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Administração estadual direta

112 : Administração estadual direta dirigida pelo Governo

A Administração estadual direta reporta-se ao “Estado-Administração”, e, assim, ao desempenho da função


administrativa pelo próprio Estado na sua condição de pessoa coletiva de direito público e sujeito da AP, que atua
através dos seus próprios órgãos. No interior do Estado-Administração, o Governo ocupa uma posição
constitucional de primazia e de superioridade, mas nem toda a AP do Estado depende do governo.

Existindo, assim, uma bifurcação entre AP direta dirigida pelo Governo e AP independente.

A AP estadual direta abrange o conjunto de órgãos administrativos e de serviços administrativos pertencentes ao


Estado e que, em geral, se encontram sujeitos ao poder de direção do Governo, no contexto de uma relação de
hierarquia.

Fala-se em Administração direta do Estado porque, neste caso, a realização dos fins públicos estaduais é
protagonizada diretamente pelo próprio Estado, por si mesmo, diretamente, através dos seus órgãos e dos seus
serviços (Estado-Administração).

O poder de direção radicado no Governo evidencia a continuidade e o princípio da não separação entre política e
Administração, bem como o princípio da subordinação da Administração Pública à política.
Destaca-se o princípio da unidade e eficácia da ação da AP que se consubstancia no exercício de poderes
hierárquicos.

Os serviços e organismos que integram este setor da AP são, em geral, dirigidos por trabalhadores em funções
públicas, designados em comissão de serviço, com o estatuto de dirigentes (chefias).
O setor da Administração estadual direta subdivide-se, assim, em Administração central (órgãos e serviços centrais) e
em Administração periférica (órgãos e serviços periféricos)

112.1. Administração Central

O setor da Administração central do Estado inclui o Governo, na sua condição de órgão administrativo, bem como
os órgãos e serviços dele diretamente dependentes que exercem uma competência extensiva a todo o território
nacional (continental) – órgãos e serviços centrais.
O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, Ministros e Secretários de Estado e Subsecretários de Estado.

Na Administração do Estado, o ministério é a unidade de referência para a organização de todo o sistema da


Administração direta.
Sem prejuízo da abertura constitucional à exigência de ‘secretarias de Estado’, dotadas de atribuições, a lei ordinária
nunca instituiu departamentos administrativos com a designação de secretaria de Estado. Os ministros dirigem
ministérios e os secretários de Estado coadjuvam-nos nessa missão, e não lhes cabe, por competência própria, dirigir
qualquer departamento administrativo.

Cabe à lei orgânica de cada ministério definir as respetivas atribuições, bem como a estrutura necessária ao
seu funcionamento: atualmente, a estrutura do Governo encontra-se prevista na lei orgânica do XXI Governo
Constitucional, sendo cada um dos ministérios dotado de uma lei orgânica própria.

Classicamente, cada ministério é dirigido pelo ‘respetivo ministro’, o ‘respetivo titular’.


Mas as leis orgânicas de vários órgãos eliminaram essa vinculação e instituíram ‘ministros sem ministérios’ (ex.:
Ministro do Planeamento, Ministra da Cultura) e ministros que dirigem serviços distribuídos por diferentes
ministérios. Perdeu-se, assim, o sentido da vinculação entre cada ministério, enquanto departamento unitário e um
determinado ministro.

Aos ministérios parece dever equiparar-se a Presidência do Conselho de Ministros: o departamento central do
Governo que tem por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos demais membros
do Governo organicamente integrados e promover a coordenação interministerial dos diversos departamentos
governamentais. A presidência do Conselho de Ministros tem personalidade jurídica e atribuições. O âmbito das
suas atribuições é delimitado em função dos serviços e organismos que a lei orgânica de cada Governo coloca na
sua dependência.
A existência de departamentos ministeriais resulta de uma divisão horizontal do trabalho em função da diferente
natureza material das áreas de intervenção do Estado (saúde, segurança, economia, educação). Sendo que os vários
ministérios têm funções comuns e exercem atividades comuns.

A lei define uma política de promoção da partilha de atividades comuns entre os serviços integrantes de um mesmo
ministério ou de vários ministérios para a otimização dos recursos.
Esse modelo de funcionamento partilhado abrange especialmente atividades de natureza administrativa e
logística:
o Negociação e aquisições de bens e serviços
o Sistemas de informação e comunicação
o Gestão de edifícios
o Serviços de segurança e de limpeza
o Gestão da frota automóvel
o Processamento de vencimentos e contabilidade

O Regime Jurídico da Administração Direta do Estado promove o modelo de funcionamento em rede, quando
estejam em causa funções do Estado cuja completa e eficiente prossecução dependa de mais de um serviço ou
organismo, independentemente de pertencer ao mesmo ministério ou a ministérios diferentes.
Tendencialmente, todos os órgãos e serviços do Estado são integrados em ministérios, seja ao nível central, seja ao
nível periférico.

Cada ministério é objeto de desconcentração funcional (os órgãos que o integram exercem funções e competências
diferentes) e, em regra, de desconcentração geográfica (comporta órgãos centrais e órgãos periféricos).
Ao setor da Administração central do Estado pertencem os serviços centrais, como as direções-gerais, as inspeções-
gerais e outros serviços com diversas designações.

Os serviços da Administração direta do Estado são definidos, de acordo com a sua função dominante, em: serviços
executivos que prosseguem as políticas públicas; serviços de controlo, auditoria e fiscalização, que fazem o
acompanhamento e a avaliação da execução das políticas públicas; serviços de coordenação, que promovem a
articulação entre outros serviços em domínios em que a necessidade de coordenação seja permanente.
Os serviços centrais podem dispor de unidades orgânicas geograficamente desconcentradas (ex.: a ASAE tem 5
direções-regionais).

Pertencem ao setor da Administração central os serviços e forças de segurança, como a PSP, a GNR, o Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras – todos estes serviços e forças de segurança integram o Ministério da Administração
Interna, encontrando-se na dependência direta do Ministro da Administração Interna, e contam com unidades
desconcentradas.

112.2. Administração periférica


Os órgãos e serviços da Administração central do Estado têm ‘jurisdição’ em todo o território nacional (serviços
centrais). Mas o Estado detém ainda órgãos e serviços subordinados ao Governo e integrados em ministérios, mas
com poderes restritos a determinada porção do território nacional ou circunscrição administrativa. Assim sendo,
serviços periféricos são aqueles que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita – administração
periférica ou local do Estado.

As áreas de competência territorial dos serviços periféricos não são sempre coincidentes.
Em certos casos, embora de uma forma excecional, ainda subsiste a divisão distrital (ex.: centros distritais de
segurança social, comandos distritais da PSP). Nos últimos anos tem sido visível o esforço no sentido da criação de
uma circunscrição ‘regional’, correspondente às designadas NUTS. Mas esta também não é uma tendência definida,
pois que, em alguns setores, adota-se um modelo de divisão assente nas NUTS III.

Em determinados setores da sua intervenção, a Administração do Estado tem de estar mais próxima dos cidadãos, e
torna-se necessário instalar serviços e estabelecimentos com áreas de jurisdição cuja delimitação não obedece a um
critério uniforme, evoluindo de forma mais ou menos casuística, em função das necessidades: instalação da rede
escolar dos ensinos básico e secundário, rede de agrupamentos de centros de saúde, serviços de finanças, centros
de emprego, esquadras da PSP, …

Refiram-se ainda os serviços periféricos externos, que exercem poderes fora do território nacional, como é o caso
das embaixadas, as representações permanentes ou os postos consulares.

Institutos públicos – Ad. Estadual indireta

115 : Administração estadual indireta e institutos públicos

Os institutos públicos integram a administração indireta do Estado (e das Regiões Autónomas). Sem prejuízo dos
desvios que resultam da fisionomia específica de alguns deles, os institutos públicos representam a figura pública
típica da Administração Estadual indireta: trata-se, em geral, de entidades, com um substrato institucional, criadas
por lei do Estado para a realização de fins e atribuições originariamente estaduais. Os institutos públicos surgem
como organizações instrumentais ao serviço da realização de fins estaduais.

Trata-se, porém, de uma categoria muito diversificada, que abrange:


o Institutos submetidos aos poderes de superintendência e tutela do Governo, que vamos designar
“institutos públicos dependentes do Governo”
o Institutos com autogoverno, que é o caso das instituições de ensino superior, que correspondem a
“institutos públicos autónomos”
o Institutos independentes do Governo, como é o caso das entidades administrativas independentes com
funções de regulação económica, que correspondem a “institutos públicos independentes”

Todos os institutos públicos se integram da Administração estadual indireta, pois, em todos os casos estamos
perante organismos de substrato institucional, instituídos para prosseguirem atribuições de Estado. Os institutos
públicos são, em todos os casos, entidades instrumentais do Estado.

116 : Institutos públicos


(institutos públicos dependentes do Governo)

Âmbito: Administração estadual indireta sob orientação do Governo.


Os Institutos Públicos têm no seu nome sempre as iniciais IP (ex.: Instituto Português do Desporto e da Juventude,
IP; Administração Regional de Saúde do Centro, IP), e a eles aplica-se a LQIP.
O instituto público é o suporte típico da Administração indireta, correspondente a uma figura institucional criada
pelo Estado e à qual este disponibiliza ou afeta meios humanos, bem como recursos materiais para o desempenho
de atividades administrativas determinadas sob a superintendência e tutela do Governo.

Institutos Públicos: pessoas coletivas públicas com um substrato institucional, instituídas por ato legislativo para a
prossecução, em nome próprio e com autonomia administrativa, de determinados fins públicos estaduais e que se
submetem à superintendência e tutela do Governo.

a) Criação por ato legislativo

Os institutos públicos são criados por ato legislativo, em regra, por decreto-lei, não estando, porém, excluída a
criação por lei parlamentar.

Princípio da prevalência da Administração direta do Estado sobre as formas de Administração indireta:


a criação de IP’s apenas é viável para o desenvolvimento de atribuições que recomendem, face à especificidade
técnica da atividade desenvolvida, designadamente no domínio da produção de bens e da prestação de serviços, a
necessidade de uma gestão não submetida à direção do Governo, estando impedida a constituição de IP’s para o
desempenho de atividades que, nos termos constitucionais, devam ser desempenhadas por organismos da
Administração estadual direta ou para personificar serviços de estudo e conceção, coordenação, apoio e controlo de
outros serviços administrativos.

b) Personalidade jurídica

Os IP’s são pessoas coletivas de direito público, dotadas de órgãos e património próprio. O atributo da
personalidade jurídica é um elemento essencial do conceito.
Os IP’s podem ser serviços ou fundos, isto é, serviços personalizados, ou fundos personalizados (‘fundações
públicas’).

c) Prossecução de determinados fins estaduais

A figura dos IP’s surge reportada à Administração do Estado (institutos públicos estaduais) ou das regiões
autónomas (institutos públicos regionais).
Importante é referir que existem institutos públicos fora da esfera da Administração do Estado
(nomeadamente no âmbito da administração municipal).

O IP é criado para a prossecução de determinados fins estaduais: rege aqui uma regra da especialidade.

A figura foi idealizada para a prossecução de funções e tarefas administrativas sem caráter económico, comercial ou
industrial. Por vezes, as leis orgânicas de determinados IP’s preveem a sujeição de algumas das atividades que
desenvolvem ao regime jurídico aplicável às entidades empresariais. Soluções ditadas pelo propósito de aliviar o
regime jurídico de atividades que alguns IP’s desenvolvem e que apresentam contornos muito próximos da oferta de
serviços no mercado ou que, por razões diversas, o legislador entende não submeter, em parte, ao regime aplicável
ao exercício das atividades próprias da gerência administrativa.

Os IP’s ocupam-se de missões do Estado como as seguintes:


o Regulação de atividades económicas privadas (ex.: setores da construção e imobiliário)
o Prestação de serviços públicos aos cidadãos (ex.: saúde, segurança social)
o Apoio e fomento de atividades privadas (ex.: artes, agricultura, internacionalização das empresas)
o Atividades de financiamento e subsidiação
o Prestação de serviços administrativos (ex.: atividades de registo, avaliação e acreditação de instituições)
o Prestação de serviços técnicos (ex.: estatística, meteorologia)
o Gestão financeira de recursos públicos consignados a determinadas finalidades
o Participação na elaboração, estudo e gestão de políticas públicas

Administração estadual indireta com autogoverno

132 : Instituições do ensino superior

Trata-se de uma área caracterizada por uma certa hibridez, posto que compreende um ingrediente decisivo na
Administração estadual indireta, a prossecução de fins estaduais, mas, em simultâneo, adota, nos termos da lei, um
modelo de funcionamento que o aproxima das instituições típicas da Administração autónoma: o autogoverno e a
autonomia.
Na nossa leitura, a este setor de Administração estadual indireta com autogoverno e autonomia, reconduzem-se as
instituições de ensino superior.
Nos termos do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RIJES), o ensino superior articula-se segundo um
sistema binário: o ensino universitário e o ensino politécnico. A esse sistema correspondem dois tipos de
instituições de ensino superior: as universidades e os institutos politécnicos.

Administração estadual indireta independente

133 : Administração indireta dependente do Governo

O Governo ocupa a posição de destaque em toda a Administração do Estado, constitucionalmente consagrado


como ‘órgão superior da AP’, e que, em termos efetivos, assume um protagonismo decisivo no âmbito de quase
toda a Administração estadual.

Em grande extensão, a AP estadual encontra-se sob influência/dependência do Governo: nos termos constitucionais,
o Governo tem a responsabilidade de dirigir a AP direta e de superintender (orientar) a AP indireta.

Sem prejuízo do exposto, importa ter presente o facto atual de partes relevantes da AP estadual (direta ou indireta)
se apresentarem independentes do Governo.
Entidades investidas de funções administrativas do Estado que beneficiam da garantia de desgovernamentalização
no desempenho das suas missões principais: são as entidades administrativas independentes.
A Administração independente identifica um setor da AP do Estado, composta por pessoas coletivas de direito
público que prosseguem finalidades ou atribuições do Estado, mas que, no desenvolvimento das suas missões ou
competências, estão imunes à interferência ou, pelo menos, à orientação governamental.

A Administração independente (que pertence ao Estado) é reconduzida ao setor da Administração indireta.


As entidades administrativas independentes prosseguem fins ou atribuições do Estado e, como todos os organismos
da Administração indireta, são entidades do Estado, por ele criadas para a realização das suas missões. Mas o
conceito de Administração estadual indireta tem de se desconectar da ideia de superintendência do Governo.

❗ Referimo-nos a uma Administração indireta que é independente do Governo

135 : Administração independente e sistema administrativo estadual


O sistema português de Administração estadual apresenta-se tradicionalmente, como um sistema
governamentalizado, que, em regra, atua sob direção ou orientação do Governo.

O sistema administrativo clássico, organizado segundo um modelo vertical e centralista e assente numa cadeia
hierárquica de comando e controlo com o Governo no topo, encontra as suas raízes no processo de centralização do
poder e na exigência de legitimação democrática da Administração: a dependência governamental da
Administração assegura a democracia administrativa. A criação de organismos de Administração independente
persegue o propósito de colocar elementos ou estruturas da Administração do Estado fora da esfera de influência (e
responsabilidade) do Governo.

De acordo com a compreensão clássica do princípio democrático, a instituição de organismos burocráticos sem
legitimidade democrática própria, subtraídos à esfera de influência do Governo não se revela aceitável. Mas,
sobretudo desde os últimos anos do século passado, desenvolveu-se a tendência para uma certa ‘americanização’
do sistema administrativo e para a imitação dos modelos das ‘independent agencies’ ou ‘independent commissions’
do sistema de Governo norte-americano. Essa tendência, de matriz ideológica e imposta por uma certa
compreensão sobre o relacionamento entre o Estado e o mercado, conciliou-se especialmente bem com o processo
de evolução da UE a apontar para a desgovernamentalização de certas esferas da AP: o caso mais exemplar é o dos
bancos centrais.

O resultado deste processo consistiu na eclosão de novas criaturas: as entidades administrativas independentes,
entidades com ou sem personalidade jurídica.

A abertura constitucional à criação de entidades administrativas independentes, ainda que, em geral, credibilizou a
figura, acomodou-a no sistema administrativo e, do mesmo modo, consolidou a tese de que a legitimação da AP
não tem de resultar exclusivamente dos canais da democracia administrativa formal e da responsabilidade
parlamentar do Governo. A subordinação à lei e aos tribunais, ou seja, a subordinação ao DA, a instituição de
mecanismos mais afinados de legitimação procedimental e a definição de exigências mais apuradas no plano da
legitimação pessoal e técnica dos dirigentes representam pressupostos que, em conjunto, são suscetíveis de garantir
a ligação desta Administração independente ao princípio democrático.

Em geral, a criação de entidades administrativas independentes responde, conforme os casos, a um dos 3


propósitos fundamentais:
§ Garantia de uma intervenção administrativa imune à influência de diretrizes político-ideológicas das maiorias
governamentais de cada momento, o que se considera essencial, por ex.: para a regulação de certos setores
da economia (banca, seguros, gestão de bolsas)
§ Garantia de intervenção independente de qualquer influência do Governo ou da Administração quando
esteja em causa a proteção dos administrados contra a própria Administração ou a proteção de bens
constitucionais (ex.: organismos de regulação da comunicação social ou que tutelam o direito de acesso à
informação administrativa)
§ Garantia de uma intervenção administrativa independente de diretrizes, instruções ou orientações quando
esteja em causa a atuação de organismos com específica habilitação para a realização de avaliações
independentes ou para a emissão de juízos ou opiniões técnicas ou científicas (ex.: avaliação independente
sobre a consistência, cumprimento e sustentabilidade da política orçamental; ou com o controlo das contas
dos partidos políticos).

136 : Garantia da independência na Constituição


ou no direito da UE

Em casos específicos, a independência de estruturas administrativas é imposta e, por isso, assegurada ou garantida
pela Constituição.
O DUE também reclama, em certas áreas, o figurino da entidade administrativa independente (ex.: modelo de
independência dos bancos centrais).
Na medida em que a independência de uma autoridade administrativa se vê assegurada pelo DUE, a garantia
impõe-se ao próprio legislador nacional, limitando-se a sua liberdade de conformação.
Havendo mesmo uma norma que determina a não aplicação da lei quando exista norma de DUE ou internacional
que disponha em sentido contrário e seja aplicável à entidade reguladora e respetiva atividade.

Pode também acontecer que a independência dos organismos responsáveis por determinados setores da
intervenção administrativa seja preconizada e sugerida por disposições ou standards de boas práticas editados por
prestigiados organismos internacionais. Embora se encontrem desprovidos de efeito jurídico vinculativo para o
legislador nacional, tais standards definem padrões que, em regra, os Estados não devem, nem têm interesse em
ignorar, desde logo para a defesa da reputação internacional da sua regulação.
142 : Em especial, as entidades administrativas independentes com funções de regulação da
economia: entidades reguladoras

Dentro do universo das entidades administrativas independentes ocupam hoje um lugar de destaque as entidades
com funções de regulação da economia – autoridades reguladoras nacionais (ARN).

Administração autónoma e autarquias locais

146 : Administração autónoma e Administração autónoma territorial

A AP portuguesa não é apenas a Administração do Estado. Existe um setor da AP ‘fora’ do Estado, que se dedica à
prossecução de interesses próprios, que se diferenciam dos interesses administrativos (gerais) de que o Estado se
ocupa – AP autónoma.

A Administração autónoma compreende os seguintes elementos:


§ Existência de uma coletividade infraestadual que congrega os indivíduos ligados por uma característica
comum, a qual pode assentar na residência num certo local, ou no exercício de uma certa atividade ou
profissão
§ Consideração de que essa coletividade tem interesses próprios e específicos que se podem diferenciar em
relação aos interesses gerais da coletividade estadual
§ Governo ou administração desses interesses próprios pelos indivíduos que formam a coletividade,
diretamente ou indiretamente através de órgãos por eles eleitos (autogoverno e autoadministração)
§ Autonomia face ao Estado, com a exclusão de formas de direção, orientação ou ingerência estadual quanto
ao mérito das opções e das medidas dos órgãos da administração autónoma
§ Utilização de meios e instrumentos próprios da AP

Concordamos com esse ponto de vista, exceto quanto ao segundo elemento, o qual não parece que esteja presente
em todas as formas de Administração autónoma.
A Administração autónoma é um instrumento de participação dos cidadãos da AP, interliga-se com a
autoadministração.

Há 2 manifestações da Administração autónoma: territorial e não territorial (também designada funcional ou


corporativa), a diferença entre elas reside no fator territorial.

A Administração autónoma territorial é a parte do sistema administrativo que se ocupa da realização dos interesses
próprios e específicos da população residente num espaço delimitado do território nacional através de órgãos
eleitos e representativos. Sendo as maiores referências deste setor da AP as autarquias locais, ou seja, os municípios
e as freguesias.
148 : Garantia constitucional da autonomia local

Autonomia local: direito e capacidade efetiva de as autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei,
sob sua responsabilidade e no interesse das respetivas populações uma parte importante dos assuntos públicos.

A autonomia local constitui uma garantia institucional das autarquias locais. Num plano jurídico, a autonomia local
tem um caráter essencialmente objetivo, de garantia de uma instituição, e não, como os direitos de proteção de
uma situação jurídica subjetiva. Mas trata-se de uma realidade protegida pela Constituição.

As autarquias locais beneficiam de um regime constitucional que, em função do elemento territorial e da sua
configuração como protagonistas do poder local, as distingue no panorama da AP: além do Estado e das regiões
autónomas, só as autarquias são, por força da Constituição, titulares de domínio público; além dos do Estado e das
regiões autónomas, os bens das autarquias podem ser defendidos por qualquer pessoa, no exercício do direito de
ação popular; além do Estado e das regiões autónomas, as autarquias locais são as únicas entidades da
Administração que a Constituição autoriza a serem titulares de poderes tributários e às quais atribui a titularidade do
poder regulamentar.

Enquanto garantia constitucionalmente protegida, o âmbito da autonomia local inclui, desde logo, a garantia da
existência de autarquias locais; pode dizer-se que a Constituição não só garante, como impõe a existência de
autarquias locais em todo o país, pelo que nenhuma parcela do país pode deixar de estar organizada sob a forma de
autarquia local.

Inerente à garantia constitucional da existência de autarquias locais é a garantia de definição de um círculo de


interesses autárquicos, a atribuição de poderes públicos para realizar esses interesses, bem como a garantia de
acesso e disponibilidade de recursos financeiros que permitam satisfazer as necessidades públicas relacionadas com
os interesses locais.

Daqui decorre que a autonomia local se vai projetar em múltiplas dimensões, em graus diferenciados, que variam
em razão da categoria da autarquia (município ou freguesia):
o Autonomia financeira
o Autonomia administrativa
o Autonomia na contratação de pessoal

Todas estas dimensões de autonomia se desenvolvem dentro de limites e de condicionantes legais. Além disso, a
autonomia local não é um valor absoluto e pode sofrer compressões e restrições de vária ordem e em vários planos,
nomeadamente as restrições legais (orçamentais) em matéria de contratação de pessoal; ou os cenários de
restrição severa da autonomia financeira de autarquias locais endividadas e em processo de ajustamento financeiro.

A autonomia local é suscetível de tutela judicial, por via da imputação de atos e medidas estaduais de qualquer
natureza que atentem contra a garantia constitucional. Mas, por si mesmas, as autarquias locais apenas podem
impugnar as medidas restritivas que revistam um caráter administrativo, estando-lhes vedada a possibilidade de
reação contra medidas legislativas.

149 : Conceito de autarquia local

Autarquias locais: pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de
interesses próprios das populações respetivas.
As autarquias locais são pessoas coletivas de direito público, entidades dotadas de personalidade jurídica, que
prosseguem atribuições públicas.
Elementos constitutivos das autarquias locais:

§ Território ou circunscrição territorial – as autarquias locais são ‘pessoas coletivas de população e


território’, ou seja, pessoas coletivas territoriais. O território de cada autarquia corresponde a uma
circunscrição do território nacional. Em conjunto com a população residente, o território constitui um
elemento fundamental das autarquias locais, como fator de identificação e determinação dos interesses
próprios da autarquia e de delimitação do âmbito das competências dos seus órgãos: o território é o
elemento com base no qual se definem os específicos interesses comuns dessas pessoas. O território é o
critério de aplicação do direito de cada autarquia
§ Coletividade de pessoas residentes numa circunscrição territorial – a residência é o conceito de local de
inscrição para efeitos de recenseamento eleitoral. É em função do recenseamento que se define uma
espécie de residência oficial de uma pessoa para efeitos de identificar a sua pertença a uma autarquia local,
com os direitos e deveres inerentes a essa condição. Há situações em que o âmbito da intervenção das
autarquias locais resulta apenas de um elemento de conexão territorial, sem ligação ao fator de residência.
Nestes termos, pessoas não residentes podem ser abrangidas pela intervenção do município (ex.: o
condutor que comete uma infração de trânsito sancionada pela polícia municipal; ou o proprietário obrigado
pelo município em que não reside a fazer obras num imóvel que ali detém). A jurisdição das autarquias locais
é determinada pelo elemento territorial e pelo território que as constitui.

§ Interesses próprios e específicos – reconhecimento legal da existência de interesses próprios e específicos


da coletividade de pessoas que as constituem. Interesses locais que se distinguem em face dos interesses
nacionais. As autarquias locais têm como objetivo constitucionalmente definido a prossecução de interesses
próprios das populações respetivas. Os interesses locais, referenciados ao agregado de residentes, são ou
podem ser ‘quaisquer uns’, sem uma definição ou recorte específico – princípio de generalidade. Haverá
casos inequívocos de interesses de natureza local, por vezes correspondentes a interesses historicamente
enraizados no âmbito local (ex.: gestão do espaço público, regulamentação de feiras e mercados, limpeza
pública). Em sentido oposto, também há casos nítidos de interesses nacionais (ex.: defesa nacional e política
externa). Mas, em muitas hipóteses, não se revela possível delinear uma compartimentação taxativa e
definitiva entre interesses locais (que digam respeito à população que reside numa certa parcela do
território) e interesses nacionais. Na verdade, existem, até talvez em regra, zonas de confluência ou de
concorrência entre os dois graus de interesses, pelo que em princípio, e salvo casos de manifesto excesso
ou de erro evidente, tem de se reconhecer uma importante margem de liberdade legislativa na delimitação
de interesses locais para efeitos de definição de competências das autarquias locais. Deve reconhecer-se às
autarquias locais um conjunto de atribuições próprias (e aos seus órgãos um conjunto de competências) que
lhes permitam satisfazer os interesses próprios (privativos) das respetivas comunidades locais; o legislador
deve balancear a prossecução de interesses locais e do interesse nacional ou supralocal, gozando de uma
margem de autonomia. Não pode inferir-se da garantia institucional da autonomia local a consagração de
uma reserva constitucional de competência dos entes autárquicos, de acordo com um modelo de rígida
separação entre esferas de interesses e de atribuições, como se fosse identificável uma clara e intransponível
linha de demarcação entre o que é e não é de relevo local. Deve, contudo, notar-se que o revelar-se difícil
ou até impossível recortar interesses exclusivamente locais não significa que o Estado não possa, ou não
deva transferir competências para as autarquias locais. A Constituição exige que as autarquias locais se
ocupem dos interesses locais, mas não proíbe que elas intervenham em áreas que não correspondem a
interesses inequívoca e exclusivamente locais. O princípio da descentralização contém, por si só, a força
jurídica bastante para enquadrar a transferência de competências para as autarquias em matérias que
interessam sobretudo ou também às respetivas populações e que elas estão em condições de executar sob
a sua própria responsabilidade.

§ Órgãos representativos – os órgãos que dirigem as autarquias locais têm um caráter representativo; os
titulares desses órgãos são eleitos pela população residente da autarquia, nas eleições autárquicas.
151 : Categorias de autarquias locais

Existem 3 categorias de autarquias locais:


§ Freguesias
§ Municípios
§ Regiões administrativas

Apesar da provisão constitucional, apenas existem as primeiras duas categorias. As regiões administrativas não
foram instituídas.
O município e a freguesia representam níveis territoriais sobrepostos, que partilham o território, mas correspondem
a entidades entre si independentes: trata-se de duas categorias de sujeitos da Administração autónoma, que se
ocupam da prossecução dos interesses específicos dos respetivos agregados populacionais.

Município

152 : Conceito de município

Município – pessoa coletiva que visa a prossecução dos interesses próprios da população residente numa parcela
do território nacional designada circunscrição municipal, mediante órgãos representativos eleitos por aquela
população.

Elementos da definição de município, enquanto autarquia local:


o Pessoa coletiva de direito público (o município é uma pessoa coletiva, com atribuições e competências
próprias)
o Ocupa uma parcela ou circunscrição do território nacional
o População residente
o Visa a prossecução dos interesses próprios dos residentes na parcela do território que ocupa
o Órgãos representativos eleitos pela população residente (eleições municipais).

Freguesia

165 : Conceito de freguesia

Freguesia (é outra categoria da autarquia local): pessoa coletiva de direito público que visa a prossecução dos
interesses próprios da população residente numa parcela do território de um município através de órgãos
representativos.

Elementos:
o Pessoa coletiva de direito público
o População residente
o Parcela ou circunscrição do território municipal (em regra as freguesias ocupam uma parcela do território
municipal, ou, em alguns casos, coincidem com o território municipal)
o Visa a prossecução dos interesses próprios dos residentes nessa parcela do território
o Órgãos representativos eleitos pela população residente

No ano de 2012, teve lugar um complexo processo de reorganização administrativa do território das freguesias, que
veio a culminar com a agregação e a consequente redução do número de freguesias

Administração autónoma corporativa


170 : Administração autónoma e Administração
autónoma corporativa

A administração autónoma corporativa constitui uma forma de descentralização e de participação dos interessados
na AP. O fenómeno da Administração autónoma corporativa tem na sua base uma coletividade ou um agregado de
indivíduos ou entidades particulares diretamente interessadas na gestão de determinados assuntos.

Por exemplo: os agentes que se dedicam à atividade de mediação imobiliária. Esse conjunto de indivíduos e
empresas tem um interesse próprio, direto e imediato na definição de regras quanto ao acesso e exercício da
atividade imobiliária, quanto aos preços a cobrar aos clientes, quanto à aplicação de sanções aos agentes que não
cumprem as regras, etc. Pelo facto de a exercerem, os referidos agentes têm um interesse próprio na regulação
administrativa da atividade de mediação imobiliária.

Na atualidade, a regulação administrativa dessa atividade cabe a um IP, encontrando-se atribuída ao setor da
Administração indireta do Estado. Na perspetiva dos agentes imobiliários, estamos aqui em presença de um caso de
hétero-administração: a regulação administrativa da atividade profissional em causa é determinada por um
organismo público estranho e alheio aos profissionais (distinção clara entre quem tem o encargo de administrar e os
destinatários da atividade administrativa).

Mas admitamos agora que o legislador decide criar uma nova entidade pública, vamos supor uma Câmara dos
Agentes Imobiliários, composta pelas pessoas que exercem a profissão de agente de mediação imobiliária,
dispondo de órgãos por estes eleitos e com a função de efetuar a regulação administrativa da atividade de
mediação imobiliária.
Teríamos, então, um processo de descentralização desta função pública, por via da sua deslocação da esfera do
Estado para a coletividade dos interessados (dos próprios destinatários das medidas e dos atos praticados no
exercício dessa função pública). Esta passaria a ser desenvolvida em sistema de autoadministração, em um sistema
de administração realizada pelos destinatários da atividade administrativa.

As entidades da Administração autónoma territorial congregam todos os membros da coletividade local residente; o
território é aqui o elo de ligação e todas as pessoas que o partilham são abrangidas. Na Administração autónoma
corporativa, são abrangidos os membros que compartilham uma certa condição: o elo é agora a qualidade ou
condição que as pessoas que integram o grupo partilham.
Por se basear no território, a Administração autónoma territorial ocupa-se de fins múltiplos, no quadro de um
princípio de generalidade. A Administração corporativa tem atribuições delimitadas e específicas, segundo um
princípio de especialidade.

A Administração autónoma territorial é constitucionalmente necessária.


Já a Administração autónoma corporativa, além de facultativa é vista como excecional do ponto de vista
constitucional.

Na Administração autónoma corporativa o interesse público cuja realização se vê confiada à coletividade de


interessados não é assumido, qua tale como um interesse próprio e específico dos membros da coletividade.
A coletividade de interessados vê-se beneficiada com o privilégio de gerir uma atividade de interesse público geral
em cuja regulação tem um interesse direto.

Verifica-se a coincidência ou identidade entre o interesse público geral na regulação de uma certa atividade ou na
utilização de um bem público e o interesse (privado) próprio de determinados indivíduos. A presença deste interesse
próprio é precisamente o fator que legitima uma solução de autoadministração, no quadro da efetivação do
princípio constitucional da participação dos interessados na gestão da Administração.
A convocação da ideia de democracia para legitimar estas formas de autoadministração não é credencial bastante,
porquanto se trata, afinal, de instituir uma micro-democracia, de que apenas beneficia quem pertence à coletividade
que tem o privilégio de se autoadministrar.

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