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SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

DIVISÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Agrupamentos/turmas multietárias de bebês e crianças nos Espaços Educativos da


Educação Infantil Paulistana

(...) “Enquanto convivem com crianças da mesma idade e de idades


diferentes, sob a atenção e orientação da(do) educadora(or), os
bebês e as crianças ampliam as suas experiências. Ao conviver com
crianças, elas vão aprendendo a dividir, a esperar a vez e a brincar
juntos. Quando interagem com crianças mais velhas, bebês e
crianças ampliam o seu vocabulário, vivenciam brincadeiras novas,
observam e aprendem coisas que ainda não conseguem fazer
sozinhas, mas podem fazer com ajuda dos mais velhos.”
Currículo da Cidade: Educação Infantil

A compreensão de que o ser humano se constitui pelas experiências que vive desde que
nasce (VYGOTSKY, 2018) revoluciona o que se pensava e o que se fazia na Educação. Com
isso, passamos a perceber que a criança nasce inserida em um meio social (sua
família/responsáveis, o território), nele estabelece suas primeiras relações com as pessoas, com
os objetos e com seu próprio corpo e, a partir daí, aprende e se desenvolve. Assim,
desenvolvimento e aprendizagem interrelacionam-se desde o nascimento da criança num
movimento em que a aprendizagem move o desenvolvimento, e o desenvolvimento possibilita
novas aprendizagens num continuum que é, em última instância, movido pelas experiências que
a criança vive.
Quanto mais rico de possibilidades de interações e relações e mais diversificado for o
meio onde acontece essa experiência crianças - meio físico e social -, mais rico será o seu
aprendizado e desenvolvimento. Na Unidade Educacional, as demandas das crianças nas
diferentes idades e com suas diferentes vivências em realidades socioculturais familiares
diversas, possibilitam que o grupo todo compartilhe aspectos que ora são a atividade principal de
um pequeno grupo de crianças, ora de outro. As crianças maiores que já tenham vivido processos
similares podem revisitar e aprimorar suas capacidades. Ao mesmo tempo, as crianças menores
têm a possibilidade de observar, acompanhar e decidir como participar de situações em que serão
aprendizes. Em outros momentos, poderão tomar iniciativas aproveitando os modos aprendidos
com os maiores. Por isso, mesmo que o contexto educativo seja organizado e ambientado para
atender necessidades, interesses e demandas distintas (de acordo com o que é relevante para
bebês e crianças) considerando a segurança e a integridade do grupo, quanto mais permanente é a
oferta dessa diversidade na U.E., mais a dinâmica nesse contexto estará próxima da realidade
concreta da vida em sociedade onde bebês e crianças de diferentes idades vivem e convivem,
ensinam e aprendem juntas.
Quanto mais referências os bebês e s crianças tiverem – seja ela de que idade for -, mais
ela enriquece suas possibilidades de perceber a si mesma, de experimentar, seja com a
linguagem, com os objetos, com os modos de se relacionar com os outros. A constituição da
experiência da criança se dá no viver a vida, nas oportunidades em que pode experimentar cada
coisa, de conhecer o mundo, de se relacionar com os elementos do meio em que está inserida:
adultos, crianças, materiais diversos. Por isso, quanto mais esse meio for enriquecido de
possibilidades interativas, mais a criança pode se desenvolver em suas capacidades e aprender.
Uma outra questão importante é que a forma central dos processos de aprendizagem,
especialmente no início da vida, (e, portanto, processos de desenvolvimento) é a atividade
coletiva que alimenta a experimentação/ação individual. Na criança pequena, a imitação é um
procedimento muito presente que alimenta suas aprendizagens. Esse processo de internalização
de capacidades faz um caminho complexo: o que bebês e crianças vivem coletivamente vai aos
poucos sendo internalizado pela criança e vai sendo transformado nesse processo: o que era
externo se torna interno com uma nova qualidade. Por exemplo, uma ação vivida com o grupo,
internaliza-se sob a forma de uma capacidade de pensar, de resolver problemas, de imaginar.
Essa é a Lei Genética Geral enunciada por Vygotsky (2018): antes de ser pessoal, individual e
interna, uma função psíquica (como o pensamento, a linguagem, a imaginação) primeiramente é
vivida coletivamente. O mundo (a cultura) é apresentado à criança pelas outras pessoas. Somos
seres sociais que dependemos do cuidado de outros para sobreviver e por eles somos inseridos no
contexto social; com os outros aprendemos a ser. Quando o bebê se relaciona com adultos
interessados e comprometidos que o tratam de forma respeitosa e afetiva, e valorizam suas
conquistas, essa relação respeitosa será a base de suas iniciativas em estabelecer contato com
outros bebês e crianças maiores.
Vygotsky defende que essa experiência coletiva se enriquece com a presença de crianças
de diferentes idades no grupo e que assumem o lugar de parceiros mais experientes na prática
pedagógica.

As ações que as crianças já são capazes de realizar sozinhas não impactam tanto seu
desenvolvimento quanto aquelas que ela faz com ajuda de alguém – em parceria ou por imitação.
Isto porque, ao realizar algo que extrapola naquele momento sua capacidade de realizar de forma
independente, a criança está se preparando para fazê-lo. E isso promove novas aprendizagens e,
por isso, impacta de modo significativo seu desenvolvimento. Ou seja, ao fazer com o outro ou
com sua ajuda, a criança pode passar a fazer sozinha o que antes só conseguia fazer com ajuda.
Com isso, amplia sua possibilidade de fazer, explorar, aprender e se desenvolver.
Não se trata, no entanto, de ensinar qualquer coisa em qualquer idade para bebês e
crianças. A criança vai ampliando suas aprendizagens e seu desenvolvimento com ações que são
possíveis porque estão na iminência de se constituir como possibilidade para ela. Como afirma
Vygotsky, o que se encontra muito afastado de sua possibilidade de fazer não se caracteriza
como um bom ensino. O ―bom ensino‖ é aquele que se antecipa do que a criança já é capaz de
fazer sozinha, mas, que se encontra num nível de desenvolvimento para o qual ela está se
preparando a partir do que já faz.

Por isso, as crianças de mais idade convivendo no grupo são a referência ideal, pois
fazem coisas mais avançadas para a experimentação das menores, mas que não extrapolam a
possibilidade das menores de fazerem em parceria. Com isso, a presença de crianças maiores
convivendo com as menores cria novas referências para os pequenos que têm tradicionalmente
apenas a professora ou o professor como par mais avançado – muitas vezes com expectativas que
extrapolam a possibilidade de realização dos pequenos e das pequenas.

Portanto, considerando esta descoberta da ciência, deixar um bebê e/ou uma criança com
um grupo que, em última instância, têm o seu mesmo nível de desenvolvimento de capacidades,
de fala e de ação com objetos, empobrece as experiências dos bebês e crianças e restringe seu
desenvolvimento, num momento em que a formação da inteligência e da personalidade acontece
num ritmo acelerado e definidor do futuro de cada criança. Quando bebês e crianças convivem
com idades diferentes, eles vão convivendo com múltiplas possibilidades que são dadas pelas
crianças mais velhas que, nesse caso, se tornam os parceiros mais experientes.

Então, enquanto nas crianças menores vai se formando a capacidade de perceber novas
possibilidades de ações motoras e se constituindo novas possibilidades de ações mentais, nas
crianças maiores, vão se reforçando suas apropriações, suas aprendizagens e seu nível de
desenvolvimento à medida que fazem com os menores. Enquanto os menores, vão aprendendo a
pedir ajuda, os maiores vão aprendendo a oferecer ajuda aos menores. Com isso, as crianças mais
velhas revisitam e objetivam – expressam e fortalecem – seus aprendizados, uma vez que o
processo de aprender tem um movimento dinâmico que envolve aprender e expressar o que se
aprende. Nesses processos, as subjetividades solidárias e colaborativas vão se constituindo pela
formação e desenvolvimento da capacidade de participar com o outro e diferenciar-se dele. As
crianças menores ampliam suas experiências de vida, as maiores ampliam suas relações de
empatia e todas constroem e ampliam seus entendimentos da realidade a partir das vivências
diárias num grupo diversificado de gênero, culturas e idades. Os desafios e as experiências se
ampliam e, com eles, as aprendizagens e o desenvolvimento da personalidade e da inteligência.

Ao mesmo tempo, ao trabalhar com grupos heterogêneos, professoras e professores


diminuem suas expectativas por resultados padronizados, observam melhor as diferenças entre as
crianças e as regras de convivência; as rotinas também se tornam distintas e as demandas se
diferenciam. Estar entre crianças de diferentes idades significa aprender ―habilidades básicas‖
que não estão presentes em nenhuma prova avaliativa. Por exemplo, aprende-se como consolar,
contar histórias para aquele que ainda não sabe folhear os livros, pedir ajuda ao companheiro
mais qualificado, enfrentar limites e possibilidades, isto é, as suas diferenças pessoais e sociais
—aprende-se a viver na diversidade. (Currículo da Cidade (2019, apud Lilian Katz, 2000)
Nesta mesma perspectiva, os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana
(2015) no item 4.2.1 apontam a qualidade no encontro de crianças de diferentes idades ao
indagar se são organizados momentos, ambientes e materiais que proporcionam brincadeiras,
estimulam interação, relações de amizade, solidariedade e cooperação entre todos os bebês e
crianças, meninas e meninos extrapolando os agrupamentos etários, as atividades em grupo, no
parque ou na roda.

Essa mesma defesa se apresenta no Currículo Integrador da Infância Paulistana, assim


como nos Critérios para um Atendimento em Creches que Respeitam os Direitos Fundamentais
das Crianças.
Tradicionalmente temos separado bebês e crianças por idade. Hoje, com as informações
que as ciências nos trazem, podemos atualizar nosso trabalho paulatinamente nos inserindo nessa
nova maneira de pensar a educação infantil já discutida nos documentos que tem orientado a
Rede Municipal de Educação Infantil de São Paulo.

Defendemos que bebês e crianças são o foco da nossa atenção na U.E., e promover
vivências em que os menores possam se espelhar e aprender com os maiores e os maiores
possam aprender a conviver cuidando do outro menos experiente amplia as possibilidades de
todos.

Nesse sentido, os ambientes coletivos de educação podem se constituir em contextos de


interação privilegiados que possibilitem aos bebês e crianças experiências de convivência com
outros adultos e com outros bebês e crianças. Isso poderá impulsionar uma nova atenção aos
espaços especialmente organizados e reformulados para as diferentes vivências, os tempos para
pesquisas, ações e questionamentos das crianças, as releituras e a inserção de novas
materialidades para as invenções que os bebês e as crianças evidenciam, sejam eles verbais ou
gestuais.

Com isso, estaremos sustentando a possibilidade de que cada bebê e criança que esteja
nas Unidades Educacionais interaja na potência máxima para o seu desenvolvimento integral.

Bibliografia e Leituras Complementares

Cancian, V. A; Goelzer, J e Belin, V.J. Práticas formativas e pedagógicas na Unidade de


Educação Infantil Ipê Amarelo-USFM: Narrativas docentes.
Disponível em:
https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/19354/Livro_Praticas_Formativas_Pedag%c3%b3
gicas_IPE%20AMARELO_2019.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Prado, P. Crianças maiores e menores: entre diferentes idades e linguagens. Anais do 16 COLE.
Disponível em:
https://alb.org.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais16/sem13pdf/sm13ss04_03.pdf

SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo


Integrador da Infância Paulistana. São Paulo: SME / COPED, 2015.

SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da


cidade: Educação Infantil. São Paulo: SME / COPED, 2019.

VERBA, M e ISAMBERT, A. A Construção dos Conhecimentos através das Trocas entre as


Crianças: Estatuto e papel dos ―mais velhos‖ no interior do grupo. In: BONDIOLI, A. e
MANTOVANI, S. Manual de Educação Infantil de 0 a 3 anos. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.
245-258.

VYGOTSKY, L. S. Sete Aulas sobre os Fundamentos da Pedologia. (Tradução e Organização de


Zoia Prestes e Elizabeth Tunes). Rio de Janeiro: E-Papers, 2018.

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