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Biologia da Estética

* Professor Titular de Patologia da FOB e da Pós-graduação da FORP – Universidade de São Paulo.


** Professora Doutora da Universidade Sagrado Coração – Bauru.
*** Professora Doutora substituta da FOA-UNESP e das Faculdades Adamantineses Integradas (FAI).

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Hipoplasia do esmalte: fundamentos para
nomenclatura e identificação dos tipos e causas
Alberto Consolaro*, Leda A. Francischone**, Renata Bianco Consolaro***

INTRODUÇÃO formas e diagnóstico da Hipoplasia do Esmalte de causa


Quando as manchas e os defeitos no esmalte são sistêmica, e seus significados clínicos e implicações tera-
nominados incorretamente, significa que as verdadei- pêuticas. As Hipoplasias do Esmalte induzidas por cau-
ras causas e mecanismos foram ignorados e uma abor- sas locais foram abordadas em trabalhos anteriores1,2.
dagem terapêutica inadequada pode ser aplicada4.
A formação do esmalte, ou amelogênese, é execu- A hipoplasia representa uma
tada exclusivamente pelos ameloblastos, células alta- malformação: fundamentos
mente especializadas, que: A fecundação e o pré-embrião — Após a fecunda-
» produzem a matriz orgânica adamantina; ção do óvulo inicia-se a proliferação, até que um aglo-
» mineralizam-o de uma forma muito específica, merado arredondado de células adere e implanta-se na
para resultar nos prismas; parede uterina, ao redor do sétimo ao décimo dia — um
» proporcionam uma estrutura altamente cristali- processo conhecido como nidação. Até esse momento,
na, ao reabsorverem as proteínas anteriormente o ser em formação recebe o nome de pré-embrião e
incorporadas. dificilmente fatores externos atuam promovendo distúr-
A atividade do ameloblasto exige um grande refina- bios do desenvolvimento. Nesse período prevalece a lei
mento metabólico, estrutural e organizacional, a pon- do tudo ou nada: os fatores externos, se eficientes a
to de ser considerado uma das células mais sensíveis ponto de alterarem o desenvolvimento do pré-embrião,
frente aos agentes externos. promovem, em geral, o aborto espontâneo.
O padrão estético do esmalte depende da atividade O embrião e as anomalias — Depois da nidação,
normal dos ameloblastos. Qualquer alteração na de- o aglomerado de células iguais passa a ter três popu-
posição da matriz do esmalte, na mineralização e/ou lações celulares diferentes, organizadas em forma de
na sua maturação final, pode resultar em alterações de um disco semelhante a um pequeno botão de camisa.
cor, translucidez, estrutura e grau de dureza. Entender Logo após essa estratificação em camadas, conheci-
como ocorrem as hipoplasias do esmalte e nominá-las da como gastrulação, teremos muitos tipos de células
corretamente revela um conhecimento adequado de migrando e se diferenciando, em diferentes locais, para
suas causas e resulta em diagnósticos precisos, para dar origem aos órgãos e tecidos do futuro organismo:
que se planeje e execute uma ação terapêutica cons- essa fase recebe o nome de organogênese. Nesse pe-
ciente e duradoura. ríodo de intensa atividade migratória e diferenciação, o
Este trabalho foi concebido com a finalidade de con- ser em formação ainda não tem o aspecto externo da
tribuir no esclarecimento da terminologia/nomenclatura espécie a que pertence, e recebe o nome de embrião.
e das causas relacionadas à hipoplasia do esmalte. No O período embrionário se estende do 13º-18º dia após
próximo artigo, trataremos especificamente das causas, a fecundação até o início do 3º mês.

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Hipoplasia do esmalte: fundamentos para nomenclatura e identificação dos tipos e causas

No período embrionário, os fatores externos podem bem definidos: pré-embrionário, embrionário e fetal.
facilmente alterar o desenvolvimento dos tecidos e ór- Os grupos de dentes obedecem os mesmos fenôme-
gãos. A migração, diferenciação e síntese estão em sua nos celulares e teciduais para o desenvolvimento, mas
plenitude e as células são facilmente modificadas, em em momentos diferentes aos do organismo como um
sua forma e função, pelos fatores externos. Nessa fase, todo. Há uma cronologia específica para a formação
a ação desses fatores modificadores promove, como re- de cada grupo de dentes, por exemplo: temos odonto-
sultado final, um tecido ou órgão com forma e funções al- gênese até os 15-16 anos de idade nos terceiros mola-
teradas — conhecido como malformações ou anomalias. res. A grande maioria dos dentes tem a sua formação
Quando múltiplas, essas malformações geram quadros na vida extrauterina e, por isso, está sujeita à ação de
clínicos como síndromes, associações e sequências. muitos fatores ambientais. Mas os mesmos conceitos
O feto, as deformidades e as displasias — No e nomenclaturas dos distúrbios do desenvolvimento
início do terceiro mês, o ser em formação dá sinais geral se aplicam às alterações dentárias.
aparentes da espécie a que pertence e passa a ser no-
minado de feto, tendo início o período fetal, que se es- Diferenças entre distúrbios do desen-
tende até o nascimento. Nesse período, as células, em volvimento e do crescimento celular
sua maioria, já migraram para seus respectivos locais Embora sejam bem diferentes, ocorrem confusões
e darão origem aos variados tecidos e órgãos. Agora, terminológicas na aplicação dos conceitos de distúr-
sofrerão o processo de diferenciação e maturação fi- bios do desenvolvimento do organismo e de distúrbios
nal: essa fase recebe o nome de histogênese (histo = do crescimento celular.
tecidos). As células sintetizarão produtos para consti- Os distúrbios do crescimento celular ocorrem em
tuir as estruturas teciduais, como colágeno, membra- tecidos maduros e representam respostas adaptati-
nas extracelulares e produtos especiais como a matriz vas dos tecidos frente a novas situações, como uma
óssea, dentinária, cementária e adamantina. demanda funcional aumentada. Os mais frequentes
Quando fatores externos atuam no período fetal, distúrbios do crescimento celular são as hiperpla-
as alterações afetam a maturação e a formatação final sias, ou aumento local do número de células em um
dos tecidos e órgãos. Geralmente, os distúrbios são determinado tecido; hipertrofias, que representam o
na síntese de alguns componentes teciduais ou na aumento do tamanho das células maduras; e meta-
forma final do órgão ou tecido afetado. Os distúrbios plasias, nas quais uma célula madura se transforma
do desenvolvimento promovidos no período fetal são em outro tipo morfológico igualmente maduro e da
conhecidos como deformidades. Quando a alteração mesma linhagem embrionária.
nesse período afeta a maturação tecidual, às vezes As atrofias, por sua vez, não são nem distúrbios do
comprometendo a função, os distúrbios provocados desenvolvimento e nem do crescimento celular. Elas
são denominados de displasias. representam a redução do tamanho de uma célula
Os distúrbios do desenvolvimento, ou disgenesias, adulta para se adaptar a uma redução ou perda de ati-
podem ser divididos em malformações (que ocorrem vidade, nutrição ou estímulo. Essa redução se dá pela
predominantemente no período embrionário), displasias perda de organelas, citosol e mudanças estruturais, o
e deformidades, que ocorrem em geral no período fetal. que representa no conjunto uma verdadeira lesão ce-
Dentes: tempos e momentos diferentes — A lular subletal com caráter reversível, mas não um dis-
formação do corpo humano ocorre em três períodos túrbio do desenvolvimento.

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O conceito de Agenesia e Aplasia Hipoplasia do Esmalte: significado bio-


A falta completa de formação de um órgão deve lógico e clínico
ser referida como agenesia se, no local onde esse de- A Hipoplasia do Esmalte representa um grupo de situ-
veria estar presente, não se observar qualquer sinal, ações em que esse tecido deixa temporariamente de ser
mesmo que rudimentar, de sua estrutura. Quando o formado ou é sintetizado com estrutura anormal de sua
órgão não se forma, mas no local nota-se algum sinal matriz orgânica e/ou de seus cristais e prismas (Fig. 1 a 4).
primordial grosseiro ou rudimentar, o evento passa a De acordo com a natureza de sua causa, a Hipoplasia do
ser chamado de aplasia. Esmalte pode afetar apenas um dente, mas também pode
Alguns exemplos podem ser utilizados para se- alterar vários dentes simultaneamente e até todos os den-
dimentar esses conceitos, como as agenesias tes. Embora seja mais comum nos dentes permanentes,
dentárias, que podem afetar um, alguns ou todos os afeta também os dentes primários ou decíduos (Fig. 4C).
dentes e passam a ser denominadas de anodontia Uma vez estabelecida a Hipoplasia do Esmalte,
parcial ou total. O termo agenesia dentária representa como um distúrbio do desenvolvimento da amelogêne-
o grupo onde estão incluídas a anodontia parcial, to- se, o tecido está definitivamente afetado, sem reversibi-
tal e a oligodontia. lidade do processo. Apenas procedimentos operatórios
Um paciente pode ser portador de agenesia renal, e restauradores poderão corrigir os defeitos estéticos e
mas, se no local dos rins apresentar um amontoado funcionais decorrentes. Uma mancha branca por cárie
desorganizado de tecido fibroso e renal, formando dentária inicial pode ser corrigida pela remineralização,
um rudimento afuncional, o paciente será portador recompondo-se a densidade e distribuição dos cristais
de aplasia renal. e, em decorrência, dos prismas1,3. Numa mancha bran-
ca, que representa uma hipoplasia do esmalte na sua
O conceito de Hipoplasia forma mais branda, a mesma remineralização não con-
O termo hipoplasia representa o desenvolvimento in- segue restaurar um aspecto de normalidade no local. O
completo de um tecido ou órgão, que pode até desem- defeito na Hipoplasia do Esmalte está na deposição da
penhar sua função, embora não consiga exercê-la em matriz orgânica e/ou no padrão de mineralização, sem
sua plenitude. Quando um tecido ou órgão não completa possibilidade de reorganização tecidual da área afetada.
a sua formação e parte dele fica defeituosa, podemos
afirmar que está hipoplásico. O órgão ou tecido hipoplá-
sico pode ou não manter sua atividade funcional.
Quando a hipoplasia afeta o órgão ou uma parte do
corpo por inteiro, o exemplo fica facilmente compreen-
dido. Um exemplo de hipoplasia é a microdontia ou na-
nismo dentário, que pode ser coronário — como nos
dentes conoides — ou radicular. Os dentes com micro-
dontia podem ser funcionais, mas não na sua plenitude.
A micrognatia da maxila ou da mandíbula é exemplo Figura 1 - As manchas brancas com superfície preservada podem
receber o nome de Opacidades do Esmalte, e seriam apenas alte-
de hipoplasia de uma parte do corpo, e não exatamente rações de translucidez (como a presente no canino). Mas em muitos
de órgãos viscerais, que também podem ser afetados, casos a superfície também está alterada, indicando modificação
estrutural e caracterizando uma Hipoplasia do Esmalte localizada,
como o rim, fígado, pâncreas, glândulas e outros. como na face vestibular do incisivo central.

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Hipoplasia do esmalte: fundamentos para nomenclatura e identificação dos tipos e causas

A B

C
Figura 2 - As duas causas principais da Hipoplasia do Esmalte localizada: A) traumatismo dentário, como a intrusão do decíduo, resvalando no germe
do permanente; B) lesão periapical inflamatória crônica do decíduo, afetando o germe do permanente, por contiguidade. Nesses casos, a amelogênese
pode ser afetada, gerando manchas brancas ou amareladas com ou sem superfície alterada, como em C.

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Hipoplasia do Esmalte: pode ser deve ter provocado um distúrbio, na deposição e mi-
adquirida ou hereditária neralização das últimas camadas do esmalte, quando
A Hipoplasia do Esmalte implica em desenvolvi- a superfície estava sendo definida. Se a causa local foi
mento alterado desse tecido, induzido por fatores mais duradoura ou intensa, uma área maior da coroa
externos referidos também como causas adquiridas, pode ter sido comprometida e o esmalte se apresentar
que podem atuar local ou sistemicamente. No entan- mais severamente comprometido, como na Figura 3.
to, existem famílias com formação alterada do esmalte Em outros casos, a superfície da Hipoplasia do
por causa de defeitos genéticos e transmitidos de pai Esmalte pode estar normalmente lisa, mas com uma
para filho, caracterizando um quadro de Hipoplasia do mancha de cor branca opaca, amarelada ou mista2;
Esmalte de causa genética e transmissão hereditária, por transparência, nota-se um padrão organizacional
em que a amelogênese (ou formação do esmalte) está subsuperficial irregular (Fig. 1, 2). A causa local atuou
imperfeita ou incompleta. Esse quadro clínico é conhe- nas fases iniciais de deposição das camadas do es-
cido como Amelogênese Imperfeita Hereditária. malte e houve tempo para que, uma vez eliminada a
Quando nos referirmos à hipoplasia do esmalte de causa, novas camadas normais de esmalte fossem
natureza hereditária, devemos fazê-lo de forma com- depositadas sobre a área hipoplásica, estabelecendo-
pleta, usando o termo Amelogênese Imperfeita He- -se uma superfície normal. Os ameloblastos fazem
reditária. Usar o termo Amelogênese Imperfeita sem parte do epitélio interno do órgão do esmalte e, como
acrescentar o adjetivo Hereditária pode gerar confu- todo epitélio, têm grande capacidade de proliferação e
sões, pois a Hipoplasia do Esmalte de causa adquiri- regeneração quando lesados focalmente.
da, local ou sistêmica, também representa um quadro Uma das principais causas locais da hipoplasia
de formação incompleta ou imperfeita do esmalte, ou do esmalte é o traumatismo dentário pela intrusão de
seja, de amelogênese imperfeita. dentes decíduos (Fig. 2A), promovendo o contato de
Os distúrbios do desenvolvimento podem ser indu- sua raiz com os germes dentários durante a fase coro-
zidos por causas adquiridas — como traumatismos, nária de sua formação. Esse contato desorganiza e/ou
drogas, infecções e outras —, assim como podem ser paralisa temporariamente a síntese dos ameloblastos,
resultado de defeitos ou mutações nos genes e/ou nos assim como modifica a matriz ainda não mineralizada
cromossomos. Esses defeitos nos genes e/ou nos cro- recém-depositada no local.
mossomos podem ser repassados para os filhos ou Outra causa local muito comum da Hipoplasia
não; quando o forem, esses distúrbios do desenvolvi- do Esmalte são as doenças inflamatórias no periápi-
mento serão considerados hereditários. ce (Fig. 2B) e nas bifurcações das raízes dos dentes
decíduos (Fig. 3). Nessas áreas localizam-se os ger-
As causas locais da Hipoplasia do mes dos dentes permanentes e essas lesões decí-
Esmalte Adquirida duas podem desorganizar o órgão do esmalte e pa-
A Hipoplasia do Esmalte pode afetar apenas um ralisar temporariamente a deposição de matriz pelos
dente (Fig. 1, 2, 3) ou, ainda, apenas uma pequena ameloblastos. A matriz adamantina no local e o seu
área da face vestibular, como por exemplo nas Figuras padrão de mineralização ficam alterados, ainda que
1 e 2. No local, o esmalte pode estar socavado, depri- temporariamente, resultando em manchas branca-
mido ou irregular em sua superfície, e a cor pode variar centas ou amareladas irregulares, com ou sem su-
de normal a branca ou amarelada. Uma causa local perfície lisa, a serem detectadas no aparecimento do

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Hipoplasia do esmalte: fundamentos para nomenclatura e identificação dos tipos e causas

dente na boca. Esse tipo de hipoplasia do esmalte As causas sistêmicas da Hipoplasia do


geralmente é referido como Dente de Turner e ocorre Esmalte
principalmente nos incisivos centrais superiores e nos Os ameloblastos são células muito sensíveis, do
pré-molares (Fig. 3). ponto de vista metabólico, e podem sofrer paralisa-
Em alguns casos clínicos, o esmalte dentário pode ção temporária na sua deposição de matriz adaman-
apresentar-se com manchas isoladas, discretas e ge- tina quando alterações sistêmicas promovem severo
ralmente brancas, conhecidas como Opacidades do comprometimento do metabolismo geral. Um desses
Esmalte, e provavelmente representam hipoplasias fo- exemplos pode ser as doenças da infância, como a
cais do esmalte, com causas muito discretas e locali- varicela e o sarampo, assim como as internações por
zadas (Fig. 1). São manifestações discretas e isoladas, quadros patológicos febris e infecciosos5.
com superfície de esmalte preservada; as causas re- Nesse período de comprometimento severo do
lacionadas não são possíveis de ser resgatadas pelo metabolismo da criança, os ameloblastos param de
paciente, sendo geralmente classificadas como idio- produzir matriz adamantina ou a produzem de forma
páticas . Os procedimentos de remineralização não
7
defeituosa ou insuficiente, resultando em defeitos no
alteram em nada o seu aspecto. esmalte em forma de faixas ou depressões com forma-
Algumas evidências sugerem que as Opacidades to de sulcos e valas (Fig. 4). Uma vez superada essa
do Esmalte ocorram mais em áreas sem fluoretação fase, e recuperado o metabolismo, os ameloblastos
e seriam resultantes de alterações na translucidez do voltam a produzir o esmalte, mas sem restabelecer a
esmalte, e não na sua estrutura e espessura . Algu- 6
normalidade nas áreas comprometidas (Fig. 4).
mas sugestões incluem as Opacidades do Esmalte Os antibióticos não induzem hipoplasia do esmal-
como manifestações brandas ou benignas da Fluorose te e não atrapalham a amelogênese. Quando admi-
Dentária, que ocorre em 10% da população com uso nistrados por causa de problemas sistêmicos que a
contínuo de flúor a 1ppm na água potável. criança é portadora, alguns antibióticos — pela sua

A B

Figura 3 - Hipoplasia do Esmalte localizada, induzida pela lesão inflamatória crônica na bifurcação do decíduo, afetando o germe do permanente, por
contiguidade. A amelogênese pode ser afetada e comprometer severamente a coroa do permanente, como em B.

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A B C

Figura 4 - Hipoplasias do Esmalte por causa sistêmica, comprometendo temporariamente a amelogênese. A severidade desse comprometimento
depende da gravidade da causa sistêmica e da sua duração. Os dentes e locais afetados dependem da idade de comprometimento do paciente,
podendo envolver os decíduos, como em C.

forte ligação química com o cálcio — podem ser in- pecíficas: na Fluorose Dentária e na Amelogênese
corporados nos tecidos mineralizados naquele perí- Imperfeita Hereditária.
odo e, se forem coloridos, podem mudar a coloração A Fluorose Dentária representa uma Hipoplasia
dos dentes e ossos, como no caso da tetraciclina. do Esmalte caracterizada pela hipomineralização di-
Porém, a presença das moléculas da tetraciclina nos fusa, com aumento da porosidade abaixo da super-
tecidos duros não altera suas propriedades físico- fície do esmalte. Nessas áreas o conteúdo orgânico
-químicas normais, apenas a cor fica alterada. Se, é maior, com menor concentração de minerais. Os
além do quadro de alteração de cor, for observada cristais de apatita são menores e distribuídos ale-
também a malformação do esmalte, deve-se tratar atoriamente em espaços vazios, indicando desor-
de uma hipoplasia do esmalte de causa sistêmica, ganização e falhas na produção do esmalte, mais
para a qual o antibiótico em questão foi prescrito. especificamente em sua matriz orgânica. Essas ob-
Quando causas sistêmicas atuam sobre a for- servações sugerem que o flúor interfere na função
mação do esmalte, ou amelogênese, o comprome- dos ameloblastos durante a amelogênese, induzindo
timento dos dentes é bilateral e concomitante em a formação de grânulos intracitoplasmáticos e desor-
todos os dentes superiores e inferiores em formação ganizando-os na sua disposição colunar.
naquele momento em que o estado sistêmico esteve Quando o flúor estiver excessivo em todas as
atuando, justificando novamente os defeitos hipoplá- fases da amelogênese de todos os dentes, pratica-
sicos em forma de faixas, em bandas, sulcos e valas mente todos terão o esmalte defeituoso caracteriza-
na superfície coronária. Quando quadros clínicos as- do por manchas brancas, amareladas, acastanhadas
sim são diagnosticados, a terminologia diagnóstica e associadas ou não a sulcos, depressões ou perdas
a ser utilizada deve ser Hipoplasia do Esmalte por irregulares de esmalte. No entanto, o flúor excessi-
causa sistêmica, sem que haja um nome específico vo pode ter estado presente apenas em uma fase da
para identificá-la (Fig. 4). amelogênese ou da vida do paciente e, nesses casos,
Porém, em duas situações a Hipoplasia do Es- ter-se-á faixas, bandas ou sulcos no esmalte que es-
malte por causa sistêmica pode receber nomes tava em formação nessa fase. Se esse excesso de
especiais, pelo fato de suas causas serem muito es- flúor tiver sido irregular no tempo e comprometido

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Hipoplasia do esmalte: fundamentos para nomenclatura e identificação dos tipos e causas

irregularmente, em fases diferentes, a formação do CONSIDERAÇõES FINAIS


esmalte e, ainda, com dosagens não homogêneas, A Hipoplasia do Esmalte representa um distúrbio du-
as manchas e defeitos serão irregulares e de gravida- rante a amelogênese que pode ser induzido por causas
de variável nas coroas dentárias. locais — comprometendo isoladamente um dos dentes
Em algumas famílias, a Hipoplasia do Esmalte (Fig. 1, 2, 3) — ou sistêmicas, afetando bilateralmente vá-
ocorre por erros nos genes que comandam a produ- rios dentes superiores e inferiores nas áreas que estavam
ção do esmalte, sendo de natureza hereditária; nes- sendo formadas no seu momento de atuação (Fig. 4).
ses casos, a Hipoplasia do Esmalte recebe o nome A Hipoplasia do Esmalte pode receber nomes es-
específico de Amelogênese Imperfeita Hereditária. peciais em quatro situações muito específicas, como:
Esses erros ou defeitos genéticos podem afetar: (a) (1) Dente de Turner, quando em um dente permanente
a formação e deposição da matriz adamantina; (b) os associado a lesão inflamatória periapical ou na bifur-
mecanismos de deposição mineral; e, eventualmente, cação do dente decíduo relacionado; (2) Opacidades
(c) os mecanismos de maturação do esmalte pelos do Esmalte, quando muito focal e isolada, com causa
quais ocorre a reabsorção final das proteínas do es- aparentemente desconhecida e não resgatada pelo
malte para lhe dar o padrão altamente cristalino que paciente e profissional; (3) Fluorose Dentária, quando
o caracteriza. A Amelogênese Imperfeita Hereditária induzida por ingestão excessiva de flúor; e (4) Amelo-
pode, assim, ser classificada como do tipo hipoplási- gênese Imperfeita Hereditária, cuja causa são defeitos
co, hipocalcificado ou hipomaduro. genéticos transmitidos dos pais para os filhos.

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