,
que esta jumto com o de Dona Enes. E O teatro popular
por quamto o Iffamte Dom Fernamdo seu
Em 1502, o teatro praticamente não
primogênito filho nom era estomçe hi, foi
existia em Portugal. Apenas haviam re-
eIRei deteudo e nom levado logo, ataa
presentações religiosas nas festas da
que o Iffamte veo, e aa quarta feira foi
Igreja, onde encenavam-se a vida de
posto no muimento. E diziam as gentes,
Cristo com o intuito de educar os fiéis.
que taaes dez annos numca ouve em
Somente mais tarde é que surgiu o tea-
Portugal, como estes que reinara eIRei
tro de Gil Vicente com a sua encenação
Dom Pedro.
mais popular; Monólogo do Vaqueiro.
Seu teatro era chamado profano, por
ser representado nas praças públicas.
A poesia palaciana
O autor português mais importante do
período é Gil Vicente (1460 - 1536), que
Refere-se à poesia que surgiu no viveu a maior parte de sua vida em Lisboa,
século XV nos palácios, ou seja, na vida centro comercial e cultural de Portugal, au-
aristocrática. Garcia de Resende, poeta tor de Monólogo do Vaqueiro, primeira
que costumava freqüentar a Corte, reu- peça dentre os mais de 44 títulos que es-
niu toda a sua produção poética pala- creveu, retratou a sociedade da época e
ciana no Cancioneiro Geral. Este tipo sua sátira atingia todas as classes sociais
de poesia possui uma linguagem mais como frades, bispos, fidalgos, plebeus, ci-
rica do que a poesia trovadoresca. ganos, etc, criticando sua postura moral.
— 22 —

Trecho de Auto da Lusitana, (Ninguém para Todo o Mundo)


de Gil Vicente E agora que buscas lá?

Entra Todo o Mundo, homem como Todo o Mundo


rico mercador, e faz que anda buscan-
Busco honra multo grande.
do alguma cousa que se lhe perdeu; e
logo após êle um homem, vestido como Ninguém
pobre. Éste se chama Ninguém, e diz:
E eu virtude, que Deus mande
Ninguém que tope co ela já.

Que andas tu aí buscando?


(Belzebu para Dinato)
Todo o Mundo Outra adição nos açude:

Mil cousas ando a buscar: escreve logo aí, a fundo,

delas não posso achar, que busca honra Todo o Mundo,

porém ando perfiando, e Ninguém busca virtude.

por quão bom é perfiar.


Ninguém
Ninguém Buscas outro mor bem qu'êsse?
Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo
Todo o Mundo
Busco mais quem me louvasse
Eu hei nome Todo o Mundo,
Tudo quanto eu fizesse.
e meu tempo todo inteiro
Ninguém
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo. E eu quem me repreendesse
Em cada cousa que errasse.
Ninguém
E eu hei nome Ninguém, (Belzebu para Dinato)
e busco a consciência. Escreve mais

(Belzebu para Dinato) Dinato


Esta é boa experiência!
Que tens sabido?
Dinato, escreve isto bem.
Belzebu
Dinato
Que quer em extremo grado
Que escreverei, companheiro? Todo o Mundo ser louvado,

Belzebu e Ninguém ser repreendido.


V I C E N T E , Gil. Auto da Lusitânia. In Saraiva, Antonio
Que Ninguém busca consciência, Jose. Teatro de Gil Vicente. 4. ed. Lisboa: Portuga),
1968, p. 303.
E Todo o Mundo dinheiro.
— 23 —

O poeta critica o comportamento hu- Eis que chega a primeira alma para
mano com finalidade moralizadora, em- a viagem. É Dom Henrique, o Fidalgo,
bora de maneira cômica, com o uso de acompanhado por um criado que trans-
prosopopéias (Todo Mundo e Ninguém), porta uma cadeira e carrega um manto
satirizando o comportamento humano. para seu Senhor. Assim como outros
personagens, o Fidalgo argumenta con-
Auto da Barca do Inferno
tra sua ida para o Inferno, considera
Publicado em 1517, foi encenada que a barca não é digna de sua nobre
pela primeira vez na câmara da rainha D. pessoa. O Diabo procura ironizar os
Maria de Castela, na presença do rei D. diversos argumentos do nobre, dizendo
Manuel I e de sua irmã D. Leonor, a Rainha que uma vida cheia de prazeres e peca-
Velha. O Auto da Barca do Inferno tem dos só podia resultar em punição.
como cenário fixo duas embarcações, num
porto imaginário para onde vão as almas O Fidalgo reporta-se à barca do
no instante em que morrem. Uma barca é Anjo. Alega direito de embarcar por per-
representada por um Anjo, simbolizando tencer a uma boa linhagem, mas era
o Paraíso e a outra é representada pelo muito tirano e vaidoso. Seu esforço foi
diabo, simbolizando o Inferno. A ação se em vão e, retornando à barca do Infer-
desenrola a partir da chegada dos perso- no, quer demonstrar força moral ao re-
nagens no porto, procurando encontrar a conhecer que vivera erroneamente.
passagem para a vida eterna. Na peça,
os personagens serão julgados segundo Chega o Onzeneiro, carregando
as obras que realizaram em vida. seus bolsões de dinheiro. Recusa-se a
embarcar quando toma conhecimento do
A obra apresenta-se com versos destino da barca, mas o Diabo, sarcás-
redondilhos, rimas, símbolos e metáfo- tico, se faz de espantado e ironiza o
ras. Os personagens são considerados fato de o dinheiro do Onzeneiro não ter
tipos sociais - a nobreza, o clero e o
servido para salvá-lo da morte. Procura
povo. Além da oposição do Bem X Mal,
então a barca do Anjo, pedindo-lhe que
Céu X Inferno, o Anjo e o Diabo assu-
o deixasse entrar, pois queria mesmo
mem posturas também opostas, fazen-
era o Paraíso. Seu pedido é recusado
do com que a simpatia e a ironia do Dia-
quando o Anjo vê seus bolsões, afir-
bo domine toda a peça.
mando que estavam tão cheios de di-
(resumo) nheiro que tomariam todo o espaço do
navio. Desconsolado, o Onzeneiro en-
Num braço de mar, onde estão an- tra na barca infernal, cumprimentando
coradas duas barcas, chegam as almas com respeito o Fidalgo, que lá já estava,
de representantes de várias classes so- aguardando a triste partida.
ciais e profissionais. Uma das barcas di-
rige-se ao Purgatório ou ao Inferno; a Joane, personagem caracterizado
outra, ao Paraíso. A primeira será tripula- como o Parvo, conversa com o Diabo e
da pelo Diabo e seu Companheiro; a ou- começa a praguejá-lo quando descobre
tra, por um Anjo. o destino de sua barca; entra em territó-
— 24 —

rio do Anjo porque - assim lhe haviam quanto representante da Santa Madre
dito - o reino do Céu seria dos pobres. Igreja, mas nada consegue, nem sequer
Para o Anjo, os atos do bobo eram fruto uma resposta do Anjo. Volta à barca do
de uma doença, sendo provas de ino- Diabo ridicularizado pelo Parvo, que lhe
cência e não sua sagacidade. Irá ao pergunta se furtara o facão.
Paraíso, portanto, o Parvo, passageiro
do barco que vai à Glória! Mas antes de Assim que o Frade e sua amante
entrar, mantém-se ao lado do Anjo, para são embarcados, chega uma alcovitei-
ajudar na avaliação dos próximos pas- ra, Brísida Vaz, que se recusa a entrar
sageiros. na barca. Representa a mais terrível das
almas penadas, passara a vida alician-
Chega ao barco do Inferno um Sa- do meninas para padres.
pateiro, com suas ferramentas de ofí-
A Alcoviteira dirige-se à barca do
cio. Aparentemente, um bom trabalha-
Anjo, que se nega ouvi-la, alegando que
dor. Quando é convidado pelo Diabo a
é uma pessoa inoportuna. Brísida, en-
embarcar, tenta repeli-lo com o argumen-
tão, volta à barca do Diabo, pedindo-lhe
to de que morrera comungado e con-
fessado. Que bom cristão parece ser! a prancha e embarcando nela.
Mas o Diabo responde que foi excomun- Depois da Alcoviteira, chega o Ju-
gado por omissão de seus pecados, pois deu com um bode às costas. O Diabo
roubava seus fregueses ao cobrar pe- nega-se a embarcar o animal, mas o
los serviços prestados. Não contente, Judeu tenta suborná-lo com alguns tos-
dirige-se à barca do Anjo e é barrado; tões, sem muita discussão, é rebocado
explicação: o lugar de quem rouba na pela barca do Inferno.
praça é no barco que vai ao Demo. De
nada adiantava ter ido à missa se ao Então chega a vez do Corregedor;
mesmo tempo havia roubado, cobrado carregado de processos, aproxima-se
preços extorsivos. Assim, o Sapateiro da barca do Inferno. Recusa-se a rumar
se dirige a outra barca, aceitando seu para destino tão cruel, tentando defen-
destino. der-se, mas é desmascarado pelo Dia-
bo, que expõe o recebimento de propi-
Chega então um Frade, trazendo nas através de sua mulher. Para se de-
uma moça pela mão: sua amante, Flo- fender, o Corregedor culpa sua própria
rença. Com ela, traz um broquel, uma esposa, mas o esforço é em vão.
espada e um capacete, representando
sua paixão pelo esporte. Enquanto o Corregedor conversa
com o Diabo, chega um Procurador cheio
O Frade tenta convencer o Diabo de livros; ambos se recusam a entrar no
de sua inocência, ensinando-lhe a arte barco do Diabo, chamando pelo Anjo e
da esgrima, mas seu esforço é em vão. dirigindo-se até ele. O Anjo roga praga
Não contente, busca a barca do Anjo aos documentos jurídicos que carregam
para tentar defender seus direitos en- e os manda de volta.
— 25 —

Nova alma vai se aproximando: o Falado:


Enforcado, que se julga merecedor do Inês - Renego deste lavrar
perdão por ter tido uma morte cruel. É o E do primeiro que o usou!
próximo personagem a entrar na barca Ó diabo que o eu dou,
do Diabo, que não se comove com o
Que tão mao é d'aturar!
sofrimento de um homem que tantos fur-
Ó Jesu! Que enfadamento,
tos cometera em vida. O Enforcado sim-
E que raiva, e que tormento,
boliza o ladrão que rouba sem vanta-
Que cegueira, e que
gens, sendo manipulado por outros de
[canseira!
posições mais privilegiadas.
Eu hei-de buscar maneira
Dirigem-se agora à barca do céu D'algum outro aviamento.
os Quatro Cavaleiros, empunhando a Coitada, assi hei-de estar
cruz de Cristo. Lutaram pela expansão Encerrada nesta casa
da Fé Católica e ganham a vida eterna Como panela sem asa
como recompensa por terem sido mor- Que sempre está num lugar?
tos pelos mouros. Prosseguiram na bar- E assi hão-de ser logrados
ca do Anjo, cantando e sentindo-se ali-
Dous dias amargurados,
viados por terem cumprido corretamen-
Que eu posso durar viva?
te suas missões.
E assi hei-de estar cativa
Em poder de desfiados?
Farsa de Inês Pereira
Antes o darei ao diabo
Esta peça foi representada em 1523
Que lavrar mais nem
e é considerada a mais famosa de Gil
[pontada.
Vicente. Trata-se de uma moça sonha-
Já tenho a vida cansada
dora, cansada do trabalho doméstico e
que resolve fugir de toda essa monoto- De jazer sempre dum cabo.
nia. Casa-se com um escudeiro, consi- Todas folgam e eu não
derado malandro, porém, este morre du- Todas vêm e todas vão
rante a guerra. Viúva, casa-se novamen- Onde querem, senão eu.
te, com um homem que faz todas as suas Hui! E que pecado é o meu,
vontades. Ou que dor de coração?

Esta vida é mais que morta.


(fragmento da obra)
São eu coruja ou corujo,
Entra logo Inês Pereira, e finge que Ou são algum caramujo
está lavrando só em casa, e canta esta Que não sai senão à porta?
cantiga: E quando me dão algum dia
Licença, como a bugia,
Canta Inês:
Que possa estar à janela
Quien com veros pena y muere É já mais que a Madalena
Que hará cuando no os viere? Quando achou a aleluia.
— 26 —

Resumo do Humanismo

Momento socio-cultural • Teatro popular, de influência medie-


val, mas crítico, satírico, polêmico -
• Transição do feudalismo para o mer- Gil Vicente.
cantilismo.
• Crônicas e histórias dos reis e do
• Desenvolvimento de práticas comer- povo português (desenvolvimento da
ciais por uma nova classe social: a prosa) - Fernão Lopes.
burguesia.

• Crise do teocentrismo e ascensão Autores e obras


do racionalismo humanista, com a
laicização da cultura. • Fernão Lopes, criador da historio-
grafia portuguesa: Crônica d'EI Rei
Características literárias D. Pedro, Crônica d'EI Rei D. Fer-
nando e Crônica d'el Rei D. João I.
• Divulgação doa clássicos da antigui-
• Gil Vicente, criador do teatro por-
dade greco-latina.
tuguês: Auto da visitação ou Monó-
• Poesia palaciana recolhida por Gar- logo do vaqueiro; Farsa de Inês Pe-
cia de Resende no Cancioneiro Ge- reira; Auto da Barca do Inferno, Auto
ral (poesias de amor, sátira e reli- da Barca do Céu; Auto da Barca do
giosa). Purgatório.
— 27 —

Renascimento
Teve seu início no século XV e es- logo. Além do poema épico, Camões fi-
tendeu-se até meados do século XVI e cou conhecido por seus poemas líricos,
é marcado pela supervalorização do ho- em que buscava o amor espiritual e ex-
mem e pelo antropocentrismo, em opo- punha as contradições do coração. Sua
sição ao teocentrismo e misticismo. poesia lírica toma dois sentidos: popular
(redondilhas) e erudita (sonetos).
Há uma retomada das idéias greco-
romanas; o artista não se contenta em
apenas observar a natureza, mas pro- A poesia lírica de Camões
cura estudá-la e imitá-la; valoriza-se a
individualidade do artista, em contraposi- Soneto
ção à coletividade das obras clássicas.
Transforma-se o amador na
O Renascimento em Portugal deu- [cousa amada,
se no período de 1527 a 1580, com o Por virtude do muito imaginar;
retorno do poeta Sá de Miranda após seus
Não tenho logo mais que desejar,
estudos na Itália, trazendo inovações de
poetas italianos. Porém, foi com Luís de Pois em mim tenho a parte desejada.
Camões que ocorreu o aprimoramento
Se nela está minha alma
dessas novas técnicas poéticas.
[transformada,
Este período ficou conhecido como
Que mais deseja o corpo de
Classicismo e os escritores introduziram
em suas obras temas pagãos, além do [alcançar?
ideal do amor platônico, a exaltação do Em si somente pode descansar,
antropocentrismo, a imitação de autores
Pois consigo tal alma está liada.
clássicos, a predominância da ciência e
da razão, o uso da mitologia, clareza e Mas esta linda e pura semidéia,
objetividade, uso de linguagem simples e
Que, como o acidente em seu sujeito,
precisa, o culto da beleza e da perfeição.
Assim com a minha alma se conforma,

Está no pensamento como idéia;


Luís Vaz de Camões
E o vivo e puro amor de que sou feito,
(1524-1580)
Como a matéria simples busca
[a forma.
Publicou em 1572 Os Lusíadas, po-
ema épico organizado em: Proposição, In MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através
Invocação, Dedicação, Narração e Epí- dos textos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 76.
— 28 —

Nesse soneto, podemos perceber No soneto anterior, Camões con-


que o autor retrata explicitamente a ques- ceitua o significado do amor através de
tão platônica do amor, pois este passa a paradoxos, que se encadeiam no de-
idealizar tanto a amada que acredita tê-la correr dos versos até chegar ao ponto
em si mesmo, no seu próprio corpo. Portan- máximo do soneto, onde o poeta ques-
to, como já diz o poema: aquele que ama se tiona o próprio caráter contraditório do
transforma na amada; logo não tem mais o amor.
que desejar, pois já tem em si mesmo o ser
que deseja (versos 1 a 8). "Quantos sentidos diferentes po-
dem emergir da semelhança sugerida
Podemos ressaltar também neste entre amor e fogo nesta conhecida me-
soneto o valor da mulher ante a figura táfora? Alguns exemplos, provavelmen-
masculina. Esta é idealizada, inacessível, te desnecessários: o amor, como o
vista como uma semidéia (metade mulher, fogo, queima. É intenso. Ilumina. Deixa
metade deusa), ou seja, é colocada num marcas. Consome. Não se pode mexer
plano superior ao do poeta. De caráter nas suas cinzas, que renasce... e mui-
discursivo, Camões pretende argumentar tas outras significações. Linguagem cri-
a questão acerca do Amor e da Mulher. adora: signos que geram signos. Sím-
bolos que geram símbolos."
Soneto
(Cursos Práticos Nova Cultural para Vestibular •
Amor é fogo que arde sem se ver; j SP. 1998.)

É ferida que dói e não se sente;


É um contentamento descontente; Tanto de meu estado me acho
incerto
É dor que desatina sem doer.
Tanto de meu estado me acho
É um não querer mais que bem querer;
[incerto
É solitário andar por entre gente;
Que em vivo ardor tremendo estou
É nunca contentar-se de contente; [de frio
É cuidar que se ganha em se perder.
Sem causa, justamente choro e rio;

É querer estar preso por vontade; O mundo todo abarco e nada a


[perto.
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
É tudo quanto sinto um
[desconcerto;
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade, Da alma um fogo me sai, da vista
[um rio;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
Agora espero, agora desconfio,
In MOISÉS, Massaud. A literatura Portuguesa através
dos textos. 9ª e d . São Pauto: Cultrix, 1980, p. 76 Agora desvario, agora acerto.
— 29 —

Estando em terra, chego ao céu Os Lusíadas


[voando;
Constitui-se de dez cantos em 1102
Numa hora acho mil anos, e é de
oitavas de versos decassílabos herói-
[jeito
cos, com esquema rimático ABABABCC
Que em mil anos não posso achar em denominado 8ª rima, num total de
[uma hora. 8816 versos.

O poeta, no início da sua obra, preo-


Se me pergunta alguém porque
cupa-se em explicar suas intenções em re-
[assim ando,
lação aos feitos heróicos. Em seguida,
Respondo que não sei; porém pede às musas do Tejo para que o ajudem
[suspeito nesta árdua tarefa. Depois, o autor ofere-
ce seus poemas ao rei D. Sebastião e, en-
Que só porque vos vi, minha
tão, inicia-se todo o percurso da narrativa.
[Senhora.
(resumo)
Sete anos de pastor Jacó servia
A ação da narrativa tem o seu iní-
cio quando a frota do herói Vasco da
Sete anos de pastor Jacó servia
Gama ainda se encontra em pleno Oce-
Labão, pai de Raquel, serrana bela; ano Índico. No Olimpo, morada dos deu-
Mas não servia ao pai, servia a ela, ses, acontece uma reunião, na qual es-
tes discutem a situação dos portugue-
E a ela só por prêmio pretendia. ses. Fica Baco na oposição, enquanto
os demais resolvem auxiliar o herói.
Os dias, na esperança de um só dia,
A essa altura, a frota portuguesa,
Passava, contentando-se com vê-la; já em plena viagem, chega a Moçam-
Porém o pai, usando de cautela, bique, na costa ocidental da África. O
deus Baco, que não quer a vitória de
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
maneira alguma, arma uma cilada para
Vasco da Gama; porém, o comandante
Vendo o triste pastor que com português supera o problema. É armada
[enganos outra cilada quando a frota se aproxima
de Mombaça, mas a deusa Vénus salva
Lhe fora negada a sua pastora,
novamente os portugueses.
Como se a não tivera merecida,
Ao atracar em Melinde, a frota é
Começa de servir outros sete anos, recebida pelo rei da cidade, que vem a
bordo e solicita a Vasco da Gama lhe
Dizendo: - mais servira, se não fôra
narre toda a história de Portugal. O herói
Para tão longo amor tão curta a começa descrevendo a Europa, para
[vida! então chegar à fundação da Lusitânia;
— 30 —

fala sobre D. Henrique de Borgonha, pai vência do ideal das cruzadas, a super-
do fundador de Portugal; menciona al- valorização do homem, a exaltação da
guns episódios da história de Portugal, aventura, a busca de novos horizon-
como o de Egas Moniz, a batalha de tes e a presença da mitologia.
Aljubarrota, a tomada da cidade de Ceuta
"As armas e os barões assinalados
no norte da África e outros.
que da ocidental praia lusitana,
Relembra os fatos que antecede-
por mares nunca dantes navegados
ram sua partida de Lisboa, os preparati-
vos da viagem; a conversa com o velho passaram ainda além da Taprobana.
do Restelo; por último as primeiras aven-
E em perigos e guerras esforçados,
turas à beira-mar: o fogo de Santelmo, a
tromba marinha, a aventura de Veloso, o Mais do que prometia a forca humana,
Gigante Adamastor e, finalmente, a che- Entre gente remota edificaram
gada a Melinde.
Novo reino, que tanto sublimaram;
Terminado o relato, Vasco da Gama
prossegue em sua viagem marítima. Baco E também as memórias gloriosas
resolve falar com Éolo, deus dos ventos, Daqueles Reis que foram dilatando
para prejudicar a frota com uma forte A fé, o Império, e as terras viciosas
ventania, no entanto, Vénus novamente
De África e de Ásia andaram
protege os navegadores enviando ninfas
amorosas para levar a calmaria. [devastando
E aqueles que por obras valerosas
Fim da tormenta. A frota portugue-
sa chega à salvo a Calicute, na índia, e Se vão da lei da morte libertando:
são recebidos por Samoriam. A bordo, Cantando espalharei por toda
Paulo da Gama recebe o Catual e deci- [parte,
fra-lhe o significado dos desenhos nas Se a tanto me ajudar o engenho e
bandeiras. [arte".

Começa a viagem de volta a Portu-


gal. Em caminho, fazem parada na Ilha Cessem do sábio Grego e do
dos Amores e são recebidos amorosa- [Troiano
mente pelas ninfas locais. A deusa
As navegações grandes que
Tethys mostra a Vasco da Gama a má-
[fizeram;
quina do mundo e o futuro glorioso do
povo português. Cale-se de Alexandra e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
A obra é dividida em:
Que eu canto o peito ilustre
• Proposição - é a apresentação do [Lusitano,
assunto. Transparecem alguns ele- A quem Neptuno e Marte
mentos fundamentais, como a sobrevi- [obedeceram;
— 31 —

Cesse tudo o que a Musa antígua Se tão sublime preço cabe em


[canta, [verso.
Que outro valor mais alto se • Dedicatória - oferecimento do poe-
[alevanta. ma ao rei de Portugal, D. Sebastião.
• Invocação - invocando a presença
E vós, ó bem nascida segurança
das musas para a construção da obra,
o poeta espera que seus cantos sejam Da Lusitana antígua liberdade,
inspirados e se imortalizem. E não menos certíssima esperança

E vós, Tágides minhas, pois criado De aumento da pequena

Tendes em mim um novo engenho [Cristandade;


[ardente, Vós, ó novo temor da Maura lança,

Se sempre em verso humilde Maravilha fatal da nossa idade,

[celebrado Dada ao mundo por Deus, que todo

Foi de mim vosso rio alegremente, [o mande,


Para do mundo a Deus dar parte
Dai-me agora um som alto e
[grande;
[sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Vós, tenro e novo ramo
Porque de vossas águas, Febo
[florescente
[ordene
Que não tenham inveja às de De uma árvore de Cristo mais
[Hipoerene. [amada
Que nenhuma nascida no
[Ocidente,
Dai-me uma fúria grande e
[sonorosa, Cesárea ou Cristianíssima
[chamada;
E não de agreste avena ou frauta
[ruda, (Vede-o no vosso escudo, que
[presente
Mas de tuba canora e belicosa,
Vos amostra a vitória já passada,
Que o peito acende e a cor ao
[gesto muda; Na qual vos deu por armas, e
[deixou
Dai-me igual canto aos feitos da
[famosa As que Ele para si na Cruz tomou)

Gente vossa, que a Marte tanto • Narração - é o desenrolar dos fa-


[ajuda; tos. Está dividido em dois planos: míti-
Que se espalhe e se cante no co (em que agem os deuses) e o his-
[universo, tórico (em que agem os homens).
— 32 —

"Oh, que famintos beijos na floresta! Aos montes ensinando e às ervinhas


E que mimoso choro que soava! O nome que no peito escrito tinhas.
Que afagos tão suaves!
(...)
[Que ira honesta,
Tirar Inês ao mundo determina
Que em risinhos alegre se tornava!
Por lhe tirar o filho que tem preso,
O que mais passam na manhã e
[na sesta, Crendo com o sangue só de morte

Que Vénus com prazeres inflamava, [indigna


Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Matar o firme amor o fogo aceso.
Mas julgue-o quem não pode Que furor consentem que a
[experimentá-lo." [espada fina

Epílogo - são as considerações fi- Que pôde sustentar o grande peso


nais do poeta. Do furor mouro, fosse alevantada

"Não mais musa, não mais, Contra uma fraca dama delicada?

[que a lira tenho Traziam-na os horríficos algozes


Destemperada e a voz, enrouquecida, Ante o rei já movido à piedade;
E não do canto, mas de ver que venho Mas o povo, com as falsas e
Cantar a gente surda e endurecida. [ferozes
O favor com que se acende o engenho
Razões, à morte crua o persuade.
Não nos dá pátria, não,
Ela, com tristes e piedosas vozes,
[que está metida
No gosto da cobiça e da rudeza Saídas só da mágoa e da saudade

De uma austera, apagada e Do seu príncipe e filhos, que


[deixava,
[vil tristeza."
Que mais que a própria morte a
Trechos do episódio de [magoava.
Inês de Castro (...)
"Estavas linda Inês, posta em Do teu Príncipe ali te respondiam
[sossego, As lembranças que na alma lhe
De teus anos colhendo doce fruito, [moravam.

Naquele engano da alma, ledo e Que sempre ante seus olhos te


[cego, [traziam,
Que a fortuna não deixa durar muito, Quando dos teus fermosos se
Nos saudosos campos do Mondego, [apartavam;

De teus fermosos olhos nunca De noite, em doces sonhos que


[enxuito, [mentiam,
— 33 —

De dia, em pensamentos que "Eu sou aquêle oculto e grande Cabo


[voavam, a quem jamais vós outros Tormentório,
E quanto, em fim, cuidava e que nunca a Ptolomeu, Pompônio,
[quanto via [Estrabo,
Eram tudo memórias de alegria". Plínio, e quantos passaram fui
Caracterizado por duas estrofes em [notório,
oitavas, os versos compõem o famoso
Aqui toda a Africana costa acabo
decassílabo heróico e sáfico, feitos de
acordo com as convenções literárias do Neste meu nunca visto Promontório,
século XVI. Personagem central do episó- Que para o Pólo Antártico se
dio, Inês de Castro, que teve um romance [estende,
com D. Pedro I, amor proibido, pois este
A quem vossa ousadia tanto
era casado e a família de Inês era ligada
[ofende!"
aos inimigos dos portugueses. O pai, D.
Afonso IV, manda matá-la. D. Pedro, ao "O Gigante Adamastor" é um dos
saber disso, resolve desenterrá-la e co-
episódios mais intensos e importantes
roá-la rainha.
dos Lusíadas. Baseado em uma lenda
de origem desconhecida, devido sua an-
Trechos do episódio de tigüidade, narra a história de um gigan-
O Gigante Adamastor te, Adamastor, transformado pelos deu-
Porém já cinco Sóis eram passados ses no Cabo das Tormentas, localizado
no extremo sul da África, como castigo
Que dali nos partíramos, cortando
por ter se apaixonado por Tétis, esposa
Os mares nunca de outrem
do rei grego Peleu, e ter visto-a nua.
[navegados,
Prosperamente os ventos Adamastor revela aos heróis por-
[assoprando, tugueses as desventuras que os aguar-
Quando uma noite, estando dam, num clima solene e trágico. A im-
portância desse episódio para a narrati-
[descuidados
va reside no fato de possuir vários sen-
Na cortadora proa vigiando, tidos, que condensam a idéia central dos
Uma nuvem, que os ares escurece, Lusíadas. O episódio situa-se exata-
Sobre nossas cabeças aparece. mente no meio do texto, o que reforça
sua importância e força trágica.
(-.)
— 34 —

Resumo do Renascimento

Momento sócio-cultural cas - redondilha menor e redondi-


Iha maior) pela medida nova, pro-
• Renascimento: revalorização dos veniente da Itália (versos decassíla-
modelos culturais da Antiguidade bos - soneto).
clássica pela burguesia mercantilista

• Grandes navegações e desenvolvi- • Poesia lírica e poesia épica.


mento do antropocentrismo (huma-
nismo)
Autores e obras
• Reforma protestante: crise da Igreja
• Luis Vaz de C a m õ e s , poeta-filó-
católica.
sofo:
• Nascimento da ciência moderna.
Poesia lírica de influência medie-
val e clássica, de temática variada e
Características literárias abrangente (os mistérios da condição
humana, a presença do homem no
• Humanismo, antropocentrismo, racio- mundo, os conceitos e contradições
nalismo (decadência dos valores re- amorosas etc).
ligiosos).
Poesia épica: Os Lusíadas, nar-
• A arte como mímese: imitação de
ração da heróica viagem de Vasco
modelos da Antiguidade - harmonia,
da Gama às índias e a eternização de
equilíbrio, proporção de formas.
um dos momentos mais gloriosos de
• Substituição da medida velha medie- Portugal, a época das grandes nave-
val (versos de 5 e 7 silabas métri- gações.
— 35 —

Barroco
"É um estilo voltado para a alusão (e restaurar um clima de religiosidade, con-
não a cópia) e para a ilusão enquanto trário às idéias da antigüidade clássica.
fuga da realidade convencional. Se par-
Estes fatores fizeram com que o
tirmos da exegese (interpretação) do
homem conciliasse os valores medie-
estilo barroco em termos de crise defen-
vais (teocentrismo) com os valores re-
siva da Europa pré-industrial, aristocráti-
nascentistas (antropocentrismo).
ca e jesuítica (Espanha e Portugal), pe-
rante o avanço do racionalismo burguês Essa situação contraditória provo-
(Inglaterra, Holanda, França), então en- cou o aparecimento de atitudes igual-
tenderemos o quanto de angústia, de mente contraditórias do artista face ao
desejo de fuga e de ilimitado subjetivismo mundo, à vida e a si mesmo.
havia nestas formas. E entenderemos
também a imagem barroca da vida como
um sonho, como uma comédia, como um
labirinto, um jogo de espelhos, uma festa:
A estética barroca
o triunfo da ilusão".
(Alfredo Bosi) O Barroco opõe-se à estética clás-
sica: superfície X profundidade, forma
Surgiu no final do século XVII e inicio fechada X forma aberta, multiplicidade
do século XVIII na Espanha e se expandiu X unidade.
por toda a Europa. O movimento barroco
inicia-se, em Portugal, em 1580, com a O homem barroco foge das coisas
morte de Camões e termina com a funda- e sentimentos contraditórios que envol-
ção da Arcádia Lusitana. Está relaciona- vem a natureza humana, exaltando os
do à Contra-Reforma. valores cristãos - o homem volta-se
para Deus.
O século XVII é um período de gran-
des conflitos e contradições. A situação Podemos encontrar dois tipos de es-
de instabilidade política e a decadência tética barroca: a gongórica e a conceptista.
econômica nos países europeus foram
A estética gongórica está preocu-
fatores importantes para o surgimento
pada com a descrição das coisas. É fre-
deste movimento artístico.
qüente o uso de figuras de linguagem
O Barroco é fruto de um período em como a antítese, a metonimia, o parado-
que o conservadorismo da Igreja se inten- xo, o assíndeto, a metáfora, o simbolismo,
sifica, reagindo contra a inovação da épo- a sinestesia, a hipérbole e a catacrese,
ca e os valores burgueses, como o amor, além do uso de neologismos. Preocupa-
o luxo, o dinheiro etc. Procura-se, então, se com uma linguagem bem trabalhada.
— 36 —

A estética conceptista, no entan- A Lentidão burocrática e a


to, está preocupada em conhecer a es- "preguiça" do Brasil
sência das coisas, ao invés de descre-
Dizem que Hábis, filha d'el-rei Gór-
vê-las (teocentrismo). Utiliza-se mais da
gon, por haver sido criada nos bosques
razão do que da emoção. Há o uso de
com leite de uma cerva, saiu ligeiríssima
antíteses e paradoxos, tornando o ra-
no correr. Estou considerando que leite
ciocinio mais ambíguo em busca da sa-
mamaria uma destas causas ou requeri-
tisfação da inteligencia.
mentos na mão dos ministros e seus ofi-
ciais, que não há remédio a fazê-la cor-
A linguagem barroca é exagerada
rer. Se beberia o leite da preguiça do Bra-
de imagens e figuras de linguagem,
sil (a quem os Castelhanos chamaram
preocupa-se com a aparência e expõe
por ironia perrillo ligero), que gasta dois
assuntos que envolvem a religião pro-
dias em subir a uma árvore e outros dois
blemática da época, através de con-
em descer?
traste de temas, assuntos, motivos e
elementos expressivos como vida eter- Mas não é adequado o símil. Porque
na X vida terrena, espiritualidade X a preguiça do Brasil anda devagar, mas
materialidade, corpo X alma, eu X mun- anda; e a preguiça do Reino e seus minis-
do, cristianismo X Reforma, Deus X tros, a cada passo pára e dorme. Dois me-
homem, vida X morte, religioso X pro- ses para entrar um papel, e parou; outros
fano (erotismo), real X ideal, espírito X dois, para subir a consulta, e tornou a pa-
carne, sensualismo X misticismo, rea- rar; outros dois, para descer abaixo, e
lismo X idealismo, céu X terra - tensão temo-la outra vez parada. Mais tantos me-
provocada pela Fé e pela Razão. ses para se verem os autos, mais outros
tantos para se formar a tensão, mais tan-
Além da religiosidade, o artista bar- tos anos para embargos, apelações, visi-
roco retrata também a sensualidade, tas, revistas, réplicas e tréplicas... Oh
tanto em relação à natureza como ao preguiça do Brasil, já eu digo, não por iro-
corpo humano. nia, senão por boa verdade, que tu em
comparação da preguiça do Reino és
Principais artistas barrocos: perrillo ligero.

In REBELO, Marques, org. Antologia escolar portuguesa.


Rio de Janeiro: FENAME/MEC, 1970, p . 2 6 1 .

Podre Manuel Bernardes


(1644-1710) Francisco Rodrigues Lobo
(1580-1622)
Produziu obras de cunho místico e
moralista (didático) com uma linguagem Poeta bucólico e de influência camo-
simples e espontânea. Sua principal obra niana, escreveu obras como Romanceiro,
foi Nova Floresta. Éclogas, Pastor Peregrino e outros.
— 37 —

Fermoso Tejo meu, quão diferente Se só por ser de mim tão receada,
Te vejo e vi, me vês agora e viste: Com dura execução me tira a vida
Que fará se chegar a ser sabida?
Turvo te vejo a ti, tu a mim triste,
Que fará se passar de suspeitada?
Claro te vi eu já, tu a mim contente.
Porém se já me mata, sendo incerta,
A ti foi-te trocando a Somente imaginá-la e presumi-la,
[grossa enchente Claro está (pois da vida o fio corta)
A quem teu largo campo não resiste;
O que fará depois quando for certa:
A mim trocou-me a vista
- ou tornar a viver, para senti-la,
[em que consiste
ou senti-la também depois de morta.
O meu viver contente ou descontente.
/
Já que somos no mal participantes,
Se apartada do corpo a doce vida,
Sejamo-lo no bem. Oh, quem me dera
Domina em seu lugar a dura morte,
Que fôramos em tudo semelhantes!
De que nasce tardar-me tanto a
[morte
Mas lá virá a fresca primavera;
Se ausente da alma estou, que me
Tu tornarás a ser quem eras de
[dá vida?
[antes,
Eu não sei se serei quem de antes Não quero sem Silvano já ter vida,
[era. Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a
[morte,
Sóror Violante do Céu
Perca-se por Silvano a minha vida.
(1601-1693)
Ah! suspirado ausente, se esta
Produziu poemas marcados pelo [morte
sentido passional, pelas imagens sutis Não te obriga querer vir dar-me vida,
e pela veemência. Depois de entrar para Como não ma vem dar a mesma
o convento, impregna suas poesias de [morte?
cunho religioso. Sua principal obra foi
Rimas Várias. Mas se na alma consiste a própria
[vida,
Amor, se uma mudança imaginada Bem sei que se me tarda tanto a
É já com tal rigor minha homicida, [morte,
Que será de passar de ser temida, Que é porque sinta a morte de tal
A ser, como temida, averiguada? [vida.
— 38 —

//
Frei Luís de Sousa
Se era brando o rigor, firme a
[mudança,
(1555-1632)
Humilde a presunção, vária a Historiador rigoroso, escreveu Histó-
[firmeza, ria de São Domingos e Anais de D. João III.
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a
[confiança.
Sóror Mariana Alcoforado
(1640-1723)
Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza, Escreveu Cartas Portuguesas em
1669, atribuídas a um amor proibido, uma
Lhana a ficção, sofística a
paixão violenta, incontrolada e não cor-
[lhaneza,
respondida por um militar, o capitão Cha-
Áspero o amor, benigna a milly.
[esquivança;
Nestas cinco cartas, a consciên-
Será merecimento a indignidade, cia moral é suplantada pelo sentimento
Defeito a perfeição, culpa a amoroso e pela ânsia de esquecer uma
[defensa, relação pecaminosa, mas que ainda as-
sim era ardentemente desejada.
Intrépido o temor, dura a piedade,

Delicto a obrigação, favor a ofensa, Transcrição da primeira carta:


Verdadeira a traição, falsa a
Vê lá tu, meu amor, como foste te
[verdade, iludir!
— Antes que vosso amor meu
[peito vença. Ah! Coitado de ti enganaste-te e
enganaste-me com esperanças menti-
(...)
rosas.

Tantas esperanças de gosto nos


Francisco Manuel de Melo dava o nosso amor, e causa-nos agora
(1608-1667) o mortal desespero que só pode com-
parar-se à crueldade desta separação.

Era voltado para a poesia lírica, a Pois que! A tua ausência, para que
historiografia, o teatro e a prosa filosófi- a minha dor não acha nome bastante
ca e moralizante. Sua principal obra foi triste, há de privar-me para sempre de
Carta de Guia aos Casados, que retra- me mirar nos teus olhos, onde eu via
ta as relações conjugais de forma irôni- tanto amor, que me enchiam de alegria,
ca e humorística. que eram tudo para mim?
— 39 —

Ai de mim! Os meus olhos perde- Suas principais obras são: Sermão


ram a luz que os alumiava e não fazem da Sexagésima (fala da arte de pregar)
senão chorar. e Sermão de Santo Antônio ou Sermão
aos Peixes (fala a respeito da escravi-
(...) dão indígena) e são divididas em: intro-
Mil vezes em cada dia lá te mando dução, argumentação e peroração.
os meus suspiros; e não me trazem para
Sermão da quarta feira de cinzas
alívio de tantos males senão este ajui-
zado aviso à minha desventura, que (fragmento)
estou sempre a ouvir:
Ora suposto que já somos pó, e não
— Deixa, pobre Mariana, deixa de pode deixar de ser, pois Deus o disse: per-
querer àquele que atravessou o mar para guntar-me-eis, e com muita razão, em que
te fugir, que está em França no meio dos nos distinguimos logo os vivos dos mor-
prazeres, que não pensa um instante tos? Os mortos são pó, nós também somos
no que sofres, nem te agradece, e que pó; em que nos distinguimos uns dos ou-
te dispensa de o amares tanto... tros? Distinguimo-nos os vivos dos mortos,
assim como se distingue o pó do pó. Os vi-
vos são pó levantado, os mortos são pó
Padre Antônio Vieira caído; os vivos são pó que anda, os mor-
tos são pó que jaz: Hic jacet. Estão essas
(1608-1697)
praças no verão cobertas de pó: dá um pé-
de-vento, levanta-se o pó no ar e que se
Nasceu em Lisboa no ano de 1608.
faz? Os que fazem os vivos, e muitos vi-
Ainda menino, vem para o Brasil e estu-
vos. Não aquieta o pó, nem pode estar
da no Colégio dos Jesuítas. Ordena-se
quedo; anda, corre, voa; entra por esta rua,
em 1634. Com a restauração portugue-
sai por aquela, já vai adiante, já toma atrás;
sa, depois do domínio espanhol, muda-
tudo enche, tudo cobre, tudo envolve, tudo
se para Portugal, porém, não consegue perturba, tudo toma, tudo cega, tudo pene-
se adaptar à realidade portuguesa, de- tra: em tudo e portudo se mete, sem aquie-
vido à decadência do país e à Inquisição. tar e sossegar um momento, enquanto o
Volta para o Brasil e passa a morar no vento dura. Acalmou o vento; cai o pó, e
Maranhão. Morre em 1697, aos 89 anos. onde o vento parou, ali fica; ou dentro de
casa, ou na rua, ou em cima de um telhado,
Dividido entre dois mundos - euro-
ou no mar, ou no rio, ou no monte, ou na
peu e brasileiro - e de estilo predominan-
campanha. Não é assim? Assim é. E que
temente conceptista, o autor estabelece
pó, e que vento é este? O pó somos nós:
analogias e comparações da época e
Quia pulvis est: o vento é a nossa vida.
passagens bíblicas, apresentando uma
Quia ventus est vita mea. Deu o vento, le-
grande profundidade de raciocínio. Con-
vantou-se o pó; parou o vento, caiu. Deu o
siderado o maior orador sacro da histó-
vento, eis o pó levantado; estes são os vi-
ria portuguesa, critica os pregadores cul-
vos. Parou o vento, eis o pó caído; estes
tistas, por possuírem discursos ocos.
— 40 —

são os mortos. Os vivos pó, os mortos pó; acaba. Atreve-se o tempo a colunas de
os vivos pó levantado, os mortos pó caído; mármore, quanto mais a corações de
os vivos pó com vento, e por isso vão; os cera? São as afeições como as vidas,
mortos pó sem vento, e por isso sem vai- que não há mais certo sinal de haverem
dade. Esta é a distinção e não há outra. de durar pouco, que terem durado mui-
to. São as linhas, que partem do centro
Sermões para a circunferência, que quanto mais
continuadas, tanto menos unidas. Por
Há de tomar o pregador uma só
isso os Antigos sabiamente pintaram o
matéria,- há de defini-la para que se co-
amor menino; porque não há amor tão
nheça, há de dividi-la para que se
robusto que chegue a ser velho. De to-
distingüa, há de prová-lo com a Escritu-
dos os instrumentos com que o armou a
ra, há de declará-la com a razão, há de
natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-
confirmá-la com o exemplo, há de am-
lhe o arco, com que já não atira; embota-
plificá-la com as causas, com os efei-
lhe as setas, com que já não fere; abre-
tos, com as circunstâncias, com as con-
lhes os olhos, com que vê o que não via;
veniências que se hão de seguir, com os
e faz-lhe crescer as asas, com que voa
inconvenientes que se devam evitar, há
e foge. A razão natural de toda esta dife-
de responder às dúvidas e há de satis-
rença, é porque o tempo tira a novidade
fazer as dificuldades, há de impugnar e
às cousas, descobre-lhe os defeitos, en-
refutar com toda a força da eloqüência
fastia-lhe o gosto, e basta que sejam usa-
os argumentos contrários, e depois dis-
das para não serem as mesmas. Gasta-
so, há de colher, há de apertar, há de
se o ferro com o uso, quanto mais o amor?
concluir, há de persuadir, há de acabar...
O mesmo amar é causa de não amar, e o
ter amado muito, de amar menos.
Neste sermão, há uma enumeração,
ou seja, uma lista de elementos que ca-
O sermão acima mencionado não
racterizam o ato de pregar, através de
se enquadra, em princípio, como sendo
um tom de oratória, de pregação. Atra- um texto literário, por não se tratar de
vés do conceptismo, Vieira se utiliza de uma poesia, romance, conto, ou novela.
três recursos para a elaboração do ser- Entretanto há uma literalidade por se re-
mão: a escritura, a razão e o exemplo. ferir ao tema Amor.
Vieira também utiliza-se de textos Carta
bíblicos como referencial - fazendo ana-
(fragmento)
logias com o cotidiano.
Senhor, os reis são vassalos de
Sermão do Mandato
Deus e, se os reis não castigam os seus
(fragmento) vassalos, castiga Deus os seus. A cau-
sa principal de se não perpetuarem as
O primeiro remédio que dizíamos, é coroas nas mesmas nações e famílias é
o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz a injustiça, ou são as injustiças, como
esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo diz a Escritura Sagrada; e entre todas
— 41 —

as injustiças nenhuma clama tanto ao servação e aumento do Estado do Mara-


céu como as que tiram a liberdade aos nhão; isto, Senhor, é heresia. Se por não
que nasceram livres, e as que não pa- fazer um pecado venial, se houver de per-
gam o suor aos que trabalham; e estes der Portugal, perca-o Vossa Majestade e
são e foram sempre os dois pecados dê por bem empregada tão cristã e tão glo-
deste Estado, que ainda tem tantos de- riosa perda; mas digo que é heresia, ainda
fensores. A perda do Senhor rei D. Se- politicamente falando, porque sobre os
bastião em África, e o cativeiro de ses- fundamentos da injustiça nenhuma cousa
senta anos que se seguiu a todo o rei- é segura nem permanente; e a experiência
no, notaram os autores daquele tempo o tem mostrado neste mesmo Estado do
que foi castigo dos cativeiros, que na Maranhão, em que muitos governadores
costa da mesma África começaram a adquiriram grandes riquezas e nenhum
fazer os nossos primeiros conquista- deles as logrou nem elas se lograram; nem
dores, com tão pouca justiça como a há cousa adquirida nesta terra que perma-
que se lê nas mesmas histórias. neça, como os mesmos moradores dela
confessam, nem ainda que vá por diante,
As injustiças e tiranias, que se tem
nem negocio que aproveite, nem navio que
executado nos naturais destas terras, ex-
aqui se faça que tenha bom fim; porque
cedem muito às que se fizeram na África.
tudo vai misturado com sangue dos po-
Em espaço de quarenta anos se mataram
bres, que está sempre clamando ao céu.
e se destruíram por esta costa e sertões
mais de dois milhões de índios, e mais de Este trecho pertence a uma carta e,
quinhentas povoações como grandes ci- também não pode se enquadrar como um
dades, e disto nunca se viu castigo. Proxi- texto literário, por não se tratar de um
mamente, no ano de 1655, se cativaram no romance, poesia, conto ou novela. No en-
rio das Amazonas dois mil índios, entre os tanto, há, também, literalidade nesta, pois
quais muitos eram amigos e aliados dos está dirigida ao Rei de Portugal e começa
portugueses, e vassalos de Vossa Majes- com uma afirmação religiosa. Depois
tade, tudo contra a disposição da lei que Vieira refere-se à causa do tema que vai
veio naquele ano a este Estado, e tudo desenvolver, recorrendo citações das
mandado obrar pelos mesmos que tinham escrituras sagradas. O autor compara as
maior obrigação de fazer observar a mes- tiranias na África com as tiranias e as
ma lei; e também não houve castigo: e não injustiças da colônia: a morte de milhares
só se requer diante de Vossa Majestade a de índios, a desobediência pela coroa de
impunidade destes delitos, senão licença suas próprias leis, a impunidade etc. Con-
para os continuar! (...) Dirão porventura cluindo: o conceptismo amarra as idéias
(como dizem) que destes cativeiros, na relacionadas com uma ética religiosa e
forma em que se faziam, depende a con- política, cuja atualidade não se perdeu.
— 42 —

Resumo do Barroco

Momento sócio-cultural • Predominância de duas tendências,


que se interpenetram: cultismo (re-
• Contra-reforma: reação da Igreja buscamento formal, jogo sensorial
católica. de palavras) e conceptismo (sofisti-
• Os novos valores humanistas, de- cação no plano das idéias e argu-
fendidos pela burguesia, chocam- mentações paradoxais).
se com os valores teocêntricos, re-
presentados pelo clero. Autores e Obras
• Começa em Portugal o domínio es-
panhol, que dura de 1580 a 1640. • Padre Antônio Vieira: maior ora-
dor sacro da língua, escreveu Ser-
Características literarias mões (15 volumes, entre 1679-1718),
História do Futuro (1718) e outras.
• Antítese, dualidade, contradição: o sa-
grado e o profano, a razão e a emoção, • Francisco Manuel de Melo: estu-
o espiritual e o carnal, vida e morte, dou com os jesuítas e seguiu a car-
medievalismo e Renascimento. reira militar. Escreveu Carta de Guia
de Casados (1651), Cartas Famili-
• Literatura baseada em antíteses, pa- ares (1664), Obras Métricas (1665).
radoxos, inversões sintáticas (hi-
pérbatos) e exageros (hipérboles) • Padre Manuel Bernardes: escre-
que expressam a angústia existencial veu Nova Floresta (5 volumes, 1706-
barroca. 1728), Luz e Calor (1696).
— 43 —

Arcadismo
O inicio do século XVIII é marcado ras obras seu estilo satírico e anticle-
pela decadência do pensamento barro- rical, criticando ferozmente a Igreja de
co, cujos (atores básicos são: o exage- sua época. Proclamou ódio pelas mo-
ro da expressão barroca, que havia narquias absolutas e sua admiração
cansado o público; a ascensão da bur- pela monarquia liberal inglesa. Suas
guesia supera o domínio religioso; o sur- principais obras foram: Édipo, A Hen-
gimento das primeiras arcádias, enfati- ríada, Cartas Filosóficas, Cândido ou
zando a pureza e a simplicidade. o Otimismo e o Dicionário Filosófico.

A palavra Arcadismo tem sua origem • Montesquieu - preocupado com a


em Arcádia, uma antiga região da Grécia, renovação, contribuiu com a idéia da
de relevo montanhoso, habitada por pas- divisão de poderes como recurso
tores que conciliavam os seus trabalhos para se evitar o autoritarismo. Em sua
com a poesia, cantando o paraíso rústico obra Do Espírito das Leis, Montes-
em que viviam e simbolizando-o como quieu defendeu a idéia de que cada
uma terra de inocência e felicidade. um dos três poderes (Legislativo,
Executivo e Judiciário), deve estar
O Arcadismo desenvolveu-se ao lon-
em mãos distintas. Em Cartas Persas
go do século XVIII, influenciado pela Revo-
critica os costumes da sociedade.
lução Francesa, movimento revolucionário
de ideologia liberal burguesa, responsável • Rousseau - com sua teoria do bom
pela queda do absolutismo e da economia selvagem, defendeu a natureza vir-
mercantilista e pela extinção do antigo sis- gem e foi admirador do homem sel-
tema feudal. O Arcadismo ficou também co- vagem. Desprezou o otimismo um tan-
nhecido por setecentismo (os anos 1700) to ingênuo dos enciclopedistas. Afir-
e neoclassicismo e refletiu uma época que mou que as artes e as ciências ti-
ficou conhecida como o Século das Luzes nham contribuído para o progresso
ou Iluminismo, movimento filosófico cujo da humanidade, mas também a cor-
objetivo era o de defender a liberdade de romperam. Escreveu Discurso sobre
pensamento e usar a razão como instru- as Ciências e as Artes e Do Contra-
mento de análise e domínio da realidade. to Social. Posteriormente, deu ênfa-
Lutaram contra os excessos do Barroco e se à importância da Educação, com
defenderam uma arte racional e didática. sua obra Emílio.

Dentre os diversos pensadores ilu-


Inspirados nestes pensadores e
ministas, destacam-se:
suas teorias, os árcades voltam-se para
• Voltaire - possuidor de idéias filosófi- a natureza em busca de uma vida sim-
cas e políticas, mostrou em suas primei- ples, bucólica e pastoril, fugindo, assim,
— 44 —

dos centros urbanos. A natureza pas- ras e hipérboles deixadas pela es-
sa a ser, então, um refúgio ao homem tética anterior;
civilizado.
6. utiiizam-se da natureza em suas poe-
Sua preocupação prioritária era a sias, tornando-as de aspecto bucó-
de formular uma sociedade mais iguali- lico e ingênuo;
tária. Teve sua fundação no culto das
ciências, da razão e do progresso. 7. dão ênfase à linguagem simples, po-
rém, sem perder a sua nobreza;
De espírito reformista, o Arcadismo
pretende, reformular o ensino, os hábi- 8. possuem uma tendência introspectiva;
tos e as atitudes sociais. Propunha a
restauração da simplicidade na lingua- 9. há o culto excessivo à natureza;
gem, abandonando as figuras de lingua-
gem - antíteses, metáforas, paradoxos 10. a linguagem torna-se melodiosa;
- dando mais ênfase a uma linguagem
direta. 11. usam pseudônimos pastoris. Ex: El-
mano Sadino (Bocage).
Em oposição aos artistas barrocos,
que preferiam a fuga da realidade, o Ar- Este movimento chega a Portugal
cadismo valoriza o tempo presente. em 1756 com a fundação da Arcádia
Lusitana e teve seu término em 1825,
O artista árcade, além de tomar a com a publicação do poema Camões,
vida campestre e suas paisagens como de Almeida Garret.
modelos, incorpora, em suas obras, a
mitologia, usando-se de deuses e he- Com o lema da Arcádia Lusitana de
róis da história grega. cortar as coisas inúteis, os árcades
passam a buscar, então, a simplicidade,
Resumidamente falando, podemos a linguagem mais clara, a metrificação
citar diversas características da arte li- simples e o uso de versos brancos (sem
terária arcadista:
rima).
1. volta aos modelos greco-romanos;
Permanece a presença da mitolo-
2. predominam a razão e a ciência, em gia greco-romana e há uma restaura-
oposição à fé e a religião; ção de alguns escritores como Virgílio,
Horácio, Teócrito, Camões e Sá de Mi-
3. há o retorno ao equilíbrio, reagindo randa.
contra os preceitos barrocos quan-
Com o governo de Marquês de Pom-
to ao desequilíbrio;
bal, há em Portugal uma preocupação em
4. buscam a perfeição da forma; modernizar a sociedade portuguesa e ex-
pulsar os jesuítas do sistema educacional
5. procuram um estilo simples de lin- português. Daí o Marquês de Pombal ser
guagem, despojando-o das metáfo- conhecido como déspota esclarecido.
— 45 —

Resumidamente falando, podemos


citar diversas características da arte li- Padre Francisco Manuel
terária arcaica: do Nascimento
1. Volta aos modelos greco-romanos (1734-1819)
e à arte camoniana.
2. Predominam a razão e a ciência, em Destacou-se nos sonetos. Ficou co-
oposição à fé e a religião. nhecido por seus pseudônimos Niceno
3. Há o retorno ao equilíbrio, reagindo e Filinto Elísio.
contra os preceitos barrocos quan-
to ao desequilíbrio.
Luis Antonio Verney
4. Buscam a perfeição da forma.
(1713-1792)
5. Procuram um estilo simples de lin-
guagem, despojando-se das metá-
foras e hipérboles deixadas pela es- Pseudônimo de Frade Barbadinho,
tética anterior. publicou O Verdadeiro Método de En-
sinar.
6. Utilizam-se da natureza em suas po-
esias, tornando-as de aspecto bucó-
lico e ingênuo.
Frei José de Santa
7. Dão ênfase à linguagem simples, po-
Rita Durão
rém, sem perder a sua nobreza.
(1722-1784)
8. Possuem uma tendência introspec-
tiva.
É o autor de Caramuru, poema cu-
9. Há o culto excessivo à natureza (ro- jos traços estilísticos imitam os de Ca-
cocó). mões. Nesta obra, o herói é Diogo Álva-
10. A linguagem torna-se melodiosa. res Correia e a obra retrata a subordi-
nação do índio ao colonialismo europeu.
11. Usam pseudônimos pastoris. Ex: Bo-
cage (Elmano Sadino). Canto VI
Podemos destacar, como principais (...)
autores: Copiosa multidão da nau francesa
Corre a ver o espetáculo
Correia Garção [assombrada;
E ignorando a ocasião da estranha
(1724 - 1772)
[empresa,
Escreveu sátiras, epístolas, sone- Pasma da turba feminil, que nada:
tos e duas comédias: Teatro Novo e As- Uma, que às mais precede em
sembléia ou Partida. [gentileza,
— 46 —

Não vinha menos bela, do que SADINO - homenagem ao rio Sado,


[irada: que passa por Setúbal, sua terra natal.

Era Moema, que de inveja geme, Boêmio, conheceu a vida devassa


E já vizinha à nau se apega ao leme em Lisboa, depois de se decepcionar
(...) amorosamente.
Perde o lume dos olhos, pasma e
[treme,
A poesia lírica de Bocage
Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Com mão já sem vigor, soltando o Bocage, ou Elmano Sadino, culti-
[leme, vou a lírica bucólica e amorosa, através
Entre as salsas escumas desce ao de suas odes, elegias, canções, epís-
[fundo: tolas e sonetos. Influenciado por Ca-
mões, podemos encontrar em seus so-
Mas na onda do mar, que irado
netos traços do artista clássico, além
[freme,
de traços pessoais do próprio Bocage,
Tornando a aparecer desde o através de uma linguagem mais prosai-
[profundo: ca e até mesmo coloquial.
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa,
Soneto
e sem vista ser, sorveu-se n'água.
Camões, grande Camões, quão
[semelhante
Manuel Maria Barbosa
Acho teu fado ao meu, quando
du Bocage [os cotejo
(1765-1805) Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Integrou-se em 1790 ao Arcadismo
com a publicação de Pavorosa Ilusão Como tu, junto ao Ganges
da Eternidade. Foi considerado o poeta [sussurrante,
mais importante do século XVIII em Por-
Da penúria cruel no horror me vejo;
tugal. Escreveu poesia lírica e satírica,
em idílios, odes, epigramas, canções, Como tu, gostos vãos, que em
[vão desejo,
elegias e, principalmente, em sonetos.
Também carpindo estou,
Sua maior obra foram As Rimas.
[saudoso amante.
Por sua sensibilidade e lirismo subjetivo,
foi considerado um pré-romântico. Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Bocage ficou conhecido por seu pseu-
Meu fim demando ao Céu,
dônimo Elmano Sadino:
[pela certeza
ELMANO - anagrama de Manoel. De que só terei paz na sepultura.
— 47 —

Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!... Encontrardes alguns, cuja aparência


Se te imito nos transes da Ventura, Indique festival contentamento,
Não te imito nos dons da Natureza.
Crêde, ó mortais, que foram com
B O C A G E . M M. Barbosa. Sonetos. Lisboa: Bertland, [violência
sd.p.207.
Escritos pela mão do Fingimento,

Neste soneto o poeta faz um para- Cantados pela voz da Dependência.


lelo de sua vida com a do poeta Camões.

A poesia lírica de Bocage é dividi-


Lusos heróis, cadáveres cediços,
da em:
Erguei-vos dentre o pó, sombras
• Lírica Arcádica ou da 1ª F a s e - e n - [honradas,
contramos a presença de regras e Surgi, vinde exercer as mãos
convenções trazidas pelo Arcadismo. [mirradas
O poeta adota uma atitude de artificia-
Nestes vis, nestes cães, nestes
lismo poético, dotando sua poesia de
[mestiços.
imagens mitológicas e clássicas. Procu-
ra utilizar o racionalismo, porém, a sua
Vinde salvar destes pardais
sensibilidade o levou a uma expressão
[castiços
mais emotiva, pessoal e sincera.
As searas de arroz, por vós
O artista demonstra o seu "eu" tur- [ganhadas;
bulento em reação à impessoalidade e o
Mas ah! Poupai-lhe as filhas
fingimento da poesia árcade.
[delicadas,
Sonetos Que elas culpa não têm, têm mil
[feitiços.
Incultas produções da mocidade
Exponho a vossos olhos, ó leitores: De pavor ante vós no chão se deite
Vêde-as com mágoa, vêde-as Tanto fusco rajá, tanto nababo,
[com piedade,
E as vossas ordens, trémulo,
Que elas buscam piedade, [respeite.
[e não louvores:
Vão para as várzeas, leve-os o
Ponderai da Fortuna a variedade [Diabo;
Nos meus suspiros, lágrimas e Andem como os avós, sem mais
[amores; [enfeite
Notai dos males seus a imensidade, Que o langotim, diâmetro do rabo.
A curta duração dos seus favores: M. M . B . Sonetos in Moisés, Massaud. A Literatura
Portuguesa através dos textos. 9. ed. São Paulo: Cultrix,
E se entre versos mil de sentimento 1980, p. 226.
— 48 —
a
• Lírica Pré-Romântica ou da 2 Fa- Esta alma, que sedenta em si
se - em seus poemas, encontramos [não coube,
um reflexo de si mesmo. Destaca-se o
No abismo vos sumiu dos
lado psicológico, através do sentimento
[desenganos;
e da personalidade do autor, gerando
um gosto pelo noturno, por formas ma- Deus, oh Deus!... Quando a morte
cabras e tendo a morte como única so- [à luz me roube
lução para os seus problemas:
Ganhe um momento o que
"Ó retrato da Morte, ó Morte amiga [perderam anos,

Por cuja escuridão suspiro há tanto!" Saiba morrer o que viver


[não soube.
O artista se opõe totalmente à de- BOCAGE, M. M. Barbosa. Sonetos. Lisboa, Bertíand,
pendência e ao despotismo, em nome s d . p , 67.
da Razão.
Este soneto foi composto momen-
Em seus poemas, encontramos o tos antes da morte de Bocage.
cultivo a uma vida fúnebre e noturna,
exprimindo sentimentos negativos como
o ciúme, a blasfêmia e a contrição, ge- Ó retrato da morte! Ó Noite amiga,
rados pelo abandono, além de uma lin- Por cuja escuridão suspiro há
guagem pessimista e fatalista:
[tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
Sonetos
De meus desgostos secretária
Meu ser evaporei na lida insana [antiga!
Do tropel de paixões, que me
Pois manda Amor que a ti somente
[arrastava: [os diga
Ah! Cego eu cria, ah! mísero Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
[eu sonhava Ouve-os, como costumas, ouve,
Em mim quase imortal a [enquanto
[essência humana:
Dorme a cruel que a delirar me
De que inúmeros sóis a mente ufana [obriga.

Existência falaz me não dourava! E vós, ó cortesãos da escuridade,


Mas eis sucumbe Natureza escrava Fantasmas vagos, mochos
Ao mal, que a vida em sua [piadores,
[origem dana. Inimigos, como eu, da claridade!

Prazeres, sócios meus, e Em bandos acudi aos meus


[meus tiranos! [clamores;
— 49 —

Quero a vossa medonha Que ferve esta alma em


[sociedade, [cândidos amores;
Quero fartar meu coração de Longe o prazer de ilícitos favores!
[horrores. Quero o teu coração, mais nada quero.
Bocage procura fazer uma auto-aná-
lise e disso encontramos traços vivos em Ah! Não sejas também qual comigo
sua poesia: confissões, arrependimen- A cega divindade, a Sorte dura,
tos, tensão dramática, sofrimento, luta A vária Deusa, que me nega abrigo!
entre a Razão e o Sentimento, a cabeça e
o coração: Tudo perdi: mais valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
"Razão, de que me serve
[o teu socorro? Os roubos que me fez a má ventura.

Mandas-me amar, eu ardo, eu amo; BOCAGE, M . M . B . Sonetos. Lisboa: Beròand, s. d., p. 67

Dizes-me que sossegue, eu penso,


Gertrúria = pseudônimo de Gertru-
[eu morro."
des, o verdadeiro amor do poeta, que se
Observando-se estes dois períodos casou com seu próprio irmão, Gil Fran-
da poesia lírica de Bocage, podemos di- cisco Barbosa du Bocage.
zer que a1ª fase do artista é mais volta-
da ao seu lado emotivo, refletindo uma
fase romântica de sua vida, quando co-
A poesia satírica de Bocage
nheceu seu grande amor, Gertrudes.
Bocage, em suas sátiras, critica o po-
A 2ª fase, no entanto, por sua lingua-
der e ironiza o clero e a nobreza decaden-
gem e expressão mais negativa, reflete a
te. Sua linguagem é obscena e erótica:
sua nova vida, quando descobriu que sua
amada casou-se com o seu irmão; e a par- "Ah! Faze-me ditoso, e sê ditosa.
tir daí, passou a levar uma vida errante e Amar é um dever, além de um gosto,
boêmia:
Uma necessidade, não um crime,
Eu deliro, Gertrúria, eu desespero Qual a impostura horríssona apregoa.
No inferno de suspeitas e temores. Céus não existem, não existe inferno,
Eu da morte as angústias e O prêmio da virtude é a virtude,
[os horrores
É castigo do vício o próprio vício."
Por mil vezes sem morrer tolero.
Neste poema, Bocage renega aos
Pelo Céu, por teus olhos "céus", associados à visão sensual do
[te assevero. amor, que é a prisão do poeta.
— 50 —

Resumo do Arcadismo

Momento sócio-cultural * Didatismo na literatura: o texto como


forma de ilustração, de "iluminação"
• Iluminismo, enciclopedismo, despo- intelectual (neoclassicismo),
tismo esclarecido: aliança entre os
reis e a burguesia, formação da ide- . Lemas arcádicos: carpe diem (viver
ologia burguesa. 0 momento), fugere urbem (fugir da
cidade), inutilia truncat (cortar o que
Características literárias é inútil).

• O texto como momento de lazer, de


experiência amena com o belo, de Autores e obras
distração, de idealização de um
mundo pastoril e bucólico (arca- • Correia Garção: um dos principais
dismo). teóricos do Arcadismo. Escreveu
• Uso de pseudônimos pastoris, que Teatro Novo (1766) e Assembléia
ou Partida (1770), Obras Poéticas
remontam à Antiguidade.
(1778).
• Fundação de Arcádias, academias
literárias. • Manuel Maria Barbosa du Boca-
ge: o maior poeta português do sécu-
• Revigoramento do racionalismo clas- lo XVIII, e um dos maiores da língua.
sicista (neoclassicismo) em oposição Autor de Rimas (1791), posterior-
ao Barroco. mente acrescida de novos textos.
— 51 —

Romantismo
Movimento artístico que teve seu Principais Características
início em meados do século XVIII, esten-
• volta ao passado para fugir dos con-
dendo-se até metade do século XIX. O
flitos do mundo atual;
tema central desta estética foi a "liber-
dade do indivíduo em relação ao poder • o romântico opõe-se ao modelo clássico;
dominante da aristocracia". Com isto, ex-
• opõe-se à arte de caráter erudito e
terna-se a emoção e o sentimentalismo.
nobre, tornando-se uma arte de cará-
Os românticos buscam uma arte indivi-
ter popular, que valoriza o nacional;
dualista, em que o "eu" torna-se o cen-
tro de tudo. • o indivíduo passa a ser o centro das
atenções, carregado de imaginação e
O nacionalismo, o sentimentalismo, sentimentos;
o subjetivismo e o irracionalismo são
• os românticos cultivavam o naciona-
características marcantes no Romantis-
lismo, que se manifestava na exal-
mo inicial.
tação da natureza pátria, no retorno
O Romantismo busca explicar o ao passado histórico e na criação do
nacionalismo e a valorização do passa- herói nacional (o belo e valente cava-
do, voltando-se ao amor medieval, que leiro medieval);
passa a ser o tema de grandes roman- • cultuam-se os ideais da Idade Média;
ces e poemas.
• promove uma volta ao catolicismo me-
Em Portugal, Almeida Garret inau- dieval;
gurou o movimento com o poema Ca-
• supervalorização das emoções pes-
mões, em 1825. Os primeiros anos do
soais - subjetivismo;
Romantismo em Portugal coincidem com
as lutas civis entre liberais e conserva- • excessiva valorização do eu, geran-
dores, acirradas por uma guerra que do o egocentrismo;
durou dois anos.
• o sentimento passa a predominar so-
Segundo Alfredo Bosi, em História bre a razão;
Concisa da Literatura Brasileira, "o Ro- • a natureza passa a ser o tema poéti-
mantismo expressa o sentimento dos co para o romântico;
descontentes com as novas estruturas:
• a criação é um ato de liberdade;
a nobreza que já caiu, e a pequena bur-
guesia que ainda não subiu: de onde as • fuga à realidade para um mundo ima-
atitudes saudosistas ou reivindicatórias ginário, criado a partir de sonhos e
que pontuam todo o movimento". emoções;
— 52 —

• busca-se um mundo perfeito e ideal; encontrada em Flores sem Fruto e Fo-


lhas Caídas, uma obra mais voltada para
• valorização da linguagem popular;
o amor, refletindo as experiências pesso-
• os versos são livres, sem métrica e ais, dores e angústias de seu relaciona-
sem estrofação; há a existência, tam- mento com a Viscondessa da Luz. Re-
bém, de versos brancos (sem rima). trato de Vénus e Dona Branca também
são obras importantes do artista. Garret
O Romantismo português é dividido destaca-se também no teatro com Um
em três gerações: Auto de Gil Vicente e Frei Luís de Sousa.
Primeira geração - permanecem
alguns valores neoclássicos. Frei Luís de Sousa

Segunda geração - é o chamado Adotando a forma da tragédia gre-


ultra-romantismo, onde as característi- ga, Garret constrói o enredo em torno
cas românticas são levadas ao exagero. de um triângulo amoroso: D. Madalena
de Vilhena, Manuel (Frei Luís) de Sousa
Terceira geração - é a transição e Romeiro (D. João de Portugal).
para o Realismo.
Madalena vive num constante con-
flito interior, pois, apesar de ter se casa-
do com Manuel de Sousa Coutinho, nun-
Primeira Geração ca teve certeza da morte de seu primei-
ro marido, D. João de Portugal. Sua pre-
sença permanece viva, graças a pre-
sença de um romeiro que regressava
João Batista da Silva da peregrinação a Jerusalém e que, pos-
Leitão de Almeida Garret teriormente vem a revelar sua identida-
de - era o próprio D. João. A este fato, o
(1799-1854) casal resolve se separar, a fim de dedi-
car o resto de seus dias à Igreja.
Foi o iniciador do Romantismo e res-
ponsável pela evolução do teatro portu- O título da peça põe em destaque
guês. Nascido de família enriquecida no a figura de Frei Luís de Sousa, nome
Brasil, foi educado para padre, mas aca- que Manuel tomará ao abraçar a vida
bou formando-se em Direito na faculdade religiosa. Este personagem simboliza o
de Coimbra. Ainda estudante dedicou-se patriota que arrisca a própria vida para
também ao teatro de inspiração demo- se manter fiel aos ideais nacionalistas.
crática e de estilo neoclássico. Depois de
formado, exerceu funções burocráticas Seguindo a forma da tragédia, a
em Lisboa. Suas primeiras poesias apre- ação se desenvolve em clímax, agnó-
sentam características árcades, como em rise e desafio ao destino, presente des-
Camões. A estrutura romântica só será de o início do conflito.
— 53 —

Maria de Noronha, filha de Manuel Madalena (aterrada)


com Madalena, apesar de pouca idade, E quem vos mandou, homem?
age como uma mulher madura. É fervo-
rosa e está intimamente ligada à figura Romeiro
de D. João de Portugal.
Um homem foi, e um honrado ho-
mem... a quem unicamente devi a liber-
Fragmentos da Peça dade... a ninguém mais. Jurei fazer-ihe
Frei Luís de Souza a vontade, e vim.

Madalena Madalena
Deixai, deixai, não importa, eu folgo Como se chama?
de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado
quando quiserdes... logo, amanhã... Romeiro
O seu nome, nem o da sua gente
Romeiro nunca o disse a ninguém no cativeiro.
Hoje há de ser. Há três dias que
não durmo nem descanso, nem pousei Madalena
esta cabeça, nem pararam estes pés
Mas, enfim, dizei vós...
dia nem noite, para chegar aqui hoje,
para vos dar meu recado... e morrer
Romeiro
depois... ainda que morresse depois;
As suas palavras, trago-as escri-
porque jurei... faz hoje um ano... quando
tas no coração com as lágrimas de san-
me libertaram, dei juramento sobre a
gue que lhe vi chorar, que muitas vezes
pedra santa do Sepulcro de Cristo...
me caíram nestas mãos, que me corre-
ram por estas faces. Ninguém o conso-
Madalena
lava senão eu... e Deus! Vede se me
Pois éreis cativo em Jerusalém? esqueceriam as suas palavras.

Romeiro Jorge
Era: não vos disse que vivi lá vinte Homem, acabai!
anos?
Romeiro
Madalena
Agora acabo; sofrei que êle tam-
Sim, mas...
bém sofreu muito. Aqui estão as suas
palavras: "Ide a D. Madalena de Vilhena,
Romeiro
e dizei-lhe que um homem que muito bem
Mas o juramento que dei foi que, lhe quis... aqui está vivo... por seu mal...
antes de um ano cumprido, estaria dian- e daqui não pode sair nem mandar-lhe
te de vós e vos diria da parte de quem novas suas de há vinte anos que o trou-
me mandou... xeram cativo".
— 54 —

Madalena (na maior ansiedade) Jorge


Deus tenha misericórdia de mim! E Se o víreis... ainda que fosse n o u -
esse homem... Jesus! Esse homem era... tros trajos... com menos anos, pintado,
esse homem tinha sido... levaram-no aí digamos, conhecê-lo-eis?
de donde?... de África?
Romeiro
Romeiro Como se me visse a mim mesmo
num espelho.
Levaram.
Jorge
Madalena
Procurai nestes retratos, e dizei-
Cativo?... me se algum deles pode ser.

Romeiro Romeiro
Sim. É aquele, (sem preocupar, e apon-
tando logo para o retrato de D. João)
Madalena
Madalena
Português?... cativo da batalha de?...
Minha filha, minha filha, minha filha!...
Romeiro Estou... estás... perdidas, desonradas...
Alcáler-Quibir infames! Oh! Minha filha, minha filha!...

Madalena (espavorida) Este Inferno de Amar


Meu Deus, meu Deus! Que se não
Este inferno de amar-como eu amo! -
abre a terra debaixo dos meus pés?...
que não caem estas paredes, que me Quem mo pôs aqui n'aima...
não sepultam já aqui?... [quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Jorge
Que é a vida - e que a vida destrói -
Calai-vos, D. Madalena! A miseri- Como é que se veio a atear,
córdia de Deus é infinita, esperai. Eu
Quando - ai quando se há de
duvido, eu não creio... estas não são [apagar?
coisas para se crerem de leve (reflete,
e logo como por uma idéia que lhe acu- Eu não sei, não me lembra:
diu de repente). Oh! Inspiração divina... [o passado,
(chagando ao romeiro)
A outra vida que dantes vivi
Conheceis bem esse homem, ro-
Era um sonho talvez... -foi um sonho -
meiro: não é assim?
Em que paz tão serena a dormi!
Romeiro Oh! q u e doce era aquele sonhar...
Como a mim mesmo. Quem me veio, ai de mim! despertar?
— 55 —

Só me lembra que um dia formoso dura do mais belo viço e variedade. A


Eu passei... dava o Sol tanta luz! faia, o freixo, o álamo entrelaçam os ra-
mos amigos; a madressilva, a musqueta
E os meus olhos, que vagos giravam,
penduram de um a outro suas grinaldas
Em seus olhos ardentes os pus. e festões: a congossa, os fetos, o malva-
Que fêz ela? eu que fiz? - Não no sei; rosa do valado vestem e alcatifam o
Mas nessa hora a viver comecei... chão.

G A R R E T , Almeida. Lírica incompleta. Lisboa: Arcádia, Para mais realçar a beleza do qua-
1971, p. 368-9.
dro, vê-se por entre um claro das árvo-
res a janela meia aberta de uma habita-
Poema escrito em primeira pessoa,
ção antiga mas não dilapidada - com
retrata uma confissão de forma since-
certo ar de conforto grosseiro, e carre-
ra. Há o u s o d e oposições p a r a e x p o r
gada na côr pelo tempo e pelos venda-
sua contradição (amar é um inferno).
Podemos notar neste poema o egocen- vais do sul a que está exposta. A janela
trismo do autor, pois tudo gira em torno é larga e baixa; parece mais ornada e
do "eu". também mais antiga que o resto do edifí-
cio que todavia mal se vê...
Viagens na minha Terra
Interessou-me aquela janela.
O Vale de Santarém é um destes
Quem terá o bom gosto e a fortuna
lugares privilegiados pela natureza, sí-
de morar ali?
tios amenos e deleitosos em que as
plantas, o ar, a situação, tudo está numa Parei e pus-me a namorar a janela.
harmonia suavíssima e perfeita: não há
ali nada grandioso nem sublime, mas Encantava-me, tinha-me ali como
tia uma como simetria de cores, de um feitiço.
sons, de disposição em tudo quanto se Pareceu-me entrever uma cortina
vê e se sente, que não parece senão branca... e um vulto por detrás... Imagi-
que a paz, a saúde, o sossego do espí- nação decerto! Se o vulto fosse femini-
rito e o repouso do coração devem vi- no!... era completo o romance.
ver ali, reinar ali um reinado de amor e
benevolência. As paixões más, os pen- Como há de ser belo ver pôr o Sol
samentos mesquinhos, os pesares e daquela janela!...
as vilezas da vida não podem senão
E ouvir cantar os rouxinóis!...
fugir para longe. Imagina-se por aqui o
Éden que o primeiro homem habitou com E ver raiar uma alvorada de Maio!...
a sua inocência e com a Virgindade do
Se haverá ali quem a aproveite, a
seu coração.
deliciosa janela?... quem aprecie e sai-
À esquerda do vale, e abrigado do ba gozar todo o prazer tranqüilo, todos
norte pela montanha que ali se corta os santos gozos de alma que parece
quase a pique, está um maciço de ver- que lhe andam esvoaçando em tomo?
— 56 —

Se fôr homem é poeta; se é mulher Pescador da barca bela,


está namorada. Inda é tempo, foge dela,
São os dois entes mais parecidos Foge dela,
da natureza, o poeta e a mulher namo-
Ó pescador!
rada: v ê e m , sentem, pensam, falam
como a outra gente não vê, não sente,
não pensa nem fala. Antonio Feliciano
Na maior paixão, no mais acrisola- de Castilho
do afeto do homem que não é poeta,
entra sempre o seu tanto da vil prosa
(1800-1875)
humana: é liga sem que se não lavra o
mais fino de seu ouro. A mulher não; a Foi tradutor de autores clássicos e
mulher apaixonada deveras sublima-se, escreveu A noite do Castelo, Escava-
idealiza-se logo, toda ela é poesia; e não ções Políticas e O Outono.
há dor física, interesse material, nem
deleites sensuais que a façam descer
ao positivo da existência prosaica. Alexandre Herculano de
Carvalho e Araújo
Barca bela
(1810-1877)
Pescador da barca bela
Onde vás pescar com ela,
Foi o introdutor do romance históri-
Que é tão bela, co em Portugal. Devido a sua educação
Ó pescador? literária. Para Herculano, a literatura de-
veria ser popular e nacional (voltada para
Não vês que a última estrela o povo), demonstrando a vida social.
No céu nublado se vela? Escreveu Eurico, o presbítero - obra
de cunho histórico, que vai se opor ao
Colhe a vela,
celibato clerical, enfatizando o amor ro-
Ó pescador! mântico entre os jovens Eurico e Her-
mengarda - O monge de Cister, O Bobo
Deita o lanço com cautela, e Lendas e Narrativas. Os temas trata-
Que a sereia canta bela... dos pelo artista são: a religião, a pátria e
a natureza. Sua poesia é rica em símbo-
Mas cautela,
los e em hipérbatos, não existindo o li-
Ó pescador!
rismo amoroso em suas obras, apenas
a afirmação da fé e uma condenação ao
Não se enrede a rede nela,
desprezo e ingratidão dos homens. Seus
Que perdido é remo e vela, versos eram soltos e o poeta utiliza-se
Só de vê-la, de várias estruturas estróficas. Já nos
romances, em que introduziu a História
Ó pescador!
— 57 —

de Portugal, pretendia realizar uma his- des, casas, igrejas e conventos. Her-
tória política e social da Idade Média por- mengarda é raptada pelos árabes e
tuguesa, ressaltando o papel da bur- Eurico enfrenta todos os perigos para
guesia. salvá-la.

Herculano nasceu de uma família Em meio às lutas, Eurico e Hermen-


da pequena burguesia, e por falta de garda se reencontram e ela, em sonho,
recursos não pode seguir carreira uni- revela seu amor a ele. Mas a união en-
versitária. Aos 21 anos de idade em- tre os dois se toma ainda mais impossí-
pregou-se como bibliotecário da Biblio- vel, já que ele havia se tornado padre.
teca Pública do Porto. Demitiu-se de
seu cargo público como forma de pro- Após ter participado de uma bem
testo e lançou-se a oposição com o fo- sucedida emboscada contra os árabes,
lheto A Voz do Profeta, que o consa- Eurico permite que seus inimigos o ma-
grou como escritor. Dedicou-se ao jor- tem, pondo fim aos seus sentimentos
nalismo e dirigiu O Panorama. Em 1840, amorosos e ao conflito religioso. Her-
foi eleito deputado e defendeu um pro- mengarda, ao saber de sua morte, en-
jeto de reforma geral e popularização louquece.
do ensino. Participou do golpe de Esta-
do da Regeneração em 1850. em 1867, A religião é o agente complicador
decidiu dedicar-se à lavoura, abran- do conflito sentimental de Eurico. A épo-
dando suas atividades de escritor e ho- ca histórica é a do domínio árabe. O
mem público. narrador é onisciente. O autor ocupa
sempre o primeiro plano, mesmo no di-
Eurico, o Presbítero álogo, onde exprime as suas idéias, co-
mentários misturados com uma certa
O romance relata a invasão árabe
ironia quase agressiva. A obra apresen-
na península Ibérica no século VIII e a
história de um amor impossível entre ta três partes distintas: a primeira apre-
Eurico e Hermengarda. senta o caos da época; a segunda in-
troduz e caracteriza as personagens na
Eurico é um padre que se refugia ação que, na terceira parte, surge cla-
na vida religiosa para tentar esquecer, ra e em seu pleno desenvolvimento, até
seu grande amor, cuja mão lhe foi ne- a conclusão. A linguagem ritmada, rica
gada pelo pai, o duque de Cantábria, de lirismo e de comparações sugesti-
devido às condições financeiras de vas, permitiria a classificação como poe-
Eurico. ma em prosa. Trata-se de um romance
grandioso, com lances violentos e a uni-
No momento em que ocorre a in-
dade de ação e o desenrolar dos acon-
vasão árabe, Eurico torna-se o temido
tecimentos fazem de Eurico, o presbíte-
"cavaleiro negro", que aterroriza os
ro, um texto aparentado da tragédia.
árabes com sua ousadia e valentia. En-
tretanto, os árabes acabam vencendo MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Roteiro
a guerra e, com isso, invadem cida- das Grandes Literaturas. São Paulo: Cultrix, 1960.
— 58 —

Trecho da Obra: Prefácio E a romagem do túmulo cumprindo,


Só conhecer, ao despertar na
Eu, por minha parte, fraco argu-
[morte,
mentador, só tenho pensado à luz do
Essa vida sem mal, sem dor,
sentimento e sob a influência da im-
[sem termo,
pressão singular que desde verdes
anos fez a mim a idéia da irremediável Que íntima voz continuo nos
solidão da alma a que a igreja conde- [promete
nou os seus ministros, especie de am- No trânsito chamado o viver do
putação espiritual, em que para o sa- [homem
cerdote morre a esperança de comple-
//
tar a sua existência na terra. Supondo
todos os contentamentos, todas as con- Suspira o vento no álamo frondoso;
solações que as imagens celestiais e a
As aves soltam matutino canto;
crença viva podem gerar, e achareis
que estas não suprem o triste vácuo Late o lebréu na encosta, e o mar
da soledade do coração. Daí às pai- [sussurra
xões todo o ardor que puderdes, aos Dos alcantis na base carcomida;
prazeres mil vezes mais intensidade, Eis o ruído de ermo! Ao tonge g
aos sentimentos a máxima energia e [negro,
convertei o mundo em paraíso, mas tirai
Insondado oceano, e o céu cerúleo
dele a mulher, e o mundo será um ermo
Se abraçam no horizonte. Imensa
melancólico, os deleites serão apenas
o prelúdio do tédio. [imagem

Da eternidade e do infinito, salve!


H E R C U L A N O , Alexandre. Eurico, o presbítero. São
Paulo: Difel, 1963, p.39. Ill

Oh, como surge majestosa e bela.


A Arrábida Com viço da criação, a natureza

I No solitário vale! E o leve insecto


E a relva e os matos e a fragrância
Salve, ó vale do sul, saudoso e belo!
[pura
Salve, ó pátria da paz, deserto
Das boninas da encosta estão
[santo,
[contando
Onde não ruge a grande voz das
Mil saudades de Deus, que os há
[turbas!
[lançado,
Solo sagrado a Deus, pudesse
Com mão profusa, no regaço
[ao mundo [ameno
O poeta fugir, cingir-se ao ermo, Da solidão, onde se esconde o
Qual ao freixo robusto a frágil hera, (justo.
— 59 —

E lá campeiam no alto das Ricas d'encantos, coa estação


[montanhas [propícia;
Os escalvados píncaros, severos, Suavíssimo aroma, que, manando
Quais guardadores de um lugar
Das variegadas flores, derramadas
[que é santo;
Na sinuosa encosta da montanha,
Atalaias que ao longe o mundo
Do altar da solidão subindo aos
[observam, [ores,
Cerrando até o mar o último abrigo És digno incenso ao Criador
Da crença viva, da oração [erguido;
[piedosa,
Livres aves, filhas da espessura,
Que se ergue a Deus de lábios
Que só teceis da natureza as
[inocentes. [hinos,
Sobre esta cena o sol verte em O que crê, o cantor, que foi
[torrentes [lançado,
Da manhã o fulgor; a brisa Estranho no mundo, no bulício dele,
[esvai-se
Vem saudar-vos, sentir um gozo
Pelos rosmaninhais, e inclina os [puro,
[topos Dus homens esquecer paixões e
Do zimbro e alecrineiro, ao rés [opróbio,
[sentados E ver, sem ver-lhe a luz prestar a
Desses tronos de fragas [crimes,
[sobrepostas, O Sol, e uma só vez puro
Que alpestres matas de medronhos [saudar-lha.
[vestem;
Convosco eu sou maior; mais
O rocio da noite à branca rosa [longe a mente dos céus se
No seio derramou frescor suave, [imerge livre,

E inda existência lhe dará um dia. E se desprende de mortais


[memórias
Formoso ermo do sul, outra vez, Na solidão solene, onde,
[salve! [incessante,

IV Em cada pedra, em cada flor se


[escuta
Negro, estéril rochedo, que
Do Sempiterno a voz, e vê-se
[contrastas, [impressa
Na mudez tua, o plácido sussurro A dextra sua em multiforme
Das árvores do vale, que vicejam [quadro.
— 60

Segunda Geração Camilo Ferreira Botelho


Castelo Branco
(1825-1890)
Antônio Augusto Soares
de Passos Há uma relação entre sua vida e a
vida que ele projeta em suas obras. Filho
(1826-1860)
bastardo, nasceu em Lisboa. Sua mãe,
Jacinta Rosa do Espírito Santo morreu
Publicou Poesias, em 1855. quando tinha apenas dois anos de idade.
Ela era criada de seu pai, Manuel Joa-
O Noivado no Sepulcro quim Botelho Castelo Branco, que fale-
ceu após oito anos da morte de sua mãe.
Vai alta a lua! na mansão da morte Órfão, é educado pela tia Rita Emília e
vivência ao seu lado o terror de ter o seu
Já meia-noite com vagar soou.
avó assassinado e a morte de su tio Si-
Que paz tranqüila; dos vaivéns mão. Casou-se pela primeira vez aos 16
[da sorte anos de idade com Joaquina Pereira, po-
rém ela o abandonou. Mais tarde tornou-
Só tem descanso quem ali baixou.
se estudante de Medicina, quando teve
envolvimentos com sua prima Patrícia
Que paz tranqüila!... mais eis longe, Emília, com quem fugiu acusado de adul-
[ao longe tério. Com a morte de sua primeira espo-
Funérea campa com fragor rangeu; sa, Patrícia passou a ser sua verdadeira
esposa até vir a engravidar. Com isso,
Branco fantasma semelhante Camilo a abandona e, em 1850, conhece
[a um monge, o seu grande amor - Ana Plácido, que se
Dentre os sepulcros a cabeça casou com outro. Deprimido pelo aconte-
[ergueu. cimento, Camilo vai para o seminário, onde
passa a ter um caso amoroso com uma
freira. Anos mais tarde, retorna seu ro-
mance com Ana Plácido e são presos
Porém mais tarde, quando foi volvido por adultério. Em 1890, cego, Camilo sui-
cida-se com um tiro no ouvido.
Das sepulturas o gelado pó,

Dois esqueletos, um ao outro unido,


Sua vida foi um emaranhado de amo-
Foram achados num sepulcro só. res aventureiros, sendo até processado
por adultério. Foi precursor da novela:
In Poesias. Porto: Cuartiron, 1925, pp. 12-15 narrativa linear, rápida, objetiva, de pou-
ApuoMassaud Moisés. A Literatura Portuguesa através
dos textos. 9* ed. São Paulo: Cultríx. 1980,
cas descrições, com maior intervenção
pp.280 e 2 8 1 . do narrador e pouca profundidade psico-
— 61 —

lógica. A partir da publicação de Amor de A ação da obra gira em torno da


Perdição e Amor de Salvação, Camilo invencibilidade da paixão de Simão e
mostra o contraste entre a mulher fatal e Tereza. O tempo da narrativa é crono-
a mulher anjo, os obstáculos ao amor e lógico, ou seja, há uma sucessão cro-
os personagens voltando à religião. nológica de eventos. A forma é linear,
pois o autor escrevia em 1861 um dra-
Camilo retratou, em suas obras, as
ma vivido em 1801. A narrativa situa-
cidades e a região do norte de Portugal.
se no início do século XIX, quando hou-
Escreveu também Nostalgias, Nas Tre-
ve o inicio da consolidação da socieda-
vas, Agostinho de Ceuta, Memórias do
de romántico-liberal. O tempo passado
Cárcere, O Judeu e Eusébio Macário.
lhe dá maior liberdade no discurso. O
espaço é caracterizado pelo ambiente
Amor de Perdição
social (sociedade provinciana que vi-
A família dos namorados Simão Bo- veu na região da beira-alta) e age na
telho e Teresa de Albuquerque estão, há narrativa intensificando os obstáculos
muito tempo, brigadas, e fazem de tudo que se levantam contra o amor de Si-
para separá-los. Simão é mandado para mão e Tereza. Referindo-se aos per-
Coimbra. Teresa, para não aceitar a alter- sonagens, podemos dividi-los em: Fi-
nativa odiosa de casar-se com o primo dalgos jovens (nobreza de caráter), Fi-
Baltazar Coutinho, ingressa num convento. dalgos adultos e religiosos (arrogan-
A parte trágica deste romance co- tes, soberbos) e Plebeus jovens ou adul-
meça quando Simão vai procurar a amada tos (nobreza de caráter, bondade). O
no convento e fere mortalmente a seu ri- aprofundamento psicológico é ausente
val. Condenado, Simão tem de rumar para nos personagens, pois o objetivo prin-
o exílio. Quando o navio começa a largar, cipal do autor é colocar em evidencia
Simão ainda avista a amada de longe, e a apenas o comportamento humano. Den-
cena em que Teresa lhe acena com o tre os personagens, destacam-se: Si-
lencinho, do convento de Monchique, é mão Antônio Botelho, herói romântico e
uma das mais permanentes em toda a de extremismos emocionais (tentativa
história da novela amorosa. de rapto, que gera mortes e, conse-
qüentemente, seu fim trágico); Teresa,
Trata-se de um romance de explo- a heroína romântica; Mariana, a amante
são passional, em que a razão se mos- silenciosa (ideal romântico); João da
tra frágil e incapaz de relativizar os even-
Cruz, o camponês rústico, protetor de
tos ou amenizá-los. Esse caráter pas-
Simão; Baltasar Coutinho, o burguês in-
sional da intriga camiliana não deixa de
teresseiro, sem moral; Tadeu de Albu-
lado nem mesmo aquela Mariana que
querque, o pai autoritário que, por uma
depositara em Simão um terno e resig-
rivalidade particular, impede a felicida-
nado amor. Pois na hora em que o corpo
de da filha com Simão.
do herói é jogado ao mar, Mariana opta
por morrer junto do amado, agarrándo-
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa em
se ao cadáver de Simão. perspectiva. V.3. São Paulo: Atlas, 1994.
Amor de Perdição - A ironia de freiras especuladoras da vida alheia,
que se embriagam de vinho e até pos-
A ironia romântica é uma das carac-
suem namorados:
terísticas marcantes da obra de Camilo
Castelo Branco, traduzida na sua manei- (fragmentos)
ra particular de expor a vida da socieda-
Esta escrivã não é má rapariga. Só
de portuguesa do século XVIII (entenda-
tem o defeito de se tomar da pingoleta;
se por sociedade, a corte e o povo), cap-
depois, não há quem a ature. Tem uma
tando suas particularidades e criticando
boa tença, mas gasta tudo em vinho, e
seus hábitos e costumes arraigados.
tem ocasiões de entrar no coro a fazer
Tal ironia se desenvolve em três as- ss, que é mesmo uma desgraça. Não tem
pectos: o autor sendo crítico da sua pró- outro defeito; é uma alma lavada, e amiga
pria obra, ou seja, a autoironia; a ironia da sua amiga. É verdade que, às vezes...
com o mundo; e a ironia com os próprios (aqui a prelada ergueu-se a escutar nos
personagens. dormitórios, e fechou por dentro a porta)
é verdade que às vezes quando anda
Logo no início do romance percebe-
azoratada, dá por paus e por pedras, e
mos a ironia nos nomes dos persona-
descobre os defeitos das suas amigas. A
gens, tão grandes que podiam constituir
mim já ela me assacou um aleive, dizendo
uma frase: Domingos José Correia Bote-
que eu, quando saía a ares, não ia só a
lho de Mesquita e Meneses, e D. Rita Te-
resa Margarida Preciosa da Veiga Cal- ares, e andava a fazer o que fazem as
deirão Castelo Branco. outras. Forte pouca vergonha! Lá que
outra falasse, vá; mas ela, que tem sem-
Manuel Botelho e o lojista são dife- pre uns namorados pandilhas que bebem
rentes de Simão Botelho, para quem a com ela na grade, isso lá me custa; mas,
mulher amada, Teresa de Albuquerque, enfim, não há ninguém perfeito!... Boa ra-
é tudo. É capaz de mudar o curso da sua pariga é ela... se não fosse aquele maldito
vida, até então promissora. Há também vício...
ironia crítica em relação ao herói do ro-
mance, Simão Botelho, pois é um herói Ao romper da manhã apagara-se a
romântico que passa necessidades fi- lâmpada. Mariana saíra a pedir luz e ouvi-
nanceiras: ra um gemido estertoroso. Voltando às es-
Não é bonito deixar a gente vulgari- curas, com os braços estendidos para
zar o seu herói a ponto de pensar na tatear a face do agonizante, encontrou a
falta de dinheiro, um momento depois que mão convulsa, que lhe apertou uma das
escreveu à mulher estremecida uma carta suas, e relaxou de súbito a pressão dos
como aquela de Simão Botelho. dedos.

Percebemos também o tom irônico, Entrou o comandante com uma lâm-


até sarcástico, no episódio do conven- pada, e aproximou-lha da respiração,
to, reduto de senhoras puras à beira da que não embaciou levemente o vidro.
santidade, que é descrito como o abrigo — Está morto! - disse ele.
— 63 —

Mariana curvou-se sobre o cadá-


ver, e beijou-lhe a face. Era o primeiro Terceira Geração
beijo. Ajoelhou depois ao pé do beliche
com as mãos erguidas, e não orava
nem chorava.
João de Deus Ramos
(...)
(1830-1896)
Dois homens ergueram o morto ao
alto sobre a amurada. Deram-lhe o balan-
Escreveu Campo de Flores.
ço para o arremessarem longe. E, antes
que o baque do cadáver se fizesse ouvir Encanto
na água, todos viram, e ninguém já pôde
Passavas como rainha,
segurar Mariana, que se atirara ao mar.
E eu, que andava como morto,
(...)
Parece que me sustinha
Viram-na num momento, bracejar,
No ar em êxtase, absorto...
não para resistir à morte, mas para abra-
çar-se ao cadáver de Simão, que uma É ela, dizia eu,
onda lhe atirou aos braços. O coman- A minha estrela do céu!
dante olhou para o sítio donde Mariana
se atirara, e viu, enleado no cordame, o Passavas lançando em torno,
avental, e à flor da água, um rolo de pa- Como a lua em noite amena,
péis, que os marujos recolheram na lan- Aquele olhar doce e morno
cha. Eram, como sabem, a correspon- Que me dava gosto e pena...
dência de Teresa e Simão.
Pena não ser só meu
B R A N C O , Camilo Castelo. Amor de Perdição. 8' ed.
São Paulo: Ática, 1983, p. 117-8. E s s e reflexo do céu!

Após leitura e análise do romance, Mal sabes como em nossa alma,


podemos observar que a sociedade foi a À luz de uns olhos que atraem,
causadora da própria perdição, pois se
A tempestade se acalma
não fossem inimigas as famílias, a história
transcorreria sem tumultos. Ressaltamos E as nuvens negras se esvaem!
que esta perdição referida é tanto do cor- Com a luz de um olhar teu
po quanto da alma, já que antes do herói É uma bênção do céu!
do romance suicidar-se, acarreta a morte
de: dois empregados de Baltasar Coutinho, De tal maneira me encanta,
do próprio Baltasar Coutinho, do ferrador Que até andei, por exemplo,
João da Cruz (que é morto por vingança),
Contigo a Semana Santa,
da sua amada Teresa de Albuquerque, de
Mariana, que se mata junto a ele, e ainda Sem saber, de templo em templo
provoca a destruição das três famílias, Depois é que me ocorreu
indo contra os princípios religiosos. Que esse olhar era do céu!
— 64 —

Nesse traje austero e grave, ingênuo de c o m a d r e s fofoqueiras.


T o d a de preto, era um gosto Daniel, ainda menino, prepara-se para
ingressar no seminário, mas o reitor
Ver não sei que luz suave
descobre seu inocente namoro com a
A banhar-te as mãos e o rosto... pastorinha Margarida (Guida). O pai,
Era a luz, suponho eu, José das Dornas, decide então enviá-
lo ao Porto para estudar medicina. Dez
Que banha os anjos do céu.
anos depois, Daniel volta para a aldeia,
como médico homeopata e, Margarida,
Se um dia, estrela dos magos,
agora professora de crianças, conser-
Me abandonares na vida, va ainda seu amor pelo rapaz. Ele, no
Deixa-me uns reflexos vagos entanto, contaminado pelos costumes
Como de estrela caída... da cidade, torna-se um namorador im-
pulsivo e inconstante, e já nem se lem-
Ao menos verei no céu
bra da pequena pastora. Nesse tempo,
Rastro da estrela que ardeu! Pedro, irmão de Daniel, está noivo de
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa através
Clara, irmã de Margarida. O jovem mé-
dos textos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1980, p. 313. dico encanta-se da futura cunhada, ini-
ciando uma tentativa de conquista que
poria em risco a harmonia familiar. Cla-
ra, inicialmente, incentiva os arroubos
Júlio Dinis do rapaz, mas recua ao perceber a gra-
(1839-1871) vidade das conseqüências. Ansiosa por
acabar com impertinente assédio, con-
Pseudônimo de Joaquim Guilherme cede-lhe uma entrevista no jardim de
Gomes Coelho (1839 - 1871), é consi- sua casa. Esse encontro é o ponto cul-
derado um dos precursores do Realis- minante da narrativa: surpreendidos por
mo. Escreveu: As Pupilas do Senhor Pedro, são salvos por Margarida, que
Reitor, Uma Família Inglesa, Os Fidal- toma o lugar da irmã. Rapidamente, es-
gos da Casa Mourisca e A Morgadinha ses acontecimentos tornam-se um
dos Canaviais. grande escândalo, o que compromete
a reputação de Margarida. Daniel, im-
pressionado com a abnegação da moça,
As Pupilas do Senhor Reitor recorda-se, finalmente, do amor da in-
(resumo) fância e, agora novamente apaixonado
por ela, procura conquistá-la. No último
A história ocorre num cenário po- capítulo, após muito sofrimento e sem
voado de tipos humanos cuja bondade mais resistir, Margarida aceita o amor
só ó maculada pelo moralismo quase de Daniel.
— 65 —

Resumo do Romantismo

Momento sócio-cultural mar e conquistar um público-leitor:


surgimento do romance (folhetim).
• Revolução Industrial

• Revolução Francesa (1789) Autores e obras


• Ascensão da burguesia ao poder,
• Almeida Garret, associa elemen-
liberalismo, individualismo, naciona-
lismo. tos românticos e neoclássicos:

Camões (poesia), Frei Luís de


• Consolidação do sistema capitalista.
Sousa (teatro), Viagens na minha terra
(romance).
Características literárias
• A l e x a n d r e Herculano (romances
• A literatura procura a libertação das históricos):
formas clássicas e a explosão da Eurico, o presbítero; Lendas e nar-
subjetividade: predomínio da emoção
rativas.
sobre a razão, ênfase na imagina-
ção criadora, espírito libertário, na- • Camilo Castelo Branco (técnica de
cionalismo, religiosidade etc. folhetim, transição para o Realismo)
Amor de Perdição; Coração, ca-
• O artista como criador, um "gênio ins-
pirado" (valorização da imaginação). beça e estômago (obra satírica).

• O fim da proteção oficial às artes • Julio Diniz (afasta-se do ultra-roman-


(mecenato) e a transformação da arte tismo, transição para o Realismo)
em mercadoria: necessidade de for- As pupilas do Senhor Reitor.
— 66 —

Realismo
"É de todos os tempos o realismo É nesse ambiente que os artistas
como o é a arte. Ele existiu sempre, passam a observar e a externar a verda-
porque a imaginação tem necessa- de possível da realidade, colocando-se
riamente por base a observação e a contra o tradicionalismo romântico e pro-
experiência, e porque a arte tem curando incorporar os descobrimentos
sempre por objeto as realidades da científicos de seu tempo. As principais
vida. Na observação da vida, com o teorias realistas são:
propósito de fazer arte, há duas ati-
• Teoria determinista: Hipolite Taine
tudes extremas: a da franca subjeti-
(1825-1893), doutrina filosófica que
vidade e a dum ardente desejo de afirma que todo evento, mental ou fí-
impassível objetividade. Estas duas sico, tem uma causa, e que, a causa
atitudes de espírito do artista coexis- que é determinada, o evento invaria-
tem, mas como que se doseiam, ten- velmente a segue. Conseqüência de
do o predomínio ora uma ora outra. uma herança, de um meio ou de uma
O artista, que observa, altera, corri- circunstância (momento)
ge a realidade, porque não só re-
produz um fragmento da vida, esco- • Filosofia positivista: Auguste Comte
lhido já de acordo com as suas incli- (1798-1857), sistema de filosofia ba-
nações pessoais, mas também o re- seada em experiência e conhecimen-
produz tal como o viu, isto é, desfi- to empírico dos fenômenos naturais no
gurado. qual metafísica e teologia são consi-
deradas como sistemas de conheci-
E assim, através da concepção artís- mento Inadequados e defeituosos.
tica, a verdade real deforma-se para
se tornar em verdade artística". • Socialismo utópico: Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865), sociedade na
FIGUEIREDO, Fidelino de. História da Literatura
Realista. 3. ed. Sâo Paulo: Anchieta, 1946, p. 13. qual as pessoas seriam de natureza
ética e senso de responsabilidade
Movimento que se inicia na segun- moral tão altamente desenvolvidas,
da metade do século XIX com a retoma- que um governo seria desnecessá-
da do racionalismo e se estende até o rio para regular e proteger essa so-
início do século XX. Sua principal carac- ciedade. Seu idealizador rejeitou o
terística é a tentativa de traduzir a reali- uso de força para impor qualquer sis-
dade. O Realismo, portanto, é o reflexo tema a um povo. Num estado ideal de
da desilusão do homem frente à socie- sociedade, o que ele chamou de "or-
dade: miséria das cidades, crise da pro- dem em anarquia", pessoas agiriam
dução no campo e péssimas condições de uma maneira responsável, ética,
de vida. de livre arbítrio.
— 67 —

• E v o l u c i o n i s m o : Charles Robert por um grupo de jovens estudantes de


Darwin (1809-1882), doutrina funda- Coimbra, atentos à nova estética vinda
da na idéia de evolução e, mais parti- da Europa, e influenciados pela poesia
cularmente, conjunto das teorias social de Victor Hugo e pelas ideologias
explicativas do mecanismo da evolu- de Hegel, Marx e Engels. O líder do grupo
ção dos seres vivos. era Antero de Quental e lutava para di-
vulgar suas novas idéias através de suas
• Fisiologismo: Claude Bernard (1809-
poesias revolucionárias. Esta atitude ge-
1882), descoberta de que as doenças
rou uma resposta por parte dos artistas
nada mais são que anomalias ou dis-
românticos, através da publicação de
túrbios dos órgãos do corpo humano
obras criticando a nova estética. De ca-
e não do espírito.
ráter anticlerical e antimonárquico, tal po-
• Monismo: tipo de pensamento filo- lêmica ficou conhecida como Questão
sófico no qual foi feita a tentativa de Coimbrã e só teve o seu término em 1871,
eliminar a dicotomia, princípio que afir- quando o governo interferiu e deu vitória
ma a existência única, no ser huma- aos realistas.
no, de corpo e alma. A base do Realismo foi a relação
indivíduo X sociedade.
Dessa forma, o subjetivismo român-
tico foi substituído pela descrição da A poesia é voltada ao cotidiano, opu-
realidade externa, na qual o escritor pre- nha-se ao lirismo romântico, pois revela-
tende retratar a realidade como realmen- va as injustiças e desníveis sociais.
te é, criticando e revoltando-se contra a
injustiça e a opressão. Desse movimento deriva o Natura-
lismo, que tem por objetivo central o de
A ideologia do Realismo é: a crítica comprovar as teses cientificas do Positi-
ao tradicionalismo da sociedade burgue- vismo e defender o Racionalismo.
sa, provida da educação romântica (dis-
tante da realidade); crítica ao conserva-
Principais características
dorismo da Igreja (voltada para o passa-
do) que impedia o desenvolvimento natu- • o objetivismo aparece como negação
ral da sociedade; visão objetiva e natural ao subjetivismo romântico, mostran-
da realidade; preocupação com a refor- do o homem voltado ao exterior;
ma da sociedade com o objetivo de de-
mocratizar o poder político; e a repre- • o Realismo reflete a postura do Po-
sentação da vida contemporânea, pro- sitivismo, do Socialismo e do Evolu-
curando mostrar todos os seus detalhes cionismo;
significativos. • o materialismo se opõe ao sentimen-
talismo e à metafísica;
O Realismo português iniciou-se em
1865 e estendeu-se até 1890, com a pu- • o nacionalismo e a volta ao passado
blicação de Oarístos, de Eugênio de Cas- são abolidos, pois o Realismo só se
tro. As idéias realistas foram introduzidas preocupa com o presente;
— 68 —

• há indiferença e insensibilidade quan- tor Hugo e Charles Baudelaire, mostram


to à moral e aos aspectos da realidade em suas obras ricas imagens, metáfo-
que possam ofender o leitor; ras e comparações, dando preferência
a temas históricos e anticlericais.
• a língua é comum, sem grande ob-
servância gramatical; a
2 fase (1871 - 1888): é a fase re-
• os temas são sociais. alista. O Crime do Padre Amaro, O Pri-
mo Basílio e Os Maias formam a trilogia
que ficou conhecida como Cenas da Vida
Principais autores Portuguesa. O autor se preocupa em
mostrar a sociedade portuguesa: cidade
realistas provinciana, influência do clero, peque-
na e média burguesia de Lisboa, intelec-
portugueses tuais, aristocracia e alta burguesia.

O Crime do Padre Amaro reflete uma


cidadezinha influenciada pelo clero, O ro-
José Mario €ça de Queirós mance analisa a corrupção e a deprava-
(1845-1900) ção dos costumes, narrando o relaciona-
mento entre um padre e uma moça solteira.

Considerado o precursor do Rea-


lismo português. Revelou em suas obras O Crime do Padre Amaro
a hipocrisia e a moral decadente da so- (resumo)
ciedade do século XIX por meio de uma
análise psicológica. Eça se preocupou "Amaro, filho de criados, nascera em
em criar uma literatura de caráter ideo- Lisboa na casa da senhora Marquesa de
lógico, logo, sua descrição torna-se pre- Alegras. Esta educou o menino após a
cisa e atenta aos detalhes. morte dos seus pais; desejava que o ga-
roto fosse para o seminário aos quinze
O que mais chama a atenção nas anos e se ordenasse padre mais tarde.
obras de Eça de Queirós é a variedade
de sua construção lingüística, na qual O rapazinho vivia cercado de criadas
as frases são diversificadas e dá-se na casa da Marquesa, que o bajulavam;
ênfase à linguagem popular, aos estran- porém, ele não encontrou na residência de
geirismos e neologismos. seus tios, onde ficava antes de se lançar,
definitivamente, na vida eclesiástica, o ele-
Suas obras são divididas em três
mento feminino que costumava ter na
fases;
casa de sua mãe adotiva. Amaro, enfim,
a
1 fase (1865 - 1871): são os pri- depois de alguns anos ordenou-se e foi
meiros textos do autor, publicados em nomeado pároco de Feirão, na Gralheira,
forma de folhetins reunidos com o título serra da Beira Alta. Como achava a vida
Prosas Bárbaras. Influenciadas por Vic- na serra monótona, o pároco foi até o Con-
— 69 —

de Ribamar (genro da mãe adotiva de João Eduardo percebia que havia


Amaro) que era um homem influente e so- um interesse do pároco por Amélia, o
licitou a ele que o transferisse de paróquia; que o levou a escrever um comunicado
o conde deferiu o seu pedido, enviando-o no jornal, criticando os costumes degra-
para a paróquia de Leiria, sede do bispado. dantes do clero e advertindo às mães de
família sobre o perigo de ter padres fre-
Quando chegou em Leiria, Amaro
qüentando suas casas. O rapaz, sentin-
foi recepcionado pelo cónego Dias, seu
do-se vingado, pede a mão de Amélia em
mestre de moral no seminário, e algumas
casamento a sua mãe; a jovem aceita a
beatas; o novo pároco hospedou-se na
casa da São-Joaneira por intermédio do proposta por imposição de São-Joaneira,
cónego. O jovem padre conquistou a sim- mas já se sente muito atraída pela pes-
patia de todos na casa da senhora soa do padre.
Joaneira, sobretudo a de sua filha Amélia,
O jovem escrevente, para sua ruí-
jovem bonita e atraente, a quem não fal-
na, acabou tendo seu nome descoberto
tavam pretendentes. Um deles era João
pelo padre Natácio como sendo o autor
Eduardo que era escrevente, bom rapaz
do comunicado no jornal. A partir daí,
que Amélia não amava, mas de quem
Amélia desfaz o compromisso que ha-
aceitava cortejos, em princípio.
via com o rapaz; este é excomungado,
Amaro, como um padre sem voca- agride Amaro e perde o emprego.
ção, uma vez que não tinha aptidão para o
sacerdócio e só seguira a vida eclesiás- Tendo o escrevente fora do cami-
tica por vontade da Marquesa, começou a nho, o padre investe contra Amélia, bei-
se interessar, naturalmente, por Amélia, jando-a, e mesmo em um momento em
que é do sexo oposto; a moça, por sua que ela se lamentava por João Eduardo.
vez, também se sentia atraída pelo páro- Tendo em vista o caso entre o pároco e a
co. Um certo dia, quando Amaro passava moça, aquele consegue uma casa para
perto da fazenda de Amélia, esta estava se encontrarem por intermédio de sua
lá e o chamou para conhecer a proprieda- criada Dionísia. O pretexto que o pároco
de; ela teve de pular uma cancela e aca- apresentou a São-Joaneira e aos seus
bou caindo nos braços do padre que a colegas para que Aurélia saísse fre-
beijou vorazmente no pescoço. A moça qüentemente foi o de que ela tinha que
ficou confusa, no momento, e saiu corren- trabalhar em uma causa santa, que era
do. Amaro, acreditando que ela o denunci- ensinar catecismo a uma paralítica e
aria, resolveu pedir ao cónego que conse- muda, filha do sineiro. Os freqüentes en-
guisse uma outra casa para ele se hospe- contros entre os amantes resultaram na
dar; o cónego assim o fez, e o jovem padre gravidez da moça; Amaro, como padre,
se mudou da sua misericórdia para a rua não podia assumir seu filho; aconselhou-
dos Souzas. A bela donzela chega a ado- se com o cónego Dias, e este recomen-
ecer, devido à partida do seu líder religio- dou ao amigo que a casasse com João
so, mas este volta a freqüentar a casa da Eduardo quando ele fosse encontrado, já
São-Joaneira a pedido da moça solitária. que estava desaparecido.
— 70 —

Uma doença providencial da irmã do onisciência neutra, ou seja, o autor se


cónego Dias levou Amélia a ter que viajar posiciona por trás da personagem para
para Ricoça a ficar lá até que a enferma expor seu ponto de vista sobre uma
se recuperasse. Em Ricoça, a gestante matéria. No Crime do Padre Amaro, João
encontrou um abade chamado Ferrão que Eduardo é o personagem que represen-
lhe proporcionou alguma paz de espírito, ta as idéias anti-burguesas e anti-religi-
até que Amaro surgiu, e levou-a a ter uma osas do autor. Além de João Eduardo,
recaída. O abade, sem saber da fraque- encontramos na narrativa outros per-
za de espírito de Amélia, tinha idéias de sonagens de suma importância: Cóne-
casá-la com João Eduardo que havia apa- go Dias, São-Joaneira, Dona Joaquina
recido em Ricoça, mas não foi possível. Gansoso, Dona Josefa, Amélia, Agosti-
nho, Doutor Gouveia e, Padre Amaro. O
Amélia foi conduzida a um fim trági- tempo da narrativa gira em tomo de apro-
co, morreu vítima de complicações pós- ximadamente dois anos.
parto, não sabendo que seu filho fora
entregue por Amaro a uma ama de leite O Primo Basílio
e que havia falecido. Amaro partiu para
(resumo)
Lisboa e, provavelmente, conquistou al-
guma jovem beata por lá. O Primo Basílio critica a burguesia
lisboeta, suas frustrações familiares e
A linguagem é simples e adjetivada. o adultério.
O detalhismo constitui uma das caracte-
"O pano de fundo da narrativa é um
rísticas importantes da linguagem, uma
caso de adultério. Já no primeiro capítu-
vez que o narrador tenciona traçar a
lo, o autor lança as sementes do conflito
realidade com o máximo de fidelidade
que dá pretexto para o livro. Descreve o
possível (verossimilhança). O tema prin-
marido que viaja, contrariado, a traba-
cipal da obra é a decadência dos valo-
lho; a esposa que descobre que o primo
res da Igreja (reflexo dos valores bur-
e ex-noivo Basílio revisita a cidade e as
gueses) e as temáticas abordadas são:
lembranças que a notícia evoca. Intro-
adultério, crítica política e social. Diante
duz a criada Juliana, ressentida e frus-
dos valores decadentes da sociedade
trada, que terá um papel decisivo no
burguesa do século XIX, o homem é le-
desfecho trágico do romance.
vado a absorver esses valores, uma
vez que ele é produto do meio. Essa No segundo capítulo, o autor apre-
sociedade oprime o cidadão, explora-o, senta as figuras secundárias, enfocadas
o faz mais uma peça de engrenagem, durante breves visitas dominicais à casa
isso tudo em prol da geração de capital. de Luísa e Jorge. A relação amorosa clan-
O foco narrativo centra-se na terceira destina mantida por Luísa e Basílio é desco-
pessoa. O narrador é onisciente, uma berta pela criada, que, de posse de uma
vez que ele tem completo domínio da carta dos amantes, chantageia a patroa.
história que narra. Vale dizer que em Abandonada pelo amante, que foge para
alguns momentos na narrativa ocorre a Paris, Luísa não suporta a tensão e morre".
— 71 —

Com o processo de industrialização, adultério para fazer chantagem. Jorge,


as cidades cresciam rapidamente, fa- esposo de Luísa, aparece poucas ve-
zendo com que os camponeses passas- zes durante toda a narrativa e mostra-
sem a serem vistos como operários ur- se apenas de forma social. É um perso-
banos. No entanto, a burguesia lisboeta nagem pacato, manso, dividido entre o
continuava apegada à cultura passada. seu amor por Luísa e o papel social de
A obra mostra a intimidade das famílias marido em relação ao adultério. Existem
lisboetas da metade do século XIX. Em ainda os personagens considerados se-
relação aos personagens, estes são cundários, como é o caso do Conse-
considerados planos, ou seja, opõem- lheiro Acácio (intelectual vazio), Dona
se aos personagens de intensidade in- F e l i c i d a d e (cozinheira), S e b a s t i ã o
terior e psicológica. São levados e en- (que pretende recuperar as cartas rou-
volvidos pela trama desempenhada pelo badas).
autor. Encontramos Luísa, burguesa da
cidade baixa de Lisboa, uma senhora A linguagem da obra é considera-
sentimentalista, mal-educada e sem va- da coloquial, próxima da língua falada.
lores morais. Romântica, é esposa de As frases são curtas, cheias de ritmos
Jorge, engenheiro de minas que se co- e significados. Encontramos exagera-
nheceram após o rompimento por carta damente o uso de descrições minucio-
dela com o seu primo Basílio. Sua vida sas do espaço físico e da sociedade. O
rotineira é transformada com a viagem narrador na terceira pessoa é oniscien-
de seu esposo e com o retorno de primo te e não tem envolvimento algum com os
a Portugal. Basílio é o primo e ex-noivo personagens.
de Luisa, que retorna a Portugal na au-
"Havia doze dias que Jorge tinha
sência de seu marido com a intenção de
partido e, apesar do calor e da poeira,
alimentar sua vaidade com uma aven-
Luisa vestia-se para ir a c a s a de
turazinha. Malicioso e repleto de truques
Leopoldina. Se Jorge soubesse, não
para atrair a amante, Basílio considera a
havia de gostar, não! Mas estava tão
fidelidade como sendo um atraso da so-
farta de estar só, aborrecia-se tanto! De
ciedade lisboeta frente à modernização
manhã, ainda tinha os arranjos, a costu-
de Paris. Torna-se, durante toda a nar-
rativa, o mais cínico dos personagens. ra, a toillete, algum romance...Mas de
Juliana é a criada que faz desmoronar tarde!
o mundo de Luísa, chantageando-a com À hora em que Jorge costumava
as cartas escritas pelo amante. Revolta- voltar do ministério, a solidão parecia
da pela situação de serviçal, de conse- alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tan-
qüente fracasso na tentativa de mudar ta falta o seu toque de campainha, os
de vida e pelo ódio contra a patroa, seus passos no corredor!...
Juliana segura toda a narrativa com os
momentos mais intensos na trama amo- Ao crepúsculo, ao ver cair o dia,
rosa. A empregada tentará tirar proveito entristecia-se sem razão, caía numa
das circunstâncias, reunindo provas de vaga sentimentalidade: (...) O que pen-
sava em tolices então!"
— 72 —

Nestes fragmentos há a presença Eça critica as aventuras de amor ro-


do discurso indireto livre, que mistura a mânticas e traça um painel demolidor da
voz do narrador com a consciência da sociedade portuguesa.
personagem, desamparada, mais pro-
Help!Sistema de Consulta Interativa São Paulo:
pensa a ser levada ao adultério com o Estadão, 1996. p.163.
primo.
Considerada das mais importantes
"Servia, havia vinte anos. Como ela
de Eça de Queirós, narra a história de
dizia, mudava de anos, mas não muda-
um amor proibido vivenciado por Carlos
va de sorte (...) Era demais! Tinha agora
da Maia e Maria Eduarda, que no decor-
dias em que só de ver o balde das águas
rer de toda a narrativa vêm a descobrir
sujas e o ferro de engomar se lhe em-
que são irmãos. Trata-se de uma tragé-
brulhava o estômago. Nunca se acostu-
dia romântica e, ao mesmo tempo, uma
mara a servir (...)
crônica da alta vida social lisboeta de
1880.
as antipatias que a cercavam fa-
ziam-na assanhada, c o m o um círcu- Segundo pesquisadores e litera-
lo de espingardas enraivece um
tos, a obra é desencantada e pessimis-
lobo. Fez-se má; beliscava crianças até
ta, indo muito além da situação social
lhes enodor a pele; e se lhe ralhavam, a
onde se passa o panorama descrito na
sua cólera rompia em rajadas. Co-
obra transparece a melancolia existen-
meçou a ser despedida. Num só ano
te numa sociedade considerada civili-
esteve em três casas (...)"
zada, ocasionando uma consciência de
Podemos perceber também o dis- fracasso vital. Cabe ressaltar que to-
curso indireto livre. A empregada Juliana das as personagens são consideradas
representa o ódio dos pobres em rela- derrotadas, e esta descrição não se
ção aos ricos. encontra longe da realidade; pelo con-
trário, melancolia e pessimismo sãü en-
Q U E I R Ó S . Eça de. O Primo Basílio. In. Ler é Aprender. contrados, também, no homem do sécu-
São Paulo: Estadão, 1997. p.455.
lo XIX.

Os Maias (fragmentos)

Os Maias é voltado para a alta so- "A casa que os Maias vieram habi-
ciedade com suas jogatinas, corridas tar em Lisboa, no outono de 1875, era
de cavalo, festas noturnas, adultérios e conhecida na vizinhança da rua de S.
incestos. Francisco de Paula, e em todo o bairro
das Janelas Verdes, pela casa do Ra-
Os Maias tem como sub-título "Epi- malhete ou simplesmente o Ramalhete.
sódios da vida romântica". Através da Apesar deste fresco nome de vivenda
história incestuosa do jovem médico Car- campestre, o Ramalhete, sombrio casa-
los de Maia e sua irmã Maria Eduarda, rão de paredes severas, com um renque
— 73 —

de estreitas varandas de ferro no pri- dade das ramagens silvestres. Além dis-
meiro andar, e por cima uma tímida fila so, a renda que pediu o velho Vilaça,
de janelinhas abrigadas à beira do te- procurador dos Maias, pareceu tão exa-
lhado, tinha o aspecto tristonho de Resi- gerada a Monsenhor, que lhe perguntou
dência Eclesiástica que competia a uma sorrindo se ainda julgava a Igreja nos
edificação do reinado de D. Maria I: com tempos de Leão X. Vilaça respondeu
uma sineta e com uma cruz no topo, que também a nobreza não estava nos
assimilhar-se-ia a um Colégio de Jesuí- tempos do senhor D. João V. E o Rama-
tas. O nome de Ramalhete provinha de lhete, continuou desabitado.
certo de um revestimento quadrado de
Este inútil pardieiro (como lhe cha-
azulejos, fazendo painel no lugar herál-
mava Vilaça Júnior, agora por morte de
dico do Escudo d'Armas, que nunca
seu pai administrador dos Maias) só veio
chegara a ser colocado, e representan-
a servir, nos fins de 1870, para lá se
do um grande ramo de girassóis atado
arrecadarem as mobílias e as louças
por uma fita onde se distinguiam letras e
provenientes do palacete de família em
números duma data.
Bemfica, morada quase histórica, que,
Longos anos o Ramalhete perma- depois de andar anos em praça, fora
necera desabitado, com teias de ara- então comprada por um comendador
nha pelas grades dos postigos térreos, brasileiro. Nessa ocasião vendera-se
e cobrindo-se de tons de ruína. Em 1858 outra propriedade dos Maias, a Tojeira;
Monsenhor Buccarini, Núncio de S. San- e algumas raras pessoas que em Lis-
tidade, visitara-o com idéia de instalar lá boa ainda se lembravam dos Maias, e
a Nunciatura, seduzido pela gravidade sabiam qae desde a Regeneração eles
clerical do edifício e pela paz dormente viviam retirados na sua quinta de Santa
do bairro; e o interior do casarão agra- Olavia, nas margens do Douro, tinham
dara-lhe também, com a sua disposição perguntado a Vilaça se essa gente es-
apalaçada, os tectos apainelados, as tava atrapalhada.
paredes cobertas de frescos onde já
- Ainda tem um pedaço de pão, dis-
desmaiavam as rosas das grinaldas e
se Vilaça sorrindo, e a manteiga para
as faces dos Cupidinhos. Mas Monse-
lhe barrar por cima.
nhor, com os seus hábitos de rico prela-
do romano, necessitava na sua vivenda Os Maias eram uma antiga família
os arvoredos e as águas de um jardim da Beira, sempre pouco numerosa, sem
de luxo: e o Ramalhete possuía apenas, linhas colaterais, sem parentelas - e
ao fundo dum terraço de tijolo, um pobre agora reduzida a dois varões, o senhor
quintal inculto, abandonado às ervas da casa, Afonso da Maia, um velho já,
bravas, com um cipreste, um cedro, uma quase um antepassado, mais idoso que
cascatasinha seca, um tanque entulha- o século, e seu neto Carlos que estuda-
do, e uma estátua de mármore (onde Mon- va medicina em Coimbra. Quando Afon-
senhor reconheceu logo Vénus Citherêa) so se retirara definitivamente para San-
enegrecendo a um canto na lenta umi- ta Olavia, o rendimento da casa excedia
— 74 —

já cinqüenta mil cruzados mas desde Afonso riu muito da frase, e res-
então tinham-se acumulado as econo- pondeu que aquelas razões eram exce-
mias de vinte anos de aldeã; viera tam- lentes - mas ele desejava habitar sob
bém a herança de um último parente, tectos tradicionalmente seus; se eram
Sebastião da Maia, que desde 1830 vi- necessárias obras, que se fizessem e
via em Nápoles, só, ocupando-se de largamente; e enquanto a lendas e
numismática e o procurador podia cer- agoiros, bastaria abrir de par em par as
tamente sorrir com segurança quando janelas e deixar entrar o sol.
falava dos Maias e da sua fatia de pão.
S.ex.ª mandava: - e, como esse in-
A venda da Tojeira fora realmente verno ia seco, as obras começaram logo,
aconselhada por Vilaça mas nunca ele sob a direção de um Estevas, arquiteto,
aprovara que Afonso se desfizesse de político, e compadre de Vilaça. Este ar-
Bemfica - só pela razão daqueles mu- tista entusiasmara o procurador com um
ros terem visto tantos desgostos do- projeto de escada aparatosa, flanqueada
mésticos. Isso, como dizia Vilaça, acon- por duas figuras simbolizando as con-
tecia a todos os muros. O resultado era quistas da Guiné e da índia. E estava
que os Maias, com o Ramalhete inabitá- ideando também uma cascata de louça
vel, não possuíam agora uma casa em na sala de jantar - quando, inesperada-
Lisboa; e se Afonso naquela idade ama- mente, Carlos apareceu em Lisboa com
va o sossego de Santa Olavia, seu neto, um arquiteto decorador de Londres, e,
rapaz de gosto e de luxo que passava depois de estudar com ele à pressa al-
as férias em Paris e Londres, não que- gumas ornamentações e alguns tons de
reria, depois de formado, ir sepultar-se estofos, entregou-lhe as quatro pare-
nos penhascos do Douro. E, com efeito, des do Ramalhete, para ele ali criar, exer-
meses antes de ele deixar Coimbra, cendo o seu gosto, um interior confortá-
Afonso assombrou Vilaça anunciando- vel, de luxo inteligente e sóbrio.
Ihe que decidira vir habitar o Ramalhete!
O procurador compôs logo um relatório A Capital
a enumerar os inconvenientes do casa-
A Capital possui uma estrutura de
rão: o maior era necessitar tantas obras
novela e retrata a sociedade, os costu-
e tantas despesas; depois, a falta de
mes, através de sátiras e caricaturas.
um jardim devia ser muito sensível a
quem saia dos arvoredos de Santa Artur Corvello, 23 anos, pertence a
Olavia; e por fim, aludia mesmo a uma uma família burguesa, originaria de Lis-
lenda, segundo a qual eram sempre fa- boa. Seu pai, Manuel Corvello, tinha o
tais aos Maias as paredes do Ramalhe- sonho de ver seu filho estudando em
te, «ainda que (acrescentava ele numa Coimbra e tornando-se um homem ilus-
frase meditada) até me envergonho de tre. Sob este severo regime, o rapaz não
mencionar tais frioleiras neste século se desenvolveu. Era pálido, sensível,
de Voltaire, Guisot e outros filósofos li- chorava por qualquer coisa, era triste e
berais . . . » pensava muito no amor e na morte. Nas
— 75 —

férias da Universidade, sua mãe vem a muito adjetivada, fazendo com que o
falecer e, logo depois, seu pai, tendo de leitor perceba claramente estas carac-
voltar para sua cidade natal a fim de ven- terísticas.
der em leilão sua mobília e alguns perten- a

ces da casa. Com a idéia de liberdade, 3 fase (1888 - 1900): é a fase


gastou toda a sua herança e teve que pós-realista, marcada pela desilusão e
pedir ajuda de suas tias. Foi morar em o abandono aos ideais realistas; defen-
Oliveira e passou a trabalhar numa far- de a política colonialista, o nacionalismo
mácia, sem deixar de lado o seu amor e a vida pura do campo, com as obras A
por literatura. Nesta época escreveu Ilustre Casa de Ramires, A Cidade e as
"Amores de Poeta", mas não obteve su- Serras e A Relíquia.
cesso algum. Tentou fundar um jornal,
mas também foi um fracasso. Fez várias A Ilustre Casa de Ramires
tentativas de se enturmar na sociedade (comentários)
literária, mas só foi cada vez mais ridicu-
larizado. A obra não possui um desfe- A Ilustre Casa de Ramires retrata
cho feliz, pois Artur volta à cidadezinha a expansão de Portugal na África. O
de Oliveira para trabalhar na farmácia, personagem Ramires representa Por-
no entanto, sempre sonhando com a ven- tugal.
da de seu livro e tornar-se ilustre na vida.
O contexto em que decorre a ação
da obra retrata um país decadente, que
Nesta obra, Eça utiliza-se de re-
tenta achar saídas no sentido de recu-
tratos caricaturais de seus amigos ínti-
perar as glórias do passado. Gonçalo
mos e de seu auto-retrato psicológico,
Mendes Ramires é o personagem prin-
e n c o n t r a d o no p e r s o n a g e m Artur
cipal, fora da realidade, já que a fidalguia
C o r v e l l o . Mostra o lado real e crítico de
e os ideais de honra não faziam parte
uma sociedade portuguesa: o meio po-
litico e literário de Lisboa - sociedade do mundo moderno.
burguesa totalmente corrompida, sem
O termo "casa" no título refere-se
valores morais. Toda a ação gira em
a família, ascendência. O passado apa-
torno de uma idéia principal - a busca
rece se contrapondo à situação vivida
da fama e de seu reconhecimento na
por Ramires. O resultado é irônico, pois
capital portuguesa. O tempo da história
a honra e o heroísmo do antepassado
é cronológico, mas aparece também o
contrastam com a fraqueza e a dege-
uso de flashback. O ambiente social é
neração moral do protagonista.
caracterizado pela sociedade burgue-
sa de Portugal do século XIX. O foco
A Ilustre Casa de Ramires apre-
narrativo encontra-se em terceira pes-
senta uma narrativa dentro de outra nar-
soa - narrador onisciente. A narração
rativa para contar a história da família
é descritiva, em que o autor consegue
Ramires, na casa da Torre de Santa
caracterizar as personagens, espaço
Irinéia. A obra é estruturada da seguinte
e ambiente, a partir de uma linguagem
forma:
— 76 —

• O narrador onisciente: narrador prin- O protagonista da obra é Jacinto, um


cipal, é o articulador da macronar- homem rico que decide deixar o campo
rativa, de onde se desdobram três para viver na cidade grande. Em sua nova
outras narrativas no desenvolvimen- residência, Jacinto busca integrar-se
to do romance; completamente ao novo mundo burguês,
financista e industrial, através do culto à
• O narrador da novela Torre de D. Ra-
informação e às técnicas modernas. De-
mires: este fala com a voz empresta-
pois de adquirir conhecimento sobre to-
da de Gonçalo Mendes Ramires, per-
das as novidades tecnológicas, o prota-
sonagem protagonista do romance;
gonista fracassa em seus objetivos.
• O narrador do poemeto épico: autoria
Eça de Queirós mostra, através do
do tio Duarte, "O Bardo", referencial do
personagem Zé Fernandes, o valor de
sobrinho Gonçalo para poder compor
se viver longe do mundo burguês, ten-
a novela, com publicação garantida na
tando fazer com que Jacinto enxergue
Semanário da Vira de Guimarães;
os horrores da poluição gerada pelas
• O narrador do fado: louva os feitos da cidades industriais.
Casa de Ramires, autoria de Videirinha.
O desfecho da narrativa nos suge-
Enquanto o narrador onisciente vai re, com a introdução do telefone - esse
narrando as aventuras e desventuras emblema da modernidade - no paraíso
de Gonçalo, o próprio Gonçalo escreve rural de Tormes, que não existe nessa
uma novela em que relata os feitos herói- novela uma proposta de recusa com-
cos dos seus antepassados que aludem pleta à civilização e aos seus produtos
ao primeiro rei de Portugal. Gonçalo usa tecnológicos, mas sim uma contraposi-
o texto do tio Duarte como fonte de inspi- ção entre o "natural" e o "artificial" e
ração, eliminando deste texto o que não necessária absorção de um pelo outro.
seria próprio, conveniente para estar con- Help! Sistema de Consulta Interativa. São Paulo:
tido numa novela, devido à linha românti- Estadão, 1996.P.163.
ca das poesias elaboradas pelo tio.
(fragmentos)
A Cidade e as Serras
Numa dessas ativas semanas, po-
A Cidade e as Serras, segundo opi- rém, a minha atenção subitamente se des-
nião do próprio autor, "é o texto sobre o pegou deste interessante Jacinto. Hós-
qual podemos ler os julgamentos mais pede do 202, conservava no 202 a minha
radicais e contraditórios". Isto porque mala e a minha roupa; e, acostado à ban-
Eça de Queirós tinha a intenção de pro- deira do meu Príncipe, ainda ocasional-
por neste romance uma solução reacio- mente comia do seu caldeirão sumptuoso.
nária para Portugal ao elogiar a rurali- Mas a minha alma, a minha embrutecida
dade, o atraso português face à reali- alma, e o meu corpo, o meu embrutecido
dade dos países mais desenvolvidos da corpo, habitavam então na Rua do Hélder,
Q
Europa. n 16, quarto andar, porta à esquerda.
— 77 —

Descia eu uma tarde, numa leda paz E eu (miserável Zé Fernandes!) tam-


de ideias e sensações, o Boulevard da bém me senti muito sério, trespassado
Madalena, quando avistei, diante da Es- por uma emoção grave, como se nos
tação dos Ônibus, rondando no asfalto, envolvesse, naquela alcova do Café, a
num passo lento e felino, uma criatura majestade de um Sacramento. À porta,
seca, muito morena, quase tisnada, com empurrada levemente, o criado avan-
dois fundos olhos taciturnos e tristes, e çou a face nédia. Ordenei uma lagosta,
uma mata de cabelos amarelados, toda pato com pimentões, e Borgonha. E foi
crespa e rebelde, sob o chapéu velho somente ao findarmos o pato que me
de plumas negras. Parei, como colhido ergui, amarfanhando convulsivamente
por um repuxão nas entranhas. A cria- o guardanapo, e a tremer lhe beijei a
tura passou - no seu magro rondar de boca, todo a tremer, num beijo profundo
gata negra, sobre um beiral de telhado, e terrível, em que deixei a alma, entre
ao luar de Janeiro. Dois poços fundos saliva e gosto de pimentão! Depois, numa
não luzem mais negro e taciturnamente tipóia aberta, sob um bafo mole de leste
do que luziam os seus olhos taciturnos
e de trovoada, subimos a Avenida dos
e negros. Não recordo (Deus louvado!)
Campos Elísios. Em frente à grade do
como rocei o seu vestido de seda, lus-
202 mumurei, para a deslumbrar com o
troso e ensebado nas pregas; nem como
meu luxo: - "Moro ali, todo o ano!..." E
lhe rosnei uma súplica por entre os den-
como ao mirar o Palacete, debruçada,
tes que rangiam; nem como subimos
ela roçara a mata fulva do pêlo crespo
ambos, morosamente e mais silencio-
pela minha barba - berrei desesperada-
sos que condenados, para um gabinete
mente ao cocheiro que galopasse para
do Café Durand, safado e morno. Diante
a Rua do Hélder, nº 16, quarto andar,
do espelho, a criatura, com a lentidão de
porta à esquerda!
um rito triste, tirou o chapéu e a romeira
salpicada de vidrilhos. A seda puída do Amei aquela criatura. Amei aquela
corpete esgarçava nos cotovelos agu- criatura com Amor, com todos os Amo-
dos. E os seus cabelos eram imensos, res que estão no Amor, o Amor divino, o
de uma dureza e espessura de juba bra-
Amor humano, o Amor bestial, como
va, em dois tons amarelos, uns mais
Santo Antonino amava a Virgem, como
dourados, outros mais crestados, como
Romeu amava Julieta, como um bode ama
a côdea de uma torta ao sair quente do
uma cabra. Era estúpida, era triste. Eu
forno.
deliciosamente apagava a minha alegria
na cinza da sua tristeza; e com inefável
Com um riso trémulo, agarrei os
gosto afundava a minha razão na den-
seus dedos compridos e frios;
sidade da sua estupidez. Durante sete
- E o nomezinho, hem? furiosas semanas perdi a consciência
da minha personalidade de Zé Fernan-
Ela séria, quase grave;
des - Fernandes de Noronha e Sande,
- Madame Colombe, 16, Rua do Hél- de Guiães! Ora se me afigurava ser um
der, quarto andar, porta à esquerda. pedaço de cera que se derretia, com
78 —

horrenda delícia, num forno rubro e rugi- O sobrinho, ao saber disso, pas-
dor; ora me parecia ser uma faminta sou a fazer de tudo para agradá-la, e
fogueria onde flamejava, estalava e se passa, então, a se fingir de beato, mas,
consumia um molho de galhos secos. ao mesmo tempo, não consegue abrir
Desses dias de sublime sordidez só mão dos prazeres da vida e acaba se
conservo a impressão de uma alcova envolvendo com mulheres sem sua tia
forrada de cretones sujos, de uma bata saber.
de lã cor de lilás com sutaches negros,
de vagas garrafas de cerveja no már- Através de um falso comportamen-
more de um lavatório, e de um corpos to beato, consegue conquistar a confi-
tisnado que rangia e tinha cabelos no ança da tia, e esta lhe proporciona uma
peito. E também me resta a sensação de viagem a Terra Santa e pede para que
incessantemente e com arroubado de- Teodorico traga de lá uma relíquia que
leite me despojar, arremessar para um fosse capaz de curá-la de todos os
regaço, que se cavava entre um ventre seus males.
sumido e uns joelhos agudos, o meu re-
lógio, os meus berloques, os meus anéis, Nessa v i a g e m , conhece várias
os meus botões de punho de safira, e pessoas como o historiador Topsius e
as cento e noventa e sete libras que eu Mary, que se tornou sua amante. Mary,
trouxera de Guiães numa cinta de ca- ao se despedir dele, deu uma lembran-
murça. Do sólido, decoroso, bem forne- ça sua, uma camisola com uma dedi-
cido Zé Fernandes, só restava uma car- catória dentro: "Ao meu Teodorico, meu
caça errando através de um sonho, com portuguesinho passante; em lembran-
as gâmbias moles e a baba a escorrer. ça do muito que gozamos". A camisola
foi embrulhada em um papel pardo.

A Relíquia Após sair de Alexandria, Teodorico


(resumo) encontra uma árvore de espinhos, da
qual pressupõe ter saído a coroa de es-
Teodorico, o personagem protago-
pinhos de Cristo; então, decide pegar
nista, inicia a narrativa descrevendo as
um galho dessa árvore para levar como
suas próprias origens: fica órfão aos
relíquia à sua tia. A relíquia também foi
nove anos e é levado pelo Sr. Matias à
embrulhada em um papel pardo.
casa de Titi, sua tia, que morava em Lis-
boa. A casa de sua tia era toda volta- O protagonista almejava a fortuna
da para a religião, já que esta era mui- de sua tia e desejava muito sua morte.
to senhora e muito beata e devota a Com medo que Titi desconfiasse que,
Deus. Titi abominava as coisas munda- durante a viagem havia se envolvido com
nas e não permitia nenhum envol- mulheres, resolve se desfazer do embru-
vimento de Teodorico com "saias" (mu- lho que poderia comprometê-lo, dando-o
lheres). Ela era uma senhora muito rica a uma pobre senhora com uma criança
e sua fortuna era incalculável. no colo, entontecida pela miséria.
— 79

Ao retornar a Portugal, Teodorico Não se perdeu teu sangue generoso,


dá o embrulho para a tia, mas quando Nem padeceste em vão, quem quer
esta abre o pacote, encontra a camisola [que foste,
de Mary com a dedicatória.
Plebeu antigo, que amarrado ao poste
Com isso, Teodorico é expulso da Morreste como vil e faccioso.
casa da tia e é também deserdado da
tão sonhada fortuna. Desse sangue maldito e ignominioso
Surgiu armada uma invencível hoste...
Teodorico passa a morar em um ho-
tel (Hotel Pomba de Ouro) e para poder Paz aos homens e guerra aos
se sustentar, passa a vender as relíqui- [deuses! - pôs-te
as da Terra Santa. Em vão sobre um altar o vulgo
[ocioso...
Titi morre e deixa como herança
para o sobrinho apenas os óculos que Do pobre que protesta foste a imagem:
ficavam pendurados na sala de jantar. Um povo em ti começa,
Depois de algum tempo, reencon- [um homem novo:
tra um amigo chamado Crispim e este, De ti data essa trágica linhagem.
após ouvir a história dele, arruma-lhe
um emprego. Por isso nós, a Plebe, ao pensar
[nisto,
Teodorico conhece a irmã de Cris-
Lembraremos, herdeiros desse
pim, D. Jesuína, casa-se com ela, tem
[povo,
três filhos, torna-se comendador e dono
de mosteiro, passando a viver da re- Que entre nossos avós se conta
ligião. [Cristo.

A um poeta
Antero Tarquinio de Quental Tu que dormes, espírito sereno,
(1842-1891) Posto à sombra dos cedros
[seculares,
Suas primeiras poesias refletem
Como um levita à sombra dos altares,
ainda uma postura romântica {Raios de
Longe da luta e do fragor terreno,
Extinta Luz e Primaveras Românticas).
Com Odes Modernas, Antero inaugura Acorda! É tempo! O sol,
o Realismo - é a fase revolucionária. Já
[já alto e pleno,
com Sonetos, retrata toda a evolução
de sua vida artística - a juventude do Afugentou as larvas tumulares...
poeta marcada pelo amor, a época da Para surgir do seio desses mares,
Questão Coimbrã e a fase metafísica e Um mundo novo espera só um
de sentimento pessimista. [aceno...
— 80 —

Escuta! É a grande voz das Odes Modernas


[multidões!
À História
São teus irmãos, que se erguem!
[São canções...
VI
Mas de guerra...e são vozes de Se um dia chegaremos, nós,
[rebate! [sedentos,
A essa praia do eterno
Ergue-te, pois, soldado do Futuro, [mar-oceano,
E dos raios de luz do sonho puro,
Onde lavem seu corpo os
Sonhador, faze espada de combate! [pustulentos,

Quental, Antero de. In. Sonetos. 6 ed. Lisboa: Sá da E farte a sede, enfim, o peito
Costa, 1979. p. 52. [humano?
Oh! diz-me o coração que estes
O Palácio da Ventura [tormentos
Sonho que sou um cavaleiro Chegarão a acabar: e o nosso
[andante, [engano,

Por desertos, por sóis, por Desfeito como nuvem que


[desanda,
[noite escura,
Deixará ver o céu de banda a
Paladino do amor, busco anelante
[banda!
O palácio encantado da Ventura!
Felizes os que choram! alguma hora
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Seus prantos secarão sobre seus
Quebrada a espada já, rota a [rostos!
[armadura...
Virá do céu, em meio de uma
E eis que súbito, o avisto, fulgurante [aurora,
Na sua pompa e aérea formosura! Uma águia que lhes leve os seus
[desgostos!
Com grandes golpes bato à porta e
Há-de alegrar-se, então, o olhar que
[brado:
[chora,,.
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
E os pés de ferro dos tiranos,
Abri-vos, portas de ouro, ante
[postos
[meus ais!
Na terra, como torres, e firmados,
Abrem-se as portas d'ouro,
Se verão, como palhas, levantados!
[com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor, Os tiranos sem conto - velhos
Silêncio e escuridão - e nada mais! [cultos,
— 81 —

Espectros que nos gelam com o • Poesia do c o t i d i a n o de C e s á r i o


[abraço... Verde - Opõe-se ao lirismo românti-
E mais renascem quanto mais co e revela as injustiças e desníveis
[sepultos... sociais, focalizando os esconderijos
e indecências da cidade (corrupção
E mais ardentes no maior
e decadência da classe burguesa).
[cansaço...
Esse tipo de poesia foge às tradicio-
Visões de antigos sonhos, cujos nais regras do jogo estético, pois
[vultos centraliza-se no objeto e não no su-
Nos oprimem ainda o peito lasso... jeito, o que desloca o interesse poé-
tico para fora do "eu" poético.
Da terra e céu bandidos
[orgulhosos, O Sentimento dum Ocidental
Os Reis sem fé e os Deuses
I
[enganosos!
QUENTAL, Antero de. In: Sonetos. 6 ed. Lisboa: Sá da Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Costa, 1979. p. 80.
Há tal soturnidade, há tal
Além de Antero de Quental, desta- [melancolia,
cam-se Gomes Leal e Guerra Junqueiro Que as sombras, o bulício, o Tejo,
com suas poesias de combate à socie- [a maresia
dade e política da época e Cesário Ver-
Despertam-me um desejo absurdo
de e Gonçalves Crespo com suas poe-
[de sofrer.
sias voltadas para o cotidiano lisbonense.

O céu parece baixo e de neblina,

José Joaquim Cesário Verde O gás extravasado enjoa-me,


[perturba;
(1855-1886)
E os edifícios, com as chaminés, e
[a turba
Nasceu em 1855, na Freguesia da
Madalena, em Lisboa, Portugal. Era filho Toldam-se duma cor monótona e
de um lavrador e comerciante e passou [londrina.
quase todo o tempo atendendo aos inte-
resses dos pais, porém, sem deixar de se Batem os carros de aluguer, ao
interessar pela leitura. Em 1873 freqüenta [fundo,
o Curso de Letras e inicia suas primeiras Levando à via-férrea os que se
produções literárias no Diário de Notícias.
[vão. Felizes!
Daí por diante começa a publicar varias
poesias em diversas revistas e jornais da Ocorrem-me em revista
época. Morre em 1886, vitima de tubercu- [exposições, países:
lose, deixando 42 composições poéticas Madrid, Paris, Berlim,
do período de 1873 e 1886. [S.Petersburgo, o mundo!
— 82

Semelham-se a gaiolas, com Às portas, em cabelo, enfadam-se


[viveiros, [os lojistas!
As edificações somente
Vazam-se os arsenais e as
[emadeiradas:
[oficinas;
Como morcegos, ao cair das
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se
[badaladas,
[as obreiras;
Saltam de viga em viga, os mestres
E num cardume negro, hercúleas,
[carpinteiros.
[galhofeiras,
Voltam os calafates, aos magotes, Correndo com firmeza, assomam
De jaquetão ao ombro, [as varinas.
[enfarruscados, secos:
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Embrenho-me a cismar, por
Seus troncos varonis recordam-me
[boqueirões, por becos,
[pilastras;
Ou erro pelos cais a que se
E algumas, à cabeça, embalam nas
[atracam botes.
[canastras
E evoco, então, as crônicas navais: Os filhos que depois naufragam nas
Mouros, baixéis, heróis, tudo [tormentas.
[ressuscitado
Descalças! Nas descargas de
Luta Camões no Sul, salvando um [carvão,
[livro a nado!
Desde manhã à noite, a bordo das
Singram soberbas naus que eu não [fragatas;
[verei jamais!
E apinham-se num bairro aonde
E o fim da tarde inspira-me; e [miam gatas,
[incomoda! E o peixe podre gera os focos de
De um couraçado inglês vogam os [infecção!
[escaleres; (...)
E em terra num tinir de louças e
IV
[talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis Horas Mortas
[da moda.
O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Num trem de praça arengam dois Estende-se ao comprido, ao meio
[dentistas; [das trapeiras;
Um trôpego arlequim braceja numas Vêm lágrimas de luz dos astros com
[andas; [olheiras,
Os querubins do lar flutuam nas Enleva-me a quimera azul de
[varandas; [transmigrar.
— 83 —

Por baixo, que portões! Que E pelas vastidões aquáticas seguir!


[arruamentos!
Mas se vivemos, os emparedados,
Um parafuso cai nas lajes, às
[escuras: Sem árvores, no vale escuro das
[muralhas!...
Colocam-se taipais, ringem as
[fechaduras, Julgo avistar, na treva, as folhas
[das navalhas
E os olhos dum caleche
[espantam-me, sangrentos. E os gritos de socorro ouvir,
[estrangulados.
E eu sigo, como as linhas de uma
[pauta E nestes nebulosos corredores

A dupla correnteza augusta das Nauseiam-me, surgindo, os ventres


[das tabernas;
[fachadas;
Na volta, com saudade, e aos
Pois sobem, no silêncio, infaustas
[bordos sobre as pernas,
[e trinadas,
Cantam, de braço dado, uns tristes
As notas pastoris de uma
[bebedores.
[longínqua flauta.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Se eu não morresse, nunca! E
[eternamente Afastam-se, a distância, os dúbios
[caminhantes;
Buscasse e conseguisse a
[perfeição das cousas! E sujos, sem ladrar, ósseos, febris,
[errantes,
Esqueço-me a prever castíssimas
Amareladamente, os cães parecem
[esposas,
[lobos.
Que aninhem em mansões de vidro
[transparente! E os guardas, que revistam as
[escadas,
Ó nossos filhos! Que de sonhos Caminham de lanterna e servem de
[ágeis, [chaveiros;
Pousando, vos trarão a nitidez às Por cima, as imorais, nos seus
[vidas! [roupões ligeiros,
Eu quero as vossas mães e irmãs Tossem, fumando sobre a pedra
[estremecidas, [das sacadas.
Numas habitações translúcidas e
[frágeis. E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com
Ah! Como a raça ruiva do porvir, [dimensões de montes,
E as frotas dos avós, e os A dor humana busca os amplos
[nómadas ardentes, [horizontes,
Nós vamos explorar todos os E tem marés, de fel, como um
[continentes [sinistro mar!
— 84 -

Resumo do Realismo-Naturalismo

Momento sócio-cultural injusta, apontando seus vícios e hi-


pocrisias.
• Sociedade em crise: revolta dos cam- • Grande influência das teorias cientí-
poneses e soldados. ficas da segunda metade do século
• Dependência econômica da Inglaterra; XIX; o autor escreve com a minúcia
de um cientista.
a burguesia portuguesa não assume
o controle do poder que continua nas
mãos dos comerciantes, banqueiros e
Autores e obras
setores agrários.

• Período de Regeneração (1851 - • Eça de Queirós: um dos maiores


1919), com a rotatividade no poder do prosadores da língua portuguesa, e
partido conservador (Partido Rege- expoente máximo do Realismo por-
nerador) e outro menos conservador tuguês. Obras: O Crime do Padre
(Histórico, Reformista, Progressista). Amaro ( 1 8 7 5 ) , O Primo Basílio
Adoção de uma política que beneficia (1878), Os Maias (1888), A Ilustre
os proprietários de terra. Crescimen- Casa de Ramires (1900), A Cidade
to de uma classe média urbana. e as Serras (1901).

• Crítica ao tradicionalismo da socie- • Fialho de Almeida: autor afastado


dade portuguesa, compromisso éti- dos meios literários oficiais, escre-
veu A Cidade do Vicio Os Maias
co do escritor com a realidade.
(1892), Vida Irônica (1892).
• Crítica ao conservadorismo da Igreja.
• Antero de Quental: autor amargu-
• Preocupação política: democratiza- rado e desiludido, escreveu Odes
ção da sociedade. Modernas (1865), Sonetos comple-
tos ( 1 8 8 6 ) , Raios de Extinta Luz
(1892).
Características literárias • Cesário Verde: considerado pre-
cursor dos modernistas, escreveu
• Texto objetivo, direto e sem domínio
O Livro de Cesário Verde (1887).
da subjetividade; o autor procura re-
produzir a realidade que ele observa. • Guerra Junqueiro: autor simples
e objetivo, escreveu A Velhice dc
• Intenção crítica; o autor pretende mo- Padre Eterno (1885), Os Simples
dificar a realidade que ele considera (1892).
— 85 —

Simbolismo
O Simbolismo representa, por um porém, não apenas a evasão a dar
lado, o resultado final da evolução um nome diretamente, mas a ex-
iniciada pelo Romantismo, isto é, pressão indireta de um significado
pela descoberta da metáfora, célu- que é impossível dar diretamente,
la germinal da poesia e que condu- que é essencialmente indefinível e
ziu à riqueza da imaginária impres- inesgotável.
sionista; mas não só repudia o
H A U S E R , Arnold. História social da literatura e a arte.
impressionismo pelo seu ponto de São Paulo: Mestre Jou, s.d., t. II, p. 1076-8.
vista materialista e o Parnaso pelo
seu formalismo e racionalismo, Movimento literário que se iniciou
como também repudia o romantis- no final do século XIX e se estendeu até
mo pelo seu emocionalismo e o o início do século XX, o Simbolismo se
convencionalismo da sua lingua- destacou na poesia, inteiramente volta-
gem metafórica. Na realidade, o sim- da para a subjetividade (eu interior do
bolismo pode considerar-se a rea- poeta), opõe-se às propostas do Rea-
ção contra toda a poesia anterior; lismo. Segundo Alfredo Bosi, "Do âma-
descobre qualquer coisa que ou go da inteligência européia surge uma
nunca se conhecera ou a que nun- oposição vigorosa do triunfo da coisa e
ca até aí se dera relevo: a pura do fato sobre o sujeito - aquele sujeito a
poesia - a poesia que surge do quem o otimismo do século prometera,
espírito irracionalista, não concep-
mas não dera senão um purgatório de
tual, da linguagem, que é contrária
contrastes e frustrações".
a toda interpretação lógica. Para o
simbolismo, a poesia é apenas a O Simbolismo reflete um movimento
expressão daquelas relações e histórico complexo. As correntes mate-
correspondências que a linguagem, rialistas e racionalistas não evoluíram
deixada a si própria, cria entre o com a nova realidade - industrialismo
concreto e o abstrato, o material e burguês e Segunda Revolução Industri-
o ideal, e entre as diferentes esfe- al. Quando não se consegue explicar o
ras dos sentidos. Mallarmé pensa mundo exterior, os artistas apelam para
que a poesia é a anunciação de a negação deste, voltando-se para uma
imagens suspensas, oscilantes, e
realidade subjetiva, interior.
constantemente evanescentes; afir-
ma que nomear um objeto é destruir Representa um movimento de atitu-
três quartos do prazer que reside de pura e subjetiva; importa ao simbolis-
no adivinhar gradual de sua verda- ta o seu estado de alma, a emoção in-
deira natureza. O símbolo implica, terior.
— 86

Principais representantes e suas É, através do céu morno de outono,


propostas: O azul desordenado das
• C h a r l e s B a u d e l a i r e - considera- [claras estrelas!
do o pai da poesia simbolista france-
Porque nós ainda queremos o Matiz,
sa, ou seja, o impressionismo na lite-
ratura. Desenvolveu a teoria das cor- Nada de Cor, nada a não ser o Matiz!
respondências; a doutrina da recu- Oh! O Matiz único que liga
peração da infância; a teoria de que O sonho ao sonho e a flauta
a imaginação é a faculdade essenci- [à corneta.
al do artista (cria a realidade segun-
do um novo enfoque) e teoria de que Foge para longe da Piada assassina,
só a imagem revela a profundidade Do Espírito cruel e do Riso impuro
das coisas.
Que fazem chorar os olhos do Azul
• Paul Verlaine - dá ênfase à músi- E todo esse alho de baixa cozinha!
ca, à musicalidade, à sugestão; eli-
minação das linhas e formas da fi- Toma a eloqüência e torce-lhe
gura - não deve haver idéia clara; [o pescoço!
nada de precisão, razão, porque sem- Tu farás bem, com toda a energia,
pre ocorre o vago dos sentimentos;
Em tornar a rima um pouco razoável.
não há precisão do momento, não
há precisão do lugar - tudo é indefi- Se não a vigiarmos, até onde ele irá?
nido. Oh! Quem dirá os defeitos da Rima?

Arte Poética Que criança surda ou que negro louco


Não forjou esta jóia barata
Antes de qualquer coisa, música
Que soa oca e falsa sob a lima?
E, para isso, prefere o ímpar
Mais vago e mais solúvel no ar, Ainda e sempre, música!

Sem nada que pese ou que pouse. Que teu verso seja a coisa volátil
Que se sente fugir de uma alma
É preciso também que não vás nunca [em vôo
Escolher tuas palavras sem Para outros céus e para outras
[ambigüidade: [paixões.
Nada mais caro que a canção
Que teu verso seja o bom
[cinzenta
[acontecimento
Onde o Indeciso se junta ao Preciso.
Esparso no vento crispado da manhã
São belos os olhos atrás dos véus, Que vai florindo a hortelã e o timo...
É o grande dia trêmulo de meio-dia, E tudo o mais é só literatura.
— 87 —

• Arthur Rimbaud - buscou a fixação • a linguagem é repleta de símbolos.


do inexprimível e procurou de modo Há o uso de figuras de linguagem co-
alucinado a palavra poética, daí o ir- mo as sinestesias e aliterações;
racionalismo da linguagem e as inven-
• o conteúdo está com o espiritual, o
ções verbais capazes de transformar
místico e o subconsciente;
quaisquer realidades. É o mistério da
palavra - a palavra incognoscível. • há uma concepção mística da vida;
• Stéphane Mallarmé - Para ele, a • há um interesse maior pelo particular
poesia não deve ser nem descritiva, e individual;
nem narrativa; a poesia deve ser um
contexto de palavras pelo seu valor • o tom é altamente poético;
musical; o conteúdo do poema deve
ser uma noção abstrata, emotiva. • há uma tentativa de afastamento da
realidade e da sociedade contempo-
Em Portugal, o Simbolismo inicia-se rânea;
em 1890, com a publicação de Oaristos,
• o conhecimento torna-se intuitivo e
de Eugênio de Castro e se estende até a
não lógico;
proclamação da República em 1910.
Nesta época, Portugal passa por uma • dá-se ênfase à imaginação e à fan-
crise na Monarquia (socialismo e republi- tasia;
canismo), crise econômica (deprecia-
ção da moeda nacional e aumento da • despreza-se a natureza em troca do
dívida pública) e plano expansionista, místico e do sobrenatural;
com o Ultimato Inglês.
• arte pela arte;
Principais características • há pouco interesse pelo enredo e
• o Simbolismo nega o Realismo e suas ação na narrativa;
manifestações: passa a rejeitar o
• os personagens são seres humanos
cientificismo, o materialismo, o racio-
interessados no espírito íntimo das
nalismo, valorizando as manifesta-
pessoas;
ções metafísicas e espirituais;
• busca-se a essência ao invés da rea-
• o homem volta-se para uma realidade
lidade;
subjetiva encontrada no Romantismo,
porém busca a essência do ser hu- • a linguagem é exótica e as palavras
mano - a alma. Há, portanto, a oposi- são escolhidas pela sonoridade e
ção entre matéria e espírito, a purifi- ritmo;
cação atingindo o espaço infinito;
• o escritor procura sugerir a realida-
• para os simbolistas, a alma só se liber- de misteriosa do universo e a reali-
ta quando se rompem as correntes dade de seu mundo interior, através
que aprisionam ao corpo - a morte; de simbologias e imagens visuais;
88

• a razão é substituída pela intuição, O egoísmo, o grande rei, cingira-me


ou seja, há uma viagem ao íntimo da [em seus braços;
pessoa com a finalidade de revelar De ninguém tinha dó, de ninguém
as emoções e os sentimentos; [tinha inveja...

• a linguagem toma-se, portanto, hermé- Contemplando de longe a


tica, obscura e vaga, exprimindo o mis- [sórdida peleja,
ticismo, o nacionalismo e o saudosismo. Esta infrene peleja, a que
[chamamos vida,
Seguia, alheio a tudo e de cabeça
Principais [erguida,
Tendo um único irmão: o meu
simbolistas [gelado orgulho.

portugueses Queimara, rudemente, a flor da


[minha crença;
Em meu peito reinava a fria
[indiferença;
Tinha descarrilado o vagão dos
Eugênio de Castro
[meus sonhos;
e Almeida Meus dias eram maus,
(1869-1944) [longuíssimos, tristonhos,
Ensopados de névoa e de
Sua obra é dividida em duas fases; [melancolia...

1 - fase (1890): simbolista. Em Oaris- Mas, ao vê-l'A surgir triunfalmente


tos, expõe o uso de novas rimas, alite- [fria,
rações, vocabulário mais rico, poemas
Grácil como uma flor, triste como
marcados por paixão fatal, pessimismo,
[um gemido,
temas macabros e necrofilia.
Meu peito recobrou o seu vigor
Oarístos [perdido,

(fragmentos) Todo eu era contente, e alegre como


[um rei!
Eu era nesse tempo um grande
E, cheio de surpresa, abismado fiquei
[vagabundo,
A olhar o seu perfil e o garbo
Um precoce infeliz, viúvo de ilusões; [do seu colo,
Um sinistro fragor das mundanas Cheio de admiração, como
[paixões [um homem do pólo
Não chegava de há muito a meus Quando, depois de ter suportado
[ouvidos lassos; [os reveses
— 89 —

Duma noite cruel e fria de


[seis meses,
Antônio Pereira Nobre
Iluminando enfim os tenebrosos (1867-1900)
[trilhos,
No início, suas poesias sofriam influ-
Vê surgir, entre a neve, o sol
ências de Almeida Garret; porém, depois
[com ruivos brilhos! vieram as manifestações simbolistas, ri-
cas em musicalidade. Suas poesias reve-
Um Sonho lam profundo pessimismo de forma subje-
tiva e egocêntrica. A morte e os temas
Na messe, que enlouquece, macabros são constantes em sua obra.
[estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, Soneto
[esmorece...
Na praia lá da Boa Nova, um dia,
E as cantilenas de serenos
[sons amenos Edifiquei (foi esse o grande mal)

Fogem fluidas, fluindo à fina Alto Castelo, o que é a fantasia,


[flor dos fenos... Todo de lápis-lazúli e coral!

As estrelas em seus halos Naquelas redondezas não havia

Brilham com brilhos sinistros... Quem se gabasse dum domínio igual:


Oh Castelo tão alto! Parecia
Cornamusas e crotalos,
O território dum Senhor Feudal!
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos, Um dia (não sei quando,
Sonolentos e suaves, [nem sei donde)

Em suaves, Um vento seco de Deserto e spleen


Deitou por terra, ao pó que
Suaves, lentos lamentos
[tudo esconde,
De acentos
O meu condado, o meu condado, sim!
Graves,
Porque eu já fui um poderoso Conde,
Suaves...
Naquela idade em que se é conde
[assim...
Castro, Eugénio. In Torres, Alexandre Pinheiro. Org.
Antologia da poesia portuguesa - séculos XVII a XX. Lusitânia no Bairro Latino
Porto: Lello & Irmão, 1977. v i l , p. 1351.
Ai do Lusíada, coitado,
a
2 fase (século XX): temas volta- Que vem de tão longe, coberto de
dos à Antiguidade Clássica. [pó.
— 90

Que não ama, nem é amado, (Que era da minha Torre a


Lúgubre Outono, no mês de Abril! [freguesia)

Que triste foi o seu fado! Batiam as Trindades,

Antes fosse pra soldado, Com os seus olhos cristianíssimos


Antes fosse pro Brasil... olhavam-me,
Eu persignava-me, rezava
Menino e moço, tive uma Torre de [«Ave-Maria...»
[leite,
E as doces ovelhinhas imitavam-me.
Torre sem par!
Oliveiras que davam azeite, Menino e moço, tive uma Torre de
[leite,
Searas que davam linho de fiar,
Torre sem par!
Moinhos de velas, como latinas,
Que São Lourenço fazia andar... Oliveiras que davam azeite...

Formosas cabras, ainda Um dia, os castelos caíram do Ar!

[pequeninas,
As oliveiras secaram,
E loiras vacas de maternas ancas
Morreram as vacas, perdi as
Que me davam o leite de manhã, [ovelhas,
Lindo rebanho de ovelhas brancas; Saíram-me os Ladrões, só me
Meus bibes eram da sua lã. [deixaram

António era o pastor desse As velas do moinho... mas rotas e


[rebanho: [velhas!

Com elas ia para os Montes, a


Que triste fado!
[pastar,
Antes fosse aleijadinho,
E tinha pouco mais ou menos seu
[tamanho, Antes doido, antes cego...
E o pasto delas era o meu jantar...
Aí do Lusíada, coitado!
E a serra a toalha, o covilhete e a
[sala. Veio da terra, mailo seu moinho:
Passava a noite, passava o dia Lá, faziam-no andar as águas do
Naquela doce companhia. [Mondego,
Eram minhas Irmãs e todas puras Hoje, fazem-no andar águas do
E só lhes minguava a fala [Sena...
Pra serem perfeitas criaturas... É negra a sua farinha!
E quando na Igreja das Alvas Orai por ele! tende pena!
[Saudades Pobre Moleiro da Saudade...
91

Ó minha Ó minha capa de estudante, às


Terra encantada, cheia de sol, [ventanias!
Cidade triste agasalhada entre
Ó campanário, ó Luas-Cheias,
[choupais!
Lavadeira que lava o lençol,
Ó dobres dos poentes às
Ermidas, sinos das aldeias,
[Ave-Marias\
Ó ceifeira que segas cantando
Ó Cabo do Mundo\ Moreia da Maia\
Ó moleiro das estradas, Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!
Carros de bois, chiando... Casas dos pobres que o luar,
Flores dos campos, beiços de [à noite, caia...

[fadas, Fortalezas de Lipp! Ó fosso do


[Castelo,
Poentes de Julho, poentes minerais,
Amortalhado em perrexil e
Ó choupos, ó luar, ó regas de
[trepadeiras,
[Verão!
Onde se enroscam como esposos
Que é feito de vocês? Onde estais, [e lagartas!
[onde estais?
Sr. Governador a podar as
[roseiras!
Ó padeirinhas a amassar o pão,
Ó bruxa do Padre, que botas as
Velhinhas na roca de fiar,
[cartas!
Cabelo todo em caracóis!
Joaquim da Teresa! Francisco da
Pescadores a pescar [Hora!
Com a linha cheia de anzóis! Que é feito de vós?
Zumbidos das vespas, ferrões das Faláveis aos barcos que nadavam,
[abelhas, [lá fora,
Ó bandeiras! Ó sol! foguetes! Pelo porta-voz...
[Ó toirada! Arrabalde] marítimo da França,
Ó boi negro entre as capas Conta-me a história da Fermosa
[vermelhas! [Magalona,
Ó pregões de água fresca e E do Senhor de Calais,
[limonada! Mais o naufrágio do vapor
Ó romaria do Senhor do Viandante] [Perseverança,
Procissões com música e anjinhos! Cujos cadáveres ainda vejo à
[tona...
Srs. Abades de Amarante,
Ó farolim da Barra, lindo, de
Com três ninhadas de sobrinhos!
[bandeiras,
Onde estais? onde estais? Para os vapores a fazer sinais,
- 92 •

Verdes, vermelhas, azuis, brancas, Quem quebrou (que furor cruel e


[estrangeiras, [simiesco!)
Dicionário magnífico de Cores! A mesa de eu cear, - tábua tosca
[de pinho?
Alvas espumas, espumando a
E me espalhou a lenha? E me
[frágua,
[entornou o vinho?
Ou rebentando à noite, como - Da minha vinha o vinho
[flores! [acidulado e fresco...
Ondas do mar! Serras da Estrela
Ó minha pobre mãe!... Não te ergas
[de água,
[mais da cova.
Cheias de brigues como pinhais...
Olha a noite, olha o vento.
Morenos mareantes, trigueiros [Em ruína a casa nova...
[pastores! Dos meus ossos o lume
[a extingulr-se breve.
Onde estais? onde estais? Não venhas mais ao lar.
Nobre, Antônio. Irr. Torres, Alexandre Pinheiro. Org. [Não vagabundes mais,
Antologia da poesia portuguesa - séculos XVII a XX.
Porto, LelloS Irmão, 1977. v.ll, p. 1331.
Alma da minha mãe...
[Não andes mais à neve,
De noite a mendigar às portas
Camilo de Almeida [dos casais.

Pessanha ( 1 8 6 7 - 1 9 2 6 ) (2)
Passou o Outono já, já
Considerado o melhor poeta sim-
[torna o frio...
bolista português. Sua poesia apresen-
- Outono de seu riso magoado.
ta imagens fugidias e noção de transito-
riedade da vida. Escreveu Clepsidra, Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado...
pura abstração onde, acredita o poeta, - O sol, e as águas límpidas do rio.
'ludo é passageiro".
Águas claras do rio! Águas do rio,
Clepsidra Fugindo sob o meu olhar cansado,
(fragmentos) Para onde me levais meu vão
[cuidado?
(1) Aonde vais, meu coração vazio?
Quem poluiu, quem rasgou os
Ficai, cabelos dela, flutuando,
[meus lençóis de linho,
E, debaixo das águas fugidias,
Onde esperei morrer, - meus tão
Os seus olhos abertos e cismando...
[castos lençóis?
Do meu jardim exíguo os Onde ides a correr, melancolias?
[altos girassóis - e, retratadas, longamente
Quem foi que os arrancou e [ondeando,
[lançou no caminho? as suas mãos translúcidas e frias...
— 93 —

(3) Quando iremos, tristes e sérios,


chorai, arcadas Nas prolixas e vãs contendas.
do violoncelo! Soltando juras, impropérios,
Convulcionadas,
Pelas divisas e legendas?
Pontes aladas
(...)
De pesadelo...
E voltaremos, os antigos
De que esvoaçam, E puríssimos lidadores,
Brancos, os arcos...
(Quantos trabalhos e perigos!)
Por baixo passam,
Quase mortos e vencedores?
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
E quando, ó Doce Infanta Real,
Fundas, soluçam Nos sorrirás do belveder?
Caudais de choro... - Magra figura de vitral,
Que ruínas, (ouçam)! Por quem nós fomos combater...
Se se debruçam,
Que sorvedouro!... O meu coração desce,
Um balão apagado...
Trêmulos, astros...
Solidões lacustres... - Melhor fora que ardesse,
- Lemes e mastros... Nas trevas, incendiado.
E os alabastros
Na bruma fastidienta,
Dos balaústres!
Como um caixão à cova...
Umas quebradas!
- Porque antes não rebenta
Blocos de gelo...
De dor violenta e nova?!
- Chorai, arcadas,
Despedaçadas, Que apego ainda o sustém?
Do violoncelo.
Átomo miserando...
Castelo de Óbitos - Se o esmagasse o trem
Quando se erguerão as seteiras, Dum comboio arquejando!...
Outra vez, do castelo em ruína,
E haverá gritos e bandeiras O inane, vil despojo
Na fria aragem matutina? Da alma egoísta e fraca!
Trouxesse-o o mar de rojo,
Se ouvirá tocar a rebate
Sobre a planície abandonada? Levasse-o na ressaca.
Pessanha, Camilo. Clepsidra. In: Torres, Alexandre
E sairemos ao combate Pinheiro. Org. Antologia da poesia portuguesa-séculos
De cota e elmo e a longa espada? XVIIa XX. Porto: Lello & Irmão. 1977. v.lt, p. 1331.
— 94 —

Resumo do Simbolismo

Momento sócio-cultural • Busca a essência dos seres e coi-


sas, negando os aspectos exteriores.
• Episódio do Ultimato (1890) - ruptura
do pacto entre liberais e conserva- Autores e obras
dores do período da Regeneração.
Setores da burguesia aderem ao Par- • Eugênio de Castro: considerado
tido Republicano, opondo-se a alta o introdutor do Simbolismo em Portu-
burguesia financista e monárquica. gal, foi um autor criativo e rebelde.
Revoltas no Porto. Assassinato do Escreveu Oaristos (1890), Horas
rei Dom Carlos e do príncipe herdeiro. (1891), Constança (1900), O Filho
• Portugal tenta se consolidar e expan- Pródigo (1910).
dir-se na África, mas suas pretensões • Antônio Nobre: deixou uma obra
são interceptadas pela Inglaterra. em que expressa sofrimento e dor.
Escreveu Só (1892), Despedidas
Características literárias (1902), Primeiros Versos (1921).

• Subjetivismo, negação da objetivida- • Camilo Pessanha: considerado o


de científica do Realismo; o Simbo- maior nome do Simbolismo português
lismo quer fixar o inexpremível. e um dos maiores poetas da língua.
Deixou apenas Clepsidra (1920).
• Linguagem repleta de símbolos; uso
rebuscado das figuras de linguagem • Raul Brandão: principal nome da
(sinestesias, aliterações). prosa simbolista. Escreveu extensa
obra, onde se destacam A Ceia dos
• Valoriza a musicalidade das palavras, Cardeais (1902), A Farsa (1903), 05
a imaginação e a fantasia do autor. pobres (1906), Húmus (1917).
— 95 —

Modernismo
"Os primeiros anos do século XX, • Cubismo - surgiu em 1907 na pin-
em Portugal, são marcados pelo entrecho- tura, com Pablo Picasso e George
que de correntes literarias que vinham Braque e valorizava as formas geo-
agitando os espíritos desde algum tempo: métricas (cubos, cones e cilindros).
Decadentismo, Simbolismo, Impressionis-
mo etc., eram denominações da mesma • Futurismo - movimento cujo obje-
tendência geral que impunha o domínio da tivo principal era o de abolir o pas-
Metafísica e do Mistério no terreno em que sado, adotando novos temas e téc-
as ciências se julgavam exclusivas e to- nicas da arte. O principal represen-
do-poderosas. tante foi Filippo Tommaso Marinetti.

O ideal republicano, engrossado por


sucessivas manifestações de instabilida- • Dadaísmo - movimento que enfa-
de, vai-se concretizar em 1910, com a tiza a destruição e a anarquia de
proclamação da República, depois dos valores e formas. Seu principal re-
sangrentos acontecimentos de 1908, presentante foi Tristan Tzara. Esta
quando o rei D. Carlos perde a vida nas arte pretendia provocar escândalo e
mãos de um homem do povo, alucinada- surpresa, destruir o bom senso, além
mente antimonárquico. de romper qualquer tipo de equilíbrio.

(...) E é nessa atmosfera de emara- • Surrealismo - movimento artístico


nhadas forças estéticas, que se sobre- que não aceitavam a destruição dos
põe à inquietação trazida pela Primeira dadaístas, pois valorizavam a imagi-
Grande Guerra, que um grupo de rapa- nação, o maravilhoso e o sobrena-
zes, em 1915, funda a revista Orpheu. tural.
São eles: Mario de Sá-Cameiro, Fernando
Pessoa, Luís de Montalvor, Santa Rita Pin-
• Expressionismo - movimento que
tor, Ronald de Carvalho, Raul Leal".
surgiu na Alemanha e caracteriza-
SARAIVA, José Antônio. História da Literatura Portuguesa. va a arte criada sob o impacto do
São Paulo: Europa-América, 1965. Coleção Saber.
sofrimento humano.
Movimento literário que se inicia nos
primeiros anos do século XX (1915), com Essas vanguardas manifestaram-
a manifestação da angústia diante das se principalmente nas artes plásticas,
transformações socioculturais. É a rup- na música e na literatura, com caráter
tura com a estética tradicional, da qual sur- agressivo, experimental e inovador.
giram várias correntes estéticas, conhe- Opõem-se ao racionalismo e objetivismo
cidas por vanguarda. As principais foram: e valorizam o Simbolismo.
— 96 —

Principais características
Fernando Antônio
• atitude irreverente aos padrões esta-
belecidos;
Nogueira Pessoa
(1888-1935)
• reação ao passado clássico e estático;

• temática particular e individual; Nasceu em Lisboa em 1888, porém,


• preferência pelo dinamismo; passou parte de sua infância e de sua
mocidade na África do Sul, em Durban.
• busca do imprevisível; Retornou a Portugal e iniciou o curso
superior de Letras, em Lisboa, mas aban-
• desaparece o sentimentalismo;
donou a Universidade. Ao morrer, em
• comunicação direta das idéias: lingua- 1935, com apenas 47 anos de idade, o
gem cotidiana; poeta ainda era desconhecido na soci-
edade portuguesa, porém, pouco antes
• originalidade e autenticidade; de sua morte, chegou a receber um prê-
mio do Secretariado de Propaganda Na-
• interesse pela vida interior (estado de
cional, pela publicação de sua obra Men-
espírito, psíquico e subconsciente);
sagem.
• expressão indireta e sugestiva;
Pessoa foi o introdutor das vanguar-
• valorização do bom humor; das modernistas em Portugal. Em 1915,
com Almada Negreiros e Mário de Sá Car-
• liberdade nos versos e ritmos. neiro, funda a revista Orpheu - marco
inicial do Modernismo em Portugal. Aos
Em Portugal, o Modernismo se divi-
seis anos de idade, criou o seu primeiro
de em três gerações:
heterônimo: Chevalier de Pás. Posterior-
mente, vieram Alexander Search, Álvaro
de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caei-
1 - geração ro. A invenção dos heterônimos foi a res-
posta encontrada por Pessoa a uma rea-
( 1 9 1 5 - 1927) lidade que se mostrava múltipla, oscilan-
te e dinâmica, para nela poder sobrevi-
ver. Aos seus heterônimos, deu uma bio-
Orfismo - artistas que participaram grafia, característica física, personalida-
da revista Orpheu, viravam valores sim- de, formação cultural, profissão e ideo-
bolistas e os reformulavam. Destacam- logia.
se: Fernando Pessoa, com o seu des-
dobramento em várias personalidades A complexidade e o mistério dos
poéticas e sua indignação sobre a exis- heterônimos podem encontrar citadas
tência; Almada Negreiros, Florbela Es- numa carta do próprio Fernando Pes-
panca e Mário de Sá Carneiro. soa a Adolfo Casais Monteiro:
— 97 —

"Eu vejo diante de mim, no espaço É um latinista por educação alheia, e um


incolor mas real do sonho, as caras, os semi-helenista por educação própria.
gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro Álvaro de campos teve uma educação
de Campos. Construí-lhes as idades e vulgar de liceu; depois foi mandado para
as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 a Escócia estudar engenharia, primeiro
(não me lembro do dia e mês, mas te- mecânica e depois naval. Numas férias
nho-os algures), no Porto, é médico e fez a viagem ao Oriente, de onde resul-
está presentemente no Brasil. Alberto tou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio
Caeiro nasceu em 1889 e morreu em beirão que era padre. Como escrevo em
1915; nasceu em Lisboa, mas viveu qua- nome desses três?... Caeiro por pura e
se toda a vida no campo. Não teve pro- inesperada inspiração, sem saber ou
fissão nem educação quase alguma. sequer calcular que iria escrever.
Álvaro de campos nasceu em Tavira, no Ricardo Reis, depois de uma delibera-
dia 15 de Outubro de 1890 (às 1:30 da ção abstrata, que subitamente se con-
tarde, diz-me Ferreira Gomes; e é ver- cretiza numa ode. Campos, quando sin-
dade, pois feito horóscopo para esta to um súbito impulso para escrever e
hora, está certo). Este, como sabe, é não sei o quê."
engenheiro naval (por Glasgow), mas
agora está aqui em Lisboa em inativida-
de. Caeiro era de estatura média e, em- Os heterônimos de
bora realmente frágil (morreu tuber-
culoso), não parecia tão frágil como era. Fernando Pessoa
Ricardo Reis é um pouco, mas muito
pouco, mais baixo, mais forte, mais seco.
Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altu-
ra, mais 2 cm do que eu), magro e um
Alberto Caeiro da Silva
pouco tendente a curvar-se. Cara rapa- (1889-1915)
da todos - o Caeiro louro sem cor, olhos
azuis; Reis de um vago moreno mate; Poeta bucólico, vive em contato
Campos entre branco e moreno, tipo com a natureza e é considerado o mes-
vagamente de judeu português, cabelo tre dentre todos os heterônimos. Filóso-
porém liso e normalmente apartado ao
fo, acredita que o homem complicou as
lado, monóculo. Caeiro, como disse, não
coisas com a metafísica e religiões. De-
teve mais educação que quase nenhu-
fende, portanto, a simplicidade da vida e
ma - só instrução primária; morreram-
a sensação (pensamentos do poeta).
lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar
em casa, vivendo de uns pequenos ren-
O Guardador de Rebanhos
dimentos. Vivia com uma velha tia, tia-
avó. Ricardo Reis, educado num colégio Num meio-dia de fim de primavera
de jesuítas ó, como disse, médico; vive Tive um sonho como uma
no Brasil desde 1919, pois se expatriou [fotografia.
espontaneamente por ser monárquico.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
— 98 —

Veio pela encosta de um monte Não era mulher: era uma mala
Tornado outra vez menino, Em que ele tinha vindo do céu.
A correr e a rolar-se pela erva E queriam que ele, que só nascera
E a arrancar flores para as deitar [da mãe,
[fora E nunca tivera pai para amar com
E a rir de modo a ouvir-se de longe. [respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Tinha fugido do céu. Um dia que Deus estava a dormir
Era nosso demais para fingir E o Espírito santo andava a voar,
Da segunda pessoa da Trindade. Ele foi à caixa dos milagres e
No céu era tudo falso, tudo em [roubou três,

[desacordo Com o primeiro fez que ninguém


[soubesse que ele tinha fugido.
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério Com o segundo criou-se
[eternamente humano e menino.
E de vez em quando de se tornar
outra vez homem Com o terceiro criou um Cristo
E subir para a cruz, e estar sempre [eternamente na sua cruz
[a morrer E deixou-o pregado na cruz que há
Com uma coroa toda à roda de [no céu
[espinhos E serve de modelo às outras.
E os pés espetados por prego com Depois fugiu para o sol
[cabeça,
E desceu pelo primeiro raio que
E até com um trapo à roda da cintura [apanhou.
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixaram ter pai e Hoje vive na minha aldeia comigo.

[mãe É uma criança bonita de riso e


Como as outras crianças. [natural.
O seu pai era duas pessoas - Limpa o nariz ao braço direito,
Um velho chamado José, que era Chapinha nas poças de água,
[carpinteiro,
Colhe as flores e gosta delas e
E que não era pai dele; [esquece-as.
E o outro pai era do mundo nem era
Atira pedras aos burros,
[pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes Rouba a fruta dos pomares
[de o ter. E foge a chorar e a fritar dos cães.
— 99 —

E, porque sabe que elas não gostam Podemos observar nestes trechos
E que toda a gente acha graça, de O guardador de rebanhos a lingua-
gem coloquial de Alberto Caeiro, muitas
Corre atrás das raparigas
vezes próxima da prosa, algumas ve-
Que vão em ranchos pelas estradas zes muito rítmica. Observamos, também,
Com as bilhas às cabeças que o poeta faz diversas negações das
metafísicas, das transcendencias, op-
E levanta-lhes as saias.
tando pela natureza, ou seja, pelo que é
A mim ensinou-me tudo. natural. No primeiro texto, a criança é
divina porque é humana e natural e, as-
Ensinou-me o olhar para as cousas,
sim, é muito mais verdadeira. No segun-
Aponta-me todas as cousas que do texto, observamos a identificação do
[há nas flores. ato de pensar com as sensações físi-
Mostra-me como as pedras são cas, com relação corpo-a-corpo com o
mundo.
[engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas. Ricardo Reis
(1887-?)
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos. Representa o mundo clássico. Mo-
E os meus pensamentos são todos narquista, educado em colégio de jesuí-
[sensações. tas, valoriza a vida campestre e a simplici-
dade das coisas. Deixa de lado a emoção,
Penso com os olhos e com os ouvidos
por desconfiar da felicidade extrema.
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca. Obra Poética

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Só o ter flores pela vista fora

E comer um fruto é saber-lhe Nas áleas largas dos jardins exatos


[o sentido. Basta para podermos
Achar a vida leve.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
De todo o esforço seguremos
E me deito ao comprido na erva, [quedas
E fecho os olhos quentes,
As mãos, brincando, pra que

Sinto todo o meu corpo deitado [nos não tome


[na realidade, Do pulso, e nos arraste.
Sei a verdade e sou feliz. E vivamos assim,
— 100 —

Buscando o mínimo de dor ou gozo, Morre! Tudo é tão pouco!


Bebendo a goles os instantes Nada se sabe, tudo se imagina.
[frescos,
Circunda-te de rosas, ama, bebe
Translúcidos como água
E cala. O mais é nada.
Em taças detalhadas,

(...) Já sobre a fronte não se acinzenta

Pouco tão pouco pesará nos braços O cabelo do jovem que perdi.

Com que, exilados das supernas Meus olhos brilham menos.


[luzes,
Já não tem jus a beijos minha boca.
Escolhermos do que fomos
Se me ainda amas, por amor não
O melhor pra lembrar
[ames:

Quando, acabados pelas Parcas, Traíras-me comigo.


[formos,
Vultos solenes de repente antigos, Quando, Lídia, vier o nosso outono

E cada vez mais sombras, Com o inverno que há nele,


Ao encontro fatal [reservemos

Do barco escuro no soturno rio, Um pensamento, não para o futuro

E os nove abraços do horror estígio, Primavera, que é de outrem,

E o regaço insaciável Nem para o estilo, de quem somos


[mortos,
Da pátria de Plutão.
Senão para o que fica do que
[passa -

"Para ser grande, sê inteiro: nada O amarelo atual que as folhas


Teu exagera, ou exclui, [vivem

Sê todo em cada coisa. Põe quanto E as torna diferentes".

[és
Podemos observar o vocabulário
No mínimo que fazes.
erudito, a essência clássica e a refe-
Assim em cada lago a lua toda rência aos deuses e ao destino. Cabe
Brilha, porque alta vive. ressaltar, também, que podemos ob-
servar o tema da passagem do tem-
Tão cedo passa tudo quanto passa! po, da transitoriedade da vida, da ne-
Morre tão jovem ante os deuses cessidade de se viver o momento real,
[quanto sem ilusões.
101 -

Para a beleza disto totalmente


Álvaro de Campos [desconhecida dos antigos.
(1890-?) Ó rodas, é engrenagens, r-r-r-r-r-r
[eterno!
Voltado para o futurismo, procura Forte espasmo retido dos
expressar o mundo moderno. É consi-
[maquinismos em fúria!
derado o poeta do "não".
Em fúria fora e dentro de mim,
Eia comboios, eia pontes, eia Por todos os meus nervos
[hotéis à hora do jantar [dissecados fora,
Eia aparelhos de todas as espécies, Por todas as papilas fora de tudo
[férreos, brutos, mínimos, [com que eu sinto!
Instrumentos de precisão, Tenho os lábios secos, ó grandes
[aparelhos de triturar, de cavar, [ruídos modernos,
Engenhos, brocas, máquinas De vos ouvir demasiadamente de
[rotativas! [perto,
Eia! Eia! Eia! E arde-me a cabeça de vos querer
Eia eletricidade, nervos doentes de [cantar com um excesso
[Matéria! De expressão de todas as minhas
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia [sensações,
[metálica do Inconsciente! Com um excesso contemporâneo
Eia túneis, eia canais, Panamá, [de vós, ó máquinas!"
[Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do Podemos observar o fluxo das idéi-
[presente! as, o vigor do verso livre (sem rima e
sem métrica regular), além da expres-
Eia todo o futuro já dentro de nós!
sividade da linguagem coloquial. O poe-
Eia!
ta retrata a civilização industrial (lâmpa-
Eia! Eia! Eia! das, rodas, engrenagens).

Poema em linha reta


Ode triunfal
(fragmento) Nunca conheci quem tivesse
[levado porrada.
"À dolorosa luz das grandes lâm-
Todos os meus conhecidos tem sido
padas elétricas da fábrica
[campeões em tudo.
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera E eu, tantas vezes reles, tantas
[para a beleza disto, [vezes porco, tantas vezes vil,
— 102 —

Eu tantas vezes irrespondivelmente Quem me dera ouvir de alguém a


[parasita, [voz humana

Indesculpavelmente sujo, Que confessasse não um pecado,


[mas uma infâmia;
Eu, que tantas vezes não tenho tido
[paciência para tomar banho, Que contasse, não uma violência,
[mas uma cobardia!
Eu, que tantas vezes tenho
[ridículo, absurdo, Não, são todos o ideal, se os ouço
[e me falam.
Que tenho enrolado os pés
[publicamente nos tapetes das Quem há neste largo mundo que me
[etiquetas, [confesse que uma vez foi vil?

Que tenho sofrido enxovalhos e


[calado, Arre, estou farto de semideus!

Que quando não tenho calado, Onde é que há gente no mundo?


[tenho sido mais ridículo ainda;
Então sou só eu que é vil e errôneo
Eu, que tenho sido cômico às
[nesta terra?
[criadas de hotel,
Poderão as mulheres não os terem
Eu, que tenho sentido o piscar de [amado,
[olhos dos moços de fretes,
Podem ter sido traídos - mas
Eu, que tenho feito vergonhas [ridículos nunca!
[financeiras, pedido emprestado
[sem pagar, E eu, que tenho sido ridículo sem
[ter sido traído,
Eu, que, quando a hora do soco
[surgiu, me tenho agachado Como eu posso falar com os meus
[superiores sem titubear?
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sido vil, literalmente
Eu, que tenho sofrido a angústia [vil,
[das pequenas coisas ridículas, eu
[verifico que não tenho por nisto Vil no sentido mesquinho e infame
[tudo neste mundo. [da vileza.

Toda a gente que eu conheço e que Podemos observar neste poema o


[fala comigo uso de verso livre, repleto de linguagem
coloquial e de estrofação irregular. Além
Nunca teve um ato ridículo, nunca
destas observações, podemos salien-
[sofreu enxovalho,
tar a enumeração de elementos, a lis-
Nunca foi senão príncipe - todos tagem livre e descontínua de idéias, típi-
[eles príncipes - na vida... cos da poesia moderna.
— 103

fomentador da expansão ultramarina


Fernando Pessoa portuguesa, e Afonso de Albuquerque,
ele-mesmo dominador português do Oriente; até o
mito de Ulisses, que teria fundado a ci-
dade de Ulissepona, depois Lisboa, é
Mensagem
apresentado:
A obra Mensagem mostra poemas
"O mito é o nada que é tudo.
organizados de forma a compor uma
O mesmo sol que abre os céus
epopéia fragmentária, pois o conjunto
dos textos líricos acaba formando um É um mito brilhante e mudo."
elogio de teor épico a Portugal. Traçan-
A segunda parte, "Mar português",
do a história do seu país, Pessoa enve-
apresenta as principais etapas da ex-
reda por um nacionalismo místico de
pansão ultramarina que levaram Portu-
caráter sebastianista.
gal a ocupar um lugar de destaque no
O livro está dividido em três partes: mundo durante os séculos XV e XVI:
"Brasão", "Mar português" e "O Enco-
"E ao imenso e possível oceano
berto". Na primeira, conta-se a história
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
das glórias portuguesas; na segunda,
são apresentadas as conquistas maríti- Que o mar com fim será grego ou
mas de Portugal; por último, é apresen- [romano:
tado o mito sebastianista, um retorno de O mar sem fim é português."
Portugal às épocas de glória. A primeira
Já a última parte, "O Encoberto",
parte de Mensagem, "Brasão", se es-
apresenta o misticismo em torno da fi-
trutura como o brasão português, que é
gura de Dom Sebastião, rei de Portugal,
formado por dois campos: um apresen-
cuja frota foi dizimada em ataque aos
ta sete castelos, o outro, cinco quinas.
mouros em 1578. Muitas previsões,
No topo do brasão estão a coroa e o
como a do sapateiro Bandarra e a do
timbre, que apresenta o grifo, animal mi-
padre Antônio Vieira, prevêem o retor-
tológico que tem cabeça de leão e asas
no de Dom Sebastião para resgatar o
de águia. Assim dividem-se os poemas
poderio de Portugal, criando o Quinto
desta parte, remetendo-nos ao brasão
Império e marcando a supremacia de
de Portugal. Versam sobre as grandes
Portugal sobre o mundo:
figuras da história de Portugal, desde
Dom Henrique, fundador do Condado
"Grécia, Roma, Cristandade,
Portucalenses, passando por sua es-
Europa, os quatro se vão
posa, Dona Tareja, e seu filho, primeiro
rei de Portugal, Dom Afonso Henriques Para onde vai toda idade.
vão ainda até o infante Dom Henrique, Quem vem viver a verdade
fundador da Escola de Sagres e grande Que morreu dom Sebastião?"
104

O Quinto Império Quantos filhos em vão rezaram!

Triste de quem vive em casa, Quantas noivas ficaram por casar

Contente com seu lar, Para que fosses nosso, ó mar!

Sem que um sonho, no erguer de asa, Valeu a pena? Tudo vale a pena
Faça até mais rubra a brasa Se a alma não é pequena.
Da lareira a abandonar! Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Triste de quem é feliz!
Deus ao mar o perigo e o abismo
Vive porque a vida dura.
[deu.
Nada na alma lhe diz Mas nele é que espelhou o céu".
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura. D. Sebastião, Rei de Portugal

Eras sobre eras se somem "Louco, sim, louco, porque quis


No tempo em que as eras vêm. [grandeza

Que as forças cegas se dormem qual a Sorte a não dá.

Pela visão que a alma tem! Não coube em mim minha certeza;

E assim, passados os quatro Por isso coube o areal está


Ficou meu ser que houve, não o
Tempos do ser que sonhou,
[que há.
A terra será teatro
Minha loucura, outros que me a
Do dia claro, que no atro
[tomem
Da erma noite começou.
Com o que nela ia.
Grécia, Roma, Cristandade, Sem a loucura que é o homem
Europa - os quatro se vão Mais que a besta sadia,
Para onde vai toda a idade.
Cadáver adiado que procria?
Quem vem viver a verdade
Podemos reparar na obra de Fer-
Que morreu D. Sebastião?
nando Pessoa - Mensagem- temas his-
tóricos portugueses: as conquistas ma-
O Mar Portuguez rítimas e D. Sebastião. Os dois poemas
apresentam um tom filosófico, épico,
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
heróico. A aventura portuguesa é apre-
São lágrimas de Portugal! sentada de modo transfigurado. As ri-
Por te cruzarmos, quantas mães mas apresentam-se regulares e há a
[choraram, presença de rimas.
— 105 —

Amar! Amar! E não amar ninguém!


Florbela de Alma da
Conceição Espanca Recordar? Esquecer? Indiferente!...

(1894-1930) Prender ou desprender? É mal?


[É bem?

Nasceu em Vila Viçosa e realizou Quem disser que se pode amar


seus estudos secundários em Évora, [alguém
onde começou a escrever seus poe- Durante a vida inteira é porque mente!
mas. Seu temperamento forte mistura-
se com sua sensibilidade poética, a qual Há uma primavera em cada vida:
é demonstrada de forma firme, senti-
É preciso cantá-la assim florida,
mental, transparente e vigorosa, dian-
te dos acontecimentos de sua vida. Pois se Deus nos deu voz, foi pra
Muito infeliz nos seus casamentos, de- [cantar!
primida diante da reação da critica,
Florbela demonstrou claramente as fa- E se um dia hei de ser pó, cinza e
ses dos problemas existenciais que [nada
sentia: angústias, decepções, desva-
Que seja a minha noite uma
lorização, tristezas, mágoas, numa
[alvorada,
época repressora, machista e severa
com o sexo feminino. Em 1919 estudou Que me saiba perder...pra me
na Faculdade de Direito, em Lisboa, pu- [encontrar...
blicando seu primeiro livro -Mágoas. Em
profundo estado de depressão, total- Expressa a vontade, o desejo e o
mente abatida e doente, afastou-se de anseio de ter alguém que a fizesse feliz.
uma v e z do convívio social com o con-
solo e a amizade de alguns poucos Eu
amigos. Em 1939, faleceu enquanto
Eu sou a que no mundo anda
dormia pelo excesso de barbitúricos.
[perdida
Suas principais obras foram; Mágoas,
Sóror saudades, Reliquial, Charveca Eu sou a que na vida não tem norte,
em Flor, Máscaras do Destino e Do-
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
mínio Negro.
Sou a crucificada... a dolorida...
Amar!
Sombra de névoa tênue e
Eu quero amar, amar perdidamente! [esvaecida,
Amar só por amar: Aqui...além... E que o destino amargo, triste e
[forte,
Mais Este e Aquele, o Outro e toda
[a gente... Impele brutalmente para a morte!
— 106 —

Alma de luto sempre Fumo beijando o côlmo dos casais...


[incompreendida!...
Serenidade idílica de fontes,

Sou aquela que passa e ninguém E a voz dos rouxinóis nos


[vê... [salgueirais...

Sou a que chamam triste sem


[o ser... Tranqüilidade... calma... anoitecer...

Sou a que chora sem saber Num êxtase, eu escuto pelos


[por quê... [montes

O coração das pedras a bater...


Sou talvez a visão que Alguém
[sonhou,
Expressa sua solidão e o vazio cons-
Alguém que veio ao mundo pra tante em sua vida.
[me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Espanca, Florbela. In. Antologia da poesia portuguesa. Mário de Sá-Carneiro
Porto: Lello & Irmão, 1977. v.2.
(1890-1916)
Expressa seus anseios e angústi-
as diante de si mesma.
Sá-Carneiro nasceu em Lisboa, em
Noitinha 1890. Ficou órfão de mãe aos dois anos
de idade. Em 1912 seguiu para Paris,
A noite sobre nós se debruçou...
intentando cursar Direito. Nesse mesmo
Minha alma ajoelha, Põe as mãos e ano publicou Princípios e iniciou sua
[ora! produção poética. Retornou a Lisboa,
O luar, pelas colinas, nesta hora, em férias, e juntou-se ao grupo que lan-
É a água dum gomil que se çou Orpheu, em 1915. Nesse mesmo
[entornou... ano publica Dispersão e A Confissão
de Lúcio. Retornou a Paris, onde sérios
problemas financeiros o levaram à de-
Não sei quem tanta pérola
pressão e finalmente ao suicídio, em
[espalhou!
abril de 1916.
Murmura alguém pelas quebradas
[fora... Dedicou-se à prosa, à poesia e ao
teatro. Os seus personagens são ge-
Flores do campo, humildes, mesmo
ralmente voltados para si mesmos, com
[agora,
a personalidade em desagregação, bus-
A noite, os olhos brandos, lhes cando um outro no seu próprio interior
[fechou... que viesse a completá-los.
107

Dispersão Como se chora um amante,

Perdi-me dentro de mim Assim me choro a mim mesmo:


Porque eu era labirinto, Eu fui amante inconstante
E hoje, quando me sinto, Que se traiu a si mesmo.
É com saudades de mim.
Não sinto o espaço que encerro
Passei pela minha vida
Nem as linhas que projeto:
Um astro doido a sonhar.
Se me olho a um espelho, erro -
Na ânsia de ultrapassar,
Não me acho no que projeto.
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem, Regresso dentro de mim

Não tenho amanhã nem hoje: Mas nada me fala, nada!

O tempo que aos outros foge Tenho a alma amortalhada.

Cai sobre mim feito ontem. Sequinha, dentro de mim.

(o Domingo de Paris Não perdi a minha alma,


Lembra-se o desaparecido
Fiquei com ela, perdida.
Que sentia comovido
Assim eu choro, da vida,
Os Domingos de Paris:
A morte da minha alma.
Porque um domingo é família, (...)
É bem-estar, é singeleza,
Estátua Falsa
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família). Só de ouro falso os meus olhos se
[douram;
O pobre moço das ânsias... Sou esfinge sem mistério no
[poente.
Tu, sim, tu eras alguém!
A tristeza das coisas que não
E foi por isso também
[foram
Que te abismaste nas ânsias.
Na minh'alma desceu veladamente.

A grande ave doirada Na minha dor quebram-se espadas


Bateu asas para os céus, [de ânsia,
Mas fechou-as saciada Gomos de luz em treva se
Ao ver que ganhava os céus. [misturam.
— 108 —

As sombras que eu dimano não E fugiste... Que importa ? Se


[perduram, [deixaste
Como Ontem, para mim, Hoje é A lembrança violeta que animaste
[distância. Onde a minha saudade a Cor se
[trava?...
Já não estremeço em face do
Obras completas de Mário de Sá Carneiro ~ Poesias.
[segredo;
Lisboa: Ática, s.d. v.2, p.61-5
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra, A Confissão de Lúcio
E nem sequer um arrepio de medo! (resumo)

Sou estrela ébria que perdeu os Lúcio vai estudar em Paris, acaba
[céus, conhecendo o poeta Ricardo, que se
Sereia louca que deixou o mar; torna seu grande amigo. Após dez me-
ses de confidências, Ricardo, de for-
Sou templo prestes a ruir sem deus,
ma inexplicável, volta a Portugal e eles
Estátua falsa ainda erguida ao ar... passam a se corresponder através de
cartas. Lúcio também volta a Portugal
Último Soneto e descobre que seu amigo havia se
Que rosas fugitivas foste ali: casado com Marta. Passa, então, a fre-
qüentar a casa deles e descobre que
Requeriam-te os tapetes - e
Marta tem um amante. Lúcio sente ciú-
[vieste...
mes e começa a investigar a vida par-
- Se me dói hoje o bem que me ticular dela, mas torturado pelas emo-
[fizeste, ções conflituosas, deixa Portugal e vol-
É justo, porque muito te devi. ta para Paris. Porém, logo tem que vol-
tar para entregar a sua peça de teatro
Em que seda de afagos me envolvi ao empresário. Reencontra o amigo,
que lhe confessa saber de toda a ver-
Quando entraste, nas tardes
dade a respeito de sua esposa, pois
[que apareceste -
ele mesmo a enviava aos seus amigos
Como fui de percal quando me para se relacionar. Se arrepende de
[deste ter feito tal coisa, pois queria que Mar-
Tua boca a beijar, que remordi... ta amasse apenas Lúcio e não os de-
Pensei que fosse o meu o teu mais. Então, Ricardo leva o amigo até o
[cansaço - encontro de Marta e dá um tiro nela. O
Que seria entre nós um longo fantástico da narrativa acontece no
[abraço momento em que o corpo cai no chão,
pois já não é Marta (que desaparece
O tédio que, tão esbelta, te
aos olhos de Lúcio) e sim, o próprio
[curvava...
— 109 —

Ricardo atingido pelo tiro que deu. Lú- através de flash-back, daí para frente
cio é acusado pelo crime e vai preso. seguindo linearmente. O personagem
Após cumprir a pena, retira-se para o Ricardo de Loureiro é um desdobramen-
interior e escreve a sua confissão, a to do personagem Lúcio, que, por sua
sua narrativa. vez, é desdobramento do autor. Nesta
obra, a trama consiste na integração das
Em A Confissão de Lúcio, encon-
duas personagens masculinas através
tramos uma linguagem metafórica. Para
da figura feminina - Marta.
o próprio autor, esta obra pode ser vista
como um registro de sua vida pessoal.
Aparece diversas vezes a problemática
do corpo e da beleza física, com Ricardo 2ª geração
desejando até ser mulher para ser belo.
Em vida, um dos problemas do autor era
o seu corpo obeso, que o fazia sentir-se
(1927-1940)
ridículo e desprezível às mulheres. Dota-
do de uma sensibilidade aguçada, que é Presencismo - artistas que partici-
levada ao delírio, capta as sensações param da revista Presença. No Presen-
inusitadas e as coloca em um estilo bri- cismo, a literatura é viva, ou seja, há
lhante e luminoso, sugestivo e rico de sinceridade. Há a desmistificação do real
ambigüidade. Abusa de reticências para e da realidade aparente das coisas, eli-
criar sensação de insegurança, indeci- minação da objetividade da ação, pois
são e impressão. A obra pode ser en- se mistura com o lado psicológico. Des-
quadrada no gênero fantástico, pois os tacam-se José Régio e Branquinho da
acontecimentos narrados pelo persona- Fonseca.
gem principal Lúcio não podem ser expli-
cados pelas leis naturais. Às vezes su-
gere que tudo é uma loucura, outras, afir- José Régio
ma que está lúcido e que tudo é verdade,
mesmo que pareça absurdo. Podemos
(1901-1969)
destacar algumas características da obra
abarcando a estética simbolista: obses- Suas obras são de estruturas aber-
são da morte e do suicídio como únicas tas, que retratam o mundo psicológico
soluções; traz a marca da frustração; dos personagens. Abrange a poesia, o
obsessão pelo amor pervertido ou sexu- romance, o conto, o teatro e a crítica lite-
alidade ambígua, sempre balançando en- rária. Seu romance Jogo da Cabra Cega
tre a hetero e a homossexualidade (fictí- é considerado o marco da prosa con-
cia); busca da identidade. Narrado em temporânea. Aborda em suas obras a
primeira pessoa, a linguagem caracteri- introspecção e sondagem dos conflitos
za uma narração subjetiva e de estado do homem em relação com o mundo. Re-
de inconsciência do eu-lírico. A narrativa trata também o tema religioso com as opo-
começa pelo fim, quando o personagem- sições entre o bem X mal, espírito X ma-
narrador decide escrever sua confissão téria, Deus X diabo.
110 -

Cristo E cruzo os braços,

Quando eu nasci, Senhor! Já tu E nunca vou por ali...

[lá estavas, A minha glória é esta:


Crucificado, lívido, esquecido. Criar desumanidade!
Não respondeste, pois, ao meu Não acompanhar ninguém
[gemido,
Com que rasguei o ventre a
Que há muito tempo já que não
[minha Mãe.
[falavas...
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Redemoinhavam, longe, as turbas
Me levam meus próprios passos...
[bravas,
Se ao que busco saber nenhum de
Alevantando ao ar fumo e alarido.
[vós responde,
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Quis eu ergue-la em minhas mãos
[escravas! Prefiro escorregar nos becos
[lamacentos,
A turba veio então, seguiu-me Redemoinhar aos ventos,
[os rastros;
Como farrapos, arrastar os pés
E riu-se, e eu nem sequer fui [sangrentos,
[açoitado, A ir por aí...
E dos braços da Cruz fizeram
[mastros... Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
Senhor! Eis-me vencido e tolerado: E desenhar meus próprios pés
Resta-me abrir os braços a teu lado, [na areia inexplorada!
E apodrecer contigo à luz dos O mais que faço não vale nada.
[astros! (...)
RÉGIO, José. Poemas efe Deus e do diabo.
Cântico negro 8. ed. Porto; Brasília E d „ 1972. p. 3 1 .

"Vem por aqui"- dizem-me alguns


[com olhos doces,
Branquinho da Fonseca
Estendendo-me os braços,
[e seguros
(1905-1974)
De que seria bom que os ouvisse
Sua principal obra foi a novela O
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Barão, de linguagem simples e com nú-
Eu olho-os com olhos lassos, cleos entrelaçados. A obra retrata refle-
(Há, nos meus olhos, ironias e xos inspirados na alma do povo, de for-
[cansaços) ma simples e objetiva.
111

O Barão prevalece o do sonho, da fantasia sobre o


(resumo) espaço real, o castelo medieval sobre o
mundo moderno, a noite sobre o dia. No fi-
O narrador encontra-se na Serra
nal da narrativa, podemos perceber que a
do Barroso, com uma professora, a qual
realidade prevalece sobre o sonho. A lin-
o apresenta ao Barão, que lhe desperta
guagem é simples, coloquial e as frases
uma primeira impressão negativa. Hos-
são curtas, aproximando-se da oralidade.
peda-se no castelo do Barão e este pas-
sa a lembrar de seu passado, principal-
mente de sua grande paixão, nomeada
apenas por "Ela", a Bela Adormecida. 3ª geração
O ambiente vai se intensificando de
lirismo e embriaguez, de tom de confidên-
(1940 até os dias
cia e simpatia, confiança, até culminar
em mistério.
atuais)
O inspetor (o narrador) também apre-
senta suas confidências ao Barão. Seu Nesse momento despontou o Neo-
enredo concentra-se na "viagem" do ins- realismo, que apresenta uma literatura
petor de si a si mesmo, através de um engajada com os motivos sociais e políti-
personagem fantástico, que lhe permite cos: ideais humanitários, homem sofrido e
uma noite repleta de magia, regressando marginalizado. É um movimento ideológico
à nobreza e à beleza de um mundo onírico e eclético. Surgem obras que reproduzem
e poético. a realidade vivida por seus autores. Desta-
cam-se Alves Redol, Ferreira de Castro,
Novela narrada em primeira pessoa, Fernando Namora e Manuel da Fonseca.
com um personagem-narrador pertencen-
te ao corriqueiro mundo moderno - o inspe-
tor de escolas - personagem sem nome, Alves Redol
adaptado ao capitalismo. Outra figura im-
portante é a do Barão, também sem nome,
(1911 - 1 9 6 9 )
oposto ao inspetor, por representar o mun-
do intuitivo e nostálgico, mas sem perder o Considerado como o introdutor do
lirismo. Temos na narrativa a presença da Neo- Realismo em Portugal, escreveu Gai-
personagem Idalina, criada e, ao que tudo béus.
indica, amante do Barão, mulher autoritária
Gaibéus
que faz do seu senhor um escravo. Em re-
(comentários)
lação ao tempo da narrativa, há uma reci-
procidade entre o presente (sociedade Gaibéus extrai personagens do povo
moderna), representado pelo inspetor-o e é uma obra que possui uma consciência
dia; e o passado medieval representado muita clara da luta de classes. Relata-se o
pela figura do Barão - a noite, no qual um drama dos trabalhadores alugados (gai-
vem a completar o outro, formando uma só béus), colhedores de arroz do Ribatejo. O
pessoa, um só tempo. Quanto ao espaço, autor procura mostrar que a miséria do po-
— 112 —

bre provém da mesquinhez, da ganância O personagem central é um médico


dos poderosos. Preocupado em registrar o que trata dos doentes incuráveis. A per-
destino trágico do trabalhador, Alves Redol sonagem que desencadeia o romance é
privilegia as massas anônimas em detri- Clarisse (doente incurável). Jorge é um
mento dos indivíduos. O despojamento homem pouco social, um tanto agressivo,
dos traços pessoais dos personagens que mal se relaciona com os colegas de tra-
ilustra a alienação do homem, reduzido à balho; representa o homem em situação
condição de besta de carga, sem cons- conflitiva com seu meio, com sua época.
ciência dos motivos da sua degradação.
Vemos no romance a transforma-
ção que as situações vividas operam na
Ferreira de Castro sua personalidade. Jorge, no final da nar-
rativa, é um homem transformado pelo
(1898-1974) sofrimento e pela força do amor (perso-
nagem itinerante).
Dá inicio ao Neo-Realismo com a
obra A Selva.
Domingo à tarde
A Selva (fragmentos)
(comentários)
Por esse tempo, ou já muito antes,
A Selva reproduz a vida do próprio comecei a ser considerado um tipo
autor: a vida no seringal da Amazônia. O insociável. Fumava desalmadamente,
personagem Alberto reflete a dura vida macerando o cigarro de um canto para
dos seringueiros, compara-a mentalmen- o outro da boca, num jeito nervoso
te com a vida dos aldeãos de sua pátria;
nada fácil de imitar, roendo a todo mo-
retrata a triste condição de vida dos tra-
mento qualquer danação íntima que se
balhadores dos seringais. A obra apre-
traduzia nos modos com que fazia crer
senta a vida cruel dos seringueiros e co-
às pessoas que a presença delas me
move a sociedade da época pela realida-
era insuportável. Tudo me servia para
de que apresenta.
exagerar a brusquidão, talvez porque
toda a gente reparasse nela e a cen-
Fernando Namora surasse, e a minha rebeldia agreste
(1919-1989) contra fosse lá o que fosse manifes-
tava-se, provocante, tanto mais quan-
Situa-se entre o Presencismo e o to outros a receavam. Era eu a ajudá-
Neo-Realismo. Preocupa-se com os de- los ao espetáculo, a colocar-me no
serdados, ou seja, com a classe social centro desta arena improvisada que é
média e baixa. a vida... nos outros não admitia, pois é
Em Domingo à Tarde (1961), Fer- o riso o que particularmente me ofen-
nando Namora defende as propostas de nos medíocres. Poderiam, enfim,
neo-realistas, retratando conflitos íntimos. julgar-me um esnobe ou um torturado
A obra procura relatar situações dramá- - e nem eu, ao certo, o saberia tam-
ticas e trágicas de gente simples e sofre- bém... (cap. I, p.3)
dora. (...)
— 113 —

Eu reparava que Clarisse era agora de simples companheiros de acaso não ti-
um dos alvos preferidos dessa intriga me- vesse uma condescendência lamuriosa a
líflua e subterrânea. E ela também o sabia. justificá-la, para que essa vida fosse autên-
No modo como observava as companhei- tica, verídica, e não o fruste delírio de um mo-
ras, acirradas, estou certo, por um instinto ribundo. Era tão urgente o amor dos outros!
de desagravo social (pois não era Claris- Por isso os cortejavam, subornando-os,
se, entre elas, uma burguesinha a quem a atiçando-lhes capciosamente o interesse,
doença e o desespero iam amachucando a presença, o diálogo ou um arremedo des-
a soberba de classe?), via-se que procu- se amor. A simulação, por último, bastava,
rava todo o indício que pudesse dizer-lhe comoatemura das meretrizes. Lembro-me,
quanto as outras a achavam já diferente, por exemplo, daquela velhota ricaça que eu
quanto lhe notavam o emagrecimento ou a internara numa clínica. No último Natal ofe-
palidez. Mas era sobre mim que incidia recera centenas de presentes. Escrevia
mais vezes a sua alertada acuidade: em montes de cartas, todos os dias, mesmo a
todos os estremecimentos da minha face desconhecidos. O importante era que vies-
entediada de médico, ela descobria, ou jul- sem agradecer-lhe, vê-la, que, durante al-
gava descobrir, os agouros da sua ruína. guns minutos, ao pensarem nela, a fizes-
sem viva. Tinha um casal de criados já ido-
Era inútil, aliás, prolongar o Ludíbrio.
sos; obrigava-os a ficarem horas, de pé, ao
Ainda que baralhássemos na mesma en-
fundo da cama - dois macacos decrépitos,
fermaria doentes com moléstias e prognós-
testemunhas de sua existência.
ticos diferentes, e zelássemos por que ne-
nhum deles pudesse averiguar a natureza Quando esses doentes voltavam - e
da sua doença, a verdade escorria não se voltavam sempre -, tinham lido livros, con-
sabia donde, um fio de água sub-reptício sultado outros médicos, e discutiam já as
que, de súbito, encharcava o ambiente. notícias sobre novas e milagrosas drogas
Qualquerdeles, ao fim de algum tempo, per- para o seu caso, com que as gazetas lhes
cebia que, sendo apontado pelos outros sacudiam a febre de persistir. Investigavam-
como meu doente, essa identificação equi- se a si próprios, procurando os ardis sob
valia a um ferrete. O rebanho marcado. Re-
que a morte se escondia e, lá no íntimo, es-
agiam, então, de muitos modos: violência,
peravam ser os primeiros a conseguir
pânico, misticismo, náusea, raramente com
dominá-la. Os ardis não eram apenas da
heroísmo e nunca com resignação. Muitos
doença. Eles também os teciam. Apercebi-
saíam do hospital ou desapareciam da con-
am-se da vizinhança da morte, sentiam-lhe
sulta e, durante semanas, meses, mistura-
a voracidade e o cheiro, mas, inexorável,
vam-se freneticamente no convívio dos ou-
só nos outros. A pérfida ameaça, presença
tros, os de lá de fora, os que continuavam a
obcecante na vida de todos eles, como um
viver, para lhes enfiar pelos olhos dentro
punhal enquistado, e que, na sua injusta e
que estavam vivos também. Era preciso
medonha objetividade, se assimilava atra-
que os outros não os distinguissem pelo
vés da experiência em redor, não lhes dizia,
horror ou pela compaixão, não os distin-
guissem fosse pelo que fosse, que não os porém, individualmente respeito. No último
diferenciassem de ninguém. Era preciso instante, cada um, de per si, conseguiria li-
que a estima dos familiares, dos amigos ou bertar-se. Velada ou abertamente, falavam-
114

me então dos tais fabulosos tratamentos - ses seres humanos se faz presente quan-
até mos exigirem, e era-me mais cômodo do eles dividem entre si a comida, num jantar
falsear-lhes as análises do que, como dan- de comemoração pelo nascimento da crian-
tes, evitar que lhes caíssem sob os olhos. ça. Dentre os personagens, todos com difi-
culdade em se ajustará sociedade.
(NAMORA, Fernando. Domingo à Tarde. Porto Alegre:
Globo, 1963) (fragmento)
... era uma espécie de saguão, colado
Casa da Malta
à forja do ferreiro. Em tempos servira de abri-
(resumo)
go às manadas de porcos da Granja; mas o
A narrativa inicia-se com o persona- patrão fora-se para a cidade, o portão de
gem Abílio contando sobre suas andanças castanho velho abrira feridas ao sol e às
com o circo e o fim da companhia circense chuvas das bandas do montado, e agora os
ao amigo Ricocas e este o leva à casa da que vinham de longe para roubar, pedir, emi-
malta, lugar onde pessoas que não tinham grar, sabiam que era ali a sua casa. Um resto
para onde ir se estabelecem por lá. Outros de palha da malhada forrava o chão térreo e
personagens são introduzidos na narrati- cada ambulante acamara mais um molho de
va e cada um com um passado trágico que feno, de urze, ou de trapos velhos. Ainda no
os levaram a morar na casa da malta. To- domínio do saguão, em dois metros quadra-
dos vão relembrando o passado até o mo- dos de terreno roubados ao adro, os ciga-
nos arrumavam carroças e animais e expu-
mento do nascimento do bebê da cigana,
nham sedas vermelhas ao pessoal da vila.
onde todos se confraternizam como se
fosse uma grande família.
A narrativa descreve as ações das Manuel da Fonseca
personagens socialmente desprivilegiadas
e perdidas num mundo de injustiças e misé-
(1911-)
ria. Podemos perceber claramente nesta Escreveu Seara de Vento.
obra a busca pela interioridade das perso-
nagens, através de suas lembranças, re- Seara de Vento
velando suas angústias, dúvidas, numa (comentários)
analise profunda de sentimentos e rala- A narrativa se inicia com a descri-
ções humanas. Assim sendo, ao passo ção do vento, anúncio de desgraças. Duas
que traduz a individualidade do homem não personagens, Júlia e Amanda Carrusca,
deixa de enquadrá-lo no seu meio social. A dialogam com certa agressividade sobre
ação se divide entre o tempo presente da a situação precária em que vivem: estão
narrativa (casa da malta) e os acontecimen- morrendo de fome. Amanda exige que sua
tos passados na vida de cada um dos per- filha Júlia convença o marido Antônio Val-
sonagens, possibilitando a compreensão murado, o Palma, a permitir que ambas
de como chegaram até aquele casebre. A peçam esmola. Amanda, habilmente, diz
grande metáfora encontrada nesta obra é o que é para curar Bento, um dos filhos do
humanismo, ou seja, há uma grande preo- casal, que é excepcional.
cupação com os valores representativos
O romance começa, pois, a partir de
do ser humano. A solidariedade unindo es-
uma situação trágica.
— 115 —

Resumo do Modernismo

Momento sócio-cultural Autores e obras

• Proclamação da República (1910). • Fernando Pessoa: o maior poeta


português do século. Ele-mesmo:
• Tensão entre a pequena-burguesia
English Poems (1921), Mensagem
radical que exigia reformas imedia-
(1934). Heterônimos ou persona-
tas e os moderados representados
pela alta burguesia. lidades poéticas: Alberto Caeiro:
Poemas ( 1 9 4 6 ) ; R i c a r d o R e i s :
• Reforma universitária (1911) e a cri- Odes (1946), Poemas Dramáticos
ação da primeira faculdade de Le- (1952) e Álvaro de Campos: Poe-
tras, no Porto (decênio de 1920). sias (1944).
• Primeira Guerra Mundial: Portugal fica • Mario de Sá-Carneiro: autor ator-
ao lado dos aliados, garantindo suas mentado pela busca do eu. Escre-
colônias na África. Após a guerra, veu Princípio ( 1 9 1 2 ) , Dispersão
grave crise econômica.
(1914), A Confissão de Lúcio (1914).
• 1926: Um golpe de Estado derruba a • José Régio: Jogo da Cabra-Cega
República Parlamentar
(1934), Fado (1941).
• 1933-1974: Período do estado Novo; • Branquinho da Fonseca: O Barão
instauração da ditadura. (1943), Porta de Minerva (1947),
Mar Santo (1952), Mar Coalhado
Características literárias (1932).

• Adolfo Casais Monteiro: Sempre


• Negação sistemática e total do pas- e sem Fim (1936), Europa (1946).
sado; desejo de criar uma literatura
que expressasse o novo século. • Alves Redol: Gaibéus (1940), Bar-
ranco de Cegos (1963).
• Fuga das tradições literárias; valori-
• Ferreira de Castro: A Selva (1930),
zação da originalidade e da obra que
Terra Fria (1934), A Lã e a Neve
possui características inéditas.
(1947), A Curva da Estrada (1950).
• Uso da linguagem coloquial. José Saramago: Terra do Pecado
• O Modernismo quer criticar os pa- (1947), Manual de Pintura e Cali-
grafia (1977), Memorial do Conven-
drões de bom gosto e causar es-
to ( 1 9 8 2 ) , A Jangada de Pedra
cândalo.
(1986), O Evangelho Segundo Je-
• Uso dos conhecimentos da psicolo- sus Cristo (1991), Todos os Nomes
gia e da psicanálise. (1997), A Caverna (2000).
— 116 —

A Narrativa do Pós-Guerra
A cultura sofreu uma revolução em 1998 ganhou o Prêmio Nobel de Lite-
após 1940. Encontramos, então, a lite- ratura.
ratura comercial dos best-sellers, opon-
De Saramago destacamos as se-
do-se às narrativas pós 2- Guerra Mun-
guintes obras: Terra do Pecado, Os
dial.
Poemas Possíveis, Provavelmente Ale-
Destacam-se José Saramago com gria, Deste Mundo e do Outro, A Baga-
Memorial do Convento, José Cardoso gem do Viajante, As Opiniões que o DL
Pires com Hóspede de Jô e Adolfo Cor- teve, O Ano de 1993, Os Apontamen-
reia da Rocha com A Criação do Mundo. tos, Manual de Pintura e Caligrafia,
Objecto Quase, Poética dos Cinco Sen-
tidos, A Noite, Levantado do Chão; Que
José Saramago Farei dom este Livro?, Viagem a Portu-
gal, Memorial do Convento, O Ano da
(1922-) Morte de Ricardo Reis, A Jangada de
Pedra, A Segunda Vida de Francisco
José Saramago nasceu em Azinha- de Assis, História do Cerco de Lisboa,
ga, no ano de 1922. Trabalhou como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, In
jornalista em vários jornais, entre eles o Nomine Dei, Cadernos de Lanzarote,
Diário de Lisboa, de que foi diretor, até Ensaio sobre a Cegueira, Todos os No-
partir e fixar-se definitivamente na ilha mes, e A Caverna.
de Lanzarote, arquipélago das Canárias.
A partir de 1975 passou a dedicar-se O Evangelho Segundo Jesus
integralmente à literatura, mas foi após Cristo
a publicação de Levantado do Chão
(comentários)
(1980) que passou a ser considerado
um grande nome da literatura em língua Publicado pela primeira vez em no-
portuguesa contemporânea. vembro de 1991, O Evangelho Segun-
Declaradamente comunista e ateu, do Jesus Cristo causou muita polêmi-
suas convicções fizeram-no deixar Por- ca. Saramago foi acusado de investir
tugal. contra o cristianismo, de pretender des-
sacralizar Jesus Cristo, e, principalmen-
É considerado um dos escritores
te, de interpretar o Novo Testamento de
portugueses mais lidos e traduzidos no
forma abusiva.
estrangeiro. Em 1991, ganhou o Grande
Prêmio APE, com o romance O Evange- A opinião da crítica, que não levou
lho Segundo Jesus Cristo; o Prêmio em conta essa pretensa tentativa de
Camões em 1996 por toda sua obra; e Saramago de desvirtuar os Evangelhos,
— 117 —

é que, ao ler-se essa obra, devemos Podemos observar que, assim co-
considerar que tudo não passa de ar- mo o poeta Fernando Pessoa (na pers-
tifício literário, de invenção. pectiva fictícia) tem os seus contornos
físicos dissipados ao longo do romance
O Vaticano criticou duramente a
pelo decorrer dos nove meses de fale-
obra, que não foi inscrita pelo governo
cimento, tecendo um paralelo com o
português em um importante prêmio li-
embrião humano que leva nove meses
terário europeu, fato que precipitou a
para ser gerado, o seu heterônimo reto-
saída de Saramago do país, passando
mado vai também dissipando a sua per-
a residir nas Ilhas Canárias.
sonalidade ao longo desse período: "Al-
O ano da morte de Ricardo Reis guma latinação clássica de que já não
fazia leitura regular" (p. 22) "formara,
A obra O Ano da Morte de Ricardo de enfiada, três versos de sete sílabas,
Reis, de José Saramago, tem como ca- redondilha maior, ele, Ricardo Reis, au-
racterística marcante a intertextualidade.
tor de odes ditas sáficas ou arcaicas,
No título do livro, que resume o conteúdo
afinal saiu-nos poeta popular." (p. 47).
básico e conduz o fio narrativo, podemos
perceber a retomada de um dos heterôni- O Reis de Saramago deixa-se con-
mos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis,
tagiar pelas coisas mundanas, já não é
que, na obra, revela-se como narrador
tão coerente e objetivo. Surge Lídia, ca-
onisciente, presente em todas as situa-
mareira do Hotel Bragança com quem
ções, revendo o passado, prevendo o
ele mantém relações. Sua musa se
futuro e, principalmente, tomando conhe-
corporifica e ele deixa de "fruir o mo-
cimento dos pensamentos e sentimentos
mento que passa" como espectador,
passados no "eu" de cada personagem.
para realizá-lo carnalmente. Aparece
Na retomada de sua personalidade também a personagem Marcenda, por
por Saramago, o personagem perde al- quem Ricardo Reis se apaixona, pas-
gumas características básicas, motivo sando a espectador - aguarda a sua
de cobrança para Fernando Pessoa, que presença de todos os meses, as car-
ressurge do mundo dos mortos: "você tas, e por fim uma decisão de unir-se a
afinal desilude-me, amador de criadas, ele, o que não se concretiza.
cortejador de donzelas, estimava-o mais
quando você via a vida à distância que Ao final do romance, Reis se deixa
está" (p. 183). contagiar totalmente pelos acontecimen-
tos do mundo, quando chora a morte de
"gestos que parecem querer re-
compor umas feições, restituí-las aos Daniel, irmão de Lídia: "E entra em casa,
seus lugares de nascença, refazer o atira-se para cima da cama desfeita,
desenho, mas o artista tomou a borra- escondeu os olhos com o antebraço pa-
cha em vez do lápis, onde passou apa- ra poder chorar à vontade, lágrimas ab-
gou, um lado da cara perdeu o contor- surdas que esta revolta não foi sua,
no, é natural, vai para seis meses que sábio é o que se contenta com o espe-
Fernando Pessoa morreu." (p. 330) táculo do mundo." (p. 411).
— 118 —

Memorial do Convento padre Bartolomeu de Gusmão e pelo


músico Scarlatti, e os populares, anco-
Um dos romances mais conhecidos
rados em Blimunda e Baltasar. Padre
de José Saramago é Memorial do Con-
Bartolomeu viaja, enlouquece e morre.
vento (1982), classificado como narrati-
Blimunda, após o sumiço de Baltasar,
va histórica, pois retrata aproximada-
passa a procurá-lo, encontrando-o nove
mente 30 anos da História de Portugal
anos depois em situação trágica.
(época da Inquisição). Nesta obra po-
demos encontrar um cenário rico, regis- (fragmento)
trando não só o fato histórico, mas
Levar este pão à boca é gesto fá-
reconstituindo a vivência popular, numa
cil, excelente de fazer se a fome o re-
viagem a diferentes povoados ao redor
clama, portanto alimento do corpo, be-
de Lisboa. A narrativa segue linear, sem
nefício do lavrador, provavelmente mai-
interrupções, vigorosa e rica. Saramago
or benefício de alguns que entre a foice
procura dar à linguagem o tom das crô- e os dentes souberam meter mãos de
nicas históricas, reveste o vocabulário levar e trazer e bolsas de guardar, e
de termos raros e realiza malabarismos esta é a regra. Não há em Portugal trigo
sintáticos. que baste ao perpétuo apetite que os
(resumo) portugueses têm de pão, parece que
não sabem comer outra coisa, por isso
O rei D. João V necessitava de her- os estrangeiros que cá moram, doridos
deiros, mas o ventre de D. Maria Ana das nossas necessidades, que em mai-
não os concebia. Fez ele, então, uma or volume frutificam que sementes de
promessa de construir um convento em abóbora, mandam vir, das suas própri-
Mafra se a concepção ocorresse. Em as e outras terras, frotas de cem navios
paralelo, segue-se o registro da vida do carregados de cereal, como estes que
povo, primeiro enfocando o soldado que entraram agora Tejo adentro, salvando
perdeu a mão esquerda na guerra con- à torre de Belém e mostrando ao gover-
tra os espanhóis: Baltasar Sete-Sóis, nador dela os papéis do uso, e desta
que em um espetáculo da Inquisição, vez são mais de trinta mil moios de pão
conheceu Blimunda, mulher de poderes que vêm da Irlanda, e é a abundância
mágicos, que enxergava o interior das tal, fome que finalmente deu em fartura,
pessoas e cuja mãe, por ter poderes enquanto em fome se não tornar, que,
semelhantes, havia sido desterrada para achando-se cheias as tercenas e tam-
Angola. Desafiando os rigores da reli- bém já os armazéns particulares, an-
gião, ambos se "casam" através de um dam por aí a alugar depósitos por todo o
ritual de sangue. Baltasar torna-se aju- dinheiro, e põem escritos nas portas da
cidade para que conste às pessoas que
dante do Padre Bartolomeu Lourenço,
os tiverem para alugá-los, com que des-
que, sob a proteção do rei, construía
ta vez se vão arrepelar os que manda-
uma máquina de voar, a passarola. Sob
ram vir o trigo, obrigados pelo excesso
o signo da máquina de voar, unem-se
a baixar-lhe o preço, tanto mais que se
ideais: os cultos, representados pelo
119

fala em próxima chegada de uma frota sequência, dela, da do Senhor, e não da


da Holanda carregada do mesmo gêne- do teu marido, ainda que legítimo, é que
ro, mas desta virá a saber-se que a as- foi engendrado o teu filho Jesus. Ficou
saltou uma esquadra francesa quase Maria muito assombrada com a notícia,
na entrada da barra, e assim o preço, cuja substância, felizmente, não se per-
que ia baixar, não baixa, se for preciso deu na elocução confusa do anjo, e per-
deita-se fogo a um celeiro ou dois, man- guntou, Então Jesus é filho de mim e do
dando em seguida apregoar a falta que Senhor, Mulher, que falta de educação,
o trigo ardido já está fazendo, quando deves ter cuidado com as hierarquias,
julgávamos que havia tanto e de sobra. com as precedências, do Senhor e de
São mistérios mercantis que os de fora mim é que deverias dizer, Do Senhor e
ensinam e os de dentro vão aprenden- de ti, Não, do Senhor e de ti, Não me
do, embora estes sejam ordinariamente baralhes a cabeça, responde-me ao que
tão estúpidos, de mercadores falamos, te perguntei, se Jesus é filho, Filho, o
que nunca mandam vir eles próprios as que se chama filho, é só do Senhor, tu,
mercadorias das outras nações, antes para o caso, não passaste de ser uma
se contentam com comprá-las aqui aos mãe portadora, Então, o Senhor não me
estrangeiros que se forram da nossa escolheu, Qual quê, o Senhor ia só a
simplicidade e forram com ela os co- passar, quem estivesse a olhar tê-lo-ia
fres, comprando a preços que nem sa- percebido pela cor do céu, mas reparou
bemos e vendendo a outros que sabe- que tu e José eram gente robusta e sau-
mos bem de mais, porque os pagamos dável, e então, se ainda te lembras de
com língua de palmo e a vida palmo a como estas necessidades se manifes-
palmo. tavam, apeteceu-lhe, o resultado foi,
nove meses depois, Jesus, E há a cer-
O Evangelho segundo Jesus Cristo teza, o que se chame certeza, de que
tenha sido mesmo a semente do Senhor
(fragmentos) que engendrou o meu primeiro filho, Bom,
a questão é melindrosa, o que tu estás a
Passados meses, numa chuvosa e
pretender de mim é, sem tirar nem pôr,
fria noite de inverno, um anjo entrou em
uma investigação de paternidade, quan-
casa de Maria de Nazaré, e foi o mesmo
do a verdade é que, nestes conúbios
que se não tivesse entrado ninguém,
mistos, por muitas análises, por muitos
pois a família assim como estava assim
testes, por muitas contagens de glóbulos
se deixou ficar, só Maria deu pela che-
que se façam, certezas nunca as pode-
gada do visitante, que nem teria podido
mos ter absolutas, Pobrezinha de mim,
ela dar-se por desentendida, uma vez
que cheguei a imaginar, ouvindo-te, que
que o anjo lhe dirigiu directamente a pa-
o Senhor me havia escolhido para ser a
lavra, e foi assim, Deves saber, ó Maria,
sua esposa naquela madrugada, e afi-
que o Senhor pôs a sua semente de
nal foi tudo obra de um acaso, tanto po-
mistura com a semente de José na ma- derá ser que sim como poderá ser que
drugada em que concebeste pela pri- não, digo-te até que melhor seria não
meira vez, e que, por conseguinte e con-
— 120 —

teres descido aqui na Nazaré para vires vidado, Agora não sei se estás a falar
deixar-me nesta dúvida, aliás, se que- comigo, ou com o teu filho, Com ele, con-
res que te fale com franqueza, um filho tigo, com ambos, que posso eu fazer
do Senhor, mesmo tendo-me a mim como para emendar o mal feito, Que é que te
mãe, dávamos por ele logo ao nascer, e aconselharia o teu coração de mãe, Que
quando crescesse teria, do mesmo Se- fosse procurá-lo, dizer-lhe que creio
nhor, o porte, a figura e a palavra, ora, nele, pedir que me perdoe e volte para
ainda que se diga que o amor de mãe é casa, aonde o Senhor o virá chamar, em
cego, o meu filho Jesus não satisfaz as chegando a hora, Francamente, não sei
condições, Maria, o teu primeiro grande se vais a tempo, não há nada mais sen-
engano é julgares que eu vim cá apenas sível do que um adolescente, arriscas-
para te falar desse antigo episódio da te a ouvir más palavras e a levar com a
vida sexual do Senhor, o teu segundo porta na cara, Se tal acontecer, a culpa
grande engano é pensares que a bele- tem-na aquele demónio que o embruxou
za e a facúndia dos homens existem à e perdeu, nem sei como o Senhor, sen-
imagem e semelhança do Senhor, quan- do pai, lhe consentiu tais liberdades, tan-
do o sistema do Senhor, digo-to eu que ta rédea solta, De que demónio falas, Do
sou da casa, é ele ser sempre o contrá- pastor com quem o meu filho andou du-
rio de como os homens o imaginam, e, rante quatro anos, a governar um reba-
aqui muito em confidência, eu até acho nho que ninguém sabe para que serve,
que o Senhor não saberia viver doutra Ah, o pastor, Conhece-lo, Andámos na
maneira, a palavra que mais vezes lhe mesma escola, E o Senhor permite que
sai da boca não é o sim, mas o não, um demónio como ele perdure e prospe-
Sempre ouvi eu dizer que o Diabo é que re, Assim o exige a boa ordem do mun-
é o espírito que nega, se no teu coração do, mas a última palavra será sempre a
não deres pela diferença, nunca sabe- do Senhor, só não sabemos é quando a
rás a quem pertences, Pertenço ao Se- proferirá, mas vais ver que uma manhã
nhor, Pois é, dizes que pertences ao destas acordamos e descobrimos que
Senhor e caíste no terceiro e maior dos não há mal no mundo, e agora devo ir-
enganos, que foi o de não teres acredi- me, se tens mais algumas perguntas a
tado no teu filho, Em Jesus, Sim, em Je- fazer, aproveita, Só uma, Óptimo, Para
sus, nenhum dos outros viu Deus, ou que quer o Senhor o meu filho, Teu filho
alguma vez o verá, Diz-me, anjo do Se- é uma maneira de dizer, Aos olhos do
nhor, é mesmo verdade que meu filho mundo Jesus é meu filho, Para que o
Jesus viu Deus, Sim, e, como uma crian- quer, perguntas tu, pois olha que é uma
ça que encontrou o seu primeiro ninho, boa pergunta, sim senhor, o pior é que
veio a correr mostrar-to, e tu, céptica, e não sei responder-te, a questão no es-
tu, desconfiada, disseste que não podia tado actual, é toda entre eles dois, e
ser verdade, que se ninho havia estava Jesus não creio que saiba mais do que
vazio, que se ovos tinha, eram goros, e a ti te terá dito, Disse-me que terá poder
que se os não tinha, comera-os a ser- e glória depois de morrer, Dessa parte
pente, Perdoa-me, meu anjo, por ter du- também estou informado, Mas que irá
— 121 —

ele ter de fazer em vida para merecer superior, que parecia mordido de beijos.
as maravilhas que o Senhor lhe prome- Se não fosse a certeza de ter estado ali
teu, Ora, ora, tu crês, ignorante mulher, apenas um anjo conversador, os sinais
que essa palavra exista aos olhos do mostrados por Lísia fariam gritar e cla-
Senhor, que possa ter algum valor e sig- mar que um demónio incubo, desses que
nificado o que presunçosamente cha- acometem maliciosamente as mulheres
mais merecimentos, em verdade não sei adormecidas, andara a fazer das suas
que é que vos julgais, quando não pas- no desprevenido corpo da donzela, en-
sais de míseros escravos da vontade quanto a mãe se deixava distrair com a
absoluta de Deus, Nada mais direi, sou conversa, provavelmente foi sempre
realmente a escrava do Senhor, cum- assim e nós que não o sabíamos, anda-
pra-se em sim segundo a sua palavra, rem estes anjos aos pares para onde
diz-me só, depois de todos estes me- quer que vão, e enquanto um, para en-
ses passados, onde poderei encontrar treter e fazer costas, se põe a contar
o meu filho, Procura-o, que é a tua obri- histórias da Carochinha, o outro, cala-
gação, ele também foi à procura da ove- do, opera o actus nefandus, maneira de
lha perdida, Para matá-la, Sossega, que dizer, que nefando em rigor não é, tudo
a ti não te matará, mas tu, sim, o matarás indicando que na vez seguinte se troca-
a ele, não estando presente na hora da rão as funções e as posições para que
sua morte, Como sabes que não morre- não se perca, nem no sonhador nem no
rei eu primeiro, Estou bastante próximo sonhado, o beneficioso sentido da duali-
dos centros de decisão para sabê-lo, e dade da carne e do espírito. Maria co-
agora adeus, fizeste as perguntas que briu a filha como pôde, puxando-lhe a
querias, talvez não tenhas feito alguma túnica até à altura do que é impróprio
que devias, mas isso é assunto que já estando descoberto, e, quando a teve
não me diz respeito, Explica-me, Expli- decente, acordou-a e perguntou-lhe em
ca-te tu a ti própria. Com a última pala- voz baixa, por assim dizer à queima-
vra, o anjo desapareceu e Maria abriu roupa, Que estavas a sonhar. Apanha-
os olhos. Todos os filhos dormiam, os da de surpresa, Lísia não podia mentir,
rapazes em dois grupos de três, Tiago, respondeu que sonhara com um anjo,
José e Judas, os mais velhos, a um can- mas que o anjo nada lhe dissera, ape-
to, noutro canto os mais novos, Simão, nas olhara para ela, e era um olhar tão
Justo e Samuel, e com ela, uma de cada meigo e tão doce que melhores não po-
lado, como de costume Lísia e Lídia, mas derão ser os olhares no paraíso. Não te
os olhos de Maria, perturbados ainda tocou, perguntou Maria, e Lísia respon-
pelos anúncios do anjo, arregalaram-se- deu, Ó minha mãe, os olhos não servem
Ihe de repente, estarrecidos, ao ver que para isso. Sem bem saber se devia tran-
Lísia estava toda descomposta, prati- quilizar-se ou preocupar-se com o que
camente nua, a túnica arregaçada por se passara a seu lado, Maria, em voz
cima dos seios, e dormia profundamen- ainda mais baixa, disse, Eu também so-
te, e suspirava sorrindo, com o brilho de nhei com um anjo, E o teu, falou, ou tam-
um leve suor na testa e sobre o lábio bém esteve calado, perguntou Lísia, ino-
122

centemente, Falou para me dizer que lha, nós não estávamos lá, para o Se-
teu irmão Jesus dissera a verdade quan- nhor não há pais nem filhos, lembra-te
do nos anunciou que tinha visto Deus, de Abraão, lembra-te de Isaac, Ai, mãe,
Ai, minha mãe, que mal fizemos então, que aflição, O mais prudente, filha, é
não acreditamos na palavra de Jesus, e guardarmos estas coisas nos nossos
ele tão bom, que, de zangado, até podia corações e falarmos delas o menos pos-
ter levado o dinheiro do meu dote, e não sível, Então, que faremos, Amanhã man-
o fez, Agora temos de ver como o reme- darei Tiago e José a procurar Jesus,
diaremos, Não sabemos onde está, no- Mas onde, se a Galileia é imensa, e a
tícias não deu, o anjo é que bem podia Samaria, se para lá foi, oua Judeia, ou a
ter ajudado, sabem tudo, os anjos, Pois Idumeia, que essa está no cabo do mun-
não, não ajudou, só me disse que pro- do, O mais provável é teu irmão ter ido
curássemos o teu irmão, que era esse o para o mar, recorda-te do que ele nos
nosso dever, Mas, ó minha mãe, se afi- disse quando veio, que tinha andado com
nal foi verdade que o mano Jesus este- uns pescadores, E não teria antes vol-
ve com o Senhor, então a nossa vida, tado para o rebanho, Esse tempo aca-
daqui por diante, vai ser diferente, Dife- bou, Como sabes, Dorme, que a manhã
rente, talvez, mas para pior, Porquê, Se ainda vem longe, Pode ser que tome-
nós não acreditámos em Jesus nem na mos a sonhar com os nossos anjos,
sua palavra, como esperas que os ou- Pode ser. Se o anjo de Lísia, acaso ten-
tros acreditem, com certeza não quere- do fugido à companhia do parceiro, veio
rás que vamos aí pelas ruas e praças habitar-lhe outra vez o sono, não se
de Nazaré a apregoar Jesus viu o Se- chegou a perceber, mas o anjo do anún-
nhor Jesus viu o Senhor, seríamos cor- cio, mesmo se se esqueceu de algum
ridas à pedrada, Mas o Senhor, visto pormenor, não pôde voltar, porque Ma-
que o escolheu, nos defenderia, que ria esteve sempre de olhos abertos na
somos a família, Não estejas tão certa meia escuridão dacasa, o que sabia
disso, quando o Senhor fez a sua esco- sobrava-lhe, o que adivinhava temia".

A Poesia do Pós-Guerra

O período pós-Segunda Guerra Mun- criam uma poesia intimista, mas simulta-
dial foi de tristeza e desencanto; o conti- neamente preocupada com o destino pes-
nente europeu ficou profundamente mar- soal e coletivo, adotando um tom de pro-
cado pelo conflito mundial. Foi a época da testo contra as injustiças e arbitrarieda-
Guerra Fria e da ameaça de Guerra Nu- des do mundo. O número de autores e
clear. Mediante esses fatos, os poetas correntes tornou-se muito grande.
123

Questões de vestibulares

1.(UFRS) O g ê n e r o d r a m á t i c o , e n - IV. N o s t e x t o s do g ê n e r o , o nar-


tre o u t r o s a s p e c t o s , a p r e s e n t a rador parece estar ausente da
c o m o característica essencial: obra, ainda que, muitas vezes,
se revele nas rubricas ou nos
a) a presença de um narrador. d i á l o g o s ; neles impõe-se rigo-
b) a estrutura dialógica. roso encadeamento causal.

c) o extravasamento lírico. V. Espécie narrativa entre literatu-


ra e jornalismo, subjetiva, bre-
d) a musicalidade. ve e leve, na qual muitas vezes
e) o descritivismo. autor, narrador e protagonista se
identificam.
2 . (UFU-MG) Relacione a s espécies
() Poema lírico
literárias ao lado c o m suas res-
pectivas características d i s p o s - () Conto
tas abaixo e assinale a alternati-
( ) Crônica
va correta:
( ) Romance
I. Modalidade de texto literário que
oferece uma amostra da vida {) Texto teatral
através de um episódio, um fla-
a ) l l - l - V - l l l elV.
grante ou instantâneo, um mo-
mento singular e r e p r e s e n t a t i - b) ll — I —V — IV e III
v o ; possui e c o n o m i a de meios
c) II — I — III — V e IV.
narrativos e densidade na cons-
trução das p e r s o n a g e n s . d) I — II — V — III e IV.

e) l - I V - l l - V e l l l .
II. À intensidade expressiva des-
se tipo de texto literário, à sua
3 . ( U F M T ) Sobre literatura, gênero
c o n c e n t r a ç ã o e ao seu caráter
e estilos literários, p o d e - s e d i -
imediato, associa-se, como tra-
zer q u e :
ço estético importante, o uso do
ritmo e da musicalidade. a) tanto no verso quanto na prosa pode
haver poesia.
III. Essa modalidade de texto literá-
rio prende-se a uma vasta área b) todo momento histórico apresenta um
de v i v ê n c i a , f a z - s e g e r a l m e n t e conjunto de normas que caracteriza
de uma história longa e apresen- suas manifestações culturais, cons-
ta uma estrutura complexa. tituindo o estilo da época.
— 124 —

c) o texto literário é aquele em que pre- c) apresentar as cantigas, nas festas


dominam a repetição da realidade, da corte, sempre com o acompanha-
a linguagem linear, a unidade de mento de um coro.
sentido.
d) reduzir todo o refrão a um dístico.
d) no gênero lírico os elementos do mun-
do exterior predominam sobre os do e) pressupor que há sempre dois ele-
mundo interior do eu poético. mentos paralelos que se digladiam
verbalmente.
4. (UFRS) Assinale a alternativa in-
correta c o m respeito a o T r o v a - 6. ( U F M G ) I n t e r p r e t a n d o historica-
dorismo em Portugal: mente a relação de v a s s a l a g e m
entre homem amante/mulher
a) nas cantigas de amigo, o trovador es- amada, ou mulher amante/ho-
creve o poema do ponto de vista fe- mem amado, pode-se afirmar
minino. que:
b) nas cantigas de amor, há o reflexo
a) o Trovadorismo corresponde ao Re-
do relacionamento entre senhor e
nascimento.
vassalo na sociedade feudal: distân-
cia e extrema submissão. b) o Trovadorismo corresponde ao mo-
vimento humanista.
c) a influência dos trovadores proven-
çais é nítida nas cantigas de amor c) o Trovadorismo corresponde ao Feu-
galego-portuguesas. dalismo.

d) o Trovadorismo e o Medievalismo só
d) durante o trovadorismo, ocorre a se-
poderiam ser provençais.
paração entre poesia e música.
e) tanto o Trovadorismo como Humanis-
e) muitas cantigas trovadorescas foram mo são expressões da decadência
reunidas em livros ou coletâneas que medieval.
receberam o nome de cancioneiros.
7. (UFMG) Nas mais importantes no-
5. (PUC-RS) O paralelismo, uma téc- velas de cavalaria que circularam
nica de construção literária nas na Europa medieval, principal-
cantigas t r o v a d o r e s c a s , consis- mente como p r o p a g a n d a das
tiu e m : Cruzadas, sobressaem-se:

a) unir duas ou mais cantigas com te- a) as namoradas sofredoras, que fa-
mas paralelos e recitá-las em simul- zem bailar para atrair o namorado au-
taneidade. sente.
b) um conjunto de estrofes ou um par b) os cavaleiros medievais, concebidos
de dísticos em que sempre se procu- segundo os padrões da Igreja Católi-
ra dizer a mesma idéia. ca (por quem lutam).
125 -

c ) a s n a m o r a d a c a s t a s , fiéis, d e d i c a d a s , e) é u m a época caracterizada pela re-


dispostas a qualquer sacrifício para jeição d o s v a l o r e s r e l i g i o s o s d a c u l -
ir ao encontro do a m a d o . tura medieval.

d) os n a m o r a d o s c a s t o s , fiéis, dedica- 1 0 . (OSEC-SP) Relacionar:


d o s q u e , e n t r e t a n t o , são t r a í d o s p e -
las n a m o r a d a s s e d u t o r a s . (1) autor humanista
(2) autor clássico
e) os cavaleiros sarracenos, eslavos e
i n f i é i s , i n i m i g o s d a f é cristã.
( ) E r a s m o de R o t h e r d a n
8. (PUC-RS) As narrativas que des- ( ) L u í s V a z de Camões
c r e v e m a s l u t a s dos c r u z a d o s
( ) Gil V i c e n t e
envolvem sempre um herói mui-
to engajado na luta pela cristan- ( ) Dante Alighieri
dade, podendo ser a um só tem- ( ) Sá de M i r a n d a
po frágil e forte, decidido e ter-
no, furioso e cortês. No entanto, ( ) Giovanni Boccaccio
com relação à mulher amada,
11. (PUC-SP) O Auto da Barca do In-
e s s e herói é s e m p r e :
ferno pertence ao movimento li-
a) pouco dedicado. d) indelicado. terário do Humanismo, em Por-
tugal, porque Gil Vicente:
b) infiel. e) n.d.a.
c) devotado. a) critica a igreja pela v e n d a indiscrimi-
n a d a d e indulgências e p e l a v i d a d e s -
S. (OSEC-SP) Assinale a alternativa regrada dos padres.
incorreta:
b) preocupa-se s o m e n t e c o m a salva-
O classicismo ção d o h o m e m a p ó s a m o r t e , s e m s e
voltar para os problemas sociais da
a) é o e s t i l o d o m i n a n t e na l i t e r a t u r a o c i -
época.
dental durante o século XVI ou Qui-
nhentismo. c ) e q u i l i b r a a concepção cristã d a s a l -
vação a p ó s a m o r t e c o m a visão c r í -
b) correponde à época do R e n a s c i m e n -
tica do h o m e m e da sociedade do seu
to em que se observa a recupera-
tempo.
ção d o s v a l o r e s c u l t u r a i s g r e g o s e
latinos. d ) t e m c o m o ú n i c a preocupação c r i t i c a r
c) é o estilo q u e i n c o r p o r a os valores o h o m e m e as mazelas sociais do m o -
humanistas do Renascimento: antro- m e n t o histórico em q u e está inserido.
pocentrismo, racionalismo, universa- e) critica a Igreja, ao defender c o m e n -
lismo. tusiasmo os princípios reformistas
d) c o m e ç a no Brasil em 1500, c o m a disseminados pela Reforma protes-
Carta, d e P e r o V a z d e C a m i n h a . tante.
126

12. (OSEC-SP) Relacionar autor e obra: d ) a n a l i s a o h o m e m e m s u a s relações


c o m a nobreza, o clero e o povo, ten-
1. Gil Vicente do em vista a v i d a transitória da reli-
2 . L u í s V a z d e Camões gião e d o m e r c a d o a s c e n d e n t e .

3. Giovanni Boccaccio e) critica a igreja, ao defender c o m e n -


tusiasmo os princípios reformistas
4. Dante Alighieri
disseminados pela Reforma protes-
5. Erasmo de Rotherdan tante.

6. Ariosto 14. (UNIFAP-SP) As primeiras peças


teatrais portuguesas escritas
() Os Lusíadas
c o m objetivo de serem levadas
() Decameron a público são de autoria de:

() Orlando Furioso a) Manuel Maria Barbosa du Bocage.

( ) O elogio da Loucura b) Paio Soares de Taveirós.

() Auto da Visitação c) D.Diniz.


() A Divina Comédia d ) Camões.

e) Gil V i c e n t e .
13. (ENC-SP) Se o teatro vicentino é
acentuadamente religioso e me-
15. ( U F U - M G ) Na Farsa de Inês Pe-
dievalizante, como se explica
reira, Gil Vicente:
sua classificação nos limites do
Humanismo? a) retoma a análise do amor do velho
a p a i x o n a d o , d e s e n v o l v i d a em O ve-
Se partir de O Auto da Barca do
lho da horta.
Inferno, responda mediante a alter-
nativa correta: b ) m o s t r a a humilhação d a j o v e m q u e
não p o d e e s c o l h e r s e u m a r i d o , t e m a
a ) a n a l i s a o h o m e m e m s u a s relações de várias p e ç a s d e s s e autor.
sociais, nas b u s c a do melhor cami-
nho para o encontro com Deus e a c) denuncia a revolta da j o v e m confina-
moralidade religiosa. da aos serviços domésticos, o que
confere atualidade à obra.
b ) a n a l i s a o h o m e m e m s u a s relações c o m
Deus, na busca do melhor caminho para d) conta a história de u m a j o v e m q u e
o encontro c o m o semelhante. a s s a s s i n a o m a r i d o p a r a se livrar d o s
m a u s tratos.
c ) i n v e s t i g a o h o m e m e m s u a s relações
c o m a igreja, d e s t a c a n d o a crítica a o s e ) a p o n t a , q u a n d o L i a n o r n a r r a a s ações
p a d r e s q u e não s e v o l t a m p a r a o s v a - d o c l é r i g o , u m a solução r e l i g i o s a p a r a
lores h u m a n o s . a decadência m o r a l d e s e u t e m p o .
127

16. (UF-SC) Marque a alternativa in- 17. (MACK-SP) Este soneto, um dos
c o r r e t a a r e s p e i t o do H u m a - m a i s perfeitos q u e f o r a m p r o -
nismo: duzidos em Língua Portuguesa,
pertence ao estilo de época do
a) época de trasição entre a Idade Mé-
R e n a s c i m e n t o , portanto criado
dia e o Renascimento.
no século:
b) o teocentrismo cede lugar ao antropo-
a) XV. c) XVII. e) XIX.
centrismo.
b) XVI. d) XVIII.
c) Fernão Lopes é o grande cronista da
época. 18. ( M A C K - S P ) Indique o n o m e do
d) Garcia de Resende coletou as poe- autor desse s o n e t o :
sias da época, publicadas em 1516
a) Bocage.
com o nome de Cancioneiro Geral.
b) Camilo Pessanha.
e) a Farsa de Inês Pereira é a obra de
Gil Vicente cujo assunto é religioso, c) Camões.
desprovido de critica social. d) Gil Vicente.
Este famoso soneto correspon- e) Manuel Bandeira.
de às questões 17 e 18:
19. (FUVEST) Assinale a(s) alterna-
Amor é fogo que arde sem se ver; tiva(s) incorreta(s) sobre Os Lu-
É ferida que dói e não se sente; síadas:
É um contentamento descontente; a) () herói coletivo - o povo português;
É dor que desatina sem doer; herói individual - Vasco da Gama.

b) () modelo: A Eneida de Virgílio; se-


É um não querer mais que
guido das epopéias de Homero: A
[bem-querer; Ilíada e A Odisséia.
É andar solitário por entre a gente; c) ( ) estrutura clássica, 5 partes, dez
É nunca contentar-se de contente; cantos, 1.102 estrofes, em oitava-
É cuidar que se ganha em se perder. rima (ABABABCC), versos decassí-
labos heróicos.
É querer estar preso por vontade;
d) ( ) concomitância do "maravilhoso",
É servir a quem vence, o vencedor; pagão e cristão; da ideologia burgue-
É ter com quem nos mata lealdade. sa, expansionista e do espírito de cru-
zada medieval; do épico e do lírico;
Mas como causar pode seu favor do plano histórico e do mitológico.
Nos corações humanos amizade, e) () a narrativa inicia-se já no meio da
Se tão contrário a si é o mesmo ação (viagem de Vasco da Gama às
[Amor? Índias).
128 —

f) ( ) na proposição o p o e t a p r i v i l e g i a : Texto correspondente às ques-


o s n a v e g a d o r e s ("as a r m a s e o s b a - tões 21 a 23:
rões"); o s r e i s d e P o r t u g a l ("e a s m e -
E vós, Tágides minhas, pois criado
mórias gloriosas daqueles Reis que
f o r a m dilatando a fé"); e os heróis da Tendes em mim um novo engenho
p á t r i a ( " a q u e l e s q u e s e vão d a lei d a [ardente,
morte libertando"). Se sempre em verso humilde,

g) ( ) a p e s a r de r e f l e t i r a i d e o l o g i a do [celebrado
Renascimento há em alguns episódi- F o i d e m i m v o s s o rio a l e g r e m e n t e ,
os c o m o Os Doze Pares da Ingla-
terra e O Velho do Restelo f o r t e Dai-me a g o r a um s o m alto, e
presença da mentalidade e gosto m e - [sublimado,
dievais.
Um estilo grandíloco e corrente,
h) ( ) na L i t e r a t u r a B r a s i l e i r a , o b r a s Porque de vossas águas Febo
c o m o : Prosopopéia ( B e n t o T e i x e i r a ) , [ordene,
Vila Rica ( C l á u d i o M . D a C o s t a ) , Q u e não t e n h a i n v e j a à s d e
Caramuru ( S a n t a R i t a Durão), Ura- [Hipocrene.
guai ( B a s í l i o d a G a m a - d e f o r m a
não-sistemática), A Confederação 2 1 . (UFU-MG) Os versos acima per-
dos Tamoios ( G o n ç a l v e s d e M a g a - tencem aos Lusíadas. Pelo que
lhães) e a t é Invenção do Orfeu ( d o se lê, conclui-se que encerram:
m o d e r n i s t a J o r g e de Lima) - refle-
a ) a proposição d a e p o p é i a .
t e m , em maior ou menor grau, a in-
fluência de Os Lusíadas. b) o e p í l o g o de um t r e c h o lírico.

c ) u m a invocação.
20. (FUVEST) Na Lírica de Camões:
d) u m a dedicatória.
a) o m e t r o u s a d o p a r a a composição d o s
sonetos é a redondilha. e ) a narração d o p o e m a .

b) a m u l h e r é vista em seus a s p e c t o s 22. ( U F U - M G ) R e p a r e nas rimas e


físicos, despojada de espiritualidade. assinale a alternativa que espe-
lha seu e s q u e m a rimático:
c) c a n t a r a p á t r i a é o c e n t r o d a s p r e o -
cupações. a) ab ab ab cc.

d ) e n c o n t r a - s e f o n t e d e inspiração d e b) aaa bbb cc.


muitos poetas brasileiros do sécu-
c) abcd abcd.
lo X X .
d) a a bb a a bb.
e) encontram-se sonetos, odes, sátiras
e autos. e ) abc abc d d .
— 129 —

23. (UFU-MG) A Tágide e Febo apli- decassílabos c o m e s q u e m a de rima


cam-se os seguintes conteú- ab/ab/ab/cc).
dos s e m â n t i c o s :
d) o subjetivismo do texto fica no e m -
s

a) filhas do a m o r e d e u s d a s á g u a s . prego d a 1 pessoa (que caracteriza


a função e m o t i v a d a l i n g u a g e m , t í p i -
b) filhas h u m i l d e s e d e u s do sol. ca do Classicismo).
c ) n i n f a s d o rio T e j o e d e u s d a p o e s i a ,
e) Netuno e Marte são f i g u r a s m i t o l ó g i -
Apolo.
cas que indicam que o maravilhoso
d ) inspirações e d e u s d a l u a . p r e s e n t e no t e x t o é o maravilhoso
pagão ( m i t o l o g i a g r e c o - l a t i n a ) , í n d i c e
e ) n i n f a s d o rio T e j o e d e u s d o s m a r e s .
do Classicismo do trecho.
24. (OSEC-SP) Leia o texto com atenção:
25. (OSEC-SP) Assinale a alternati-
C e s s e m do sábio Grego e do va correta, em relação às carac-
[Troiano terísticas do c l a s s i c i s m o :
A s navegações g r a n d e s q u e
a ) s u b j e t i v i s m o , função e m o t i v a d a l i n -
[fizeram; g u a g e m , idealização, e s c a p i s m o , m a l
Cale-se de Alexandre e de Trajano do século e n a c i o n a l i s m o .

A f a m a d a s vitórias que tiveram. b) objetivismo, descritivismo, busca da


f o r m a p e r f e i t a , aproximação d e p o e -
Q u e e u c a n t o o p e i t o ilustre l u s i t a n o
s i a e a r t e p l á s t i c a s , não-envolvimento
A q u e m Netuno e Marte emocional, temas arqueológicos, es-
t é t i c a d e nomeação.
[obedeceram.
c) objetividade, racionalismo, universa-
Cesse tudo que a antiga Musa canta
lismo, antropocentrismo, retomada de
Q u e outro valor mais alto se valores grego-latinos, referenciali-
[alevanta! d a d e , harmonia e equilíbrio.
((Camões, Os Lusíadas, C a n t o I, e s t r o f e I V )

Assinale a alternativa incorre- d ) e s t é t i c a d e sugestão, m u s i c a l i d a d e ,


ta acerca do texto acima: t e m a s v a g o s e m í s t i c o s , conotação,
s i n e s t e s i a , não-separação d e s u j e i -
a) a e s t r o f e a c i m a c o r r e s p o n d e à 1ª to-objeto.
p a r t e d o p o e m a (Proposição) e i n d i -
ca a m a t é r i a é p i c a de Os Lusíadas. e) dualismo, fusionismo, uso do con-
traste, bifrontismo, metalinguagem,
b) o verso e m p r e g a d o na estrofe a c i m a
excesso de figuras de linguagem.
é o d e c a s s í l a b o ( o u v e r s o de medida
nova), v e r s o t i p i c a m e n t e c l á s s i c o .
26. (OSEC-SP) Coloque V (para Ver-
c) a e s t r o f e a c i m a r e c e b e o n o m e de oi- dadeiro) ou F (para Falso), com
tava rima ou oitava real (8 v e r s o s relação à estética Clássica:
— 130 —

( ) os padrões estéticos clássicos deri- A poesia de C a m õ e s é c o m u -


vam de uma concepção de vida teo- mente classificada em "medida
cêntrica. velha" e "medida nova". É correto
afirmar que o p o e m a abaixo inse-
() ao Misticismo e Ascetismo Medievais
re-se n a :
substitui o Paganismo, introduzindo
novamente a mitologia greco-latina a) "medida velha", porque expressa um
nas artes. ideal de beleza mais concreto, por
meio da valorização dos dotes físi-
() as obras clássicas apresentam uma
cos da mulher do povo.
linguagem popular, sendo, por isso,
acessíveis a todos. b) "medida velha", porque se prende às
convenções da poesia greco-latina,
( ) por bifrontismo da obra camoniana
entre elas, a do panteísmo.
se entende a participação do ideário
medieval e dos valores clássicos. c) "medida velha" porque é composto
em redondilha menor, tipo de verso
27. (ENC-SP) de origem popular.

Lioanor pela verdura; d) "medida nova", porque se serve do


Vai fermosa, e não segura. idealismo neo-p/atônico, para expres-
sar a elevação espiritual da mulher
Leva na cabeça o pote,
do povo.
O testo nas mãos da prata,
e) "medida nova", porque é composto
Cinta de fina escarlata, em redondilha maior, tipo de verso
Sainho de chamalote; introduzido em Portugal por Sá de Mi-
Traz a vasquinha de cote, randa

Mais branca que a neve pura; 28. (ENC-SP) Em Os Lusíadas, Camões:


Vai termosa e não segura. a) homem do século XVI, abraçando o
Descobre a touca a garganta, Cristianismo e vivendo o pragmatismo
de seu tempo, despreza a mitologia
Cabelos de ouro entrançado,
greco-latina, que contraria sua fé e o
Fita de cor de encarnado, cientificismo da época.
Tão linda que o mundo espanta,
b) como todo poeta do Renascimento,
Chove nela graça tanta, recebendo influência dos gregos e
Que dá graça à fermosura: romanos, concebe as divindades pa-
gãs como superiores à cristã.
Vai fermosa, e não segura.*
c) fiel a sua religião, faz que a divinda-
* testo = tampa de pote; chama- de cristã compareça de maneira físi-
lote = tecido de lã e seda; vasquinha = ca, intervindo e atuando ao longo do
espécie de saia; de cofe = de uso co- poema, do mesmo modo que as di-
tidiano. vindades pagãs.
131

d ) r e c e b e n d o influência d i r e t a d e H o - (...)
m e r o e Virgílio, elimina em s u a e p o - Q u e eu c a n t o o peito ilustre
péia quaisquer vestígio da concep- [Lusitano
ção d e m u n d o cristã. A q u e m Neptuno e Marte
e) sensível aos valores do m u n d o clás- [obedecerão;
sico, vale-se da mitologia greco-lati- Cesse tudo o que a M u s a antiga
na c o m o um recurso retórico, que e n - [canta,
riquece e e m b e l e z a os elementos his- Q u e outro valor m a i s alto se
tóricos. [alevanta.

29. (FMABC-SP) Aponte a alternati-


E não m e n o s c e r t í s s i m a
va c o r r e t a :
[Christandade,
a) Eça de Queirós é um dos maiores Vós, ó novo temor da Maura lança,
prosadores românticos de Portugal. Maravilha fatal da n o s s a idade,
D a d a ao m u n d o por Deos, que
b ) Camões, a l é m d e p o e t a é p i c o , é n o -
[todo o m a n d e
tável c o m o lírico. (...)
c) toda a poesia de Bocage se enqua-
Encontramos neles aspectos
dra no Arcadismo.
que caracterizam o movimento mo-
d) Vieira representa o melhor da poesia dernista brasileiro e o classicismo
barroca. português, tais como:

a ) miscigenação d e supertições, p r o v é r -
e) Camilo Castelo Branco é lembrado
b i o s e a n e d o t a s — coexistência de
sobretudo pelo romance histórico.
e n t i d a d e s m i t o l ó g i c a s c o m a tradição
monoteísta herdada da Idade Média.
30. (UFPR) Os trechos abaixo foram
retirados, respectivamente, das b ) problematização s o c i a l v i s t a à s a v e s -
obras de Mário de Andrade e de s a s a t r a v é s d o h u m o r — coexistên-
Camões: cia de entidades mitológicas c o m a
tradição p o l i t e í s t a h e r d a d a d a I d a d e
No outro dia o herói acordou muito Média.
constipado. Era porque apesar do calo-
c ) ridicularização d o h o m e m a t r a v é s d a s
rão d a n o i t e e l e d o r m i r a d e r o u p a c o m
tradições h i s t ó r i c a s — exaltação do
medo da Caruviana que pega indivíduo
h o m e m por seus feitos históricos.
dormindo nu. M a s estava muito gangen-
to c o m o discurso da véspera. Esperou d ) problematização s o c i a l v i s t a à s a v e s -
impaciente os quinze dias da doença s a s a t r a v é s d o h u m o r — exaltação
resolvido a contar mais casos pro p o v o . do h o m e m por seus feitos históricos.
Porém q u a n d o se sentiu b o m era m a - e ) comparação d o h o m e m a s e r e s f o l -
nhãzinha e q u e m c o n t a h i s t ó r i a s d e d i a c l ó r i c o s — comparação do h o m e m a
cria rabo de cutia. seres mitológicos.
— 132 —

3 1 . (UFPA) Sobre a lírica camoniana, Se me pergunta alguém por que


é incorreto afirmar que: [assi a n d o ,
r e s p o n d o q u e não s e i ; p o r é m o
a ) b o a p a r t e d e s u a realização s e e n -
[suspeito
c o n t r a n a p o e s i a d e inspiração c l á s -
sica. q u e só porque vos vi, m i n h a
[Senhora.
b) s u a temática é variada, encontran-
do-se desde temas abstratos até tra- O soneto acima transcrito é de
dicionais. Luís Camões. Nele se acha uma ca-
racterística da poesia clássica re-
c) no aspecto formal, é toda construída
nascentista. Assinale essa caracte-
em versos decassílabos em oitava rística, em uma das alternativas:
rima.
a) a suspeita de a m o r q u e o poeta de-
d) sonda o sombrio mundo do "eu" da
c l a r a n a conclusão.
mulher, da Pátria e de D e u s .
b) o j o g o de contradições e p e r p l e x i d a -
e) muitas vezes, o poeta procura con-
des que atormentam o poeta.
c e i t u a r o A m o r , l a n ç a n d o mão d e a n -
títeses e paradoxos. c) o fato de todos perguntarem ao p o e -
ta por q u e a s s i m anda.
32. (VUNESP)
d ) o f a t o d e o p o e t a não s a b e r r e s p o n -
Tanto de m e u estado me acho der a q u e m o interroga.
[incerto,
e ) a utilização d e u m s o n e t o p a r a r e l a t o
que em vivo ardor tremendo estou
das suas amarguras.
[de frio;
s e m c a u s a , j u n t a m e n t e c h o r o e rio, 33. (FUVEST) Indique a idéia que não
está no texto:
o m u n d o todo abarco e n a d a aperto.
Por isso, ó vós que as f a m a s estimais,
É tudo q u a n t o sinto, um desconcerto;
Se quiserdes no m u n d o ser tamanhos,
d a a l m a u m fogo m e sai, d a vista
Despertais já do sono do ócio ignaro,
[ u m rio;
Q u e o â n i m o d e livre f a z e s c r a v o .
agora espero, agora desconfio,
E p o n d e n a c o b i ç a u m freio d u r o ,
agora desvario, agora acerto.
E n a ambição t a m b é m , q u e
Estando e m terra c h e g o a o céu [indignamente
[voando,
T o m a i s mil v e z e s , e no t o r p e e e s c u r o
n u n f h o r a a c h o mil a n o s , e é de jeito
Vício da tirania infame e urgente;
q u e e m m i l , a n o s não p o s s o a c h a r P o r q u e e s s a s h o n r a s vãs, e s s e o u r o
um'hora. [puro
— 133 —

V e r d a d e i r o v a l o r não dão à g e n t e ; o n d e e s p e r a n ç a falta, l á m e


[esconde
M e l h o r é merecê-lo s e m os ter,
A m o r u m m a l , q u e m a t a e não s e vê;
Q u e possuí-los s e m os merecer.
(Camões) que dias há que na alma me t e m
[pôsto
a) a ambição é um v í c i o t o r p e q u e l e v a à
um não s e i quê, q u e n a s c e não sei
tirania.
[onde,
b) as f a l s a s h o n r a s e a r i q u e z a não dão v e m não sei c o m o e d ó i não s e i
valor às p e s s o a s . [por quê.
c) os que a s p i r a m à glória d e v e m fugir
34. (PUC-RS) Neste poema é possí-
ao ócio.
vel reconhecer que uma dialé-
d) é preciso refrear a e x c e s s i v a a m b i - tica amorosa trabalha a oposi-
ção B o p e n d o r p a r a t i r a n i a . ção entre:
e) é p r e f e r í v e l m e r e c e r h o n r a s e r i q u e - a) o b e m e o mal.
z a s não c o n s e g u i d a s a obtê-las s e m b) a p r o x i m i d a d e e a d i s t â n c i a .
merecimento.
c) o d e s e j o e a idealização.
As q u e s t õ e s 34 e 35 r e f e r e m - d) a razão e s e n t i m e n t o .
se ao texto abaixo:
e) o m i s t é r i o e a r e a l i d a d e .
Busque A m o r novas artes, n o v o
[engenho, 35. (PUC-RS) Uma imagem de forte
e x p r e s s i v i d a d e deixa implícita
para matar-me, e novas
u m a c o m p a r a ç ã o c o m o arris-
[esquivanças; cado jogo do amor. Assinalar a
q u e não p o d e t i r a r - m e e s p e r a n ç a s , alternativa que contém essa
imagem:
q u e m a l m e t i r a r á o q u e e u não
[tenho. a) o e n g e n h o do amor.
b) o perigo da s e g u r a n ç a .
Olhai de q u e esperanças me
[mantenho! c ) naufrágio e m bravo mar.

vede que perigosas seguranças: d) mar tempestuoso.

q u e não t e m o c o n t r a s t e s n e m e ) u m não s e i quê.


[mudanças,
36. (CESGRANRIO-RJ) Apontam-se a
andando em bravo mar perdido o seguir a l g u m a s características
[lenho. atribuídas pela crítica à epopéia
de Luís Vaz de Camões, Os Lu-
M a s , c o n q u a n t o não p o d e h a v e r síadas. Uma dessas característi-
[desgosto cas está incorreta. Trata-se de:
134

a) concepção da história nacional como Destemperada e a voz


seqüência de proezas de heróis aris- [enrouquecida,
tocráticos e militares. E não do canto, mas de ver que
b) apologia dos poderes humanos, real- [venho
çando o orgulho humanista de auto- Cantar a gente surda e endurecida.
determinação e do avanço no domí- O favor com que mais se acende
nio sobre a natureza. [o engenho
c) efabulação mitológica. Não no dá a pátria, não, que está
[metida
d) contraposição da experiência e da
observação direta à ciência livresca No gosto da cobiça e na rudeza
da Antigüidade. De uma austera, apagada e vil
[tristeza.
e) eliminação do pan-erotismo, existen-
te em parte da lírica, em favor de uma Os versos acima p e r t e n c e m a
ênfase mais objetiva na narração dos que parte dos Lusíadas?
feitos lusitanos. a) proposição.
37. (CESGRANRIO-RJ) Sobre Os Lu- b) invocação.
síadas, é incorreto afirmar que: c) dedicatória.
d) narração.
a) quando a ação do poema começa,
as naus portuguesas estão navegan- e) epílogo.
do em pleno Oceano Índico, portanto
39. (UNIJUÍ-RS) O digno r e p r e s e n -
a meio da viagem.
tante do povo português, herói
b) na invocação, o poeta se dirige às de Os Lusíadas, foi:
Tágides, musas do Rio Tejo. a) Alexandre, o Grande.
c) na Ilha dos Amores, após o banque- b) Trajano.
te, Tethys conduz o capitão ao ponto c) Vasco da Gama.
mais alto da ilha, onde lhe desvenda
d) Ulisses.
"a máquina do mundo".
e) Virgílio.
d) tem como núcleo narrativo a viagem
de Vasco da Gama a fim de estabele- 40. (UNIJUÍ-RS)
cer contato marítimo com as índias. Os bons vi sempre passar
e) é composto em sonetos decassíla- No mundo graves tormentos
bos, mantendo, em 1102 estrofes, o E, para mais me espantar,
mesmo esquema de rima. Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
38. (FUVEST)

Não mais, Musa, não mais, que a Cuidando alcançar assim


[Lira tenho O bem tão mal ordenado,
— 135 —

Fui mal. Mas fui castigado. c) a exaltação do heróico e do épico, por


Assim que só para mim meio das metáforas grandiloqüentes
Anda o mundo concentrado. da epopéia.

d) lirismo trovadoresco, caracterizado


O texto anterior: por figuras de estilo passionais e mís-
a) é parte de um auto de Gil Vicente. ticas.

b) é um soneto camoniano. e) conceptismo, caracterizado pela utili-


zação constante dos recursos da dia-
c) é composto de redondilhas, que se
lética.
encaixam na obra lírica de Camões.

d) pode ser encaixado em Os Lusíadas, 42. (FUVEST) A respeito do Pe. Antô-


devido à estrutura das estrofes. nio Vieira, pode-se afirmar que:

e) é uma cantiga de amigo. a) embora vivesse no Brasil, por sua


formação lusitana, não se ocupou de
4 1 . (FUVEST) problemas locais.
Entre os semeadores do Evangelho b) procura adequar os textos bíblicos
há uns que saem a semear, há outros às realidades de que tratava.
que semeiam sem sair. Os que saem a
semear são os que vão pregar à índia, à c) dada sua espiritualidade, demonstrava
China, ao Japão; os que semeiam sem desinteresse por assuntos mundanos.
sair são os que se contentam com pre- d) em função de seu zelo para com Deus,
gar na pátria. Todos terão sua razão, mas utilizava-o para justificar todos os acon-
tudo tem sua conta. Aos que têm a seara tecimentos políticos e sociais.
em casa, pagar-lhes-ão a semeadura:
e) mostrou-se tímido diante dos interes-
aos que vão buscar a seara tão longe,
ses dos poderosos.
hão-lhes medir a semeadura, e hão-lhes
de contar os passos. Ah! dia do juízo! Ah! 43. (FUVEST) O Barroco é, na verda-
pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com de, dois estilos: o Cultismo e o
mais paço; os de lá, com mais passos... C o n c e p t i s m o . O Cultismo:

A passagem acima é represen- a) caracteriza-se pelo agudo jogo de


tativa de uma das tendências esté- conceitos e idéias, que desenvolve
ticas da prosa seiscentista a saber: apoiando-se no raciocínio silogístico.

a) o sebastianismo, isto é, a celebração b) é o estilo que busca a aproximação


do mito da volta de D. Sebastião, rei entre poesia e música, valorizando fi-
de Portugal, morto na batalha de Al- guras sonoras e os efeitos musicais
cácer-Quibir. do ritmo.

b) a busca do egotismo e da aventura c) corresponde a uma estética de no-


ultramarina, presentes nas crônicas meação, em que predomina a poesia
e narrativas de viagem. descritiva e de traço arqueológico.
136

d) caracteriza-se pela linguagem meta- d ) M a n u e l d e S o u s a C o u t i n h o (Frei Luís d e


fórica, pelo uso excessivo de figu- S o u s a ) - História de São Domingos.
ras, s o b r e t u d o antíteses e hipérboles,
e) S ó r o r M a r i a n a D ' A l c o f o r a d o - Cartas.
p e l a visão d e m u n d o d u a l i s t a , c o n -
traditória e sensorial. f ) Fênix R e n a s c i d o e Postilhão d e A p o l o
- Coletâneas de Poesias seiscen-
e) n.d.a.
tistas portugueses.
44. ( O B J E T i V O - S P ) A s s i n a l e a ( s ) g) P e . V i e i r a - Poemas à Virgem Maria.
a f i r m a ç ã o ( õ e s ) incorreta(s) ou
n ã o r e l a c i o n a d a ( s ) ao período 46. (ENC-SP) O p r e g a d o r h á d e s e r c o -
Barroco em Portugal: m o q u e m s e m e i a , e não c o m o q u e m
ladrilha ou azuleja. O r d e n a d o , m a s
a) ( ) C o n t r a - r e f o r m a - Inquisição.
c o m o as estrelas. Todas as estrelas
b) ( ) Decadência p o l í t i c a e e c o n ô m i c a . estão p o r s u a o r d e m ; m a s é o r d e m
q u e f a z influência, não é o r d e m q u e
c) ( ) D o m í n i o e s p a n h o l . f a ç a lavor. Não f e z D e u s o c é u e m
xadrez de estrelas, c o m o os prega-
d) () Mito sebastianista.
d o r e s f a z e m o sermão e m x a d r e z
e) () Predomínio da prosa sobre a poesia. de palavras. Se de u m a parte está
branco, de outra há de estar negro;
f) ( ) S e r m o n í s t i c a , p r o s a d i d á t i c a e m o -
se de u m a parte está dia, de outra
ralizante.
há de estar noite; se de u m a parte
g) ( ) Elitização, f r i v o l i d a d e da produção d i z e m l u z , d a o u t r a hão d e d i z e r s o m -
acadêmica. bra; se de u m a parte d i z e m d e s c e u ,
d a o u t r a hão d e d i z e r s u b i u .
h) () Academias dos Generosos e dos
Singulares. No fragmento acima, pertencen-
te ao Sermão da Sexagésima, o pa-
i) ( ) A c a d e m i a s d o s E s q u e c i d o s e d o s
dre Antônio Vieira mostra uma ten-
Renascidos.
dência muito comum em sua obra:

45. (OBJETIVO-SP) Assinale a alter- I. Uso das antíteses com o propósi-


nativa que encerre uma associa- to deliberado de equilibrar os an-
ção incorreta, acerca do Barro- seios espiritualistas e teocêntri-
co em Portugal: cos da Idade Média com os mate-
rialistas e a n t r o p o c ê n t r i c o s do
a ) P e . M a n u e l B e r n a r d e s - N o v a Floresta.
Renascimento.
b ) P e . F r a n c i s c o M a n u e l d e M e l o - Car-
II. Critica os exageros formais dos
ta de Guia aos Casados.
pregadores cultistas, que usavam
c) Antônio José da Silva (O Judeu) - e abusavam das antíteses, tornan-
Guerras do Alecrim e da Manjerona. do o estilo obscuro.
— 137 —

III. Defende o apuro formal dos pre- a) o m e d o de ser infeliz; u m a intensa


gadores gongoristas, vendo nele a n g ú s t i a e m f a c e d a v i d a , a q u e não
uma f o r m a mais a d e q u a d a de c o n s e g u e d a r s e n t i d o ; a desilusão
convencer e converter o fiel. d i a n t e d a falência d e v a l o r e s t e r r e -
Interpreta corretamente o que nos e divinos.
se afirma a p e n a s e m : b ) a consciência d e q u e o m u n d o t e r r e -
a)l. c ) III. e ) I e III. no é efêmero e vão; o s e n t i m e n t o de
nulidade diante do poder divino.
b ) II. d)lell.
c ) a percepção d e q u e h á s a í d a s p a r a o
47. ( U F R J ) A p o n t e , nas q u e s t õ e s h o m e m ; a certeza de q u e o a g u a r d a m
seguintes, o que é falso (F) e o o inferno e a d e s g r a ç a espiritual.
que é verdadeiro (V).
d) a n e c e s s i d a d e de ser p i e d o s o e cari-
a) ( ) V i e i r a d e f e n d e a ¡déla de q u e o t a t i v o , p a r a l e l a à v o n t a d e d e fruir a t é
p r e g a d o r não d e v e u s a r a p a l a v r a p e l a a s ú l t i m a s consequências o l a d o m a -
palavra só para satisfazer o gosto terial da vida.
pelos m a l a b a r i s m o s estéticos - na
v e r d a d e , c o n d e n a o estilo cultista. e) a revolta contra os a s p e c t o s fatais
que os deuses imprimem a seu desti-
b) ( ) V i e i r a a c u s a d i r e t a m e n t e o e s t i l o no e à v i d a na t e r r a .
gongórico c o m o o responsável pelo
a f a s t a m e n t o d o s fiéis. 49. (CESESP-PE) Numere os parên-
teses, obedecendo à seguinte
c) () o grande pregador conceptista en-
convenção:
fatiza que a importância da lingua-
g e m preciosa é decisiva para que o 1. Barroco.
ouvinte fique impressionado. 2. Arcadismo.
d) () a linguagem de Vieira é evidente- 3. Romantismo.
m e n t e u m a d e f e s a a o c u l t i s m o , d a í ter
conseguido persuadir o seu público. ( )exacerbação d o s e n t i m e n t o , e n v o l -
t o n u m a visão d e a m o r i d e a l i s t a .
48. (UEL-PR)
( )visão d u a l i s t a d o u n i v e r s o , r e f l e t i -
Q u e és terra, h o m e m , e em terra
da numa linguagem essencialmente
[hás de tornar antitética.
Te l e m b r a hoje D e u s por s u a Igreja;
( )expressão c o n s t a n t e e q u a s e m o -
De pó te fez espelho, em q u e se
nótona da fugacidade da vida.
[veja
A vil m a t é r i a , d e q u e q u i s ( )ênfase n a i n c o r r e s p o n d e n c i a a m o -
[formar-te. rosa das tiranas donzelas.

Conforme surgere o excerto ( ) s o b r e exaltação d a b e l e z a f e m i n i -


acima, o poeta barroco não raro ex- na, superior aos elementos da na-
pressa: tureza.
138

De cima para baixo, a resposta c) Parnasianismo.


correta é: d) Barroco.
a) 3, 1, 1 , 2 , 1.
52. (FAC. MED. TRIÂNGULO MINEIRO)
b) 2, 1, 1 , 3 , 2 . A busca da simplicidade da lin-
c ) 1, 3, 2, 1, 2. guagem e a descoberta da feli-
c i d a d e pela i n t e g r a ç ã o do ho-
d) 3, 1, 2, 2, 1.
m e m na natureza, em oposição
e ) 2 , 1,2, 3, 1, ao artificialismo formal e à a n -
gústia dos conflitos entre o Bem
50. (OBJETIVO-SP) Ele é considerado e o Mal, são algumas das carac-
um dos três maiores sonetistas terísticas que contrapõem o
da língua portuguesa, ao lado de ao
Camões e de Antero de Quental.
Sua poesia lírica, extremamente a) b a r r o c o - c l a s s i c i s m o .
pessoal, é marcada por um re-
b) a r c a d i s m o - barroco.
belde libertarismo emocional. Às
vezes violento, às vezes calmo. c) r o m a n t i s m o - arcadismo.
Sua vasta obra poética apresenta
d) p a r n a s i a n i s m o - r o m a n t i s m o .
dois aspectos f u n d a m e n t a i s : o
satírico e o lírico; mas é no lírico e) s i m b o l i s m o - p a r n a s i a n i s m o .
que o poeta se realiza plenamen-
te e fica famoso. Foi, sem dúvida, 53. ( C F E T - P R ) Assinale a alternati-
o maior poeta português do sé- va que melhor indica os valo-
culo XVIII. Seu pseudônimo arcá- res da estética árcade:
dio é Elmano Sadino. Trata-se de:
a) natureza, simplicidade, pastoralismo.
a) C r u z e Silva.
b) equilíbrio, natureza, filosofia.
b) Domingo Caldas Barbosa.
c) pastoralismo, sonoridade, natureza.
c ) Filinto Elísio.
d) bucolismo, pastoralismo, ilogismo.
d) Almeida Garret.
e) Bocage. e) pastoralismo, ilogismo, subjetivismo.

5 1 . (FAC. OSWALDO CRUZ-SP) A "áu- 54. ( F U V E S T ) De B o c a g e , pode-se


rea mediocridade", a fuga à vida dizer que:
citadina, o bucolismo d e f i n e m -
a) p a s s o u a maior parte de sua vida no
se como tendências do:
Brasil.
a) Romantismo.
b) é o e x p o e n t e m á x i m o da p o e s i a por-
b) Arcadismo. tuguesa do século XVIII.
— 139 —

c ) foi g r a n d e c u l t o r d o s o n e t o b a r r o c o . o r i e n t a v a m a criação p o é t i c a d o A r c a -
dismo.
d) escreveu contos eróticos.
b) o texto d e m o n s t r a que Bocage, ape-
e) representa a poesia parnasiana em
sar de pertencer à Arcádia Lusitana,
Portugal.
u l t r a p a s s a os limites do A r c a d i s m o e
antecipa características da inspira-
55. ( E N C - S P ) Leia c o m a t e n ç ã o o
ção p o é t i c a d o R o m a n t i s m o .
texto de Manuel Maria Barbosa
du Bocage, a seguir: c) o poeta se identifica c o m os b e m -
a v e n t u r a d o s e s o l i c i t a a p i e d a d e do
Chorosos versos meus desentoados, leitor p a r a c o m o s s e u s v e r s o s .
S e m arte, s e m beleza e s e m
d ) a emoção i n t e r f e r e n a elaboração a r -
[brandura,
tística.
U r d i d o s p e l a mão d a D e s v e n t u r a ,
Pela baça Tristeza envenenados: e ) s a b e - s e q u e B o c a g e foi u m á r c a d e
rebelde; pertenceu à Nova Arcádia,
V e d e a l u z , não b u s q u e i s , m a s foi e x p u l s o d e l a . O s o n e t o em
[desesperados, questão a p r e s e n t a c a r a c t e r í s t i c a s
No m u d o esquecimento a formais neo-clássicas e, quanto ao
conteúdo, antecipa o sentimentalis-
[sepultura;
mo romântico.
Se os ditosos vos lerem s e m
[ternura, 56. ( O B J E T I V O - S P ) A s s i n a l e , c o m
Ler-vos-ão c o m t e r n u r a o s r e l a ç ã o ao A r c a d i s m o (V) ver-
[desgraçados: dadeiro ou (F) falso:

Não v o s i n s p i r e , ó v e r s o s , c o b a r d i a , a) ( ) d e s e n v o l v e u - s e na s e g u n d a m e -
Da sátira m o r d a z o furor louco, tade do século XVIII, refletindo os
ideais iluministas. Coincide no Bra-
De maldizente voz a tirania:
sil c o m o c i c l o d a mineração e c o m
D e s c u l p a t e n d e s , s e v a l e i s tão a s rebeliões n a t i v i s t a s .
[pouco; b) ( ) é um r e g r e s s o a o s i d e a i s do c l a s -
Q u e não p o d e c a n t a r c o m m e l o d i a sicismo greco-romano e renas-
Um peito, de g e m e r c a n s a d o e centistas (clareza, simplicidade,
[rouco. b u s c a d o b e l o , b e m , v e r d a d e e per-
feição).
Sobre esse soneto, é correto
c) () o s t e m a s p r e d o m i n a n t e s são o p a s -
afirmar:
toralismo e o bucolismo. A natureza
a) o a m o r é a p r e s e n t a d o de m a n e i r a é o cenário suave e convencional
controlada, de acordo c o m os princí- onde "pastores" e "musas" vivem
pios do racionalismo e equilíbrio q u e a m e n o s idílios c a m p e s t r e s .
— 1 40 —

d) () o estilo é contido, há poucas figu- 59. (UFMG) Aponte a alternativa cujo


ras (em comparação ao Barroco) conteúdo não se aplica ao Arca-
e predomina a ordem direta. dismo:

e) ( ) não há conflitos, a expressão é a) desenvolvimento do gênero épico, re-


serena e apóia-se na mitologia gre- gistrando o início da corrente indianis-
co-romana, no convencionalismo ta na poesia brasileira.
amoroso.
b) presença da mitologia grega na poe-
f) () a arte volta-se para o natural e o sia de alguns poetas desse período.
verdadeiro e tem finalidade didá-
tica e moralizante. A imaginação c) propagação do gênero lírico em que
é contida. os poetas assumem a postura de pas-
tores e transformam a realidade num
g) () segue os ideais clássicos da "fu- quadro idealizado.
gere urbem", da "carpe diem", da
"áurea mediocritas" e tem como d) circulação de manuscritos anônimos
lema "Inutilia Truncat". de teor satírico e conteúdo político.

57. (OBJETIVO-SP) Assinale a(s) al- e) penetração de tendência mística e re-


ternativa^) não relacionadas ao ligiosa, vinculada à expressão de ter
Arcadismo em Portugal: ou não fé.

a) ( ) Regime Pombalino - despotismo


60. ( C E N T E C - B A ) Q u a n d o o poeta
esclarecido. n e o c l á s s i c o p i n t a uma p a i s a -
gem como um "estado de al-
b) () Influência espanhola.
m a " , p o d e m o s dizer que esta-
c) () Influência francesa e italiana. mos diante de uma p a i s a g e m :
d) () Iluminismo, racionalismo.
a) tipicamente neoclássica.
e) () Arcádia Lusitana e Nova Arcádia.
b) sugestivamente simbólica.
58. ( O B J E T I V O - S P ) Assinale o que
c) rebuscadamente barroca.
não se referir a Bocage:
d) prenunciadora do parnasianismo.
a) Idilio Marítimo e Rimas, razão X sen-
timentos. e) antecipadamente romântica.
b) Pré-Romantismo - confessionalismo,
6 1 . (UEL-PR) Assinale a alternativa
presença da morte, poesia notumal.
e m q u e a p a r e c e uma c a r a c t e -
c) poesia lírica e satírica. rística imprópria do Arcadismo:
d) autor das Espístolas e Marília.
a) bucolismo.
e) o bucolismo e o pastoralismo são os
b) presença de entidades mitológicas.
temas dominantes em seus melhores
sonetos. c) exaltação da natureza.
— 141 —

d) tranqüilidade no relacionamento a m o - Tendo por base o texto crítico


roso. a b a i x o e, s o b r e t u d o , a leitura de
Frei Luís de Sousa e Eurico, o Pres-
e ) evasão d a m o r t e . bítero, é correto afirmar que:

62. (FEI-SP) São características co- a) o "português aberto à ordem clássi-


muns aos m o v i m e n t o s r o m â n - ca" d i f e r e do "português de cerne",
tico e modernista; porque se deixa levar mais profun-
d a m e n t e p e l a emoção, d e v i d o à s i n -
a ) s e n t i m e n t o t r á g i c o d a v i d a ; desilusão fluências d a t r a g é d i a c l á s s i c a .
e sofrimento.
b) o problema do celibato, no d r a m a de
b ) visão d a n a t u r e z a c o m o r e f ú g i o a c o - Garrett, s e r v e p a r a criar intenso c o n -
l h e d o r ; atração p o r a m b i e n t e n o t u r n o s . flito e n t r e a s p e r s o n a g e n s , q u e a d o -
t a m o h á b i t o f o r ç a d a s p e l a situação;
c ) projeção n a n a t u r e z a d o e s t a d o d e j á , em Eurico, o Presbítero, s u p e r a -
e s p í r i t o d o p o e t a ; r e l i g i o s i d a d e cristã. se a idéia do p e c a d o , p o r q u e a per-
s o n a g e m veste o hábito movida pela
d) n a c i o n a l i s m o ; liberdade; d e s e j o de re-
autêntica f é cristã e p e l o d e s e j o d e
formas sociais.
c o m b a t e r os infiéis.
e ) idealização d a m u l h e r ; m o r t e e n c a r a -
c) Frei Luís de Sousa i n s e r e - s e na l i n h a
d a c o m o libertação.
d a r i g o r o s a construção c l á s s i c a , q u e
supõe a recuperação de t í p i c o s e x -
$3. (ENC-SP) A s d u a o b r a s - p r i m a s d o pedientes dramáticos da tragédia, en-
r o m a n t i s m o português - Frei Luís q u a n t o q u e a construção m a i s l i v r e ,
de Sousa e Eurico, o Presbítero - em Eurico, o Presbítero, i m p l i c a a a t u a -
gêmeas n o t e m p o e n o s m o t i v o s , lização e m g r a n d e e s c a l a d e e x p e -
separam-se tanto quanto Garrett se dientes comuns ao Romantismo, c o m o
afasta e diverge de Herculano. Um o da expansão s e n t i m e n t a l .
é a c o n s t a n t e p e s s o a l do p o r t u g u -
d ) h á influência c l á s s i c a t a n t o e m Frei
ês a b e r t o à o r d e m c l á s s i c a , o p o r -
Luís de Sousa q u a n t o em Eurico, o
tuguês l ú c i d o e s e n s í v e l d a s a u d a -
Presbítero, p r e s e n t e n a construção
de e do p e c a d o de delícia n u m a e q u a -
rigorosa das duas obras, que obe-
ção d e t r a g é d i a , c o m s e n t i m e n t o s
d e c e m aos cânones da estética seis-
d e B e r n a r d i m e m f o r m a s d e Camões;
centista da tragédia.
o u t r o , o d o português d e c e r n e , q u e
peca sobriamente e supera com du- e ) o s e n t i m e n t o d a emoção, m u i t o m a i s
r e z a o s e u p e c a d o , s e n t i n d o a Sá presente em Herculano do que em
de Miranda e falando c o m ásperos G a r r e t t , é a u t e n t i c a m e n t e português,
soluços. A m b o s bem nossos. e n q u a n t o q u e a construção t r á g i c a
não p a s s a d e influência e s t r a n h a a
{Vitorino Nemísio) Portugal.
— 142 —

64. ( E N C - S P ) Amor de perdição é c) despreocupação formal.


uma obra t i p i c a m e n t e r o m â n t i -
d) análise psicopatológica.
ca porque nela Camilo Castelo
Branco valoriza: e) aproveitamento da mitologia clássica.
a) o sentimento nativista, presentes na II. O autor do texto é:
recusa de Simão e Teresa em fugi-
rem de Portugal, apesar de persegui- a) Eça de Queirós.
dos pela justiça. b) Camilo Castelo Branco.
b) as natureza, como fonte de vida e c) Padre Antônio Vieira.
inspiração, em que Simão se refugia,
no final da obra, quando não pode d) Fernando Namora.
mais ter acesso a Teresa.
e) Alexandre Herculano.
c) os valores espirituais do Cristianis-
mo, a que Simão se apega quando é 66. ( U N I V E R S I T Á R I O - S P ) Leia c o m
condenado ao degredo. atenção o trecho abaixo, ex-
traído do último capítulo de
d) o mundo das paixões, o excesso de Amor de Perdição, de C a m i l o
sentimentos, evidentes no modo vio- Castelo Branco.
lento como Simão assassina Baltazar
Coutinho. Viram-na um momento, bracejar,
não para resistir à morte mas para abra-
65. (FUVEST) Leia o texto abaixo: çar-se ao cadáver de Simão, que uma
onda lhe atirou aos braços. O coman-
O pacto feito por ele com os ára-
dante olhou para o sítio donde Mariana
bes não tardou a ser por mil modos vio- atirara, e viu, enleado no cordame, o
lado, e o ilustre guerreiro teve de se avental, e à flor da água, um rolo de
arrepender, mas já debalde, por haver papéis, que os marujos recolheram na
deposto a espada aos pés dos infiéis, lancha.
em vez de pelejar até à morte pela liber-
dade. Fora isto o que Pelágio preferira, a) Que relação há, em Amor de Per-
e a vitória coroou o seu confiar no es- dição, entre as p e r s o n a g e n s S i -
forço dos verdadeiros Godos e na pie- mão e Mariana?
dade de Deus.
b ) N o trecho citado, o narrador men-
ciona um "rolo de papéis". Que
A g o r a , responda as q u e s t õ e s :
papéis são esses?
I. Qual das c a r a c t e r í s t i c a s abaixo c) C o n s i d e r a n d o as r e s p o s t a s d a -
está p r e s e n t e no t e x t o ? das aos itens a e b, analise a fun-
ção d e s e m p e n h a d a pela p e r s o -
a) retomada dos valores medievais.
n a g e m Mariana na estrutura do
b) denúncia de males sociais. romance.
— 143 —

67. (METODISTA-PIRACABA-SP) Na 69. (OSEC-SP)


primeira metade do século XIX, a
Do tamarindo a flor faz
discordância entre a literatura e a
modernização presentifica-se de [entreaberta,
maneira nítida e profunda. Pelas Já solta o bogari mais doce aroma,
obras literárias percebe-se uma
Também meu coração, como estas
cosmovisão marcada pelo choque
[flores,
com o cotidiano imediato e as evi-
dências de um mal-estar, que pas- Melhor perfume ao pé da noite
sou a ser conhecido como o mal [exala!
do século. Os textos revelam uma
ânsia de evasão deste presente É possível reconhecer, na e s -
circunstancial e descolorido. Na t r o f e a c i m a , u m e x e m p l o d a cor-
busca de compreensão, o artista rente:
valoriza a imaginação criadora: a
arte se converte em manifestação a) barroca, pela imagem que evoca a
da alma... e a s s i m t e m - s e o: natureza como símbolo da transito-
ridade da vida.
a) Simbolismo.
b) arcádica, pois o poeta revela seu amor
b) Parnasianismo. a uma natureza idealizada.

c) Romantismo. c) romântica, pela identificação dos sen-


timentos humanos com aspectos da
d) Barroco.
natureza.
e) Pré-Modemismo.
d) parnasiana, pela apresentação da na-
tureza com imagem da perfeição.
68. ( F C M S C - S P ) A r e n o v a ç ã o das
f o r m a s , a liberdade de e x p r e s - e) simbolista, pois a natureza é apenas
são e a tentativa de incorporar um recurso que o poeta transcende,
à literatura nossas coisas mais atingindo um nível de espirituaidade
típicas - como particularidades plena.
regionais e termos indígenas -
são marcas f r e q ü e n t e s d o : 70. ( U F P R ) A l g u n s d o s m a i o r e s
expoente da estética român-
a) Barroco. tica em Portugal no século XIX
b) Arcadismo. foram:

c) Romantismo. a) Castro Alves, Almeida Garret e Ale-


xandre Herculano.
d) Realismo.
b) Cesário Verde, Álvares de Azevedo
e) Pré-modernismo. e Castro Alves.
— 144 —

c) Eça de Queirós, Camilo Castelo Bran- do d o s bacamartes era atroador, e os


co e Vitor H u g o sinos da freguesia repicaram desde que
saímos do templo até ao anoitecer des-
d) Stendhal, Antero de Quental e F a g u n -
se dia.
des Varela.

e) Almeida Garret, Alexandre Hercula- Meia hora depois que chegamos,


no e Camilo Castelo Branco. entrei no quarto de m i n h a mulher, e en-
contrei-a de joelhos diante d u m a ima-
7 1 . (OBJETIVO-SP) Assinale a carac- g e m de S. João dos Bem Casados.
terística não-aplicável à poesia Ergue-se ela, benzendo-se, e es-
romântica: perou q u e eu a beijasse pela s e g u n d a
a) o artista g o z a de liberdade na metri- vez. P e n s o q u e o público me releva a
ficação e na distribuição r í t m i c a . confissão d e q u e , a o d a r - l h e e s t e s e -
g u n d o beijo, encontrei os lábios. Era o
b) o i m p o r t a n t e é o c u l t o da f o r m a , a i n s t i n t o d a s sensações a g r a d á v e i s , m a s
arte pela arte. honestas, que ensinou a minha mulher o
c) a p o e s i a é p r i m o r d i a l m e n t e p e s s o a l , s e g r e d o do m á x i m o prazer de um beijo.
intimista e amorosa.
Estava o a l m o ç o na m e s a .
d) e n f a t i z a - s e a auto-expressão, o s u b -
O texto que você acabou de ler
jetivismo, o individualismo.
p e r t e n c e a uma novela de Camilo
e) a l i n g u a g e m do p o e t a é a m e s m a do Castelo Branco que é considerada
povo: simples, espontânea. c o m o u m b o m e x e m p l o d a sátira
camiliana. A leitura atenta do texto
72. ( F U V E S T ) O autor de Lendas e permitirá identificar o título da no-
narrativas p e r t e n c e u ao m o v i - vela, em uma das alternativas abai^
mento romântico. xo indicadas:
a) Q u e m foi? a) Coração, cabeça e estômago.
b) Em que época se passam as Len- b) O romance dum homem rico.
das e narrativas?
c) A mulher fatal.
73. (FUVEST) Qual o autor conside- d) Amor de salvação.
rado o mestre da novela passio-
nal p o r t u g u e s a ? Indique o sé- e) A queda dum anjo.
culo e o movimento literário em
75. ( P U C - R S ) M a r q u e a alternativa
que se situa sua obra.
c o r r e t a s o b r e a obra Amor de
74. (UNESP) Perdição, de C a m i l o C a s t e l o
Branco:
D e s d e q u e s a í m o s da igreja até a
entrada de casa, caminhamos sempre a) trata-se de u m a narrativa centrada
debaixo de nuvens de flores. O estron- n a opressão d a l i b e r d a d e i n d i v i d u a l ,
— 145 —

opressão e s t a p r o m o v i d a p o r u m a d) f o r m a l i s m o - t e m a s g r e c o - l a t i n o s e
sociedade provinciana ligada a ve- p a t r i ó t i c o s - preferência p e l a s f o r -
lhos preconceitos. mas fixas e versos alexandrinos -
i m p a s s i b i l i d a d e - denotação - d e s c r i -
b) e s t a b e l e c e - s e , na narrativa, o confli- tivismo.
to entre o m e i o social, c o m a c o n s e -
quente vitória do indivíduo através da e) m u s i c a l i d a d e - s i n e s t e s i a - s u g e s -
realização d e s e u s o b j e t i v o s . tão - náo-separação de s u j e i t o e o b -
j e t o - metaforização - fusão de c o n -
c) n o t a - s e q u e o s e n t i m e n t o a m o r o s o , a creto + abstrato.
imaginação e a s e n s i b i l i d a d e são v a -
lores q u e r e a l ç a m a liberdade indivi- 77. (FUVEST) Assinale o que não é
dual e a b r e m , a e x p e c t a t i v a de m a - correto sobre a poesia r o m â n -
nutenção d a s n o r m a s s o c i a i s i n s t i t u - tica:
cionalizadas.
a) de m o d o geral, a m e n s a g e m focaliza a
d) percebe-se que o sentimento do a m o r
p e s s o a do e m i s s o r ("eu"), p r e d o m i -
r o m â n t i c o e n t r a e m relação d e e q u i l í -
n a n d o a função e m o t i v a d a l i n g u a g e m .
b r i o c o m a razão, p a r a m a n t e r a l i b e r -
d a d e do indivíduo e o s e u contato b) a poesia romântica m a r c a u m a ruptu-
harmônico c o m o meio social provin- ra c o m a poética clássica, quando
ciano. a b a n d o n a o s e s q u e m a s métricos re-
gulares e deprecia o soneto.
e) o b s e r v a - s e a p o u c a i m p o r t â n c i a atri-
buída ao sentimento a m o r o s o , que é c) a poesia romântica r e t o m a os t e m a s
s u p e r a d o p e l a razão e q u i l i b r a d a d e do Neoclassicismo, apenas inovan-
u m a sociedade provinciana e estável. d o a seleção v o c a b u l a r , q u e s e t o r n a
pessoal.
76. ( F U V E S T ) Assinale a alternativa
d) de maneira geral, acentua-se na poe-
q u e só c o n t é m c a r a c t e r í s t i c a s
sia romântica o s e u caráter intimista,
românticas:
u m a vez que a poesia é pensada co-
a) f u s i o n i s m o - d u a l i s m o - s e n t i d o d i l e - m o " v o z d o coração" o u expressão
m á t i c o d a v i d a - oposições, p a r a d o - de um pensamento divino.
x o s e a n t í t e s e - metaforização.
e) dos dois procedimentos básicos de
b) s i m p l i c i d a d e - b u c o l i s m o - p a s t o r a - operação c o m a l í n g u a , a m e t á f o r a e
l i s m o - r e l a c i o n a l i s m o - " p o e s i a de a metonimia, os românticos t o m a m
gramática". partido da metáfora: do que decorre
a idealização d e s e u s p o e m a s .
c ) s e n t i m e n t a l i s m o - valorização d a n a -
tureza - religiosidade - egocentrismo 78. (UNI-TAUBATÉ-SP) Das caracte-
- miscigenação d o s gêneros l i t e r á - rísticas abaixo, assinale a que
r i o s - metaforização. não se refere ao R o m a n t i s m o :
— 146 —

a) poesia encarada como expressão 80. (FUVEST)


dos estados da alma.
a) Dentre as obras - Camões; Eurico,
b) valorização da natureza. o Presbítero, Flores sem Frutos -
c) estabelecimento de rígidas leis artís- qual a iniciadora do movimento
ticas. romântico em Portugal?

d) liberdade de expressão e forma. b) Qual o seu autor?

e) temática nacionalista.
8 1 . (PUC-RJ) Das alternativas abai-
79. (SANTA CASA-SP) Afrânio Cou- xo, assinale aquela que não cor-
tinho aponta as seguintes qua- responde às características do
lidades que caracterizam o e s - Romantismo:
pírito romântico:
a) ocorre a superação das normas lite-
I - Individualismo e subjetivismo rárias construtoras e negação da con-
II - Escapismo cepção tradicional de poesia.

III - Exagero b) movimento que dá origem a políticas


conservadoras, bem como ao socia-
E explica:
lismo.
A - Na sua busca de perfeição, o ro-
c) o homem manipula e domina a natu-
mântico cria o mundo em que coloca
reza, não mais a obedece.
o que imagina de bom, bravo, belo,
amoroso, puro, um mundo de per- d) desvaloriza a expressividade da al-
feição e sonho. ma, ocorrendo a primazia da obra
B - O romantismo é o primado exuberan- (objeto) sobre o indivíduo (criador).
te da emoção, imaginação, paixão, e) insere-se no momento histórico em
intuição, libertade pessoal e interior. que o homem adquire a idéia de liber-
C - Nem fatos nem tradições despertam dade.
o respeito do romântico. Pela liber-
dade, revolta, fé e natureza, cons- 82. (VUNESP)
trói o mundo novo à base do sonho.
Simão, meu esposo. Sei tudo... Está
A melhor associação de quali- conosco a morte. Olha que te escrevo
dade e explicações é: sem lágrimas. A minha agonia come-
çou há sete meses. Deus é bom, que
a)l - B ; l l - C lll-A.
me poupou ao crime. Ouvi a notícia da
b)l - C ; l l - A I I I - B . tua próxima morte, e então compreendi
c ) l - A ; II - B I l l - C . por que estou morrendo hora a hora.
Aqui está o nosso fim, Simão!... Olha as
d)l - C ; l l - B I l l - A .
nossas esperanças! Quando tu me di-
e)l - B ; l l - A I l l - C . zias os teus sonhos de felicidade, e eu
— 14 7 —

te dizia os meus!... Por que não mere- mismo, morte, ruínas, mal-do-
cemos nós o que tanta gente tem!... As- século - spleen, irracionalismo,
sim acabaria tudo, Simão? Não posso cemitérios, cadáveres e senti-
crê-lo! A eternidade apresenta-se-me mentos lúgubres:
tenebrosa, porque a esperança era a
a) João de Deus.
luz que me guiava de ti para a fé. Mas
não pode findar assim o nosso destino. b) Camilo Castelo Branco.
Vê se podes segurar o último fio da tua c) Soares de Passos.
vida a uma esperança qualquer. Ver-
d) Castilho.
nos-emos num outro mundo, Simão?
Terei eu merecido a Deus contemplar- e) Álvares de Azevedo.
te? Eu rezo, suplico, mas desfaleço na
fé, quando me lembram as últimas ago- 84. (UFV-MG) Assinale a alternativa
nias do teu martírio. falsa:

O texto acima transcrito perten- a) o Romantismo, como estilo, não é mo-


ce a uma carta que Teresa de A l b u - delado pela individualidade do autor;
querque escreve a Simão Botelho, a forma predomina sempre sobre o
numa novela considerada o melhor conteúdo.
exemplo da novelística romântica
b) o Romantismo é um movimento de ex-
em Portugal. O texto é, portanto, ca-
pressão universal, inspirado por mo-
r a c t e r í s t i c o do e s t i l o r o m â n t i c o e
delos medievais e unificado pela
evidencia e l e m e n t o s que p e r m i t e m
prevalência de características comuns
identificar a novela a que pertence e
a todos os escritores da época.
o n o m e do seu autor.
c) o Romantismo, como estilo de época,
Assim sendo, responda às se-
constitui, basicamente, um fenôme-
guintes q u e s t õ e s :
no estético-literario, desenvolvido em
I. Qual o nome do autor e qual o oposição ao intelectualismo e à tra-
título da novela a que o texto per- dição racionalista e clássica do sé-
tence? culo XVIII.
II. Indique alguns segmentos (fra- d) o Romantismo, ou melhor, o espírito
ses ou palavras) que, no texto, romântico, pode ser sintetizado numa
são característicos da escola ro- única qualidade: a imaginação. Pode-
mântica. se creditar à imaginação a capacida-
IIII Que outros romancistas e poe- de extraordinária dos românticos de
tas românticos você conhece na criarem mundos imaginários.
literatura p o r t u g u e s a ?
e) o Romantismo possui características
83. (VUNESP) A poesia deste autor como o subjetivismo, o ilogismo, o
é r e p r e s e n t a t i v a do u l t r a - r o - senso de mistério, o exagero, o culto
mantismo português: pessi- da natureza e o escapismo.
— 148 —

85. (UFV-MG) Quanto à diferença de a) um cenário cientificamente estudado


conceitos da relação h o m e m / pelo h o m e m ; a natureza é mais im-
m u n d o , e x p r e s s o pela a r t e e portante que o elemento humano.
pela literatura, pode-se afirmar:
b) um cenário estático, indiferente; só o
I. No B a r r o c o , essa relação se h o m e m se projeta em busca de sua
m o s t r a e m o c i o n a l ; pode-se d i - realização.
zer dramática.
c) um cenário sem importância nenhu-
II. No R o m a n t i s m o , essa r e l a ç ã o m a ; é apenas pano de fundo para as
se mostra pessimista, procu- emoções h u m a n a s .
rando na natureza um lugar de
d) confidente do poeta, que compartilha
refúgio idealizado.
seus sentimentos com a paisagem; a
III. No Barroco, essa relação m o s - natureza se modifica de acordo c o m
tra-se equilibrada, liberta de for- o estado emocional do poeta.
ças contrárias.
e ) u m c e n á r i o i d e a l i z a d o o n d e t o d o s são
IV. No N e o c l a s s i c i s m o e no A r c a - f e l i z e s e os p o e t a s são p a s t o r e s .
d i s m o , essa relação se mostra
o r i e n t a d a por c r i t é r i o s r a c i o - 87. (UFPA) Os versos abaixo são de
nais e intelectuais. S o a r e s de Passos.

V. No R o m a n t i s m o , e s s a r e l a ç ã o V a i a l t a a l u a ! n a mansão d a m o r t e
se m o s t r a m e d i a d a pela v i s ã o Já meia-noite c o m vagar soou.
e interpretação científica da rea-
Q u e paz tranqüila; dos vaivéns da
lidade.
[sorte
Assinale a opção correta: S ó t e m d e s c a n s o q u e m ali b a i x o u .
a ) t o d a s a s a l t e r n a t i v a s estão c o r r e t a s .
Q u e p a z tranqüila!... m a s eis longe,
b) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, II e III estão
[ao longe
corretas.
Funérea c a m p a c o m fragor rangeu;
c) a p e n a s as a l t e r n a t i v a s I, IV e V estão
corretas. Branco fantasma semelhante a um
[monge,
d ) a p e n a s a s a l t e r n a t i v a s I , I I , e I V estão
Dentre os sepulcros a c a b e ç a
corretas.
[ergueu.
e ) a p e n a s a s a l t e r n a t i v a s I I , III e I V estão
corretas. Caracterizam o ultra-romantis-
mo devido:
86. (UFU-MG) O homem de todas as
é p o c a s se preocupa com a na- a) à introspecção s u b j e t i v a .
t u r e z a . C a d a p e r í o d o a vê de
b) à predestinação p a r a a g r a n d e z a .
m o d o particular. No Romantis-
m o , a natureza aparece c o m o : c) à beleza estética.
— 149 —

d) ao gosto pelo fúnebre e ao t o m melo- IV. O Realismo é uma obra de ataque


dramático. à mentalidade burguesa, à ordem
social, clerical e monárquica.
e) à relação e n t r e D e u s e o h o m e m .
A s e q ü ê n c i a que c o n t é m s o -
88. (FUVEST) Ao criticar O Primo Ba- m e n t e afirmativas corretas é:
sílio, Machado de Assis afirmou:
a) I e II estão c o r r e t a s .
"(...) a Luísa é um caráter negati-
vo, e no meio da ação ideada pelo b) somente IV está correta.
autor, é antes um títere que uma
c) I I , III e IV estão c o r r e t a s .
pessoa m o r a l " .
d ) t o d a s estão c o r r e t a s .
T í t e r e é um b o n e c o m e c â n i c o ,
a c i o n a d o por c o r d é i s c o n t r o l a d o s e) n.d.a.
por um manipulador. Nesse sentido,
90. ( U S F - S P ) P o d e - s e e n t e n d e r o
as personagens q u e , p r i n c i p a l m e n -
Naturalismo como uma particu-
te, manipulam Luísa, determinando-
larização do Realismo que:
Ihe o modo de agir, são:
a) se volta para a N a t u r e z a a fim de ana-
a) B a s í l i o e J u l i a n a .
lisar-lhes os processos cíclicos de
\b) J o r g e e J u s t i n a . renovação.
c) Jorge, Conselheiro Acacio e Juliana. b) pretende expressar c o m naturalida-
d) Basílio, C o n s e l h e i r o A c á c i o e L e o p o l - de a vida simples d o s h o m e n s rústi-
dina. cos nas c o m u n i d a d e s primitivas.
e) J o r g e e L e o p o l d i n a . c ) d e f e n d e a a r t e p e l a a r t e , isto é , d e s v i n -
culada de compromissos c o m a rea-
89. ( U F O P - M G ) O b s e r v e as afirma- lidade social.
ções abaixo e assinale as alter-
nativas corretas: d ) a n a l i s a a s perversões s e x u a i s , c o n d e -
n a n d o - a s e m n o m e d a moral religiosa.
I. O Realismo teve sua origem na
e) estabelece um nó de c a u s a e efeito
França e foi apenas uma r e n o -
entre a l g u n s f a t o r e s s o c i o l ó g i c o s e b i o -
vação no campo literário.
lógicos e a conduta dos personagens.
II. O escritor realista deve estudar
9 1 . (FEI-SP) Uma literatura se preo-
o interior dos indivíduos, inter-
cupa com os aspectos sociológi-
rogá-los, analisar o meio e de-
cos da obra e faz um romance de
pois t r a s c r e v e r s u a s o b s e r v a -
tese documental, e outra se pre-
ções procurando ser, rigorosa-
ocupa com os aspectos patoló-
mente, impessoal.
gicos da obra e faz um romance
III. Para o escritor realista o que im- de tese e x p e r i m e n t a l . A p o n t e
porta é o que está fora de nós, o respectivamente, o nome des-
objeto captado pelos sentidos. sas estéticas (escolas literárias).
— 150 —

92. (FUVEST) A minha ambição seria e) a beatitude do Padre Amaro levou


pintar a sociedade portuguesa, e Amélia até as últimas conseqüências
mostrar-lhe, como num espelho, que
94. (ENC-SP)
triste país eles formam - eles e elas.
É o meu fim nas Cenas portugue-
Tormento do ideal
sas, (trecho da carta de Eça de
Q u e i r ó s a Teófilo B r a g a , c o m Conheci a Beleza que não morre
data de 12/3/1878). Quais os ro-
E fiquei triste. Como quem da serra
m a n c e s q u e f o r a m a s Cenas
Portuguesas? Q u e a s p e c t o s e Mais alta que haja, olhando aos pés
camadas da sociedade eles ana- [a terra
lisam, respectivamente? E o mar, vê tudo, a maior nau ou
93. (ENC-SP) O crime do padre Ama- [torre,
ro pertence à fase dita realista
de seu autor, Eça de Queirós. É Minguar, fundir-se, sob a luz que
reconhecido, também, como um [jorre:
romance de tese - tipo de narra- Assim eu vi o Mundo e o que êle
tiva em que se demonstra uma [encerra
idéia em geral com intenção crí-
Perder a côr, bem como a nuvem
tica e r e f o r m a d o r a . T e n d o em
[que erra
vista e s s a s d e t e r m i n a ç õ e s g e -
rais, é correto afirmar que, nes- Ao pôr do Sol e sobre o mar
se r o m a n c e : [discorre.\

a) o foco expressivo se concentra na Pedindo a forma, em vão, a idéia


interioridade subjetiva das persona- [pura,
gens, que se dão a conhecer por
Tropeço em sombras na matéria
suas idéias e sentidos e não por suas
[dura,
falas ou ações.
E encontro a imperfeição de
b) as personagens se afastam de ca-
[quanto existe.
racterizações típicas, tornando-se
psicologicamente mais complexas e
Recebi o batismo dos poetas,
individualizadas.
E, assentado entre as formas
c) o interesse pelas relações entre o [incompletas,
homem e o meio amplia o espaço e
as funções das descrições, torna- Para sempre fiquei pálido e triste.
das mais minuciosas e significativas.
E s s e s o n e t o é de A n t e r o de
d) a personagem Padre Amaro incorpo- Q u e n t a l . As afirmações abaixo re-
ra a tese da herança psicossomá- f e r e - s e ao v e r s o " R e c e b i o b a t i s -
tica. m o dos p o e t a s " q u e e x p r i m e :
— 151

I. E v i d e n t e p o s t u r a religiosa a s - Ou entre a rama dos papéis


sumida por Antero de Quental, [pintados,
q u e l h e p e r m i t e ver a B e l e z a Reluzem, num almoço, as porcelanas.
como se fosse uma autêntica Como é saudável ter o seu
alegria de Deus.
[conchego,
II. A convicção de que o poeta é E sua vida fácil! Eu descia,
fadado a contemplar a Beleza, o Sem muita pressa, para o meu
que t e m como c o n s e q ü ê n c i a a [emprego,
sensação de imperfeição do Aonde agora quase sempre chego
m u n d o e o s e n t i m e n t o de m e -
Com as tonturas duma apoplexia.
lancolia.
(...)
III. A idéia de que a contemplação
da Beleza depende exclusiva- A l e i t u r a d e s s a s e s t r o f e s de
mente de sua vontade e de sua C e s á r i o Verde p e r m i t e a seguinte
razão, conforme ditavam os prin- análise:
cípios do realismo oitocentista.
a) a postura aí assumida é eminente-
É correto o que se afirma e m : mente expressionista, na medida em
que esse poeta deforma o real, se-
a) III, apenas. d) I e II, apenas.
guindo os pressupostos do ideário
b) II, apenas. e) II e III, apenas. naturalista.

c) l,IIelll. b) a subjetividade do "eu lírico" é per-


meada por profunda emoção - um
95. (ENC-SP) resquício da estética romântica que
entra em contradição com o ideário
Num bairro moderno realista que o poeta abraçou.

Dez horas da manhã; os c) na abordagem do real, o "eu lírico"


[transparentes comporta-se como um observador
Matizam uma casa apalaçada; frio e impessoal das pessoas e das
Pelos jardins estancam-se os coisas, conforme determinavam os
postulados do Realismo.
[nascentes,
E fere a vista, com brancuras d) a subjetividade desse poeta emana
[quentes, diretamente da observação do real,
A larga rua macadamizada. que lhe ativa as sensações, levan-
Rez-de-chaussée repousam do-o a promover juízos de valor.
[sossegados, e) a objetividade desse poeta é fotográ-
Abriram-se, nalguns, as persianas, fica, por isso mesmo altamente com-
E dum ou doutro, em quartos prometida com o ideário positivista em
[estucados, voga no tempo.
— 152 —

96. (UFMT) Sobre a nudez forte da b) influenciado pelas teorias do Natura-


verdade - o manto diáfano da lismo, Eça procura demonstrar que
fantasia, e p í g r a f e do r o m a n c e os antecedentes de raça e as taras
A relíquia, de Eça de Q u e i r ó s , sexuais é que determinam o compor-
explicita uma crítica: t a m e n t o de A m a r o e Amélia.

a) à h i p o c r i s i a r e l i g i o s a e ao f a l s e a m e n - c) adotando os pressupostos da estéti-


to d o s princípios do Cristianismo, per- ca realista, o autor critica os efeitos
cebidos por Teodorico Raposo na pe- nocivos da arte romântica sobre o
regrinação q u e e m p r e e n d e a t é a T e r - caráter de Amélia.
ra Santa.
d ) t e n d o p o r b a s e u m a consciência c r í -
b) à h i p o c r i s i a r e l i g i o s a , c o m a menção tica, tipicamente realista, o escritor
da v e n d a de relíquias, sobretudo a d e f e n d e a idéia de q u e a m o r a l c a t ó -
coroa de espinho de Cristo, q u e Teo- lica, f u n d a d a s o m e n t e e m d o g m a s ,
dorico Raposo encontra na Terra S a n - opõe-se e m t u d o à m o r a l n a t u r a l .
t a e c o m q u e p r e s e n t e i a s u a tia b e a t a .
e ) t e n d o p o r b a s e u m a orientação t i p i -
c) aos preconceitos religiosos, através c a m e n t e realista, o escritor critica o
dos pressupostos do Naturalismo, domínio que os padres, por meio de
expostos pelo sábio Topsius à perso- s a c r a m e n t o s c o m o a confissão,
n a g e m principal, Teodorico Raposo. e x e r c e m s o b r e os fiéis.
d) aos principios estéticos do R o m a n -
98. (UNIVERSITÁRIO-SP) Leia aten-
tismo que, ao valorizarem a idéia de
t a m e n t e o seguinte trecho, ex-
fuga da realidade, levavam o h o m e m
t r a í d o de O Primo Basílio, de
às alienação.
Eça de Queirós:
e) à hipocrisia religiosa, p r e s e n t e na
N e s s a s e m a n a , u m a manhã, J o r g e
sociedade oitocentista portuguesa,
q u e não s e r e c o r d a v a q u e e r a d i a d e
p o r m e i o d a incursão p e l o m u n d o d o s
gala, encontrou fechada e voltou para
sonhos, que simbolicamente aconte-
c a s a a o m e i o - d i a (...) c h e g a n d o d e s -
c e d u r a n t e a peregrinação d o T e o d o -
percebido ao quarto, surpreendeu Julia-
rico R a p o s o p e l a T e r r a S a n t a .
na comodamente deitada na chaise
97. ( U F P A ) C o m r e f e r ê n c i a ao ro- longue*, lendo tranqüilamente o jornal.
mance O crime do padre Amaro, (...) J o r g e não e n c o n t r o u L u í s a n a s a l a
de Eça de Queirós, a única afir- d e j a n t a r , foi d a r c o m e l a n o q u a r t o d o s
mação INCORRETA é: e n g o m a d o s , d e s p e n t e a d a , e m roupão
d e manhã, p a s s a n d o r o u p a , m u i t o a p l i -
a) infuenciado pelas teorias do Natura- cada e muito desconsolada.
lismo, o autor procura demonstrar que
— T u estás a engomar? - exclamou.
o meio s o c i a l e a educação r e l i g i o s a
é que determinam o comportamento (...) A s u a v o z e r a tão á s p e r a , q u e
do indivíduo. Luísa fez-se pálida, e murmurou:
— 153 —

— Q u e queres tu dizer? 103. (UFPE) Qual o primeiro roman-


ce realista p o r t u g u ê s ? E seu
— Q u e r o dizer que te venho e n -
autor?
c o n t r a r a ti a e n g o m a r , e q u e a e n c o n -
trei a e l a e m b a i x o m u i t o r e p i m p a d a na
104. (UFPE) "É nos Sonetos que en-
t u a c a d e i r a , a ler o j o r n a l .
contramos o melhor conjunto
* chalse-longue: cadeira de encos- da obra poética a m a d u r e c i d a
to reclinável e c o m lugar para estender de O po-
as pernas. eta via na série completa dos
sonetos, muitos deles d e s e n -
a) no trecho citado são m e n c i o n a - tranhados de outras coleções
das três personagens: Jorge, Ju- já p u b l i c a d a s , u m a s é r i e de
liana e Luísa. Que relação há e n - marcos da sua própria autobi-
tre elas? ografia espiritual."

b) considerando o trecho citado aci- O texto refere-se a:


ma e a resposta dada ao item a,
explique por que Jorge conside- a ) R a m a l h o Ortigão.
ra inadequado o comportamento b) Cesário Verde.
das d u a s m u l h e r e s .
c) Antero de Quental.
c) analise a trajetória de Luísa e Ju-
d) Eça de Queirós.
liana no romance, de modo a ex-
plicar a situação em que se e n - e) Almeida Garrett.
contram no trecho citado.
105. (FCCHAGAS-BA) Assinale a al-
99. (FUVEST) Cite um folheto a favor ternativa onde estão indica-
dos jovens realistas e um a fa- dos os textos que analisam
vor dos românticos, e seus au- corretamente alguns aspec-
tores, durante a f a m o s a Q u e s - tos do romance realista.
tão Coimbrã. I. As p e r s o n a g e n s i n d e p e n d e m
do julgamento do narrador, re-
100. (UFPE) Cite uma característi-
agindo cada uma de acordo com
ca da fase realista de Eça de
Queirós. sua própria v o n t a d e e t e m p e -
ramento.
101. (UFPE) Cite um romance e uma
II. A linguagem é poeticamente
característica da fase pós-re-
elaborada nos diálogos, mas
alista de Eça de Queirós.
procura alcançar um t o m colo-
102. (UFPE) Qual o primeiro roman- quial, com traços de oralidade,
ce realista da literatura univer- nas partes narrativas e descri-
sal? E seu autor? tivas.
— 154 —

III. Observa-se o predomínio da ra- d) temática bucólica; hermetismo; valo-


z ã o e da o b s e r v a ç ã o s o b r e o rização d o b r a n c o e d a transparên-
sentimento e a imaginação. cia; espiritualidade; antítese.

a) I,II,III. c) II e III. e) II. e) temática bucólica; ocultismo; valori-


zação d a s t o n a l i d a d e s v e r d e s ; m a -
b)lell. d) l e III.
terialismo; sinestesia.
106. (UnB-DF) A chamada época do
R e a l i s m o c a r a c t e r i z o u - s e , na 108. (MACK-SP) N o m e a r u m o b j e t o é
literatura p o r t u g u e s a : s u p r i m i r três q u a r t o s d o p o e m a , q u e
é feito da felicidade em advinhar
a ) p e l o culto d a l i t e r a t u r a d e c a r á t e r n a - p o u c o a p o u c o ; sugeri-lo, eis o so-
cionalista e individualista. n h o ... d e v e h a v e r e n i g m a e m p o e -
b) pelo culto de u m a literatura e m p e n h a - s i a , e é o o b j e t i v o da L i t e r a t u r a - e
d a n u m a revolução p o l í t i c a , s o c i a l , m o - não h á o u t r o - e v o c a r o s o b j e t o s .
ral e m e n t a l q u e s u p e r a s s e a d e c a - O trecho acima resume parte da
dência e m q u e s e p r e c i p i t a r a P o r t u g a l . ideologia de importante movimento
c) pelo gosto da literatura inspirada no literário. Assinale a alternativa em
pitoresco da paisagem e dos portu- que se encontra o nome do mesmo.
gueses. a) Simbolismo.
d) pelo culto de u m a literatura e m p e n h a - b) Romantismo.
da na defesa dos ideais que fizeram
c) Barroco.
a revolução d e 1 8 2 0 .
d) Parnasianismo.
e) pelo culto de u m a literatura que idea-
lizasse a sociedade portuguesa, en- e) Modernismo.
tregue a profunda religiosidade e na-
109. (PUC-RS)
cionalismo.
Noiva de Satanás, Arte m a l d i t a ,
107. (UEL-PR) Assinale a alternativa
que contém apenas caracterís- M a g o Fruto letal e proibido,
ticas da estética simbolista. S o n â m b u l o do além, do Indefinido
a) temática social; hermetismo; valoriza-
D a s p r o f u n d a s paixões, D o r I n f i n i t a .
ção d o s t o n s f o r t e s ; m a t e r i a l i s m o ; a n -
títese. A linguagem do poema situa-o no:
b) temática intimista; ocultismo; valoriza- a) Romantismo.
ção d o s t o n s f o r t e s ; e s p i r i t u a l i d a d e ;
sinestesia. b) Parnasinismo.
c) Impressionismo.
c) temática intimista; hermetismo; valo-
rização d o b r a n c o e d a transparên- d) Simbolismo.
cia; espiritualidade; sinestesia. e) Modernismo.
— 155 -

110. (ENC-SP) II. O sentimento de dor, metafori-


zado pela madrugada, ainda e n -
Caminho quanto sofrimento, é essencial
ao coração humano.
Tenho sonhos cruéis; n'aima doente
Sinto um vago receio prematuro. III. A dor, metaforizada pelo sol, é
rejeitada pelo poeta porque fal-
V o u a mêdo n a a r e s t a d o f u t u r o ,
ta a ela um pouco de harmonia.
Embebido em saudades do
[presente... IV. O poeta experimenta um senti-
mento a m b i v a l e n t e em relação
S a u d a d e s d e s t a d o r q u e e m vão à dor.
[procuro
Interpreta c o r r e t a m e n t e o s o -
Do peito afugentar b e m rudemente, neto o que se afirma apenas e m :
Devendo, ao desmaiar sobre o
a) l. c) l e lV. e) l I e IV.
[poente,
C o b r i r - m e o coração d u m v é u b) II. d) lIe III.
[escuro!...
111. (CESESP) "O
P o r q u e a dor, esta falta d ' h a r m o n i a , está para o Parnasianismo, as-
T o d a a luz desgrenhada que alumia sim como a
está para S i m b o l i s m o . "
As almas doidamente, o céu
[d'agora, A alternativa que não preenche
as lacunas é:
S e m e l a , o coração é q u a s e n a d a :
a) verso de ouro - dimensão mística.
Um sol o n d e expirasse a
[madrugada, b) artesanato da palavra - liturgia.

Porque é só m a d r u g a d a q u a n d o c) culto da forma - musicalidade.


[chora.
d) lirismo exacerbado - realidade chã.
(...)
e) perfeccionismo métrico - flexibilidade.

Camilo Pessanha, no contexto 112. (ENC-SP)


geral de sua obra, trata do sentimen-
Procuro despir-me do que aprendi,
to de dor. C o m base nisso, c o n s i -
dere as seguintes afirmações a res- Procuro esquecer-me do modo de
peito do soneto acima: [lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me
I. O sentimento de dor, metafori-
z a d o pelo s o l , é rejeitado pelo [pintaram os sentidos,
poeta porque lhe provoca sonos Desencaixotar as minhas emoções
cruéis. [verdadeiras,
— 156 —

D e s e m b r u l h a r - m e e s e r e u , não ... a) para as folhas há cores mais atuais


Mas um animal humano que a e outras mais antiquadas.
[natureza produziu. b ) não c h e g a r e m o s v i v o s a t é a p r i m a -
vera.
No trecho acima, de auto-expli-
c ) c a d a verão, m a r c a n d o o i n í c i o d o a n o ,
cação de um poeta cuja marca é o
marca t a m b é m a esperança de u m a
desejo de libertação da carga civili-
nova vida para nós.
zatória, procurando consciente-
mente a espontaneidade através do d ) não h á c o m o i m p e d i r o f a t a l c i c l o s o -
contato direto com a natureza (for- l a r d a s estações.
ma de "redescobrir o mundo"), dei-
e ) s ó a vivência d e c a d a m o m e n t o p r e -
xamos um lacuna no verso 5.
sente merece lembrança futura.
Ela deve ser preenchida por:
114. (ENC-SP)
a) Fernando Pessoa. Não a t i , C r i s t o , o d e i o ou te não
b) Ricardo Reis. [quero.
Em ti c o m o nos outros creio
c) Alberto Caeiro.
[deuses mais velhos.
d) Álvaro de Campos. S ó t e t e n h o p o r não m a i s e n e m
[menos
e) Mário de Sá-Carneiro.
Do que eles, mas mais novo
113. (ENC-SP) [apenas.

Q u a n d o , Lídia, vier o n o s s o o u t o n o Odeio-os sim, e a esses com calma


[aborreço,
C o m o inverno que há nele,
Que te q u e r e m acima dos outros
[reservarmos
[teus iguais d e u s e s .
U m p e n s a m e n t o , não p a r a a f u t u r a
Quero-te o n d e tu 'stás, n e m mais
Primavera, q u e é de o u t r e m , [alto
N e m para o estilo, de q u e m s o m o s
N e m mais baixo que eles, tu
[mortos,
[apenas.
Senão p a r a o q u e f i c a d o q u e
D e u s triste, preciso talvez por q u e
[passa,
[nenhum havia
O amarelo atual q u e as folhas C o m o t u , u m a m a i s n o Panteão e
[vivem
[no culto,
E as t o r n a diferente.
N a d a m a i s , n e m m a i s alto n e m mais
(Ricardo Reis)
[puro
A s s i n a l e a a l t e r n a t i v a correta Porque para tudo havia deuses,
sobre o texto acima: [menos tu.
— 157 —

C u r a tu, idólatra exclusivo de Doido anseio dos meus braços a


[Cristo, que a vida [abraçar-te,
É m ú l t i p l a e t o d o s os d i a s são Olhos b u s c a n d o os teus por todas
[diferentes dos outros, [a parte,

E só s e n d o múltiplos c o m o eles Sede de beijos, amargos de fel,

'Staremos c o m verdade e sós. Estonteante fome, áspera e cruel,

Q u e n a d a existe q u e a mitigue e a
Essa postura de Ricardo Reis
[farte!
frente à imagem de Cristo sugere
que o poeta:
C o n s i d e r e as a f i r m a ç õ e s a
a) aceita Cristo c o m o um deus a mais, r e s p e i t o das q u a d r a s de Florbela
p o r q u e , a p e s a r d e pagão, c o n s i d e - Espanca:
ra-o u m a divindade superior às da
antigüidade greco-latina. I. O recorrente apelo sensual na
poesia de Florbela Espanca in-
b) aceita Cristo apenas c o m o um deus dicia s e u f l a g r a n t e m o d e r n i s -
a m a i s , e m n o m e d e u m a visão m ú l - mo, pelo fato de desafiar as
tipla da realidade, própria da m e n - convenções morais da socieda-
t a l i d a d e pagã. de da época.
c) rejeita o Cristianismo, p o r q u e abra-
II. O p r i n c i p a l traço da m o d e r n i -
ça os ideais do Paganismo, que su-
p u n h a m a negação d a existência d e dade em Florbela Espanca mos-
u m a divindade triste. tra-se na audaciosa ruptura das
convenções literárias, o que se
d) divide-se entre os princípios pa- verifica na revolução sintática e
gãos s e n s u a l i s t a s e o s p r i n c í p i o s na reinvenção da metáfora.
cristãos e s p i r i t u a l i s t a s , c r i a n d o c o m
i s s o u m a tensão e m s u a p o e s i a . III. A confissão amorosa de Florbe-
la Espanca, bastante explícita,
e) se sente impelido a aceitar os prin-
lembra o erotismo das cantigas
c í p i o s cristãos, a i n d a q u e i s t o l h e
de amigo, pelo fato de a mulher
custe a renúncia aos valores do
expor abertamente os sentimen-
paganismo.
tos ao amante.

115. (ENC-SP)
Está correto o que se afirma em:
Frêmito d e m e u c o r p o a p r o c u r a r - t e ,
a) II e III, a p e n a s . d) I e II, a p e n a s .
F e b r e d a s m i n h a s mãos n a t u a p e l e
b) III, a p e n a s . e) I e III, a p e n a s .
Q u e cheira a âmbar, a baunilha e a
[mel, c ) I, II e III.
— 158 —

Respostas
1.b 52. b
2. a 53a
3. a 54. b
4. d 55. b
5.b 56.V,V,V,V,V, V,V
6.C 57. b
7.b 58. e
8.C 59. a
9.e 60. e
10.1,2,1,1,2,1 61. e
11.c 62. c
12.2,3,6,5,1,4 63. c
13. a 64. d
14. e 65.1.a; ll.e
15. c 66. a) Mariana alimenta um amor resignado e subserviente
16. e a Simão. E Simão dedica à Mariana apenas um sen-
17. b timento de gratidão.
18.0 b) Os papéis são as cartas trocadas entre Simão e
19- g Teresa.
20. e c) Mariana serve de apoio a Simão nas adversidades
21. a que ele enfrenta. Além disso, Mariana é o elo de liga-
22. a ção entre Teresa e Simão.
23. c 67. c
24. d 68. c
25.0 69.0
26. e 70. e
27. a 71.b
28. e 72. a) Alexandre Herculano.
29. b b) Fim da Idade Média.
30. d 73. Camilo Castelo Branco. Sua obra situa-se no século
31.a XIX e pertence ao Romantismo.
32. b 74. d
33. c 75. a
34.0 76. c
35. c 77. c
36. e 78. c
37. e 79.6
38. e 80. a) Camões.
39. c b) Almeida Garret.
40. c 81.d
41.e 82. I. Camilo Castelo Branco -Amar de Perdição.
42. b II. "Está conosco a morte."
43. e "Olha q u e te escrevo s e m lágrimas"
44. g , h , i "Deus é bom (...)."
45. f "Eu rezo, suplico, mas desfaleço na fé (...)."
46. b III. Almeida Garret, Soares de Passos, Alexandre Her-
47. V, V, F, F culano, Antônio Castilho, João de Lemos.
48. b 83. c
49. d 84. a
50. e 85. d
51. b 86. d
— 159 —

87. d tagens de Juliana, Luísa se submete aos afazeres do-


88. a mésticos no lugar da serviçal.
89. b 99. Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, a favor dos
90. e realistas. Camilo Castelo Branco é autor de Vaidades
9 1 . Realismo e Naturalismo. irritadas e irritantes, defendendo os românticos.
92. O Crime do Padre Amaro, O Primo Basilio, Os Maias. 100. Retrata a sociedade portuguesa oitocentista.
Analisam a pequena e média burguesia de Lisboa, 1 0 1 . A Cidade e as Serras-em defesa da vida no campo,
b e m como as influências do clero. em contato com a natureza.
93. d 102. Madame Bovary, de Gustave Flaubert.
94. b 103. O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós.
95. a 104.C
96. e 105.b
97. b 106.b
98. a) Jorge e Luísa formam um típico casal burguês.
107. c
Juliana é a serviçal.
108. a
b) Porque há inversão de papéis sociais: é a d a m a
q u e m passa a servir a doméstica, e esta goza dos 109.d
privilégios de senhora. 110.e
c) Luísa, na ausência de Jorge, comete adultério com 111.C
seu primo, Basílio. Juliana, ressentida pela sua condi- 112.C
ção social inferior, inicia uma onda de chantagens ao 113.C
descobrir uma carta que poderia denunciar os aman- 114.b
tes. Sem mais meios financeiros para atender às chan- 115.d
— 160 —

LITERATURA BRASILEIRA

Introdução
Este livro tem por intenção traçar os portugueses as leis, costumes e va-
um panorama de nossa literatura, deli- lores de sua sociedade, marcados pela
neando o caminho percorrido por esta forte influência do cristianismo.
na busca de sua identidade, enfatizando
Considerei, entretanto, o nosso
seus principais autores e comentando
Quinhentismo como marco inicial da Li-
aspectos relevantes de algumas das
teratura Brasileira, ainda que esta se
obras que compõem o sistema literário
realize nos moldes portugueses sob a
brasileiro.
influência do Classicismo e, sobretudo,
Destina-se, sobretudo, a estudan- de Camões.
tes de Ensino Médio, professores e aos
Aos poucos nossa literatura vai
que iniciam seus estudos relacionados
sofrendo transformações e passando
à literatura brasileira.
a trabalhar com temas e "formas" que
Obviamente, ele não esgota o as- melhor expressam os sentimentos e a
sunto, devido à amplitude e complexida- realidade brasileiros.
de do mesmo, mas pode ser considera-
Outro problema encontrado foi afir-
do um ponto de partida para reflexões
mar com exatidão o início e o término de
posteriores.
um período literário. Na verdade, esta
Ao iniciar o trabalho, deparei-me com tarefa é impossível, já que as transfor-
uma dificuldade: a impossibilidade de de- mações estéticas ocorrem de forma lenta
limitar com precisão o início de uma litera- e gradual, porém, pode-se estabelecer
tura efetivamente brasileira, pois o con- critérios para separar as escolas literá-
ceito de "começo" nela é muito relativo, rias. Procurei seguir um método comu-
como bem ressaltou Antônio Cândido em mente utilizado pelos estudiosos da área:
sua Iniciação à Literatura Brasileira. a publicação de obras decisivas para a
As literaturas que a preconizaram configuração dos movimentos. Eviden-
(portuguesa, francesa) foram se cons- temente, as transformações históricas
tituindo concomitantemente com a for- e sociais refletem-se no campo das ar-
mação dos respectivos idiomas. De tes; por isso não dispensarei uma con-
modo diverso, porém, no caso brasileiro textualização de cada período literário,
temos uma transposição da Lingua Por- enfatizando as mudanças na sociedade
tuguesa, já constituída, para um outro brasileira no decorrer dos tempos.
ambiente. Além da língua, vieram com T. O. L.
— 161 —

Quinhentismo
A história da literatura brasileira tem
início em 1500, com a Carta de Pero Vaz de Literatura
Caminha, escrivão da frota de Pedro Álva-
res Cabral, enviada a D. Manuel I, comuni-
Informativa
cando a descoberta das terras brasileiras.

Este período inicial de nossa literatura Os primeiros textos em terras bra-


é conhecido por Quinhentismo, porém sileiras de que se tem notícia são "infor-
tal denominação refere-se à cronologia mações" de viajantes e missionários eu-
(século XVI), não possuindo uma cono-' ropeus, descrevendo a natureza e os
tação estética. Pode ser utilizada também primeiros habitantes de nossa terra: os
para o Classicismo, período literário marca- índios.
do por uma mentalidade renascentista e
Estes escritos não podem ser clas-
cultivado na época em Portugal. No entan-
sificados como textos literários, pois são
to, como nosso estudo centra-se na litera-
crônicas históricas, refletindo a visão de
tura brasileira, utilizaremos esse termo
mundo e a linguagem dos colonizadores.
para denominar o primeiro período históri-
co da mesma. Faz-se necessário, entre- Dentre os textos de origem portu-
tanto, ressaltar que este período constitui- guesa escritos nesta época destacam-
se mais como uma literatura sobre o Bra- se: a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-
sil, produzida no Brasil, do que uma lite- rei D. Manuel; o Diário de Navegação de
ratura efetivamente de autoria brasileira. Pero Lopes e Sousa, escrivão de Martim
Afonso de Sousa; o Tratado da Terra do
Nesta época, Portugal desenvolvia
Brasil e a História da Província de Santa
a crônica histórica e informativa, devido
Cruz a que Vulgarmente Chamamos Bra-
às grandes navegações, conquistas e
sil de Pero Magalhães Gândavo; a Nar-
descobertas ultramarinas. Predominam
rativa Epistolar e os Tratados da Terra e
o desejo de expansão do cristianismo e
da Gente do Brasil do jesuíta Fernão Car-
o anseio de conquista e domínio.
dim; o Tratado Descritivo do Brasil de
Podemos dividiras obras deste perío- Gabriel Soares de Souza; os Diálogos
do entre as que se enquadram na litera- das Grandezas do Brasil de Ambrósio
tura informativa, da qual fazem parte os Fernandes Brandão; as Cartas dos Mis-
textos sobre o Brasil, transmitindo ao euro- sionários Jesuítas escritas nos dois pri-
peu informações da terra e da gente que meiros séculos de catequese; o Diálogo
aqui vivia, e as que integram a literatura sobre a Conversão dos Gentios de Pe.
jesuítica, reunindo os escritos dos jesuí- Manuel da Nóbrega e a História do Bra-
tas envolvidos com a catequese. sil de Frei Vicente de Salvador.
— 162 —

A feição deles é serem pardos, ma


Fragmentos da Carta de neira de avermelhados, de bons nari
Pero Vaz de Caminha zes, bem-feitos. Andam nus, sem ne-
nhuma cobertura. Nem estimam de co-
Então lançamos fora os batéis e brir ou de mostrar suas vergonhas; e
1
esquifes ; e vieram logo todos os capi- nisso têm tanta inocência como em mos-
tães das naus a esta nau do Capitão- trar o rosto. Ambos traziam os beiços de
mor, onde falaram entre si. E o Capitão- baixo furados e metidos neles seus os-
mor mandou em terra no batel a Nicolau sos brancos e verdadeiros, de compri-
Coelho para ver aquele rio. E tanto que mento duma mão travessa, da grossura
ele começou de ir para lá, acudiram pela dum fuso de algodão, agudos na ponta
praia homens, quando aos dois, quando como furador. Metem-nos pela parte de
aos três, de maneira que, ao chegar o dentro do beiço; e a parte que lhes fica
batel à boca do rio, já ali havia dezoito entre o beiço e os dentes é feita como
ou vinte homens. roque de xadrez, ali encaixado de tal
sorte que não os molesta, nem os estor-
Eram pardos, todos nus, sem coi- va no falar, no comer ou no beber.
sa alguma que lhes cobrisse suas ver-
2
gonhas . Nas mãos traziam arcos com (...)
suas setas. Vinham todos rijos sobre o Esta terra, Senhor, me parece que
batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal da ponta que mais contra o sul vimos
que pousassem os arcos. E eles os pou- até outra ponta que contra o norte vem,
saram. de que nós deste porto houvemos vista,
será tamanha que haverá nela bem vin-
Ali não pôde deles haver fala, nem
te ou vinte e cinco léguas por costa.
entendimento de proveito, por o mar que-
Tem, ao longo do mar, nalgumas partes,
brar na costa. Somente deu-lhes um
3
grandes barreiras, delas vermelhas,
barrete vermelho e uma carapuça de
delas brancas; e a terra por cima toda
linho que levava na cabeça e um som-
chã e muito cheia de grandes arvore-
breiro preto. Um deles deu-lhe um som-
dos. De ponta a ponta, é toda praia
breiro de penas de ave, compridas, com 5 6
parma , muito chã e muito formosa.
uma copazinha pequena de penas ver-
melhas e pardas como de papagaio; e Pelo sertão nos pareceu, vista do
outro deu-lhe um ramal grande de conti- mar, muito grande, porque, a estender
nhas brancas, miúdas, que querem pa- olhos, não podíamos ver senão terra
4
recer de aljaveira , as quais peças creio com arvoredos, que nos parecia muito
que o Capitão manda a Vossa Alteza, e longa.
com isto se volveu às naus por ser tar-
de e não poder haver deles mais fala, Nela, até agora, não pudemos saber
por causa do mar. que haja ouro, nem prata, nem coisa algu-
ma de metal ou ferro; nem lho vimos. Po-
(...) rém a terra em si é de muito bons ares,
— 163 -

assim frios e temperados, como os de Vocabulário:


Entre Douro e Minho, porque neste tempo 1
Batéis e esquifes: pequenas embar-
de agora os achávamos como os de iá.
cações que serviam às naus, espé-
Águas são muitas; infindas. E em cies de canoas.
tal maneira é graciosa que, querendo-a 2
Vergonhas: órgãos sexuais do cor-
aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem po humano.
das águas que tem. 3
Barrete e carapuça: coberturas para
Porém o melhor fruto, que nela se a cabeça utilizadas pelos marinhei-
pode fazer, me parece que será salvar esta ros; gorros.
gente. E esta deve ser a principal semente 4
Ramal e aljaveira: "ramal" é o colar
que Vossa Alteza em ela deve lançar. ou rosário; "aljaveira" é uma concha
marinha utilizada pelos tupinambás
E que aí não houvesse mais que ter
para formar colares.
aqui esta pousada para esta navegação
5

\ de Calecute, bastaria. Quando mais dis- Parma: arredondada.


posição para se nela cumprir e fazer o 6
Chã: lisa, plana.
que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa santa fé. Incumbido por Pedro Álvares Cabral
da tarefa de comunicar a D. Manuel o
E nesta maneira, Senhor, dou aqui a "achamento" da nova terra, o escrivão
Vossa Alteza do que nesta vossa terra da frota Pero Vaz de Caminha escreve
vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me a carta, relatando com fidelidade a rea-
perdoe, que o desejo que tinha, de vos lidade observada.
tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.
A linguagem da carta é simples, di-
E pois que, Senhor, é certo que, as- reta; o texto assemelha-se a um diário de
sim neste cargo que levo, como em outra viagem pela riqueza de detalhes; Des-
qualquer coisa que de vosso serviço for, creve a terra descoberta e sua gente,
Vossa Alteza há de ser de mim muito além das primeiras atitudes dos futuros
bem servida, a Ela peço que, por me fa- colonizadores.
zer singular mercê, mande vir da ilha de
Há uma clara intenção exploratória
São Tomé a Jorge de Osório meu genro -
das terras brasileiras, sobretudo em re-
o que d'Ela receberei em muita mercê.
lação a suas possíveis riquezas natu-
rais, decorrente do pensamento mercan-
Beijo as mãos de Vossa Alteza
tilista português da época. Além disso,
Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de
identifica-se um desejo de cristianização
Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia
do povo indígena, considerado despro-
de maio de 1500.
vido de espiritualidade e fé.
(PEREIRA Paulo Roberto. Os três únicos testemunhos
do descobrimento do Brasil, Rio de Janeiro: Lacerda, Percebe-se o espanto do homem
1999.) branco diante de um "outro" ser que
— 164 —

lhe causa estranheza. A nudez do índio Enfatiza, as vantagens da colônia,


é enfatizada como demonstração de sua além de descrever minuciosamente a
pureza e ingenuidade. O deslumbramen- natureza e a gente que aqui se encon-
to diante da nova terra transmite-nos a trava.
sensação de uma "visão do paraíso",
estudada por Sérgio Buarque de Holanda Capítulo CVII
em Visão do Paraíso: Os Motivos Edê-
nicos no Descobrimento e Coloniza- Em que se declara que bicho é o
ção do BrasiP. Tal visão é influenciada que se chama preguiça.
por uma mentalidade medieval, de valo- Gabriel Soares de Sousa
res essencialmente cristãos.
Nestes matos se cria um animal mui
estranho, a que os índios chamam aí, e os
Pero de Magalhães portugueses, preguiça, nome certo mui
acomodado a este animal, pois não há
Gândavo (? - ?) fome, calma, frio, água, fogo, nem outro
perigo que veja diante, que o faça mover
Pero de Magalhães Gândavo era uma hora mais que outra; o qual é felpudo
professor de Humanidades e amigo de como cão d'água, e do mesmo tamanho; e
Camões. Escreveu o Tratado da Terra tem a cor cinzenta, os braços e pernas
do Brasil provavelmente no ano de 1570, grandes, com pouca carne, e muita lã; tem
sendo publicado postumamente em umas unhas como cão e muito voltadas; a
1826. Já sua História da Província de cabeça como gato, mas coberta de
Santa Cruz a que Vulgarmente Chama- gadelhas que lhe cobrem os olhos; os
mos Brasil foi publicada em Lisboa no dentes como gato. As fêmeas parem uma
ano de 1576. Capistrano de Abreu con- só criança, e trá-la, desde que a pare, ao
sidera seus textos "uma propaganda da pescoço dependurado pelas mãos, até
imigração", pois enfatizam os bens e o que é criada e pode andar por si; e parem
clima da colônia. em cima das árvores, de cujas folhas se
mantêm, e não se descem nunca ao
chão, nem bebem; e são estes animais
Gabriel Soares tão vagarosos que posto um ao pé de uma
árvore, não chega ao meio dela desde pela
de Sousa (1540 - 1592) manhã até as vésperas, ainda que esteja
morta de fome e sinta ladrar os cães que a
O Tratado Descritivo do Brasil querem tomar; e andando sempre, mas
(1587) de Gabriel Soares de Sousa é muda uma mão só muito devagar, e depois
obra de grande importância para o estu- outra, e faz espaço entre uma e outra, e
do e compreensão deste período. da mesma maneira faz aos pés, e depois à

'Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso. Os motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil,
Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
— 165 —

cabeça; e tem sempre a barriga chegada à Coimbra, vindo a integrar a Companhia de


árvore, sem se pôr nunca sobre os pés e Jesus em 1544. Veio para o Brasil com
mãos e se não faz vento, por nenhum caso Tomé de Sousa, primeiro governador-ge-
se move do lugar onde está encolhida até ral, anos depois. Posteriormente, foi no-
que o vento lhe chegue; os quais dão uns meado primeiro Superior e primeiro Pro-
assobios, quando estão comendo de tar- vincial da Ordem no Brasil. Juntamente
de em tarde, e não remetem nada, nem fa- com Anchieta, fundou em 25 de janeiro de
zem resistência a quem quer pegar deles, 1554 São Paulo de Piratininga. Ambos de-
mais que pegarem-se com as unhas à ár- dicaram-se à catequese de índios e colo-
vore que estão, com que fazem grande nos portugueses. Escreveu as Cartas do
presa; e acontece muitas vezes tomarem Brasil (1886) e um Diálogo sobre a Con-
os índios um destes animais, e levarem-no versão do Gentio.
para casa, onde o têm quinze e vinte dias,
sem comer coisa alguma, até que de pie-
dade o tornam a largar; cuja carne não co- José de Anchieta
mem por terem nojo dela.
(1534-1597)
(Tratado descritivo do Brasil, São Paulo: Nacional/
Edusp, 1971, p. 256.)
Padre José de Anchieta nasceu em
1534 em Tenerife, Ilhas Canárias. Estu-
dou desde a infância com os frades
A literatura jesuítica dominicanos, iniciando o estudo do latim
com sete anos de idade. Em 1553, ainda
noviço da Companhia de Jesus, veio
Os jesuítas produziram uma literatu- para o Brasil e fundou um colégio em
ra repleta de informações, tal como as Piratininga, São Paulo, com o objetivo de
crônicas dos viajantes, porém de cará- realizar seu apostolado. Foi, portanto, o
ter pedagógico e moralizante. Merecem primeiro professor desta cidade e, pro-
destaque no século XVI os nomes de vavelmente, o maior humanista clássico
Manuel da Nóbrega, com o Diálogo so- do Brasil. Escreveu crônicas, corres-
bre a Conversão do Gentio, Fernão Car- pondências, sermões e poesias em por-
dim, com seu Tratado da Terra e da Gen- tuguês, castelhano, tupi e latim, nas quais
te do Brasil, e principalmente José de percebe-se sua intensa vida espiritual.
Anchieta, com suas poesias e autos. Estes textos possivelmente eram reci-
tados, cantados, dialogados ou mesmo
encenados. Além de poesia religiosa de
Padre Manuel da cunho místico, realizou uma poesia que
exaltava a nova terra e louvava a ação
Nóbrega ( 1 5 1 7 - 1 5 7 0 ) colonizadora dos portugueses. Dentre
as poesias, sobressaem-se Em Deus,
Nóbrega nasceu em Portugal em 1517. meu criador, Do Santíssimo Sacramen-
Realizou seus estudos em Salamanca e to e A Santa Inês, de caráter religioso, e
— 166 —

Feitos de Mem de Sá governador do Do pé sacro monte


Brasil, de cunho laudatório, bendizendo meus olhos levantando
o Novo Mundo e enfatizando a coloniza- ao alto cume,
ção portuguesa. Escreveu oito autos,
vi estar aberta a fonte
dos quais podemos destacar Na Festa
do verdadeiro lume,
de São Lourenço, representado em
1583, em Niterói, pela primeira vez. Es- que as trevas de meu peito
tas peças sofreram grande influência todas consume.
de Gil Vicente, precursor do teatro em
Correm doces licores
Portugal. Em 1595, publicou a Arte de
Gramática da Língua Mais Usada na das grandes aberturas
Costa do Brasil, a primeira gramática de do penedo.
língua indígena brasileira. Veio a falecer Levantam-se os errores,
em Reritiba, Espírito Santo, em 1597. levanta-se o degredo
e tira-se a amargura
Em Deus, meu criador
do fruto azedo!
Não há cousa segura. (NA VARRO, Eduardo de Almeida. Anchieta: vida e
pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 1997.)
Tudo quanto se vê
se vai passando. A linguagem segue a tradição me-
A vida não tem dura. dieval espanhola e portuguesa, carac-
O bem se vai gastando. terizada pela "medida velha" (versos de
sete sílabas poéticas).
Toda criatura
passa voando. Nada, exceto Deus, pode trazer se-
gurança ao homem, pois todas as coisas
Em Deus, meu criador, terrenas são passageiras e a vida do ser
está todo meu bem humano caracteriza-se pela brevidade.
Apenas o amor divino constitui-se como
e esperança,
esperança deste, além de fonte de ale-
meu gosto e meu amor
gria e bem-aventurança, pois é infinito.
e bem-aventurança.
A fé mostra-se como único meio de
Quem serve a tal Senhor
superar as adversidades da vida, pois
não faz mudança.
desvia a atenção do homem dos bens
terrenos, transitórios e muitas vezes gera-
Contente assim, minha alma,
dores de sofrimento, para algo mais subli-
do doce amor de Deus
me e permanente: a comunhão com Deus.
toda ferida,
O poeta volta-se para o alto, numa
o mundo deixa em calma,
tentativa de ficar mais próximo da divin-
buscando a outra vida,
dade, fonte dissipadora das trevas, do
na qual deseja ser pecado, dos males que atormentam os
toda absorvida. homens.
— 167 —

A presença divina consegue fazer Este dá vida imortal,


frutificar aquilo que já não parecia dar este mata toda fome,
fruto, muda a concepção das coisas, porque nele Deus e homem
transforma nossa maneira de ver o mun-
se contêm.
do e enche-nos de esperança e alegria.
Tirada a "amargura do fruto azedo", o
É fonte de todo bem,
homem encontra sua felicidade plena,
da qual quem bem se embebeda
pois fica completamente saciado.
não tenha medo da queda
Do Santíssimo Sacramento do pecado.

Ó que pão, ó que comida, Ó que divino bocado,


ó que divino manjar que tem todos os sabores!
se nos dá no santo altar Vinde, pobres pecadores,
cada dia! a comer!

Filho da Virgem Maria, Não tendes de que temer,


que Deus-Padre cá mandou senão de vossos pecados.

e por nós na cruz passou Se forem bem confessados,

crua morte, isso basta,

e para que nos conforte qu'este manjar tudo gasta,

se deixou no sacramento porque é fogo gastador,

para dar-nos, com aumento, que com seu divino ardor

sua graça, tudo abrasa.


(...)
esta divina fogaça (NA VARRO, Eduardo de Almeida. Anchieta: vida e
pensamentos, São Paulo.- Martin Claret, 1997.)
é manjar de lutadores,
galardão de vencedores
esforçados, Influências
deleite de namorados, posteriores da
que, co'o gosto deste pão,
deixam a deleitação
literatura
transitória.
informativa
Quem quiser haver vitória
A literatura informativa emprestou
do falso contentamento
muitos de seus temas e formas para
goste deste sacramento períodos literários posteriores, como o
divinal. Romantismo e o Modernismo.
— 168 —

A Carta de Pero Vaz de Caminha, maneira. Através desta jogo intertextual,


apesar de caracterizar-se mais como um Oswald dialogou com o passado, com-
relato, uma crônica de viagem, possui pondo um texto de nova significação.
muitas qualidades literárias, as quais in- Um bom exemplo é o poema a seguir,
fluenciaram poetas modernistas como da obra Pau-Brasil, já observado por
Oswald de Andrade, na composição de Affonso Romano de SanfAnna em seu
Pau-Brasil e Mário de Andrade, ao reali- estudo:
zar sua giosa, em Macunaima, na "Carta
pras Icamiabas". 4 descoberta

Oswald de Andrade realizou o que Seguimos nosso caminho por este


Affonso Romano de Sanf Anna chama de [mar de longo
"apropriação parodística", pois subver- Até a oitava de Páscoa
teu o sentido original do texto ao recortar Topamos aves
as frases da carta e dispô-las de outra E houvemos vista de terra

Resumo do Quinhentismo
Momento sócio-cultural • Destacamos a literatura informativa -
descrição das terras brasileiras, em
É o momento das grandes navega- tom de deslumbramento, e a literatura
ções e descobertas: em busca de jesuítica—obras que exaltam afé cris-
riquezas, as nações européias en- tã, visando à conversão dos índios.
viam expedições marítimas, que as
põem em contato com outras cultu-
Autores e obras
ras. Portugal é uma das principais
• Pero Vaz de C a m i n h a : Autor da
potências marítimas e possui colôni- Carta, documento de inestimável
as ou relações comerciais na Amé- importância por ser a primeira des-
rica, Ásia e África. crição do Brasil.
Dois objetivos distintos (e até con-
• Padre Manuel da Nóbrega: Impor-
traditórios) guiam as navegações
tante figura do início da colonização
portuguesas: a expansão do cristia-
e da catequese dos índios, escreveu
nismo e o desejo de conquistas e de
Cartas cio Brasil (1886) e Diálogo
enriquecimento. sobre a Conversão do Gentio (1557).
Características literárias • J o s é de A n c h i e t a : principal
humanista clássico do Brasil. Escre-
A literatura produzida no Brasil do veu poemas religiosos que exalta-
século XVI não possui traços pró- vam a colonização e a primeira gra-
prios. Apenas descreve as carac- mática do tupi. Obras: Na Festa de
terísticas do território recém-desco- São Lourenço ( 1 5 8 3 ) . Arte de Gramá-
berto. É uma literatura sobre o Brasil tica da Língua mais Usada na Costa
e não uma literatura do Brasil. do eras/7 (1595).

'Afonso Romano de Sant'anna, Paródia, Paráfrase E Cia, São Paulo: Á t i c a , 1991, p. 5 1 .


— 169 —

Barroco
O Barroco inicia-se com a publica- so e o profano, a metafísica e a racio-
ção do poema épico Prosopopéia, de nalidade, de modo a conciliar as pers-
Bento Teixeira, em 1601, e tem seu térmi- pectivas medieval e renascentista.
no em 1768, ano em que Cláudio Manuel
Este movimento caracteriza-se por
da Costa publica suas Obras Poéticas,
marcando o princípio do Arcadismo. um profundo dinamismo, audácia, imagina-
ção e exagero. Apesar da existência de
Inicialmente, o termo Barroco expres- um espírito pagão, que valoriza o humano,
sava um fenômeno específico da pintura, instável e finito, ainda há um forte sentimen-
da escultura e da arquitetura, referente to religioso. Dois processos expressivos
aos séculos XVII e XVIII, comumente con- marcam este período: o cultismo e o
siderado monstruoso e de mau gosto. Pos- conceptismo. Um diz respeito ao som e à
teriormente, passou a ser valorizado e re- forma, criando imagens e sensações que
conhecido nas diversas manifestações superam as sugestões da realidade; já o
artísticas. outro centra-se no significado da palavra,
privilegiando o pensamento, a razão.
A Espanha foi o primeiro país a culti-
var a estética barroca, tendo Portugal re- Os escritores trabalham desde as-
cebido forte influência desta, já que se en- suntos triviais até grandes temas, mui-
contrava dominado pela mesma na época. tas vezes utilizando-se de vocábulos
raros, derivados do latim. Preocupam-se
Caracterizado por uma mentalidade
com a beleza, fazendo uso de recursos
pós-renascentista, se por um lado o ho-
da tradição clássica e renascentista,
mem barroco convive com valores medie-
beirando o exagero. Preferem sugerir
vais e cristãos, por outro participa das no-
luzes, cores e sons, transmitindo as con-
vidades pagãs e terrenas advindas do
tradições do ser humano, a nomear dire-
ressurgimento do espírito greco-latino.
tamente as coisas e os seres.
Dessa forma, ele vive em conflito, oscilan-
do entre a razão e a fé, o misticismo e o Cultivam tanto a prosa como a poe-
erotismo, entre o prazer da vida e os mis- sia, principalmente por meio da oratória
térios da morte, entre o material e o espiri- religiosa, merecendo destaque o Padre
tual. Tal estado de conflito interior do ho- Antônio Vieira. Além desta, realizam a
mem barroco pode ser percebido pelo oratória acadêmica, com objetivos his-
uso de artifícios e figuras de linguagem, tóricos ou laudatórios.
que demonstram a tensão entre o homem
A comédia e o drama sobressaem-
e o mundo.
se, tendo Lope de Vega como mestre,
O espírito da Contra-Reforma influen- tanto em Portugal como no Brasil. Entre
ciou o pensamento barroco, que buscou nós, seu grande seguidor é Manuel Bote-
reaproximar o homem e Deus, o religio- lho de Oliveira.
— 170 —

O principal tema trabalhado trata de cultivo e produção das terras e no modo


uma questão fundamental para o ser hu- de vida. Já o segundo é composto pela
mano: a vida e a morte. Decorre daí a outra metade do século e o terceiro agru-
sensação de brevidade e transitorieda- pa as primeiras décadas do século XVIII,
de da vida humana, claramente percep- em que a Bahia constitui-se como princi-
tível em seus aspectos físicos. Diante pal centro político, econômico e religioso.
da fugacidade de sua existência, o ho-
mem barroco tem dois caminhos: ou orien-
ta-se pelo estoicismo, tornando-se indi-
ferente aos bens terrenos, ou pelo epi-
Poesia
curismo, valorizando o momento presen-
te, enfatizando a importância de se apro-
veitar a juventude, guiando-se pelo carpe Bento Teixeira (1561 - 1 6 0 0 )
diem. Tal percepção da vida faz com
que o homem arrependa-se de seus pe- Acredita-se que Bento Teixeira te-
cados e coloque-se diante da misericór- nha nascido em 1561 no Porto. Veio cedo
dia divina. Contudo, percebe-se na mai- para o Brasil e formou-se no Colégio da
oria das vezes mais um medo da transi- Bahia, onde ensinou as primeiras letras.
toriedade do tempo, da morte e do infer- Exerceu também a profissão de advoga-
no do que propriamente uma alegria e do. Depois fugiu para Pernambuco, por
prazer de viver. ter sido responsável pelo assassinato
de sua esposa, e refugiou-se no Con-
A mulher foi outro tema cultivado
vento dos Beneditinos, em Olinda. Foi
pelos escritores barrocos. Ela é requisi-
processado e preso pela Inquisição por
tada a aproveitar a vida e usufruir os
sua ligação com o judaísmo, mas reali-
prazeres de sua mocidade e muitas ve-
zou declaração como cristão-novo em
zes comparada à rosa, devido a sua
1594 em Olinda. Em 1595 foi preso e en-
beleza passageira.
viado a Lisboa para julgamento, ocasião
Vale ressaltar que a literatura bar- em que renunciou solenemente ao juda-
roca não permanece a mesma de 1601 a ísmo. Quatro anos depois foi condenado
1768, mas altera-se de acordo com o a prisão perpétua, conseguindo licença
desenvolvimento sócio-econômico bra- para ficar solto. Faleceu no ano de 1600.
3
sileiro. Segundo Massaud Moisés , a
Prosopopéia
época barroca pode ser dividida em três
momentos, do primeiro fazem parte os Prosopopéia é um poema em oita-
cinqüenta anos iniciais do século XVII, vas heróicas, construído de modo muito
momento em que Portugal foi incorpora- semelhante a Os Lusíadas, com o obje-
do pela Espanha e os holandeses ocu- tivo de louvar o donatário da capitania
param o nordeste. Nesta fase Pernam- de Pernambuco, Jorge de Albuquerque
buco era a capital que mais progredia no Coelho.

3
Massaud Moisés, História da literatura brasileira, p. 72.
— 171 —

Bento Teixeira buscava elevar os Pernambuco de todos é chamado.


feitos dos heróis portugueses nas ter- De Para'ná, que é Mar; Puçá, rotura,
ras brasileiras e africanas.
Feita com fúria desse Mar salgado,
O texto, contudo, não se caracte- Que sem no derivar cometer
riza como criação de grande significa- [míngua,
ção para a literatura, merecendo ser
Cova do Mar se chama em nossa
lembrado mais por sua importância his-
[língua.
tórica.

No fragmento transcrito a seguir, o XX


autor realiza a descrição do Recife e
Pera entrada da barra, à parte
Pernambuco:
[esquerda,
XVII Está ua lajem grande, e espaçosa,
Pera a parte do Sul, onde a pequena Que de Piratas fora total perda,
Ursa se vê de guardas rodeada, Se ua torre tivera suntuosa.
Onde o Céu luminoso, mais serena Mas quem por seus serviços bons
Tem sua influição, e temperada. [não herda,
Junto da nova Lusitânia ordena, Desgosta de fazer cousa lustrosa,
A natureza, mãe bem atentada, Que a condição do Rei que não é
Um porto tão quieto, e tão seguro, [franco,
Que pera as curvas naus serve de O vassalo faz ser nas obras
[muro. [manco.

XXI
XVIII
Sendo os Deuses à lajem já
É este porto tal, por estar posta [chegados,
Ua cinta de pedra, inculta e viva,
Estando o vento em calma, o Mar
Ao longo da soberba e larga costa, [quieto,
Onde quebra Netuno a fúria esquiva.
Depois de estarem todos
Entre a praia e pedra descomposta,
[sossegados,
O estanhado elemento se deriva
Por mandado do Rei, e por decreto,
Com tanta mansidão, que ua fateixa
Proteu no Céu, cos olhos
Basta ter à fatal Argos aneixa.
[enlevados,
XIX Como que investigava alto secreto.
Com voz entoada, e bom meneio,
Em o meio desta obra alpestre, e dura,
Ao profundo silêncio larga o freio.
Ua boca rompeu o Mar inchado,
(TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia, Rio de Janeiro:
Que na língua dos bárbaros escura, I.N.L.,1972)
— 172 —

Em cuja fé protesto de viver;


Gregório de Matos
Em cuja santa lei hei de morrer,
(1636-1696) Amoroso, constante, firme e inteiro:

Em 1636 nasce na Bahia o poeta Neste transe, por ser o derradeiro,


Gregório de Matos Guerra, cuja poesia
Pois vejo a minha vida anoitecer,
destaca-se pela relevância histórica e
literária. É, meu Jesus, a hora de se ver
Estudou no Colégio da Companhia A brandura de um pai, manso
de Jesus até 1650. Depois foi para Coim- [cordeiro.
bra e graduou-se em Direito em 1661.
Casou-se e iniciou sua atuação na ma- Mui grande é vosso amor, e o meu
gistratura. Satirizou políticos e outras fi- [delito:
guras da sociedade, o que provocou sua
Porém, pode ter fim todo o pecar;
expulsão de Lisboa. Por volta dos cin-
qüenta anos, encontrando-se viúvo, re- Mas não o vosso amor, que é
tornou à Bahia. Passou a ter uma vida [infinito.
boêmia e a advogar pequenas causas.
Esta razão me obriga a confiar
Casou-se novamente, teve filhos e rece-
beu proteção de bispos e governadores. Que por mais que pequei, neste
[conflito,
Na Bahia, foi novamente persegui-
Espero em vosso amor de me
do por causa de suas sátiras, sendo
[salvar.
desterrado para Angola, de onde retor-
nou em 1695. Partiu então para o Reci- {MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira
fe, onde faleceu um ano depois. através dos textos, p. 40)

Escreveu poesias sacras, líricas e


Este soneto expressa a atitude do
satíricas. Entretanto, não se pode afir-
poeta ao perceber que a morte se apro-
mar com certeza se as poesias atribuí-
das a Gregório de Matos são realmente xima. Ele se dirige ao Cristo crucifica-
de sua autoria, já que eram conserva- do, buscando o perdão de seus peca-
das em cópias manuscritas e compila- dos e almejando a salvação na outra
das em coleções, de acordo com um cri- vida.
tério hoje desconhecido.
Pode-se relacionar o conteúdo do
Por causa de suas sátiras ferinas texto ao histórico de Gregório de Ma-
ficou conhecido como "Boca do Inferno". tos. Sabendo que não teve uma condu-
Poesia Sacra ta aprovada pela Igreja, devido a sua
vida desregrada e boêmia e suas sáti-
A Jesus Cristo crucificado,
ras muitas vezes carregadas de lingua-
estando o poeta para morrer
gem de baixo calão, o poeta realiza nes-
Meu Deus, que estais pendente em te poema uma espécie de oração em
[um madeiro, que se coloca na presença divina.
— 173 —

A linguagem do texto é persuasiva A temática da brevidade da vida é


e tenta convencer Cristo de que deve retomada neste soneto de Gregório de
perdoá-lo e conduzi-lo à Vida Eterna, já Matos.
que Ele é bondoso e possui misericórdia
infinita. Dessa forma, por mais que o Há uma sucessão de antíteses,
poeta tenha pecado, deseja provar que figura muito comum na estética barro-
merece salvar-se. ca, em que se contrapõem palavras ou
frases a outras de sentidos opostos.
O poema mostra nitidamente a preo-
Eis alguns exemplos: dia e noite, luz e
cupação do homem barroco com a vida
escuridão, alegria e tristeza, firmeza e
espiritual, após perceber a efemeridade
inconstância.
e as ilusões da vida material.

A instabilidade das coisas mate-


Poesia Lírica
riais é perceptível na própria natureza:
À instabilidade das cousas do do nascer ao pôr do sol pouco tempo
mundo se passa e assim os dias se sucedem
rapidamente.
Nasce o Sol, e não dura mais que
[um dia, A formosura, ou seja, a beleza da
Depois da luz se segue a noite vida e o frescor da juventude logo se
[escura, esvaem e dão lugar às impiedosas mar-
cas do tempo.
Em tristes sombras morre
[a formosura, O poeta enfatiza: "na formosura,
Em contínuas tristezas a alegria. não se dê constância / e na alegria, sin-
ta-se tristeza". Parece, com isso, alertar-
Porém, se acaba o Sol, porque nascia? nos de que não devemos dar excessivo
Se formosa a luz é, por que não dura? valor aos bens materiais e aos praze-
Como a beleza assim se transfigura? res do mundo, pois tudo isso é passa-
geiro.
Como o gosto, da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza; Poesia Satírica


Na formosura, não se dê constância:
E na alegria, sinta-se tristeza. Descreve que era naquele tempo a
cidade da Bahia
Comece o mundo enfim pela
[ignorância, A cada canto um grande
[conselheiro,
Pois tem qualquer dos bens
[por natureza, Que nos quer governar cabana e
[vinha;
A firmeza somente na inconstância.
Não sabem governar sua cozinha,
(Moisés, Massaud. A literatura brasileira
através dos textos, p. 4 4 - 4 5 ) E podem governar o mundo inteiro.
— 174 —

Em cada porta um bem freqüente A crítica a uma sociedade cheia de


[olheiro vícios ao lado de uma visão conserva-
Que a vida do vizinho e da vizinha, dora e preconceituosa em relação aos
negros e às camadas menos favore-
Pesquisa, escuta, espreita e
cidas aparecem em outros poemas satí-
[esquadrinha,
ricos de Gregório de Matos.
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados, Botelho de Oliveira


Trazendo pelos pés aos homens (1636-?)
[nobres,
Posta nas palmas toda a picardia. Manuel Botelho de Oliveira nasceu
na Bahia em 1636. Formou-se em direito
Estupendas usuras nos mercados, pela Universidade de Coimbra.
Todos os que não furtam, muito Publicou em 1705 Música do Par-
[pobres: naso, reunindo poemas em português,
Eis aqui a cidade da Bahia. castelhano, italiano e latim e duas comé-
dias em espanhol (Hay amigo para ami-
(MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira
através dos textos, p. 46-47) go e Amor, Enganos y Elos).

O poeta realiza a descrição da Bahia


do século XVII, em que conselheiros que
mal sabem governar sua cozinha dese-
Prosa
jam a vida de todos controlar. De modo
semelhante a estes agem os olheiros,
pois tudo sabem da vida alheia, ficando Padre Antônio Vieira
muito atentos ao que se passa para logo
discutirem na Praça da Sé e no Terreiro (1608-1697)
de Jesus.
Padre Antônio Vieira nasceu em
Neste poema aparece uma visão Lisboa em 1608. Veio cedo com os pais
preconceituosa em relação aos mula- para a Bahia, passando a estudar no
tos, considerados inferiores à nobreza Colégio dos Jesuítas. Em 1623 entrou
detentora de poder. Tal preconceito pode para o noviciado da Companhia de Je-
estar relacionado ao fato de o escritor sus. Logo demonstrou uma aptidão para
pertencer a uma família de nobres de- a oratória, o que fez com que seus su-
cadentes. periores lhes dessem a tarefa de ensi-
nar Retórica aos noviços de Olinda.
Finalmente faz-se uma crítica à rea- Foi ordenado em 1634 e iniciou
lidade da exploração, desonestidade e suas pregações. Em decorrência do mo-
hipocrisia, em que só enriquecem os vimento português da restauração da
aproveitadores e ladrões. independência, vai para Portugal. De-
— 175 —

monstra fidelidade a D. João IV, o novo Sermão da sexagésima


monarca, que lhe prestigia e respeita
muito. Chega a ser nomeado para vári- Há de tomar o pregador uma só
as embaixadas diplomáticas no estran- matéria, há de defini-la para que se co-
geiro. nheça, há de dividi-la para que se dis-
tinga, há de prová-la com a Escritura,
No ano de 1652 passa a dedicar- há de declará-la com a razão, há de
se à catequese e à conversão dos ín- confirmá-la com o exemplo, há de am-
dios no Maranhão. Passados nove anos plificá-la com as causas, com efeitos,
volta à Lisboa, sendo severamente cri- com as circunstâncias, com as conve-
ticado por suas idéias sebastianistas. niências que se hão de seguir, com os
Depois vai para Roma, vindo a tornar-
inconvenientes que se devem evitar;
se orador oficial do salão literário da
há de responder às dúvidas, há de sa-
Rainha Cristina da Suécia. Defende os
tisfazer as dificuldades, há de impug-
cristãos novos diante da Inquisição,
nar e refutar com toda a força de elo-
tendo o direito de pregar cassado pela
qüência os argumentos contrários, e
mesma.
depois disto há de colher, há de aper-
Em 1681 volta ao Brasil e redige tar, há de concluir, há de persuadir, há
suas obras: Sermões, História do Fu- de acabar. Isto é sermão, isto é pregar,
turo, Esperanças de Portugal, Clavis e o que não é isto, é falar de mais alto.
Prophetarum, além das cartas. Entre Não nego nem quero dizer que o ser-
seus sermões destacam-se o Sermão mão não haja de ter variedade de dis-
da Sexagésima, realizado em 1655 na cursos, mas esses hão de nascer to-
Capela Real de Lisboa, e o Sermão da dos da mesma matéria e continuar e
Primeira Dominga da Quaresma, pro- acabar nela. Quereis ver tudo isto com
ferido em 1653 no Maranhão. Neste últi- os olhos? Ora vede: uma árvore tem
mo, tenta convencer os colonos de que raízes, tem troncos, tem ramos, tem fo-
devem libertar os índios, os quais são lhas, tem varas, tem flores, tem frutos.
comparados aos hebreus quando es- Assim há de ser o sermão: há de ter
cravos do Faraó. raízes fortes e sólidas, porque há de
ser fundado no Evangelho; há de ter
Alfredo Bosi4 ressalta em seus es-
um tronco, porque há de ter um só as-
tudos que Vieira esteve também atento
sunto e tratar uma só matéria. Deste
ao sofrimento dos negros, ao contrário
do que muitos autores divulgam. Tal pre- tronco há de nascer diversos ramos,
ocupação de Vieira fica perceptível no que são diversos discursos, mas nas-
Sermão XIV do Rosário, dirigido à Ir- cidos da mesma matéria, e continua-
mandade dos Pretos de um engenho dos nela. Estes ramos não hão de ser
baiano e realizado em 1633. secos, senão cobertos de folhas, por-
que os discursos hão de ser vestidos
Morre em 1697 em Salvador.

'Alfredo Bosi, História concisa da literatura brasileira, p.45


— 176 —

e ornados de palavras. Há de ter esta regras da parenética (prática da ora-


árvore varas, que são a repreensão tória sagrada).
dos vícios; há de ter flores, que são as
sentenças; e por remate de tudo isto Primeiramente deve realizar-se o
há de ter frutos, que é o fruto e o fim a exórdio ou intróito do sermão, esco-
que se há de ordenar o sermão. De lhendo um tema, definindo-o e a partir des-
maneira que há de haver frutos, há de te expondo a tese que se pretende de-
haver flores, há de haver varas, há de fender; em seguida, passa-se ao desen-
haver folhas, há de haver ramos, mas volvimento ou argumentação, que de-
tudo nascido e fundado em um só tron- ve ser embasada nas Sagradas Escritu-
co, que é uma só matéria. Se tudo são ras e desenvolvida a partir de um raciocí-
troncos, não é um sermão, é madeira. nio lógico, expondo-se causas, conseqü-
Se tudo são ramos, não é sermão, são ências, além de argumentos convincen-
maravalhas. Se tudo são folhas, não é tes; finalmente, ao término do sermão, ten-
sermão, são verças. Se tudo são va- ta-se persuadir os ouvintes, o que cons-
ras, não é um sermão, é feixe. Se tudo titui a peroração ou epílogo.
são flores, não é um sermão, é rama-
Em seguida, Vieira compara a estru-
lhete. Serem tudo frutos, não pode ser;
tura do sermão à de uma árvore, elen-
porque não há frutos sem árvore. As-
cando as partes que a constituem.
sim que nesta árvore, a que podemos
chamar árvore da vida, há de haver o
Carta
proveitoso do fruto, o formoso das flo-
res, o rigoroso das varas, o vestido Ao rei D. Afonso VI
das folhas, o estendido dos ramos, mas 1657-abril 20
tudo isto nascido e formado de um só
tronco, e esse não levantado no ar, se- Senhor, os reis são vassalos de
não fundado nas raízes do Evangelho: Deus, e se os reis não castigam os seus
Seminare sêmen. Eis aqui como hão vassalos, castiga Deus os seus. A cau-
de ser os sermões, eis aqui como não sa principal de se não perpetuarem as
são. E assim não é muito que se não coroas nas mesmas nações e famílias é
faça fruto com eles. a injustiça, ou são as injustiças, como
diz a Escritura Sagrada; e entre todas
Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil, p. 37-8. as injustiças nenhumas clamam tanto ao
céu como as que tiram a liberdade aos
No Sermão da Sexagésima, Padre
que nasceram livres, e as que não pa-
Vieira expõe a arte da pregação, ou seja,
gam o suor aos que trabalham; e estes
do discurso convincente, que conse-
são e foram sempre os dois pecados
gue persuadir o ouvinte.
deste Estado, que ainda têm tantos de-
No trecho anteriormente transcrito fensores. A perda do Senhor rei D. Se-
ele reforça alguns elementos a serem bastião em África, e o cativeiro de ses-
seguidos, que julga importantes na cons- senta anos que se seguiu a todo o rei-
trução de um bom sermão, seguindo as no, notaram os autores daquele tempo
— 177 —

que foi castigo dos cativeiros, que na neste mesmo ano tirou Deus a Sua Ma-
costa da mesma África começaram a jestade o primogênito dos filhos e a
fazer os nossos primeiros conquista- primogênita das filhas. Senhor, se alguém
dores, com tão pouca justiça como a pedir ou aconselhar a Vossa Majestade
que se lê nas mesmas histórias. maiores larguezas que as que hoje há
nesta matéria, tenha-o Vossa Majestade
As injustiças e tiranias, que se têm por inimigo da vida, e da conservação
executado nos naturais destas terras, da coroa de Vossa Majestade.
excedem muito às que se fizeram na
África. Em espaço de quarenta anos se Dirão porventura (como dizem) que
mataram e se destruíram por esta costa destes cativeiros, na forma em que se
e sertões mais de dois milhões de índi- faziam, depende a conservação e au-
os, e mais de quinhentas povoações mento do Estado do Maranhão; isto, Se-
como grandes cidades, e disto nunca se nhor, é heresia. Se, por não fazer um
viu castigo. Proximamente, no ano de pecado venial, se houver de perder Por-
1655, se cativaram no rio das Amazo- tugal, perca-o Vossa Majestade e dê por
nas dois mil índios, entre os quais mui- bem empregada tão cristã e tão gloriosa
tos eram amigos e aliados dos portugue- perda; mas digo que é heresia, ainda
ses, e vassalos de Vossa Majestade, politicamente falando, porque sobre os
tudo contra a disposição da lei que veio fundamentos da injustiça nenhuma cousa
naquele ano a este Estado, e tudo man- é segura nem permanente; e a experiên-
dado obrar pelos mesmos que tinham cia o tem mostrado neste mesmo Estado
maior obrigação de fazer observar a do Maranhão, e que muitos governado-
mesma lei; e também não houve casti- res adquiriram grandes riquezas e ne-
go: e não só se requer diante de Vossa nhum deles as logrou nem elas se logra-
Majestade a impunidade destes delitos, ram; nem há cousa adquirida nesta terra
senão licença para os continuar! que permaneça, como os mesmos mora-
dores dela confessam, nem ainda que
Com grande dor, e com grande re- vá por diante, nem negócio que aprovei-
ceio de a renovar no ânimo de Vossa te, nem navio que aqui se faça que tenha
Majestade, digo o que agora direi: mas bom fim; porque tudo vai misturado com
quer Deus que eu o diga. A El-Rei Fa- sangue dos pobres, que está sempre cla-
raó, porque consentiu no seu reino o mando ao céu.
injusto cativeiro do povo hebreu, deu-lhe
Deus grandes castigos, e um deles foi
tirar-ihes os primogênitos. No ano de
1654, por informação dos procuradores
deste Estado, se passou uma lei com
As Academias
tantas larguezas na matéria do cativeiro
dos índios, que depois, sendo Sua Ma- O Brasil, assim como Portugal, teve
jestade melhor informado, houve por bem a vida intelectual no século XVIII associa-
mandá-la revogar: e advertiu-se que da a sociedades literárias.
— 178 —

Nas academias discutiam-se as- dos Felizes, que durou de 1736 a 1740,
suntos diversos e recitavam-se com- localizada no Rio de Janeiro; a Acade-
posições. Dentre as academias que mia dos Seletos, também ambientada
se formaram podemos destacar a Aca- no Rio, porém no ano de 1752, e a
demia Brasílica dos Esquecidos, fun- Academia dos Renascidos, fundada
dada em 1724 na Bahia; a Academia em 1759 na Bahia.

Resumo do Barroco

Momento sócio-cultural figuras de linguagem, inversões sin-


táticas e exageros, tornando-se, por
• A Contra-reforma, movimento da Igre- vezes, obscura.
ja católica contra o protestantismo, • Duas tendências dominam o barroco:
tem grande influência sobre o pen- o cultismo ( culto à forma perfeita e
samento barroco, sendo uma das ao jogo de palavras) e o conceptismo
causas da dualidade da época. (jogo de idéias e argumentos).
• O barroco procurou conciliar o ho-
mem e o divino, o sagrado e o profa-
Autores e obras
no, o medieval e o renascentista. Daí
a profunda angústia do pensamento
da época. • Bento Teixeira: autor da obra inau-
gural do barroco brasileiro, Proso-
• O Domínio espanhol sobre Portugal popéia (1601), poema épico com for-
(1580-1640) impulsionou a influên- te influência de Camões.
cia do barroco sobre Portugal e Bra-
sil, pois a Espanha foi o primeiro país • Gregório de Matos: principal nome
cultor da estética barroca. do barroco brasileiro e até hoje obje-
to de polêmicas. Deixou obra lírica,
satírica e religiosa, reunida em livro
Características literárias
somente após sua morte.
• A característica maior do Barroco é • Padre Antônio Vieira: maior ora-
a contradição. Expressa a dualidade dor e escritor sacro da língua portu-
de um homem que oscila entre fé e guesa, deixou magnífica obra, em
prazer, celestial e terreno. que se destacam os Sermões (1679-
• A literatura barroca é rebuscada, ba- 1718, 15 volumes), História do Fu-
seada em uso abusivo de antíteses, turo (1718) etc.
— 179 —

Arcadismo
Ao remontarmos à segunda me- região mitológica da Grécia em que se
tade do século XVIII, encontramos a concretizou o ideal da vida rústica e
Europa em um importante momento de em harmonia com a natureza. Os es-
mudanças culturais. No ano de 1751 critores idealizavam a vida campestre,
foi publicada na França a Enciclopé- autodenominavam-se "pastores" e di-
dia, tendo como principais responsá- rigiam-se às mulheres como pastoras.
veis D'Alambert, Diderot e Voltaire, que
A importância atribuída à nature-
visavam compilar todo o conhecimen-
za em grande parte deve-se à figura
to científico da humanidade adquirido
de Rousseau, que propôs o retorno à
ao longo dos anos.
natureza, origem de todo bem. Traba-
A razão foi muito valorizada pe- lhou com a figura do "bom selvagem",
los enciclopedistas, que enxergavam homem ainda não corrompido pela so-
nela uma possibilidade de progresso ciedade. Como bem enfatizou Antônio
5
social e cultural. No ano de 1789 ocor- Cândido em Formação da Literatura
reu a Revolução Francesa e, como Brasileira, no século XVIII o herói lite-
conseqüência, assiste-se à queda da rário por excelência é o homem natu-
monarquia. ral, demonstrando toda a nobreza e ter-
nura do ser humano, como enxergava
Tais transformações compõem o Rousseau.
que chamamos de Iluminismo, movi-
mento renovador que enfatiza a razão
Os árcades criticam os exageros
como único guia infalível da sabedo-
verbais do Barroco, propondo uma li-
ria e caracteriza o universo como uma
teratura mais simples e natural, em
máquina governada por leis inflexíveis
consonância com o pensamento do sé-
que o homem não pode desprezar,
culo XVIII. Enfatizam a importância dos
não havendo milagres ou intervenção
sentimentos, da clareza nas idéias, da
divina para modificar a ordem da na-
retomada da naturalidade dos escrito-
tureza.
res clássicos, sobretudo Teócrito e Vir-
O Arcadismo em Portugal teve iní- gílio. Tanto o campo intelectual como o
cio em 1756, com a fundação da Arcá- afetivo devem ser constituídos tendo
dia Lusitana. Esta procurava estrutu- como base a simplicidade. Por retoma-
rar-se da mesma forma que a Arcádia rem o equilíbrio dos clássicos antigos,
Romana, criada em Roma em 1690. A recebem a denominação de neoclás-
denominação Arcádia remonta a uma sicos.

5
Aníônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira, v. 1, p. 56
— 180 —

A poesia deve ter seu cerne na ver- grupo de letrados, alguns deles ex-es-
dade e ser verossímil, ou seja, transmitir tudantes da Universidade de Coimbra,
algo que parece possível e encontra-se reuniram-se e tiveram importante papel
próximo da realidade. Dessa forma, ela na Inconfidência Mineira.
pode ser considerada bela, pois imita o
A literatura procurava distanciar-se
mundo físico e moral, como propunha a
dos moldes portugueses, apesar de ainda
mimesis aristotélica, que resultou na es-
realizar a imitação dos clássicos. Somado
tética da imitação.
a isso, tentava buscar uma identidade bra-
Apesar de ainda valorizarem a reli- sileira, valorizando o índio como um herói,
gião e a monarquia, voltam-se para as- caso dos poemas épicos O Uraguai, de
suntos mais ligados à vida material, tais Basílio da Gama e Caramuru, de Santa
como a virtude civil e a obediência às leis Rita Durão. Tal literatura possuía uma vi-
da natureza como forma de harmonia so- são crítica da realidade brasileira, como
cial. Dessa forma, envolvem-se mais com podemos perceber no poema satírico Car-
a política e acreditam na instrução e no tas Chilenas, de Tomás Antonio Gonzaga.
amadurecimento cultural como indicado-
Os poetas árcades passaram a tra-
res da felicidade humana. Influenciados
balhar temas universais, além de reno-
pela Ilustração (outro nome para o Ilumi-
var as técnicas artísticas. Com isso, a
nismo), vêem na razão e na ciência mei-
literatura brasileira foi se consolidando,
os para transformar a sociedade.
à medida que aumentava a consciência
O Arcadismo no Brasil iniciou-se em literária.
1768 com a publicação das Obras Poé-
A divulgação da literatura no país ocor-
ticas, de Cláudio Manuel da Costa e teve
ria nas Academias, sessões literárias pas-
seu término em 1836, com a obra Suspi-
sageiras e não muito densas: Após a
ros poéticos e saudades, de Gonçalves
vinda da Família Real, em 1808, a ativida-
de Magalhães, quando começou o Ro-
de intelectual cresceu e tornou-se mais
mantismo.
amadurecida. Foi difundido o primeiro jor-
O século XVIII no Brasil é tido como o nal - O Correio Brasiliense - e as pri-
século do ouro, pois há forte atividade de meiras revistas foram publicadas, como
extração mineral. Após a descoberta de O Patriota; estabeleceram-se novas es-
ouro e diamante, o eixo político deslocou- colas; houve a fundação da Imprensa
se para o Sul e a capital deixou de ser a Régia e a abertura da Biblioteca Real.
Bahia, passando a ser o Rio de Janeiro.
Portugal tinha como objetivo explorar sua
colônia, por isso aumentava os impostos Cláudio Manuel da Costa
sobre a extração dos minérios. (1729-1789)
Os Estados Unidos obtiveram sua
independência, além disso propagavam- Cláudio Manuel da Costa nasceu em
se idéias liberais, trazidas por estudan- 1729, em Minas Gerais. Estudou no Rio de
tes brasileiros. Como conseqüência, um Janeiro e posteriormente cursou Direito
— 181 —

em Coimbra, partindo depois para Lisboa A coletânea de seus sonetos for-


e recebendo influências árcades. Alme- ma um cancioneiro, marcado pela pre-
jou a fundação de uma Arcádia ou Colô- sença de várias figuras femininas, pas-
nia Ultramarina, porém esta não teve êxi- toras em sua maioria inacessíveis.
to. Voltou para o Brasil, participou da In-
confidência Mineira, foi preso e morreu A natureza é a paisagem que propi-
no cárcere em 1789. Acredita-se que te- cia o refúgio dos infortúnios da vida, além
nha se enforcado por ter confessado e de permitir a lembrança das alegrias vi-
revelado a culpabilidade de seus amigos. venciadas no passado.
Utilizou o pseudônimo de Glauceste Sa-
túrnio, tendo por amada a pastora Nise. XXVIII

Antes de 1768 Cláudio Manuel da Faz a imaginação de um bem


Costa já havia publicado alguns traba- [amado,
lhos. No volume intitulado Obras são Que nele se transforme o peito
encontrados sonetos, éclogas, epísto- [amante;
las e outras peças líricas. Escreveu
Daqui vem, que a minha alma
também teatro e o poema épico Vila
[delirante
Rica, publicado em 1839.
Se não distingue já do meu cuidado.
Sua obra é composta de poesia
lírica e épica. A poesia lírica é marcada
Nesta doce loucura arrebatado
pela influência de Camões e assumem
relevância o sentimento amoroso e a Anarda cuido ver bem que distante;
descrição da natureza. A vertente épi- Mas ao passo, que a busco, neste
ca é trabalhada no poema Vila Rica, [instante
que narra a fundação e história da ci-
Me vejo no meu mal desenganado.
dade.
6
Segundo Alfredo Bosi , Cláudio Pois se Anarda em mim vive, e eu
Manuel da Costa foi o "primeiro e mais [nela vivo,
acabado poeta neoclássico", apresen-
E por força da idéia me converto
tando ampla formação humanística e
sendo bastante influenciado pelas lite- Na bela causa de meu fogo ativo.
raturas portuguesa e italiana.
Como nas tristes lágrimas, que verto,
Apresentou, no início de sua pro-
Ao querer contrastar seu gênio
dução literária, características do Bar-
roco, como o estilo cultista. Uma das [esquivo,
obras, desse período foi o Minúsculo Tão longe dela estou, e estou tão
Métrico. [perto.

5
Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, p. 6 1 .
— 182 —

LXIV A narrativa é composta pela trajet


ria dos bandeirantes pelo sertão, desa
Que tarde nasce o sol, que
berta das minas, fundação de Ouro Prt
[vagaroso!
to, além das revoltas. Tais ações épica
Parece, que se cansa, de que a um caminham paralelamente a ações lírica!
[triste que envolvem a busca pela realizaçãc
Haja de aparecer: quanto resiste amorosa por parte dos índios, que em
geral não obtêm êxito. Destacam-se as
A seu raio este sítio tenebroso!
figuras de Garcia, Albuquerque e a indí-
gena Aurora.
Não pode ser, que o giro luminoso
Tanto tempo detenha: se persiste
Canto X
Acaso o meu delírio! se me assiste
Ainda aquele humor tão venenoso! Trajando as galas da maior
[decência
Aquela porta ali se está cerrando; Nos poços do senado o herói entrava.
Dela sai um pastor: outro assobia, Da cor da Tíria púrpura talhava
E o gado para o monte vai
A farda militar, cingia-lhe o lado
[chamando.
A rica espada, que já tem provado
Ora não há mais louca fantasia!
Mil vezes o furor do irado Marte;
Mas quem anda, como eu, assim
E a mão, que os prêmios liberal
[penando,
[reparte,
Não sabe quando é noite, ou
[quando é dia. E dispõe os castigos, já sustenta
O castão que os poderes representa.
(MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira
através dos textos, pp. 90 e 95.)
Estão o plano os esquadrões
Vila Rica [formados,

Vila Rica é um poema composto Monta a cavalaria, e cinge os lados;


por dez cantos, estruturados em ver- O centro ocupa a infantaria: tudo
sos decassílabos de rima emparelhada. Respira a grandeza um novo estudo.
O autor faz uso da mitologia, além de
Brilha o asseio e a ostentação; a idéia
incorporar em seu texto alegorias, so-
nhos, previsões e vaticínios. Crê, que dos Céus na vista se recreia,

Assim como Os Lusíadas, o poe- Vendo nos recamados fios de ouro


ma divide-se em cinco partes: proposi- Que o sol retrata ali o seu tesouro.
ção, invocação, dedicatória, narrativa e
epílogo. Apesar da influência camoniana, Desta arte entrando vai na régia
o poema tem fortes características ár- [sala,
cades. Senta-se; mede a todos, e assim fala:
— 183 —

Felizes vós, feliz também eu devo Nas paredes as férteis, dilatadas


Chamar-me neste dia; pois que Montanhas do país, e aqui lhe pinta
[escrevo
Por ordem natural, clara e distinta
Com letras de ouro o meu e o nome
A diferente forma do trabalho,
[vosso.
Com que o sábio mineiro entre
Entre as vitórias, e entre as palmas
[posso [o cascalho
Seguro descansar: enfim caída Busca o loiro metal; e com que passa
Vejo de toda a rebeldia erguida, Logo a purificá-lo sobre a escassa
E vassalos de um rei, que mais vos Tábua ou canal do liso bolinete;
[ama,
Com que entre a negra areia
Buscais acreditar a vossa fama
[ao depois mete
Com o dote imortal, que a nação preza
Todo o extraído pó nos Iígneos vasos,
De uma fidelidade portuguesa.
(Que uns mais côncavos são,
De meus antecessores longe o susto, [outros mais rasos)
E aos golpes d'água da matéria
Goze-se a doce paz, e um trato justo
[estranha
De amizade, e de fé de hoje em diante
O separa e divide; alta façanha
Acabe de apagar o delirante
De agudo engenho a máquina
Fanático discurso, que ainda excita [aparece,

De algum vassalo a dor; não se limita, Que desde a sua altura ao centro
[desce
O régio braço: a todos se dilata,
Da profunda cata, e as águas chupa.
A todos favorece, acolhe, e trata,
Vê-se outro mineiro, que se ocupa
Sem outra distinção mais, do que
[aquela, Em penetrar por mina o duro monte

Que demanda a virtude ilustre e bela. Ao rumo oblíquo, ou reto; tem de


[fronte
Disse; e solenizando a ação, Da gruta que abre, a terra que
[procura [extraíra;

Se lavre logo a sólida escritura, Os lagrimais das águas, que retira

Onde o foral da vila se estabelece. Ao tanque artificioso logo solta;


Trazida a terra entre a corrente
Em tanto o pátrio gênio lhe oferece [envolta
Por mão de destro artífice pintadas Baixa as grades de ferro; ali parados
— 184 —

Os grossos esmeris são depurados, Que inda nos lembra o mísero tributo,

Deixando ao dono em prêmio da Que pagam nossos pais, que já


[fadiga [tiveram
Os bons tesouros da fortuna amiga. A morada do Éden, e não puderam
Guardar por muito tempo a lei
Entre serras esfoutro vai buscando
[imposta.
As betas de ouro; aquele vai trepando
(Ó natureza ao Criador oposta!)
Pelo escabroso monte, e as águas
[guia Os pássaros se vêem de espécie
[rara,
Pelos canais, que lhe abre a pedra
[fria. Que o Céu de lindas cores emplumara,

Não menos mostra o gênio As feras e animais mais esquisitos


[a agricultura Todos no alegre mapa estão descritos;
Tão cara do país, onde a dura Os olhos deleitando, e entretendo
Força dos bois não geme ao braço
O herói, que facilmente está crendo,
[armado
Ao ver, que destra mão dar-lhes
Derriba os matos, e se ateia logo
[procura
Sobre a seca matéria o ardente fogo.
A vida, que lhes falta na pintura.

Da mole produção da cana loira


Mas já lavrado estava, e já firmado
Verdeja algum terreno, outro se doira;
O termo, que escrevera o bom
O lavrador a corta, e lhe prepara [Pegado;

As ligeiras moendas; ali pára Quando mais que a eleição


[podendo o acaso,
O espremido licor nos fundos cobres:
Manda o herói que se extraiam
Tu, ardente fornalha, me descobres,
[d'entre um vaso
Como em brancos torrões é já tomado
Os nomes dos primeiros, a quem toca
A estímulos do fogo o mel coalhado.
Reger a vara que a justiça invoca.

O arbusto está, que o vício tem A ti te chama a sorte, ó grande Melo,

[subido E tu, Fonseca, em nobre paralelo

A inevitável preço, reduzido Cedes nos anos teus à precedência;


Da que contemplas provida
A pó sutil o talo e a folha inteira.
[influência;
Não menos brota a oriental figueira Seguem-se àqueles dois um
Com as crescidas folhas, e co'fruto, [Figueiredo,
— 185 —

Um Gusmão, um Faria, e te concedo de Seixas, jovem de dezesseis anos a


quem dedicou suas liras. Faleceu no ano
Que sejas tu, Almeida, o que
de 1810 em Moçambique. Escreveu poe-
[completes
sia lírica e satírica.
O número na ação, em que completes.
Durante o arcadismo brasileiro, fo-
Ansioso o povo às portas ram muito utilizadas as liras, composi-
[esperava ções poéticas em que se repetia a cada
estrofe um refrão. Tal procedimento foi
Pela alegre notícia, e já clamava; utilizado por Tomás Antônio Gonzaga em
Viva o senado! viva! repetia Marília de Dirceu, em que o eu-lírico de-
monstra toda sua paixão pela pastora
Itamonte, que ao longe o eco ouvia.
Marília. A obra é constituída de duas par-
Enfim serás cantada, Vila Rica, tes: uma possui confidências amorosas,
descrições da amada, planos e sonhos
Teu nome impresso nas memórias
de felicidade conjugal; a outra contém
[fica.
poemas redigidos na prisão, mostrando
Terás a glória de ter dado o berço o sofrimento físico e moral do poeta.
A quem te faz girar pelo universo.
Como exemplo de poesia satírica te-
(CÂNDIDO. Antônio e CASTELLO, José Aderaldo.
mos as Cartas Chilenas. Estas circula-
Presença da Literatura Brasileira, p. 97-101.) vam em Vila Rica no período que antece-
deu a Inconfidência Mineira, na forma de
manuscritos anônimos. Há uma forte críti-
Tomás Antônio Gonzaga ca a Luís da Cunha Meneses, governador
(1744-1810) de Minas, identificado pelo pseudônimo
satírico de Fanfarrão Minésio. O emis-
Tomás Antônio Gonzaga nasceu em sor das cartas é Critilo (Tomas Antônio
1744 no Porto, em Portugal. Estudou Direi- Gonzaga) e o receptor Doroteu (possi-
to, graduando-se em 1768 na Universida- velmente Cláudio Manuel da Costa).
de de Coimbra. Regressou ao Brasil em As liras de Tomás Antônio Gonza-
1782 e passou a exercer cargos na juris- ga demonstram bem o ideal de áurea
dição de Vila Rica (hoje Ouro Preto). Nes- mediocritas, da vida em equilíbrio, sem
ta mesma época iniciou sua amizade com exageros, em harmonia com a nature-
Cláudio Manuel da Costa e seu romance za. Esta torna-se locus amenus, lugar
com Maria Joaquina Dorotéia de Seixas. ameno para o homem que foge da reali-
Em Vila Rica atuou como juiz, depois foi dade que o oprime.
preso ao lado de outros inconfidentes. Foi
degredado para Moçambique e casou-se Através da paisagem, o homem ex-
com uma viúva. Adotou Dirceu como seu pressa o universo de sensualidade e
pseudônimo e Marília foi o pseudônimo desejo, reprimido pelo decoro das fun-
utilizado para sua amada Maria Joaquina ções civis.
— 186 —

Lira l Graças, Marília bela,

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Graças à minha Estrela!

Que viva de guardar alheio gado;


Os teus olhos espalham luz divina,
De tosco trato, d'expressões
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
[grosseiro,
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Te cobre as faces, que são cor de
Tenho próprio casal, e nele assisto; [neve.
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Os teus cabelos são uns fios d'ouro;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite, Teu lindo corpo bálsamos vapora.
E mais as finas lãs, de que me visto. Ah! Não, não fez o Céu, gentil
Graças, Marília bela, [Pastora,
Graças à minha Estrela! Para glória de Amor igual tesouro.

Eu vi o meu semblante numa fonte, Graças, Marília bela,

Dos anos inda não está cortado: Graças à minha Estrela!

Os Pastores, que habitam este monte, Leve-me a sementeira muito embora


Respeitam o poder do meu cajado: O rio sobre os campos levantado:
Com tal destreza toco a sanfoninha, Acabe, acabe a peste matadora,
Que inveja até me tem o próprio Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Alceste: Já destes bens, Marília, não preciso:
Ao som dela concerto a voz celeste; Nem me cega a paixão, que o
Nem canto letra, que não seja minha. [mundo arrasta;
Graças, Marília bela, Para viver feliz, Marília, basta
Graças à minha Estrela! Que os olhos movas, e me dês
[um riso.
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Graças, Marília bela,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Graças à minha Estrela!
Depois que o teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser Irás a divertir-te na floresta,
[senhora. Sustentada, Marília, no meu braço;
É bom, minha Marília, é bom ser dono Ali descansarei a quente sesta,
De um rebanho, que cubra monte, Dormindo um leve sono em teu
[e prado; [regaço:
Porém, gentil Pastora, o teu agrado Enquanto a luta jogam os Pastores,
Vale mais q'um rebanho, e mais q'um
E emparelhados correm nas
[trono. [Campinas,
— 187 —

Toucarei teus cabelos de boninas, Apenas, Doroteu, o nosso chefe


Nos troncos gravarei os teus as rédeas manejou do seu governo,
[louvores. fingir nos intentou que tinha uma alma
Graças, Marília bela, amante da virtude. Assim foi Nero.
Graças à minha Estrela! Governou aos Romanos pelas regras

Depois que nos ferir a mão da da formosa justiça, porém logo


[Morte, trocou o cetro de ouro em mão de
Ou seja neste monte, ou noutra [ferro.
[serra, Manda, pois, aos ministros lhe dêem
Nossos corpos terão, terão a sorte [listas

De consumir os dois a mesma de quantos presos as cadeias

[terra. [guardam:

Na campa, rodeada de ciprestes, faz a muitos soltar e aos mais alenta

Lerão estas palavras os Pastores: de vivas, bem fundadas esperanças.


"Quem quiser ser feliz nos seus Estranha ao subalterno, que se
[amores,
[arroga
Siga os exemplos, que nos deram
o poder castigar ao delinqüente
[estes."
Graças, Marília bela, com troncos e galés; enfim, ordena
que aos presos, que em três dias
Graças à minha Estrela!
[não tiverem
(GONZAGA, Tomás Antônio. Marília úe Dirceu, assentos declarados, se abram logo
Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 17-19.)
em nome dele, chefe, os seus
[assentos.
Cartas Chilenas
Aquele, Doroteu, que não é santo,
Poema satírico não concluído, Car-
mas quer fingir-se santo aos outros
tas Chilenas mostra de forma crítica a
[homens,
atuação do governador da Capitania das
Minas, Luís da Cunha Meneses, de 1783 pratica muito mais do que pratica
a 1788. quem segue os sãos caminhos da
[verdade.
Entenda-se aqui o Chile como Mi-
Mal se põe nas igrejas, de joelhos,
nas Gerais e Santiago como Vila Rica.
Os nomes também são disfarçados, abre os braços em cruz, a terra beija,
como Fanfarrão Minésio, que represen- entorta o seu pescoço, fecha
ta o Governador. [os olhos,
— 188 —

faz que chora, suspira, fere o peito


Basílio da Gama
e executa outras muitas macaquices,
estando em parte onde o mundo
(1740-1795)
[as veja.
José Basílio da Gama nasceu no
Assim o nosso chefe, que procura
ano de 1740, em Minas Gerais. Estudou
mostrar-se compassivo, não no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janei-
[descansa ro e posteriormente no Seminário Epis-
com estas poucas obras: passa a copal de São José. Mudou-se para Por-
[dar-nos tugal, não conseguindo prosseguir seus
estudos; voltou para Lisboa; depois foi
da sua compaixão maiores provas.
para Roma, de onde regressou e foi jul-
gado pelo Tribunal da Inquisição. Degre-
Tu sabes, Doroteu, qual seja o crime
dado para Angola, conseguiu a atenua-
dos soldados que furtam aos ção da pena por intermédio do Marquês
[soldados, de Pombal. Faleceu em Lisboa, em 1795.
e sabes muito bem que pena incorram Destaca-se em sua obra o poema
aqueles que viciam ouro e prata. épico O Uraguai (1769), que tematiza a
guerra iniciada pelos portugueses e es-
Agora, Doroteu, atende e como panhóis contra os índios, incentivados
castiga o nosso chefe em um sujeito pelos jesuítas nos Sete Povos das Mis-
sões, Uruguai.
estes graves delitos, que reputa
Ao observarmos a estrutura do poe-
ainda menos do que leves faltas.
ma, percebemos que este não possui
Apanha um militar aos camaradas estrofação e é composto de decassílabos
brancos, ou seja, versos de dez sílabas
do soldo uma porção. Astuto e destro,
sem rimas, sendo formado por cinco can-
para não se sentir o grave furto, tos. Além disso, é composto de cinco
mistura nos embrulhos, que lhes deixa, partes: proposição, invocação, dedica-
tória, narrativa e epílogo. Não utiliza a lin-
igual quantia de metal diverso.
guagem mitológica, mas o maravilhoso,
Faz-se queixa ao bom chefe deste desviando-se dos moldes camonianos.
[insulto,
O autor realiza uma crítica aos je-
sim, faz-se ao chefe queixa, mas suítas, representados pelo padre Bal-
[debalde, da, que é mostrado como um vilão, inimi-
que este Hércules não cinge go de Pombal e falso amigo dos índios.
Além disso, descreve a natureza ameri-
[a grossa pele
cana e exalta o indígena, o que provo-
nem traz na mão robusta a forte clava cou forte admiração por parte dos es-
para guerra fazer aos torpes Cacos. critores do século XIX. De modo seme-
(Apud CÂNDIDO, Antônio e CASTELLO, José Aderaldo.
lhante aos índios, o Marquês de Pombal
Presença da Literatura Bras/tera, p. 128-130.) é louvado e visto como herói.
— 189 —

O Uraguai Subjugou do Uraguai, e no seu sangue


Dos decretos reais lavou a afronta.
Em 1750 foi assinado por Portugal e
Ai tantas custas, ambição de império!
Espanha o Tratado de Madrid, de forma a
reorganizar o Tratado de Tordesilhas, de E Vós, por quem o Maranhão pendura
1494. Este dividia o mapa-múndi como Rotas cadeias, e grilhões pesados,
uma linha imaginária a 370 léguas de Herói, e Irmão de heróis, saudosa,
Cabo Verde. Por não terem cumprido o [e triste,
acordo, Portugal e Espanha criaram um
Se ao longe a vossa América vos
novo documento. Contudo, não conse-
[lembra,
guiram realizá-lo de modo pleno, já que a
Colônia do Santíssimo Sacramento fica- Protegei os meus versos. Possa
va para Espanha e os Sete Povos das [entanto
Missões do Uruguai para Portugal. Os Acostumar ao vôo as novas asas,
sacerdotes que ali estavam recusavam Em que um dia vos leve. Desta sorte
se tornar cidadãos portugueses. Por Medrosa deixa o ninho a vez primeira
isso, Gomes Freire de Andrada coman-
Águia, que depois foge à humilde
dou uma expedição para os Sete Povos.
[terra.
Ao se aproximarem do rio Uruguai, E vai ver de mais perto no ar vazio
encontraram Cacambo e Sapé, guerrei-
O espaço azul, onde não chega o raio.
ros indígenas. Travam uma luta, que pro-
voca a morte de Sapé. Este aparece a (Apud Massaud Moisés, A literatura brasileira
através dos textos, p. 105.)
Cacambo em sonho e incentíva-o a in-
cendiar o acampamento dos inimigos. De-
pois Balda, líder dos jesuítas, envenena
Cacambo, que morre. Lindóia, sua mulher, Santa Rita Durão
guiada pela feiticeira da tribo, prevê seu (1720-1784)
futuro e o de Lisboa em chamas. Após o
incêndio, as tropas dirigem-se a Sete Po-
vos. Os jesuítas e indígenas preparam-se Frei José de Santa Rita Durão nas-
para incendiar as missões e Lindóia mor- ceu em 1720 em Minas Gerais. Estudou no
re picada por uma cobra, evitando, dessa Rio de Janeiro no Colégio dos Jesuítas,
forma, casar-se com o inimigo. depois foi para Portugal. Fez parte da Or-
dem de Santo Agostinho e doutorou-se
Fumam ainda nas desertas praias em Teologia pela Universidade de Coimbra,
Lagos de sangue tépidos, e impuros, onde posteriormente foi professor. Redi-
Em que ondeiam cadáveres despidos, giu o poema épico Caramuru, imitando di-
retamente Os Lusíadas. A obra apresen-
Pasto de corvos. Dura inda nos vales
ta algumas características já encontradas
O rouco som da irada artilharia.
nos cronistas e poetas dos séculos XVI a
Musa, honremos o Herói, que o povo XVIII, tais como o louvor à terra e ocorrên-
[rude cia de longas enumerações descritivas.
— 190 —

Possui uma visão do índio mais en- Vendo avançar-se a nau na via
quadrada nos moldes jesuíticos e colo- [undosa,
niais do que propriamente iluministas.
E que a esperança de o alcançar
O indígena encontra-se diante do [perdiam:
elemento colonizador e missionário, que Entre as ondas com ânsia furiosa
tenta persuadi-lo a modificar suas ati-
Nadando o esposo pelo mar seguiam,
tudes e postura diante da vida e abando-
nar práticas contrárias à moral e à reli- E nem tanta água que flutua vaga
gião portuguesas, tais como a antropo- O ardor que o peito tem, banhando
fagia. [apaga.
Diogo Álvares, o Caramuru, é o
herói do poema. O termo, segundo o pró- XXXVII
prio autor, significa "filho do trovão". Este
coloniza e ensina a doutrina cristã aos Copiosa multidão da nau francesa
índios, considerados bárbaros. Corre a ver o espetáculo
[assombrada;
Caramuru
E ignorando a ocasião da estranha
Caramuru é composto por dez can-
[empresa,
tos e dividido em cinco partes: proposi-
ção, invocação, dedicatória, narrativa e Pasma da turba feminil, que nada:
epílogo. Assim como Camões em Os Uma, que às mais precede em
Lusíadas, faz uso do maravilhoso pa-
[gentileza,
gão e do cristão. A narrativa gira em
torno do personagem Diogo Alves Cor- Não vinha menos bela, do que irada:
reia, o Caramuru, que naufraga e con- Era Moema, que de inveja geme,
segue escapar da morte. O texto carac-
E já vizinha à nau se apega ao leme.
teriza-se pela descrição da terra brasi-
leira, suas riquezas, fauna e flora. Além
XLII
disso, traz informações sobre os índios
e sua cultura. Destacam-se os perso-
Perde o lume dos olhos, pasma e
nagens Diogo Alves Correia, o Caramu-
ru, Paraguaçu (sua esposa), Moema, [treme,
Sergipe, Gupeva. Pálida a cor, o aspecto moribundo,

Com mão já sem vigor, soltando


Canto VI [o leme,

XXXVI Entre as salsas escumas desce


[ao fundo;
É fama então que a multidão formosa
Mas na onda do mar, que irado
Das damas, que Diogo pretendiam, [freme,
— 191 —

Tornando a aparecer desde 1776, atuando como Ouvidor de São João


[o profundo: del-Rei, Minas Gerais. Posteriormente
atuou com fazendeiro e minerador. En-
"Ah! Diogo cruel!" disse com mágoa,
volveu-se com a Inconfidência Mineira,
E sem mais vista ser, sorveu-se foi preso em 1789, exilado em Angola em
[n'água. 1792 e veio a falecer um ano depois.

XLIII Escreveu poemas nos quais se per-


cebe a importância dada à ilustração e o
Choraram da Bahia as ninfas belas, gosto por um governo forte e progressista.
Que nadando a Moema
[acompanhavam;
E vendo que sem dor navegavam
Silva Alvarenga
[delas, (1749-1814)
À branca praia com furor tomavam:
Nem pode o claro herói sem pena Manoel Inácio da Silva Alvarenga
[vê-las, nasceu em Vila Rica, Minas Gerais, em
1749. Estudou em Minas e no Rio de
Com tantas provas, que de amor
[lhe davam; Janeiro, vindo a graduar-se em Direito
em Coimbra no ano de 1776. Exerceu a
Nem mais lhe lembra o nome de profissão no Rio de Janeiro, onde tam-
[Moema,
bém lecionou Retórica e Poética. Foi co-
Sem que ou amante a chore, ou laborador da revista brasileira O Patrio-
[grato gema. ta de 1812 a 1813. Escreveu poesia líri-
ca marcada pela leveza e musicalidade.
(Apud Massaud Moisés, A literatura brasileira Faleceu no Rio de Janeiro, em 1814.
através dos textos, p. 111 -112.)

Souza Caldas (1762-1814)


Outros autores
Em 1762 nasceu no Rio de Janeiro
Antônio Pereira de Souza Caldas. Estu-
dou na Universidade de Coimbra, onde
Alvarenga Peixoto graduou-se em 1789. Foi preso e pro-
(1744-1793) cessado pela Inquisição. Ordenou-se
padre em Roma em 1790. Retornou ao
Rio em 1808, ficando conhecido por suas
Inácio José de Alvarenga Peixoto idéias liberais e eloqüência.
nasceu em 1744, no Rio de Janeiro. Gra-
I duou-se em Coimbra em 1767, exerceu o Escreveu poemas profanos e sa-
j cargo de Juiz e regressou ao Brasil em grados, traduziu salmos de Davi e redi-
— 192 —

giu um livro em forma de cartas, que


veio a se perder. Faleceu no Rio de Ja-
Monte Alverne ( 1 7 8 4 - 1 8 5 8
neiro em 1814.
Frei Francisco do Monte Alvern
nasceu em 1784 no Rio de Janeiro. Et
José Bonifácio (1763 - 1 8 3 8 )
1808 ordenou-se franciscano em Sã
José Bonifácio de Andrada e Silva Paulo. Foi pregador e professor de Filo
nasceu em Santos em 1763. Concluiu sofia. Em 1816 foi para a corte, comi
seus estudos em leis e em filosofia na- professor de Filosofia e Retórica e pre
tural na Universidade de Coimbra. Em gador da Capela Real, a seguir Imperial
1819 regressou ao Brasil, tendo signifi- Influente orador, divulgou o ecletismc
cativa ação política, o que resultou num espiritualista e demonstrou intenso patri-
exílio, de 1823 a 1829. Enfatizou a impor- otismo. Muito valorizou as emoções, não
tância da virtude, do desprezo pela vida desprezando a razão. Em 1836, cego,
terrena e pelos prazeres passageiros; isolou-se, vindo a pregar novamente em
exaltou a liberdade e combateu a tirania. 1854, a pedido de D. Pedro. Faleceu em
Faleceu em 1838 no Rio de Janeiro. 1858.

Resumo do Arcadismo
Momento sócio-cultural dismo é o bucolismo (exaltação da
• O centro sócio-econômico da colo- vida no campo, idealizada como tran-
nia desloca-se do Nordeste para o qüila e feliz).
Centro-sul, devido à descoberta de • Uso da mitologia clássica e dos prin-
cípios renascentistas: racionalismo,
ouro e diamantes em Minas Gerais.
equilíbrio, clareza.
• Ocorre um surto de urbanização em
Minas e Rio de Janeiro (que se torna Autores e obras
a nova capital da colônia), e aumen-
ta o número de intelectuais. • Cláudio Manuel da Costa: partici-
• Influenciada pelas idéias iluministas pante da Inconfidência Mineira, dei-
e pela Revolução Francesa, ocorre xou Obras Poéticas (1768) e o épi-
a Inconfidência Mineira, rebelião que co Vila Rica (1839).
intentava a independência do Brasil. • T o m á s A n t ô n i o G o n z a g a : outro
poeta que participou da Inconfidên-
Características literárias cia. Deixou obra muito influente, onde
• O Arcadismo opõe-se ao Barroco, os destaques são Cartas Chilenas
procura eliminar da arte os exces- (reunidas entre 1845-1863) e Marília
sos praticados pela literatura barro- de Dirceu (1792).
ca. Esse objetivo produziu uma arte • B a s í l i o da G a m a : escreveu O
simples, sem exageros formais, que Uraguai (1769), poema épico que
pretendia retratar a natureza de critica a ação dos jesuítas e enaltece
modo direto. Outra marca do Arca- o marquês de Pombal.
— 193 —

Romantismo

No século XVIII, há uma renovação No lirismo romântico são recorren-


nas formas de expressão, na escolha tes os temas de amor, religião, sentimen-
dos temas e na busca de modelos e to da natureza e da sociedade. O amor
fontes de inspiração, o que se denomi- procura livrar-se das conveniências e
na Pré-Romantismo e tem sua origem na convenções e a mulher deixa de ser ape-
Alemanha e Inglaterra. nas pura, tornando-se sedutora.

Tal renovação assume grandes pro- Insatisfeito com a realidade em que


porções no século XIX, adquirindo liberda- se encontra, o romântico foge do conví-
de formal e sentimento de contempora- vio em sociedade e cria um mundo imagi-
neidade, resultando no Romantismo. nário, em que a natureza expressa seus
O movimento romântico expressa estados de alma. Muitas vezes busca a
os anseios, dúvidas e inquietações inte- contemplação divina e em determinados
riores do artista, deixando transparen- momentos chega ao panteísmo.
tes suas grandezas e fraquezas. Deus é entendido como resposta aos
Através da experiência individual do questionamentos, refúgio e paz. Através
homem romântico, inserido em uma nova de sua contemplação, o homem percebe o
estrutura social, religiosa e econômica, atin- quanto é pequeno diante de sua grandeza.
ge-se a universalidade, ou seja, a partir de
Durante o período que envolve os
um contexto nacional, restrito a uma deter-
anos de 1833 a 1836, vários intelectuais
minada realidade, trabalham-se sentimentos
brasileiros, entre eles Gonçalves de Ma-
e valores universais do ser humano.
galhães, Manuel de Araújo Porto Alegre e
O romântico não mais encontra o equi- Francisco de Sales Torres Homem foram
líbrio em sua vida interior e a intuição e a para a Europa com o objetivo de apro-
fantasia passam a prevalecer em detrimen- fundar seus estudos. Em 1836, fundaram
to da razão. De modo diverso aos clássi- em Paris a Niterói-Revista Brasiliense de
cos, o romântico demonstra o desequilíbrio Ciências, Letras e Artes, a fim de divulgar
do mundo contemporâneo, perceptível na a cultura brasileira e esboçar idéias sobre
tristeza, aspirações vagas, desejo de mu- a construção de uma identidade nacional.
dança social, anseio de liberdade e nacio- A revista teve apenas dois números. No
nalismo. Atribui grande importância aos primeiro, Gonçalves de Magalhães publi-
sentimentos, o que o torna egocêntrico. Em cou o ensaio Discurso sobre a história
determinados momentos dedica-se ao da literatura do Brasil, com o propósito de
amor, já em outros busca o isolamento e a realizar a nacionalização da literatura bra-
identificação com a natureza. Nutre sua re- sileira através do resgate de sua paisa-
ligiosidade e cultiva o patriotismo. gem e cultura.
— 194 —

No Brasil, o Romantismo tem início vés das ricas descrições da terra bra-
em 1836, com a publicação de Suspiros sileira que encantara o colonizador por-
Poéticos e Saudades, do mesmo Gon- tuguês.
çalves de Magalhães.
Em Portugal os escritores românti-
Após a vinda da família real para o cos procuravam retomar o passado his-
Brasil, em 1808, o Rio de Janeiro pas- tórico medieval. Já os autores brasilei-
sou a ter hábitos semelhantes aos da ros retomaram a época colonial reali-
sociedade aristocrática européia. Além zando a idealização do índio, que pas-
disso, D. João VI tomou medidas que sou a ser o nosso herói. Entretanto, o
possibilitaram o nosso crescimento cul- índio brasileiro possuía a mesma per-
tural, tais como a abertura dos portos, a feição física e moral do cavaleiro medi-
criação de bibliotecas e de escolas su-
eval europeu. Além do passado históri-
periores e a permissão para o funciona-
co, os românticos buscavam as paisa-
mento de tipografias.
gens e civilizações exóticas. O Brasil
dirige seu olhar à Europa e ao Oriente.
A economia brasileira era essen-
Há, portanto, uma evasão temporal e
cialmente agrária e apoiada no latifún-
espacial. Além disso, preferem a noite,
dio, escravismo e exportação, tendo
pois esta possibilita o sonho, a imagina-
como detentores do poder a nobreza
fundiária e o alto clero. ção, enfim, a manifestação do incons-
ciente.
No período imperial, o Brasil pos-
suía grande número de analfabetos.
Dessa forma, havia um restrito público
leitor, mas este era ávido por uma litera- Poesia
tura que viesse ao encontro de seus
dramas sentimentais.
Os românticos rompem com a ri-
O movimento romântico possuía gidez formal, preferindo a liberdade de
forte ligação com a política e defendia a criação. A expressão de seus senti-
liberdade, assim como a construção de mentos não pode ficar presa a esque-
uma pátria brasileira. Percebia-se um mas rítmicos regulares, tais como o so-
forte anseio de criação de uma literatu- neto. Por Isso, praticamente não o uti-
ra essencialmente brasileira, com estilo lizam.
próprio. Por isso, alguns temas eram tra-
tados de modo diverso ao da literatura Percebe-se o emprego dos versos
portuguesa. livres e de estrofes regulares e irregu-
lares. Além disso, dá-se importância à
A natureza expressava o universo musicalidade.
interior do poeta ou personagem, seus
sentimentos, aspirações e frustrações. Os estudiosos costumam dividir a
Além disso, refletia o nacionalismo atra- poesia romântica em três fases.
— 195 —

lhães. Em 1832 concluiu seus estudos em


Primeira Fase: Medicina e publicou seu primeiro livro: Poe-
sias, ainda preso aos moldes árcades.
nacionalista ou Após um ano foi para a França, onde tomou
indianista contato com a estética romântica. Em 1836
fundou a Niterói Revista Brasiliense e pu-
blicou Suspiros Poéticos e Saudades, mar-
Durante a primeira fase, os auto- cando uma nova fase em nossa literatura.
res empenhavam-se na definição de urna Regressa ao Brasil em 1837 e auxilia na
temática nacional. Dessa forma, acaba- campanha pelo teatro brasileiro. Exerce o
ram por redigir obras de valor documen- magistério no Colégio Pedro II, atua como
tal, como é o caso do prefacio de Suspi- secretário de Caxias em duas presidências
ros Poéticos e Saudades de Gonçalves e ingressa na carreira diplomática em 1847.
de Magalhães. Foi muito prestigiado, pois liderou um grupo
literário relacionado ao mundo oficial. Entre-
Um dos principais temas aborda- 7
tanto, de acordo com Antônio Cândido
dos na poesia deste período foi o nacio-
deve-se ressaltar menos seu valor literário
nalismo, expresso através da valori-
e dar mais ênfase a seu papel histórico, ex-
zação dos índios como heróis nacionais
presso em seus ensaios literários, em que
(indianismo) e da exaltação da terra
demonstra clara compreensão do Roman-
brasileira.
tismo. Faleceu em Roma no ano de 1882.
Outra temática foi a do saudosis- Entre suas obras estão: Poesias (1832),
mo, caracterizado pela recordação do Urânia (1862), Cânticos Fúnebres (1864);
passado individual (infância e adolescên- Antônio José ou O Poefa e a Inquisição
cia). O momento da infancia era entendi- (1839), Olgiato (1841) - teatro; Fatos do
do como um período seguro, sem preo- Espírito Humano (1858); A Alma e o Cére-
cupações, pleno de pureza e inocência. bro (1876), Comentários e Pensamentos
(1880) - prosa doutrinária.
Trabalhou-se também a religiosi-
dade, precisamente o cristianismo me-
dieval, e alguns elementos do pessi- Gonçalves Dias
mismo resultante do mal-do-século.
(1823-1864)

Gonçalves de Magalhães Filho de um comerciante português e


de uma mestiça, Antônio Gonçalves Dias
(1811-1882) nasceu em 1823, próximo a Caxias, no
Maranhão. Em 1838 foi para Coimbra estu-
No ano de 1811 nasceu no Rio de Ja- dar Direito. Escreveu, então, suas primei-
neiro Domingos José Gonçalves de Maga- ras poesias. No ano de 1844 formou-se e

'Antônio Cândido, Presença da Literatura Brasileira: história e antologia, v. 1, p. 168.


— 196 —

voltou para o Maranhão, mas dois anos de- Minha terra tem palmeiras,
pois vai para o Rio de Janeiro, atuando co-
Onde canta o Sabiá;
mo professor de Latim e História do Brasil
no Colégio Pedro II e redator da revista As aves, que aqui gorjeiam,
Guanabara. Seus escritos abrangem poe- Não gorjeiam como lá.
sia, teatro, etnografia e historiografia. Fale-
ceu em 1864, quando retornava de uma Nosso céu tem mais estrelas,
viagem à Europa, no naufrágio do "Ville de
Nossas várzeas têm mais flores,
Boulogne". Foi, segundo Massaud Moi-
8
sés , o primeiro poeta realmente brasileiro Nossos bosques têm mais vida,
no que diz respeito à sensibilidade e à Nossa vida mais amores.
temática.
Em cismar, sozinho, à noite,
Realizou estudos na Amazônia so-
Mais prazer encontro eu lá;
bre a cultura indígena e enriqueceu seus
poemas com a mesma, além de acres- Minha terra tem palmeiras,
centar termos de língua indígena. Onde canta o Sabiá.

Escreveu Primeiros Cantos (1846), Minha terra tem primores,


Leonor de Mendonça (1847), Segundos
Cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848), Que tais não encontro eu cá;
Últimos Cantos ( 1 8 5 1 ) , Os Timbiras Em cismar - sozinho, à noite -
(1857), envolvendo teatro, composições Mais prazer encontro eu lá;
lírico-amorosas e indianistas, poesia épi-
ca e medieval, além de um Dicionário da Minha terra tem palmeiras,
Língua Tupi (1858) e Obras Póstumas Onde canta o Sabiá.
(seis volumes), organizadas por Antônio
Henriques Leal. Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Canção do exílio
Sem que desfrute os primores
Kennst du das Land, wo Citronen
Que não encontro por cá;
[blühen,
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
In dunkeln Laub die Gold-Orangen
[glühen?
Onde canta o Sabiá.

Kennst Du es wohl? - Dahin, dahin! Coimbra - Julho 1843.


Möcht'ich ... ziehn.
(ApudCÁNOiOO, Antônio e CASTELLO, José Aderaldo.
9
Goethe Presença da Literatura Brasileira, v. 1, p. 180.)

B
M a s s a u d Moisés, A literatura brasileira através dos textos, p. 122.
9
Esses versos compõem a "Canção de Mignorf de Goethe e foram traduzidos do seguinte modo por Manuel
Bandeira: "Conheces o país onde florescem as laranjeiras? / Ardem na escura fronde os frutos de ouro... / Conhecê-
lo? - Para lá, para lá quisera eu ir!".
— 197 —

Em sua popular Canção do exílio, Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Gonçalves Dias exalta sobremaneira o Um quê mal definido, acaso podem
Brasil, enfatizando sua paisagem e con-
Num engano d'amor arrebatar-nos.
trapondo-a à paisagem européia.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Demonstra forte nacionalismo, che-
Devaneio, ilusão, que se esvaece
gando a exagerar na descrição da na-
tureza brasileira e não demonstrando Ao som final da orquestra, ao
senso crítico em relação à realidade. [derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer
Se Se Morre de Amor! [despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o
Meere und Berge und Horizonte zwischen
[chamam,
[den
D'amor igual ninguém sucumbe à
Liebenden - aber die Seelen versetzen
[perda.
[sich
aus d e m staubigen Kerker und treffen Amor é vida; é ter constantemente
[sich im Alma, sentidos, coração - abertos
Paradiese der Liebe. Ao grande, ao belo; é ser capaz
Schiller, Die Räuber [d'extremos,
D'altas virtudes, té capaz de crimes!
Se se morre de amor! - Não, não se
Compr'ender o infinito, a
[morre,
[imensidade,
Quando é fascinação que nos E a natureza e Deus; gostar dos
[surpreende
[campos,
De ruidoso sarau entre os
D'aves, flores, murmúrios
[festejos;
[solitários;
Quando luzes, calor, orquestra e
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
[flores
E ter o coração em riso e festa;
Assomos de prazer nos raiam
E à branda festa, ao riso da nossa
[n'alma,
[alma
Que embelezada e solta em tal
Fontes de pranto intercalar sem
[ambiente
[custo;
Nos ouve, e no que vê prazer
Conhecer o prazer e a desventura
[alcança!
No mesmo tempo, e ser no mesmo
Simpáticas feições, cintura breve, [ponto
Graciosa postura, porte airoso, O ditoso, o misérrimo dos entes;
— 198 —

Isso é amor, e desse amor se morre! A mesma vida circulava em ambos;


Que será do que fica, e do que longe
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós Serve às borrascas de ludíbrio e
[escárnio?
[sentimos;
Temer qu'olhos profanos nos Pode o raio num píncaro caindo,
[devassem Torná-lo dois, e o mar correr entre
O templo, onde a melhor porção da [ambos;
[vida Pode rachar o tronco levantado
Se concentra; onde avaros E dois cimos depois verem-se
[recatamos [erguidos,

Essa tonte de amor, esses tesouros Sinais mostrando da aliança antiga;

Inesgotáveis, d'ilusoes floridas; Dois corações porém, que juntos


[batem,
Sentir, sem que se veja, a quem se
[adora, Que juntos vivem, - se os
[separam, morrem;
Compr'ender, sem lhe ouvir, seus
[pensamentos, Ou se entre o próprio estrago inda
[vegetam,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos
Se aparência de vida, em mal,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
[conservam,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Que busca achar no berço a
Isso é amor, e desse amor se morre! [sepultura!

Se tal paixão porém enfim Esse, que sobrevive à própria ruína,


[transborda, Ao seu viver do coração, - às gratas
Se tem na terra o galardão devido Ilusões, quando em leito solitário,
Em recíproco afeto; e unidas, uma, Entre as sombras da noite, em
Dois seres, duas vidas se procuram, [larga insónia,
Entendem-se, confundem-se e Devaneando, a futurar venturas,
[penetram Mostra-se e brinca apetecida imagem;

Juntas-em puro céu d'extases puros: Esse, que à dor tamanha não
[sucumbe,
Se logo a mão do fado as torna
Inveja a quem na sepultura
[estranhas,
Se os duplica e separa, quando [encontra
[unidos Dos males seus o desejado termo!
— 199 —

O Canto do Piaga
Segunda Fase:
l
O Mal-do-século ou
Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Geração Byroniana
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Mais precisamente entre as décadas
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi. de 1840 e 1850, o romantismo atinge seu
ponto culminante e mais egocêntrico com
Essa noite - era a lua já morta - o Ultra-Romantismo ou mal-do-século.
Anhangá me vedava sonhar; Esta fase recebeu forte influência de poe-
Eis na horrível caverna, que habito, tas europeus, principalmente do inglês
George Gordon Byron (1788-1824), mais
Rouca voz começou-me a chamar.
conhecido como Lord Byron. Este criou
heróis sonhadores, que viviam grandes
Abro os olhos, inquieto, medroso,
aventuras e contestavam as convenções
Manitôs! que prodígios que vi! morais e religiosas aceitas pela burguesia.
Arde o pau de resina fumosa, Byron teve uma vida conturbada, defen-
Não fui eu, não fui eu, que o acendi! deu a liberdade, integrou diversos movi-
mentos revolucionários e veio a morrer na
Eis rebenta a meus pés um Grécia, juntamente com os gregos que al-
mejavam a independência na luta contra
[fantasma,
os turcos. Em vários países teve imitado-
Um fantasma dMmensa extensão;
res e admiradores. No Brasil, vários escri-
Liso crânio repousa a meu lado. tores da segunda geração tinham profun-
Feia cobra se enrosca no chão. da admiração por sua figura; por isso esta
geração também é conhecida como byro-
O meu sangue gelou-se nas veias, niana. Álvares de Azevedo parece ter si-
Todo inteiro - ossos, carnes - do o poeta que mais se inspirou em Byron
para escrever seus poemas, além de citá-
[tremi,
lo com freqüência em seus versos.
Frio horror me coou pelos membros,
Frio vento no rosto senti. Nesta fase, a produção poética bra-
sileira acentua o subjetivismo, trabalha com
Era feio, medonho, tremendo,
os temas do amor e da morte e, sobretu-
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi. do, com as questões do tédio existencial.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O ultra-romântico fecha-se em si
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi! mesmo, pois se vê insatisfeito com a rea-
(zlpud MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira lidade circundante. Dessa forma, por ve-
através dos textos, p. 127-129.) zes parte para o devaneio, para o erotis-
— 200 —

mo obsessivo ou mesmo demonstra sen- Cântico do Calvário


sação de melancolia e tédio diante da
vida. Devido a seu estado depressivo, À memória de meu filho

anseia a morte, pois esta se mostra como morto a 11 de dezembro de 1863.

a única solução para seus problemas.


Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias
Fagundes Varela [conduz
O ramo da esperança. - Eras a
(1841-1875) 1
[estre
Que entre as névoas do inverno
Luís Nicolau Fagundes Varela nas-
[cintilav
ceu em 1841 na fazenda Santa Rita, muni-
cípio de Rio Claro, no estado do Rio de Apontando o caminho ao pegureirc
Janeiro. Sua infância foi vivida em diver- Eras a messe de um dourado estio
sos lugares: Catalão, Goiás, Angra dos Eras o idílio de um amor sublime.
Reis, Petrópolis e Niterói. Com dezoito anos
Eras a glória, - a inspiração, -a pátria
velo para São Paulo e iniciou a Faculdade
de Direito. Entretanto, dedicava-se mais à O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
vida boêmia do que aos estudos. Em 1862 Pomba, -varou-te aflecha do destino!
casou-se e após um ano teve um filho, Astro - engoliu-te o temporal do norte!
Emiliano, que morreu aos três meses, fato
Teto, - caíste! - Crença, já não vives!
inspirador do Cântico do Calvário. No ano
de 1865 vai para o Recife a fim de dedi-
car-se aos estudos, porém sua esposa, Não mais! A areia tem corrido, e o
que ficara na casa de seus pais, vem a [livro
falecer, provocando seu retorno a São
De minha infanda história está
Paulo e à Faculdade de Direito. Casa-se
[completo!
novamente, vai para a fazenda Santa Rita
Pouco tenho de andar! Um passo
e em seguida para Niterói. Busca, no de-
[ainda
correr de sua vida, refúgio para suas afli-
ções ora no álcool e na vida boêmia, ora E o fruto de meus dias, negro, podre,
na natureza. Em 1875 morre, deixando as Do galho eivado rolará por terra!
obras Noturnas (1861), O Estandarte Au-
Ainda um trenó, e o vendaval sem
ri-verde (1863), Vozes da América (1864),
[freio
Cantos e Fantasias (1865), Cantos Meri-
Ao soprar quebrará a última fibra
dionais (1869), Cantos do Ermo e da Ci-
dade (1869), Anchieta ou O Evangelho Da lira infausta que nas mãos
nas Selvas (1875), Cantos Religiosos [sustenho!
(1878) e Diário de Lázaro (1880). Tornei-me o eco das tristezas todas
— 201 —

Que entre os homens achei! O lago Ave banhada em mares de


[escuro [esperança,
Onde ao clarão dos fogos da Rosa em botão, crisálida entre luzes,
[tormenta Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Miram-se as larvas fúnebres do Ah! quando a vez primeira em meus
[estrago! [cabelos
Por toda a parte em que arrastei Senti bater teu hálito suave;
[meu manto Quando em meus braços te cerrei,
Deixei um traço fundo de agonias!... [ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Oh! quantas horas não gastei,
[sentado Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e candura,
Sobre as costas bravias do Oceano,
E baixo e a medo murmurei: meu
Esperando que a vida se esvaísse
[filho!
Como um floco de espuma, ou como Meu filho! frase imensa, inexplicável,
[o friso
Grata como o chorar de Madalena
Que deixa n'água o lenho do Aos pés do Redentor... ah! pelas
[barqueiro! [fibras
Quantos momentos de loucura e Senti rugir o vento incendiado
[febre
Desse amor infinito que eterniza
Não consumi perdido nos desertos,
O consórcio dos orbes que se
Escutando os rumores das florestas, [enredam
E procurando nessas vozes torvas Dos mistérios do ser na teia augusta!
Distinguir o meu cântico de morte! Que prende o céu à terra e a terra
Quantas noites de angústias e [aos anjos!
[delírios Que se expande em torrentes
Não velei, entre as sombras [inefáveis

[espreitando Do seio imaculado de Maria!

A passagem veloz do gênio horrendo


Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!
Que o mundo abate ao galopar
E de meu erro a punição cruenta
[infrene
Na mesma glória que elevou-me aos
Do selvagem corcel?... E tudo [astros,
[embalde! Chorando aos pés da cruz, hoje
A vida parecia ardente e douda [padeço!
Agarrar-se a meu ser!... E tu tão (Apud CÂNDIDO, Antônio e José CASTELLO, Aderaldo.
[jovem, Presença da Literatura Brasileira: história e antologia v . 1 ,
Tão puro ainda, ainda n'alvorada, p. 255-258.)
— 202 —

zem parte de suas Obras, em dois volu-


Junqueira Freire mes, a Lira dos Vinte Anos, sua melhor
(1832-1855) criação, Pedro Ivo, Macário (teatro), A
Noite na Taverna (contos macabros),
entre outros escritos.
No ano de 1832, nasceu em Salva-
dor, Bahia, Luís José Junqueira Freire. A poesia de Álvares de Azevedo
Estudou no Liceu Provincial e posterior- por vezes segue a linha do humor ne-
mente ingressou na Ordem Beneditina, gro, caso dos poemas da segunda par-
em 1851. Após ter professado, no ano te da Lira dos Vinte Anos.
seguinte, adotou o nome de Frei Luís de
Santa Escolástica Junqueira Freire. Em Percorrem suas poesias experiênci-
1854, deixou a vida religiosa e permane- as mais fruto da imaginação do que efeti-
ceu na casa de seus pais, dedicando-se vamente consumadas no plano sensorial.
à criação literária. Escreveu Inspirações
A mulher em determinados momen-
do Claustro (1855), Elementos de Retó-
tos aparece idealizada, semelhante a um
rica Nacional (1869, póstumo) e Obras
anjo; em outros surge numa atmosfera
Poéticas (1944, póstumo). Faleceu em
de erotismo e sensualidade. Contudo,
1855. Seus escritos abrangem poesia de
em ambos os casos ela permanece ina-
meditação filosófica e religiosa, poesia
cessível, distante do poeta.
lírico-amorosa e poesia social (nativista e
antilusitana), em que são marcantes a crise Freqüentemente faz uso da evasão,
religiosa e a angústia de infinito. Enxerga fugindo da realidade para um mundo de
a morte como última possibilidade de paz. sonhos e fantasias. Demonstra em seus
poemas tristeza, amargura, tédio e melan-
colia. Teme a morte, mas ao mesmo tempo
Alvares de Azevedo ela é bem-vinda, pois significa alívio para
as dores do corpo e da alma, como pode
(1831 - 1 8 5 2 ) ser percebido no poema a seguir.

Manuel Antônio Álvares de Azeve- Lembrança de Morrer


do nasceu em São Paulo em 1831. Após
dois anos, muda-se com a família para o No more! o never more!

Rio de Janeiro, onde faz o curso primário Shelley


e secundário. Regressa para São Paulo
em 1848 e inicia a Faculdade de Direito. Quando em meu peito rebentar-se
Entre seus amigos estão Bernardo Gui- [a fibra
marães e Aureliano Lessa, que integra- Que o espírito enlaça à dor vivente,
vam a Sociedade Epicuréia, iniciada em
Não derramem por mim nem uma
1845 com o objetivo de repetir a vida boê-
mia de Byron. Morre no ano de 1852, de [lágrima
tuberculose, aos vinte anos de idade. Fa- Em pálpebra demente.
— 203 —

E nem desfolhem na matéria impura Se uma lágrima as pálpebras me


[inunda,
A flor do vale que adormece ao vento:
Se um suspiro nos seios treme ainda
Não quero que uma nota de alegria
É pela virgem que sonhei... que
Se cale por meu triste [nunca
[passamento.
Aos lábios me encostou a face linda!
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Só tu à mocidade sonhadora
Do deserto, o poento caminheiro
Do pálido poeta deste flores...
- Como as horas de um longo
Se viveu, foi por ti! e de esperança
[pesadelo
De na vida gozar de teus amores.
Que se desfaz ao dobre de um
[sineiro; Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Como o desterro de minh'alma
[errante, Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Onde fogo insensato a consumia:

Só levo uma saudade - é desses Descansem o meu leito solitário


[tempos Na floresta dos homens esquecida,
Que amorosa ilusão embelecia. À sombra de uma cruz, e escrevem
[nela:
Só levo uma saudade - é dessas — Foi poeta - sonhou - e amou
[sombras [a vida. -
Que eu sentia velar nas noites
Sombras do vale, noites da montanha
[minhas...
Que minha alma cantou e amava
De ti, ó minha mãe, pobre coitada [tanto,
Que por minha tristeza te definhas! Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
De meu pai... de meus únicos
[amigos, Mas quando preludia ave d'aurora
Poucos - bem poucos - e que não
E quando à meia-noite o céu repousa,
[zombavam
Arvoredos do bosque, abri os
Quando, em noites de febre [ramos...
[endoudecido,
Deixai a lua pratear-me a lousa!
Minhas pálidas crenças
(ApudMO\SÉS, Massaud. A Literatura Brasileira através
[duvidavam. dos textos, p. 162-163.)
— 204 —

Lira dos Vinte Anos tristeza, a emoção e a ironia, a moral e


o erotismo.
Lira dos Vinte Anos é uma obra
estruturada em três partes. Já na terceira parte da obra, tra-
balha basicamente com os mesmos ele-
Na primeira delas, o poeta sonha mentos da primeira: amor, sonhos,
com o amor e realiza um prenúncio da pessimismo.
morte. São constantes as imagens no-
turnas e relacionadas ao mar. Além Diversas características do mo-
disso, Álvares de Azevedo busca des- vimento romântico, sobretudo da se-
pertar a sensibilidade do leitor através gunda geração, podem ser identifica-
dos sentidos. das na obra: exposição dos estados
da alma, fuga espaço-temporal da re-
A figura da mulher também se faz alidade, procura do amor, vida boêmia,
presente, idealizada e envolta num cli- imagens noturnas, mulher, morte. Utili-
ma de erotismo e sensualidade, povo- za muitas palavras ligadas ao sonho
ando a imaginação e os sonhos do po- (sono, devaneios).
eta. Este é submisso à mulher amada,
A obra tem forte relação com a
que se assemelha a um anjo e mostra-
vida do poeta, pois este, ao mudar-se
se cada vez mais distante.
para São Paulo a fim de estudar Direi-
A insatisfação com a realidade vi- to, não conseguiu adaptar-se ao am-
vida pelo poeta, repleta de tristezas e biente que encontrou, passando a vi-
sofrimentos, provoca nele um imenso ver isolado e melancólico e buscando
desejo de morte. Esta é uma imagem em sua fantasia a satisfação que a
recorrente em seus poemas, pois é vida real não lhe proporcionava. Daí
vista como a solução para os proble- deriva a vida boêmia e desregrada que
mas terrenos e fim de todo sofrimento. figura em seus versos, conseqüência
de suas leituras de poetas como By-
Um dos cenários de seus poemas ron, Musset e Vitor Hugo e de sua gran-
é a pátria, que aparece através da na- de capacidade imaginativa.
tureza. Além desta, o poeta faz referên-
A seguir são transcritos mais dois
cias à Itália, pois a considera um país
poemas da .Lira dos Vinte Anos: "É ela!
de grandes realizações amorosas.
É ela! É ela! É ela!", que compõe a se-
Por outro lado, na segunda parte gunda parte da obra e demonstra a
aparecem como características a re- ironia e sarcasmo do poeta ao des-
volta, a ironia, o sarcasmo e o humor. crever sua amada, uma lavadeira que
"roncava maviosa e pura" e "Seio da
O poeta apresenta ao leitor sua virgem", que integra a terceira parte
angústia interior e as contradições de da obra e expõe o desejo pela mulher,
um ser que oscila entre a alegria e a agora idealizada e inacessível.
— 205

É ela! É ela! É ela! É ela! São versos dela... que amanhã


[decerto
É ela! é ela - murmurei tremendo,
Ela me enviará cheio de flores...
E o eco ao longe murmurou - é ela!
Eu a vi... minha fada aérea e pura - Trem de febre! Venturosa folha!
A minha lavadeira na janela!
Quem pousasse contigo neste seio!

Dessas águas-furtadas onde eu Como Otelo beijando a sua esposa,


[moro Eu beijei-a a tremer de devaneio...
Eu a vejo estendendo no telhado É ela! é ela! - repeti tremendo;
Os vestidos de chita, as saias Mas cantou nesse instante uma
[brancas; [coruja...
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Abri cioso a página secreta...

Esta noite eu ousei mais atrevido Oh! meu Deus! era um rol de
[roupa suja!
Nas telhas que estalavam nos
[meus passos Mas se Werther morreu por ver
Ir espiar seu venturoso sono, [Carlota

Vê-la mais bela de Morfeu nos Dando pão com manteiga às


[braços! [criancinhas

Se achou-a assim mais bela, - eu


Como dormia! que profundo sono!...
[mais te adoro
Tinha na mão o ferro do
Sonhando-te a lavar as camisinhas!
[engomado...
É ela! é ela! meu amor, minh'a alma,
Como roncava maviosa e pura!...
A Laura, a Beatriz que o céu
Quase caí na rua desmaiado!
[revela...
Afastei a janela, entrei medroso...
É ela! é ela! - murmurei tremendo,
Palpitava-lhe o seio adormecido...
E o eco ao longe suspirou - é ela!
Fui beijá-la... roubei do seio dela (Álvares de Azevedo, Melhores Poemas de Lira dos
Vinle Anos, São Paulo, Núcleo, 1994, pp. 74-75)
Um bilhete que estava ali metido...

Seio da virgem
Oh! decerto... (pensei) é doce
[página Quand on te vott, il vient à maints
Une envie dedans les mains
Onde a alma derramou gentis Oe te tâter, de te tenir...
[amores; Clement Marot
— 206

O que eu sonho noite e dia, Dormem nessas rosas puras

O que me dá poesia E se acordarão num ai!"


E me torna a vida bela,
Que lírio, que nívea rosa,
O que num brando roçar
Ou camélia cetinosa
Faz meu peito se agitar,
Tem uma brancura assim?
É o teu seio, donzela!
Que flor da terra ou do céu,
Oh! quem pintara o cetim Que valha do seio teu
Desses limões de marfim, Esse morango ou rubim?

Os leves cerúleos veios


Quantos encantos sonhados
Na brancura deslumbrante
Sinto estremecer velados
E o tremido de teus seios?
Por teu cândido vestido!

Quando os vejo, de paixão Sem ver teu seio, donzela,

Sinto pruridos na mão Suas delícias revela

De os apalpar e conter... O poeta embevecido!

Sorriste do meu desejo?


Donzela, feliz do amante
Loucura! Bastava um beijo
Que teu seio palpitante
Para neles se morrer!
Seio d'esposa fizer!

Minhas ternuras, donzela, Que dessa forma tão pura

Votei-as à forma bela Fizer com mais formosura

Daqueles frutos de neve... Seio de bela mulher!

Ai!... duas cândidas flores


Feliz de mim... porém não!...
Que o pressentir dos amores
Repouse teu coração
Faz palpitarem de leve.
Da pureza no rosal!

Mimosos seios, mimosos, Tenho no peito um aroma

Que dizem voluptuosos: Que valha a rosa que assoma

"Amai, poetas, amai! No teu seio virginal?...

Que misteriosas venturas (Ibid,.pp. 88-90)


— 207 —

de então, deveria fazer uma peregrina-


Joaquim de Sousa ção ritual. Quando esta se encerrava,
Andrade (Sousândrade) os "reques" (sacerdotes) o sacrifica-
vam, flechando-o, arrancando seu co-
(1833-1902) ração e recolhendo seu sangue em va-
sos sagrados.
Joaquim de Sousa Andrade nas-
Quando as estrelas, cintiladas a esfera,
ceu em 1833 no Maranhão. Graduou-se
em Letras pela Sorbonne, além de ter Da luz radial rabiscam todo o
estudado engenharia de minas. Fez di- [oceano,
versas viagens pela Europa e pelas re- Que uma brisa gentil de primavera,
públicas latino-americanas, vindo a per-
Qual alva duna os alvejantes
manecer por longo tempo nos Estados
Unidos. Voltou a São Luís, onde minis- [panos,
trou aulas de grego. Morreu na miséria e Cândida assopra, - da hora Adamantina
praticamente desconhecido em 1902. Velando, nauta do convés, o Guesa
Sousândrade (como preferia assi- Amava a solidão, doce bonina
nar) publicou as Harpas selvagens, Que abre e às doiradas alvoradas
Eólias, O Guesa errante, O novo Éden. [reza.
Após sua morte foram encontrados
Ora, no mar Pacífico renascem
manuscritos inéditos: as Harpas d'ouro
e as Uras perdidas. Os sentimentos, qual depois de
[um sonho
Iniciou sua produção poética na
Os olhos de um menino se
segunda geração romântica, prolongan-
do-a pela terceira geração. Produziu um [comprazem
trabalho original e inovador, mantendo Grande-abertos aos céus de luz
poucas ligações com seus contempo- [risonhos.
râneos. Demonstrou forte preocupação Vasta amplidão - imensidade -iludem,
social. Côncavos céus, profunda
[redondeza
O Guesa Do mar em luz - Quão amplos se
[confundem
O poema O Guesa errante (ou sim-
plesmente O Guesa) constitui seu prin- Na paz das águas e da natureza!
cipal trabalho, no qual utilizou uma tradi- Nem uma vaga, nem florão d'espuma,
ção religiosa dos incas para elaborar
Ou vela ou íris à grandiosa calma,
um quadro poético da América. Entre os
incas, o guesa era um garoto afastado Onde eu navego (reino-amor de
dos pais e criado para o sacrifício ritual [Numa)
ao deus sol, sendo educado no templo Qual navegava dentro da minha
deste deus até os quinze anos. A partir [alma!
— 208 —

Eis-me nos horizontes luminosos! Ó Lamartine! os cândidos países


Eu vejo, qual eu via, os mundos Vejo, os longos além-mundos
[Andes, [sonhados,
Terríveis infinitos tempestuosos, Onde os fortes revivem, que
Nuvens flutuando - os espetác'los [felizes
[grandes - São da tribo e dos seus sempre
Eia, imaginação divina! Abrazo [lembrados.

Do pensamento eterno - ei-lo As regiões formosas, onde as almas


[magnífico Habitam, dos guerreiros, que
Aos Andes, que ondam alto ao [lutaram
[Chimborazo, A existência, onde estão no Deus
Aos raios d'ínti, à voz do mar [das calmas
[Pacífico! E'i tranqüilos na glória
Ondam montanhas, rebentadas curvas [descansaram!

Lançando umas sobre as outras, Caem trevas dos céus; anfiteatros


[êneas, turvas, Vão densas nuvens removendo
Ante o manto extensíssimo de prata [à proa;
De uma nuvem, quão límpida e Do relâmpago as armas, nave e
[quão grata! [mastros

Ondam ermos, rochedo alto e selvagem; E tudo, ameaçam co'o trovão que
[atroa.
S'estende o cortinado, a áurea
Tarde este céu despertam, que nos tomam
[teagem;
Sempre véu-luz à cada negra vaga Pelo inimigo invasor, e as cataratas

Desses abismos, onde até se Rompem hiemais em Gualaquil e


[apaga [assomam
Do dia o resplendor mais fulguroso Ao Guesa, em vez de amor,
De revérbero à ausência; e mais [sombras ingratas.
[rareia
Diria-se que os gênios da revolta
Cerúleo, tão sagrado, tão saudoso -
Apagam toda aurora, toda estrela
Névoa, espiritual, etérea areia!
Mesmo em céu do Equador -
Pureza criadora! ao pensamento
"Satânea escolta,
O místico velame, que não arde,
Sustai o corso em minha pátria
Doce qual as solidões do sentimento [bela!"
Ouvindo voz celeste que nos (Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através
[brade - dos textos, p. 208-209.)
— 209 —

À sombra das bananeiras,


Casimiro de Abreu
Debaixo dos laranjais!
(1839-1860)
Como são belos os dias
Casimiro José Marques de Abreu Do despontar da existência!
nasceu no Rio de Janeiro em 1839. Seu
- Respira a alma inocência
pai era um abastado fazendeiro e nego-
ciante português. Viveu sua infância no Como perfumes a flor;
campo, deixando-o com o intuito de es- O mar é - lago sereno,
tudar Humanidades em Nova Friburgo. O céu - um manto azulado,
Antes de concluir seus estudos, foi para
O mundo - um sonho dourado,
o Rio de Janeiro, a pedido do pai, exer-
cer o comércio, não obtendo grande A vida - um hino d'amor!
êxito. Em seguida seguiu para Lisboa,
iniciando-se como poeta e dramaturgo. Que auroras, que sol, que vida,
Retorna ao Rio, trazendo consigo os Que noites de melodia
manuscritos das Canções do êxito, que, Naquela doce alegria,
juntamente com outros escritos, integram
Naquele ingênuo folgar!
sua única obra poética: Primaveras, de
1859. Um ano depois vem a falecer de O céu bordado d'estrelas,
tuberculose. A terra de aromas cheia,

Evocou a pátria e a infância com As ondas beijando a areia


lirismo saudosista. Idealizou a mulher, E a lua beijando o mar!
em um misto de sentimentalidade e ero-
tismo. Entre outros temas, trabalhou os Oh! dias da minha infância!
seguintes: Deus, natureza e morte. Pos- Oh! meu céu de primavera!
suía linguagem simples e marcada pela
Que doce a vida não era
musicalidade.
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Meus Oito Anos
Eu tinha nessas delícias
Oh! souvenirs! printemps! aurores!
De minha mãe as carícias
V. Hugo
E beijos de minha irmã!
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida, Livre filho das montanhas,
Da minha infância querida Eu ia bem satisfeito,
Que os anos não trazem mais! Da camisa aberto o peito,
Que amor, que sonhos, que flores, - Pés descalços, braços nus -
Naquelas tardes fagueiras Correndo pelas campinas
— 210 —

À roda das cachoeiras, Tenho medo de mim, de ti, de tudo,


Atrás das asas ligeiras Da luz, da sombra, do silêncio ou
Das borboletas azuis! [vozes,
Das folhas secas, do chorar das
Naqueles tempos ditosos
[fontes,
la colher as pitangas,
Das horas longas a correr velozes.
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar; O véu da noite me atormenta em
Rezava às Ave-Marias, [dores,
Achava o céu sempre lindo, A luz da aurora me intumesce os
Adormecia sorrindo [seios,
E despertava a cantar! E o vento fresco do cair das tardes
(...) Eu me estremeço de cruéis receios.
Oh! que saudades que tenho
É que esse vento que na várzea -
Da aurora da minha vida,
[ao longe,
Da minha infância querida
Do colmo o fumo caprichoso
Que os anos não trazem mais!
[ondeia,
- Que amor, que sonhos, que flores,
Soprando um dia tornaria incêndio
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras, A chama viva que teu riso ateia!

Debaixo dos laranjais! Ai! se abrasado crepitasse o


[cedro,
Amor e Medo
Cedendo ao raio que a tormenta
I [envia,
Quando eu te fujo e me desvio cauto Diz: - que seria da plantinha
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela, [humilde
Contigo dizes, suspirando amores: Que à sombra dele tão feliz
"- Meu Deus! que gelo, que frieza [crescia?
[aquela!"
A labareda que se enrosca ao
Como te enganas! meu amor é [tronco
[chama Torrara a planta qual queimara
Que se alimenta no voraz segredo, [o galho,
E se te fujo é que te adoro louco... E a pobre nunca reviver pudera
És bela - eu moço; tens amor - Chovesse embora paternal
[eu medo!... [orvalho
— 211 —

Minhalma é Triste
Laurindo Rabelo
Mon coeur est plein - je veux pleurer!
(1826-1864)
Lamartine
IV
Laurindo José da Silva Rabelo nas-
MinI'alma é triste como o grito agudo ceu em 1826 no Rio de Janeiro. De ori-
Das arapongas no sertão deserto; gem mestiça e humilde, cursou a Esco-
la Militar, porém optou por Medicina, vin-
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
do a formar-se na Faculdade da Bahia.
Longe da praia que julgou tão perto!
Ficou muito conhecido por seus repen-
tes e solos de violão; compôs quadras,
A mocidade no sonhar florida
publicadas em 1853 intituladas Trovas.
Em mim foi beijo de lasciva virgem: Serviu no Exército durante alguns anos
- Pulava o sangue e me fervia a vida, como oficial médico e permaneceu como
professor adido à Escola Militar pouco
Ardendo a fronte em bacanal
antes de sua morte, em 1864. Utilizou
[vertigem.
fontes populares de forma criativa e
De tanto fogo tinha a mente cheia!... simples.

No afã da glória me atirei com ânsia...


E, perto ou longe, quis beijar a s'reia
Que em doce canto me atraiu
Terceira Fase:
[na infância.
Condoreira
Ai! loucos sonhos de mancebo
[ardente! Os poetas da terceira geração ro-
Esp'rança altas... Ei-las já tão rasas!... mântica voltam sua atenção para a
- Pombo selvagem, quis voar decadência da monarquia e para as lu-
[contente... tas abolicionistas. Entre os temas re-
correntes figura o sofrimento dos es-
Feriu-me a bala no bater das asas!
cravos, merecendo destaque no trata-
mento desta questão o baiano Castro
Dizem que há gozos no correr
Alves, que ficou conhecido como "o
[da vida...
poeta dos escravos". Esta geração é
Só eu não sei em que o prazer chamada de condoreira devido ao sim-
[consiste! bolismo do condor, ave que voa a gran-
- No amor, na glória, na mundana lida, des alturas, transmitindo-nos a sensa-
ção de liberdade. Além disso, os poetas
Foram-se as flores - a minh'alma
nesse momento demonstram altivez e
[é triste!
grandiloqüência, características que se
(Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através
dostextos,p. 172-177.) assemelham à ave.
— 212 —

Neste período, merecem destaque Poeta eloqüente, faz uso de forte


os oradores, com seus discursos per- sugestão visual e auditiva, além de hipér-
suasivos nos teatros ou nas praças boles e antíteses. Procurou comunicar-
públicas. A poesia torna-se uma forma se diretamente com o povo, com quem
de protesto político e de denúncia das identificava seus sentimentos.
injustiças sociais. O intimismo amoroso
ainda se faz presente, mas os poetas
O navio negreiro
passam a assumir um tom profético de
um mundo novo. O navio negreiro, conhecido poe-
ma de Castro Alves, mostra o sofrimento
dos negros ao serem transportados da
Castro Alves África para o Brasil em sujos navios,
nos quais chegavam a permanecer por
(1847-1871) cerca de três meses. Devido às condi-
ções precárias a que eram submetidos,
Antônio Frederico de Castro Alves muitos não resistiam e morriam no ca-
nasceu em 1847 na Bahia, onde reali- minho.
zou seus estudos secundários. Poste-
riormente ingressou na Faculdade de Este poema foi declamado por Cas-
Direito do Recife, mas não chegou a tro Alves pela primeira vez no dia 7 de
concluí-la. Apaixonou-se pela atriz Eu- setembro de 1868, numa comemoração
gênia Câmara, a quem escreveu uma da Independência do Brasil.
peça teatral, e com ela viveu por algum
tempo, não tardando a separar-se, o que /
lhe trouxe grande desânimo. Foi colega
'Stamos em pleno mar... Doudo no
de Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Sal-
[espaço
vador Mendonça. Morreu de tuberculo-
se em 1871. Brinca o luar - dourada borboleta -

E as vagas após ele correm...


Escreveu Espumas Flutuantes
[cansam
(1870), Gonzaga ou A Revolução de Mi-
nas, teatro (1876), A Cachoeira de Pau- Como turba de infantes inquieta.
lo Afonso (1876), Os Escravos (1883).

Tais obras demonstram fortes tra- 'Stamos em pleno mar...


ços da personalidade do autor, como a [Do firmamento
exaltação da natureza brasileira e a de- Os astros saltam como espumas
dicação às causas humanas e sociais, [de ouro...
entre elas o abolicionismo.
O mar em troca acende as ardentias,
Merece destaque a figura da mulher,
- Constelações do líquido tesouro...
não idealizada, mas envolvida por uma
atmosfera de erotismo e sensualidade. (...)
— 213 —

IV Outro, que de martírios embrutece,


Era um sonho dantesco... o Cantando, geme e ri!
[tombadilho
Que das luzemas avermelha o No entanto o capitão manda
[a manobra.
[brilho,
E após fitando o céu que se
Em sangue a se banhar.
[desdobra
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Tão puro sobre o mar,
Legiões de homens negros como
[a noite, Diz do fumo entre os densos

Horrendos a dançar... [nevoeiros:


"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Negras mulheres, suspendendo
Fazei-os mais dançar!..."
[às tetas
E ri-se a orquestra irônica,
Magras crianças, cujas bocas
[estridente...
[pretas
E da ronda fantástica a serpente
Rega o sangue das mães:
Faz doudas espirais...
Outras, moças, mas nuas e
[espantadas, Qual num sonho dantesco as
[sombras voam!...
No turbilhão de espectros
[arrastadas, Gritos, ais, maldições, preces
[ressoam!
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se Satanás!...
E ri-se a orquestra, irônica,
[estridente... V
E da ronda fantástica a serpente Senhor Deus dos desgraçados!

Faz doudas espirais... Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se o velho arqueja, se no chão Se é loucura... se é verdade

[resvala, Tanto horror perante os céus?!


Ó mar, por que não apagas
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
Coa esponja de tuas vagas
E voam mais e mais...
De teu manto este borrão?...
Presa nos elos de uma só cadeia,
Astros! noite! Tempestades!
A multidão faminta cambaleia,
Varrei os mares, tufão!
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro Quem são estes desgraçados
[enlouquece, Que não encontram em vós
— 214 —

Mais que o rir calmo da turba


Que excita a fúria do algoz?
Prosa
Quem são? Se a estrela se cala, Durante o Romantismo houve um
Se a vaga à pressa resvala significativo desenvolvimento da prosa
de ficção brasileira, sobretudo do ro-
Como um cúmplice fugaz,
mance, devido à existência de um públi-
Perante a noite confusa... co consumidor e de autores que iam ao
Dize-o tu, severa Musa, encontro das aspirações do mesmo.

Musa libérrima, audaz!... Diversos temas foram trabalhados,


destacando-se nitidamente o desejo de
São os filhos do deserto, criação de uma arte nacional. Dessa for-
ma, o romance romântico tornou-se um
Onde a terra esposa a luz.
modo de investigação da realidade bra-
Onde vive em campo aberto sileira.
A tribo dos homens nus... O teatro também se desenvolveu
São guerreiros ousados neste período, marcado por clara inten-
ção nacionalista e pelo aparecimento de
Que com os tigres mosqueados
um público urbano ligado ao comércio e
Combatem na solidão. à burocracia do governo imperial.
Homens simples, fortes, bravos... Com a consolidação do romance
Hoje míseros escravos, como texto preferido pelo público e a
tentativa de integrá-lo ao projeto nacio-
Se luz, sem ar, sem razão...
nalista do Romantismo, algumas tendên-
cias foram desenvolvidas. Entre estas
São mulheres desgraçadas,
se destacam o romance de costumes, o
Como Agar o foi também. romance regionalista, o romance histó-
Que sedentas, alquebradas rico e o romance indianista. Merecem
destaque entre os romancistas desta
De longe... bem longe vêm.
fase Joaquim Manuel de Macedo, Manu-
Trazendo com tíbios passos, el Antônio de Almeida, José de Alencar,
Filhos e algemas nos braços, Bernardo Guimarães, Visconde de Tau-
nay e Franklin Távora. Já no teatro deve-
Nalma - lágrimas e fel...
se ressaltara produção de Martins Pena.
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite do pranto
José de Alencar
Tem que dar para Ismael.
(1829-1877)
(...)

(Apud Antonio Candido e José Aderaldo Castello, José Martiniano de Alencar nasceu
Presença da Literatura Brasileira, pp. 264-270.) em Mecejana, Ceará, em 1829. Realizou
— 215 —

seus estudos elementares e secundári- mascarar e denunciar certos aspectos


os no Rio de Janeiro e em 1843 mudou- da realidade social e individual, fazendo
se para São Paulo, a fim de cursar a dele, apesar da idealização romântica,
Faculdade de Direito. Já formado, em um modesto precursor de Machado de
1850 retorna ao Rio de Janeiro e atua Assis".
como advogado e jornalista, além de
Entre seus escritos estão os ro-
dedicar-se ao funcionalismo e à política.
mances O Guarani (1857), Cinco Mi-
Faleceu em 1877.
nutos (1860), As Minas de Prata (1862),
Inicia sua carreira literária com as Lucíola (1862), Iracema (1865), O Gaú-
crônicas reunidas sob o título de Ao Cor- cho (1870), A Pata da Gazela (1870), O
rer da Pena (1856). Publica nesse mes- Tronco do Ipê (1871), Sonhos d'Ouro
mo ano artigos que criticam o poema épi- ( 1 8 7 2 ) , Til ( 1 8 7 2 ) , Ubirajara ( 1 8 7 4 ) ,
co A Confederação dos Tamoios, de Gon- Senhora (1875), O Sertanejo (1875). Há
çalves de Magalhães. Além das criticas, também as peças teatrais A Noite de
propõe um programa de uma literatura na- São João (1857), O Rio de Janeiro -
cional, criada a partir das tradições indí- Verso e Reverso (1857), O Demônio
genas e da descrição da natureza, não Familiar (1858), As Asas de um Anjo
deixando de respeitar uma rigorosa cons- (1860), Mãe (1862), O Jesuíta (1875),
ciência estética. além de crônica, ensaio, biografia e dou-
trina política.
Pode-se dividir a obra de Alencar
em três fases. Na primeira, de 1856 a
1864, publicou alguns significativos ro-
O Guarani
mances e quase todos os seus textos
No ano de 1857, periodicamente os
teatrais. A segunda fase vai de 1866 a
folhetins do Diário do Rio de Janeiro
1869 e é composta somente por escritos
abrigavam em suas páginas parte do
políticos. Já na terceira fase, de 1870 a
enredo de O Guarani, que era aguarda-
1875, publica oito livros de ficção, mar-
do com grande expectativa pelo público
cando um novo momento em sua criação
leitor da época e encarado por este como
literária.
literatura de entretenimento.
Em sua obra é indissociável a rela-
A obra é composta de cinqüenta e
ção entre o ser humano e o mundo. De-
quatro capítulos e estruturada em qua-
monstra forte percepção da realidade
tro grandes partes: Os aventureiros,
social, chegando à descrição realista dos
Peri, Os Aimorés e A Catástrofe.
costumes, das relações entre as pes-
soas e da vida interior. Segundo Antonio O tempo e o espaço são apresenta-
10
Candido e José Aderaldo Castello , Alen- dos ao leitor na primeira parte. A ação
car demonstrou "a capacidade de des- ocorre em 1604, inicio de nossa coloni-

'"Antonio Candido e José Aderaldo Castello, Presença da Literatura Brasileira, p. 194.


— 216 —

zação. O cenário, descrito logo no início morte e, no final do romance, a narra-


da obra, é a selva, merecendo destaque ção sugere que ambos se unem, simbo-
por parte do autor o rio Paquequer, aflu- lizando a formação da nacionalidade
ente do Paraíba do Sul. Em meio a esta brasileira.
natureza surgirá o bravo índio Peri. Além
da selva, o espaço envolve a casa do O fragmento a seguir compõe o pri-
Paquequer, fortaleza semelhante a um meiro capítulo de O Guarani, em que o
castelo medieval, onde vive D. Antônio narrador descreve a selva, principal ce-
de Mariz, nobre valoroso, de conduta nário do romance.
regrada, que se estabeleceu no Brasil
depois da derrota dos portugueses em Primeira Parte: Os Aventureiros
Alcácer-Quibir e a anexação das coroas
portuguesa e espanhola no reinado de I-CENÁRIO
Felipe II.
De um dos cabeços da Serra dos
Aparecem nitidamente na obra dois Órgãos desliza um fio de água que se
elementos fundamentais caracteriza- dirige para o norte, e engrossado com
dores da colonização portuguesa: a in- os mananciais que recebe no seu curso
tenção catequizadora (Peri converte-se de dez léguas, torna-se rio caudal.
ao cristianismo) e o desejo de riqueza
É o Paquequer. saltando de casca-
fácil.
ta em cascata, enroscando-se como
Alencar demonstra sua visão do uma serpente, vai depois se espregui-
çar na várzea e embeber no Paraíba,
processo de colonização, em que no-
que rola majestosamente em seu vasto
bres portugueses, ao lado de aventu-
leito.
reiros, estabelecem-se no país, trazen-
do hábitos e costumes que pouco a pou-
Dir-se-ia que, vassalo e tributário
co se estendem aos índios.
desse rei das águas, o pequeno rio, al-
tivo e sobranceiro contra os rochedos,
Nesse contexto sobressaem-se as
curva-se humildemente aos pés do su-
figuras de Ceci e Peri. Ceci, filha de D.
serano. Perde então a beleza selvática;
Antônio, é uma jovem bela, angelical e
suas ondas são calmas e serenas como
que demonstra nobreza de espírito. Peri
as de um lago, e não se revoltam contra
constitui-se um modelo de herói, pois
os barcos e as canoas que resvalam
demonstra possuir grandes virtudes, tais
sobre elas: escravo submisso, sofre o
como lealdade, força e coragem. Além
látego do senhor.
disso, faz lembrar o mito do bom selva-
gem de Rousseau, pois aparece como Não ó neste lugar que ele deve ser
um ser humano de natureza essencial- visto; sim três ou quatro léguas acima
mente boa, não corrompido pela socie- de sua foz, onde é livre ainda, como o
dade. Por diversas vezes salva Ceci da filho indómito desta pátria de liberdade.
— 217 —

Aí, o Paquequer lança-se rápido A esplanada, sobre que estava


sobre o seu leito, e atravessa as flores- assentado o edifício, formava um semi-
tas como o tapir, espumando, deixando círculo irregular que teria quando muito
o pêlo esparso pelas pontas do roche- cinqüenta braças quadradas; do lado
do, e enchendo a solidão com o estampi- do norte havia uma espécie de escada
do de sua carreira. De repente, falta-lhe de lajedo feita metade pela natureza e
o espaço, foge-lhe a terra; o soberbo rio metade pela arte.
recua um momento para concentrar as
suas forças, e precipita-se de um só Descendo dois ou três dos largos
arremesso, como o tigre sobre a presa. degraus de pedra da escada, encontra-
va-se uma ponte de madeira solidamen-
Depois, fatigado do esforço supre- te construída sobre uma fenda larga e
mo, se estende sobre a terra, e adorme- profunda que se abria na rocha. Conti-
ce numa linda bacia que a natureza for- nuando a descer, chegava-se à beira
mou, e onde o recebe como em um leito do rio, que se curvava em seio gracio-
de noiva, sob as cortinas de trepadei- so, sombreado pelas grandes game-
ras e flores agrestes. leiras e angelins que cresciam ao longo
das margens.
A vegetação nessas paragens os-
tentava outrora todo o seu luxo e vigor;
(...)
florestas virgens se estendiam ao longo
das margens do rio, que corria no meio (José de Alencar, O Guarani, São Paulo: Ática, 1996.
das arcarias de verdura e dos capitéis p. 15-16.)
formados pelos leques das palmeiras.

Tudo era grande e pomposo no


cenário que a natureza, sublime artista, Visconde de Taunay
tinha decorado para os dramas majes- (1843-1899)
tosos dos elementos, em que o homem
é apenas um simples comparsa.
Alfredo d' Escragnolle Taunay nas-
No ano da graça de 1604, o lugar ceu no Rio de Janeiro em 1843. Formou-
que acabamos de descrever estava se em Letras no Colégio Pedro II e em
deserto e inculto; a cidade do Rio de Ciências Físicas e Matemáticas na Es-
Janeiro tinha-se fundado havia menos
cola Militar. Participou como engenheiro
de meio século, e a civilização não tive-
militar da Guerra do Paraguai. Chegou
ra tempo de penetrar o interior.
ao cargo de Major, porém deixou o exér-
Entretanto, via-se à margem direita cito, passando a dedicar-se ao magis-
do rio uma casa larga e espaçosa, tério e à política. Abandonou-a em 1889,
construída sobre uma eminência, e pro- exercendo a função de Senador por le-
tegida de todos os lados por uma mura- aldade à Monarquia. Faleceu em 1899
lha de rocha cortada a pique. no estado natal.
— 218 —

Escreveu obras de ficção (A Mo-


cidade de Trajano - 1 8 7 1 ; Inocência
Bernardo Guimarães
- 1872; Lágrimas do Coração - 1873; (1825-1884)
posteriormente divulgado com o título
de Manuscrito de uma mulher, Histó- Bernardo Joaquim da Silva Guima-
rias Brasileiras - contos - 1874; Nar- rães nasceu em Ouro Preto, Minas Ge-
rativas Militares - contos - 1878); li- rais, em 1825. Graduou-se em Direito
vros que tratam da guerra e do sertão em São Paulo e atuou como jornalista,
(Cenas de Viagem - 1868; Diário do juiz e professor. Faleceu em 1884 na
Exército - 1870; A Retirada da Lagu- cidade natal.
na - 1 8 7 1 ; Céus e Terras do Brasil -
Escreveu poesia (Contos da Soli-
1882); depoimento e autobiografia {Re-
dão - 1852; Poesias - 1865; Novas
miniscências - 1908; Memórias -
Poesias - 1876; Folhas de Outono -
1948); Teatro (Por um triz Coronel -
1883); ficção (O Ermitão de Muquém -
1880; Amélia Smith - 1886; Da mão à
1869; Lendas e Romances - 1871; O
boca se perde a sopa - 1874); entre Garimpeiro - 1872; Lendas e Tradições
outros. da Província de Minas Gerais - 1872;
O Seminarista - 1872; O índio Afonso -
Dentre seus romances podemos 1873; A Escrava Isaura - 1875; Maurí-
destacar Inocência, obra do regiona- cio ou Os Paulistas em São João d'EI-
lismo romântico que nos apresenta o Rei - 1877; A Ilha Maldita, O Pão de
sertão mato-grossense, com sua lin- Ouro - 1879; Rosaura, a Enjeitada -
guagem, usos e costumes, além de dis- 1883; O Bandido do Rio das Mortes -
cutir o papel social da mulher nas cultu- 1904) e teatro (A voz do Pajé - 1914).
ras sertaneja e urbana.
Bernardo Guimarães expressou em
sua poesia o mundo exterior, demons-
Inocência trando a vivência no meio paulistano,
porém, vale mencionar como elementos
Inocência era filha única de Perei- mais relevantes de sua obra poética o
ra, mineiro viúvo. Nutria uma paixão por encanto pela vida, a natureza e o pra-
zer. Além disso, construiu textos dota-
Cirino, curandeiro que fingia ser médico
dos de musicalidade e demonstrou forte
e que estava em sua casa a pedido do
preocupação com a métrica.
pai, a fim de tratar da saúde dela. Contu-
do, a jovem estava prometida a Manecão, A natureza causava-lhe grande fas-
rústico vaqueiro. Inocência e Cirino vi- cínio e, ao contrário de outros românti-
vem um romance, que é descoberto por cos, o autor de Folhas de Outono apre-
Tico, um anão que observava a moça. senta-a não como um espelho de seus
Manecão mata Cirino e passado algum estados de alma, mas como cenário
tempo Inocência morre. evocativo de sensações e sentimentos.
— 219 —

Ao descrever os quadros naturais, oportuno falar de uma naturalidade em


relaciona a vivência afetiva à experiên- Bernardo Guimarães do que propriamen-
cia proporcionada pela natureza. Des- te em naturalismo.
sa forma, acentua-se nele a saudade e
a busca pela solidão e o isolamento, a
fim de reencontrar o equilíbrio que o cam-
O Seminarista
po pode proporcionar. Descreve rios,
animais e outros elementos da paisa- Considerado pela crítica o melhor
gem que evoca e acaba por relembrar de seus livros, O Seminarista retrata o
antigos amores. sentimento amoroso de um jovem padre
por uma amiga de infância. Eugênio e
O satanismo e a perversidade tam- Margarida entregam-se ao amor, porém
bém fizeram parte de sua poesia, ao a moça morre e ele enlouquece.
lado de um tom melancólico e triste. En-
tretanto, este cedeu lugar à serenidade, Bernardo Guimarães mostra o con-
a um aguçado senso de humor e a uma flito interior de Eugênio, que oscila entre
atitude otimista diante da vida, traço im- uma disposição espiritual e um anseio
portante de sua obra. amoroso, mais precisamente a contra-
dição entre carne e espírito.
No que diz respeito ao texto narra-
tivo, Bernardo Guimarães adotou como /
principais cenários para seus romances
os sertões mineiro e goiano, caso das A uma légua, pouco mais ou menos,
importantes obras O Ermitão do Mu- da antiga vila de Tamanduá, na província
quém, O Seminarista, O Garimpeiro, O de Minas Gerais, e a pouca distância da
índio Afonso, A Filha do Fazendeiro. estrada que vai para a vizinha vila da
Formiga, via-se, há de haver quarenta
Observa a vida sertaneja, com anos, uma pequena e pobre casa, mas
seus tipos humanos, marcados por con- alva, risonha e nova. Uma porta e duas
dições psíquicas e sociais peculiares. janelinhas formavam toda a sua frente.
As paixões amorosas são tratadas
Um estreito caminho, partindo da
de forma natural e por diversas vezes
porta da casa, cortava o vargedo e ia
aparecem vinculadas a manifestações
atravessar o capão e o córrego, por uma
fisiológicas. Com a mesma naturalidade
pontezinha de madeira, fechada do ou-
os instintos se fazem presentes, sendo
tro lado por uma tranqueira de varas.
as heroínas marcadas não tanto pela
Junto à ponte, de um lado e outro do ca-
beleza, mas pela sensualidade.
minho, viam-se duas corpulentas pai-
Apesar de apontar para alguns neiras, cujos galhos, entrelaçando-se no
elementos do naturalismo, como bem ar, formavam uma arcada de verdura, à
ressaltou Antônio Cândido" seria mais entrada do campo onde pastava o gado.

Antônio Cândido e José Aderaldo Castello, Formação da Literatura Brasileira, v. 2, p. 215.


— 220 —

Era uma bela tarde de janeiro. Dois - Pois vamos lá com isso, Margari-
meninos brincavam à sombra das pai- da, exclamou Eugênio, vindo ao chão de
neiras: um rapazinho de doze a treze um salto, e ambos foram ajuntar as pou-
anos e uma menina, que parecia ser cas vacas que ali andavam pastando.
pouco mais nova do que ele.
- Arre! Com mil diabos!... que bezer-
A menina era morena, de olhos rada mofina! - exclamou o rapaz tan-
grandes, negros e cheios de vivacida- gendo os bezerros. - Por que é que es-
de, de corpo esbelto e flexível como o tes bezerros da tia Umbelina andam
pendão da imbaúba. sempre assim tão magros?
O rapaz era alvo, de cabelos cas- - Ora! Pois, que é que você quer?
tanhos, de olhar meigo e plácido e em Mamãe tira quase todo o leite das va-
sua fisionomia como em todo o seu ser cas, e deixa um pinguinho só para os
transluziam indícios de uma índole pa- pobres bezerros. Por isso mesmo qua-
cata, doce e branca.
se nenhuma cria pode vingar, e algum
A menina, sentada sobre a relva, que escapa mamãe vende logo.
despencava um molho de flores silves-
- E por que é que ela não te dá uma
tres de que estava fabricando um rama-
bezerrinha? aquela vermelhinha estava
lhete, enquanto seu companheiro, atra-
bem bonita para você...
cando-se como um macaco aos galhos
das paineiras, balançou-se no ar, fazia - Qual!... não vê que ela me dá!... e
mil passes e piruetas para diverti-la. eu que tenho tanta vontade de ter a mi-
nha vaquinha. Há que tempo Dindinha
Perto deles, espalhados no var-
prometeu de me dar uma bezerra e até
gedo, umas três ou quatro vacas e mais
hoje estou esperando...
alguns reses estavam tosando tranqüi-
lamente o fresco e viçoso capim. - Mamãe?... ora!... é porque ela se
O sol, que já não se via no céu, to- esqueceu... deixa estar, que eu hei de
cava com uma luz de ouro os topes abau- falar com ela... mas não, eu mesmo é
lados dos altos espigões; uma aragem que hei de te dar uma novilha pintada
quase imperceptível mal rumorejava pe- muito bonitinha que eu tenho. Assim como
las abas do capão e esvoaçava por assim, eu tenho de me ir embora mesmo,
aquelas baixadas cheias de sombra. que quero eu fazer com a criação?

- Vamos, Eugênio. São horas... va- - Como é isso?... - exclamou Mar-


mos apartar os bezerros e tocar as va- garida com surpresa.
cas para a outra banda.
- Pois você vai-se embora?...
Dizendo isto, a menina levanta-se
- Vou, Margarida; pois você ainda
da relva, e, atirando para trás dos om-
não sabia?...
bros os negros e compridos cabelos,
sacudiu do regaço uma nuvem de flores - Eu não; que me havia de contar?
despencadas. Para onde é que você vai, então?
— 221 —

- Vou para o estudo, Margarida; - Está dito, Margarida; prometo que


papai mais mamãe querem que eu vá há de ser você a primeira pessoa que
estudar para padre. hei de confessar; antes disso, não con-
- Deveras, Eugênio!... ah! Meu fesso pessoa nenhuma, nenhuma des-
Deus!... que idéia!... e é muito longe esse ta vida; eu te juro, Margarida.
estudo? - Muito bem! muito bem! está dito.
Agora me conta, Eugênio; quando é que
- Eu sei lá; eles estão falando que
você vai-se embora?
eu vou para Congonhas...
- É para o mês que vem...
- Congonhas!... ah! já ouvi falar nes-
sa terra; não é onde moram os padres - Ah! meu Deus! pois já tão depres-
santos?... ah! meu Deus! isso é muito sa! e você não há de ficar com saudade
longe! de mim!...

- Qual longe!... tanta gente já tem - Se fico!... muita, muita saudade,


ido lá e vem outra vez. Mamãe já man- Margarida: - quando penso nisso fico
dou fazer batina, sobrepeliz, barrete e tão triste, que me dá vontade de chorar.
tudo. Quando tudo ficar pronto, eu hei
- E eu, pobre de mim!... como vou
de vir cá vestido de padre para você
ver que tal fico. ficar tão sozinha! com quem é que eu
hei de brincar daqui em diante?... não
- Tomara eu ver já!... você há de sei como há de ser, meu Deus!...
ficar um padrinho bem bonitinho!
(...)
- E quando eu for padre, você há (Bernardo Guimarães, O Seminarista, São Paulo, Ática,
de ir por força ouvir a minha primeira 1973, p.7-9.)
missa, não há de, Margarida?...

- Se hei dei... e também mais um A Escrava Isaura


coisa, que hei de fazer... adivinha o que
é?... Dentre os livros de Bernardo Gui-
marães, A Escrava Isaura foi o que ob-
- O que é?... fala.
teve mais popularidade, apesar de pe-
- Mamãe costuma dizer, que eu já car por alguns exageros românticos.
estou ficando grande, e que daqui a um
Retrata a história de uma escrava
ano bem posso me confessar, e para
branca, educada com refinamento e que
isso anda me ensinando doutrina; mas
sofria com as injustiças e crueldades
eu não tenho ânimo de me confessar a
de um senhor.
padre nenhum... Deus me livre! tenho
um medo... uma vergonha! mas com você Uma imponente fazenda em Cam-
é outro caso estou pronta, e por isso pos, no Recife, compõe o cenário deste
não quero me confessar enquanto você romance, que aborda a questão abolicio-
não for padre... nista, muito discutida na época.
— 222 —

12
Segundo Antônio Cândido , pos-
Joaquim Manuel suía uma visão da sociedade e do ho-
de Macedo mem estreita e superficial, além de pou-
co senso estético.
(1820-1882)
Joaquim Manuel de Macedo nasceu A moreninha
em São João do Itaboraí, Rio de Janeiro,
em 1820. Graduou-se em Medicina, po- Carolina e Augusto se amavam e já
rém não chegou a atuar como médico. haviam até jurado eterna felicidade em
Exerceu o magistério no Colégio Pedro sua infância, porém o pai do rapaz se
II, foi deputado e jornalista. Faleceu no opunha ao relacionamento. Apesar dis-
Rio de Janeiro no ano de 1882. so, após alguns contratempos o casa-
mento se consuma e assiste-se a um
A sua obra de maior importância é A
final feliz.
Moreninha (1844), pois se tornou um mar-
co para o romance brasileiro, além de ob- VI
ter grande sucesso junto ao público. Tra-
balha neste romance a posição da mu- Augusto com seus amores
lher, considerada na época meio de enri-
(...)
quecimento ou qualificação através do ca-
samento, já que as moças costumavam D. Carolina, pelo contrário, havia
casar levando um dote a seu futuro mari- rejeitado dez braços. Queria passear
do. Contudo, transmitiu uma visão con- só. Um braço era uma prisão e a engra-
servadora, reforçando nas mulheres a çada Moreninha gostava, sobretudo, da
idéia de que eram destinadas ao casa- liberdade. Ela queria correr, saltar e en-
mento e só através dele encontrariam a
treter com as outras diante de todos, e
felicidade. Além de romances, escreveu
daqui a pouco ser a última no passeio,
contos, novelas, teatro, poesia, relatos
viva, com os olhos brilhantes, ágil, e com
biográficos, sátiras de costumes, crôni-
seu pezinho sempre pronto para a car-
cas e obras de caráter didático. Eis algu-
reira; inocente para não se envergonhar
mas de suas obras: O Moço Loiro (1845),
de suas travessuras e criada com mimo
A Luneta Mágica; O Cego (1849); O Novo
Otelo (1860); A Nebulosa (1857); Me- demais para prestar atenção ao conse-
mórias do Sobrinho de meu Tio (1868). lho de seu Irmão, estava em toda a par-
te, via, observava tudo, e de tudo tirava
Sua prosa assemelha-se à fala diá- partido para rir-se. Em contínua hostili-
ria, estando seus romances muito pró- dade com todas aquelas que passea-
ximos da narrativa oral. Além disso, pro- vam com moços, de cada vista d'olhos,
curava observar o mundo a sua volta e de cada suspiro, de cada ação que per-
retratava-o com certa simplicidade. cebia, tirava motivo para seus epigra-

,Ibi
d,p.127.
— 223 —

mas; e, inimigo invencível, porque não - Não, minha senhora, o único par-
tinha fraco por onde fosse atacado, era tido que eu procuro e tenho conseguido
por isso temido e arriscado. Deixemo-la, tirar, é o sossego de que há algum tem-
pois, correr e saltar, aparecer e desapa- po gozo.
recer ao mesmo tempo; nem à nossa pena
- Como?
é dado o poder de acompanhá-la, que
ela é tão rápida como o pensamento. - É uma história muito longa, mas que
eu resumirei em poucas palavras. Com
Finalmente, o pobre Augusto en-
efeito, não sou tal qual me pintei durante
controu uma senhora que teve piedade
o jantar. Não tenho a louca mania de
dele. Estão afastados do resto da com-
amar um belo ideal, como pretendi fazer
panhia, e conversavam. Vamos ouvi-los.
crer; porém, o certo é que eu sou e que-
8
- Com efeito, disse a sr d. Ana, ro ser inconstante com todas e conser-
devo confessar que me espantei ouvin- var-me firme no amor de uma só.
do-o sustentar com tão vivo fogo a in-
- Então o senhor já ama?
constância do amor.
- Julgo que sim.
- Mas, minha senhora, não sei por
- A uma moça?
que se quer espantar!... é uma opinião.
- Pois então a quem?
- Um erro, senhor!... ou, melhor ain-
- Sem dúvida bela?...
da, um sistema perigoso e capaz de pro-
duzir grandes males. - Creio que deve ser.
- Pois o senhor não sabe?...
- Eis o que também me espanta!
- Juro que não.
- Não senhor, nada há aqui que
- O seu semblante?
exagerado seja; rogo-lhe que por um
instante pense comigo; se o seu siste- - Não me lembro dele.
ma é bom, deve ser seguido por todos; - Mora na corte?...
e se assim acontecesse, onde iria as- - Ignoro-o.
sentar o sossego das famílias, a paz
- Vê-a muitas vezes?
dos esposos, se lhe faltava a sua base
- a constância?... - Nunca.
- Como se chama?
Augusto guardou silêncio e ela con-
tinuou: - Desejo sabê-lo.
- Que mistério!...
- Eu devo crer que o sr. Augusto
pensa de maneira absolutamente diver- - Eu devo mostrar-me grato à bon-
sa daquela peia qual se explicou; con- dade com que tenho sido tratado, satis-
sinta que lhe diga: no seu pretendido fazendo a curiosidade que vejo muito
sistema, o que há é muita velhacaria; avivada no seu rosto; e, pois, a senho-
finge não se curvar por muito tempo di- ra vai ouvir o que ainda não ouviu ne-
ante de beleza alguma, para plantar no nhum dos meus amigos, o que eu não
amor-próprio das moças o desejo de tri- lhes diria, porque eles provavelmente
unfar de sua inconstância. rir-se-iam de mim. Se deseja saber o
— 224 —

mais interessante episódio de minha rárias. Faleceu em 1861 no naufrágio


vida, entremos nesta gruta, onde prati- do vapor Hermes, próximo de Macaé.
caremos livres de testemunhas e mais
Memórias de um Sargento de Milí-
em liberdade.
cias constituiu sua única obra de desta-
Entraram. que pela originalidade. Foi publicada em
folhetins anônimos e depois em dois
Era uma gruta pouco espaçosa e
volumes (1854-55).
cavada na base de um rochedo que do-
minava o mar. Entrava-se por uma aber- Trata-se de um romance de costu-
tura alta e larga, como qualquer porta mes que retrata as camadas populares
ordinária. Ao lado direito havia um bando do Rio de Janeiro na época de D. João
de relva, em que poderiam sentar-se a VI, com suas festas religiosas, os ajus-
gosto três pessoas; no fundo via-se uma tes matrimoniais, além de expor os hábi-
pequena bacia de pedra, onde caía, gota tos pouco castos do clero.
a gota, límpida e íresca água que do alto
O protagonista é Leonardo, filho
do rochedo se destilava; preso por uma
enjeitado de Leonardo Pacata e de Ma-
corrente à bacia de pedra, estava um
ria da Hortaliça, que fora criado pelo
copo de prata, para servir a quem qui-
padrinho e depois pela madrinha e des-
sesse provar da boa água do rochedo.
de cedo dava demonstrações de traqui-
Foi este lugar escolhido por Augus- nagem. Amava Luisinha, mas esta se
to para fazer suas revelações à digna casara com José Manoel. É preso pelo
hóspeda. Major Vidigal, depois ganha a liberdade
e torna-se praça. Algum tempo depois
O estudante, depois de certificar-
retoma à prisão, novamente é liberto e é
se de que toda a companhia estava lon-
a promovido a sargento de milícias, José
ge, veio sentar-se junto da sr. d. Ana,
Manuel morre e Leonardo casa-se com
no banco de relva, e começou a história
Luisinha.
dos seus amores.
Joaquim Manuel de Macedo, A Moreninha, São Paulo.
Melhoramentos, 1963, pp. 64-67.
Frânklin Távora
(1842-1888)
Manuel Antônio de Almeida
(1831 - 1 8 6 1 ) João Franklin da Silveira Távora nas-
ceu em 1842, em Baturité, Ceará. Estu-
dou Direito em Pernambuco e transferiu-
De origem humilde, Manuel Antônio
se para o Rio de Janeiro. Trabalhou como
de Almeida nasceu em 1831 no Rio de
funcionário e co-diretor da Revista Bra-
Janeiro. Cursou a Escola de Belas Ar-
sileira, a qual fundou. Faleceu em 1888
tes, porém não chegou a concluí-la. Em
no Rio de Janeiro.
1855 formou-se médico, mas não exer-
ceu a profissão. Foi jornalista e funcio- Escreveu ficção (O Cabeleira -
nário público e freqüentou as rodas lite- 1876; O Matuto - 1878); teatro {Um
— 225 —

Mistério de Família) e crítica (Cartas a de teatro e folhetins anônimos intitulados


Cincinato - 1870). de Semana Lírica, ganhando prestígio
junto ao público. Dirigiu-se a Londres em
1847 como funcionário da Embaixada.
Teatro Tempos depois adoeceu de tuberculose
e faleceu no Brasil em 1848.
Martins Pena Escreveu muitas comédias: O Juiz
de Paz na Roça; Quem casa, quer
(1815-1848) casa; Um Segredo de Estado.
Luís Carlos Martins Pena nasceu no Utilizou-se da linguagem coloquial
Rio de Janeiro em 1815. Estudou comér- e explorou o contato de tipos roceiros
cio entre 1832 e 1834. Escreveu peças com a Corte.

Resumo do Romantismo
Momento sócio-cultural Autores e obras
• Recém independente, o Brasil pro- • Gonçalves Dias: considerado o pri-
cura afirmar sua individualidade meiro poeta genuinamente nacional,
como nação, busca o reconhecimen- deixou obra vasta, destacando-se Pri-
to perante outras nações. meiros Cantos (1847), Os Timbiras
(1857), Últimos Cantos (1851).
• Ascensão da burguesia e de seus
valores: liberdade individual e libera- • Álvares de Azevedo: maior nome
da geração mal-do-século. Escreveu
lismo. Porém, logo surge insatisfa-
Lira dos Vinte Anos (1853), Noite
ção com o cotidiano da vida burgue-
na Taverna (1855), Macário (1855).
sa, o que gera um sentimento de
• Castro Alves: expoente da gera-
tédio e desencanto com o mundo,
ção condoreira, denunciou a escra-
expressos pela arte romântica.
vidão, defendeu a liberdade e exal-
Características literárias tou a mulher. Deixou Espumas Flu-
tuantes (1870), A Cachoeira de Pau-
• Negação dos valores pregados pelo
lo Afonso (1876).
Arcadismo: a arte deve ser subjeti-
• José de Alencar: defensor de uma
va, emotiva, sua força deve estar literatura realmente brasileira, que ali-
no conteúdo; o artista expõe seu asse consciência nacional ao rigor
mundo interior. estético. De sua vasta e influente
• O culto à forma é rejeitado. Em nome obra, d e s t a c a m o s O Guarani
da liberdade de expressão o artista (1857), Iracema (1865), Ubirajara
dispõe da forma como bem entende. (1874), O Sertanejo (1875).
• Os temas principais do Romantismo • Manuel Antônio de Almeida: dei-
(introversão, tédio, nacionalismo, xou Memórias de um Sargento de
amor, morte) são tratados de forma Milícias (1855), importante retrato do
sentimental e imaginativa. Rio de Janeiro do período joanino.
— 226 —

Realismo-Naturalismo
A economia açucareira encontra- enunciar a noção de evolução. Todavia,
se em decadência e esta situação agra- foi Darwin quem expôs os processos
va-se ainda mais com a extinção do trá- pelos quais a evolução das linhagens
fico negreiro em 1850. Com isso, o eixo determina a das populações. O avanço
econômico desloca-se para o Sul e há da medicina e das ciências biológicas é
um ambiente favorável ao pensamento percebido em sua obra A Origem das
liberal, abolicionista e republicano. O país Espécies (1859).
recebe influências do Positivismo e Evo-
lucionismo. Com tais idéias em voga, há um
campo propício para o desenvolvimento
O Positivismo foi criado por Augusto de uma nova estética literária: o Realis-
Comte (1798-1857) com o Curso de Fi- mo, que se opõe ao Romantismo, con-
losofia Positiva, obra em seis volumes, trapondo-se ao caráter espiritualista e
publicada entre 1830 e 1842. Nela de- idealizador do mesmo.
fende a importância crucial da Ciência
para a vida do homem em sociedade. O Realismo tem início no Brasil em
Propõe o abandono da Teologia e da 1881, com a publicação de Memórias
Metafísica e sugere a busca do conhe- Póstumas de Brás Cubas, de Machado
cimento "positivo" da realidade, ou seja, de Assis. Paralelamente ao Realismo,
concreto, objetivo e obtido através da caminha o Naturalismo, que principia
análise e experimentação. no mesmo ano, com a publicação de O
Mulato, de Aluísio de Azevedo. O Rea-
A filosofia positiva influenciou ou- lismo-Naturalismo tem seu término em
tros pensadores, entre eles Proudhon, 1902, com o surgimento de Os Sertões,
que forneceu a base para as idéias so- de Euclides da Cunha, e Canaã, de Gra-
cialistas por meio de seus escritos em ça Aranha, obras que marcam o princí-
jornais e obras como Filosofia do Pro- pio de um novo período literário: o Pré-
gresso (1835) e Sistemas das Contra- Modernismo. —
dições Econômicas (1846). Além des-
te, Hipólito Taine baseou-se nas idéias Os escritores desse período pro-
de Comte para apresentar a sua teoria curam descrever os costumes e as re-
determinista da obra de arte, condicio- lações entre os seres humanos com
nada a alguns fatores: herança, meio e maior realidade.
momento histórico.
O Naturalismo pode ser conside-
O Evolucionismo é uma teoria fun- rado como o Realismo levado até as
damentada na idéia de evolução dos últimas conseqüências. Procura dar ex-
seres vivos. Lamarck foi o primeiro a plicações científicas para o comporta-
— 227 —

mento e as atitudes dos personagens. cantil e em seguida no Diário do Rio de


Estes são encarados como produtos Janeiro, não deixando de colaborar com
de fatores externos, biológicos ou so- a imprensa da Corte. Passou a ser fun-
ciais; meios físicos, raça e hereditarie- cionário público a partir de 1875. Exer-
dade. Os escritores analisam as con- ceu os cargos de Primeiro-Oficial da
seqüências das doenças, taras, vícios Secretaria da Agricultura, Diretor da Di-
na formação da personalidade. Soma- retoria-Geral do Comércio e Diretor-Ge-
do a isso, observam a influência da na- ral da Viação. Fundou, com outros es-
tureza, meio social, família e educação critores, em 1897, a Academia Brasilei-
nos personagens. ra de Letras, da qual foi presidente até
sua morte em 1908.
Os realistas eram anti-românticos,
objetivos e racionalistas. Postulavam a Cultivou quase todos os gêneros
primazia da razão sobre o sentimento e literários, compondo extensa e fecunda
a arte compromissada, engajada. Enxer- obra, da qual fazem parte os romances:
gavam a Ciência como a solução para Ressurreição (1872), A Mão e a Luva
os problemas do homem. ( 1 8 7 4 ) , Helena ( 1 8 7 6 ) , laia Garcia
(1878), Memórias Póstumas de Brás
Faziam de seus romances um la-
Cubas (1881), Quincas Borba (1891),
boratório em que objetivavam provar a
Dom Casmurrro (1899), Esaú e Jacó
teoria de que determinados persona-
(1904), Memorial de Aires (1908).
gens, vivendo num certo meio e em da-
das circunstâncias e com determinada Foi o maior escritor do período e um
carga genética obrigatoriamente agiri- dos mais importantes, senão o de maior
am de uma determinada forma. importância, da literatura brasileira. Em
seus livros fazia profundas reflexões
sobre o ser humano e sua condição, os
Machado de Assis mistérios da alma humana, além de ser
refinadamente irônico.
(1839-1908)

Filho de um pintor mulato e uma la- Memórias Póstumas de


vadeira portuguesa, Joaquim Maria Ma- Brás Cubas
chado de Assis nasceu em 1839 no
Morro do Livramento, Rio de Janeiro. O romance Memórias Póstumas de
Ainda em tenra idade ficou órfão e foi Brás Cubas foi publicado inicialmente
criado pela madrasta. Aprendeu a ler em folhetim na Revista Brasileira, do
numa escola pública e teve aulas de fran- Rio de Janeiro, em 1880. No ano poste-
cês e latim com um padre amigo. Contu- rior, foi publicado na forma de livro. É
do, logo teve de trabalhar para auxiliar narrado em primeira pessoa por um morto
no sustento da família. Tornou-se, en- que tenta refazer a história de sua vida,
tão, um autodidata. Foi tipógrafo e revi- recordando os momentos marcantes da
sor. Em 1858 ingressou no Correio Mer- infância até a morte, não necessária-
— 228 —

mente seguindo uma ordem linear, mas um autor defunto, mas um defunto au-
acompanhando o fluxo das lembranças. tor, para quem a campa foi outro berço;
Entre outras coisas, recorda a paixão a segunda é que o escrito ficaria assim
adolescente pela prostituta Marcela e o mais galante e mais novo. Moisés, que
grande amor de sua vida: Virgília, espo- também contou a sua morte, não a pôs
sa de Lobo Neves. no intróito, mas no cabo: diferença radi-
cal entre este livro e o Pentateuco.
Brás Cubas sempre almejou a imor-
talidade. Não obteve os meios para con- Dito isto, expirei às duas horas da
segui-la em vida: não se casou, não teve tarde de uma sexta-feira do mês de agos-
filhos, não foi político, tampouco reali- to de 1869, na minha bela chácara de
zou grandes contribuições científicas, Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro
apesar de sua tentativa, o emplasto. anos, rijos e prósperos, era solteiro, pos-
Entretanto, após sua morte, consegue suía cerca de trezentos contos e fui
realizar seu intento escrevendo uma acompanhado ao cemitério por onze
obra póstuma. amigos. Onze amigos! Verdade é que
não houve cartas nem anúncios. Acres-
O capítulo a seguir é o primeiro do
ce que chovia - peneirava - uma chuvi-
livro, em que o narrador apresenta-se
nha miúda, triste e constante, tão cons-
como um "defunto autor" e inicialmente
tante e tão triste, que levou um daqueles
reflete sobre a própria construção da
fiéis da última hora a intercalar esta en-
narrativa, discutindo como deveria
genhosa idéia no discurso que proferiu
começá-la. Em seguida, relata sua mor-
à beira de minha cova: - "Vós, que o
te e reconstrói o quadro de seu enterro,
conhecestes, meus senhores, vós po-
mostrando com sutileza e ironia os jo-
deis dizer comigo que a natureza pare-
gos de interesse e as atitudes dissimu-
ce estar chorando a perda irreparável
ladas dos indivíduos e desmascarando
de um dos mais belos caracteres que
a hipocrisia da sociedade. Merece des-
têm honrado a humanidade. Este ar som-
taque a caracterização psicológica dos
brio, estas gotas do céu, aquelas nu-
personagens, realizada com maestria
vens escuras que cobrem o azul como
pelo escritor.
um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua
CAPÍTULO I e má que lhe rói à natureza as mais ínti-
mas entranhas; tudo isso é um sublime
ÓBITO DO AUTOR louvor ao nosso ilustre finado."
Algum tempo hesitei se devia abrir Bom e fiel amigo! Não, não me arre-
estas memórias pelo princípio ou pelo pendo das vinte apólices que lhe deixei.
fim, isto é, se poria em primeiro lugar o E foi assim que cheguei à cláusula dos
meu nascimento ou a minha morte. Su- meus dias; foi assim que me encaminhei
posto o uso vulgar seja começar pelo para o undiscovered country de Hamlet,
nascimento, duas considerações me le- sem as ânsias nem as dúvidas do moço
varam a adotar diferente método: a pri- príncipe, mas pausado e trôpego como
meira é que eu não sou propriamente quem se retira tarde do espetáculo. Tar-
— 229 —

de e aborrecido. Viram-me ir umas nove diante chegou a ser deliciosa. A vida


ou dez pessoas, entre elas três senho- estrebuchava-me no peito, com uns ím-
ras, minha irmã Sabina, casada com o petos de vaga marinha, esvaía-se-me a
Cotrim, a filha, - um lírio do vale, - e... consciência, eu descia à imobilidade fí-
Tenham paciência! daqui a pouco lhes sica e moral, e o corpo fazia-se-me plan-
direi quem era a terceira senhora. Con- ta, e pedra, e lodo, e cousa nenhuma.
tentem-se de saber que essa anônima,
Morri de uma pneumonia, mas se
ainda que não parenta, padeceu mais
lhe disser que foi menos a pneumonia,
do que as parentas. É verdade, pade- do que uma idéia grandiosa e útil, a cau-
ceu mais. Não digo que se carpisse, não sa da minha morte, é possível que o lei-
digo que se deixasse rolar pelo chão, tor me não creia, e todavia é verdade.
convulsa. Nem o meu óbito era cousa Vou expor-lhe sumariamente o caso.
altamente dramática... Um solteirão que Julgue-o por si mesmo.
expira aos sessenta e quatro anos, não
parece que reúna em si todos os ele- (Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás
Cubas, São Paulo: Globo, 1997, p. 1-3.)
mentos de uma tragédia. E dado que sim,
o que menos convinha a essa anônima
era aparentá-lo. De pé, à cabeceira da
Quincas Borba
cama, com os olhos estúpidos, a boca
entreaberta, a triste senhora mal podia Quincas Borba já havia aparecido
crer na minha extinção. como personagem em Memórias Pós-
"Morto! morto!" dizia consigo. tumas, expondo suas idéias referentes
ao Humanitismo a Brás Cubas. Em Quin-
E a imaginação dela, como as cego-
cas Borba, a figura do filósofo e louco
nhas que um ilustre viajante viu desferi-
reaparece, morando em Barbacena, Mi-
rem o vôo desde o llisso às ribas africa-
nas Gerais. O protagonista procura ex-
nas, sem embargo das ruínas e dos tem-
por os princípios do Humanitismo a Ru-
oos, - a imaginação dessa senhora tam-
bião, ingênuo provinciano que se torna
Dém voou por sobre os destroços pre-
seu enfermeiro.
sentes até às ribas de uma África juve-
nil... Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá O sistema filosófico de Quincas
iremos quando eu me restituir aos pri- Borba pode ser sintetizado na luta de
meiros anos. Agora, quero morrer tran- duas tribos pela sobrevivência, simboli-
qüilamente, metodicamente, ouvindo os zada por um campo de batatas que
soluços das damas, as falas baixas dos ambas disputam. O personagem extrai
nomens, a chuva que tamborila nas fo- sua concepção do Humanitismo: "Ao
nas de tinhorão da chácara, e o som vencido, ódio ou compaixão; ao vence-
estridulo de uma navalha que um dor, as batatas". Demonstra com objeti-
amolador está afiando lá fora, à porta de
vidade e certa frieza que a sobrevivên-
um correeiro. Juro-lhes que essa or-
cia e a ascensão social cabe aos mais
questra da morte foi muito menos triste
fortes, os vencedores, seja quais fo-
do que podia parecer. De certo ponto em
rem os meios que utilizem para tanto.
— 230 —

Após expor suas idéias a Rubião, - Foi no Rio de Janeiro, começou


Quincas Borba morre e faz dele seu ele, defronte da Capela Imperial, que era
herdeiro universal, com apenas uma então Real, em dia de grande festa; mi-
condição: cuidar de seu cão, que carre- nha avó saiu, atravessou o adro, para ir
gava o nome do dono. ter à cadeirinha, que a esperava no Lar-
go do Paço. Gente como formiga. O povo
Rubião, por sua própria trajetória queria ver entrar as grandes senhoras
de vida, comprova a tese do Humani- nas suas ricas traquitanas. No momen-
tismo. Herdeiro de grande fortuna, dei- to em que minha avó saía do adro para ir
xa-se enganar pelo ambicioso casal à cadeirinha, um pouco distante, acon-
Palha, Cristiano e Sofia. Enquanto Cris- teceu espantar-se uma das bestas de
tiano propõe negócios a Rubião, Sofia uma sege; a besta disparou, a outra imi-
faz com que ele nutra por ela vãs es- tou-a, confusão, tumulto, minha avó caiu,
peranças. Aos poucos Rubião começa e tanto as mulas como a sege passa-
a dar indícios de loucura e perde toda a ram-lhe por cima. Foi levada em braços
sua fortuna, ao passo que o casal pros- para uma botica da Rua Direita, veio um
pera nos negócios e enriquece, após sangrador, mas era tarde; tinha a cabe-
tê-lo enganado. Dessa forma, Macha- ça rachada, uma perna e o ombro parti-
do vai compondo a sociedade burgue- dos, era toda sangue; espirou minutos
sa do Segundo Reinado, trabalhando depois.
questões como a loucura e o abando-
no e mostrando como os mais fortes - Foi realmente uma desgraça, dis-
sobressaem-se em relação aos mais se Rubião.
fracos. - Não.

O trecho seguinte apresenta uma -Não?


conversa de Rubião com Brás Cubas, - Ouve o resto. Aqui está como se
em que este lhe apresenta a filosofia do tinha passado o caso. O dono da sege
Humanitismo, explicando-a a partir do
estava no adro, e tinha fome, muita fome,
acontecimento que provocou a morte de
porque era tarde, e almoçara cedo e
sua avó.
pouco. Dali pôde fazer sinal ao cocheiro;
este fustigou as mulas para ir buscar o
CAPÍTULO VI
patrão. A sege no meio do caminho
- Para entenderes bem o que é a achou um obstáculo e derribou-o; esse
morte e a vida, basta contar-te como obstáculo era minha avó. O primeiro ato
morreu minha avó. dessa série de atos foi um movimento
de conservação: Humanitas tinha fome.
- Como foi?
Se em vez de minha avó, fosse um rato
- Senta-te. ou um cão, é certo que minha avó não
Rubião obedeceu, dando ao rosto morreria, mas o fato era o mesmo;
o maior interesse possível, enquanto Humanitas precisa comer. Se em vez de
Quincas Borba continuava a andar. um rato ou de um cão, fosse um poeta,
— 231 —

Byron ou Gonçalves Dias, diferia o caso - Mas que Humanitas é esse?


no sentido de dar matéria a muitos ne-
- Humanitas é o princípio. Há nas
crológios; mas o fundo subsistia. O uni-
cousas todas certa substância recôn-
verso ainda não parou por lhe faltarem
dita e idêntica, um princípio único, uni-
alguns poemas mortos em flor na cabe-
versal, eterno, comum, indivisível e
ça de um varão ilustre ou obscuro; mas
indestrutível, - ou, para usar a lingua-
Humanitas (e isto importa, antes de tudo),
gem do grande Camões:
Humanitas precisa comer.
Uma verdade que nas cousas anda,
Rubião escutava, com a alma nos
Que mora no visíbil e invisíbíl.
olhos, sinceramente desejoso de enten-
der; mas não dava pela necessidade a Pois essa substância ou verdade,
que o amigo atribuía a morte da avó. esse princípio indestrutível é que é
Seguramente o dono da sege, por muito Humanitas. Assim lhe chamo, porque re-
tarde que chegasse a casa, não morria sume o universo, e o universo é o ho-
de fome, ao passo que a boa senhora mem. Vais entendendo?
morreu de verdade, e para sempre. Ex-
plicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, - Pouco; mas, ainda assim, como é
que a morte de sua avó...
e acabou perguntando-lhe:
- E que Humanitas é esse? - Não há morte. O encontro de duas
expansões, ou a expansão de duas for-
- Humanitas é o princípio. Mas não,
mas, pode determinar a supressão de
não digo nada, tu não é capaz de enten-
uma delas; mas, rigorosamente, não há
der isto, meu caro Rubião; falemos de
morte, há vida, porque a supressão de
outra cousa.
uma é a condição da sobrevivência da
- Diga sempre. outra, e a destruição não atinge o princí-
Quincas Borba, que não deixara de pio universal e comum. Daí o caráter
andar, parou alguns instantes. conservador e benéfico da guerra. Su-
põe tu um campo de batatas e duas tri-
- Queres ser meu discípulo?
bos famintas. As batatas apenas che-
- Quero. gam para alimentar uma das tribos, que
- Bem, irás entendendo aos pou- assim adquire forças para transpor a
cos a minha filosofia; no dia em que a montanha e ir à outra vertente, onde há
houveres penetrando inteiramente, ah! batatas em abundância; mas, se as duas
nesse dia terás o maior prazer da vida, tribos dividirem em paz as batatas do
campo, não chegam a nutrir-se sufici-
porque não há vinho que embriague
entemente e morrem de inanição. A paz
como a verdade. Crê-me, o Humanitismo
nesse caso é a destruição; a guerra é a
é o remate das cousas; e eu, que o for-
conservação. Uma das tribos extermina
mulei, sou o maior homem do mundo.
a outra e recolhe os despojos. Daí a
Olha, vês como o meu bom Quincas
alegria da vitória, os hinos, aclamações,
Borba está olhando para mim? Não é
recompensas públicas e todos os de-
ele, é Humanitas...
— 232 —

mais efeitos das ações bélicas. Se a Dom Casmurro


guerra não fosse isso, tais demonstra-
ções não chegariam a dar-se, pelo mo- Dom Casmurro foi publicado em
tivo real de que o homem só comemora 1899 e tem como personagens principais
e ama o que lhe é aprazível ou vantajo- Bentinho e Capitu, que desde a infância
so, e pelo motivo racional de que nenhu- comportam-se como dois apaixonados.
ma pessoa canoniza uma ação que vir- Contudo, a mãe do garoto queria sua or-
tualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou denação, o que não ocorre porque o agre-
compaixão; ao vencedor, as batatas. gado José Dias intervém. Bentinho e
Capitu casam-se e vivem por muito tem-
- Mas a opinião do exterminado? po felizes, mas sem filhos, tendo por
amigos Escobar, colega de seminário de
- Não há exterminado. Desaparece
Bentinho, e Sancha, sua esposa. Final-
o fenômeno; a substância é a mesma.
mente conseguem ter um filho: Ezequiel.
Nunca viste ferver água? Hás de lem-
Este, ao crescer, passa a imitar as pes-
brar-te que as bolhas fazem-se e des-
soas que o rodeiam, entre elas Escobar.
fazem-se de contínuo, e tudo fica na
Isso provoca grande ciúme e frustração
mesma água. Os indivíduos são essas
em seu pai, que procura não demonstrá-
bolhas transitórias.
los. Após a morte de Escobar, Bentinho
- Bem; a opinião da bolha... acredita mesmo que Capitu o tenha traído
e que Ezequiel seja filho de Escobar. Re-
- Bolha não tem opinião. Aparente- solve suicidar-se, depois muda de idéia e
mente, há nada mais contristador que expulsa a mulher e o filho de casa. Pas-
uma dessas terríveis pestes que devas- sados alguns anos, Capitu falece na Eu-
tam um ponto do globo? E, todavia, esse ropa e o jovem Ezequiel na Ásia.
suposto mal é um benefício, não só por-
que elimina os organismos fracos, inca- O que mais nos chama atenção no
pazes de resistência, como porque dá romance é o fato de não podermos afir-
lugar à observação, à descoberta da mar com exatidão se Capitu realmente
droga curativa. A higiene é filha de po- traiu ou não Bentinho, pois é ele quem
dridões seculares; devemo-la a milhões nos narra a história, envolvendo-nos
de corrompidos e infectos. Nada se per- com o véu de seu ciúme patológico e
de, tudo é ganho. Repito, as bolhas fi- obcecação pela esposa.
cam na água. Vês este livro? É D.
Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, O trecho a seguir mostra-nos a fi-
não elimino a obra que continua eterna gura de Capitu, sob o olhar atento e des-
nos exemplares subsistentes e nas edi- lumbrado de Bentinho:
ções posteriores. Eterna e bela, bela-
CAPÍTULO XXXII
mente eterna, como este mundo divino e
supradivino. OLHOS DE RESSACA

(Machado de Assis, Quincas Borba, São Paulo: Globo. Tudo era matéria às curiosidades
1997. p.6-9.) de Capitu. Caso houve, porém, no qual
— 233 —

não sei se aprendeu ou ensinou, ou se E se não fosse preciso alguém para


fez ambas as cousas, como eu. É o que vencer já, e de todo, não se lhe falaria.
contarei no outro capítulo. Neste direi Eu já nem sei se José Dias poderá influir
somente que, passados alguns dias do tanto; acho que fará tudo, se sentir que
ajuste com o agregado, fui ver a minha você realmente não quer ser padre, mas
amiga; eram dez horas da manhã. D. poderá alcançar?... Ele é atendido; se,
Fortunata, que estava no quintal, nem porém... é um inferno isto! Você teime
esperou que eu lhe perguntasse pela com ele, Bentinho.
filha.
- Teimo; hoje mesmo ele há de falar.
- Está na sala penteando o cabelo,
- Você jura?
disse-me; vá devagarzinho para lhe pre-
gar um susto. - Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.

Fui devagar, mas ou o pé ou o es- Tinha-me lembrado a definição que


pelho traiu-me. Este pode ser que não José Dias dera deles, "olhos de cigana
fosse; era um espelhinho de pataca oblíqua e dissimulada". Eu não sabia o
(perdoai a barateza), comprado a um que era oblíqua, mas dissimulada sabia,
mascate italiano, moldura tosca, argoli- e queria ver se se podiam chamar as-
nha de latão, pendente da parede, entre sim. Capitu deixou-se fitar e examinar.
as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Só me perguntava o que era, se nunca
Um ou outro, a verdade é que, apenas os vira; eu nada achei extraordinário; a
entrei na sala, pente, cabelos, toda ela cor e a doçura eram minhas conheci-
voou pelos ares, e só lhe ouvi esta per- das. A demora da contemplação creio
gunta: que lhe deu outra idéia do meu intento,
imaginou que era um pretexto para mirá-
- Há alguma cousa? los mais de perto, com os meus olhos
- Não há nada, respondi; vim ver longos, constantes, enfiados neles, e a
você antes que o Padre Cabral chegue isto atribuo que entrassem a ficar cres-
para a lição. Como passou a noite? cidos, crescidos e sombrios, com tal
expressão que...
- Eu bem. José Dias ainda não falou?
Retórica dos namorados, dá-me
- Parece que não.
uma comparação exata e poética para
- Mas então quando fala? dizer o que foram aqueles olhos de
- Disse-me que hoje ou amanhã pre- Capitu. Não me acode imagem capaz de
tende tocar no assunto; não vai logo de dizer, sem quebra da dignidade do esti-
pancada, falará assim por alto e por lon- lo, o que eles foram e me fizeram. Olhos
ge, um toque. Depois, entrará em maté- de ressaca? Vá, de ressaca. É o que
ria. Quer primeiro ver se mamãe tem a me dá idéia daquela feição nova. Trazi-
resolução feita... am não sei que fluido misterioso e
energético, uma força que arrastava
- Que tem, tem, interrompeu Capitu. para dentro, como a vaga que se retira
— 234 —

da praia, nos dias de ressaca. Para não


ser arrastado, agarrei-me às outras
Raul Pompéia
partes vizinhas, às orelhas, aos bra- (1863-1895)
ços, aos cabelos espalhados pelos
ombros, mas tão depressa buscava as Raul d'Ávila Pompeia nasceu em
pupilas, a onda que saía delas vinha 1863 no Rio de Janeiro, onde realizou
crescendo, cava e escura, ameaçando seus estudos secundários. Cursou Di-
envolver-me, puxar-me e tragar-me. reito em São Paulo e no Recife. Seguiu a
Quantos minutos gastamos naquele carreira jornalística e d e f e n d e u o
jogo? Só os relógios do céu terão mar- abolicionismo. Lecionou mitologia na Es-
cado esse tempo Infinito e breve. A eter- cola de Belas Artes e foi diretor da Bibli-
nidade tem as suas pêndulas; nem por oteca Nacional.
não acabar nunca deixa de querer sa-
ber a duração das felicidades e dos De temperamento questionador e
suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem- inquieto, suicidou-se na noite de Natal
aventurados do céu conhecer a soma de 1895, com apenas trinta e dois anos
dos tormentos que já terão padecido no de idade.
inferno os seus inimigos; assim também
Escreveu crônicas, contos, remi-
a quantidade das delícias que terão go-
niscências, poemas em prosa e roman-
zado no céu os seus desafetos aumen-
ces, publicados nos jornais em que tra-
tará as dores aos condenados do in-
balhou, sendo a maioria apenas recen-
ferno. Este outro suplício escapou ao
temente compilada em livros. Todavia,
divino Dante; mas eu não estou aqui
há ainda obras não editadas em livros.
para emendar poetas. Estou para con-
tar que, ao cabo de um tempo não mar- Entre suas obras estão Uma Tra-
cado, agarrei-me definitivamente aos gédia no Amazonas (1880), O Ateneu
cabelos de Capitu, mas então com as (1888), Canções sem Metro e As Jóias
mãos, e disse-lhe, - para dizer alguma da Coroa (ambas edições póstumas,
cousa, - que era capaz de os pentear, publicadas em 1900 e 1962, respectiva-
se quisesse. mente).

- Você? Seu romance de maior relevância é


O Ateneu.
- Eu mesmo.

- Vai embaraçar-me o cabelo todo,


O Ateneu
isso sim.

- Se embaraçar, você desembara- Raul Pompeia inspirou-se nos seus


ça depois. anos de internato no Colégio Abílio para
escrever seu romance O Ateneu.
- Vamos ver.
Machado de Assis, Dom Casmurro, São Paufo: Globo. Tendo como subtítulo "Crônica de
1997, pp. 52-54. Saudades", o romance possui como eixo
— 235 —

as experiencias de Sérgio, narrador- num gesto, das ilusões de criança edu-


personagem já adulto, que recorda sua cada exóticamente na estufa de cari-
infância no internato de Aristarco Argolo nho que é o regime do amor doméstico,
de Ramos. diferente do que se encontra fora, tão
diferente, que parece o poema dos cui-
Não há um enredo propriamente
dados maternos um artifício sentimen-
dito, mas uma sucessão de episodios
tal, com a vantagem única de fazer mais
que denunciam a hipocrisia e falsidade
sensível a criatura à impressão rude do
presentes no colégio, culminando com o
primeiro ensinamento, têmpera brusca
incendio do Ateneu.
da vitalidade na influência de um novo
A escola aparece como um espe- clima rigoroso. Lembramo-nos, entretan-
lho da sociedade, mostrando através to, com saudade hipócrita, dos felizes
da figura dos alunos e, sobretudo, do tempos: como se a mesma incerteza de
diretor Aristarco, como as relações so- hoje, sob outro aspecto, não nos hou-
ciais giram em torno dos interesses eco- vesse perseguido outrora e não viesse
nômicos. de longe a enfiada das decepções que
nos ultrajam.
Alem disso, os maiores sobrepõem-
se aos menores, ou seja, os mais fortes Eufemismo, os felizes tempos, eu-
ocupam posição privilegiada em relação femismo apenas, igual aos outros que
aos mais fracos. nos alimentam, a saudade dos dias que
correram como melhores. Bem conside-
O Ateneu soma aos elementos re-
rando, a atualidade é a mesma em todas
alistas-naturalistas a técnica impres-
as datas. Feita a compensação dos de-
sionista, em que se procura mais ofe-
sejos que variam, das aspirações que
recer um quadro das emoções e sen-
se transformam, alentadas perpetua-
sações vivenciadas do que propriamen-
mente do mesmo ardor, sobre a mesma
te discutir os acontecimentos e suas
base fantástica de esperanças, a atua-
causas. lidade é uma. Sob a coloração cambian-
O fragmento transcrito a seguir te das horas, um pouco de ouro mais
compõe o primeiro capítulo do livro, em pela manhã, um pouco mais de púrpura
que o personagem central deixa a "es- ao crepúsculo - a paisagem é a mesma
tufa de carinho", característica da vida de cada lado beirando a estrada da vida.
familiar, e adentra no internato, passa-
Eu tinha onze anos.
gem para a vida adulta, com todos os
sofrimentos e contradições. Freqüentava como externo, duran-
te alguns meses, uma escola familiar do
/
Caminho Novo, onde algumas senhoras
"Vais encontrar o mundo, disse-me inglesas, sob a direção do pai, distribu-
meu pai, à porta de Ateneu. Coragem íam educação à infância como melhor
para luta." Bastante experimentei depois lhes parecia. Entrava às nove horas,
a verdade deste aviso, que me despia, timidamente, ignorando as lições com a
— 236 —

maior regularidade, e bocejava até às bandeiras, escolhida amostra da força


duas, torcendo-me de insipidez sobre dos estados, em proporções de micros-
os carcomidos bancos que o colégio cópio, que eu fazia formar a combate
comprara, de pinho e usado, lustrosos como uma ameaça tenebrosa ao equilí-
do contato da malandragem de não sei brio do mundo; que eu fazia guerrear
quantas gerações de pequenos. Ao em desordenado aperto, - massa tem-
meio-dia, davam-nos pão com mantei- pestuosa das antipatias geográficas,
ga. Esta recordação gulosa é o que mais encontro definitivo e ebulição dos se-
pronunciadamente me ficou dos meses culares ódios de fronteira e de raça,
de externato; com a lembrança de al- que eu pacificava por fim, com uma fa-
guns companheiros - um que gostava cilidade de Providência Divina, intervin-
de fazer rir à aula, espécie interessante do sabiamente, resolvendo as pendên-
de mono louro, arrepiado, vivendo a cias pela concórdia promíscua das cai-
morder, nas costas da mão esquerda, xas de pau. Força era deixar à ferru-
uma protuberância calosa que tinha;
gem do abandono o elegante vapor da
outro adamado, elegante, sempre reti-
linha circular do lago, no jardim, onde
rado, que vinha à escola de branco,
talvez não mais tornasse a perturbar
engomadinho e radioso, fechada a blu-
com a palpitação das rodas a sonolên-
sa em diagonal do ombro à cinta por
cia morosa dos peixinhos rubros, dou-
botões de madrepérola. Mais ainda: a
rados, argentados, pensativos à som-
primeira vez que ouvi certa injúria cres-
bra dos tinhorões, na transparência
pa, um palavrão cercado de terror no
adamantina da água...
estabelecimento, que os partistas de-
nunciavam às mestras por duas iniciais Mas um movimento animou-me, pri-
como em monograma. meiro estímulo sério da vaidade: distan-
ciava-me da comunhão da família, como
Lecionou-me depois um professor
um homem! ia por minha conta empe-
em domicílio.
nhar a luta dos merecimentos; e a confi-
Apesar deste ensaio da vida es- ança nas próprias forças sobrava. Quan-
colar a que me sujeitou a família, antes do me disseram que estava a escolha
da verdadeira provação, eu estava per- feita da casa de educação que me de-
feitamente virgem para as sensações via receber, a notícia veio achar-me em
novas da nova fase. O internato! Des- armas para a conquista audaciosa do
tacada do conchego placentário da die- desconhecido.
ta caseira, vinha próximo o momento de
Um dia, meu pai tomou-me pela mão,
se definir a minha individualidade. Amar-
minha mãe beijou-me a testa, molhando-
guei por antecipação o adeus às pri-
me de lágrimas os cabelos e eu parti.
meiras alegrias; olhei triste os meus brin-
quedos, antigos já! os meus queridos (...)
pelotões de chumbo! espécie de museu
(Raul Pompeia, O Ateneu, São Paulo: Ática, 1990,
militar de todas as fardas, de todas as p. 11-12.)
— 237 —

Outros personagens compõem o ambi-


Aluísio Azevedo ente do cortiço: Pombinha, moça pura e
(1857-1913) humilde que se torna prostituta; Jeró-
nimo, português que vem morar no cor-
tiço com a mulher Piedade e a filha, mas
Aluísio Tancredo Gonçalves de acaba se envolvendo com a sensual Rita
Azevedo nasceu em São Luís do Mara- Baiana. Ambos são vítimas do determi-
nhão em 1857. Após concluir os estu- nismo social.
dos primários passa a trabalhar no co-
mércio. Em 1881, transfere-se para o O trecho a seguir apresenta-nos o
Rio de Janeiro e dedica-se ao jornalismo cortiço através da zoomorfização dos
e à literatura. Em seguida segue a car- personagens, que se assemelham a
reira diplomática. Falece em Buenos animais em sua descrição: "uma aglo-
Aires em 1913. meração tumultuosa de machos e fême-
as", "o prazer animal de existir". Além
Escreveu romances de grande in-
disso, os elementos sensoriais (sons,
teresse social: O Mulato (1881), Casa
cheiros e imagem) dão mais vivacidade
de Pensão (1884), O Coruja (1885), O
e verossimilhança à cena.
cortiço (1890).
Ill
O cortiço Eram cinco horas da manhã e o cor-
tiço acordava, abrindo, não os olhos,
Publicado em 1890, O Cortiço cons- mas a sua infinitude de portas e janelas
tituiu o romance de maior importância de alinhadas.
Aluísio Azevedo e que melhor condensa
os ideais naturalistas. Um acordar alegre e farto de quem
dormiu de uma assentada, sete horas
Os personagens são lavadeiras, de chumbo. Como que se sentiam ainda
operários, prostitutas, indivíduos margi- na indolência de neblina as derradeiras
nalizados que vivem num ambiente po- notas da última guitarra da noite antece-
bre e promíscuo. O cortiço determina- dente, dissolvendo-se à luz loura e ten-
lhes o comportamento. ra da aurora, que nem um suspiro de
saudade perdido em terra alheia.
Destaca-se a figura de João Ro-
mão, português dono do cortiço, de uma A roupa lavada, que ficara de vés-
pedreira e uma venda. Enriquece à cus- pera nos coradouros, umedecia o ar e
ta da exploração dos empregados, que punha-lhe um farto acre de sabão ordi-
moram em seus casebres e fazem dívi- nário. As pedras do chão, esbranqui-
das ao comprar fiado em sua venda. É çadas no lugar da lavagem e em alguns
ajudado por sua empregada e amante pontos azuladas pelo anil, mostravam
Bertoleza, escrava fugida. Ambicioso, uma palidez grisalha e triste, feita de
usa de todos os meios para ficar rico. acumulações de espumas secas.
— 238 —

Entretanto, das portas surgiam ca- cansavam, era um abrir e fechar de cada
beças congestionadas de sono; ouvi- instante, um entrar e sair sem tréguas.
am-se amplos bocejos, fortes como o Não se demoravam lá dentro e vinham
marulhar das ondas; pigarreava-se gros- ainda amarrando as calças ou as salas;
so por toda a parte; começavam as xí- as crianças não se davam ao trabalho
caras a tilintar; o cheiro quente do café de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no
aquecia, suplantando todos os outros; capinzal dos fundos, por detrás da es-
trocavam-se de janela para janela as talagem ou no recanto das hortas.
primeiras palavras, os bons dias; reata-
vam-se conversas interrompidas à noi- O rumor crescia, condensando-se;
te; a pequenada cá fora traquinava já, e o zunzum de todos os dias acentuava-
lá dentro das casas vinham choros aba- se; já se não destacavam vozes dis-
fados de crianças que ainda não an- persas, mas um só ruído compacto que
dam. No confuso rumor que se forma- enchia todo o cortiço. Começavam a fa-
va, destacavam-se risos, sons de vo- zer compras na venda; ensarilhavam-
zes que altercavam, sem se saber onde, se discussões e resingas; ouviam-se
grasnar de marrecos, cantar de gaios, gargalhadas e pragas; já não se falava,
cacarejar de galinhas. De alguns quar- gritava-se. Sentia-se naquela fermen-
tos saíam mulheres que vinham pendu- tação sangüínea, naquela gula viçosa
rar cá fora, na parede, a gaiola do papa- de plantas rasteiras que mergulham os
gaio, e os louros, à semelhança dos pés vigorosos na lama preta e nutriente
donos, cumprimentavam-se ruidosamen- da vida, o prazer animal de existir, a
te, espanejando-se à luz nova do dia. triunfante satisfação de respirar sobre
a terra.

Daí a pouco, em volta das bicas era (...)


um zunzum crescente; uma aglomera-
(Aluísio Azevedo, Ocortiço, São Paulo: Ática, 1975.
ção tumultuosa de machos e fêmeas. p. 2S-29.)
Uns, após outros, lavavam a cara, inco-
modamente, debaixo do fio de água que
escorria da altura de uns cinco palmos.
O chão inundava-se. As mulheres pre- Outros autores
cisavam já prender as saias entre as
coxas para não as molhar; via-se-lhes a
tostada nudez dos braços e do pesco-
ço, que elas despiam, suspendendo o Inglês de Sousa
cabelo todo para o alto do casco; os
homens, esses não se preocupavam em (1853-1918)
não molhar o pêlo, ao contrário metiam a
cabeça bem debaixo da água e esfrega- Herculano Marcos Inglês de Sou-
vam com força as ventas e as barbas, za nasceu no Pará em 1853. Graduou-
fossando e fungando contra as palmas se em Direito em São Paulo. Colaborou
da mão. As portas das latrinas não des- para a Revista Nacional de Ciências,
— 239 —

Artes e Letras. Dedica-se à política e de amor, em que se consuma o rapto da


chega a ser presidente das províncias esposa de um alferes, a qual passa a
do Sergipe e Espírito Santo, entre 1881 viver com ele e com quem tem duas fi-
e 1882. Exerce o magistério em univer- lhas. Deixa a Marinha a fim de trabalhar
sidade e luta pela democratização do na Tesouraria da Fazenda. Em 1892 vai
ensino primário. Colabora na fundação para o Rio de Janeiro, onde morre
da Academia Brasileira de Letras, em tuberculoso em 1897.
1897. Faleceu no Rio de Janeiro em
Escreveu Vôos Incertos (1886),
1918.
Judite e Lágrimas de um Crente (1887),
Escreveu O Cacaoalista (1876), A Normalista (1893), No País do Ianques
História de um Pescador ( 1 8 7 6 ) , O (1894), Bom-Crioulo (1895), Cartas Li-
Coronel Sagrado (1877), O Missioná- terárias (1895), Tentação (1896).
rio (1891) e Contos Amazônicos (1892),
sua obra de maior relevância.
Domingos Olímpio
(1860-1906)
Adolfo Caminha
(1867-1897) Domingos Olímpio Braga Cavalcanti
nasceu no Ceará em 1860. Graduou-se
Adolfo Ferreira Caminha nasceu em em Direito no Recife. Foi promotor públi-
Aracati, Ceará, em 1867. Devido à seca co em Sobral e posteriormente transferi-
de 1877 muda-se para Fortaleza e em do para o Pará, onde ficou até 1890, ano
seguida para o Rio de Janeiro em 1883, em que se mudou para o Rio de Janeiro.
onde adentra para a Escola da Marinha. Passou a dedicar-se à carreira jornalística
Defende idéias abolicionistas e republi- e entre 1904 e 1906 dirigiu Os Anais,
canas. Como guarda-marinha em 1886 revista por ele fundada. Nesta revista
viaja para os Estados Unidos, onde se publicou seus romances O Almirante e
inspira para escrever seu livro de crôni- O Uirapuru. Em 1903 publica Luzia-Ho-
cas No País dos Ianques (1894). Re- mem, seu romance de maior importân-
gressa ao Ceará e envolve-se num caso cia. Faleceu no Rio de Janeiro em 1906.

Resumo do Realismo-Naturalismo
Momento socio-cultural abolicionista desgastam o governo
de D. Pedro II, que perde continua-
mente o apoio dos grandes proprie-
• O Segundo Reinado está em crise: a
tários rurais.
Guerra do Paraguai (que custou
muitas vidas e dinheiro ao país) e a • O eixo econômico e de poder deslo-
cada vez mais intensa campanha ca-se para o Sul, devido à decadên-
— 240 —

cia da economia açucareira e à ex- biológicos, além de conduzido pelo


pansão da lavoura de café. papel que a sociedade lhe dá.

• Os meios intelectualizados do país


sofrem influência das teorias Autores e obras
cientificistas, como o positivismo, o
evolucionismo e o determinismo. • M a c h a d o de Assis: um dos fun-
dadores da Academia Brasileira de
Letras, é considerado o maior escri-
Características literárias tor da literatura brasileira. Sua obra
estuda a condição humana com muita
• As principais características do Rea- profundidade. Escreveu Helena
lismo são: objetividade, racionalismo, (1876), laia Garcia (1878), Memó-
texto cuidadoso e objetivo, enga- rias Póstumas de Brás Cubas
jamento (a arte quer modificar uma (1881), Quincas Borba (1891), Dom
realidade injusta), crítica aos valo- Casmurro ( 1 8 9 9 ) , Esaú e Jacó
res religiosos e burgueses e ao (1904), Memorial de Aires (1908),
monarquismo. além de mais de duzentos contos.

• O retrato que os realistas fazem da • Raul Pompeia: autor crítico, que de-
sociedade é objetivo e implacável. Re- nunciou as instituições superadas
alizam análise psicológica dos perso- do Império. Sua obra mais importan-
nagens, por vezes muito profunda. te é o romance O Ateneu (1888),
baseado em sua experiência em co-
• Os autores naturalistas levam os
légio interno.
princípios realistas ao extremo. Sua
abordagem do homem e da socieda- • Aluísio Azevedo: introdutor e prin-
de pode ser chamada de biológica: cipal nome do Naturalismo no Brasil,
mostram o ser humano condiciona- escreveu O Mulato (1881), Casa de
do por patologias, taras e impulsos Pensão (1884), O Cortiço (1890).
— 241 —

Parnasianismo
No plano da prosa, a reação contra nos. Este último preconizou a teoria da
o Romantismo constituiu o Realismo. Já "arte pela arte", ou seja, a idéia de que a
no plano da poesia, o combate ao senti- palavra deveria ser encarada como um
mentalismo produziu o que chamamos objeto e a estética teria que ser busca-
de Parnasianismo. da através de engenhoso trabalho e não
simplesmente por meio da inspiração. A
O movimento parnasiano iniciou-se
beleza seria, dessa forma, a única fina-
em 1882, com a publicação das Fan-
lidade da arte.
farras, de Teófilo Dias e prolongou-se até
aproximadamente 1922, quando recebeu Vale ressaltar que, além da Fran-
severas críticas dos modernistas. ça, o Brasil foi o único país em que se
manifestou o Parnasianismo.
O nome Parnasianismo tem sua ori-
gem no Parnasse Contemporain, uma A arte de escrever poesia foi com-
antologia de escritos de diversos poe- parada ao trabalho do escultor, pintor e
tas franceses que reagiam contra as até mesmo do ourives, pela paciência e
tendências românticas, organizada por atenção aos detalhes, que devem pos-
Lemerre em 1866. suir os poetas. Para tanto, deveriam
atentar para a rigidez formal, cuidando
Parnaso era o nome de um monte
da versificação, rima, sonoridade (ob-
grego, dedicado na Antiguidade às Mu-
tida através das aliterações e asso-
sas e a Apolo. De acordo com a mitolo-
nâncias).
gia, neste lugar havia a fonte Castália,
cujas águas inspiravam os poetas. O Os mais importantes poetas parna-
vocábulo Parnaso também foi utilizado sianos brasileiros compõem a "tríade
com o sentido de "grupo de poetas", parnasiana". São eles: Alberto de Olivei-
"antologia" e até mesmo de "poesia". ra, Raimundo Correia e Olavo Bilac. Me-
recem destaque também Vicente de Car-
Os escritores inspiravam-se em
valho, Francisca Júlia e Artur de Aze-
Leconte de Lisle, que iniciou a descri-
ção objetiva do mundo e dos objetos, vedo.
utilizou temas da história antiga e dos
povos orientais e teve grande preocu-
pação com a forma, construindo versos Alberto de Oliveira
com ritmo, vocabulário raro e elementos (1857-1937)
sensoriais.

Baudelaire e Théophile Gautier tam- Antônio Mariano Alberto de Olivei-


bém muito influenciaram os parnasia- ra nasceu em Palmital de Saquarema,
— 242 —

Rio de Janeiro, em 1857. Estudou Medi- Vaso Grego


cina, mas deixou-a para estudar Farmá-
Esta de áureos relevos, trabalhada
cia, em que se graduou, porém não che-
gou a seguir carreira. Exerceu as fun- De divas mãos, brilhante copa,
ções de Diretor Geral da Instrução no [um dia,
Rio de Janeiro, entre 1893 e 1898, e de Já de aos deuses servir com
professor de Português e Literatura Bra- [cansada,
sileira. Auxiliou na fundação da Acade-
Vinda do Olimpo, a um novo deus
mia Brasileira de Letras e em 1924 foi
[servia.
chamado de "Príncipe do Poetas Brasi-
leiros". Faleceu em 1937 em Niterói.
Era o poeta de Teos que a
Sua obra poética envolve, entre
[suspendia
outros livros: Canções Românticas
(1878), Meridionais (1884), Sonetos e Então, e, ora repleta ora esvasada,
Poemas (1885), Versos e Rimas (1895). A taça amiga aos dedos seus tinia,

Iniciou sua produção poética como Toda de roxas pétalas colmada.


romântico, mas identificou-se com o
Parnasianismo, passando a seguir o ide- Depois... Mas o lavor da taça
al de "arte pela arte" e a enquadrar-se [admira,
na rigidez métrica que a escola literária Toca-a, e do ouvido aproximando-a,
propunha. [às bordas

Os poemas a seguir ilustram bem o Finas hás de lhe ouvir, canora e


caminho percorrido pelo escritor, que [doce,
não tinha grandes preocupações soci-
ais nem temáticas, mas buscava cons- Ignota voz, qual se da antiga lira
truir uma poesia bela, seguindo os mol- Fosse e encantada música das
des parnasianos, como o rigor na forma [cordas,
e a utilização de elementos da mitologia
clássica. Constrói uma poesia com Qual se essa voz de Anacreonte
musicalidade, fazendo uso de assonân- [fosse.
cias e aliterações. Além disso, faz refe-
rências à natureza, dotada de vida e Vaso Chinês
colorido, e menciona seu desejo de amar,
Entranho mimo aquele vaso! Vi-o,
resquício do Romantismo.
Casualmente, uma vez, de um
Os poemas "Vaso Grego" e "Vaso [perfumado
Chinês" mostram a descrição de obje-
Contador sobre o mármor luzidio,
tos. Os parnasianos costumavam tam-
bém descrever figuras mitológicas, ce- Entre um leque e o começo de um
nas históricas e paisagens. [bordado.
— 243 —

Fino artista chinês, enamorado, Sei que um frêmito de asas


Nele pusera o coração doentio [multicores

Em rubras flores de um sutil Se ouvia. Eram insetos aos


[lavrado, [cardumes
Na tinta ardente, de um calor A rebolir, fosforescendo no ar.
[sombrio.
Era a Criação toda, aves e flores,
Mas, talvez por contraste à Flores e sol, e astros e vaga-lumes
[desventura, A amar... a amar... E que ânsia em
Quem o sabe?... de um velho mim de amar!
[mandarim
{Poesias, Rio de Janeiro, Garnier, 1912)
Também lá estava a singular figura;

Que arte em pintá-la! a gente


[acaso vendo-a, Raimundo Correia
Sentia um não sei quê com aquele (1850-1911)
[chim
De olhos cortados à feição de Raimundo da Mota Azevedo Cor-
[amêndoa. reia nasceu no litoral do Maranhão, a
Apud Massaud Moisés, A Literatura Brasileira através bordo de um navio, em 1850. Graduou-
dos textos, p. 241) se em Direito em São Paulo no ano de
1882. Exerceu o cargo de Juiz durante
muito tempo na Província do Rio de Ja-
De "Alma em Flor" neiro, em Minas Gerais e na Capital. Foi
II secretário das Finanças de Minas Ge-
rais em 1892 e professor de Direito em
Sei que um perfume intenso em Ouro Preto, no mesmo ano. Foi eleito
[tudo havia. para a Academia Brasileira de Letras e
Era, enfeitada e nova, a laranjeira, nomeado Segundo Secretário da Le-
gação do Brasil em Lisboa em 1897.
E o pomar verde pela vez primeira
Regressou à Pátria, exerceu novamen-
Florido; era na agreste serrania, te a magistratura e o magistério. De
Com os botões de ouro e a saúde frágil, realizava um tratamento
[espata luzidia de neurastenia na França, quando mor-
Rachando ao sol, a tropical reu em 1911.
[palmeira;
São suas obras: Primeiros Sonhos
Era o sertão, era a floresta inteira
(1879), Sinfonias (1883), Versos e Ver-
Que em corimbos, festões e luz sões (1887), Aleluias (1891), Poesias
[se abria. (1898) e Lucindo filho (1898).
— 244 —

Demonstrava busca angustiada Vai coa sombra crescendo o vulto


pela transcendência e espírito românti- [enorme
co. Apesar disso, é classificado como
Do baobá... E cresce n'alma o vulto
parnasiano por causa do apuro formal.
De uma tristeza, imensa,
Sua poesia é repleta de suges- [imensamente...
tões vagas e imprecisas e de musica-
lidade, assemelhando-se à poesia sim-
Fetichismo
bolista.
Homem, da vida as sombras
Escreveu poemas com temas mo-
[inclementes
ralizantes e tom pessimista. Costuma-
va utilizar como cenário a natureza e Interrogas em vão: - Que céus
ambientes noturnos, criando uma at- [habita
mosfera de magia e mistério. Deus? Onde essa região de luz
[bendita,
Banzo Paraíso dos justos e dos crentes?...

Visões que n'alma o céu do exílio Em vão tateiam tuas mãos trementes
[incuba,
As entranhas da noite erma, infinita,
Mortais visões! Fuzila o azul Onde a dúvida atroz blasfema e
[infando...
[grita,
Coleia, basilisco de ouro, ondeando E onde há só queixas e ranger de
O Níger... Bramem leões de fulva [dentes...
[juba...
A essa abóbada escura, em vão
Uivam chacais... Ressoa a fera tuba [elevas

Dos cafres, pelas grotas Os braçoQ para o Deus sonhado,


[retumbando, [e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno
E a estralada das árvores, que
[trevas...
[um bando
De paquidermes colossais derruba... Somente o vácuo estreita em teus
[braços;
Como o guaraz nas rubras penas E apenas, pávido, um ruído
[dorme,
[escutas
Dorme em nimbos de sangue o sol Que é o ruído dos teus próprios
[oculto... [passos!...
Fuma o saibro africano (Poesias completas, v. 1, São Paulo. Companhia Editora
[incandescente... Nacional. 1948)
— 245 —

Mal Secreto quarto ano, mas deixou-a para estudar


Direito em São Paulo, não chegando, mais
Se a cólera que espuma, a dor uma vez, a concluir o curso. Exerceu as
[que mora funções de jornalista, funcionário públi-
N'aima, e destrói cada ilusão que co e inspetor escolar. Extremamente
[nasce, patriota, é de sua autoria a letra do hino
Tudo o que punge, tudo o que à bandeira. Teve participação em cam-
[devora panhas cívicas, em defesa do serviço
militar obrigatório e contra o analfabetis-
O coração, no rosto se mo. Faleceu no Rio em 1918.
[estampasse;
Escreveu poesia (Poesias - 1888,
Se se pudesse, o espírito que Poesias Infantis - 1904, Tarde - 1919)
[chora, e prosa (Crônicas e Novelas - 1894,
Ver através da máscara da face, Ironia e Piedade - 1916, A Defesa Na-
cional- 1917, Bocage-1917), além de
Quanta gente, talvez, que inveja
livros didáticos.
[agora
Nos causa, então piedade nos Foi hábil no manejo da métrica e dos
[causasse! versos, construindo poemas de rara per-
feição formal, porém "superficiais como
Quanta gente que ri, talvez, visão do homem", como ressaltaram An-
3
tônio Cândido e José Aderaldo Castelo' .
[consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Profissão de Fé
Como invisível chaga cancerosa!
O poeta compara seu trabalho ao
Quanta gente que ri, talvez existe, do ourives, que grava com paciência
Cuja ventura única consiste imagens no ouro. Da mesma forma o
escritor cria seus poemas; atentando
Em parecer aos outros venturosa!
para a versificação e as rimas.
Poesia completa e p r o s a . Rio de Janeiro, José Aguilar,
1961, p. 135-136) Le poete est ciseleur,
Le ciseleur est poete.

Olavo Bilac Vítor Hugo

(1865-1918) Não quero o Zeus Capitolino,


Hercúleo e belo,
Olavo Brás Martins dos Guimarães
Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 1865. Trabalhar no mármore divino
Cursou a Faculdade de Medicina até o Com o camartelo.

IbKl, p. 377.
— 246 —

Que outro - não eu! - a pedra corte E que o lavor do verso, acaso,
Para, brutal, Por tão sutil,
Erguer de Atena o altivo porte Possa o lavor lembrar de um vaso
Descomunal. De Becerril.

Mais que esse vulto extraordinário, E horas sem conto passo, mudo,
Que assombra a vista,
O olhar atento,
Seduz-me um leve relicário
A trabalhar, longe de tudo
De fino artista.
O pensamento.
Invejo o ourives quando escrevo:
Porque o escrever - tanta perícia,
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo Tanta requer,

Faz de uma flor. Que ofício tal... nem há notícia


De outro qualquer.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo: Assim procedo. Minha pena
O alvo cristal, a pedra rara, Segue esta norma,
O ônix prefiro. Por te servir, Deusa serena,

Por isso, corre, por servir-me, Serena Forma!

Sobre o papel
Deusa! A onda vil, que se avoluma
A pena, como em prata firme
De um torvo mar,
Corre o cinzel.
Deixa-a crescer; e o lobo e a espuma
Corre; desenha, enfeita a imagem, Deixa-a rolar!
A idéia veste:
Blasfemo, em grita surda e horrendo
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste. ímpeto, o bando
Venha dos Bárbaros crescendo,
Torce, aprimora, alteia, lima
Vociferando...
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima, Deixa-o: que venha e uivando passe
Como um rubim. - Bando feroz!

Quero que a estrofe cristalina, Não se te mude a cor da face

Dobrada ao jeito E o tom da voz!


Do ourives, saia da oficina
{Poesias, São Paulo: Francisco Alvos, 1346,
Sem um defeito: pp.5-10)
— 247

Vía-láctea In Extremis
Nunca morrer assim! Nunca
"Via-láctea" compõe a segunda
[morrer num dia
parte do livro Poesias, constituída de
trinta e cinco sonetos. A temática cons- Assim! de um sol assim!
tante destes é o amor. Tu, desgrenhada e fria,
XX Fria! postos nos meus os teus
[olhos molhados,
Olha-me! O teu olhar sereno e
[brando E apertando nos teus os meus
[dedos gelados...
Entre-me o peito, como um largo
[rio E um dia assim! de um sol assim!
De ondas de ouro e de luz, [E assim a esfera
[límpido, entrando Toda azul, no esplendor do fim da
O ermo de um bosque tenebroso [primavera!
[e frio.
Asas, tontas de luz, cortando o
Fala-me! Em grupos doudejantes, [firmamento!
[quando
Ninhos cantando! Em flor a terra
Falas, por noites cálidas de [toda! O vento
[estilo,
Despencando os rosais,
As estrelas acendem-se, [sacudindo o arvoredo...
[radiando,
Altas, semeadas pelo céu E, aqui dentro, o silêncio... E este
[sombrio. [espanto! e este medo!
Nós dois... e, entre nós dois,
Olha-me assim! Fala-me assim! [implacável e forte,
[De pranto
A arredar-me de ti, cada vez
Agora, de ternura cheia, [mais, a morte...
Abre em chispas de fogo essa
[pupila... Eu, com o frio a crescer no
[coração, - tão cheio
E enquanto eu ardo em sua luz, De ti, até no horror do derradeiro
[enquanto [anseio!
Em seu fulgor me abraso, uma Tu, vendo retorcer-se
[sereia [amarguradamente,
Soluce e cante nessa voz A boca que beijava a tua boca
[tranqüila! [ardente,
(Poesia, Rio de Janeiro: Garnier, 1902) A boca que foi tua!
— 248 —

E eu morrendo! e eu morrendo, E s c r e v e u poesia (Ardentias -


1885; Relicário - 1888; Rosa, Rosa
Vendo-te, e vendo o sol, e vendo
de Amor - 1902; Poemas e Canções
[o céu, e vendo
- 1908; Versos da Mocidade - 1909)
Tão bela palpitar nos teus olhos, e prosa {Paginas Soltas- 1911; Luizi-
[querida, nha- 1924).
A delícia da vida! a delícia da vida!

[ApuoAntônio Candido e José Aderaldo Castelo, Francisca Júlia


Presença da Literatura Brasileira, pp. 384-385)
(1874-1920)

Francisca Júlia da Silva Munster


Outros autores nasceu em São Paulo em 1874 e fale-
ceu no mesmo estado em 1920. Escre-
veu Mármores (1895) e Esfinges (1903)
e foi fiel seguidora dos rígidos princípios
Vicente de Carvalho parnasianos.

(1866-1924)
Artur de Azevedo
Vicente Augusto de Carvalho nas-
ceu em Santos em 1866. Graduou-se (1855-1908)
em Direito em 1886. Exerceu as fun-
ções de advogado, político, juiz e de- Irmão de Aluísio Azevedo, ficou
sembargador. Defendeu idéias republi- mais conhecido como jornalista e come-
canas e abolicionistas; foi também fa- diógrafo. Retrata com fidelidade a soci-
zendeiro e negociante. Faleceu em São edade carioca do final do século, mar-
Paulo em 1924. cada pela vida boêmia.

Resumo do Parnasianismo

O Parnasianismo é a expressão do realismo no plano da poesia, coni uma


produção objetiva, direta, que nomeia os objetos e seres sem exageros senti-
mentais. Assim, muitas das características realistas são aplicadas ao
Parnasianismo.
— 249 —

Simbolismo
A publicação das obras Missal e Os poetas fecham-se numa "torre
Broquéis de Cruz e Sousa em 1893 de marfim" e fazem culto do vago e do
marca o início do movimento simbolista, misterioso.
que se estende até 1902, com a publi-
cação de Os Sertões, de Euclides da
Cunha e Canaã, de Graça Aranha, Cruz e Sousa
Diferentemente do Parnasianismo, (1861 - 1 8 9 8 )
seu contemporâneo, não se assemelha
em nenhum aspecto ao Realismo-Natu-
João da Cruz e Sousa nasceu em
ralismo. Aproxima-se do Romantismo por
Santa Catarina em 1861, filho de escra-
seu caráter subjetivo.
vos negros. Concluiu o curso secundá-
Os simbolistas procuram recupe- rio no Ateneu Provincial Catarinense e
rar a unidade entre o material e espiritu- passou a exercer a função de profes-
al, assim como os românticos. Contudo, sor. Faleceu em 1898, vítima de tuber-
diferem destes por buscá-la aqui mes- culose.
mo na terra e não em uma vida após a
morte. Escreveu Tropos e Fantasias
(1885), Missal (1893), Broquéis (1893),
Acreditam na idéia do místico sue- Evocações (1898), Faróis (1900), Últi-
co Swedenborg de que tudo que existe mos Sonetos (1905).
no mundo natural depende do mundo
espiritual e, portanto, todos os elemen- Além de ter introduzido o Simbolis-
tos da natureza são correspondências. mo no Brasil, Cruz e Souza foi o escritor
Os objetos do mundo real constituem mais significativo desse movimento em
símbolos do mundo espiritual e devem nosso país.
ser decifrados.
Recebeu influência dos realistas,
Influenciados também por Mallarmé, compondo textos marcados por profun-
consideram a poesia como expressão do pessimismo e materialismo, e dos
dos mistérios da existência humana e parnasianos, demonstrando excessiva
buscam a sugestão através do uso do preocupação com a forma.
símbolo. Este é usado para revelar um
estado de alma.
Antífona
A música é tida pelos simbolistas
como a arte que melhor realiza a suges- Neste poema encontramos elemen-
tão. Por isso, elaboram textos que ex- tos tipicamente simbolistas: vaguidão,
pressam musicalidade. fluidez, utilização de objetos litúrgicos
— 250 —

("incensos dos turíbulos das aras"), ima- de Virgens e de Santas


gens diurnas e noturnas, símbolos que [vaporosas...
despertam sensações e nos sensibili- Brilhos errantes, mádidas
zam para o transcendente. [frescuras
O poeta procura despertar os sen- e dolências de lírios e de rosas...
tidos do leitor: "Indefiníveis músicas su-
premas, harmonias da Cor e do Perfu- Indefiníveis músicas supremas,
me". Chama a atenção deste para o Mis- harmonias da Cor e do Perfume...
tério de seus versos e, sobretudo, para Horas do Ocaso, trêmulas,
o Mistério da própria existência huma- [extremas,
na. Aparecem figuras oníricas: "Do So-
Réquiem do Sol que a Dor da Luz
nho as mais azuis diafaneidades".
[resume...
A imagem da mulher surge sensu-
al, mas também idealizada: "Forças ori- Visões, salmos e cânticos serenos,
ginais, essência, graça de carnes de surdinas de órgãos flébeis,
mulher, delicadezas". [soluçantes...
Composto de imagens fortes e vi- Dormências de volúpicos
brantes e permeado de musicalidade, o [venenos
poema termina com a imagem da morte: sutis e suaves, mórbidos,
'Tropel cabalístico da Morte". [radiantes...
14
Alfredo Bosi, em seus estudos ,
Infinitos espíritos dispersos,
ressaltou que a utilização constante das
maiúsculas confere valor absoluto a inefáveis, edênicos, aéreos,
certos termos. Podemos citar alguns, no fecundai o Mistério destes versos
poema em questão: "Formas", "Amor", com a chama ideal de todos os
"Virgens", "Santas", "Cor", "Perfume", [mistérios.
"Ocaso", "Dor", "Luz", "Mistério", "So-
nho", "Verso", "Morte". Do sonho as mais azuis
[diafaneidades
Ó Formas alvas, brancas, Formas
que. fuljam, que na Estrofe se
[claras
[levantem
De luares, de neves, de neblinas!...
e as emoções, todas as
Ó Formas vagas, fluidas, [castidades
[cristalinas... da alma do Verso, pelos versos
Incensos dos turíbulos das aras... [cantem.

Formas do Amor, constelarmente Que o pólen de ouro dos mais


[puras, [finos astros

'"Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, p. 274.


— 251 —

fecundem e inflame a rima clara e


[ardente...
Alphonsus de Guimaraens
Que brilhe a correção dos (1870-1921)
[alabastros
sonoramente, luminosamente. Afonso Henriques da Costa Guima-
raens nasceu em Ouro Preto em 1870.
Forças originais, essência, graça Após a morte de sua prima e namorada
Constança, fica doente e vem para São
de carnes de mulher, delicadezas...
Paulo em 1891. Inicia o curso de Direito
Todo esse eflúvio que por ondas e passa a relacionar-se com poetas sim-
[passa bolistas. Já casado, exerce o cargo de
do Éter nas róseas e áureas juiz em Minas Gerais, até sua morte, em
[correntezas... 1921.

Escreveu Setenario das Dores de


Cristais diluídos de clarões álacres,
Nossa Senhora e Câmara Ardente
desejos, vibrações, ânsias, (1899), Dona Mística (1899), Kiriale
[alentos, (1902), Pauvre Lyre(1921), Pastoral aos
fulvas vitórias, triunfamentos acres, Crentes do Amor e da Morte (1923), A
Escada de Jacó (1938).
os mais estranhos
[estremecimentos... O tema mais recorrente em sua
Flores negras do tédio e flores poesia é a morte da amada, objeto de
[vagas sua idealização. Além deste, também
são freqüentes a devoção religiosa e a
de amores vão, tantálicos,
morte.
[doentios...
O poema a seguir é um dos mais
Fundas vermelhidões de velhas
famosos do escritor, contendo uma lin-
[chagas
guagem simples e pleno de musicalidade.
em sangue, abertas, escorrendo Nele utiliza redondilhas maiores, influ-
[em rios... ência da tradição lírica medieval. Ismália
pode ser considerada símbolo do an-
Tudo! vivo e nervoso e quente e
seio do ser humano pela transcendência.
[forte, A morte é encarada como meio de as-
nos turbilhões quiméricos do censão e liberação.
[Sonho,
passe, cantando, ante o perfil Ismália
[medonho Quando Ismália enlouqueceu,
e o tropel cabalístico da Morte... Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
{Apud Antônio Candido e José Aderaldo Castelo,
Presença da Literatura Brasileira, pp. 395-396) Viu outra lua no mar.
— 252 —

No sonho em que se perdeu, Escreveu apenas duas obras: Eu


Banhou-se toda em luar... (1912) e Eu e Outras Poesias (1919),
porém de grande valor literário.
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar... Sua poesia é marcada por um tom
pessimista e pela utilização de um voca-
E, no desvario seu, bulário científico e uma linguagem agres-
siva.
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu, Oscila entre elementos parnasianos
Estava longe do mar... (apuro formal) e simbolistas (musica-
lidade), sendo poeta de difícil classifica-
E como um anjo pendeu ção estética e também considerado pré-
modernista.
As asas para voar...
Queria a lua do céu, Como podemos perceber nas poe-
Queria a lua do mar... sias que se seguem, carece de um sen-
tido existencial e demonstra profunda
As asas que Deus lhe deu angústia diante da vida, que caminha
para o destino fatal: a morte e a desinte-
Rufiaram de par em par...
gração. Daí o sofrimento e a sensação
Sua alma subiu ao céu, de impotência em relação ao destino.
Seu corpo desceu ao mar...

{Clássicos da Poesia Brasileira, São Paulo: Klick Psicologia de um vencido


Editora, 1997,pp. 165-166)
Eu, filho do carbono e do
[amoníaco,

Augusto dos Anjos Monstro de escuridão e rutilância,

(1884-1914) Sofro, desde a epigênese da


[infância,
A influência má dos signos do
Augusto de Carvalho Rodrigues
[zodíaco.
dos Anjos nasceu no engenho Pau
D'Arco, no estado do Paraíba, em 1884. Profundissimamente
Formou-se no Liceu Paraibano e, poste-
[hipocondríaco,
riormente, graduou-se em direito no Re-
cife em 1905. Foi professor em João Este ambiente me acusa
Pessoa, depois se transferiu em 1910 [repugnância...
para o Rio de Janeiro e em 1913 foi para Sobe-me à boca uma ânsia
Leopoldina, Minas Gerais, onde atuou
[análoga à ânsia
como promotor e professor. Faleceu um
ano depois. Que se escapa da boca de um
[cardíaco.
— 253 —

Já o verme - este operário das Foi tua companheira inseparável!


[ruínas -
Acostuma-te à lama que te espera!
Que o sangue podre das
[carnificinas O Homem, que, nesta terra
Come, e à vida em geral declara [miserável,
[guerra, Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Anda a espreitar meus olhos para
[roê-los, Toma um fósforo. Acende teu
E há de deixar-me apenas os [cigarro!
[cabelos, O beijo, amigo, é a véspera do
Na frialdade inorgânica da ferra! [escarro,

(Clássicos da Poesia Brasileira, São Paulo: Kliok A mão que afaga é a mesma que
Editora, 1997, p. 175) [apedreja.

Versos íntimos Se a alguém causa inda pena a


[tua chaga,
Vês?! Ninguém assistiu ao
[formidável Apedreja essa mão vil que te
[afaga,
Enterro de tua última quimera.
Escarra nessa boca que te beija!
Somente a Ingratidão - esta
[pantera - (totó, p. 177)

Resumo do Simbolismo
Momento socio-cultural vida, mas sem nomear esses misté-
rios. Deve sugeri-los, utilizando o som
• O fim do século XIX é de profundo
e o símbolo.
pessimismo e desánimo. A civiliza-
• Em suma, a poesia simbolista é mis-
ção industrial produz desencanto e
tério e imprecisão.
vazio, vazio este que leva o homem
a procurar o espiritual e o absoluto. Autores e obras
Características literárias • Cruz e Sousa: o mais importante
simbolista brasileiro (e um dos maio-
• Essa ânsia pelo absoluto leva os sim- res do mundo). Escreveu M/ssai
bolistas a tentarem unificar matéria ( 1 8 9 3 ) , Broquéis ( 1 8 9 3 ) , Faróis
e espírito por meio de urna arte que (1900), Últimos Sonetos (1905).
é pura sugestão, fluidez e musica- • Alphonsus de Guimaraens: autor
lidade, negando a poesia fria dos de obra mística e que idealiza a ama-
parnasianos. da morta. Deixou Setenário das Do-
• Para os simbolistas a poesia deve res de Nossa Senhora (1889), Kiriale
expressar os mistérios da alma e da (1902), A Escada de Jacó (1938).
— 254 —

Pré-Modernismo

No Brasil do começo do século XX, renovadoras, apresentando novas con-


os proprietários rurais de São Paulo e cepções estéticas e temáticas.
Minas Gerais compõem a elite dominan-
Marcam o início deste período, que
te da República Velha, que vai de 1894 a
não pode ser considerado uma estética
1930. A economia tem por base a dupla
literária, as obras Os Sertões, de Eucli-
"café com leite", ou seja, centra-se na
des da Cunha, e Canaã, de Graça Ara-
lavoura cafeeira e na pecuária.
nha. Estende-se até 1922, quando ocor-
Por outro lado, há um aumento da reu a Semana de Arte Moderna e princi-
industrialização e um crescimento da piou o Modernismo no Brasil.
classe operária. Cada vez mais imigran-
tes europeus dirigem-se ao centro-sul e
os negros, recém-libertados, compõem Euclides da Cunha
a classe marginalizada em vários pon- (1866-1909)
tos do país.
Euclides Rodrigues da Cunha nas-
Com a ascensão do caté de São
ceu em Cantagalo, Rio de Janeiro, em
Paulo, a cultura canavieira do Nordeste
1866. Após os estudos secundários,
entra em decadência.
cursou a Escola Politécnica, mas aban-
Ex-escravos, imigrantes e proleta- donou-a por motivos financeiros e mu-
riado integram a camada menos favore- dou-se para a Escola Militar, saindo des-
cida da sociedade, ao contrário da clas- ta como tenente e engenheiro. Seguiu
se conservadora, detentora de dinheiro também a carreira jornalística, que lhe
e poder. Este quadro gera uma série de propiciou a ida, como correspondente
revoltas por várias regiões do país. En- do jornal O Estado de São Paulo, para o
tre os acontecimentos estão: No nor- arraial de Canudos, no sertão baiano.
deste - fenômeno do cangaço, fanatis- Em seguida vai para São José do Rio
mo religioso centrado na figura do pa- Pardo, onde escreve Os sertões, publi-
dre Cícero, guerra de Canudos; no Rio cado em 1902 e responsável por sua
de Janeiro - revolta contra a vacina obri- notoriedade. Entrou para a Academia
gatória contra a febre amarela e Revolta
Brasileira de Letras e foi professor de
da Chibata; em São Paulo - greves ope-
Lógica no Colégio Pedro II, em 1909.
rárias; no sul - Guerra do Contestado.
Morreu assassinado nesse mesmo ano.

Nesse contexto desenvolvem-se Escreveu também Peru versus Bo-


tendências conservadoras ainda influ- lívia - 1907, Contraste e Confrontos -
enciadas pelo Realismo-Naturalismo, 1907, À Margem da História - 1909, Ca-
Parnasianismo e Simbolismo e atitudes nudos (Diário de uma Expedição) -1939.
— 255 —

Os Sertões va-o a postura normalmente abatida,


num manifestar de displicência que lhe
Os Sertões analisam o conflito dá um caráter de humildade deprimen-
ocorrido entre 1896 e 1897 em Canu- te. A pé, quando parado, recosta-se
dos, no sertão da Bahia. Influenciado invariavelmente ao primeiro umbral ou
parede que encontra; a cavalo, se so-
pelo determinismo positivista, Euclides
freia o animal para trocar duas pala-
da Cunha dividiu a obra em três partes:
vras com um conhecido, cai logo sobre
"A terra", que faz a descrição dos as-
um dos estribos, descansando sobre a
pectos físicos do sertão baiano, onde
espenda da sela. Caminhando, mesmo
ocorreu o conflito; "O Homem", que apre-
a passo rápido, não traça trajetória
senta o sertanejo como resultado da
retilínea e firme. Avança celeremente,
mestiçagem, enfatizando a figura do
num bambolear característico, de que
beato carismático Antônio Conselheiro
parecem ser o traço geométrico os me-
como produto do meio físico e social e
andros das trilhas sertanejas. E se na
"A luta", em que narra o desenvolvi-
marcha estaca pelo motivo mais vulgar,
mento do conflito e a destruição do ar-
para enrolar um cigarro, bater o isquei-
raial de Canudos.
ro, ou travar ligeira conversa com um
O escritor utilizou extenso e raro amigo, cai logo - cai é o termo - de
cócoras, atravessando largo tempo
vocabulário, por diversas vezes extraí-
numa posição de equilíbrio instável, em
do da linguagem científica, explorou as
que o seu corpo fica suspenso pelos
possibilidades sintáticas da língua e pro-
dedos grandes dos pés, sentado sobre
curou intensificar e engrandecer os fa-
os calcanhares, com uma simplicidade
tos de sua narrativa.
a um tempo ridícula e adorável.
///
É o homem permanentemente fati-
O sertanejo é, antes de tudo, um gado.
forte. Não tem o raquitismo exaustivo
dos mestiços neurasténicos do litoral. Reflete a preguiça invencível, a
atonia muscular perene, em tudo; na
A sua aparência, entretanto, ao
palavra remorada, no gesto contrafeito,
primeiro lance de vista, revela o contrá-
no andar desaprumado, na cadência
rio. Falta-lhe a plástica impecável, o de-
langorosa das modinhas, na tendência
sempeño, a estrutura corretíssima das
constante à imobilidade e à quietude.
organizações atléticas.
Entretanto, toda esta aparência de
É desgracioso, desengonçado, tor-
cansaço ilude.
to, Hércules-Quasímodo, reflete no as-
pecto a fealdade típica dos fracos. O Nada é mais supreendedor do que
andar sem firmeza, sem aprumo, quase vê-la desaparecer de improviso. Naquela
gingante e sinuoso, aparenta a trans- organização combalida operam-se, em
lação de membros desarticulados. Agra- segundos, transmutações completas.
— 256 —

Basta o aparecimento de qualquer inci-


dente exigindo-lhe o desencadear das
Lima Barreto
energias adormidas. O homem transfi- (1881 - 1 9 2 2 )
gurou-se. Empertiga-se, estadeando no-
vos relevos, novas linhas na estatura e Afonso Henriques de Lima Barreto
no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, nasceu no Rio de Janeiro em 1881. Con-
sobre os ombros possantes, aclarada cluído o curso secundário, ingressou na
pelo olhar desassombrado e forte; e cor- Escola Politécnica, mas deixou-a para
rigem-se-lhe, prestes, numa descarga assumir a Diretoria do Expediente da
nervosa instantânea, todos os efeitos Secretaria da Guerra.
do relaxamento habitual dos órgãos; e
Vítima de depressão e alcoolismo,
da figura vulgar do tabaréu canhestro,
foi internado duas vezes no Hospício
reponta, inesperadamente, o aspecto do-
Nacional. Faleceu em 1922 de colapso
minador de um titã acobreado e potente,
cardíaco.
num desdobramento surpreendente de
força e agilidade extraordinárias. Estão entre suas obras Recorda-
ções do Escrivão Isaías Caminha
Este contraste impõe-se ao mais
(1909), Triste Fim de Policarpo Qua-
leve exame. Revela-se a todo o momen-
resma (1915), Numa e a Ninfa (1915),
to, em todos os pormenores da vida ser-
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
taneja - caracterizado sempre pela inter- (1919), Bagatelas (1923), Os Bruzun-
cadência impressionadora entre extre- dangas (1923), Clara dos Anjos (publi-
mos impulsos e apatías longas. cação póstuma em 1948).
É impossível idear-se cavaleiro mais Com um estilo simples, Lima Barreto
chucro e deselegante; sem posição, procurava escrever para as camadas
pernas coladas ao bojo da montaria, tron- populares, conscientizando-as sobre a
co pendido para a frente e oscilando à situação de exploração a que eram sub-
feição da andadura dos pequenos ca- metidas, além de fazer uma crítica a pre-
valos do sertão, desferrados e maltra- conceitos de qualquer espécie.
tados, resistentes e rápidos como pou-
cos. Nesta atitude indolente, acompa-
nhando morosamente, a passo, pelas Triste Fim de Policarpo Quaresma
chapadas, o passo tardo das boiadas,
O romance divide-se em três par-
o vaqueiro preguiçoso quase transfor-
tes, todas relacionadas à vida do per-
ma o campião que cavalga na rede
sonagem central: o quixotesco Policarpo
amolecedora em que atravessa dois ter-
Quaresma, subsecretário no Arsenal de
ços da existência.
Guerra. Extremamente patriota e nacio-
(...) nalista, valoriza o violão, a modinha e o
(Euclides da Cunha, Os Sertões, Rio de Janeiro: folclore e anseia pelo estabelecimento
Francisco Alves, 1995, pp. 129-131) do tupi como língua oficial.
— 257 —

Tido como louco, vai para o hospí- podia levar um trem de vida superior
cio. Em seguida dedica-se à agricultura. aos seus recursos burocráticos, go-
Na revolta contra o Marechal Floriano, zando, por parte da vizinhança, da con-
apresenta-se para servi-lo, chefia uma sideração e respeito de homem abas-
guarnição, mas é preso como traidor e tado.
condenado à morte.
Não recebia ninguém, vivia num
/ isolamento monacal, embora fosse cor-
tês com os vizinhos que o julgavam es-
A LIÇÃO DE VIOLÃO quisito e misantropo. Se não tinha ami-
Como de hábitos, Policarpo Qua- gos na redondeza, não tinha inimigos,
resma, mais conhecido por Major Qua- e a única desafeição que merecera,
resma, bateu em casa às quatro e quin- fora a do doutor Segadas, um clínico
ze da tarde. Havia mais de vinte anos afamado no lugar, que não podia admi-
que isso acontecia. Saindo do Arsenal tir que Quaresma tivesse livros: "Se não
de Guerra, onde era subsecretário, era formado, para quê? Pedantismo!"
bongava pelas confeitarias algumas
O subsecretário não mostrava os
frutas, comprava um queijo, às vezes,
livros a ninguém, mas acontecia que,
e sempre o pão da padaria francesa.
quando se abriam as janelas da sala de
Não gastava nesses passos nem sua livraria, da rua poder-se-iam ver
mesmo uma hora, de forma que, às três as estantes pejadas de cima abaixo.
e quarenta, por aí assim, tomava o bon-
Eram esses os hábitos; ultimamen-
de, sem erro de um minuto, ia pisar a
te, porém, mudara um pouco; e isso pro-
soleira da porta de sua casa, numa rua
vocava comentários no bairro. Além do
afastada de São Januário, bem exata-
compadre e da filha, as únicas pesso-
mente às quatro e quinze, como se fos-
as que o visitavam até então, nos últi-
se a aparição de um astro, um eclipse,
enfim um fenômeno matematicamente mos dias, era visto entrar em sua casa,
determinado, previsto e predito. três vezes por semana e em dias cer-
tos, um senhor baixo, magro, pálido,
A vizinhança já lhe conhecia os com um violão agasalhado numa bolsa
hábitos e tanto que, na casa do Capitão de camurça. Logo pela primeira vez o
Cláudio, onde era costume jantar-se aí caso intrigou a vizinhança. Um violão
pelas quatro e meia, logo que o viam em casa tão respeitável! Que seria?
passar, a dona gritava à criada: "Alice,
olha que são horas; o Major Quaresma E, na mesma tarde, uma das mais
já passou." lindas vizinhas do major convidou uma
amiga, e ambas levaram um tempo per-
E era assim todos os dias, há qua- dido, de cá para lá, a palmilhar o pas-
se trinta anos. Vivendo em casa pró- seio, esticando a cabeça, quando pas-
pria e tendo outros rendimentos além savam diante da janela aberta do es-
do seu ordenado, o Major Quaresma quisito subsecretário.
— 258 —

Não foi inútil a espionagem. Sen- se em Direito e foi promotor em Areias.


tado no sofá, tendo ao lado o tal sujei- Herdou a propriedade dos avós e tor-
to, empunhando o "pinho" na posição nou-se fazendeiro, mas depois se mu-
de tocar, o major, atentamente, ouvia: dou para São Paulo. Comprou a Revista
"Olhe, major, assim". E as cordas vi- do Brasil e iniciou a Editora Monteiro
bravam vagarosamente a nota ferida; Lobato. De 1927 a 1931 trabalhou como
em seguida, o mestre aduzia: "É 'ré', adido comercial do Brasil nos Estados
aprendeu?" Unidos. Ao retornar, fundou a Compa-
nhia Petróleo do Brasil e liderou a campa-
Mas não foi preciso pôr na carta; a
nha do ferro. Em 1941 é preso e após
vizinhança concluiu logo que o major
sua saída exila-se na Argentina, onde
aprendia a tocar violão. Mas que cousa?
fica por algum tempo. Faleceu em 1948.
Um homem tão sério metido nessas ma-
landragens! Escreveu Urupês (1918), Idéias de
Jeca Tatu (1919), Cidades Mortas (1919),
(...)
Negrinha (1920), O Macaco que se Fez
(Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, São Homem (1923), entre outras obras.
Paulo: Ática 1990. p. 19-20)
Ao compor seu conhecido perso-
nagem Jeca Tatu, denunciou as maze-
Monteiro Lobato las sociais do interior paulista por meio
(1882-1948) da caricatura do caboclo.
Produziu extensa e rica obra para
José Bento Monteiro Lobato nasceu crianças, que o consagrou como maior
em Taubaté, São Paulo, em 1882. Graduou- autor infanto-juvenil do país.

Resumo do Pré-modernismo
Momento sócio-cultural Autores e obras
• Parte do Brasil se industrializa e se • Euclides da Cunha: jornalista, es-
urbaniza rapidamente. Milhares de creveu Os Sertões (1902), obra-pri-
imigrantes europeus se estabelecem
ma que relata a guerra de Canudos.
no país. Enquanto o Centro-sul se
• Lima Barreto: escritor simples e ob-
moderniza, conflitos em regiões como
jetivo, denunciou os vícios e precon-
Canudos expõem a miséria de gran-
de parte do país. ceitos da sociedade brasileira. Escre-
veu Triste Fim de Policarpo Quares-
Características literárias ma (1915), Clara dos Anjos (1948).
• Esse período é uma transição para o • Monteiro Lobato: denunciou muitos
Modernismo e não possui os traços problemas nacionais, em obras como
de uma escola literária. Vemos o ini- Urupês (1918), Idéias de Jeca Tatu
cio de tendências e temas que se (1919), Cidade Mortas (1919), Negri-
firmam no Modernismo. nha (1920).
— 259 —

Modernismo
O movimento modernista teve início fase (1945 até a atualidade), também
em São Paulo, com a Semana de Arte conhecida como Pós-Modernismo.
Moderna, em 1922. Logo em seguida ex-
pandiu-se por todo o país, renovando a
idéia de literatura e de escritor.

Os autores desse período deseja-


Antecedentes e a
vam expressar-se livremente, privilegi- Semana de Arte
ando como tema a realidade brasileira.

A linguagem torna-se mais coloqui-


Moderna
al, semelhante à nossa fala, e afasta-se
dos moldes portugueses.
Descontentes com a literatura pro-
Os acontecimentos da modernidade duzida no Realismo-Naturalismo, Parna-
passam a receber maior enfoque, so- sianismo e Simbolismo, os escritores
oretudo os que se referem à civilização pré-modernistas já tinham dado indícios
ndustrial, com suas máquinas e seu rit- de renovações na linguagem e no modo
mo acelerado de vida, percebido tam- de enxergar a situação social brasileira.
bém nas cenas quotidianas.
Alguns jovens intelectuais brasilei-
Por diversas vezes, os autores fa- ros tomaram contato com as Vanguar-
zem uso do humor em seus textos, in- das Européias (Futurismo de Marinetti,
troduzindo algo novo na literatura, pois Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo,
até então o humorismo era considerado Surrealismo) e foram por elas influenci-
de mau-gosto e fora dos padrões esté- ados, como se fez perceber na Sema-
ticos. na de Arte Moderna. O Manifesto Futu-
rista, de Marinetti, publicado em Paris
O Modernismo apresentou três fa- em 1909, foi também publicado no Bra-
a
ses distintas: 1 . fase - destruidora sil, no mesmo ano, nos jornais A Repú-
¡1922-1930) - marcada pela ruptura com
blica, do Rio Grande do Norte e Jornal
as tradições literárias, "poema-piada",
de Notícias, da Bahia.
profundo nacionalismo, primitivismo,
aversão ao nosso passado histórico; Oswald de Andrade em 1912 via-
2ª. fase - edificadora (1930-1945) - jou à Europa e, influenciado pelas ten-
caracterizada pela construção de uma dências na arte e literatura européias
fteratura renovadora, que origina a fic- do momento, retornou ao Brasil e divul-
ção nordestina e regional e o romance gou-as, propondo mudanças na arte e
a
urbano, psicológico e introspectivo; 3 . literatura brasileiras.
— 260 —

O pintor Lasar Segall em 1913 fez Bandeira e Ribeiro Couto. Além disso, Mário
uma exposição, influenciada pelas Van- de Andrade fez uma pequena palestra
guardas Européias, em São Paulo. Em sobre a exposição de artes plásticas, se-
1914 foi a vez de Anita Malfatti, ocasião guido do bailado de Yvonne Daumerle e
em que recebeu severas críticas de do concerto de Guiomar Novais.
Monteiro Lobato. Já no ano de 1915 Ro-
No dia 17, Villa Lobos fez um con-
nald de Carvalho colaborou com a publi-
certo e foi muito vaiado.
cação da revista Orpheu, que marca o
início do Modernismo na literatura portu-
guesa.

Em 1917 várias obras renovado-


Conseqüências da
ras foram publicadas: Há uma gota de
sangue em cada poema, de Mário de
Semana de Arte
Andrade; Juca Mulato, de Menotti Del
Picchia; Nós, de Guilherme de Almeida;
Moderna
Carrilhões, de Murilo Araújo.
Em 1922, a revista Klaxon foi pu-
No ano de 1922, centenário da In- blicada, paralelamente ao surgimento da
dependência, o país vivia um período de corrente dinamista, ligada ao Futuris-
intenso desenvolvimento urbano e in- mo e à corrente primitivista, relacio-
dustrial, favorável ao evento ocorrido nada ao inconsciente e às raízes primi-
na semana de 11 a 18 de fevereiro, no tivas brasileiras.
Teatro Municipal de São Paulo. Foram
expostos quadros e esculturas e acon- Escrito por Oswald de Andrade em
teceram recitais e conferências. Paris, o Manifesto Pau-Brasil é publi-
cado no Correio da Manhã em 1924.
Graça Aranha e Ronald de Carva- Desejava-se a produção de uma poesia
lho foram os conferencistas da noite de autenticamente brasileira e de exporta-
13 de fevereiro, quando poemas foram ção, valorizando estados primitivos da
declamados por Guilherme de Almeida e cultura brasileira.
pelo próprio Ronald de Carvalho, além
da apresentação de peças musicais por O manifesto mais radical da primei-
Villa Lobos e Ernâni Braga. ra fase modernista foi o Manifesto An-
tropófago, publicado na Revista de An-
No dia 15, Menotti de Picchia discur- tropofagia, em 1928. Caracterizava-sé
sou e contou com a presença de Guilher- pela devoração da cultura européia, que
me de Almeida, Ronald de Carvalho, Elísio deveria ser reelaborada de forma autô-
de Carvalho, Oswald de Andrade, Rena- noma.
to Almeida, Luís Aranha, Mário de
Andrade, Agenor Barbosa, Moacir de Houve também o Manifesto Verde-
Abreu, Rodrigues de Almeida e Sérgio Amarelo, que criticava o "nacionalismo
Milliet. Foram lidos poemas de Manuel importado" de Oswald de Andrade. Foi
— 261 —

liderado por Menotti de Picchia, Cassiano sos livres e abandonam as formas fi-
Ricardo e Plínio Salgado e marcado pela xas, como o soneto. A linguagem colo-
defesa de um nacionalismo ufanista, quial é recorrente, assim como a au-
tendendo para o conservadorismo. O sência de pontuação. Combatem valo-
grupo autodenominou-se Escola de res tradicionais; valorizam elementos
Anta e identificou-se com o Integralismo. do cotidiano e do progresso; reescre-
vem textos do passado, com lirismo ou
parodiando-os; as linguagens da poe-
sia e da prosa aproximam-se; são em-
Primeira Geração pregados períodos curtos e utiliza-se a
metalinguagem.
do Modernismo
(1922-1930)
Mário de Andrade
Durante as primeiras décadas do
(1893-1945)
século XX, ocorrem algumas mudanças
na economia brasileira. A industrializa- Mário Raul de Morais Andrade nas-
ção cresce, sobretudo em São Paulo, ceu em São Paulo em 1893. Formou-se
importa-se mão-de-obra, tanto para a no Conservatório Dramático e Musical,
lavoura cafeeira como para as indústri- onde posteriormente lecionou História
as. O anarquismo é trazido pelos italia- da Música. Trabalhou como professor
nos, provocando protestos, reivindica- de piano, jornalista e funcionário públi-
ções e greves, ou seja, lutas por melho- co. Em 1934 passou a dirigir o Departa-
res condições de trabalho. Mas a eco- mento de Cultura da Prefeitura de São
nomia ainda centrava-se na cafeicultu- Paulo, permanecendo até 1937. Um ano
ra paulista e na pecuária mineira. Entre depois se transferiu para o Rio de Ja-
os anos de 1922 a 1930 intensifica-se o neiro. Foi crítico literário, professor de
Tenentismo, cria-se a Coluna Prestes e Estética na Universidade do Distrito Fe-
o Partido Comunista é considerado ile- deral e idealizou a Enciclopédia Brasi-
gal pelo governo. leira do Ministério da Educação. No ano
Em 1929 o preço do café no mer- de 1940 retornou a São Paulo, onde foi
cado internacional cai, devido à quebra funcionário do Serviço do Patrimônio
da Bolsa de Nova Iorque, e muitos fa- Histórico e faleceu em 1945.
zendeiros vão à falência. Imigrantes são
Além da literatura, Mário de Andra-
presos pela participação em greves.
de era um amante e estudioso da músi-
Getúlio Vargas é candidato à presidên-
ca, das artes plásticas e do folclore
cia da República.
brasileiro. Desejava construir os alicer-
Durante a primeira fase modernis- ces de uma cultura verdadeiramente
ta. os escritores fazem uso dos ver- nacional.
— 262 —

Escreveu poesia (Há uma gota de senta o pensamento primitivo, passan-


sangue em cada poema - 1 9 1 7 ; do por uma série de mágicas transfor-
Paulicéia Desvairada - 1922; Losango mações, sempre guiado pelo prazer e
Caqui - 1926; Clã do Jabuti - 1927; pelo medo. Tinha por meta a busca da
Remate de Males - 1930; Poesias - muiraquitã, pedra talismã presente de
1 9 4 1 ; Lira Paulistana - 1946); ficção sua companheira Ci-Mãe do Mato (já
(Amar, Verbo Intransitivo - 1 9 2 7 ; transformada na estrela Beta do Cen-
Macunaíma - 1928; Contos Novos - tauro), que o gigante Venceslau Pietro
1946); ensaio (A Escrava que não é Pietra havia furtado. Macunaíma vem
Isaura - 1925; O Empalhador de Pas- para São Paulo com este objetivo, acom-
sarinho - 1944); crônica (Os filhos de panhado pelos irmãos Maanape e Jiguê.
Candinha - 1943); musicologia e folclo- O personagem passa tranqüilamente por
re; História da Arte; cartas. espaços e tempos diversos. Ao término
do livro, Macunaíma transforma-se na
constelação Ursa Maior.
Macunaíma

Fruto de anos de pesquisa sobre o /. Macunaíma


folclore nacional, o texto foi redigido em
No fundo do mato-virgem nasceu
uma semana no ano de 1926, mas veio
Macunaíma, herói de nossa gente. Era
a público apenas dois anos depois.
preto retinto e filho do medo da noite.
Estruturado em dezessete capítu- Houve um momento em que o silêncio foi
los e um epílogo, o texto é classificado tão grande escutando o murmurejo do
pelo próprio Mário de Andrade como rap- Uraricoera, que a índia tapanhumas pa-
sódia, termo aplicado à música. Rapsó- riu uma criança feia. Essa criança é que
dia musical é uma composição que tem chamaram de Macunaíma.
como base melodias populares ou fol-
clóricas. O livro é classificado como rap- Já na meninice fez coisas de sara-
sódia, pois reúne motivos populares, pantar. De primeiro passou mais de seis
folclóricos e culturais brasileiros. anos não falando. Si o incitavam a falar
exclamava:
A obra demonstra a preocupação
modernista de aproximar-se da lingua- -Ai! que preguiça!...
gem falada, agrupando termos de diver-
e não dizia mais nada. Ficava no
sas regiões e de diferentes origens (po-
canto da maloca, trepado no jirau de
pulares, indígenas).
paxiúba, espiando o trabalho dos ou-
O trecho a seguir integra o primeiro tros e principalmente os dois manos que
capítulo do livro, em que o protagonista tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na
da história, Macunaíma, "o herói sem força de homem. O divertimento dele era
nenhum caráter", nos é apresentado. decepar cabeça de saúva. Vivia deita-
Seu nome, de origem indígena, significa do mas si punha os olhos em dinheiro,
"o grande mal". O personagem repre- Macunaíma dandava pra ganhar vintém.
— 263 —

E também esperava quando a família ia a 1912 viajou à Europa, de onde retornou


tomar banho no rio, todos juntos e nus. com idéias renovadoras na arte e na
Passava o tempo do banho dando mer- literatura. Formou-se em Direito em 1919.
gulho, e as mulheres soltavam gritos Foi amigo de Mário de Andrade e Di Ca-
gozados por causa dos guaimuns diz- valcanti, com quem planejou as mudan-
que habitando a água doce por lá. No ças literárias. Faleceu em 1953 na cida-
mucambo si alguma cunhatã se aproxi- de natal.
mava dele para fazer festinha, Macu-
Escreveu poesia (Pau Brasil-1925,
naíma punha a mão nas graças dela,
Primeiro Caderno de Poesia do Aluno
cunhatã se afastava. Nos machos guspia
Oswald de Andrade - 1927, Poesias
na cara. Porém respeitava os velhos e
Reunidas • 1945); romances (Os Con-
freqüentava com aplicação a murua a
denados - 1922, Memórias Sentimen-
poracê o torê o bacorocô a cucuicogue,
tais de João Miramar - 1924, Serafim
todas essas danças religiosas da tribo.
Ponte Grande - 1933J; teatro (A morta -
Quando era pra dormir trepava no 1937, O Rei da Vela - 1937); ensaios
macuru pequenininho sempre se esque- (Ponta de Lança-1945); memórias (Um
cendo de mijar. Como a rede da mãe Homem sem Profissão - 1954).
estava debaixo do berço, o herói mijava A poesia de Oswald de Andrade
quente na velha, espantando os mos- comporta elementos das vanguardas
quitos bem. Então adormecia sonhando européias, sobretudo o Cubismo e o
palavras feias, imoralidades estram- primitivismo do Dadaísmo. Realiza uma
bólicas e dava patadas no ar. crítica à sociedade brasileira, com hu-
mor e estilo coloquial.
Nas conversas das mulheres no
pino do dia o assunto eram sempre as A "Poesia Pau-Brasil", resultou
peraltagens do herói. As mulheres se riam numa poesia "de exportação", incorpo-
muito simpatizadas, falando que "espinho rando "antropofagicamente" a cultura
que pinica, de pequeno já traz ponta", e estrangeira, como faziam os índios an-
numa pajelança Rei Nagô fez um discur- tropófagos com seus inimigos, a fim de
so e avisou que o herói era inteligente. absorverem suas qualidades.

(...) Manifesto Antropófago


(Mário de Andrade, Macunaíma, São Paulo: Klick
(fragmentos)
Editora, 1999, p. 13)
Só a Antropofagia nos une. Social-
mente. Economicamente. Filosoficamente.
Oswald de Andrade
(1890-1953) Única lei do mundo. Expressão mas-
carada de todos os individualismos, de
José Oswald de Sousa Andrade todos os coletivismos. De todas as reli-
nasceu em São Paulo em 1890. De 1911 giões. De todos os tratados de paz.
— 264 —

(...)

Tupi, or not tupi that is the question. A luta entre o que se chamaria
Incriado e a Criatura - ilustrada pela con
tradição permanente do homem e o seu
Tabu. O amor cotidiano e o modus-vivendi
Contra todas as catequeses. E con-
capitalista. Antropofagia. Absorção do
tra a mãe dos Gracos.
inimigo sacro. Para transformá-lo em
totem. A humana aventura. A terrena
finalidade. Porém, só as puras elites con-
Só me interessa o que não é meu.
seguiram realizar a antropofagia carnal,
Lei do homem. Lei do antropófago.
que traz em si o mais alto sentido da
vida e evita todos os males identifica-
dos por Freud, males catequistas. O que
(...)
se dá não é uma sublimação do instinto,
Tínhamos a justiça codificação da sexual. É a escala termométrica do ins-
vingança. A ciência codificação da Ma- tinto antropofágico. De carnal, ele se
gia. A Antropofagia. A transformação torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o
permanente do Tabu em totem. amor. Especulativo, a ciência. Desvia-
se e transfere-se. Chegamos ao avilta-
mento. A baixa antropofagia aglomera-
(...) da nos pecados de catecismo - a inve-
ja, a usura, a calúnia, o assassinato.
De William James a Voronoff. A
Peste dos chamados povos cultos e
Transfiguração do Tabu em totem. An-
cristianizados, é contra ela que estamos
tropofagia.
agindo. Antropófagos.

(...)
(...)
Antes dos portugueses descobri-
Contra a realidade social, vestida e
rem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a
opressora, cadastrada por Freud - a
felicidade.
realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituição e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.
(...)
Somos concretistas. As idéias to- Oswald de Andrade
mam conta, reagem, queimam gente nas Em Piratininga.
praças públicas. Suprimamos as idéias Ano 374 da Deglutição do Bispo
e as outras paralisias. Pelos roteiros.
Sardinha.
Acreditar nos sinais, acreditar nos ins-
trumentos e nas estrelas. Revista de Antropofagia, Ano I, N 1,s

maio de 1928.
— 265 —

Pneumotórax
Manuel Bandeira
Febre, hemoptise, dispnéia e
(1884-1968)
[suores noturnos.

Manuel Carneiro de Sousa Bandei- A vida inteira, que podia ter sido
ra Filho nasceu no Recife, Pernambuco, [e que não foi.
em 1886. Realizou os estudos secun- Tosse, tosse, tosse.
dários no Rio de Janeiro, no Colégio
Pedro II. Iniciou o curso de Engenharia
Mandou chamar o médico:
em São Paulo, mas devido à tuberculo-
se que contraíra teve que deixá-lo. Em - Diga trinta e três.
busca de melhora, foi para diversos lu- - Trinta e três... trinta e três...
gares, entre eles a Suíça. Iniciada a Pri- [trinta e três...
meira Guerra, retorna ao Brasil, vindo a
- Respire.
publicar em 1917 seu primeiro livro, A
Cinza das Horas. Além de escritor, foi
também jornalista, inspector do ensino - O senhor tem uma escavação
secundário, professor no Colégio Pedro [no pulmão esquerdo
II e na Faculdade Nacional de Filosofia, [e o pulmão direito infiltrado.
vindo a aposentar-se em 1956. Foi mem-
- Então, doutor, não é possível
bro da Academia Brasileira de Letras.
[tentar o pneumotórax?
Faleceu no Rio de Janeiro em 1968.
- Não, a única coisa a fazer é
Escreveu poesias {Carnaval - [tocar um tango argentino.
1919, Libertinagem - 1930, Estrela da
( A p u d Massaud Moisés, A literatura brasileira através
Manhã- 1936, Estrela da Tarde- 1963, dos textos, p. 417)
Estrela da Vida Inteira - 1966) e prosa
{Itinerário de Pasárgada- 1954, Frauta
de Papel- 1957). Poética
Estou farto do lirismo comedido
Soube adequar muito bem a poesia
à linguagem coloquial da primeira fase Do lirismo bem-comportado
modernista, além de manejar com per- Do lirismo funcionário público com
feição os versos livres, dotando-os de [livro de ponto expediente
ritmo. Tornou-se um "clássico" entre os [protocolo e manifestações de
modernistas, pois expressava com sim- [apreço ao sr. diretor
plicidade os sentimentos mais profun-
dos do ser humano. Não se submeteu a Estou farto do lirismo que pára e
formas literárias fixas, mas produziu uma [vai averiguar no dicionário o
obra poética rica em lirismo, mesmo ao [cunho vernáculo de um vocábulo
tratar de fatos do cotidiano. Abaixo os puristas
— 266 —

Todas as palavras sobretudo os Estavam todos voltados para a vida


[barbarismos universais Absortos na vida
Todas as construções sobretudo Confiantes na vida.
[as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os Um no entanto se descobriu num
[inumeráveis [gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Estou farto do lirismo namorador
Este sabia que a vida é uma
Político
[agitação feroz e sem finalidade
Raquítico
Que a vida é traição
Sifilítico
E saudava a matéria que passava
De todo lirismo que capitula ao que
Liberta para sempre da alma
[quer que seja fora de si mesmo.
[extinta.
(Ibid, pp. 422-423.)
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de
[co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de Outros autores
[cartas e as diferentes maneiras
[de agradar à mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos


Cassiano Ricardo
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos
(1895-1974)
[bêbedos
Cassiano Ricardo Leite nasceu em
O lirismo dos clowns de
São Paulo em 1895. Cursou Direito em
[Shakespeare
São Paulo e Rio de Janeiro. Integrou o
grupo "Verde - amarelo", liderado por
- Não quero mais saber do lirismo
Plínio Salgado. Colaborou para a impren-
[que não é libertação.
sa e atuou como diretor-geral da Secre-
( t ó t í p p . 417-418.) taria de Estado dos Negócios do Gover-
no de São Paulo e como chefe do Escri-
Momento num café tório Comercial do Brasil em Paris. Foi
membro da Academia Brasileira de Le-
Quando o enterro passou tras. Faleceu em 1974 no Rio de Janeiro.
Os homens que se achavam
Escreveu poesias {Dentro da Noite
[no café
- 1 9 1 5 , / A Frauta de Pã - 1 9 1 7 , Sonetos
Tiraram o chapéu maquinalmente - 1952) e prosa (O Brasil no Original -
Saudavam o morto distraídos 1936, Marcha para o Oeste - 1943).
— 267 —

período de grandes mudanças no cená-


Antônio de rio mundial, provocadas inicialmente
Alcântara Machado pela quebra da Bolsa de Valores de Nova
Iorque.
(1901 - 1 9 3 5 )
A queda do preço do café, nosso
Antônio Castilho de Alcântara Ma- principal produto de exportação, provo-
chado d'Oliveira nasceu em São Paulo ca a ruína econômica da elite.
em 1901. Graduou-se em Direito, mas
atuou como jornalista. Foi redator e co- Vargas assume o poder e inicia-
laborador da Revista de Antropofagia e se a chamada Era Vargas, que vai até
da Revista Nova. Após 1932, dedicou- 1945.
se à política e transferiu-se para o Rio
Alguns acontecimentos marcantes
de Janeiro, onde faleceu em 1935.
do período: Revolução Constitucio-
Fez uso da linguagem telegráfica, nalista, criação do Dl P - Departamento
exata e objetiva e incorporou em seus de Imprensa e Propaganda, início da
textos o vocabulário ítalo-brasileiro, co- Segunda Guerra Mundial.
mum nos bairros italianos de São Paulo,
os quais também utilizou em sua obra. Os escritores procuram estudar a
realidade social e cultural brasileira. A
Observou atentamente a paisagem
literatura torna-se mais madura e tem
urbana paulista, com suas modificações
consciência de sua identidade.
sociais, econômicas e culturais.
Ao contrário da primeira fase, em
Escreveu PathéBaby (1926), Brás,
que a poesia foi predominante, a prosa
Bexiga e Barra-Funda (1927), Laranja
de ficção destaca-se, abrangendo a
da China (1928), Anchieta na Capitania
prosa regionalista, urbana e intimista.
de São Vicente (1928), Comemoração
de Brasílio Machado (1929), Mana Ma-
ria (edição póstuma de 1936), Cava-
quinho e Saxofone (edição póstuma de
1940).
Prosa de Ficção

Segunda Geração
Prosa Regionalista
do Modernismo
(1930-1945) O grupo regionalista ou nordestino,
organizando-se a partir das idéias de
Gilberto Freyre, retomou uma tendência
A segunda geração modernista ini- iniciada no Romantismo: retratar a reali-
cia-se em 1930 e estende-se até 1945, dade brasileira.
— 268 —

Apesar da escolha de uma deter- e memórias, como A Terra dos Meninos


minada região geográfica como ponto Pelados (1939), Infância (1945) e Me-
de partida para a elaboração de seus mórias do Cárcere (1953).
livros, os escritores regionalistas não
Graciliano realiza ao mesmo tempo
escreveram textos exclusivamente pre-
análise social e investigação psicológi-
ocupados em mostrar as particularida-
ca, adotando um estilo clássico e uma
des desta ou daquela região, mas obras
linguagem clara e enxuta.
universais, realizando uma importante
análise da psicologia humana e anali-
sando dramas humanos e sociais. Vidas Secas
A maioria das obras regionalistas
O trecho a seguir é extraído do ro-
analisa a realidade social nordestina,
mance Vidas Secas, obra estruturada
mas há também obras que exploram a
em treze capítulos, independentes entre
região Sul do país e a Amazônia.
si. Tanto o primeiro como o último capítu-
Destacam-se como regionalistas: lo mostram a família fugindo da seca e
Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, em busca de melhores condições de vida.
José Lins do Rego e Jorge Amado. Aparecem quatro personagens huma-
nos: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais
novo e o menino mais velho, cada qual
Graciliano Ramos merecendo um capítulo. Graciliano mos-
tra a dificuldade de comunicação entre
(1892-1953) eles, somada à miséria do meio físico.
Além destes, merece destaque a cadela
Graciliano Ramos nasceu em Ala- Baleia, personagem humanizado que au-
goas, em 1892. Realizou seus primeiros xilia o grupo na caça, é companheira das
estudos em Maceió e em seguida foi para crianças nas brincadeiras e dos adultos
o Rio de Janeiro, onde passou a traba- no trabalho. A ela também ó dedicado
lhar como revisor de provas tipográfi- um capítulo, transcrito em parte a seguir:
cas. Retornou a Alagoas, foi comerci-
Baleia
ante e depois prefeito. Em 1930 exer-
ceu o cargo de diretor da Imprensa Ofi- A cachorra Baleia estava para mor-
cial do Estado. Foi preso, em 1936, acu- rer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe
sado de subversão. Passados alguns em vários pontos, as costelas avulta-
anos, retorna ao Rio de Janeiro. Em 1953 vam num fundo róseo, onde manchas
visita a URSS, onde vem a falecer. escuras supuravam e sangravam co-
bertas de moscas. As chagas da boca
Escreveu Caetés ( 1 9 3 3 ) , São
e a inchação dos beiços dificultavam-
Bernardo (1934), Angústia (1936), Vi-
lhe a comida e a bebida.
das Secas (1938), Dois Dedos (1945),
Insónia (1945), Histórias Incompletas Por isso Fabiano imaginara que ela
(1946), além de diversos livros infantis estivesse com um princípio de hidrofo-
— 269 —

bia e amarrara-lhe no pescoço um rosá- Ela também tinha o coração pesa-


rio de sabugos de milho queimados. Mas do, mas resignava-se: naturalmente a
Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se decisão de Fabiano era necessária e
nas estacas do curral ou metia-se no justa. Pobre da Baleia.
mato, impaciente, enxotava os mosqui-
tos sacudindo as orelhas murchas, agi- Escutou, ouviu o rumor do chumbo
tando a cauda pelada e curta, grossa que se derramava no cano da arma, as
na base, cheia de roscas, semelhantes pancadas surdas da vareta na bucha.
a uma cauda de cascavel. Suspirou. Coitadinha da Baleia.

Então Fabiano resolveu matá-la. Foi (...)


buscar a espingarda de pederneira, li-
Uma noite de inverno, gelada e ne-
xou-a com o saca-trapo e fez tenção de
voenta, cercava a criaturinha. Silêncio
carregá-la bem para a cachorra não
completo, nenhum sinal de vida nos ar-
sofrer muito.
redores. O galo velho não cantava no
Sinhá Vitória fechou-se na camari- poleiro, nem Fabiano roncava na cama
nha, rebocando os meninos assustados, de varas. Estes sons não interessavam
que adivinhavam desgraça e não se can- Baleia, mas quando o galo batia as asas
savam de repetir a mesma pergunta: e Fabiano se virava, emanações famili-
ares revelavam-lhe a presença deles.
- Vão bulir com a Baleia? Agora parecia que a fazenda se tinha
despovoada.
Tinham visto o chumbeiro e o pol-
varinho, os modos de Fabiano afligiram-
Baleia respirava depressa, a boca
nos, davam-lhes a suspeita de que Ba-
aberta, os queixos desgovernados, a
leia corria perigo.
língua pendente e insensível. Não sabia
Ela era como uma pessoa da famí- o que tinha sucedido. O estrondo, a pan-
lia: brincavam juntos os três, para bem cada que recebera no quarto e a via-
dizer não se diferençavam, rebolavam gem difícil do barreiro ao fim do pátio
na areia do rio e no estrume fofo que ia desvaneciam-se no seu espírito.
subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das
Provavelmente estava na cozinha,
cabras.
entre as pedras que serviam de trempe.
Quiseram mexer na taramela e abrir Antes de se deitar, Sinhá Vitória retira-
a porta, mas Sinhá Vitória levou-os para va dali os carvões e a cinza, varria com
a cama de varas, deitou-os e esforçou- um molho de vassourinha o chão quei-
se por tapar-lhes os ouvidos: prendeu a mado, e aquilo ficava um bom lugar para
cabeça do mais velho entre as coxas e cachorro descansar. O calor afugenta-
espalmou as mãos nas orelhas do se- va as pulgas, a terra se amaciava. E,
gundo. Como os pequenos resistissem, findos os cochilos, numerosos preás
aperreou-se e tratou de subjugá-los, corriam e saltavam, um formigueiro de
resmungando com energia. preás invadia a cozinha.
— 270 —

A tremura subia, deixava a barri- 1934, Fogo Morto-1943 e Usina - 1 9 3 6 ) ;


ga e chegava ao peito de Baleia. Do "Ciclo do cangaço, misticismo e seca"
peito para trás era tudo insensibilidade {Pedra Bonita - 1938 e Cangaceiros -
e esquecimento. Mas o resto do corpo 1953) e obras independentes, como Ri-
se arrepiava, espinhos de mandacaru acho Doce -1939 e Eurídice -1947. Tal
penetravam na carne meio comida pela denominação foi posteriormente aban-
doença. donada pelo autor, mas continuou sendo
utilizada pelos críticos.
Baleia encostava a cabecinha fa-
tigada na pedra. A pedra estava fria, Grande parte dos livros apresenta
certamente Sinhá Vitória tinha deixado um caráter memorialista, fazendo refe-
o fogo apagar-se muito cedo. rências à infância e à adolescência.

Baleia queria dormir. Acordaria fe- A linguagem utilizada é espontânea


liz, num mundo cheio de preás. E lambe- e marcada pela oralidade.
ria as mãos de Fabiano, um Fabiano
Fogo Morto
enorme. As crianças se espojariam com
ela, rolariam com ela num pátio enorme, Publicado em 1943, Fogo Morto é o
num chiqueiro enorme. O mundo ficaria último livro do "ciclo da cana-de-açúcar",
todo cheio de preás, gordos, enormes. composto pelas obras Menino de Enge-
nho (1932), Doidinho (1933) e Bangüê
(Graciliano Ramos, Vidas Secas, São Pauto: Martins
Editora, 1969, pp. 127-134) (1934).

Nestes romances, José Lins do


Rego mostra uma sociedade marcada
José Lins do Rego pelo poder dos latifundiários, senhores
(1901 - 1 9 5 7 ) de engenho. Os problemas sociais são
apresentados, como o autoritarismo e a
reação a este: a rebeldia.
José Lins do Rego nasceu no en-
genho Corredor, Município do Pilar, na Escrito em terceira pessoa, Fogo
Paraíba, em 1901. Graduou-se em Direi- Morto mostra a trajetória dos habitantes
to no Recife e foi promotor em Minas do engenho Santa Fé, do Coronel Lula.
Gerais. Em seguida transferiu-se para Os engenhos passam por um pro-
Maceió, com novas funções, passando cesso de decadência, pois vêm sendo
a conviver com Graciliano Ramos, Jor- substituídos pelas usinas, com isso tam-
ge de Lima e Rachel de Queiroz. Após bém sofrem os que dependem do açú-
nove anos transferiu-se para o Rio de car e não acompanham as mudanças.
Janeiro, onde morreu em 1957.
O romance é estruturado em três
Segundo o próprio escritor, sua obra partes. Na primeira, o narrador concen-
de ficção pode ser dividida em: "Ciclo da tra-se no tempo presente e mostra per-
cana-de-açúcar" {Menino de Engenho sonagens conflitantes e uma sociedade
- 1932, Doidinho - 1933, Bangüê - organizada em estratos sociais.
— 271 —

O protagonista é o mestre José É casado com Amélia, filha do Ca-


Amaro, artesão que só trabalhava para pitão Tomás que toca piano encantado-
quem o respeitasse, mesmo que não ramente.
recebesse pagamento.
Aos poucos, o engenho vai entran-
Veio para o engenho de Santa Fé do em decadência. O Coronel Lula não
com o pai, que tugiu de Goiânia após ter permite que sua filha Neném namore e
praticado um crime de morte. O pai tam- ela torna-se uma solteirona.
bém era artesão e gozava de grande Amélia conforma-se com seu des-
prestígio, coisa que o filho não possuía. tino e protege a família, por meio das
Assim como o pai, ocupava as terras galinhas que cria e da venda dos ovos.
sem pagar, o que resulta em sua expul-
são pelo dono do engenho. Contudo, ele Olívia, a outra filha do Capitão To-
desobedece e continua morando ali com más, não sofre, devido à sua loucura.
sua mulher e filha. O Coronel Lula deixa o comando de
suas terras, não moderniza suas má-
A mulher lhe tem nojo e a filha está
quinas e cada vez mais o engenho vai
enlouquecendo, ao passo que ele tem
se estagnando. Um dia chega por lá o
imenso orgulho de si mesmo, por ser
Capitão Antônio Silvino, cangaceiro muito
homem branco, de respeito e livre.
respeitado no sertão e apoiado pelo
Sofre muito com a sensação de in- mestre José Amaro.
ferioridade, de prestígio perdido. Passa
Na terceira parte, o tempo nova-
então a ajudar Antônio Silvino, famoso
mente é o presente, inserindo apenas
cangaceiro, e seu bando. É a maneira
um novo personagem: o Capitão Vitorino,
que encontra para vingar-se contra os
homem honesto e corajoso, que passa
grandes.
a herói do romance. Defende os injusti-
Angustiado, desconta sua insatis- çados, quaisquer que sejam eles. Des-
fação batendo na filha e maltratando a sa forma, dirige-se a Coronel Lula inter-
mulher. A primeira é internada em Reci- cedendo por José Amaro e não aprova
fe, devido à sua loucura. Já a mulher a atitude do cangaceiro em relação ao
tempos depois o deixa em meio à soli- senhor de engenho.
dão e profunda tristeza, resultando no Entretanto, com o passar do tempo
suicídio do marido. vai perdendo a satisfação de viver e a
Na segunda parte, a narração vol- vontade de lutar por seus ideais.
ta-se para o passado do engenho de
Santa Fé, quando o Capitão Tomás era o (fragmento)
proprietário.
A velha deixou o quarto e saiu para
O protagonista agora é Lula de Ho- o fundo da casa. Vitorino fechou os
landa Chacon, herdeiro do engenho de olhos, mas estava muito bem acordado
Santa Fé, homem calado, extremamente com os pensamentos voltados para a
orgulhoso e apegado ao prestígio. vida dos outros. Ele muito tinha que fa-
— 272 —

zer ainda. Ele tinha o Pilar para tomar para ficar ali como uma pobre. Podia ter
conta, ele tinha o seu eleitorado, os seus ido. Ele, Vitorino Carneiro da Cunha, não
adversários. Tudo isto precisava de seus precisava de ninguém para viver.Se lhe
cuidados, da força do seu braço, de seu tomassem a casa onde morava, armaria
tino. Lá se fora o seu compadre José a sua rede por debaixo dum pé de pau.
Amaro, com o negro Passarinho, o cego Não temia a desgraça, não queria a rique-
Torquato. Todos necessitavam de Vitorino za. Lá se foram os três homens que liber-
Carneiro da Cunha. Fora à barra do tribu- tara, a quem dera toda a sua ajuda. O
nal para arrastá-los da cadeia. Que lhe tenente se enfurecera com o seu poder.
importava a violência do tenente Maurí- Nunca pensara que existisse um homem
cio? O que valia era a petição que, com a que fosse capaz de enfrentá-lo como fi-
sua letra, com a sua assinatura, botara zera. A sua letra, o papel que assinara
para a rua três homens inocentes. Ele era com o seu nome, dera com a força do
homem que não se entregava aos gran- miserável no chão. Era Vitorino Carneiro
des. Que lhe importava a riqueza de José
da Cunha. Tudo podia fazer, e nada te-
Paulino? Tinha o seu voto e não dava ao
mia. Um dia tomaria conta do município. E
primo rico, tinha eleitores que não vota-
tudo faria para que aquele calcanhar-de-
vam nas chapas do governo. O governo
judas fosse mais alguma coisa. Então
não podia com a sua determinação. Ele
Vitorino se via no dia de seu triunfo. Ha-
sabia que havia muitos outros tenentes
veria muita festa, haveria tocata de músi-
Maurícios na dependência e às ordens
ca, discurso do dr. Samuel, e dança na
do governo. Todos seriam capangas, guar-
casa da Câmara. Viriam todos os chalei-
da-costas do presidente. Mas Vitorino
ras do Pilar falar com ele. Era o chefe, era
Carneiro da Cunha mandava no que era
o mais homem da terra. E não teria as
seu, na sua vida. As feridas que lhe abri-
besteiras de José Paulino, aquela tole-
am no corpo nada queriam dizer. Não ha-
via força que pudesse com ele. Os pa- rância para com o sujeitos safados, que
rentes se riam de seus rompantes, de só queriam comer no cocho da munici-
suas fraquezas. Eram todos uns pobres palidade. Com Vitorino Carneiro da Cu-
ignorantes, verdadeiros bichos que não nha não haveria ladrões, fiscais de feira
sabiam onde tinham as ventas. Quando roubando o povo. Tudo andaria na cor-
parava no engenho, quando conversava reta, na decência. Delegado não seria
com um Manuel Gomes do Riachão, via um mole como José Medeiros. Quem se-
que era melhor ser como ele, homem sem ria o seu delegado? Que homem iria en-
um palmo de terra, mas sabendo que era contrar na vila para ser o seu homem de
capaz de viver conforme os seus dese- confiança? O escrivão Serafim era muito
jos. Todos tinham medo do governo, to- mole, o capitão Costa apanhava da mu-
dos iam atrás de José Paulino e de Quinca lher, Saiu da venda era capaz de roubar
do Engenho Novo, como se fossem car- a ração dos presos, Chico Frade bebia
neiros de rebanho. Não possuía nada e demais. E ele precisava de um homem
se sentia como se fosse senhor do mun- para delegado.
do. A sua velha Adriana quisera abando-
ná-lo para correr atrás do filho. Desistiu {José Uns do Rego. Fogo Morto, São Paulo: Klick
Editora, 1997)
— 273 —

a residir na União Soviética e nas Demo-


Rachel de Queiroz cracias Populares. É membro da Acade-
(1910-) mia Brasileira de Letras e suas obras já
foram vertidas para mais de trinta línguas.
Rachel de Queiroz nasceu na For- Entre seus escritos estão Jubiabá
taleza, Ceará, em 1910. Após a seca de (1935); Mar Morto (1936); Capitães de
1915 mudou-se com os pais para o Rio Areia (1937); Terras do Sem-Fim (1942),
de Janeiro e em seguida para Belém do Gabriela, Cravo e Canela (1958), Dona
Pará. De volta a Fortaleza, formou-se Flor e seus dois maridos (1966).
no curso normal, em 1925. Seguiu a car-
Suas obras denunciam a situação
reira jornalística e em 1930 publicou o
do trabalhador rural e das camadas po-
livro O Quinze, que trata da seca de
pulares e são ambientadas geralmente
1915. Depois voltou a residir no Rio de
na Bahia. Apesar da grande aceitação
Janeiro, onde se encontra, atuando no
por parte do público, muitas obras tive-
jornalismo e na literatura.
ram sua qualidade literária contestada
Escreveu João Miguel (1932); Ca- pelos críticos.
minho de Pedras (1937); As Três Marias
(1939); Dora, Doralina (1975), Memorial
de Maria Moura (1993) - romances; Prosa urbana
além de teatro e crônicas.

Demonstra forte preocupação so-


cial e realiza análise psicológica dos Érico Veríssimo
personagens . Aborda temas relaciona- (1905-1975)
dos à política e ao papel da mulher na
sociedade, entre outros. Érico Veríssimo nasceu em Cruz
Alta, Rio Grande do Sul, em 1905. Foi
Jorge Amado funcionário de banco e sócio de uma
farmácia. Após a falência desta, atuou
(1912-) como secretário e redator da Revista
do Globo. Passou em seguida a dedi-
Jorge Amado nasceu na Bahia, em car-se também à Literatura e à tradu-
1912. Estudou Direito e atuou como jorna- ção. Exerceu posteriormente o cargo de
lista em Salvador. Em 1931 mudou-se para Diretor do Departamento de Assuntos
o Rio de Janeiro. Teve participação no Culturais da União Pan-Americana. Fa-
movimento de frente popular da Aliança leceu em 1975 em Porto Alegre.
Nacional Libertadora, o que provocou sua
prisão em 1936 e 1937. Entre os anos de Escreveu Caminhos Cruzados
1941 e 1943 residiu em Buenos Aires. Em (1935), Música ao Longe (1936), Um Lu-
1945 foi eleito deputado federal em São gar ao Sol (1936), Olhai os Lírios do
Paulo. Após 1947, deixou o país e pas- Campo(1938), O Tempoeo Vento(1949-
sou a morar na França. Chegou também 1961), Incidente em Antares (1971).
— 274 —

Os romances de Érico Veríssimo Coisas - 1962) e prosa (Confissões de


proporcionam uma leitura agradável e Minas - 1944, O Gerente - 1945).
sem dificuldades, pois apresentam uma
Alguns temas foram recorrentes na
linguagem simples e enredos atraentes.
obra de Drummond: o cotidiano, a preo-
Entretanto, foi muitas vezes criticado e
cupação social e política, as reminiscên-
acusado de realizar análises sociais e
cias (terra natal, família, amigos), o amor
psicológicas superficiais. e a metalinguagem (reflexão sobre o pró-
Os principais temas abordados são prio ato de escrever).
a vida urbana e seus problemas, a fun-
O poeta analisou o homem moder-
dação social do Rio Grande do Sul e
no e seus sentimentos com sensibilida-
questões políticas.
de e muitas vezes com ironia. Percebe
as injustiças do mundo (guerras, violên-
cia) e as transforma na matéria de sua
Poesia poesia.

Os poemas a seguir fazem parte


da obra Sentimento do Mundo.

Carlos Drummond Poema de Sete Faces


de Andrade Quando nasci, um anjo torto
(1902-1987) desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche
Carlos Drummond de Andrade nas- [na vida.
ceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902.
As casas espiam os homens
Graduou-se em Farmácia em Belo Hori-
zonte. Retornou a Itabira, onde foi pro- que correm atrás de mulheres.
fessor de Português e Geografia. No- A tarde talvez fosse azul,
vamente em Belo Horizonte, segue a car- não houvesse tantos desejos.
reira jornalística e atua como funcioná-
rio público. Foi oficial de gabinete do Mi- O bonde passa cheio de pernas:
nistério da Educação, chefiou a secção pernas brancas pretas amarelas.
de História da Divisão de Estudos e Tom- Para que tanta perna, meu Deus,
bamento da Diretoria do Patrimônio His- [pergunta meu coração.
tórico e Artístico Nacional. Integrou o gru-
po modernista de A Revista. Faleceu no Porém meus olhos
Rio de Janeiro em 1987. não perguntam nada.
Escreveu poesia {Alguma Poesia -
O homem atrás do bigode
1930, Brejo das Almas - 1934, Senti-
mento do Mundo -1940, A Rosa do Povo é sério, simples e forte.
- 1945, Claro Enigma - 1951, Lição de Quase não conversa.
— 275 —

Tem poucos, raros amigos No meio-dia branco de luz uma


[voz que aprendeu
o homem atrás dos óculos e do
[bigode. a ninar nos longes da senzala - e
[nunca se esqueceu
Meu Deus, por que me
chamava para o café.
[abandonaste
Café preto que nem a preta velha
se sabias que eu não era Deus
café gostoso
se sabias que eu era fraco.
café bom.
Mundo mundo vasto mundo,
Minha mãe ficava sentada
se eu me chamasse Raimundo
[cosendo
seria uma rima, não seria uma
olhando para mim:
[solução.
- Psiu... Não acorde o menino.
Mundo mundo vasto mundo,
Para o berço onde pousou um
mais vasto é meu coração.
[mosquito.
Eu não devia te dizer E dava um suspiro... que fundo!
mas essa lua
Lá longe meu pai campeava
mas esse conhaque
no mato sem fim da fazenda.
botam a gente comovido como
[o diabo. E eu não sabia que minha história
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do Mundo, era mais bonita que a de
Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 11 -12)
[Robinson Crusoé.
(/b/d, p. 13-14)
Infância
A Abgar Renault
No Meio do Caminho
Meu pai montava a cavalo, ia para
[o campo. No meio do caminho tinha uma
[pedra
Minha mãe ficava sentada
[cosendo. tinha uma pedra no meio do
[caminho
Meu irmão pequeno dormia.
tinha uma pedra
Eu sozinho menino entre
[mangueiras no meio do caminho tinha uma
[pedra.
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba Nunca me esquecerei desse
[mais. [acontecimento
— 276 —

na minha vida de minhas retinas Dele se encante mais meu


[tão fatigadas. [pensamento.
Nunca me esquecerei que no
Quero vivê-lo em cada vão
[meio do caminho
[momento
tinha uma pedra
E em seu louvor hei de espalhar
tinha uma pedra no meio do [meu canto
[caminho
E rir meu riso e derramar meu
no meio do caminho tinha uma
[pranto
[pedra.
Ao seu pesar ou seu
(to/cl p. 34)
[contentamento.

E assim, quando mais tarde me


Vinícius de Moraes [procure
Quem sabe a morte, angústia de
(1913-1980)
[quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem
Marcos Vinícius de Melo Moraes
[ama
nasceu no Rio de Janeiro, em 1913. Gra-
duou-se em Direito em 1933, ano em que Eu possa me dizer do amor (que
publicou seu livro de poesia O Caminho
[tive):
para a Distância. Foi crítico, censor ci-
nematográfico, jornalista e diplomata. Que não seja imortal, posto que é
Veio a falecer em 1980. [chama
Mas que seja infinito enquanto
Escreveu Novos Poemas (1938), [dure.
Elegias (1943), Pátria Minha (1949),
entre outras obras. (Apud Antonio Candido e José Aderaldo Castello,
Presença da Literatura Brasileira, p. 410)
Tematizou a oposição entre maté-
ria e espírito; o amor; o desejo; o cotidi-
ano e questões políticas. A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças


Soneto de Fidelidade Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
De tudo, ao meu amor serei atento
Cegas inexatas
Antes, e com tal zelo, e sempre,
Pensem nas mulheres
[e tanto
Rotas alteradas
Que mesmo em face do maior
[encanto Pensem nas feridas
— 277 —

Como rosas cálidas Motivo


Mas oh não se esqueçam
Eu canto porque o instante existe
Da rosa da rosa
e a minha vida está completa.
Da rosa de Hiroshima
Não sou alegre nem sou triste:
A rosa hereditária
A rosa radioativa sou poeta.

Estúpida e inválida
Irmão das coisas fugidias,
A rosa com cirrose
não sinto gozo nem tormento.
A anti-rosa atômica
Atravesso noites e dias
Sem cor sem perfume
no vento.
Sem rosa sem nada.
(Ibd,pp.416-417) Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
Cecília Meireles
ou passo.
(1901-1964)
Sei que canto. E a canção é tudo.
Cecília Meireles nasceu no Rio de
Tem sangue eterno a asa ritmada.
Janeiro em 1901. Órfã desde tenra idade,
recebeu educação da avó materna. Con- E um dia sei que estarei mudo:
clui o curso primário em 1910 e inicia a - mais nada.
Escola Normal, vindo a formar-se em 1917.
{Apuo Massaud Moisés, A literatura brasileira através
Atua como professora, escritora e jorna- dos textos, p. 452)
ista. Foi grande divulgadora da cultura
brasileira no estrangeiro. Faleceu em 1964.
Reinvenção
Escreveu Mar Absoluto ( 1 9 4 5 ) ;
Romanceiro da Inconfidência (1953); A vida só é possível
Canções (1956); Giroflé, Giroflá (1956);
Ou isto ou aquilo (1964), e outras obras, reinventada.
envolvendo literatura adulta e infantil,
Anda o sol pelas campinas
ensaios, antologias e biografias.
e passeia a mão dourada
A escritora escreveu uma poesia
repleta de musicalidade, demonstrando pelas águas, pelas folhas...
influências simbolistas. Além disso, co- Ah! tudo bolhas
loca em questão a fugacidade do tempo
que vêm de fundas piscinas
e a precariedade das coisas, o que re-
sulta numa profunda melancolia. de ilusionismo... - mais nada.
— 278 —

Mas a vida, a vida, a vida, O vento vem vindo de longe,

a vida só é possível a noite se curva de frio;

reinventada. debaixo da água vai morrendo


meu sonho, dentro de um navio...
Vem a lua, vem, retira
Chorarei o quanto for preciso,
as algemas dos meus braços.
para fazer com que o mar cresça
Projeto-me por espaços
e o meu navio chegue ao fundo
cheios da tua Figura.
e o meu sonho desapareça.
Tudo mentira! Mentira

da lua, na noite escura. Depois, tudo estará perfeito:


praia lisa, águas ordenadas,
Não te encontro, não te alcanço...
meus olhos secos como pedras
Só - no tempo equilibrada,
e as minhas duas mãos quebradas]
desprendo-me do balanço
(Ib id,p.45q
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
Fico: recebida e dada. Outros autores
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
Murilo Mendes
reinventada.
(1901-1975)
(Ibid, p.453)
Murilo Monteiro Mendes nasceu em
Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1901.
Canção Realizou os cursos primário e secundá-
Pus o meu sonho num navio rio em sua cidade e em Niterói. Em 1920,
já no Rio de Janeiro, passa a atuar como
e o navio em cima do mar;
funcionário do Ministério da Fazenda
- depois, abri o mar com as mãos, Em seguida, trabalhou no Banco Mer-
para o meu sonho naufragar. cantil e tempos depois em um cartório.
Faleceu em Lisboa em 1975.
Minhas mãos ainda estão molhadas
Escreveu Poemas (1930), Histó-
do azul das ondas entreabertas,
ria do Brasil (1932), Tempo e Eternida-
e a cor que escorre dos meus dedos de (1935), Mundo Enigma (1945), entre
colore as areias desertas. outros.
— 279 —

Católico, encontrou no cristianismo


a resposta para os problemas políticos Terceira
e ideológicos do mundo moderno. Inte-
grou o grupo espiritualista da segunda
Geração do
geração, ao lado de Vinícius de Morais
e Cecília Meireles.
Modernismo
Utilizou em suas poesias o humor e (1945 a t é a
a ironia e abordou temas ligados ao cris-
tianismo, enfatizando a efemeridade da atualidade)
vida e a figura de Cristo, enfocada do
ponto de vista humano.
Alguns historiadores e críticos
costumam chamar o período literário
subseqüente a 1945 de Pós-Modernis-
Jorge de Lima mo, já outros o consideram como a ter-
(1893-1953) ceira fase modernista, posição que ado-
tamos.
Jorge Matheos de Lima nasceu em
Com o término da Segunda Guer-
Alagoas, em 1893. Estudou no Colégio
dos Irmãos Maristas em Maceió. Em se- ra Mundial, os escritores voltam-se no-
guida, iniciou seus estudos em Medici- vamente às questões internas do país.
na, na Bahia, vindo a formar-se no Rio
A nova geração procurou negar
de Janeiro. Retornou a Maceió em 1915,
os valores modernistas das gerações
onde iniciou sua carreira como médi-
anteriores e trazer novos elementos à
co. Dedicou-se à literatura, influencia-
literatura. Caracteriza-se pela discipli-
do Inicialmente pelo Parnasianismo e
na formal e retomada de valores tradi-
Simbolismo. Em 1935 converteu-se ao
cionais na poesia. Os escritores valo-
catolicismo e publicou com Murúo Men-
rizam a palavra, tanto no que diz res-
des Tempo e Eternidade. Foi também
peito à semântica quanto à sonoridade.
professor universitário e político. Fale-
ceu em 1953 no Rio de Janeiro.

Escreveu poesia (XIV Alexandri- João Cabral de Melo Neto


nos - 1914, Invenção de Orfeu - 1952), (1920-1999)
romance (O Anjo - 1934, Calunga -
1935), ensaio, história e biografia.
João Cabral de Melo Neto nasceu
Tematizou o negro e o folclore, a em Recife, Pernambuco, em 1920. Rea-
religiosidade como solução para os pro- lizou os estudos primários e secundári-
blemas mundanos e a ligação entre o os em sua cidade, não chegando ao
homem e o universo, utilizando elemen- curso superior. Após trabalhar numa
tos bíblicos e profanos. companhia de seguros na Associação
— 280 —

Comercial de Pernambuco e no Depar- deram então de me chamar


tamento de Estatística do Estado, trans- Severino de Maria;
feriu-se para o Rio de Janeiro. Foi diplo-
como há muitos Severinos
mata e realizou funções consulares em
Assunção, Barcelona e Dakar. Foi mem- com mães chamadas Maria,
bro da Academia Brasileira de Letras. fiquei sendo o da Maria
Faleceu em 1999. do finado Zacarias.
Entre suas obras estão Pedra do Mas isso ainda diz pouco:
Sono ( 1 9 4 2 ) , O Cão sem Plumas há muitos na freguesia,
(1950), Morte e Vida Severína (1956), por causa de um coronel
Uma Faca Só Lâmina (1956).
que se chamou Zacarias
Escreveu poemas sem retórica ou e que foi o mais antigo
derramamentos sentimentais, não dei-
senhor desta sesmaria.
xando de transmitir emoção. Todavia,
esta é mais contida, já que seleciona Como então dizer quem fala
cuidadosamente os vocábulos, compon- ora a Vossas Senhorias?
do uma linguagem precisa, exata. Vejamos: é o Severino
Os trechos a seguir fazem parte da da Maria do Zacarias,
obra inspirada em composições medie- lá da serra da Costela,
vais, Morte e Vida Severína, "auto de
limites da Paraíba.
Natal pernambucano" que tem como tema
Mas isso ainda diz pouco:
a trajetória de Severino. O personagem
é um homem do sertão que busca me- se ao menos mais cinco havia
lhores condições de vida e sai em dire- com nome de Severino
ção ao Litoral. Por onde passa depara-
filhos de tantas Marias
se com a morte, o que o faz até pensar
mulheres de outros tantos,
em desistir da própria vida. Entretanto, já
no Litoral, assiste ao nascimento de um já finados, Zacarias,
menino, trazendo alegria e esperança a vivendo na mesma serra
todos os homens ali presentes. magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
Morte e vida severína iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
O POETA EXPLICA AO LEITOR QUEM É
E A QUE VAI que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
-O meu nome é Severino,
sobre as mesmas pernas finas,
não tenho outro de pia.
e iguais também porque o sangue
Como há muitos Severinos,
que usamos tem pouca tinta.
que é santo de romaria,
— 281 —

E se somos Severinos tinha apenas dois meses, seus pais imi-


iguais em tudo na vida, graram para São Paulo. Realizou os cur-
morremos de morte igual, sos primários e secundários no Recife.
Cursou Direito no Rio de Janeiro, vindo
mesma morte severina:
a formar-se em 1944. Casou-se com
que é a morte que se morre um diplomata e afastou-se do país por
de velhice antes dos trinta, diversas vezes, não deixando, porém,
de emboscada antes dos vinte, de escrever. Faleceu no Rio de Janeiro
de fome um pouco por dia em 1977.

(de fraqueza e de doença Escreveu romances (O Lustre -


é que a morte severina 1946, A Cidade Sitiada- 1949, A Maçã
ataca em qualquer idade, no Escuro - 1961, A Paixão Segundo
e até gente não nascida). G. H. - 1964, Uma Aprendizagem ou O
Livro dos Prazeres - 1969, Água Viva
Somos muitos Severinos
- 1973, A Hora da Estrela - 1 9 7 7 ) ; con-
iguais em tudo e na sina:
tos (Laços de Família - 1960, A Le-
a de abrandar estas pedras gião Estrangeira - 1964, A Via Crucis
suando-se muito em cima, do Corpo - 1974); crônicas e livros in-
a de tentar despertar fantis.
terra sempre mais extinta,
A autora produziu uma obra de
a de querer arrancar ficção fundamentalmente introspecti-
algum roçado da cinza. va, centrada na intimidade dos perso-
Mas, para que me conheçam nagens.
melhor Vossas Senhorias
A prosa aproxima-se da poesia e
e melhor possam seguir é muitas vezes marcada pelo fluxo psi-
a história de minha vida, cológico dos personagens. Estes, a
passo a ser o Severino partir de fatos do cotidiano, aparente-
que em vossa presença emigra. mente sem importância, descobrem-se
e encontram a própria razão de existir.
(João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira,1994, pp.29-30) Um bom exemplo disso é o conto a
seguir, pertencente ao livro Laços de
Família.

Clarice Lispector
(1925-1977) Uma galinha
Era uma galinha de domingo. Ainda
Clarice Lispector nasceu em Tchet- viva porque não passava de nove ho-
chelnik, Ucrânia, em 1925. Quando ela ras da manhã.
— 282 —

Parecia calma. Desde sábado en- gante num beiral de telhado e enquanto
colhera-se num canto da cozinha. Não o rapaz galgava outros com dificuldade
olhava para ninguém, ninguém olhava tinha tempo de se refazer por um mo-
para ela. Mesmo quando a escolheram, mento. E então parecia tão livre.
apalpando sua intimidade com indiferen-
Estúpida, tímida e livre. Não vitorio-
ça, não souberam dizer se era gorda ou
sa como seria um galo em fuga. Que é
magra. Nunca se adivinharia nela um an-
que havia nas suas vísceras que fazia
seio.
dela um ser? A galinha é um ser. É ver-
Foi pois uma surpresa quando a vi- dade que não se poderia contar com ela
ram abrir as asas de curto vôo, inchar o para nada. Nem ela própria contava con-
peito e, em dois ou três lances, alcançar sigo, como o galo crê na sua crista. Sua
a murada do terraço. Um instante ainda única vantagem é que havia tantas gali-
vacilou - o tempo da cozinheira dar um nhas que morrendo uma surgiria no mes-
mo instante outra tão igual como se fora
grito - e em breve estava no terraço do
a mesma.
vizinho, de onde, em outro vôo desajei-
tado, alcançou um telhado. Lá ficou em
Afinal, numa das vezes em que
adorno deslocado, hesitando ora num,
parou para gozar sua fuga, o rapaz
ora noutro pé. A família foi chamada com
alcançou-a. Entre gritos e penas, ela
urgência e consternada viu o almoço
foi presa. Em seguida carregada em
junto de uma chaminé. O dono da casa
triunfo por uma asa através das telhas
lembrando-se da dupla necessidade de
e pousada no chão da cozinha com
fazer esporadicamente algum esporte e
certa violência. Ainda tonta, sacudiu-
de almoçar vestiu radiante um calção de
se um pouco, em cacarejos roucos e
banho e resolveu seguir o itinerário da
indecisos.
galinha: em pulos cautelosos alcançou
o telhado onde esta hesitante e trêmula Foi então que aconteceu. De pura
escolhia com urgência outro rumo. A afobação a galinha pôs um ovo. Sur-
perseguição tornou-se mais intensa. De preendida, exausta. Talvez fosse pre-
telhado a telhado foi percorrido mais de maturo. Mas logo depois, nascida que
um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma fora para a maternidade, parecia uma
luta mais selvagem pela vida a galinha velha mãe habituada. Sentou-se sobre
tinha que decidir por si mesma os cami- o ovo e assim ficou respirando, aboto-
nhos a tomar sem nenhum auxílio de sua ando e desabotoando os olhos. Seu
raça. O rapaz, porém, era um caçador, coração tão pequeno num prato soleava
adormecido. E por mais ínfima que fos- e abaixava as penas enchendo de tepi-
se a presa o grito de conquista havia dez aquilo que nunca passaria de um
soado. ovo. Só a menina estava perto e assis-
tiu a tudo estarrecida. Mal porém con-
Sozinha no mundo, sem pai nem seguiu desvencilhar-se do aconteci-
mãe, ela corria, arfava, muda, concen- mento despregou-se do chão e saiu aos
trada. Às vezes, na fuga, pairava ofe- gritos:
— 283 —

- Mamãe, mamãe, não mate mais a campo, embora a pequena cabeça a


galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nos- traísse: mexendo-se rápida e vibrátil,
so bem! com o velho susto de sua espécie já
mecanizado.
Todos correram de novo à cozinha
e rodearam mudos a jovem parturiente. Uma vez ou outra, sempre mais ra-
Esquentando seu filho, esta não era nem ramente, lembrava de novo a galinha que
suave nem arisca, nem alegre nem tris- se recortara contra o ar à beira do te-
te, não era nada, era uma galinha. O lhado, prestes a anunciar. Nesses mo-
que não sugeria nenhum sentimento es- mentos enchia os pulmões com o ar im-
pecial. O pai, a mãe e a filha olhavam já puro da cozinha e, se fosse dado às
há algum tempo, sem propriamente um fêmeas cantar, ela não cantaria mas fi-
pensamento qualquer. Nunca ninguém caria muito mais contente. Embora nem
acariciou uma cabeça de galinha. O pai nesses instantes a expressão de sua
afinal decidiu-se com certa brusquidão: vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no
descanso, quando deu à luz ou bicando
- Se você mandar matar esta gali-
nha nunca mais comerei galinha na mi- milho - era uma cabeça de galinha, a
nha vida! mesma que fora desenhada no começo
dos séculos.
- Eu também! jurou a menina com
ardor. Até que um dia mataram-na, come-
ram-na e passaram-se anos.
A mãe, cansada, deu de ombros.
(Clarice Lispector. Laços de Família, Rio de Janeiro:
Inconsciente da vida que lhe fora Francisco Alves, 1993, pp. 43-46)
entregue, a galinha passou a morar com
a família. A menina, de volta do colégio,
.ogava a pasta longe sem interromper a Guimarães Rosa
corrida para a cozinha. O pai de vez em
quando ainda se lembrava: "E dizer que ( 1 9 0 8 - 1967)
a obriguei a correr naquele estado!" A
galinha tornara-se a rainha da casa. João Guimarães Rosa nasceu em
T
odos, menos ela, o sabiam. Continuou Cordisburgo, Minas Gerais, em 1908.
entre a cozinha e o terraço dos fundos, Graduou-se em Medicina, seguindo por
-isando suas duas capacidades: a de um tempo a carreira de médico. Foi tam-
apatia e a do sobressalto. bém diplomata e embaixador. Faleceu no
Rio de Janeiro em 1967.
Mas quando todos estavam quie-
tos na casa e pareciam tê-la esqueci- Entre suas obras estão Sagarana
do, enchia-se de uma pequena cora- (1946); Corpo de Baile (1956); Grande
gem, resquícios da grande fuga - e cir- Sertão: Veredas (1956); Primeiras Es-
culava pelo ladrilho, o corpo avançan- tórias (1962); Tutaméia (Terceiras Es-
do atrás da cabeça, pausado como num tórias) (1967).
— 284 —

O escritor expôs, a partir do sertão Tomei-me nos nervos. O cavaleiro esse


mineiro, as questões humanas mais pro- - o oh-homem-oh - com cara de ne-
fundas. Portanto, sua obra tem caráter nhum amigo. Sei o que é influência de
universal. fisionomia. Saíra e viera, aquele homem,
para morrer em guerra. Saudou-me seco,
A linguagem utilizada é fruto de in- curto pesadamente. Seu cavalo era alto,
tensa construção formal, agrupando re- um alazão; bem arreado, ferrado, sua-
gionalismo, termos científicos, arcaísmos, do. E concebi grande dúvida.
expressões estrangeiras e marcada pela
oralidade. Além disso, o autor de Gran- Nenhum se apeava. Os outros, tris-
de Sertão: Veredas soube explorar com tes três, mal me haviam olhado, nem
precisão os vocábulos. olhassem para nada. Semelhavam a
gente receosa, tropa desbaratada, so-
O conto a seguir faz parte do livro pitados, constrangidos - coagidos, sim.
Primeiras Estórias e trabalha a ques- Isso por isso, que o cavaleiro solerte
tão da palavra, com seus múltiplos sig- tinha o ar de regê-los: a meio-gesto,
nificados, conotações. Ela pode pro- desprezivo, intimara-os de pegarem o
vocar lutas, gerar discórdia, trazer rai- lugar onde agora se encostavam. Dado
va, ou mesmo abrandar situações, ser que a frente da minha casa reentrava,
motivo de alegria e prazer ao ser ouvi- metros, da linha da rua, e dos dois la-
da. Guimarães coloca frente a frente dos avançava a cerca, formava-se ali
dois homens: um iletrado, temido no lu- um encantoável, espécie de resguar-
gar por causa de seus feitos, que de- do. Valendo-se do que, o homem obri-
gara os outros ao ponto donde seriam
seja saber o significado de um vocábu-
menos vistos, enquanto barrava-lhes
lo, e um letrado, que o deixa ciente do
qualquer fuga; sem contar que, unidos
sentido deste, tomando o cuidado de
assim, os cavalos se apertando, não
não deixá-lo Insatisfeito ao responder
dispunham de rápida mobilidade. Tudo
à pergunta...
enxergara, tomando ganho da topogra-
fia. Os três seriam seus prisioneiros,
Famigerado não seus sequazes. Aquele homem,
para proceder da forma, só podia ser
Foi de incerta feita - o evento. Quem um brabo sertanejo, jagunço até na
pode esperar coisas tão sem pés nem escuma do bofe. Senti que não me fi-
cabeça? Eu estava em casa, o arraial cava útil dar cara amena, mostras de
sendo de todo tranqüilo. Parou-me à temoroso. Eu não tinha arma ao alcan-
porta o tropel. Cheguei à janela. ce. Tivesse, também, não adiantava.
Com um pingo no i, ele me dissolvia. O
Um grupo de cavaleiros. Isto é, ven- medo é a extrema ignorância em mo-
do melhor: um cavaleiro rente, frente à mento muito agudo. O medo O. O medo
minha porta, equiparado, exato; e, me miava. Convidei-o a desmontar, a
embolados, de banda, três homens a entrar.
cavalo. Tudo, num relance, insolitíssimo.
— 285 —

Disse de não, conquanto os costu- podia ser para cada momento. Tivesse
mes. Conservava-se de chapéu. Via- aceitado de entrar e um café, calmava-
se que passara a descansar na sela - me. Assim, porém, banda de fora, sem
decerto relaxava o corpo para dar-se a-graças de hóspede nem surdez de
mais à ingente tarefa de pensar. Per- paredes, tinha para um se inquietar, sem
guntei: respondeu-me que não estava medida e sem certeza.
doente, nem vindo à receita ou consul-
ta. Sua voz se espaçava, querendo-se - "Vosmecê é que não me conhe-
calma; a fala de gente de mais longe, ce. Damázio, dos Siqueiras... Estou vin-
talvez são-franciscano. Sei desse tipo do da Serra..."
de valentão que nada alardeia, sem
farroma. Mas avessado, estranhão, per- Sobressalto. Damázio, quem dele
verso brusco, podendo desfechar com não ouvira? O feroz de estórias de lé-
algo, de repente, por um és-não-és. Muito guas, com dezenas de carregadas mor-
de macio, mentalmente, comecei a me tes, homem perigosíssimo. Constando
organizar. Ele falou: também, se verdade, que de para uns
anos ele se serenara - evitava o de
- "Eu vim preguntar a vosmecê uma evitar. Fie-se, porém, quem, em tais tré-
opinião sua explicada..." guas de pantera? Ali, antenasal, de mim
Carregara a celha. Causava outra a palmo! Continuava:
inquietude, sua farrusca, a catadura de
- "Saiba vosmecê que, na Serra,
canibal. Desfranziu-se, porém quase
por o ultimamente, se compareceu um
que sorriu. Daí, desceu do cavalo; ma-
moço do Governo, rapaz meio estron-
neiro, imprevisto. Se por se cumprir do
doso... Saiba que estou com ele à reve-
maior valor de melhores modos; por es-
lia... Cá eu não quero questão com o
perteza? Reteve no pulso a ponta do
cabresto, o alazão era para paz. O cha- Governo, não estou em saúde nem ida-
péu sempre na cabeça. Um alarve. Mais de... O rapaz, muitos acham que ele é
os ínvios olhos. E ele era para muito. de seu tanto esmiolado..."
Seria de ver-se: estava em armas - e
Com arranco, calou-se. Como ar-
de armas alimpadas. Dava para se sen-
rependido de ter começado assim, de
tir o peso da de fogo, no cinturão, que
evidente. Contra que aí estava com o
usado baixo, para ela estar-se já ao ní-
fígado em más margens; pensava, pen-
vel justo, ademão tanto que ele se per-
sava. Cabismeditado. Do que, se resol-
sistia de braço direito pendido, pronto
veu. Levantou as feições. Se é que se
meneável. Sendo a sela, de notar-se,
riu: aquela crueldade de dentes. Enca-
uma jereba papuda urucuiana, pouco de
se achar, na região, pelo menos de tão rar, não me encarava, só se fito à meia
boa feitura. Tudo de gente brava. Aque- esguelha. Latejava-lhe um orgulho inde-
le propunha sangue, em suas tenções. ciso. Redigiu seu monologar.
Pequeno, mas duro, grossudo, todo em
O que frouxou falava: de outras,
tronco de árvore. Sua máxima violência
diversas pessoas e coisas, da Serra,
— 286 —

do São Ão, travados assuntos, inse- ba, no aperfeiçoado: o que é que é, o


qüentes, como dificultação. A conversa que iá lhe perguntei"?
era para teias de aranha. Eu tinha de
Se simples. Se digo. Transfoi-se-
entender-lhe as mínimas entoações,
me. Esses trizes:
seguir seus propósitos e silêncios. As-
sim no fechar-se com o jogo, sonso, no - Famigerado?
me iludir, ele enigmava. E, pá:
- "Sim senhor..." - e, alto, repito,
- "Vosmecê agora me faça a boa vezes, o termo, enfim nos vermelhões
obra de querer me ensinar o que é mesmo da raiva, sua voz fora de foco. E já me
que é: fasmisgerado... faz-me-gerado... olhava, interpelador, intimativo - aperta-
falmisgeraldo... familhas-gerado...? va-me. Tinha eu que descobrir a cara. -
Famigerado? Habitei preâmbulos. Bem
Disse, de golpe, trazia entre den- que eu me carecia noutro ínterim, em
tes aquela frase. Soara com riso seco. indúcias. Como por socorro, espiei os
Mas, o gesto, que se seguiu, imperava- três outros, em seus cavalos, intugidos
se de toda a rudez primitiva, de sua pre- até então, mumumudos. Mas, Damázio:
sença dilatada. Detinha minha resposta,
não queria que eu a desse de imediato. - "Vosmecê declare. Estes aí são
E já aí outro susto vertiginoso suspen- de nada não. São da Serra. Só vieram
dia-me: alguém podia ter feito intriga, comigo, pra testemunho..."
invencionice de atribuir-me a palavra de Só tinha de desentalar-me. O ho-
ofensa àquele homem; que muito, pois, mem queria estrito o caroço: o verivérbio.
que aqui ele se famanasse, vindo para
exigir-me, rosto a rosto, o fatal, a vexa- - Famigerado é inóxio, é célebre",
tória satisfação? "notório", "notável"...

- "Vosmecê mal não veja em minha


- "Saiba vosmecê que saí ind'hoje grassaria no não entender. Mais me diga:
da Serra, que vim, sem parar, essas seis É desaforado? É caçoável? É de ar-
léguas, expresso direto pra mor de lhe renegar? Farsância? Nome de ofensa?"
preguntaa pregunta, pelo claro..."
- Vilta nenhuma, nenhum doesto.
Se sério, se era. Transiu-se-me. São expressões neutras, de outros
usos...
- "Lá, e por estes meios de cami-
nho, tem nenhum ninguém ciente, nem - "Pois... e o que é que é, em fala
têm o legítimo - o livro que aprende as de pobre, linguagem de em dia-de-se-
palavras... É gente pra informação tor- mana?"
ta, por se fingirem de menos ignorânci-
- Famigerado? Bem. É: "importan-
as... Só se o padre, no São Ão, capaz,
te", que merece louvor, respeito...
mas com padres não me dou: eles logo
engambelam... A bem. Agora, se me faz - "Vosmecê agarante, pra a paz
mercê, vosmecê me fale, no pau da pero- das mães, mão na Escritura?"
— 287 —

Se certo! Era para se empenhar a Guimarães trabalha diferentes te-


barba. Do que o diabo, então eu sincero mas: infância, violência, loucura, culpa,
disse: memória, amor; realizando desde a abor-
dagem psicológica, passando pela fan-
- Olhe: eu, como o sr. me vê, com
tástica, mística, lírica até a satírica.
vantagens, hum, o que eu queria uma
hora destas era ser famigerado - bem Pequenos fatos do cotidiano des-
famigerado, o mais que pudesse!... pertam no leitor a sensibilidade para as
coisas simples da vida e provocam a
- " A h , bem!..." - soltou, exultante.
reflexão sobre o grandioso mistério da
Saltando na sela, ele se levantou de existência.
molas. Subiu em si, desagravava-se, num
Na maior parte dos contos o cená-
desafogaréu. Sorriu-se, outro. Satisfez
rio é o campo, provavelmente reminis-
aqueles três: - "Vocês podem ir, compa-
cências da infância e juventude do au-
dres. Vocês escutaram bem a boa des-
tor em Minas Gerais. Já os personagens
crição..." - e eles prestes se partiram.
em geral são loucos ou crianças, criatu-
Só aí se chegou, beirando-me a janela,
ras que encaram de modo peculiar a
aceitava um copo d'água. Disse: - "Não
realidade e demonstram maior sensibili-
há como que as grandezas machas duma
dade para o misticismo e a metafísica.
pessoa instruída!" Seja que de novo, por
Conseguem transformar episódios coti-
um mero, se torvava? Disse: - "Sei lá, às
dianos em momentos intensos, de reve-
vezes o melhor mesmo, pra esse moço
lação epifânica e mudança de vida.
do Governo, era ir-se embora, sei não..."
Mas mais sorriu, apagar-se-lhe a inquie-
tação. Disse: - "A gente tem cada cisma Grande Sertão: Veredas
de dúvida boba, dessas desconfian-
Romance publicado em 1956, mes-
ças... Só pra azedar a mandioca..." Agra-
mo ano da publicação de Corpo de Bai-
deceu, quis me apertar a mão. Outra vez,
le, Grande Sertão: Veredas é a obra
aceitaria de entrar em minha casa. Oh,
mais importante de Guimarães Rosa e já
pois. Esporou, foi-se, o alazão, não pen-
foi traduzida para diversas línguas.
sava no que o trouxera, tese para alto
rir, e mais, o famoso assunto. A narrativa é centrada no discurso
de Riobaldo, narrador-personagem que
(Guimarães Rosa, Primeiras Estórias, Rio de Janeiro:
conta sua experiência de vida a um
Nova Fronteira, 1988, p. 13-17)
interlocutor, que em momento algum se
Primeiras Estórias manifesta.

Publicada em 1962, Primeiras Es- Ex-jagunço do norte de Minas,


tórias é uma obra que reúne vinte e um Riobaldo agora vive próximo ao Rio São
contos, estruturados em pequenas nar- Francisco como fazendeiro e tem o hábi-
rativas, que têm como fio condutor um to de rezar e conversar com as pessoas
único acontecimento. que por ali passam, contando casos es-
— 288 -

tranhos, histórias de vingança, de per- sociais dos sertão; o das reflexões, em


seguição, de luta e também de amor. que Riobaldo retoma seu passado e res-
gata sua própria vida; o plano mítico, ca-
Apesar de jagunço, Riobaldo rece-
racterizado pelos conflitos que se mos-
beu educação formal, o que pode ser
tram através das forças da natureza.
percebido em suas reflexões metafísi-
cas e na oralidade fluente. A leitura do texto dá-nos realmente
a impressão de um relato oral, pela lin-
O narrador-personagem conta vá- guagem e recursos sintáticos utilizados.
rias histórias, conservando sempre a Contudo, o discurso sertanejo é enri-
inquietação em questionar a existência quecido por diversos regionalismos, ar-
ou não do diabo. Pouco a pouco o leitor caísmos, estrangeirismos e neologismos,
vai desvendando o motivo desta preo- resultado de estudos e pesquisas do
cupação: ela está relacionada a um pro- autor. Dessa forma, a obra assume um
vável pacto feito por Riobaldo com o dia- caráter dual, oscilando entre o coloquial
bo, quando, na juventude, ele almejava e o erudito, caráter também presente no
vencer seu inimigo Hermógenes. Dessa conteúdo da mesma: ao discutir a exis-
forma, o futuro de sua alma depende da tência ou não do diabo ou mesmo ao
existência ou não do diabo. apresentar personagens como Diadorim,
mulher que se traveste de homem, as-
Ao relatar seus casos, o narrador sumindo o papel de um jagunço.
mistura acontecimentos vividos e imagi-
nados, adquirindo a narrativa o ritmo frag- (fragmento)
mentário e não linear das lembranças.
— Nonada. Tiros que o senhor ou-
A linguagem tem para o narrador viu foram de briga de homem não, Deus
um papel fundamental: o de examinar esteja. Alvejei mira em árvores no quin-
sua vida e tentar entendê-la, além de tal, no baixo do córrego. Por meu acerto.
purgar-se de suas culpas. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em
minha mocidade. Daí, vieram me chamar.
Merece destaque a personagem
Causa dum bezerro: um bezerro bran-
feminina Diadorim, que exerce forte atra-
co, erroso, os olhos de nem ser - se viu
ção sobre Riobaldo, mas por outro lado
-; e com máscara de cachorro. Me dis-
traz-lhe grandes preocupações. Isso
seram; eu não quis avistar. Mesmo que,
porque o narrador pensa que Diadorim
por defeito como nasceu, arrebitado de
é um homem, o bravo guerreiro Reinaldo,
beiços, esse figurava rindo feito pes-
vindo a descobrir a verdadeira identida-
soa. Cara de gente, cara de cão: deter-
de dessa personagem apenas ao térmi-
minaram - era o demo. Povo prascóvio.
no da luta em que ela é morta por Her-
Mataram. Dono dele nem sei quem for.
mógenes.
Vieram emprestar minhas armas, cedi.
Segundo os críticos, podemos iden- Não tenho abusões. O senhor ri certas
tificar três planos no romance: o da vida risadas... Olhe: quando é tiro de verda-
dos jagunços, mostrando os aspectos de, primeiro a cachorrada pega a latir,
geográficos, econômicos, políticos e instantaneamente - depois, então, se vai
— 289 —

ver se deu mortos. O senhor tolere, isto executa; razão que o Simpilício se em-
é o sertão. Uns querem que não seja: presa em vias de completar de rico.
que situado sertão é por os campos- Apre, por isso dizem também que a bes-
gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de ta pra ele rupeia, nega de banda, não
rumo, terras altas, demais do Urucuia. deixando, quando ele quer amontar...
Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, Superstição. Jisé Simpilício e Aristides,
então, o aqui não é dito sertão? Ah, que mesmo estão se engordando, de assim
tem maior! Lugar sertão se divulga: é não-ouvir ou ouvir. Ainda o senhor es-
onde os pastos carecem de fechos; onde tude: agora mesmo, nestes dias de épo-
um pode torar dez, quinze léguas, sem ca, tem gente porfalando que o Diabo
topar com casa de morador; e onde cri- próprio parou, de passagem, no Andre-
minoso vive seu cristo-jesus, arredado quicé. Um Moço de fora, teria apareci-
do arrocho de autoridade. O Urucuia vem do, e lá se louvou que, para aqui vir -
dos montões oestes. Mas, hoje, que na normal, a cavalo, dum dia-e-meio - ele
beira dele, tudo dá - fazendões de fa- era capaz que só com uns vinte minutos
zendas, almargem de vargens de bom bastava... porque costeava o Rio do
render, as vazantes; culturas que vão Chico pelas cabeceiras! Ou, também,
de mata em mata, madeiras de grossura, quem sabe - sem ofensas - não terá
até ainda virgens dessas lá há. O gerais sido, por um exemplo, até mesmo o se-
corre em volta. Esses gerais são sem nhor quem se anunciou assim, quando
tamanho. Enfim, cada um o que quer passou por lá, por prazido divertimento
aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é engraçado? Há-de, não me dê crime,
questão de opiniães... O sertão está em sei que não foi. E mal eu não quis. Só
toda a parte. que uma pergunta, em hora, às vezes,
clareia razão de paz. Mas, o senhor
No demo? Não gloso. Senhor per- entenda: o tal moço, se há, quis mangar.
gunte aos moradores. Em falso receio, Pois, hem, que, despontar o Rio pelas
desfalam no nome dele - dizem só: o nascentes, será a mesma coisa que um
Que-Diga. Vote! não... Quem muito se se redobrar nos internos deste nosso
evita, se convive. Sentença num Aristi- Estado nosso, custante viagem de uns
des - o que existe no buritizal primeiro três meses... Então? Que-Diga? Doidei-
desta minha mão direita, chamado a Ve- ra. A fantasiação. E, o respeito de dar a
reda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita - ele assim esses nomes de rebuço, é
todo o mundo crê: ele não pode passar que é mesmo um querer invocar que ele
em três lugares, designados: porque forme forma, com as presenças!
então a gente escuta um chorinho, atrás,
e uma vozinha que avisando: - "Eu já Não seja. Eu pessoalmente, quase
vou! Eu já vou!..." - que é o capirote o que já perdi nele a crença, mercês a
que-diga... E um Jisé Simpilício - quem Deus; é o que ao senhor lhe digo, à puri-
qualquer daqui jura ele tem um capeta dade. Sei que é bem estabelecido, que
em casa, miúdo satanazim, preso obri- grassa nos Santos-Evangelhos. Em oca-
gado a ajudar em toda ganância que sião, conversei com um rapaz semina-
— 290 —

rista, muito condizente, conferindo no sossegos, estou de range rede. E me


livro de rezas e revestido de paramenta, inventei neste gosto, de especular idéia.
com uma vara de maria-preta na mão - O diabo existe e não existe? Dou o dito.
proseou que ia adjutorar o padre, para Abrenuncio. Essas melancolias. O se-
extraírem o Cujo, do corpo vivo de uma nhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas
velha, na Cachoeira-dos-Bois, ele ia cachoeira é barranco de chão, e água
com o vigário do Campo-Redondo... Me se caindo por ele, retombando; o senhor
concebo. O senhor não é como eu? Não consome essa água, ou desfaz o bar-
acreditei patavim. Compadre meu Quele- ranco, sobra cachoeira alguma? Viver é
mém descreve que o que revela efeito negócio muito perigoso...
são os baixos espíritos descarnados,
de terceira, fuzuando nas piores trevas Explico ao senhor: o diabo vige den-
e com ânsias de se travarem com os tro do homem, os crespos do homem -
viventes - dão encosto. Compadre meu ou é o homem arruinado, ou o homem
Quelemém é quem muito me consola - dos avessos. Solto, por si, cidadão, é
Quelemém de Góis. Mas ele tem de mo- que não tem diabo nenhum. Nenhum! - é
rar longe daqui, na Jijujã, Vereda do Buriti o que digo. O senhor aprova? Me decla-
Pardo... Arres, me deixe lá, que - em re tudo, franco - é alta mercê que me
endemoninhamento ou com encosto - o faz: e pedir posso, encarecido. Este caso
senhor mesmo deverá de ter conhecido - por estúrdio que me vejam - é de minha
diversos, homens, mulheres. Pois não certa importância. Tomara não fosse...
sim? Por mim, tantos vi, que aprendi. Rin- Mas, não diga que o senhor, assiado e
cha-Mãe, Sangue-d'Outro, o Muitos-Bei- instruído, que acredita na pessoa dele?!
ços, o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião com-
Fancho-Bode, um Trecizizno, o Azinha- põe minha valia. Já sabia, esperava por
ve... o Hermógenes... Deles, punhadão. ela - já o campo! Ah, a gente, na velhice,
Se eu pudesse esquecer tantos no- carece de ter sua aragem de descanso.
mes... Não sou amansador de cavalos! Lhe agradeço. Tem diabo nenhum. Nem
E, mesmo, quem de si de ser jagunço se espírito. Nunca vi. Alguém devia de ver,
éntrete, já é por akjuma competência então era eu mesmo, este vosso servi-
entrante do demônio. Será não? Será? dor. Fosse lhe contar... Bem, o diabo re-
gula seu estado preto, nas criaturas, nas
mulheres, nos homens. Até: nas crian-
De primeiro, eu fazia e mexia, e pen-
ças - eu digo. Pois não é ditado: "menino
sar não pensava. Não possuía os pra-
zos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe - trem do diabo"? E nos usos, nas plan-
vivo no moquém: quem mói no asp'ro, tas, nas águas, na terra, no vento... Es-
não fantaseia. Mas, agora, feita a folga trumes... O diabo na rua, no meio do re-
que me vem, e sem pequenos desas- demunho...
sossegos, estou de range rede. E me ( R o s a , João Guimarães. GrandeSertão;Veredas, Rio
que me vem, e sem pequenos desas- de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, pp. 1 -4)
— 291 —

Resumo do Modernismo
Momento sócio-cultural Grande (1933), O Rei da Vela (1937).
• Manuel Bandeira: deixou obra líri-
• As máquinas e o ritmo acelerado da
ca, precisa e simples, mas muito bem
civilização industrial se incorporavam
construída. Destacam-se Libertina-
à paisagem brasileira.
gem ( 1 9 3 0 ) , Estrela da Manhã
• Problemas sociais antigos continuam
( 1 9 3 6 ) , Itinerário de Pasárgada
sem solução, produzindo tensões e
(1954), Estrela da Vida /nfe/ra(1966).
conflitos graves. Os meios intelec-
• Graciliano Ramos: expoente do ro-
tuais sentem que é preciso reformar
mance regional e de análise psicológi-
o Brasil, mergulhado numa contradi-
ca. Principais obras: São Bernardo
ção grave: ao mesmo tempo em que
(1934), Angústia (1936), Wdas Secas
se modernizava, mantinha uma or-
(1938), Memórias do Cárcere (1953).
ganização social arcaica.
• Carlos D r u m m o n d de A n d r a d e :
Características literárias considerado o maior poeta da litera-
tura brasileira, deixou obra que ex-
• A 1- fase é a de ruptura com o pas-
pressa a angústia do homem con-
sado. Humor, uso do coloquial,
primitivismo, vanguardas, tudo é vá- temporâneo. Destaques: Alguma Po-
lido para criar uma literatura em esia (1930), Sentimento do Mundo
sintonia com os novos tempos. (1940), A Rosa do Povo (1945), Cla-
• na 2- fase se estabelecem o roman- ro Enigma (1951), Boitempo (1968).
ce regionalista, que retrata urna certa • João Cabral de Melo Neto: um dos
região do país, e a prosa intimista, poetas brasileiros mais importantes,
que estuda o homem urbano. deixou obra sem exageros sentimen-
• 8
a 3 fase nega algumas das pro- tais, precisa e seca. Destaques: Pe-
postas da \- e retoma o uso cuida- dra do Sono (1942), O Cão sem Plu-
doso e consciente da palavra. O mas (1950), Morte e Vida Severina
número de correntes literárias e au- (1956), Museu de Tudo (1975).
tores cresce, o que torna difícil clas- • Clarice Lispector: autora de obra
sificar essa fase. voltada ao intimismo e ao mergulho
na psique dos personagens. Princi-
Autores e obras pais obras: A Cidade Sitiada (1949),
• Mário de Andrade: deixou uma obra A Paixão segundo G. H. (1964), Água
vasta e muito influente, onde os des- Viva (1973), A Via-Crúcis do Corpo
taques são Paulicéia Desvairada (1974), A Hora da Estrela (1977).
(1922), Macunaíma (1928), Contos • Guimarães Rosa: usando o sertão
Novos (1946), Lira Paulistana (1946). mineiro como cenário, criou obra que
• Oswald de Andrade: Incorporou ele- Investiga temais universais. Desta-
mentos das vanguardas européias em ques: Sagarana(1946), Corpo de Bai-
seus poemas. Escreveu Memórias le (1956), Grande Sertão: Veredas
Sentimentais de João Miramar(1924), (1956), Tutaméia (Terceiras Estó-
Paul Brasil (1925), Serafim Ponte rfas)(1967).
— 292 —

Tendências Contemporâneas
(1960 até a atualidade)

A partir das décadas de 50 e 60, A influência das diversas lingua-


muitos autores falam em Pós-Modernis- gens na poesia está diretamente relaci-
mo ou tendências contemporâneas. Isso onada aos elementos visuais que pas-
porque ainda se fazem presentes mui- sam a compor as grandes cidades e os
tas características modernistas, porém meios de comunicação de massa.
há várias inovações.
O autor faz questão de ressaltar
Segundo Domício Proença Filho, a que "poesia visual" engloba "toda espé-
arte pós-modemísta aproxima a arte eru- cie de poesia ou texto que utilize ele-
dita e a arte popular; é marcada pela mentos gráficos para se somar às pala-
intertextualidade (diálogo entre obras); vras, em qualquer época da história e
realiza uma mistura de estilos; demons- em qualquer lugar; já 'poesia concreta' é
tra forte preocupação com o momento um estilo de poesia visual que nasce
presente; faz uso da ironia e da metalin- num dado momento histórico, com ca-
guagem. racterísticas bem definidas."

O movimento concretista tem sua


origem em 1952, na revista "Noigan-
Poesia dres", mas inicia-se oficialmente em
1956, com a Exposição Nacional de Arte
Concreta, que aconteceu em São Paulo.
Foi o primeiro movimento literário no Brasil
Concretismo e outros a utilizar recursos visuais, inovando a
idéia de poesia.
movimentos
O Concretismo prioriza os recur-
Segundo Philadelpho Menezes, no sos gráficos das palavras, enfatizando
século XX várias linguagens passam a a comunicação visual entre o texto e o
influenciar a poesia: a tipografia, o de- leitor. Há um abandono dos versos e do
senho, as artes gráficas, a fotografia, o lirismo e o espaço do papel é aproveita-
cinema, a publicidade. Esta passa a uti- do, assim como o conteúdo sonoro e
lizar elementos visuais, criando a cha- visual das palavras. O significado cede
mada "poesia visual" e a valorizar mais sua importância ao valor concreto do
a oralidade da palavra falada, originan- poema. Este, por sua vez, permite mui-
do a "poesia sonora". tas possibilidades de leitura.
— 293 —

Os principais poetas concretistas Dois e dois: quatro


são Augusto de Campos, seu irmão
Como dois e dois são quatro
Haroldo de Campos e Décio Pignatari.
sei que a vida vale a pena
Paralelamente à poesia concreta embora o pão seja caro
ocorreu a chamada poesia social, que
e a liberdade pequena
resistiu ao formalismo da primeira e cri-
ticou a alienação dos movimentos van- Como teus olhos são claros
guardistas. Retomou os versos e utili-
e a tua pele, morena
zou uma linguagem mais simples, ten-
do como tema a realidade social. Pode- como é azul o oceano
mos citar alguns nomes: Ferreira Gul-
e a lagoa, serena
lar, Thiago de Mello e Alfonso Romano
de SanfAnna. como um tempo de alegria

A literatura também sofreu grande por trás do terror me acena


influência do Tropicalismo, movimento
e a noite carrega o dia
no campo da música que, assim como o
no seu colo de açucena
Manifesto Antropófago de Oswald de
Andrade, propunha a incorporação de
- sei que dois e dois são quatro
quaisquer culturas, sem preconceito.
sei que a vida vale a pena
Nos anos 70 muitos poetas cons-
truíram uma poesia denominada "mar- mesmo que o pão seja caro
ginal", pois não tinha sua impressão e e a liberdade, pequena.
distribuição realizada por editoras, mas (Ferreira Gullar, Os melhores poemas de Ferreira
por meio de mimeógrafos ou off-set. Gullar, São Paulo: Global, 1994.)
Alguns autores iniciaram sua produ-
Observe com atenção o poema de
ção poética como "marginais": Chacal, Décio Pignatari:
Paulo Leminski, Cacaso, Chico Alvim.
Utilizaram linguagem coloquial e procu-
raram aproximar poesia e vida. Além
beba coca cola
disso, demonstraram fortes influências babe cola
concretistas.
beba coca
Já outros escritores trilharam di-
ferentes caminhos na poesia, não se babe cola caco
enquadrando nas tendências já men-
cionadas. São eles: Adélia Prado, Ma-
caco
nuel de Barros, José Paulo Paes, Ar-
naldo Antunes, Orides Fontela e Fer-
cola
nando Paixão. cloaca
— 294 —

Prosa de grande importância na atualidade,


além de Jorge Amado: João Ubaldo Ri-
beiro, que escreve de modo a recriar a
linguagem.

Realismo Urbano
Romance Psicológico
Os romances de ambientação ur-
bana tematizam a violência e a margina- O romance psicológico possui um
lidade nas grandes cidades. tom intimista e centra-se nas inquieta-
Podemos citar como principais au- ções interiores dos personagens, tra-
tores Rubem Fonseca, com seus con- balhando temas do cotidiano, relaciona-
tos; Dalton Trevisan, com parte de sua dos à família e à afetividade.
obra e João Antônio, com seus contos.
A literatura intimista aproxima-se do
Dentro do realismo urbano há o ro- diário ou das memórias, trabalhando os
mance-reportagem, que parte de episó- grandes conflitos existenciais, muitas
dios verídicos e utiliza recursos como a vezes beirando o pessimismo.
ironia e a paródia. Destacam-se José
Louzeiro e Ignacio de Loyola Brandão. Uma autora que merece destaque
é Lygia Fagundes Telles.

Prosa Regionalista
Crônica
A prosa regionalista retrata as re-
giões brasileiras e suas particularida- Pequenas histórias, baseadas em
des humanas e sociais. A região Cen- fatos do cotidiano, são exploradas por
tral é explorada por Bernardo Ellis e José autores como Stanislaw Ponte Preta,
J. Veiga; a região Sul por Moacyr Scliar Rubem Braga, Otto Lara Resende, Fer-
e a região Norte por Márcio de Souza. A nando Sabino e Luís Fernando Verís-
Bahia, particularmente, tem um escritor simo.
— 295 —

car. Nele, o autor retrata uma época re-


Teatro mota de nossa história, em que o Brasil
O ano de 1943, em que é encenada a era habitado somente pelos índios.
peça Vestido de noiva, de Nelson Ro- Alencar realizou estudos sobre an-
drigues, é tido como o marco inicial do tea- tropologia indígena, a fim de melhor res-
tro moderno no Brasil. gatar este universo e, conseqüentemen-
Nelson Rodrigues merece destaque te, nossas próprias origens.
por suas peças de caráter psicológico, Paralelamente à narrativa, organi-
abordando temas como suicídios, atrope- zam-se notas do autor, resultantes de
lamentos, casos de adultério, sempre pe- leituras dos cronistas e que dão embasa-
netrando na intimidade dos personagens. mento teórico ao texto.
Gianfrancesco Guarnieri abordou a
Nestas notas, Alencar faz severas
temática social e engajou-se politicamente.
críticas aos cronistas, tentando mostrar
É de sua autoria Eles não usam black-tie.
que estes procuravam enxergar os índi-
Já as peças de Plínio Marcos enqua-
os à luz de suas Idéias e tradições. Com
dram-se no "realismo crítico", como é o ca-
isso, não compreenderam a nova cultura
so de Navalha na carne.
da qual se aproximavam e perceberam
Também as peças de Chico Buarque, os índios a partir de seus próprios hábi-
como Roda viva, e as de Jorge Andrade {A tos e costumes, calcados numa visão
moratória, Pedreira das almas) são de etnocêntrica do mundo.
caráter realista.
Por outro lado, as peças de Ariano (fragmento das notas)
Suassuna inserem-se no "regionalismo de Os historiadores, cronistas e via-
inspiração crítica", adotando elementos jantes da primeira época, senão de todo
cômicos e caricatos e trabalhando com te- o período colonial, devem ser lidos à luz
mas populares ou folclóricos. de uma crítica severa. É indispensável
De "inspiração popular" são as peças sobretudo escoimar os fatos compro-
de Dias Gomes, além de denunciarem in- vados, das fábulas a que serviam de
justiças sociais. mote, e das apreciações a que os sujei-
tavam espíritos acanhados, por demais
Leituras Obrigatórias imbuídos de uma intolerância ríspida.
Homens cultos, filhos de uma socie-
(Literatura Brasileira) dade velha e curtida por longo trato de

da UNICAMP 2001- séculos, queriam esses forasteiros


achar nos indígenas de um mundo novo
2002-2003 e segregado da civilização universal
uma perfeita conformidade de idéias e
Ubirajara costumes. Não se lembravam, ou não
sabiam, que eles mesmos provinham de
José de Alencar
bárbaros ainda mais ferozes e grossei-
Publicado em 1874, Ubirajara foi o ros do que os selvagens americanos.
último dos romances indianistas de Alen- (P- 11)
— 296 —

As críticas estendem-se aos mis- O tempo dos acontecimentos é uma


sionários, que, segundo Alencar, enca- época que antecede o descobrimento e
ravam os índios como "feras humanas" o contato dos índios com os brancos. O
a serem domesticadas. De modo diver- espaço envolve as proximidades dos
so, o autor de O Guarani procura anali- rios Tocantins e Araguaia.
sar a sociedade indígena de um ponto Em meio à floresta, surge o perso-
de vista filosófico, observando o "ou- nagem Jaguaré, assim chamado por ter
tro" apenas como diferente, não como vencido todos os animais, inclusive o
um inferior a ser subjugado. jaguar. Bravo caçador, ele almeja trans-
formar-se em um guerreiro. Após gran-
(fragmento das notas)
de combate, vence o inimigo Pojucã e
Releva ainda notar, que duas clas- torna-se o "senhor da lança", o guerrei-
ses de homens forneciam informações ro Ubírajara. Passa a líder dos araguaias,
acerca dos indígenas: a dos missionári- assim como fora seu pai Camacã, além
os e a dos aventureiros. Em luta uma com de ter o reconhecimento da tribo por sua
a outra, ambas se achavam de acordo bravura e heroísmo.
nesse ponto, de figurarem os selvagens
como feras humanas. Os missionários (fragmento)
encareciam assim a importância da sua O guerreiro chefe enrista desdenho-
catequese; os aventureiros buscavam samente a lança e caminha para Jaguaré.
justificar-se da crueldade com que trata- Não vai como o guerreiro que marcha ao
vam os índios, (p. 12) combate, mas como o matador que se
prepara para imolar a vítima.
Com isso, procura desfazer certos
preconceitos em relação ao comporta- — Guerreiro c h e f e , J a g u a r é não te
mento indígena, como o que diz respeito q u e r matar como a serpente que ataca
à poligamia, encarada pelos cronistas o descuidado caçador. Dez vezes já, se
europeus como promiscuidade sexual quisesse, ele te houvera ferido com tua
ou imoralidade conjugal. própria mão.
— Abandona a glória do guerrei-
Outro preconceito que busca des-
ro, que não é para ti, nhengaíba. Pojucã
mistificar é o ritual antropofágico, mos-
te concederá a vida e te levará cativo à
trando que este significa uma incorpo-
taba dos Tocantins para que tu cantes
ração da bravura e da força do inimigo,
as suas façanhas na testa dos guer-
não um gesto vingativo como se costu-
reiros.
mava pensar.
— Cativo serás tu, mas não para
Além disso, Alencar mostra os va- cantar os feitos dos guerreiros. Tu ser-
lores cultivados pelos índios, tais como virás na taba dos araguaias para ajudar
a lealdade e o heroísmo. as velhas a varrer a oca.
Segundo o autor, a obra pode ser Arremessou-se Pojucã avante e
classificada como lenda, já que é um desfechou o golpe; mas a lança rodara
texto mítico que narra a origem da co- e foi o chefe tocantim quem recebeu no
munidade indígena dos ubirajaras. peito a ponta farpada.
— 297 —

Quando o corpo robusto de Pojucã ele também demonstrara interesse por


tombava, cravado pelo dardo, Jaguaré Jandira, a doce virgem de sua própria
d'um salto calcou a mão direita sobre o comunidade.
ombro esquerdo do vencido, e brandin-
do a arma sangrenta, soltou o grito do (...)
triunfo: Jurandir, conduzido pela virgem,
— Eu sou Ubirajara, o senhor da caminhou ao encontro de Itaquê e disse;
lança, o guerreiro invencível que tem por — Grande chefe dos Tocantins,
arma a serpente. Reconhece o teu ven- Jurandir não veio à tua cabana para re-
cedor, Pojucã, e proclama o primeiro dos ceber a hospitalidade; veio para servir
guerreiros, pois te venceu a ti, o maior ao pai de Araci, a formosa virgem, a
guerreiro que existiu antes dele. quem escolheu para esposa. Permite que
— Se meu valor, que serviu para ele a mereça por sua constância no tra-
aumentar a tua fama, merece de ti uma balho, e que a dispute aos outros guer-
graça, não deixes que Pojucã sofra mais reiros pela força de seu braço.
um instante a vergonha de sua derrota. Itaquê respondeu;
— Não, chefe tocantím. Tu me — Araci é a filha de minha velhice.
acompanharás à taba dos araguaias A velhice é a idade da prudência e da
para narrar o meu valor. A fama de sabedoria. O guerreiro que conquistar
Jaguaré precisa de um prisioneiro como uma esposa como Araci terá a glória de
o grande Pojucã na festa da vitória. gerar seu valor no seio da virtude. Itaquê
não pode desejar para seu hóspede
— Tu és crel,,gugrreiro da lança;
maior alegria.
mas fica certo que se tua arma traiçoei-
ra feriu-me o peito; o suplício não ven- Desde esse momento, Jurandir não
cerá a constância do varão tocantim, foi mais estrangeiro na taba dos Tocan-
que sabe afrontar as iras de Tupã e tins. Pertencia à oca de Itaquê, e devia,
desprezar a vingança dos araguaias. como servo do amor, trabalhar para o
(PP. 26-27) pai de sua noiva.
Em seguida, o jovem guerreiro vai
Os guerreiros, cativos da beleza
em busca de mais uma conquista; sua
de Araci, conheceram que tinham de
esposa. Araci, virgem tocantim, filha do
combater um adversário formidável; mas
chefe Itaquê, já havia tocado seu cora-
seu amor cresceu com o receio de per-
ção. Dirige-se à tribo tocantim e é rece-
der a filha de Itaquê.
bido com hospitalidade, reconhecido
como um enviado de Tupã. Passa en- Jurandir tomou suas armas e des-
tão a se chamar Jurandir, "trazido pela ceu ao rio. Era a hora em que o jacaré
luz do céu", e a disputar a posse de bóia em cima das águas como o tronco
Araci, "a estrela do dia", com os guer- morto; e a jaçanã se balança no seio do
reiros da tribo inimiga. Além de Araci, nenúfar.
— 298 —

O manati erguia a tromba para pas- O velho tapir rompeu a serpente


tar a relva na margem do rio. Ouvindo o como se rompe uma corda de piaçaba;
rumor das folhas, mergulhou na corren- mas não pôde abalar o braço de Jurandir,
te, mas já levava o arpéu do pescador, mais firme do que o tronco do guaribu.
cravado no lombo.
O estrangeiro tornou à cabana com
Jurandir não esperou que o peixe a caça. Nenhum dos guerreiros da taba,
ferido desenrolasse toda a linha. Puxou- nem mesmo o velho Itaquê, pôde agüen-
o para terra; e levou-o ainda vivo à caba- tar com as duas mãos a fera bravia.
na de Itaquê, onde três guerreiros custa-
ram a deitá-lo no jirau. Então Jurandir obrigou o animal a
agachar-se aos pés de Araci e disse:
As mulheres cortaram as postas de
carne e os guerreiros cavaram a terra — O braço de Jurandir fará cair as-
para fazer as grelhas do biaribi. sim, a teus pés, o guerreiro que ouse
disputar ao seu amor a tua formosura,
Jurandir partiu de novo e entrou na estrela do dia. (pp. 59-60)
floresta. Ao longe reboavam os gritos
dos caçadores que perseguiam a fera. Após a luta contra os tapuias, as
duas nações unem-se, originando a na-
Pelo assobio o guerreiro conheceu ção dos ubirajaras, que habitava as
que era um tapir. O animal zombara dos margens do Rio São Francisco na é p o -
caçadores e vinha rompendo a mata ca do descobrimento. Ubirajara recebe
como a torrente do Xingu. as duas jovens (Araci e Jandira) como
esposas, tornando-se senhor supremo.
As árvores que seu peito encontra-
va caíam lascadas. O outro sol rompia, quando oa ta-
Jurandir estendeu o braço. O velho puias estenderam pela campina a multi-
dão de seus guerreiros.
tapir, agarrado pelo pé, ficou suspenso
na carreira, como o passarinho preso no Na frente assomava Agniné, a mon-
laço. Nunca, até aquele momento, encon- tanha dos guerreiros, ainda mais feroz do
trara força maior que a sua. que o irmão, o terrível Canicrã.
Uma vez descer à lagoa para beber. De um lado e do outro seguiam-se as
A sucuri, que espreitava a caça, mor- chefes, cada um à frente de seus guer-
deu-a na tromba. Ele fugia, esticando a reiros.
serpente; e a serpente encolhendo-se, o
arrastava até à beira d'água. Ubirajara escolheu mil guerreiros
araguaias e mil guerreiros Tocantins, com
Assim tornou uma, duas, três ve-
que saiu ao encontro dos tapuias.
zes. Mas o tigre urrou de fome. O velho
tapir disparou pela floresta; e a sucuri Depois que desdobrou sua batalha
com a cauda presa à raiz da árvore arre- pela campina, o chefe dos chefes cami-
bentou pelo meio. nhou só para o inimigo.
— 299 —

Quando chegava a meio do campo, Caiu Agniná do primeiro bote; após


os tapuias levantaram a pocema de guer- ele caíam aos dois os chefes tapuias,
ra, que atroou os ares, como o estrépido como caem os juncos talhados pelo dente
da cachoeira. afiado da capivara.

Um turbilhão de setas crivou o longo Então o herói soltou seu grito de triun-
escudo do herói, que ficou semelhante fo, que era como o rugido do vento no
ao grosso tronco de juçara, eriçado de deserto;
espinhos.
— Eu sou Ubirajara, o senhor da lan-
Ubirajara embraçou o escudo na al- ça, o guerreiro invencível que tem por arma
tura do ombro, e com o pé brandiu sete uma serpente.
vezes a corda do grande arco gêmeo.
"Eu sou Ubirajara, senhor das na-
As setas vermelhas e amarelas su- ções, o c h e f e dos chefes, que varre a
biram direitas ao céu e perderam-se nas terra, como o vento no deserto."
nuvens.
O herói estendeu a vista pela campi-
Quando voltaram, Agniná e os che- na, e não descobriu mais o inimigo, que
fes que obedeciam a seu arco, tinham sumia-se na poeira.
cada um fincado na cabeça o desafio do
Ubirajara lançou-lhe seus guerrei-
formidável guerreiro.
ros, que tinham fome de vingança; po-
Enfurecidos mais pelo insulto do que rém o terror de sua lança dava asas aos
pela dor, arremessaram-se contra o inimi- fugitivos.
go que os esperava coberto com seu vas-
Desde esse dia nunca mais um tapuia
to escudo.
pisou as margens do grande rio.
Agniná era o primeiro na corrida e o
Ubirajara voltou à cabana, onde o
primeiro na sanha. Após ele vinham os
esperava Araci.
outros a dois e dois, lutando na rapidez.
A esposa despiu as armas de seu
Quando o esposo de Araci viu que
guerreiro, enxugou-lhe o corpo com o ma-
eles se estendiam pela campina, como dois
cio cotão da monguba, e cobriu-o do bál-
ribeiros que se aproximam para confundir
samo fragrante da embaíba.
suas águas; o herói empunhou a lança de
duas pontas e soltou seu grito de guerra, Encheu depois de generoso cauim a
que era como o bramir do jaguar, senhor taça vermelha feita do coco da sapucaia;
da floresta. e aplacou a sede do combate.

Seu pé devorou o espaço; e a lança Enquanto nas grandes tabas se pre-


de duas pontas girou em sua mão, como a parava a festa do triunfo e o herói repou-
serpente que enrosca-se nos ares, sil- sava na rede, Araci foi ao terreiro e voltou
vando. conduzindo Jandira peia mão.
— 300 —

— Jandira é irmã de Araci, tua es- fatores hereditários, do meio e do mo-


posa. Ubirajara é o chefe dos chefes, mento histórico.
senhor do arco das duas nações. Ele
Do cientificismo originam-se a lin-
deve repartir seu amor por elas, como
guagem precisa e objetiva, as descri-
repartiu a sua força.
ções exatas e a valorização dos deta-
A virgem Araguaia pôs no guerrei- lhes. Além disso, o narrador retrata com
ro seus olhos de corça. impessoalidade e frieza as personagens
e a realidade que as circunda.
— Jandira é serva de tua esposa;
seu amor a obrigou a querer o que tu A narração é realizada em terceira
queres. Ela ficará em tua cabana para pessoa, por um narrador-onisciente, que
ensinar a tuas filhas como uma virgem observa atentamente os fatos e os des-
Araguaia ama seu guerreiro. creve de modo linear, à medida que vão
se desenrolando.
Ubirajara cingiu o peito, com um e
outro braço, a esposa e a virgem. Tendo como cenário o mar, a histó-
ria tematiza a perversão sexual entre
— Araci é a esposa do chefe marinheiros.
tocantim; Jandira será esposa do chefe
Araguaia; ambas serão as mães dos Amaro é o "bom crioulo", negro forte
filhos de Ubirajara, o chefe dos chefes, e robusto, que é atraído por Aleixo, jovem
e o senhor das florestas. grumete branco e frágil, seu oposto.

(fragmentos)
Com efeito, Bom-Crioulo não era
As duas nações, dos araguaias e somente um homem robusto, uma des-
dos tocantins, formaram a grande na- sas organizações privilegiadas que tra-
ção dos Ubirajaras, que tomou o nome zem no corpo a sobranceira resistência
do herói. do bronze e que esmagam com o peso
Foi esta poderosa nação que domi- dos músculos.
nou o deserto. A força nervosa era nele uma qua-
Mais tarde, quando vieram os cara- lidade intrínseca sobrepujando todas as
murus, guerreiros do mar, ela campeava outras qualidades fisiológicas, empres-
ainda nas margens do grande rio. (pp. tando-lhe movimentos extraordinários,
92-94) invencíveis mesmo, de um acrobatismo
imprevisto e raro.

Bom-Crioulo Esse dom precioso e natural desen-


volvera-se-lhe à força de um exercício
Adolfo Caminha
continuado que o tornara conhecido em
Como um típico romance naturalis- terra, nos conflitos com soldados e ca-
ta, Bom-Crioulo submete o destino de traieiros, e a bordo, quando entrava em-
seus personagens ao determinismo dos briagado.
— 301 —

Porque Bom-Crioulo de longe em lon- abrutalhado, uma grande pinta de san-


ge sorvia o seu gole de aguardente, che- gue no olho esquerdo, o rosto largo de
gando mesmo a se chafurdar em bebe- um prognatismo evidente, não se inco-
deiras que o obrigavam a toda sorte de modava com o juízo dos outros. - Não
loucuras. lho dissessem na cara, porque então o
negócio era feio... A chibata fizera-se
Armava-se de navalha, ia para os
para o marinheiro: apanhava até morrer,
cais, todo transfigurado, os olhos darde-
como um animal teimoso, mas havia de
jando fogo, o boné de um lado, a camisa
mostrar o que é ser homem!
aberta num desleixo de louco, e então
era um risco, uma temeridade alguém Sua amizade ao grumete nascera,
aproximar-se dele. O negro parecia uma de resto, como nascem todas as gran-
fera desencarcerada: fazia todo mundo des afeições, inesperadamente, sem pre-
fugir, marinheiros e homens da praia, cedentes de espécie alguma, no momen-
porque ninguém estava para sofrer uma to fatal em que seus olhos se fitaram pela
agressão... primeira vez. Esse movimento indefinível
que acomete ao mesmo tempo duas na-
(...)
turezas de sexos contrários, determinan-
Diziam uns que a cachaça estava do o desejo fisiológico da posse mútua,
deitando a perder "o negro"; outros, po- essa atração animal que faz o homem
rém, insinuavam que Bom-Crioulo torna- escravo da mulher e que em todas as
ra-se assim, esquecido e indiferente, dês espécies impulsiona o macho para á fê-
que "se metera" com o Aleixo, o tal gru- mea, sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmen-
mete, o belo marinheiro de olhos azuis, te ao cruzar a vista pela primeira vez com
que embarcara no sul. - O ladrão do ne- o grumetezinho. Nunca experimentara se-
gro estava mesmo ficando sem-vergo- melhante cousa, nunca homem algum ou
nha! E não lhe fossem fazer recrimina- mulher produzira-lhe tão esquisita impres-
ções, dar conselhos... Era muito homem são, desde que se conhecia! Entretanto,
para esmagar um! o certo é que o pequeno, uma criança de
quinze anos, abalara toda a sua alma,
O próprio comandante já sabia da- dominando-a, escravizando-a logo, na-
quela amizade escandalosa com o pe- quele mesmo instante, como a força mag-
queno. Fingia-se indiferente, como se nética de um ímã. (...) (pp.15-16, 21)
nada soubesse, mas conhecia-se-lhe no
olhar certa prevenção de quem deseja Já na terra, os dois passam então
surpreender em flagrante... a se encontrar num quarto alugado pela
prostituta quarentona D. Carolina. Esta
Os oficiais comentavam baixinho o
também sente atração pelo jovem mari-
fato e muita vez riam maliciosamente na
nheiro, pois ele significa a possibilidade
praça d'armas entre copos de limonada.
do amor desinteressado ou mesmo de
Tudo isso, porém, não passava de uma relação maternal, coisas nunca per-
suspeitas, e Bom-Crioulo, com o seu todo mitidas a ela.
— 302 —

O protagonista passa então a de- Tremia numa crise formidável de de-


senvolver um ciúme doentio, porém ja- sespero, os olhos congestionados, um
mais suspeitando da possibilidade de suor frio a porejar-lhe da testa negra e
uma traição com a prostituta portugue- reluzente.
sa. Este ciúme cada vez maior resulta
num impulso irracional: o assassinato O pequeno estacou suspreendido:
de Aleixo. Com isso, Bom Crioulo perde
sua própria razão de existir e permane- — Sou eu mesmo, rugiu Bom-Criou-
ce no mesmo nível de um animal, agindo lo, sou eu mesmo! Pensavas que era só
puramente pelo instinto, em detrimento meter-te com a portuguesa, hein? Olha
da razão e dos sentimentos. para esta cara, olha como estou magro,
como estou acabado... Olha, olha!
O autor trabalha com naturalidade
o tema do homossexualismo e mostra o E apertava bruscamente o outro,
quanto a profissão exercida por certos sacudindo-o como se o quisesse atirar
homens, como os marinheiros, acaba ao chão.
por brutalizá-los e deixar como única
válvula de escape a afetividade, resul- — V ê lá se me conheces, anda! Olha
tando na perversão sexual. bem para esta cara!

As cenas sexuais, assim como ou- O efebo debatia-se, pálido, aterrado:


tros aspectos da realidade (epilepsia,
castigos corporais, crimes) são descri- — Me largues! Não me provoque,
tos com frieza, ousadia e de modo minu- senão eu grito!
cioso, através de uma linguagem erudi-
— Anda pr'aí, grita, se és capaz!
ta, permeada de elementos coloquiais,
Grita, safado, sem-vergonha... mal-agra-
como palavrões e gírias de bordo.
decido!
(fragmento)
Sua voz tomava uma inflexão volup-
Aleixo ia saindo porta fora, tranqüi-
tosa e terrível ao mesmo tempo; a pala-
lamente, apertado na sua roupa azul e
vra saía-lhe gaguejada, estuporada e trê-
branca de marinheiro, a camisa decota-
mula.
da, a calça justa.
O negro teve um daqueles ímpetos — Grita, anda!
medonhos, que o acometiam às vezes;
O outro mudava de cores, recuava
garganteou um — oh! rouco, abafado,
trôpego, a língua presa, quase a chorar,
comprimido, e, ligeiro, furioso, perdido de
coléra, sem dar tempo a nada, precipi- numa aflição de culpado, o olhar azul
tou-se, numa vertigem de seta, para a submisso refletindo a imagem do negro:
rua. Não via nada, não enxergava nada,
— Me largue, repetiu. Eu lhe peço:
tresvairado, como se de repente lhe hou-
me largue!
vesse fugido a luz dos olhos e a razão
do cérebro. Precipitou-se, e, esbarrando Transeuntes olhavam-nos de ban-
com o grumete, fintou-o pelo braço. da e voltavam-se para os ver naquela
— 303 —

posição, rosto a rosto, juntinhos, agarra- numa ânsia de novidade. Latiam cães.
dos misteriosamente. Porque Bom-Criou- Um movimento cheio de rumores, uma
lo não falava alto, que todos ouvissem, balbúrdia! Circulavam boatos aterrado-
não dava escândalo, não fazia alarme: res, notícias vagas, incompletas. Inven-
sua voz era um rugio cavernoso e histé- taram-se histórias de assassinato, de
rico, um regougo abafado, longínquo e cabeça quebrada, de sangue. Cada
profundo. olhar, cada fisionomia era uma interro-
gação. Chegavam soldados, marinhei-
— Grita, anda, grita pela vaca da ros, policiais. Fechavam-se portas com
Carolina! estrondo.

— Me solte — continuou o efebo Alguma cousa extraordinária tinha


trémulo, acovardado. Me largue! havido porque, de repente, o povo re-
cuou, abrindo passagem, num atropelo.
— Não te largo, não, cousinha ruim,
não te largo, não! Bom-Crioulo, este que — Abre! abre! diziam soldados er-
aqui está, não é o que tu pensas... guendo o refle.

— Mas eu não fiz nada! Me solte, De cima, das casas, mãos aponta-
que é tarde! vam para baixo.

Os olhos do negro tinham uma ex- E D. Carolina, que também chegara


pressão feroz e amargurada, muito ru- à janela com a vozeria, com o barulho,
bros, cruzando-se, às vezes, num es- viu, entre duas filas de curiosos, o grumete
trabismo nervoso de alucinado. ensangüentado...

Um sujeito parou defronte, a olhá- — Jesus! Meu Deus!


los; vieram depois outras pessoas, ou- Uma nuvem escureceu-lhe a vista,
tros curiosos; um marinheiro da Capi- correu-lhe um frio pelo corpo, e toda ela
tania, um italiano carregado de flan- tremia horrorizada, branca, imóvel.
dres, um guarda-municipal, crianças,
mulheres... Muitas vistas dirigiam-se para o
sobradinho.
Houve logo um fecha-fecha, um tu-
multo, um alvoroço. Trilaram apitos; vo- Aleixo passava nos braços de dois
zes gritavam — rolo! rolo! e a multidão marinheiros, levado como um fardo, o
crescia no meio da rua, procurando lu- corpo mole, a cabeça pendida para trás,
gar, empurrando, abrindo caminho, pre- roxo, os olhos imóveis, a boca entrea-
cipitando-se, formando um grande círcu- berta. O azul-escuro da camisa e a cal-
lo de gente ao redor dos dois marinhei- ça branca tinham grande nódoas ver-
ros, invisíveis agora. melhas. O pescoço estava envolvido
num chumaço de panos. Os braços ca-
Os bondes paravam. Senhoras vi- íam-lhe, sem vida, inertes, bambos, numa
nham à janela, compondo os cabelos, frouxidão de membros mutilados.
— 304 —

A rua enchia-se de gente pelas Gaetaninho


janelas, pelas portas, pelas calçadas.
O conto tem como cenário a Rua
Era uma curiosidade tumultuosa e fla-
Oriente, no Brás, onde as crianças so-
grante a saltar dos olhos, um desejo
nhavam em andar de carro, pois o má-
irrestível de ver, uma irrestível atração,
ximo que conseguiam era transitar de
uma ânsia!
bonde.
Ninguém se importava com "o ou-
tro", com o negro, que lá ia, rua abaixo, Beppino já andara, na ocasião da
triste e desolado, entre baionetas à luz morte de sua tia Peronetta, no trajeto
quente da manhã: todos, porém, todos para o Araçá. Agora quem alimentava o
queriam "ver o cadáver", analisar o sonho era Gaetaninho, que chegou a
ferimento, meter o nariz na chaga... sonhar com a morte da tia Filomena e
depois, com um pouco de culpa, com o
Mas, um carro rodou, todo lúgubre, enterro de Seu Rubino, funcionário da
todo fechado, e a onda dos curiosos foi Companhia de Gás.
se espalhando, se espalhando, té cair tudo
na monotonia habitual, no eterno vaivém. Um dia o menino consegue realizar
seu sonho, porém de modo trágico: ele
Observe-se o fecho corriqueiro, ba- morre atropelado por um bonde e é le-
nal, cotidiano — muito próximo do ro- vado no carro da frente no cortejo até o
mance contemporâneo (NE). cemitério.

Brás, Bexiga e Barra Funda Carmela


Antônio de Alcântara Machado
Carmela e Bianca são duas jovens
Publicada em 1927, a obra reúne costureiras que trabalham na Rua Ba-
onze pequenos contos, ambientados nos rão de Itapetininga. Carmela é bonita, ao
três bairros paulistanos, de ocupação contrário de Bianca, e namora Ângelo,
ítalo-brasileira. entregador da Casa Clark.

O imigrante, sobretudo o italiano, ó Um dia, um homem "traquejado" apa-


retratado como alegre e trabalhador, dis- rece dirigindo um carro Buick, chama
posto a melhorar de vida. Bianca e pede que marque um encontro
dele com Carmela, próximo à Igreja de
O autor utilizou a linguagem telegrá-
Santa Cecília. A amiga comparece ao
fica, precisa, clara e objetiva, e a lin-
encontro, que dá origem a muitos outros,
guagem cinematográfica, mostrando as
com direito a passeio de carro. Bianca
cenas com dinamismo, fazendo cortes
tece comentários com Ernestina a res-
e deixando de lado as descrições.
peito dos fatos e afirma ironicamente, ao
Além de registros coloquiais, apa- ser questionada sobre o Ângelo, que es-
recem elementos da fala do paulistano te é para casar. Não deixa de ter uma
oriundos da influência do imigrante. certa inveja da sorte da amiga...
— 305 —

Tiro-de-guerra nº 35 "Eu estava louco,

O personagem central deste conto Seu delegado!


é A r i s t o d e m o Guggiani, nacionalista ex-
Matei por isso,
tremado, cujo prazer era cantar o Hino
Nacional no grupo escolar da Barra Fun- Sou um desgraçado!"
da. Depois passa a trabalhar na oficina
mecânica do cunhado. Após uma briga
A sociedade
com este, começa a exercer a função
de cobrador de ônibus da linha Praça do A esposa do Conselheiro José Bo-
Patriarca-Lapa. Depois de um tempo não nifácio de Matos e Arruda não admitia a
se tem mais notícia de Aristodemo, que possibilidade de sua filha se casar com
se tomara soldado do "Tiro-de-Guerra". um "carcamano". Esta, contudo, namo-
No primeiro ensaio para o Sete de Se- ra Adriano Melli, Certo dia, o pai do ra-
tembro briga com um alemão por este paz, Salvatore Melli, resolve visitar o pai
ter desrespeitado a pátria brasileira. de Teresa Rita, o Bonifácio. Propõe en-
Volta, então, a ser cobrador na mesma tão a ele uma "sociedade", na qual o
linha Praça do Patriarca-Lapa, porém Salvatore ajudaria com o capital e Boni-
pede demissão da Companhia Auto- fácio com alguns terrenos sem uso.
viação Gabrielle d'Annuzio e passa a Adriano tomar-se-ia o gerente da firma.
trabalhar na Sociedade de Transportes
Passados seis meses, Adriano fica
Rui Barbosa Ltda, sendo reconhecido
noivo de Teresa e desaparecem todos
por seu patriotismo.
os empecilhos.

Amor e sangue Lisetta

Nicolino era namorado de Grazia, Este conto tem como personagem


porém o romance terminou quando um central uma criança: a menina Lisetta. Um
dia ele olhou para outra moça. dia, ao andar de bonde com a mãe admira
Na barbearia em que trabalhava, um urso de pelúcia "felpudo", "amarelo" e
"engraçadinho" no colo de uma menina
Nicolino escutou uma notícia a respeito
rica. Esta, de propósito, começa a mexer
de um crime passional. Inspirado pela
no brinquedo, virando-o de um lado para
mesma, foi ao encontro de Grazia, que
outro e instigando cada vez mais a vonta-
realmente não mais queria o namoro. En-
de da menina de tocá-lo. Contudo, isso
tão Nicolino assassinou-a e justificou-
não foi possível, já que a menina rica não
se à polícia dizendo:
deixou e a mãe a impediu com beliscões e
"— Eu matei ela porque estava lou- a promessa de uma surra, que de fato se
co, seu delegado". concretizou. O irmão de Lisetta, Ugo, com-
Esta frase, registrada nos jornais, pra um urso para ela. Apesar de ser pe-
resultou numa música de grande reper- queno e de lata, a menina fica muito con-
cussão: tente e não deixa ninguém mexer nele.
— 306 —

Corinthians (2) vs. Palestra (1) de apenas nove anos. O menino encan-
ta a todos e tem seu nome mudado para
Grande parte do conto centra-se
Januário. Passa então a estudar no Gi-
num jogo de futebol entre Corinthians e násio de São Bento. O Coronel, muito
Palestra no Parque Antártica, onde es- contente, pensa em deixar sua herança
tão Miquelina e Iolanda. para o italianinho.
Rocco é grande jogador do Pales-
tra e namorado de Miquelina, enquanto O monstro de rodas
Biagio joga no time oposto e também já
havia namorado a moça. Esta, depois O "monstro de rodas" a que o con-
que acabou o namoro com ele, nunca to faz referência é o carro responsável
mais dirigiu-se à Sociedade Beneficen- pelo atropelamento de uma menina mo-
te e Recreativa do Bexiga e deixou de ir radora da Barra Funda. Dona Nunzia, a
às reuniões dominicais, passando a tor- mãe, não se conforma, enquanto uma
moça negra reza o terço.
cer pelo Palestra.
A moça pede a Rocco que marque O autor faz questão de ressaltar
Biagio. Assim ele procedeu e no segun- alguns episódios comuns em enterros:
do tempo fez um pênalti, que possibilitou por um lado, o respeito de homens den-
tro do bonde tirando o chapéu e, por
a Biagio marcar o segundo gol do Corin-
outro, a indiferença de Nino, preocupa-
thians e garantir a vitória. Miquelina não
do em contar o número de "trouxas" que
se conforma, assim como a torcida do
tirariam o chapéu até que o enterro che-
Palestra, que responsabiliza Rocco. Ela
gasse ao cemitério.
decide então retornar às reuniões da
Sociedade no Bexiga.
Armazém Progresso de São
Vale ressaltar que o conto utiliza
Paulo
uma linguagem coloquial, típica dos cam-
pos de futebol: O "Armazém Progresso de São Pau-
"Alegoá-goá-goá! Alegoá-goá-goá! lo" pertence a Natale, comerciante italia-
Urrá-urrá! Corinthians!" no muito esforçado e trabalhador. Ao
lado de sua mulher, Dona Bianca, traba-
"O'... Ih'agasosa!"
lhava com esmero e prosperava.
"Go-o-o-o-ol! Corinthians!"
Na confeitaria da frente, o portu-
guês vendia cebolas a preço baixíssimo
Notas biográficas do novo e tinha grande estoque das mesmas.
deputado
Natale fica sabendo através da mu-
O Coronel Juca Peixoto de Faria é lher que as cebolas subiriam de preço e
um rico fazendeiro casado com Dona pede ao fiscal que lhe confirmara a notí-
Nequinha. Os dois, entretanto, não têm cia que se mantenha calado, se quiser
filhos. Ao saberem do falecimento do ser recompensado. Dona Bianca sonha
compadre João Intaliano, resolvem aco- com a ascensão econômica, representa-
lher o filho deste, o órfão Gennarinho, da por um palacete na Avenida Paulista.
— 307 —

Nacionalidade Angústia
Este conto também tematiza a ques- Graciliano Ramos
tão do nacionalismo exagerado, agora
de um italiano: o barbeiro Tranquillo Zam- Angústia foi publicada em 1936,
pinetti, da Rua do Gasómetro. após a publicação de São Bernardo, em
1934, ano em que começou a escrever
Contudo, sua maior tristeza eram
a obra quando diretor da Instrução Pú-
seus filhos Lorenzo e Bruno, que não
blica de Alagoas. Contudo, a prisão de
conservavam o mesmo fervor em rela-
Graciliano Ramos durante o regime do
ção à pátria do pai, nem mesmo queriam
Estado Novo leva-o à interrupção do li-
falar o italiano.
vro, vindo a publicá-lo contra seu dese-
A guerra européia encontrou Tran- jo, já que não o tinha revisado como gos-
quillo Zampinetti proprietário de quatro taria.
prédios na Rua do Gasómetro, dois na
Rua Rratininga, cabo influente do Parti- A obra tem a marca do estilo de
do Republicano Paulista e dileto compa- Graciliano: extrema concisão e busca
dre do primeiro subdelegado do Brás; o do essencial, eliminando tudo que não
Lorenzo interessado na firma vanzinello se mostra necessário.
& Cia. e noivo da filha mais velha do
major Antônio Del Piccolo, membro do O autor realiza análise psicológica
diretório governista do Bom Retiro; o dos personagens, mostrando suas an-
Bruno vice-presidente da Associação gústias, aflições, temores íntimos. Para-
Atlética Ping-Pong e primeiro anista do lelamente, observa a situação social dos
Ginásio do Estado, (p.71) mesmos, a influência do ambiente sobre
suas vidas, a exploração dos mais for-
Tranquilo inscreveu-se para um em-
tes sobre os mais fracos.
préstimo de guerra, sendo contestado
por Dona Emília. A rudeza e hostilidade do cenário
O barbeiro conseguiu mais dois pré- nordestino refletem-se na expressão
dios na Rua Santa Cruz da Figueira, fe- dura, incisiva, sem lirismos ou derrama-
chou o salão e passou a sócio coman- mentos sentimentais.
ditario da Perfumaria Santos Dumont.
Luís da Silva é o narrador-perso-
Bruno forma-se em Direito, dando nagem, atormentado pela situação de
grande satisfação ao pai, e ao irmão miséria em que vive. Escreve seu diário
Lorenzo, já casado e com um filho. íntimo a partir de sua memória, que or-
O primeiro serviço profissional do ganiza racionalmente os fatos, e por
Bruno foi requerer ao exmo. sr. dr. Mi- outro lado, partindo das alucinações que
nistro da Justiça e Negócios Interiores o afligem. Dessa forma, o tempo da nar-
do Brasil a naturalização de Tranquillo rativa não é linear, mas caminha de acor-
Zampinetti, cidadão italiano residente em do com as lembranças e devaneios do
São Paulo. (p. 73) narrador.
— 308 —

O protagonista é um funcionário As letras tinham cara de gente e


público, não realizado em sua vida pro- arregaçavam os beiços com feracidade.
fissional e desgostoso de sua vida A mulher que lava garrafas e o homem
afetiva. Há algum tempo era noivo de que enche dornas agitavam-se na pa-
Marina, mas não podia casar-se porque rede como borboletas espetadas e for-
as condições financeiras não lhe permi- mavam letreiros com outras pessoas-que
tiam. lavavam garrafas, enchiam dornas e
faziam coisas diferentes. A datilografa
Marina sonhava, tinha ambições
dos olhos agateados tossia, as filhas
que as condições do noivo não permiti-
de Lobisomem encolhiam-se por detrás
am, mas não desmanchava o relaciona-
das outras letras. Antônia arrastava as
mento. Vale lembrar que o casamento
pernas grossas cobertas de marcas de
era extremamente valorizado na época,
feridas, a mulher da Rua da Lama cru-
ainda que não alicerçado no amor e con-
zava as mãos sobre o joelho magro e
servando a mulher numa posição sub-
missa. curvava-se para esconder as pelancas
da barriga escura. Um choro longo su-
Ao mesmo tempo que procura con- bia e descia: — "Que será de mim? Va-
servar o noivado com Luís da Silva, ain- lha-me Nossa Senhora." Um moleque
da que sem perspectivas, Marina envol- morria devagar, mutilado, porque havia
ve-se com Julião Tavares, filho de rico arrancado os tampos da filha do patrão.
comerciante. Fazia um gorgolejo medonho e vertia p i -
che das chagas. 16.384. O cego dos bi-
No decorrer da narrativa, crescem
lhetes batia com o cajado na parede. —
o ódio e o ciúme de Luís da Silva por
"Afastem esta cadeira." Seu Ivo estava
causa do triângulo amoroso. Uma das
de cócoras, misturado às outras letras.
formas de vingar-se é atormentando os
A calça rasgada e o paletó sujo eram
pais de Marina, D. Adélia e seu Ramalho,
cor de piche. Cirilo de Engrácia, carre-
dizendo o que pensava a respeito das
gado de cartucheiras e punhais, encos-
atitudes da moça.
tava-se a uma árvore, amarrado, os
Luís da Silva persegue Marina, sua cabelos cobrindo o rosto, os pés com
ex-noiva, motivo de suas aflições e per- os dedos para baixo. A sentinela cochi-
turbações interiores. Ela está grávida e lava no portão do Palácio. Um ventre
tenta resolver a situação através de um enorme crescia na parede, uma criatura
aborto, já que Julião Tavares havia lhe mal vestida passava arrastando a filha
abandonado e estava com uma amante. pequena, um brilho de ódio no olho úni-
Aumenta ainda mais o ódio de Luís da co. Sinha Terta gemia: — "Minha santa
Silva pelo rival, culminando com o ato Margarida..." O dono da bodega, triste,
criminoso. fincava os cotovelos no balcão engordu-
rado. As crianças faziam voltas ao re-
Em seguida, o narrador passa a vi-
dor da barca de terra e varas. A rapari-
ver numa profunda crise, alucinado, bei-
ga pintada de vermelho espalhava um
rando a loucura.
— 309 —

cheiro esquisito. O engraxate escutava dos pés mortos que não tocavam o chão,
histórias de capoeiras. O homem acabo- vinha deitar-se na minha cama. Fernando
clado cruzava os braços, mostrando Inguitai, com o braço carregado de vol-
bíceps enormes. O mendigo estirava a tas de contas, vinha deitar-se na minha
perna entrapada e ensangüentada. As cama. As riscas de piche cruzavam-se,
moscas dormiam, e o mendigo, com a formavam grades. — "José Baía, meu
muleta esquecida, bebia cachaça e ria. irmão, há tempo!" As crianças corriam
Passos na calçada. Quem ia entrar? em torno da barca. — "José Baía, meu
Quem tinha negócio comigo àquela hora? irmão, estamos tão velhos!" Acomoda-
Necessário Vitória fechar as portas e vam-se todos. 16.384. Um colchão de
despedir o hóspede incômodo que não paina. Milhares de figurinhas insignifi-
se arredava da sala. Mas Vitória conta- cantes. Eu era uma figurinha insignifi-
va moedas, na parede, resmungava a cante e mexia-me com cuidado para não
entrada e a saída dos navios. A placa molestar as outras. 16.384. íamos des-
azul de D. Albertina escondia-se a um cansar. Um colchão de paina.
canto, suja de piche. Todo aquele pes-
soal entendia-se perfeitamente. O ho-
(...)
mem cabeludo que só cuidava da sua
vida, a mulher que trazia uma garrafa Manuelzão e Miguilim
pendurada ao dedo por um cordão, Guimarães Rosa
Rosenda, cabo José da Luz, Amaro va-
queiro, as figuras do reisado, um vaga- Manuelzão e Miguilim, assim como
bundo que dormia nos bancos dos jar- as obras No Urubuquaquá, no Pinhém
dins, outro vagabundo que dormia de- e Noites do Sertão, inicialmente era par-
baixo das árvores, tudo estava na pa- te integrante do livro Corpo de Baile,
rede, fazendo um zumbido de carapa- publicado em 1956.
nãs, um burburinho que ia crescendo e Compõem a obra duas novelas:
se transformava em grande clamor. José "Campo Geral" e "Uma Estória de Amor".
Baía acenava-me de longe, sorrindo,
mostrando as gengivas banguelas e
agitando os cabelos brancos. —"José Campo Geral
Baía, meu irmão, estás também aí?" José Esta novela tem como personagem
Baía, trôpego, rompia a marcha. Um, principal Miguilim, um garoto de oito anos
dois, um, dois... A multidão que fervilha- que morava na mata do Mutum com a
va na parede acompanhava José Baía e família.
vinha deitar-se na minha cama. Quitéria,
Sínha Terta, o cego dos bilhetes, o con- Dos irmãos, Miguilim era o mais ve-
tínuo da repartição, os cangaceiros e lho. Depois vinha Dito, irmão que tinha a
maturidade de um adulto e fazia refle-
os vagabundos, vinham deitar-se na
xões sobre as coisas da vida. Para tris-
minha cama. Cirilo de Engrácia, estica-
teza de todos, acabou morrendo de té-
do, amarrado, marchando nas pontas
tano.
— 310 —

Tomé era o irmão caçula. Havia ain- do Grivo. — "Dá lembrança a seo Aris-
da as irmãs Drelina e Chica e Liovaldo, o teu... Dá lembrança a seo Deográcias..."
mais velho, que morava com o tio Os- Estava abraçado com Mãe. Podiam sair.
mundo.
Mas, então, de repente, Miguilim
O pai de Miguilim era Nhô Bernardo parou em frente do doutor. Todo tremia,
Caz, que nutria grande ciúme pela es- quase sem coragem de dizer o que ti-
posa, devido à traição com o tio Terêz, nha vontade. Por fim, disse. Pediu. O
que é expulso de casa. doutor entendeu e achou graça. Tirou
Além de Tio Terêz, a mãe tem um os óculos, pôs na cara de Miguilim. •
caso com Luisaltino, trabalhador da la- E Miguilim olhou para todos, com
voura, assim como o pai. Este, louco de tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos
ciúme, mata Luisaltino e enforca-se. escuros de cima do morro, aqui a casa,
Posteriormente Tio Terêz casa-se com a cerca de feijão-bravo e são-caetano;
a mãe e volta a morar com a família. o céu, o curral, o quintal; os olhos re-
Outra personagem que se destaca dondos e os vidros altos da manhã.
é a vovó Izidra, magra e que se irritava Olhou, mais longe, o gado pastando perto
com tudo. do brejo, florido de são-josés, como um
algodão. O verde dos buritis, na primei-
Miguilim preocupava-se com seu ra vereda. O Mutum era bonito! Agora
estado de saúde. Achava que ia morrer,
ele sabia. Olhou Mãitina, que gostava de
pois estava muito magro.
o ver de óculos, batia palmas-de-mão e
No entanto, ele não morre, mas tem gritava: — "Cena, Corinta!..." Olhou o re-
uma revelação que transforma sua vida. dondo de pedrinhas, debaixo do jeni-
Um dia o doutor José Lourenço vem ca- papeiro.
çar na Vereda do Tipã e põe óculos no
Olhava mais era para Mãe. Drelina
menino, percebendo sua dificuldade
era bonita, a Chica, Tomezinho. Sorriu
para enxergar. Ele, então, passa a ver
para o Tio Terêz: — "Tio Terêz, o senhor
todas as coisas com mais nitidez e en-
parece com Pai..." Todos choravam. O
contrar beleza no Mutum, em cada ele-
mento da natureza, em cada pessoa. doutor limpou a goela, disse: — "Não sei,
Descoberta sua miopia, Miguilim desco- quando eu tiro esses óculos, tão fortes,
bre-se a si mesmo e admira a grandeza até meus olhos se enchem d'água,.."
do mundo e sua própria existência. Miguilim entregou a ele os óculos outra
vez. Um soluçozinho veio. Dito e a Cuca
(fragmento) Pingo-de-Ouro. E o Pai. Sempre alegre,
Miguilim... Sempre alegre, Miguilim... Nem
O doutor chegou. — "Miguilim, você
sabia o que era alegria e tristeza. Mãe o
está aprontado? Está animoso?" Miguilim
beijava. A Rosa punha-lhe doces-de-lei-
abraçava todos, um por um, dizia adeus
te nas algibeiras, para a viagem. Papaco-
até aos cachorros, ao Papaco-o-Paco,
o-Paco falava, alto, falava.
ao gato Sossõe que lambia as mãozi-
nhas se asseando. Beijou a mão da mãe (...)
— 311 —

Uma Estória de Amor o dia já estava pronto para amanhecer,


céu já se desestrelando. No seguinte,
Novela narrada em terceira pessoa,
na rompidinha do dia, a vaqueirama se
"Uma Estória de Amor" tem como prota-
formou. O Vaqueiro com o Fazendeiro
gonista Manuel Jesus Rodrigues, o Ma-
— adepartes. Fazendeiro mais atrás, na
nuelzão, administrador da fazenda de
sua besta queimada. O Vaqueiro vinha
gado Samarra. Este velho vaqueiro vi-
guiando. Jogou o Cavalão adiente, foi
via de um lugar para outro, conduzindo
bater onde estava o Boi... O Cavalo go-
boiada, vindo a fixar-se num só lugar
vernava."
apenas no final da vida.
— Seo Camilo, a estória é boa!
O personagem realiza uma festa de
inauguração de uma capelinha construí- — Manuelzão, sua festa é boa!
da a fim de homenagear sua mãe. São
— Simião, me preza um laço dos
mostrados os preparativos, os sertane-
seus, um laço bom, que careço, a quan-
jos advindos de várias regiões, a che-
do a boiada for sair...
gada do padre e a festa.
— Laço, lação! Eu gosto de ver a
A novela valoriza a tradição oral,
argola estalar no pé-do-chifre e o trem
misturando casos e questionamentos
pular pra riba!
metafísicos, como a busca de Manuelzão
pela razão de sua existência. — Aprecio, por demais, de ajudar
numa saída de gado. Vadiarmais os com-
Várias estórias se intercalam, mui-
panheiros...
tas delas nos remetendo ao folclore ser-
tanejo. — Ei, eh, epa! A isso, lá?

Manuelzão, aos sessenta anos, vai — O João Urúgem, vigia: que veio
em busca de seu filho Adelço, que se em ouvir, na beira da escuridão... Oi, o
casara e vivia do trabalho na lavoura, João Urúgem de quatro patas, de som-
ao lado de sua família, diferentemente brio, com todas as mãos no chão...
do pai, mas de modo semelhante ao avô,
— Tenção de caluda, companhei-
para desgosto do primeiro.
ros, deixa a estória terminar.
No final da novela, Manuelzão está
— "... O Boi estava amarrado, chi-
prestes a conduzir mais uma boiada, car-
fres altos e orvalhados. Nos campos o
regando consigo apenas as lembranças
sol brilhava. Nos brancos que o Boi ves-
da festa e de suas próprias experiências.
tia, linda mais luz se fazia. Foi Bonito
(fragmento) desse berro, não agüentavam a maravi-
lha. E esses pássaros cantavam.
Foi ordem de se acender festa, com
tocada de viola e dança: té, té, té, té, té, — Vosmecê, meu Fazendeiro, na-
té, té — até o dia clareou. Fizeram noite, de me atender primeiro, dino. Meu nome
dançando. As iaiás também. O quando hei: Seunavino... Não quero dote em di-
— 312 —

nheiro. Peço que o Boi seja soltado. E se O narrador-personagem escreve


me dê este cavalo. um diário, estabelecendo um diálogo com
o leitor, refletindo sobre sua própria exis-
— Atendido, meu Vaqueiro, refiro
tência e tentando encontrar forças para
nesta palavra. O Boi, que terá por seus
enfrentar a realidade.
os pastos do fazendado. Ao Cavalo, é
já vosso. Beija a mão, meu Vaqueiro. Belmiro é um homem tímido e melan-
cólico, que observa o mundo exterior,
— Deus vos salve, Fazendeiro.
mas parece não se apropriar deste, pois
Vaqueiros, meus companheiros. Violei-
apenas relata-Q, colocando-o no plano
ros... Fim final. Cantem este Boi e o Va-
das idéias. Ao mesmo tempo é sonhador
queiro, com belo palavreado..."
e gosta de recordar os momentos que
— Espera aí, seo Camilo... lhe trouxeram alegrias, ainda que estes
não passem de puras ilusões.
— Manuelzão, que é que há?
Não tendo se casado, Belmiro vive
— Está clareando agora, está re-
em Belo Horizonte em companhia das
sumindo...
duas irmãs mais velhas.
— Uai, é dúvida?
Encontra muito tempo livre em seu
— Nem não. Cantar e brincar, hoje emprego, que aproveita para escrever
é festa — dançação. Chega o dia decla- suas memórias. Estas não seguem uma
rar! A festa não é pra se consumir — ordem linear, mas o fluxo das lembranças.
mas para depois se lembrar... Com boia-
Numa noite de quarta-feira de cin-
da jejuada, forte de hoje se contando
zas, Belmiro recorda seu encontro com
três dias... A boiada vai sair. Somos que
a "donzela Arabela", personagem de his-
vamos.
tória infantil que não saía de sua imagi-
— A boiada vai sair! nação. Fora na noite de carnaval, quan-
do acompanhava os cordões, já bêba-
(...)
do e um tanto alucinado.

O encontro com Arabela dá novo


O amanuense Belmiro
sentido à vida do personagem. Através
Ciro dos Anjos do amigo Glicério, descobre a identida-
Ciro dos Anjos foi um escritor mo- de da jovem: Carmélia Miranda. O amigo
relata-lhe também seu endereço e que
dernista da segunda geração. Primeiro
perdera a mãe. A partir daí o protago-
livro do autor, O Amanuense Belmiro foi
nista passa a idealizá-la e a imaginar um
publicado em 1937 e é considerado uma
idílio. Mais que isso, passa a nutrir um
de suas mais importantes obras.
amor platónico pela moça, seguindo-a
A história é narrada em primeira em todos os momentos, desde o namo-
pessoa por Belmiro Borges, amanuense ro até o casamento, vivenciando uma
(incumbido de fazer cópias ou ofícios) paixão cada vez maior, que se concreti-
de uma repartição pública. za somente no plano dos sonhos.
— 313 —

Carmélia casa-se com um primo e cos. Sangrou rudemente o almoxarifado


viaja, sendo acompanhada por Belmiro, da Seção do Fomento...
mas sem saber da existência do mesmo. Previdente e providente amigo! Es-
A história é ambientada em 1935, quece-me comunicar-lhe que já não pre-
pois há referências à coluna Prestes e ciso de papel, nem de penas, nem de
à perseguição aos comunistas. Entre boiões de tinta. Esqueceu-me dizer-lhe
eles estão alguns amigos do narrador, que a vida parou e nada há mais por
como Redelvim, que é preso. escrever.

Belmiro não mais vê sentido em sua Ai de mim! É necessário, porém,


própria vida nem no ato de escrever, fazer qualquer coisa, para empurrar os
pois não tem mais os amigos a seu lado. presumíveis trinta e dois anos que me
Morre sua irmã Chiquinha, Glicério deixa restam. Trinta e dois anos, sim. Em mé-
a repartição e o trabalho torna-se cada dia, os Borbas vão até aos setenta,
vez mais doloroso, até que o deixa. mesmo com o coração descompensado.
Acho-me pouco além do meio da estra-
Ciro dos Anjos faz uso da intertex- da, e parece-me, entretanto, que che-
tualidade e da metalinguagem. Além dis- guei ao fim. Negação de Belarmino, de
so, demonstra ironia e profundo pessi- Porfírio, de Firmino e de Baldomero...
mismo, já que constrói um protagonista Dois deles, chegados aos oitenta, ainda
que se vê imobilizado diante dos obstá- pediam mais dez. Viviam com plenitude
culos em seu caminho. Como diria Gui- os velhos Borbas da linha-tronco. Vi-
marães Rosa, ele "permaneceu com as viam a vida. Quando um tombava, pare-
bagagens da vida". cia queda de gameleira ferida pelo raio.
(fragmento) Não morriam aos poucos, vendo o cor-
po consumir-se lentamente.
Tendo verificado que se esgotara
— Que faremos, Carolino amigo?
minha iprovisão de papel, Carolino me
trouxe esta manhã uma porção de blo- (...)
— 314 —

Questões de vestibulares

1. ( F U V E S T ) Entende-se por litera- d) concedeu textos com finalidade pe-


tura informativa no Brasil: dagógica.

a) o conjunto de relatos de viajantes e e) não propaga em sua obra a fé cristã.


missionários europeus, sobre a na-
tureza e o homem brasileiros. 3. ( U F P A ) A g ê n e s e da nossa for-
m a ç ã o literária e n c o n t r a - s e n o
b) a história dos jesuítas que aqui esti-
século XVI. Dela fazem parte:
veram no século XVI.
a) as obras produzidas pelos degrega-
c) as obras escritas com a finalidade dos que eram obrigados a se instalar
de catequese do indígena. no Brasil.
d) os poemas do Padre José de Anchieta. b) os escritos que os donatários das
capitanias hereditárias faziam ao rei
e) os sonetos de Gregório de Matos.
de Portugal.
2. (UFPA) c) os relatos dos cronistas e viajantes.
Texto 1 d) as produções arcádicas.
"De ponta a ponta, é tudo praia... e) as poesias de Gregório de Matos.
muito chã e muito formosa. Nela, até
agora, não podemos saber que haja ouro 4. (UFPA) Quanto ao sentimento
nem prata... porém a terra em si é de nativista das primeiras mani-
muitos bons ares, assim frios e tempe- festações literárias feitas no
rados... Águas são muitas; infindas." Brasil:

Texto 2 a) é um sentimento de apego aos valores


culturais portugueses, conforme se vê
"Então estiraram-se de costas na
nos poemas de Anchieta.
alcatifa, a dormir, sem buscarem manei-
ra de encobrir suas vergonhas." b) consiste na propagação da mentalida-
de colonial portuguesa, sobre o que gi-
Sobre o autor dos f r a g m e n t o s
ram os poemas de Gregório de Matos.
acima é correto afirmar q u e :
c) a obra dos cronistas viajantes repre-
a) escreveu documentos oficiais.
senta o apogeu deste sentimento.
b) é festejado representante da prosa
d) é um sentimento tênue de apego à ter-
modernista.
ra brasileira que, mais tarde, irá desa-
c) criou vasta obra romanesca. guar no nacionalismo do Romantismo.
— 315 —

e) só se observa nos poetas árcades e) representa o esplendor das tendên-


devido ao seu envolvimento na incon- cias literárias do medievalismo por-
fidência Mineira. tuguês.

5. (UFPE) 7. ( U N I S A - S P ) A " l i t e r a t u r a j e s u í -
t i c a " , nos p r i m ó r d i o s de nossa
"Se suas cartas não apresentam história:
valor literário reconhecível, os demais
aspectos da obra do missionário - um a) tem grande valor informativo.
representado por criações literárias b) marca nossa maturação clássica.
com objetivo pedagógico em relação à
catequese, outro por criações desin- c) visava à catequese do índio, à ins-
teressadas - devem ser literariamen- trução ao colono e sua assistência
te valorizados, sobretudo o teatro em religiosa e moral.
verso". d) estava a serviço do poder real.

O texto refere-se aos textos e) tem fortes doses nacionalistas.


produzidos no século XVI por:
8. (UFRN) Sabe-se q u e a literatura
a) José de Anchieta. brasileira do século XVI não pri-
mava pelo valor estético, mas se
b) Pero Vaz de Caminha.
destacava pelo caráter informa-
c) Antônio Vieira. tivo. Dentre os a u t o r e s d a q u e l e
p e r í o d o , p o d e m o s citar, c o m
d) Bento Teixeira.
respectiva obra:
e) Manuel da Nóbrega.
a) Bento Teixeira, com História do Brasil.

6. (UFPA) Quanto às manifestações b) Frei Vicente Salvador, com Prosopo-


literárias brasileiras a p a r e c i d a s péia.
durante o período colonial:
c) Pero Magalhães Gândavo, com Trata-
a) refletiam a grandeza da Literatura do da Terra do Brasil.
Portuguesa da época.
d) Nuno Marques Pereira, com Compên-
b) não havia obras escritas, existia, dio narrativo do peregrino da América.
pois, como manifestação oral.
e) Manoel Botelho de Oliveira, com Música
c) eram ainda incipientes, apesar de es- do Parnaso.
critas, pois a metrópole não incenti-
9. ( U F V - M G )
vava este tipo de produção.
"Meu bem, meu amor,
d) o expressivo número de escritores
que apareceram obreiam-se com os meu esposo, meu senhor,
maiores vultos da literatura universal. meu amigo, meu irmão,
— 316 —

centro do meu coração, cas, e sua linguagem se vale de es-


Deus e pai! truturas retóricas clássicas.

Pois com entranhas de mãe e) pela sua capacidade de argumenta-


Quereis de mim ser comigo ção, Vieira consegue, neste sermão,
convencer os indígenas a se con-
Roubais todo o meu sentido,
verterem.
Para vós!"
José de Anchieta 11. (CARLOS CHAGAS-BA) Assinale
o texto que, pela linguagem e pe-
Assinale a alternativa que cor- las idéias, pode ser considera-
r e s p o n d e ao t e x t o : do c o m o representante da cor-
rente b a r r o c a .
a) trata-se de um poema barroco, por
causa do jogo de antíteses. a) "Branco e meigo sorriso se desliza-
b) pertence à fase do Romantismo, como va em seus lábios; os negros cara-
revela o intenso sentimento religioso. cóis de suas belas madeixas brinca-
vam, mercê do zéfiro, sobre suas
c) percebe-se, pelo desejo de exalta- faces... e ela também suspirava."
ção, que é um poema épico do perío-
do quinhentista. b) "Estiadas amáveis iluminavam instan-
tes de céus sobre ruas molhadas de
d) expressa a religiosidade nos padrões pipilos nos arbustos dos squares.
simbolistas. Mas a abóbada de garoa desabava
os quarteirões."
e) trata-se de um poema lírico do Qui-
nhentismo. c) "Os sinos repicavam numa impaciên-
cia alegre. Padre Antônio continuou
10. (UM-SP) Aponte a alternativa in- a caminhar lentamente, pensando que
correta sobre o "Sermão da Se- cem vezes estivera a cair, cedendo
xagésima": à fatalidade da herança e à influên-
cia do meio que o arrastavam para o
a) o autor desenvolve dialeticamente a
pecado."
seguinte tese: "A semente é a pala-
vra de Deus". d) "De súbito, porém, as lancinantes in-
certezas, as brumosas noites pesa-
b) o estilo é barroco e privilegia a cor-
das de tanta agonia, de tanto pavor
rente conceptista de composição.
de morte, desfaziam-se, desapare-
c) o orador discute no sermão cinco ciam completamente como os tênues
causas possíveis que não permitiram vapores de um letargo..."
a entrada da palavra de Deus no co-
ração dos homens. e) "Ah! Peixes, quantas invejas vos te-
nho a essa natural irregularidade! A
d) Vieira baseia-se em parábolas bíbli- vossa bruteza é melhor que o meu
- 317 —

alvedrio. Eu falo, mas vós não ofen- d) o lirismo trovadoresco, caracteriza-


deis a Deus com as palavras; eu lem- do por figuras de estilo passionais e
bro-me, mas vós não ofendeis a Deus místicas.
com a memória; eu discorro, mas vós
e) o conceptismo, caracterizado pela
não ofendeis a Deus com o entendi-
utilização constante dos recursos da
mento; eu quero, mas vós não ofen-
dialética.
deis a Deus com a vontade."

13. (FUVEST) Leia o texto:


12. (FUVEST)
Goza, goza da flor da mocidade,
"Entre os semeadores do Evange-
lho há uns que saem a semear, há ou- que o tempo trata a toda ligeireza,
tros que semeiam sem sair. Os que e imprime em toda flor sua pisada.
saem a semear são os que vão pregar
à índia, à China, ao Japão; os que se- Ó não aguardes, que a madura
meiam sem sair são os que se conten- [idade,
tam com pregar na pátria. Todos terão te converta essa flor, essa beleza,
sua razão, mas tudo tem sua conta.
em terra, em cinza, em pó,
Aos que têm a seara em casa, pagar-
[em sombra, em nada.
lhes-ão a semeadura; aos que vão bus-
Gregório de Matos
car a seara tão longe, hão-lhes de me-
dir a semeadura; e hão-lhe de contar Os t e r c e t o s acima ilustram:
os passos. Ah! Dia do juízo! Ah! Prega-
dores! Os de cá, achar-vos-ei com mais a) o caráter de jogo verbal próprio da
paço; os de lá, com mais passos..." poesia lírica do século XVI, susten-
tando uma crítica à preocupação fe-
A passagem acima é repre- minina com a beleza.
sentativa de uma das tendências b) o jogo metafórico próprio do Barro-
e s t é t i c a s da prosa s e i s c e n t i s t a , a ca, a respeito da fugacidade da vida,
saber: exaltando o gozo do momento.
a) o sebastianismo, isto é, a celebração c) o estilo pedagógico da poesia neo-
do mito da volta de D. Sebastião, rei clássica, ratificando as reflexões do
de Portugal, morto na batalha de Al-
poeta sobre as mulheres maduras.
cácer-Quibir.
d) as características de um texto ro-
b) a busca do exotismo e da aventura mântico, porque fala de flores, ter-
ultramarina, presentes nas crônicas ras, sombras.
e narrativas de viagem.
e) uma poesia que fala de uma exis-
c) a exaltação do heróico e do épico, tência mais materialista do que espi-
por meio das metáforas grandilo- ritual, própria da visão do mundo nos-
qüentes da epopéia. tálgico cultista.
— 318 —

14. ( F U V E S T ) A r e s p e i t o de P a d r e a) o autor recorre ao cultismo da lingua-


Antônio Vieira, pode-se afirmar: gem com o intuito de convencer o ou-
vinte e por isto cria um jogo de imagens.
a) embora vivesse no Brasil, por sua
formação lusitana não se ocupou de b) Vieira recorre ao preciosismo da lin-
problemas locais. guagem, isto é, através de fatos cor-
riqueiros, cotidianos, procura conver-
b) procurava adequar os textos bíblicos ter o ouvinte.
às realidades de que tratava.
c) Padre Vieira emprega, principalmen-
c) dada sua espiritualidade, demonstra- te, o conceptismo, ou seja, o predo-
va desinteresse por assuntos mun- mínio das idéias, da lógica, do racio-
danos. cínio.
d) em função de seu zelo para com d) o pregador procura ensinar preceitos
Deus, utilizava-o para justificar todos religiosos ao ouvinte, o que era práti-
os acontecimentos políticos e sociais. ca comum entre os escritores gon-
góricos.
e) mostrou-se tímido diante dos interes-
ses dos poderosos. 16. (UHRS) Considere-se as seguin-
tes a f i r m a ç õ e s s o b r e o B a r r o -
15. (FEBASP)
co brasileiro:
"Basta, senhor, que eu, porque rou- I - A arte barroca caracteriza-se por
bo em uma barca, sou ladrão, e vós, por- apresentar dualidades, conflitos,
que roubais em uma armada, sois impe- paradoxos e contrastes, que con-
rador? Assim é. O roubar pouco é cul- vivem tensamente na unidade da
pa, o roubar muito é grandeza; o roubar obra.
com pouco poder faz os piratas, o rou-
bar com muito, os Alexandres... O ladrão II - O conceptismo e o cultismo, ex-
que furta para comer não vai nem leva pressões da poesia barroca,
ao inferno: os que não só vão, mas que apresentam um imaginário bucó-
levam, de que eu trato, são os outros — lico, sempre povoado de pasto-
ladrões de maior calibre e de mais alta ras e ninfas.
esfera... os outros ladrões roubam um
homem, estes roubam cidades e reinos; III - A oposição entre Reforma e Con-
os outros furtam debaixo de seu risco, tra-Reforma expressa, no plano
estes, sem temor nem perigo; os outros religioso, os mesmos dilemas de
se furtam, são enforcados, estes fur- que o Barroco se ocupa.
tam e enforcam".
Quais estão corretas?
Padre Vieira. Sermão do Bom Ladrão
a) apenas I. d) apenas I e III.
Em relação ao estilo e m p r e g a -
do por Vieira neste trecho pode-se b) apenas II. e) I, lI e III.
afirmar: c) apenas III.
— 319 —

17. (UFBA) d) a ação dos pregadores não testemu-


nha o que eles pregam.
"Vós, diz Cristo Senhor nosso, fa-
lando com os Pregadores, sois o sal da e) os homens tentam imitar os pregado-
terra: e chama-thes sal da terra, porque res, seguindo-lhes a doutrina.
quer que façam na terra, o que faz o
B. São características do autor e da
sal. O efeito do sal é impedir a corrupção,
época, presentes no textos:
mas quando a terra se vê tão corrupta
como está a nossa, havendo tantos nela, a) recursos às antíteses, como suporte
que têm ofício de sal, qual será, ou qual das idéias.
pode ser a causa desta corrupção? Ou
é porque o sal não salga, ou porque a b) argumentação construída através de
terra se não deixa salgar. Ou é porque o jogo de idéias conduzindo a uma res-
sal não salga, e os Pregadores não pre- posta.
gam a verdadeira doutrina; ou porque a c) visão negativa do caráter do homem.
terra se não deixa salgar, e os ouvintes,
sendo verdadeira a doutrina, que lhes d) nilismo temático encobrindo o vazio
dão, a não querem receber; ou é porque de idéias.
o sal não salga, e os Pregadores dizem
e) abordagem da dualidade inerente à
uma cousa, e fazem outra, ou porque a
condição humana.
terra se não deixa salgar, e os ouvintes
querem antes imitar o que eles fazem, 18.(VUNESP)
que fazer o que dizem: ou é porque o
sal não salga, e os Pregadores se pre- "Quem vê girar a serpe da irmã no
gam a si, e não a Cristo; ou porque a [casto seio,
terra se não deixa salgar, e os ouvintes Pasma, e de ira e temor ao mesmo
em vez de servir a Cristo, servem a seus [tempo cheio,
apetites. Não é tudo isto verdade? Ain-
Resolve, espera, teme, vacila,
da mal."
[gela e cora,

Pe. Antônio Vieira Consulta o seu amor e o seu


[dever ignora,
A. O autor a p o n t a c o m o c a u s a da Voa a farpada seta da mão, que
corrupção na terra: [não se engana;
Mas, ai, que já vives, ó mísera
a) a doutrina pregada é fraca ou os ho-
[indiana!"
mens não lhe são receptivos.

b) os pregadores pregam uma falsa dou- Nestes versos de Silva Alva-


trina ou a doutrina é ineficiente. renga, poeta árcade e ilustrado, faz-
se alusão ao episódio de uma obra
c) os homens não são receptivos à dou- em q u e a heroina m o r r e . Assinale
trina, porque ela é verdadeira. a alternativa correta em que se
— 320 —

m e n c i o n a m o n o m e da h e r o í n a , o cultural dessa época o fato de se de-


título da o b r a e o n o m e do autor, senrolarem acontecimentos historica-
respectivamente: mente relevantes, como a Inconfidência
Mineira e a transladação da corte de D.
a) Moema, Caramuru, Santa Rita Durão
João VI para o Rio de Janeiro".
b) Marabá, Marabá, Gonçalves Dias Massaud Moisés

c) Lindóia, O Uraguai, Basílio da Gama


A época histórica a que se re-
d) Iracema, Iracema, José de Alencar fere o crítico é a do:

e) Marília, Marília de Dirceu, Tomás An- a) Simbolismo.


tônio Gonzaga b) Arcadismo.

19. ( U n B - D F ) M a r q u e a o p ç ã o que c) Parnasianismo.


identifica autor, obra e escola a d) Realismo.
que pertence o seguinte trecho:
e) Romantismo.
"Inda conserva o pálido semblante
2 1 . (FATEC-SP) Sobre o Arcadismo
Um não sei quê de magoado,
brasileiro só não se p o d e afir-
[e triste,
mar que:
Que os corações mais duros
[enternece a) tem suas fontes nos antigos gran-
des autores gregos e latinos, dos
Tanto era bela no seu rosto quais imita os motivos e as formas.
[a morte!"
b) teve em Cláudio Manuel da Costa o
a) Gonçalves Dias, l-Juca Pirama, Ro- representante que, de forma original,
mantismo. recusou a motivação bucólica e os mo-
delos camonianos da lírica amorosa.
b) Castro Alves, Vozes d'África, Roman-
c) legou-nos os poemas de feição épi-
tismo.
ca Caramuru (de Frei José de Santa
c) Santa Rita Durão, Caramuru, Arca- Rita Durão) e O Uraguai (de Basílio
dismo. da Gama), no qual se reconhece a
qualidade literária destacada em re-
d) Basílio da Gama, O Uraguai, Arca- lação ao primeiro.
dísmo.
d) norteou, em termos dos valores éti-
e) N.d.a. cos básicos, a produção dos versos
de Marília de Dirceu, obra que ce-
20. (FUVEST) lebrizou Tomás Antônio Gonzaga e que
destaca a originalidade de estilo e de
"Por fim, acentua o polimorfismo tratamento local dos temas pelo autor.
— 321 —

e) apresentou uma corrente de cono- e) Gonçalves de Magalhães e Castro


tação ideológica envolvida com as Alves.
questões sociais do seu tempo, como
a crítica aos abusos do poder da Co- 24. ( P U C C A M P - S P ) Pode-se afirmar
roa Portuguesa. q u e Marília de Dirceu e Cartas
Chilenas s ã o , r e s p e c t i v a m e n t e :
22. (VUNESP) Há no Arcadismo bra-
sileiro uma obra satírica de for- a) altas expressões do lirismo amoroso
ma epistolar que suscitou dú- e da sátira política, na literatura do
vidas de autoria durante mais século XVIII.
de século. Assinale abaixo a al-
b) exemplos da poesia biográfica e da
ternativa que apresenta o nome
literatura epistolar cultivadas no sé-
dessa obra e seu autor mais
culo XVII.
provável:
c) exemplo do lirismo amoroso e da poe-
a) O Reino da Estupidez e Francisco
sia de combate, cultivados sobretu-
de Melo Franco.
do pelos poetas românticos da cha-
b) Viola de Lereno e Domingos Caldas mada "terceira geração".
Barbosa.
d) altas expressões do lirismo e da sá-
c) O Desertor e Manuel Inácio da Silva tira da nossa poesia barroca.
Alvarenga.
e) expressões menores da prosa e da
d) Cartas Chilenas e Tomás Antônio
poesia do nosso Arcadismo, cultiva-
Gonzaga.
das no interior das academias.
e) Os Bruzundangas e Lima Barreto.
25. ( F E I - S P ) A s s i n a l e a alternativa
23. (FUVEST) Assinale a alternativa incorreta.
que apresenta dois poetas q u e
participaram da Inconfidência a) os primeiros textos da literatura bra-
Mineira: sileira são informações que viajan-
tes e missionários europeus colhe-
a) Cláudio Manoel da Costa e Tomás An- ram sobre a natureza e a gente bra-
tônio Gonzaga. sileira.

b) Castro Alves e Tomás Antônio Gon- b) Gregório de Matos, que viveu no sé-
zaga.
culo XVII, destacou-se como poeta
c) Gonçalves Dias e Cláudio Manuel da lírico e satírico.
Costa.
c) religiosidade, antítese, paradoxos,
d) Gonçalves Dias e Gonçalves de Ma- contraste material X espiritual são
galhães. características do Barroco.
— 322 —

d) embora anônima, sabe-se que a obra d) I, II e III.


Cartas chilenas foi escrita por Tomás
e) II, III e IV.
Antônio Gonzaga no século XVIII. É
uma sátira política. Nela, critica-se o 2 7 . (ITA-SP) Assinale a alternativa
governador de Minas Gerais, Luís da que caracteriza o R o m a n t i s m o :
Cunha Meneses, que aparece como
Fanfarrão Minésio. a) valorização do eu. O assunto passa
a ser manifestado a partir do artista,
e) Cláudio Manuel da Costa e Tomás An- que traz à tona o seu mundo interior,
tônio Gonzaga destacaram-se como com plena liberdade; esta liberdade
os grandes poetas épicos do Arca- se impõe na forma. Sentimentalismo.
dismo brasileiro.
b) literatura multifacetada: valorização
2 6 . (UFPB) D a s afirmações abaixo, da palavra e do ritmo: temática huma-
em torno do Barroco e do Arca- na e universal.
dismo no Brasil,
c) literatura intrinsecamente brasileira;
I - O cultismo (jogo de palavras) e linguagem direta, coloquial, livre das
o conceptismo (jogo de idéias) regras gramaticais, imagens diretas;
são típicos do Arcadismo brasi- inspiração a partir da burguesia, da
leiro, preso a u m a c o n c e p ç ã o civização industrial, da máquina.
neoclássica de arte.
d) literatura que busca inspiração no
II- P e s s i m i s m o , gosto pelo para- subconsciente, nas regiões inexplo-
doxo e pelas antíteses, culto do radas da alma: para isso, usa meios
contraste são algumas das ca- indiretos a fim de sugerir ou repre-
racterísticas do estilo barroco. sentar as sensações; funde figura,
música e cor.
III - Profundamente relacionado com
a Contra-Reforma, o estilo bar- e) literatura que visa à perfeição da for-
roco procura a síntese entre o ma, à objetividade, ao equilíbrio, à per-
teocentrismo e o antropocen- feição absoluta da linguagem; prefe-
trismo. re os temas novos e exóticos.

IV - Os poetas G r e g ó r i o de M a t o s , 28. (PUCCAMP-SP)


Tomás Antônio Gonzaga e Basí-
lio da Gama são representantes "Oh! nos meus sonhos, pelas
típicos do Arcadismo no Brasil. [noites minhas
Passam tantas visões sobre
são corretas, apenas:
[meu peito!
a) I e II.
Palor de febre meu semblante
b) lI e III. [cobre.
c) III e IV. Bate me coração com tanto fogo!"
— 323 —

Assinale a alternativa em q u e No fragmento acima, pertencente a


se c o n s i d e r a o c l i m a r o m â n t i c o um poema de Álvares de Azevedo, no-
expresso nos versos acima, carac- tam-se características de qual tendên-
t e r í s t i c o da p o e s i a de Á l v a r e s de cia romântica?
Azevedo.
a) Mal do século.
a) a expressão exaltada serve nitida-
b) Bucolismo.
mente ao desejo de sublinhar a indig-
nação contra os fatores históricos c) Poesia Condoreira.
que sufocam a liberdade do homem.
d) Nacionalismo.
b) a atmosfera noturna, própria ao deva- e) Indianismo.
neio, propicia um suave estado de con-
templação poética, dentro do qual o 30. (ITA-SP) C o m as "Espumas Flu-
ser se encontra docemente harmoni- tuantes"ele se impôs c o m o um
zado com o mundo e consigo mesmo. poeta original, fortemente im-
pressivo, c o m o v e n t e e, pela ri-
c) a noite significa não apenas enqua-
q u e z a v e r b a l , até e m p o l g a n t e .
dramento natural, mas meio psicoló- Entretanto, foram suas veemen-
gico, tonalidade afetiva correspon- tes denúncias contra a nossa
dente às disposições do poeta, aos "seara v e r m e l h a " ( a l g u n s poe-
movimentos turvos do eu profundo. mas: "Adeus, meu canto", "A
Cruz da Estrada", "A Cachoeira
d) os símbolos da luz e do fogo expres-
de Paulo A f o n s o " ) q u e lhe de-
sam o anseio de uma nova Civiliza-
ram um sentido de presença
ção, que o poeta quer ver dirigida pela
mais viva na evolução de nossa
Razão e pela Justiça, suas bandei-
história, popularizando-o c o m o
ras de luta.
o mais eloqüente, o mais aplau-
e) amante fascinado da Natureza, o poe- dido e o mais influente dos nos-
ta retrata-a em cores fortes e preci- sos poetas do a b o l i c i o n i s m o e
sas, ciente de que ela representa o do r e p u b l i c a n i s m o .
plano da harmonia e da serenidade a
que todos devemos aspirar. a) Gonçalves Dias.

b) Castro Alves.
29. (FUVEST)
c) Gonçalves de Magalhães.
"Já da morte o palor me cobre
d) Tobias Barreto.
[o rosto,
e) Casimiro de Abreu.
Nos lábios o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece, 3 1 . (MACK-SP) Sobre a poesia de
E devora meu ser mortal Castro Alves é incorreto afirmar
[desgosto!" que:
— 324 —

a) segue a tendência da segunda gera- 33. (FUVEST) Assinale a alternativa


ção romântica, limitando-se exclusi- correta.
vamente à morbidez byroniana.
a) Gonçalves Dias foi o introdutor e o
b) apresenta traços de evolução à pos- divulgador do Romantismo na poesia
tura temática do movimento em que brasileira, e este fato explica a re-
se encaixa. percussão de sua obra.

c) acrescenta um certo tom de erotismo b) o autor de Últimos Cantos trabalhou


a determinadas composições. muitos temas românticos, entre os
quais se destacam o saudosismo,
d) manifesta o ponto mais alto do con-
nativismo, satanismo byroniano.
doreirismo na Literatura Brasileira.

e) encontra, no abolicionismo, um veio c) na linguagem literária de Gonçalves


fundamental de sustentação temá- Dias, o transbordamento romântico é
tica. contido e equilibrado por um rigoroso
senso da necessidade de medida
32. (ITA-SP) Marque a opção que iden- legada pelo Neoclassicismo.
tifica autor, obra e escola a que
d) o indianismo de Gonçalves Dias ba-
pertence o seguinte excerto:
seia-se no mito do bom selvagem e
"São mulheres desgraçadas constitui uma simples repetição das
Como Agar o foi também, idéias de Montaingne, Rousseau e
Chateaubriand.
Quem sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm, e) o lado épico e condoreiro é conside-
rado a melhor realização de Gonçal-
Trazendo com tíbios passos,
ves Dias.
Filhos e algemas nos braços,
Nalma - lágrimas e fel" 34. (PUC-RS) Dentro do Romantis-
mo b r a s i l e i r o , o r e g i o n a l i s m o
a) Fagundas Varela - Vozes da Améri- foi um tema q u e representou o
ca -Romantismo golpe mais v i g o r o s o d e s f e r i d o
c o n t r a a literatura de m o d e l o s
b) Basílio da Gama - O Uraguai- Neo-
p o r t u g u e s e s . A p o n t e a alterna-
classicismo
tiva e m q u e t o d o s o s a u t o r e s
c) Castro Alves - O Navio Negreiro - t i v e r a m ligação c o m este t e m a
Romantismo romântico:

d) Jorge de Lima - Poemas Negros - a) Visconde de Taunay / Bernardo Gui-


Modernismo marães / José de Alencar.

e) Manuel Bandeira - Cinza das Horas - b) José de Alencar/Joaquim M. Macedo /


Modernismo Manoel A. Almeida.
— 325 —

c) Franklin Távora / Visconde de Taunay / de um r o m a n c e romântico bra-


Álvares de Azevedo. sileiro que se preocupa em
apresentar personagens liga-
d) Gonçalves Dias / Bernardo Guima-
dos às camadas mais popula-
rães / Joaquim M. de Macedo.
res, além de apresentar um
e) Martins Pena / Casimiro de Abreu / Fa- t o m pitoresco à obra.
gundes Varela.
a) Lucíola.

35. (PUCCAMP-SP) Pode-se afirmar, a b) O Ateneu.


respeito de José de Alencar, que: c) Senhora.

a) seus romances de costumes, ambien- d) Inocência.


tados na Corte, transplantaram fiel- e) Memórias de um Sargento de Milícias.
mente os modelos de romances eu-
ropeus, tal como se dá, por exemplo, 37. (ITA-SP)
em A Moreninha.
"Esse romance não seguiu os pa-
b) sua ficção é sobretudo caracteriza- drões do Romantismo. É considerado um
da por elementos satíricos e paró- livro de transição para um novo estilo de
dicos, por meio dos quais aponta o época. O Realismo/Naturalismo. Obser-
ridículo das teses nacionalistas en- va-se nele a preocupação em retratar
tão em voga. uma classe social que não costumava
c) sua importância vai além do valor pro- aparecer nas obras do estilo de sua épo-
priamente literário de seus romances: ca: o povo remediado. As personagens
que aparecem no texto não são ideali-
está numa consciência de escritor
zadas, pois o narrador incorpora tam-
que reflete sobre a cultura brasileira
bém as características negativas das
e desenvolve um projeto ambicioso.
personagens."
d) sua ficção retrata expressivamente a
sociedade brasileira do fim do século A s i n f o r m a ç õ e s a c i m a melhor
XIX, agitada pela Abolição e pela Re- se ajustam ao r o m a n c e :
pública, por cuja implantação, aliás,
a) Memórias Póstumas de Brás Cubas.
sempre lutou.
b) O Ateneu.
e) sua glória de escritor só se justifica
se pensarmos que o público que con- c) Memórias de um Sargento de Milícias.
sagrou se comprazia, ao lar seus d) O Mulato.
romances, com o tom ameno em que
se desenvolviam pálidas historietas e) A Moreninha.
sentimentais.
38. (UNISA-SP) Publicado em 1854,
36. (MACK-SP) Assinale a alternati- e s s e r o m a n c e , e s c r i t o por u m
va em que se encontra o nome jovem jornalista de vinte e dois
— 326 —

anos, descreve um anti-herói, a) século XVI.


"filho de uma pisadela e de um
b) Barroco.
b e l i s c ã o " , e os t i p o s e c o s t u -
mes do Rio de Janeiro do t e m - c) Arcadismo.
po de D. João VI. O romance e o d) Romantismo.
a u t o r a q u e o t e x t o se r e f e r e
e) Simbolismo
são, respectivamente:
40. (SANTA C A S A - S P ) Um dos tra-
a) Memórias de um Sargento de Milí- ços caracterizadores da produ-
cias e Manuel Antônio de Almeida. ção poética do Romantismo é a:
b) Memorial dos Aires e Machado de a) atitude rebelde em face de conven-
Assis. ções, expressas de acordo com os
c) Memórias Sentimentais de João Mi- cânones próprios do Arcadismo.
ramar e Oswald de Andrade.
b) posição contrária ao rigor formal clás-
d) Memórias do Sobrinho de Meu Tio e sico, visto que o objetivo mais alto era
Joaquim Manuel de Macedo. a expressão de idéias e emoções.

e) Memórias do Cárcere e Graciano c) conciliação do acervo de normas clás-


Ramos. sicas de expressão com a universa-
lidade dos temas.
39. (SANTA CASA-SP)
d) preferência por uma linguagem seca
"O sertanejo que de nada cuidou, e despojada, mais adequada à análi-
que não ouviu as harmonias da tarde, se da realidade objetiva.
nem reparou nos esplendores do céu,
que não ouviu a tristeza a pairar sobre a e) utilização à análise de uma linguagem
terra, que de nada se arreceia, consubs- denotativa, que procura exprimir an-
tanciado como está à solidão, pára, tes idéias do que sentimentos.
relanceia os olhos ao derredor de si e,
4 1 . (FUVEST) O índio, em alguns ro-
se no lugar pressente uma aguada, por
má que seja, apeia-se, desencilha o ca- mances de José de Alencar,
valo e, reunindo logo uns gravetos bem c o m o Iracema e Ubirajara, é:
secos, tira fogo do isqueiro, mais por a) retratado com objetividade, numa
distração do que por necessidade". perspectiva rigorosa e científica.

Romances como Escrava Isaura b) idealizado sobre o pano de fundo da


ou Inocência (de que foi extraído o natureza, da qual é o herói épico.
excerto acima), cuja ação se passa
c) pretexto episódio para descrição da
em r e g i õ e s e s p e c í f i c a s do país e
natureza.
em que se dá relevo a c o s t u m e s
diferenciados, a uma cultura típica, d) visto com o desprezo do branco pre-
t ê m origem durante o: conceituoso, que o considera inferior.
— 327 —

e) representado como um primitivo fe- dações do eu-lírico, marcado por um


roz e de maus instintos. passado vivido, que sempre volta em
imagens e sonhos.
42. (VUNESP) Baseando-se na leitu-
ra do texto de Álvares de A z e - c) o texto reflete um articulado jogo en-
vedo, assinale a única alternati- tre o plano do imaginário e o plano
va incorreta: real. Um dos elementos, entre outros,
que articula essa construção é a
Junto a meu leito, com as alternância dos tempos verbais pre-
[mãos úmidas, sente/passado.
Olhos fitos no céu, cabelos soltos,
d) realidade e fantasia tornam-se a úni-
Pálida sombra de mulher formosa
ca realidade no espaço da poesia líri-
Entre nuvens azuis pranteia
ca romântica, gênero privilegiado
[orando dentro desse movimento.
É um relato talvez. Naquele seio
e) apesar de utilizar decassílabos, es-
Porventura sonhei doiradas noites.
se poema possui o andamento pró-
Talvez sonhando desatei sorrindo ximo ao da prosa. Esse aspecto for-
Alguma vez nos ombros mal é importante para intensificar
[perfumados certo prosaísmo intimista da poesia
Esses cabelos negros, e em romântica.
[delíquio
43. (UCP-PR) Capitu é uma das mais
Nos lábios dela suspirei tremendo.
bem construídas personagens
Foi-se minha visão. E resta agora da literatura brasileira. Q u e m a
aquela vaga sombra na parede criou e em q u e obra?
- Fantasma de carvão e pó cerúleo,
a) Machado de Assis, Dom Casmurro.
Tão vaga, tão extinta e fumarenta
Como de um sonho o recordar b) José de Alencar, O Guarani.
[incerto.
Álvares de Azevedo, Idéias íntimas c) Machado de Assis, O Alienista.

d) José de Alencar, Til.


a) considerando os aspectos temáticos
e formais do poema, pode-se vinculá- e) José de Alencar, Senhora.
lo ao segundo momento do movimen-
to romântico brasileiro, também co- 44. (UFSCAR-SP) O que sobressai
nhecido como "geração do spleerf na atividade criadora de Macha-
ou "mal do século". do de Assis é:

b) a presença da mulher amada torna- a) a minuciosa busca de soluções aper-


se o ponto central do poema. Isso é feiçoadoras, que só conseguiu após
claramente manifestado pelas recor- inúmeros e continuados exercícios.
— 328 —

b) a grande capacidade de inspiração, Quincas Borba não dizia pulhices a


uma vez que a quantidade de roman- respeito de padres, nem desconcei-
ces que escreveu foi facilitada pela tuava doutrinas católicas; mas não
improvisação. falava nem da Igreja, nem dos padres."

c) o equíbrio entre o improvisador, o ins- d) "A outra que ri a alma do Rubião. Es-
pirado e o artista, que é demonstrado cutai a cantiga alegre, brilhante, com
pelas obras de valor desigual que que ela desce o morro, dizendo as
ocorrem no decorrer de sua procução cousas mais íntimas à estrelas, es-
literária. pécie de rapsódia feita de uma lin-
guagem que ninguém nunca alfabetou,
d) a sinceridade com que manifesta, por
por ser impossível achar um sinal que
linguagem desprovida de metáforas,
lhe exprime os vocábulos."
em cada romance que escreveu, as
várias fases de sua biografia. e) 'Tédio por dentro e por fora. Nada em
que espraiasse a vista e descansas-
e) ter iniciado a carreira escrevendo ro-
se a alma. Sofia meteu a alma em um
mances realistas, convertendo-se,
caixão de cedro, encerrou o cedro
mais tarde, ao Naturalismo.
no caixão de chumbo do dia, e dei-
xou-se estar sinceramente defunta."
45. (UFMG) "A concretização do abs-
trato é uma técnica da ironia ma- 46. (UFPA)
chadiana." Todas as alternativas
explicam essa afirmação, exceto: "Mas o ilustre médico, com os olhos
acesos da convicção, trancou os ouvi-
a) "A alma do Rubião bracejava debai- dos à saudade da mulher, e brandamen-
xo desse aguaceiro de palavras; te a repeliu. Fechada a porta da Casa
mas, estava num beco sem saída por Verde, entregou-se ao estudo e à cura
um lado nem por outro. Tudo mura- de si mesmo."
lhas. Nenhuma porta aberta, nenhum
corredor, e a chuva a cair." Sobre o autor do texto acima é
incorreto afirmar q u e :
b) "Vá desapontamento. Misturem-lhe o
a) é um dos mais festejados representan-
pesar da separação, não esqueçam
tes da prosa literária no Brasil.
a cólera que o primeiro trovejou sur-
damente, e não faltará quem ache que b) autor eclético, destacou-se na produção
a alma deste homem é uma colcha de de uma vasta obra constituída de ro-
retalho. Pode ser; moralmente as col- mances, contos, poesia, crônicas etc.
chas inteiriças são tão raras!" c) são personagens definitivos que nas-
c) "Não esqueça dizer que Rubião to- ceram de sua pena: Simão Bacamarte.
Capitu, Brás Cubas, Quincas Borba etc.
mou a si dizer uma missa por alma do
finado, embora soubesse ou pres- d) produziu uma obra marcada pela fina
sentisse que ele não era católico. ironia e profundo pessimismo.
— 329 —

e) seus principais romances desenvolvem e) "Sua história tem pouca coisa de no-
o tema do amor, colocando os senti- tável. Fora Leonardo algibebe em Lis-
mentos mais nobres acima de qualquer boa, sua pátria; aborrecera-se po-
obstáculo. rém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui
chegando, não se sabe por proteção
47. (PUCCAMP-SP) Identifique o tre- de quem, alcançou o emprego de que
cho em que o narrador de Dom o vemos empossado."
Casmurro introduz o romance e
considera seu sentido profundo: 48. (UCP-PR) São obras da fase rea-
lista de M a c h a d o de A s s i s :
a) "Horas inteiras eu fico a pintar o re-
trato dessa mãe angélica, com as co- a) Dom Casmurro / Casa de pensão.
res que tiro da imaginação, e vejo-a
b) O mulato / Casa de Pensão.
assim, ainda tomando conta de mim,
dando-me banhos e me vestindo. A c) Dom Casmurro / O mulato.
minha memória ainda guarda detalhes
bem vivos que o tempo não conse- d) Memórias Póstumas de Brás Cubas /
guiu destruir. Dom Casmurro.

b) "O meu fim evidente era atar as duas e) Memórias Póstumas de Brás Cubas /
pontas da vida, e restaurar na velhi- A mão e a luva.
ce a adolescência. Pois, senhor, não
conseguiu recompor o que foi nem o 49. (UFPA) Os p e r s o n a g e n s realis-
que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a tas-naturalistas têm seus des-
fisionomia é diferente. É o que vais tinos marcados pelo determinis-
entender, lendo." mo. Identifica-se e s s e d e t e r m i -
nismo:
c) "Faz dois anos que Madalena mor-
reu, dois anos difíceis. E quando os a) pela preocupação dos autores em
amigos deixaram de vir discutir polí- criar personagens perfeitos, sem de-
tica, isto se tornou insurpotável. Foi feitos físicos ou morais.
aí que me surgiu a idéia esquisita
b) pelas forças atávicas e/ou sociais
de, com o auxílio de pessoas mais
que condicionam a conduta dessas
entendidas que eu, compor esta his-
tória." criaturas.

d) "Suposto o uso vulgar seja começar c) por ser fruto, especificamente, da ima-
pelo nascimento, duas considera- ginação e da fantasia dos autores.
ções me levaram adotar diferente d) por se notar a preocupação dos auto-
método: a primeira é que não não sou res de voltarem para o passado ou para
propriamente um autor defunto, mas o futuro ao criarem seus personagens.
um defunto autor; a segunda é que o
escrito ficaria assim mais galante e e) por representarem a tentativa dos
mais novo." autores nacionais de reabilitar uma
— 330 —

faculdade perdida do homem: o sen- pelo sol, a pele crestada, os ventrezi-


so do mistério. nhos amarelentos e crescidos, corriam
e guinchavam, empinando papagaios de
50. (FUVEST) papel."

"E naquela terra encharcada e fu- A descrição acima caracteriza o


megante, naquela umidade quente e lo- ambiente, focalizando ao mesmo
dosa, começou a minhocar, a esfervilhar, tempo a paisagem física e a paisa-
a crescer, um mundo, uma coisa viva, g e m humana e acentuando a gran-
uma geração, que parecia brotar espon- de identidade entre ambas. Ao fazê-
tânea, ali mesmo, daquele lameiro, a lo o autor retrata a realidade sem
multiplicar-se como larva no esterco". adornos, buscando a exatidão, e m -
bora carregue nas tintas para enfa-
O f r a g m e n t o de O Cortiço, ro- tizar os aspectos mais sórdidos. Tal
mance de Aluísio Azevedo, apre- parágrafo pode pertencer à obra de:
senta uma característica fundamen-
tal do Naturalismo. Qual? a) José de Alencar.
b) Aluísio Azevedo.
a) compreensão psicológica do Homem.
c) Joaquim Manuel de Macedo.
b) compreensão biológica do Mundo.
d) Clarice Lispector.
c) concepção idealista do Universo.
e) Bernardo Guimarães.
d) concepção religiosa da Vida.

e) visão sentimental da Natureza. 52. (UFRS) Assinale a alternativa em


q u e e s t á Incorreta a r e l a ç ã o
5 1 . (UFRS) Leia o seguinte texto: autor/obra/personagem:

"A Praça da Alegria apresentava a) Manuel Antônio de Almeida / Memó-


um ar fúnebre. De um casebre miserá- rias de um sargento de milícias / L e a -
vel, de porta e janela, ouviam-se gemer nardo.
os armadores enferrujados de uma rede b) Joaquim Manuel de Macedo M More-
e uma voz tísica e aflautada de mulher, ninha I Carolina.
cantar em fasete a 'gentil Carolina era
c) Raul Pompeia / O Ateneu I Carlos.
bela'; doutro lado da praça uma preta
velha, vergada por imenso tabuleiro de d) José de Alencar / O Guarani/ Cecília.
madeira sujo e seboso, cheio de san-
e) Aluízio Azevedo / O Cortiço I João
gue e coberto por uma nuvem de mos-
Romão.
cas, as apregoava em tom muito arras-
tado e melancólico: 'Fígado, rins e cora- 53. ( C A R L O S C H A G A S - B A ) Assina-
ção'. Era uma vendeira de fatos de boi. le a alternativa onde estão indi-
As crianças nuas, com as perninhas cados os textos que analisam
tortas pelo costume de cavalgar as ilhar- corretamente alguns aspectos
gas maternas, as cabeças avermelhada
do r o m a n c e realista.
— 331

I. As p e r s o n a g e n s i n d e p e n d e m e) o desprendimento inabalável da he-


do j u l g a m e n t o do narrador, rea- roína e a fidelidade à memória do
gindo cada uma de a c o r d o c o m amado.
sua própria v o n t a d e e t e m p e r a -
mento. 55. (UFPB) As seguintes afirmações
de Alfredo Bosi sobre estilo de
II. A linguagem é poeticamente ela-
época:
borada nos diálogos, mas pro-
cura alcançar um t o m coloquial, "Na França, a partir de 1820, e na
com traços de oralidade, nas Alemanha e na Inglaterra, desde os fins
parte narrativas e descritivas. do século XVIII, uma nova escritura
substituíra os códigos clássicos em
III. Observa-se o predomínio da ra-
nome da liberdade criadora do sujeito."
z ã o e da o b s e r v a ç ã o s o b r e o
sentimento e a i m a g i n a ç ã o . "Há um esforço, por parte do escri-
tor (...), de acercar-se impessoalmente
a) I, lI e III.
dos objetos, nas pessoas. E uma sede
b) I e II. de objetividade que responde aos méto-
dos científicos cada vez mais exatos
c) ll e III nas últimas décadas do século."
d) l e lll. "A poética da novidade tanto no pla-
e) II. no das idéias (conceptismo) como no
das palavras (cultismo) deságua no efei-
54. ( U C P - P R ) Eixos d r a m á t i c o s ao to retórico-psicológico e na expressão
redor dos quais se d e s e n v o l - do bizarro. O que importa, pois, é não
ve a trama romanesca de O mu- nomear plebeiamente o objeto, mas en-
lato, r o m a n c e de A l u í s i o A z e - volvê-lo em agudezas e torneios de en-
vedo: genho, critérios básicos de valor na arte
seiscentista."
a) a doença sem cura da heroína e a
embriaguez. Correspondem, respectivamen-
te, ao:
b) a marginalidade do mulato e o anti-
clericallsmo. a) Arcadismo - Realismo - Simbolismo.

c) a saúde deficiente e precária do mu- b) Simbolismo - Realismo - Barroco.


lato e a decadência da sociedade bur-
c) Romantismo - Realismo - Barroco.
guesa.
d) Simbolismo - Arcadismo - Barroco.
d) o comportamento geneticamente de-
savergonhado do mulato e o fanatis- e) Romantismo - Arcadismo - Simbo-
mo religioso. lismo.
— 332 —

56. (PUC-RS) d) piedade versus falsidade.

"Esta de áureos relevos, e) dor versus falsidade.


[trabalhada
5 8 . ( U F P B ) A p r o p ó s i t o da poesia
De divas mãos, brilhantes copa,
parnasiana, é correto afirmar
[um dia,
que ela:
Já de aos deuses servir como
[cansada, a) caracteriza-se como forma de evo-
cação de sentimentos e emoções.
Vinda do Olimpo, a um novo deus
[servia." b) revela-se no emprego de palavras de
grande valor conotativo e ricas em
A poesia q u e se concentra na sugestões sensoriais.
reprodução de objeto decorativo,
c o m o e x e m p l i f i c a a e s t r o f e de A l - c) acentua a importância da forma, con-
berto de Oliveira, assinala a tônica da: cebendo a atividade poética como a
habilidade no manejo do verso.
a) espiritualização da vida.
d) faz aluzões a elementos evocadores
b) visão do real.
de rituais religiosos, impregnando a
c) arte pela arte. poesia de misticismo e espiritualidade.
d) moral das coisas. e) explora intensamente a cadeia fónica
e) nota do intimismo. da linguagem, procurando associar
a poesia à música.
57. (UFPR)
59. (UNIP-SP) A negação do positi-
"Se se pudesse, o espírito que
vismo, do materialismo e das es-
[chora, téticas neles f u n d a m e n t a d a s , a
Ver através da máscara da face; criação poética como fruto do in-
Quanta gente, talvez que inveja consciente, da intuição, da suges-
[agora tão, da associação de imagens e
idéias; o tom vago, impreciso, ne-
Nos causa, então piedade nos
buloso; o uso acentuado de si-
[causasse!"
nestesias e intensa musicalida-
Raimundo Correia, Mal Secreto
de, são características do:
A s s i n a l e a alternativa q u e ex- a) Realismo.
prime a oposição fundamental des-
te texto: b) Simbolismo.

a) corpo versus espírito. c) Naturalismo.

b) essência do ser versus aparência. d) Romantismo.

c) gente feliz versus gente infeliz. e) Parnasianismo.


— 333 —

60. (FUVEST) 62. ( P U C C A M P - S P ) Cruz e Sousa e


A l p h o n s u s d e G u i m a r a e n s são
"E fria, fluente, frouxa claridade
poetas identificados com um
flutua como as brumas de m o v i m e n t o a r t í s t i c o c u j a s ca-
[um letargo" racterísticas s ã o :

Nestes v e r s o s de Cruz e S o u - a) o jogo de contrastes, o tema da


sa e n c o n t r a - s e um dos t r a ç o s ca- fugacidade da vida e fortes inversões
racterísticos do estilo simbolista: sintáticas.

a) utilização do valor sugestivo da mú- b) a busca da transcendência, a pre-


sica e da cor. ponderância do simbolismo entre as
figuras e o cultivo de um vocabulário
b) rima aproximativa: uso de aliterações. ligado às sensações.
c) presença de onomatopéia. c) a espontaneidade coloquial, os temas
d) uso de antinomia. do cotidiano e o verso livre.

e) emprego de expressões arcaicas. d) o perfeccionismo formalista, a recu-


peração dos ideais clássicos e o vo-
6 1 . (UFPA) Na última década do sé- cabulário preciso.
culo XIX surge, no Brasil, a ma- e) o jogo dos sentimentos exacerbados,
nifestação de um estilo de épo- o alargamento da subjetividade e a
ca que é o: ênfase na adjetivação.
a) Parnasianismo, que reagiu violenta- 63. (FUVEST)
mente contra o estilo então vigente: o
simbolismo. I

b) Romantismo, que se ajustou perfei- "Longe do estéril turbilhão da rua


tamente à alma do brasileiro, cujos Beneditino, escreve! No aconchego
anseios de liberdade política e literá- Do claustro, na paciência e no
ria passou a exprimir. [sossego
c) Impressionismo, que pregava a volta Trabalha, e teima, e sofre, e sua!"
à rigidez formal dos clássicos.
II
d) Arcadismo, que pregava seu ideal de
felicidade decorrente da vida em con- "Ó Formas alvas, brancas,
tato com a natureza. [Formas claras
De luares, de neves, de neblinas
e) Simbolismo, que encontrou uma po-
sição hostil por parte dos parnasia- Ó Formas vagas, fluidas,
nos, ao ponto de quase passar des- [cristalinas...
percebido. Incensos dos turíbulos das aras..."
— 334 —

As estrofes anteriores são, res- b) Barroco, principalmente em Gregório


pectivamente, dos poetas: de Matos.

a) Manuel Bandeira e Olavo Bilac. c) Simbolismo, representando pelas


obras de Cruz e Sousa e Aphonsus
b) Vinícius de Moraes e Fagundes Varela.
de Guimaraens.
c) Olavo Bilac e Cruz e Sousa.
d) Parnasianismo, representado pela
d) Cruz Souza e Castro Alves. obra de Alberto de Oliveira.
e) Castro Alves e Alphonsus de Guima- e) Pré-modernismo, principalmente em
raens. Jorge de Lima.

64. (PUC-RS)
66. (FEM-PA) Seus poemas suge-
"Hão de chorar por ela os rem um clima de mistério, atra-
[cinamomos, vés de uma linguagem rica em
Murchando as flores ao tomar adjetivos semanticamente va-
g o s e i m p r e c i s o s . T r a t a - s e de
[do dia
... que escreveu ... e, como poe-
Dos laranjais hão de cair os pomos ta, está vinculado ao ... .
Lembrando-se daquela que os
[colhia." a) Vinícius de Moraes / Sonetos e Bala-
das I Modernismo.
Uma das linhas temáticas da
b) Ávares de Azevedo / Lira dos Vinte
poesia de Alphonsus de Guima-
Anos/Romantismo.
r a e n s , c o m o s e observa n o e x e m -
plo, é a: c) Cruz e Souza / Faróis / Simbolismo.

a) amada morta. d) Olavo Bilac / O Caçador de Esmeral-


b) religiosidade profunda. das I Parnasianismo.

c) transfiguração do amor. e) Cecília Meireles / Vaga Música I Mo-


dernismo.
d) atmosfera litúrgica.

e) paisagem mariana. 67. (UCP-PR) Assinale a alternativa


correta.
65. (UFSCAR-SP) A ênfase na sele-
ção de vocabulário poético, a) o Romantismo é conseqüência do sur-
c o m o objetivo de transferir ao to de cientificismo e da fadiga da re-
p o e m a o m á x i m o de corres- petição das fórmulas subjetivas.
pondência sensorial, é uma ca-
b) o poeta parnasiano deixa-se arreba-
racterística d o :
tar pelo conflito entre o mundo real e
a) Romantismo, sobretudo na obra de o imaginário, expresso num sentimen-
Castro Alves. talismo acentuado.
— 335 —

c) o Realismo ó conseqüência do surto temas tratados. Por outro lado, há uma


de cientificismo e da fadiga da repe- supervalorização da chamada forma po-
tição das fórmulas subjetivas. ética, onde há busca constante de per-
feição técnica nas rimas, vocabulário
d) no Romantismo, o escritor mergulha
selecionado".
no interior das personagens, mos-
trando ao leitor seus dramas e sua Assinale a alternativa em que en-
agonia. contra o nome do movimento literá-
e) no Simbolismo, predominou a prosa. rio a que se refere o trecho citado.

a) Parnasianismo.
68. (MACK-SP)
b) Romantismo.
"Vozes, veladas, veludosas,
[vozes, c) Modernismo.
volúpias dos violões, vozes d) Simbolismo.
[veladas,
e) Arcadismo.
vogam nos velhos vórtices velozes
70. (MACK-SP)
dos ventos, vivas, vãs,
[vulcanizadas". "Dentre as atitudes mais comuns à
sua poesia, no plano temático, desta-
O trecho acima representa um
cam-se: a transcendência espiritual, a
d o s m o m e n t o s mais inspirados da
integração cósmica, o mistério, o sagra-
poesía de
do, o conflito entre matéria e espírito, a
angústia e a sublimação sexual, a es-
Assinale a alternativa que com- cravidão e uma verdadeira obsessão
pleta corretamente as lacunas. por brilhos e pela cor branca. E, no pla-
a) simbolista - Alphonsus de Guima- no específico da expressão, têm desta-
raens. que as sinestesias, as imagens insóli-
tas, a sonoridade das palavras, a pre-
b) parnasiana - Olavo Bilac.
dominância de substantivos e a utiliza-
c) simbolista - Cruz e Sousa. ção de maiúsculas, com a finalidade de
d) romântica - A l v a r e s de Azevedo. dar um valor absoluto a certos termos".

e) parnasiana - Alberto de Oliveira. O t r e c h o acima refere-se a:

69. (MACK-SP) a) Cruz e Sousa.

b) Cecília Meireles.
"Praticam uma poesia predominan-
temente descritiva, interessada em re- c) Alphonsus de Guimaraens.
presentar plasticamente paisagens e
d) Gregório de Matos.
ambientes, reduzindo o mais possível o
envolvimento emotivo do poeta com os e) Augusto dos Anjos.
— 336

7 1 . (FEI-SP) Marque a única alternati- [2]


va correta sobre o texto abaixo:
a) Romantismo.

Cárcere das almas b) Modernismo.


c) Romantismo.
"Ah! Toda alma num cárcere anda
[presa, d) Barroco.
Solução nas trevas entre as grades e) Modernismo.
Do calabouço olhando imensidades,
[3]
Mares, estrelas, tardes, natureza."
a) Cruz e Souza.
Nesta estrofe, está fortemen-
b) Gonçalves Dias.
te caracterizado um tema simbo-
lista bem ao gosto de Cruz e Sousa. c) Castro Alves.
Trata-se de: d) Manuel Bandeira.

a) sofrimento metafísico, e) Olavo Bilac.

b) espírito de renúncia. 73. (FEI-SP) Uma das obras citadas


abaixo foi escrita por Lima Bar-
c) tristeza diante de amores impossíveis.
reto. A s s i n a l e - a :
d) sofrimento em decorrência da pobre-
a) Canaã.
za material.
b) Os Sertões.
e) temor diante da injustiça humana.
c) Triste Fim de Policarpo Quaresma.
72. (FEI-SP) Escolha a alternativa que d) Eu.
p r e e n c h a c o r r e t a m e n t e , na or-
e) Urupês.
dem apresentada, as lacunas
da frase abaixo: 74. (UFPB) Sobre as obras da litera-
tura brasileira, abaixo c i t a d a s ,
"O Simbolismo se opõe ao [1], apro-
não é correto afirmar q u e :
ximando-se do [2], no que diz respeito à
presença do subjetivismo e da emoção, a) A Moreninha, de Joaquim Manuel de
segundo se observa, por exemplo, em Macedo, é um romance urbano, de fi-
[3], célebre autor de Broquéis. nal feliz, que retrata costumes, cenas
e tipos da sociedade pequeno-burgue-
[1] sa do Rio de Janeiro, no século XIX.
a) Realismo. b) Iracema, de José de Alencar, é qua-
b) Naturalismo. se poema em prosa, em que se ob-
serva o encontro da raça branca com
c) Arcadismo.
a indígena, dando lugar ao sugimento
d) Romantismo. da civilização brasileira, segundo a
e) Naturalismo. visão dos românticos.
— 337 —

c) Memórias de um Sargento de Milí- Estão corretas somente as afir-


cias, de Manuel Antônio de Almeida, mativas:
é um romance tipicamente românti-
co, cuja ação descreve as intrigas a) I e II.
palacianas da corte, no Rio de Ja-
b) l e lll.
neiro, durante o Primeiro Império.
c) l e lV.
d) Triste Fim de Policarpo Quaresma,
de Lima Barreto, é a história de um d) lI e III.
visionário e nacionalista fanático
e) II e IV.
que, movido por uma paixão quixo-
tesca de patriota exagerado, bus- 76. (UFRS) Uma atitude comum carac-
ca revolver sozinho os males de seu
teriza a postura literária de auto-
tempo.
res pré-modernistas, a exemplo
e) em A Morte e a Morte de Quincas de Lima Barreto, Graça Aranha,
Berro d'Água, de Jorge Amado, apa- Monteiro Lobato e Euclides da
recem personagens populares, co- C u n h a . P o d e ela ser d e f i n i d a
mo marinheiros, vagabundos, contra- como:
ventores, prostitutas, como, aliás,
a) a necessidade de superar, em ter-
acontece em praticamente toda a
mos de um programa definido, as es-
obra do escritor baiano.
téticas romântica e realista.

7 5 . ( U F P B ) No r o m a n c e Triste Fim b) a pretensão de dar um caráter defini-


de Policarpo Quaresma: tivamente brasileiro à nossa literatu-
ra, que julgavam por de mais europei-
I. O narrador apresenta-se na ter-
zada.
ceira pessoa, relatando fatos vi-
vidos pelo protagonista, sempre c) uma preocupação com o estudo e
a se debater por objetivos inatin- com a observação da realidade bra-
gíveis. sileira.

II. O narrador, p e r s o n a g e m princi- d) a necessidade de fazer crítica social,


pal da história, à custa da própria já que o Realismo havia sido ineficaz
vida, toma consciência da reali- nessa matéria.
dade degradada em que vive.
e) o aproveitamento estético do que ha-
III. O narrador, personagem s e c u n - via de melhor na herança literária bra-
dário da história, conta a trajetó- sileira, desde suas primeiras mani-
ria do major Quaresma na sua luta festações.
em defesa dos valores nacionais.
77. (MACK-SP) Assinale a alternati-
IV. O narrador, onisciente, revela os v a o n d e a p a r e c e uma c a r a c t e -
pensamentos mais íntimos do rística que não se aplica à obra
personagem principal. de A u g u s t o dos A n j o s .
— 338 —

a) referência à decomposição da matéria. a) trata-se de Monteiro Lobato, que, por


meio de textos críticos e sinceros,
b) pessimismo diante da vida.
discutiu a realidade brasileira do iní-
c) amor reduzido a instinto. cio deste século.
d) incorporação de vocabulário científico. b) trata-se de Menotti del Picchia, poeta
e) nacionalismo exaltado. e dramaturgo da fase crítica do Mo-
dernismo, isto é, a primeira geração.
78. (FEI-SP) Leia o texto abaixo.
c) Monteiro Lobato, autor do fragmento
"Para comer, negociar uma barga- dado, dedicou-se apenas à literatura
nha, ingerir um café, tostar um cabo de infantil.
foice, fazê-lo noutra posição será de-
d) Mário de Andrade, criador também da
sastre infalível. Há de ser de cócoras.
figura de Macunaíma, é o celebre
Nos mercados, para onde leva a autor do texto dado.
quitanda domingueira, é de cócoras,
e) poucos autores modernos brasileiros
como um faquir do Bramaputra, que vi-
criaram figuras regionalistas mar-
gia os cachimbos de brejaúva ou o feixe
cantes como Jeca Tatu. Seu criador
de três palmitos.
idealizou uma ilha, chamada Pasár-
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no gada.
romance e feio na realidade!
79. (MACK-SP) Assinale a alternati-
Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca
va incorreta a respeito de Mon-
filósofo...
teiro Lobato.
Quando comparece às feiras, todo
a) Moralista e doutrinador, tinha acentua-
mundo logo adivinha o que ele traz; sem-
das tendências para uma concepção
pre coisas que a natureza derrama pelo
racionalista e pragmática do homem.
mato e ao homem só custa o gesto de
espichar a mão e colher - cocos de b) Criador do Jeca Tatu, apontou as ma-
tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, zelas físicas, sociais e mentais do
maracujás, jataís, pinhões, cestinhas, Brasil da Primeira República.
samburás, tipitis, pios de caçador; ou
c) Em sua narrativa, notam-se costu-
utensílios de madeira mole - gamelas,
mes interioranos, intenção satírica e
pilõezinhos, colher de pau.
efeitos sentimentais.
Nada mais.
d) assumiu posições favoráveis às van-
Seus grande cuidado é espremer guardas européias: futurismo, cubis-
todas as conseqüências da lei do me- mo, expressionismo, surrealismo.
nor esforço - e nisto vai longe".
e) Apesar de certas ousadias, sua pro-
Sobre o criador do célebre Jeca sa não rompe, no fundo, nenhum mol-
Tatu é correto afirmar q u e : de convencional.
— 339 —

80. (MACK-SP) b) Neo-Simbolismo - a psicologia

"Adotando o modelo determinista, c) Realismo - o diálogo


segundo o qual o meio determina o ho-
d) Impressionismo - o historicismo
mem, a obra divide-se em três partes.
Sua publicação foi relevante para a épo- e) Neo-Realismo - o pitoresco
ca: principalmente porque foi a primeira
obra a retratar um fato histórico con- 82. (MACK-SP)
temporâneo com o rigor interpretativo "Em toda a sua obra, ... lutou por
da Ciência; em segundo lugar, porque, uma língua brasileira que estivesse mais
colocando-se nitidamente a favor dos próxima do falar do povo. Em ... temos,
homens da região, o autor situa o fenô- talvez, a sua criação máxima: a partir
meno como problema social, decorrente desse anti-herói, o autor enfoca o cho-
do isolamento político do Nordeste em que do índio amazônico (que nascera
relação ao resto do país". preto e virou branco - síntese do povo
brasileiro) com a tradição e a cultura
A s s i n a l e a alternativa em q u e
européia na cidade de São Paulo, valen-
a p a r e c e o n o m e da obra a que se
do-se para tanto de profundo estudo do
refere o texto a c i m a .
folclore".
a) Seara Vermelha.
José de Nicola
b) Vidas Secas.
O item que preenche correta-
c) Grande Sertão: Veredas.
mente as lacunas acima, é:
d) O Sertanejo.
a) Mário de Andrade - Macunaíma
e) Os Sertões.
b) Mário de Andrade - Amar, Verbo In-
8 1 . (PUC-RS) transitivo

"Caiu a serenata silenciosa e mo- c) Oswaldo de Andrade -Memórias Sen-


lhou os pastos, as asas dos pássaros e timentais de João Miramar
a casca das frutas. Passou a noite de
d) Oswaldo de Andrade - Serafim Ponte
Deus e veio a manhã e o sol encoberto.
Grande
E três dias houve cerração forte, e
e) Manuel Bandeira - Cinza das Horas
três noites o estancieiro teve o mesmo
sonho."
83. (FAAP-SP) A prática de um liris-
Cronologicamente vinculado mo confidencial a que acrescen-
ao o que dá cate- ta a auto-ironia, c o m p o r t a m e n -
goria artística à o b r a de J o ã o S i - to típico do poeta, pode ser e n -
m õ e s L o p e s N e t o , c o m o ilustra o contrada no p o e m a :
texto acima, é :
a) A Procura da Poesia, de Carlos D.
a) Pré- Modernismo - o estilo De Andrade.
— 340 —

b) Pneumotórax, de Manuel Bandeira. 86. (UFPA) O poema "Os Sapos", de


Manuel Bandeira, contém uma
c) Ode ao Burguês, de Mário de Andrade. crítica à escola:

d) Retrato, de Cecília Meireles. a) modernista.


e) Canto do Regresso à Pátria, de Os- b) simbolista.
waldo de Andrade.
c) parnasiana.

84. (UFPA) Em fevereiro de 1909, d) realista.


Marinetti publicou na Europa um e) literária.
manifesto cujas idéias desen-
c a d e a r a m o: 87. (MACK-SP) Assinale a alternati-
va que corresponde ao nome
a) Dadaímo. do a u t o r de Paulicéia Desvai-
rada:
b) Futurismo.
a) Machado de Assis.
c) Surrealismo.
b) Fernando Pessoa.
d) Romantismo.
c) Clarice Lispector.
e) Simbolismo.
d) Oswaldo de Andrade.

85. (UFPA) As idéias de Marinetti e) Mário de Andrade.


influenciaram muito os nossos As q u e s t õ e s 88 a 95 r e f e r e m -
autores. Dele, os escritores se ao texto abaixo:
brasileiros seguiram:
"E agora José?
a) a exacerbação do nacional e a sinta- A festa acabou,
xe tradicional.
a luz apagou,
b) a paixão pela metáfora, intelectua- o povo sumiu,
lista e rebuscada, e pelas frases de
a noite esfriou,
efeito.
e agora, José?
c) a negação do passado e o uso de
e agora, você?
palavras com liberdade.
você que é sem nome,
d) o conceito de felicidade na vida em
contato com a natureza, e fé na ra- que zomba dos outros,
zão e na ciência. você que faz versos,

e) o gosto pelo psicologismo na ficção que ama, protesta?


e a supervalorização da natureza. e agora, José?
— 341 —

Está sem mulher, Se você gritasse,


está sem discurso, se você gemesse,
está sem carinho, se você tocasse
já não pode beber, a valsa vienense,
já não pode fumar, se você dominasse,
cuspir já não pode, se você cansasse,
a noite esfriou, se você morresse...
o dia não veio, Mas você não morre,
o bonde não veio, você é duro, José!
o riso não veio,
Sozinho no escuro
não veio a utopia
qual bicho-do-mato,
e tudo acabou
sem teogonia,
e tudo fugiu
sem parede nua
e tudo mofou,
para se encostar,
e agora, José?
sem cavalo preto
E agora, José? que fuja a galope,
sua doce palavra, Você marcha, José!
seu instante de febre, José para onde?"

sua gula e jejum, Carlos Drummond de Andrade

sua biblioteca,
88. ( P U C C A M P - S P ) J o s é t e r i a , se-
sua lavra de ouro,
gundo o poeta, possibilidades
seu terno de vidro, de alterar seu destino. Essas
sua incoerência, possibilidades estão suge-
ridas:
seu ódio - e agora?
a a
a) na 5 e 6 estrofes.
Com a chave na mão
a a
b) na 1ª, 2 e 3 estrofes.
quer abrir a porta,
a a

não existe porta; c) na 3 , 4- e 6 estrofes.


a a
quer morrer no mar, d) na 4 e 5 estrofes.

mas o mar secou; e) n.d.a.


quer ir para Minas,
89. ( P U C C A M P - S P ) Das possibilida-
Minas não há mais. des sugeridas pelo poeta para
José, e agora? que José mudasse seu desti-
— 342 —

no, a mais extremada está conti- c) exprimir que, após o término da fes-
da no v e r s o : ta, a temperatura caíra.

a) "se você tocasse a valsa vienense". d) intensificar o sentimento de abando-


no, tornando-o um sofrimento quase
b) "se você morresse".
físico.
c) "José, para onde?".
e) n.d.a.
d) "quer ir para Minas".

e) n.d.a. 93. (PUCCAMP-SP) O verso que ex-


prime concisamente que José
90. ( P U C C A M P - S P ) P a r a o p o e t a , é " n i n g u é m " é:
José só não é:
a) "você que faz versos".
a) alguém realizado e atuante.
b) "a festa acabou".
b) um solitário.
c) "você que é sem nome".
c) um joão-ninguém frustrado.
d) "que zomba dos outros".
d) alguém sem objetivo e desesperan-
çado. e) n.d.a.

e) n.d.a. 94. (PUCCAMP-SP) O verso que ex-


p r e s s a e s s e n c i a l m e n t e a idéia
9 1 . (PUCCAMP-SP) José é um aban- de um J o s é s e m norte é:
donado. Essa idéia está bem
traduzida: a) "José, para onde?".

a) na 4ª estrofe. b) "sozinho no escuro".


a
b) na 5 estrofe. c) "mas você não morre".
?
c) no 12ª, 13ª e 1 4 versos da 2 estro- a
d) "E tudo fugiu".
â
fe e nos sete primeiros da 6 estrofe.
e) n.d.a.
a
d) no 8ª e 9ª verso da 1 estrofe.
95. ( P U C C A M P - S P ) Assinale a afir-
e) n.d.a. mativa falsa a respeito do texto:

92. ( P U C C A M P - S P ) " A n o i t e e s - a) José é alguém bem individualizado e


friou" é um verso repetido. Com a ele o poeta se dirige com afetivi-
isso, o poeta deseja: dade.

a) deixar bem claro que José foi aban- b) O ritmo dos sete primeiros versos da
donado porque fazia frio. S
5 estrofe é dançante.

b) traduzir a idéia de que José sentiu c) "Sem teogonia" significa "sem deu-
frio porque anoiteceu. ses", "sem credo", sem religião".
— 343 —

d) Os versos são em redondilha menor Diante dela, a vida é um sol estático,


porque tal ritmo se ajusta perfeita- Não aquece nem ilumina."
mente à intimidade, singeleza e es-
pontaneidade das idéias. Uma das contantes na obra de
Carlos Drummond de Andrade, co-
e) n.d.a.
mo se verifica nos versos acima, é:
96. (CARLOS CHAGAS-BA) a) a louvação do homem social.
I. M o d e r n o e v e r s á t i l , V i n í c i u s de b) o negativismo destrutivo.
Moraes compõe, com maestria,
c) a violação e desintegração da palavra.
tanto letras para c a n ç õ e s p o p u -
lares c o m o p o e m a s dentro d o s d) o questionamento da própria poesia.
mais estritos padrões clássicos.
e) o pessimismo lírico.
II. Cecília Meireles caracterizou sua
poesia pela c o n s t a n t e s u g e s t ã o 98. (CESESP-PE)
de sombra, identificação e ausên-
"Mundo mundo vasto mundo,
cia; mas soube também incorpo-
rar a matéria histórica, em u m a se eu me chamasse Raimundo
de suas mais importantes obras. seria uma rima, não seria uma
[solução.
III.A Moreninha n a r r a , em l i n g u a -
gem presa ao modelo lusitano, a Mundo mundo vasto mundo,
história de um amor impossível Mais vasto é meu coração."
e n t r e um j o v e m da a r i s t o c r a c i a
Nesta estrofe, o poeta:
imperial do Brasil e uma mestiça.
a) deixa claro que desejaria mudar de
Assinale a alternativa correta.
nome.
a) só a proposição I é correta.
b) declara que seu nome é sonoro por
b) só a proposição II é correta. causa da rima.

c) só a proposição III é correta. c) afirma que a questão central não é o


nome e sim a sua origem.
d) são corretas as proposições I e II.
d) tem dúvida quanto ao tamanho do seu
e) são corretas as proposições II e III. coração.

97. (PUC-RS) e) sugere que a atividade poética não


consiste em "fazer rimas".
"Não faças versos sobre
[acontecimentos. 99. (UFPB) A preocupação com o na-
Não há criação nem morte c i o n a l i s m o m a r c o u dois m o v i -
[perante a poesia. mentos da literatura brasileira:
— 344 —

em um, acentua-se um nacio- tico que empreguei, empreguei sincera-


nalismo ufanista; em outro, mente, não pra fazer comicidade nem
tem-se o nacionalismo crítico, mostrar burradas de incultos".
contestatório.
(Mário de Andrade)

Esses movimentos são, res-


O trecho citado manifesta a
pectivamente,
b u s c a d e u m ideal l i n g ü í s t i c o c a -
a) Arcadismo - Romantismo. paz de criar uma estética libertária
em que arte e vida estivessem as-
b) Romantismo - Modernismo.
sociadas na expressão de um Bra-
c) Arcadismo - Modernismo. sil vivo e diversificado.
d) Romantismo - Arcadismo. Trata-se da estética:
e) Modernismo - Romantismo.
a) romântica.
100. (UFPA) b) parnasiana.
"É certo que desde que me pus na c) realista.
fadiga de escrever brasileiramente, não
d) modernista.
fiz caricatura nem pândega. Todas as
manifestações do brasileirismo lingüís- e) simbolista.

Respostas
1.a 26. b 51. b 76. c
2. a 27. a 52. c 77. e
3.c 28. c 53. d 78. a
4. d 29. a 54. b 79. d
5. a 30. b 55. c 80. e
6.c 31. a 56. c 81. a
7.c 32.C 57. b 82. a
8.c 33.C 58. c 83. b
9.e 34. a 59. b 84. b
10.e 35. c 60. b 85. c
11.e 36. e 61. e 86. c
12. e 37. c 62. b 87. e
13. b 38. a 63. c 88. d
14. b 39. d 64. a 89. b
15. c 40. b 65. c 90. a
16. d 41.b 66. c 91. c
17.A.d,B.b 42. b 67. c 92. d
18. c 43. a 68. c 93. e
19. d 44. a 69. a 94. a
20. b 45. c 70. a 95. a
21.b 46. e 71. a 96. d
22.d 47. b 72. a 97. d
23. a 48. d 73. c 98. e
24. a 49. b 74. C 99. b
25. e 50. b 75. c 100. d
— 345

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