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O batismo infantil está entre as doutrinas e práticas das igrejas

reformadas que mais causa estranheza a quem faz parte de outra


tradição evangélica por ter-se criado uma associação com a prática da
católico-romana. Todavia, historicamente a compreensão da tradição
reformada sobre o batismo inclui o batismo infantil, sendo este
bastante diferente da prática católico-romana, que batiza,
indiscriminadamente, qualquer criança.

A título de introdução história, a prática do batismo exclusivo de


adultos iniciou-se apenas no século XVII. Antes disso o batismo
infantil era a prática comum. Herman Bavink, na Dogmática
Reformada, decreve, mostrando que ainda no século XIX
predominava o batismo infantil:

“Hoje em dia, a maioria das igrejas conhece o batismo,


virtualmente, apenas como batismo infantil. Com exceção
dos campos missionários [em países não cristãos] e das
igrejas batistas, o batismo de adultos é uma exceção”.
A prática do batismo apenas de adultos cresceu, portanto, apenas no
século XX com o surgimento e o crescimento das igrejas pentecostais.
Assim, batistas e pentecostais (a maioria em nosso contexto) não
batizam crianças e só reconhecem o batismo por imersão. As
denominações protestantes históricas (luterana, reformada,
anglicana, presbiteriana, metodista, etc.), diferentemente, batizam
crianças e reconhecem a legitimidade de ambos os métodos (imersão
e aspersão), preferindo a aspersão.

2. A CONTINUIDADE DO PACTO DA
REDENÇÃO
O pressuposto básico para compreensão reformada dos sacramentos
(tanto do batismo como da ceia) é a continuidade da revelação da
obra da redenção ou, em outras palavras, a continuidade no Novo
Testamento do pacto da redenção que se inicia no Antigo Testamento
(Gn 3.15). Ambos os Testamentos falam de uma única aliança de
redenção, baseada na graça, estabelecido entre Deus e aqueles que
escolheu para seu povo (Dt 7.6; 14.2; At 13.17).
A aliança que Deus fez com Abraão, chamada pelos reformados de
pacto da graça, é a implementação histórica de uma aliança eterna, e
nunca foi anulada. Esta aliança é anterior à lei de Moisés e portanto
continua vigorando, é ‘‘aliança eterna’’. É isto o que o Apóstolo Paulo
afirma em Gálatas 3.17 ao demonstrar que a lei não pode invalidar a
aliança com Abraão, ele diz: ‘‘Uma aliança já anteriormente
confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos
depois não a pode ab-rogar (anular), de forma que venha a desfazer a
promessa’’.

Isso implica entender o que Antigo e Novo Testamento não ensinam


duas religiões diferentes. A Igreja Cristã não é uma outra igreja
diferente daquela do Antigo Testamento. Paulo descreve claramente
que a Igreja Cristã não é uma nova árvore, mas apenas um galho
enxertado na mesma árvore cuja raiz é Abraão (Rm 11.13-24), o ‘‘pai
de todos os crentes’’ (Rm 4.11). Abraão é o pai tanto de incircuncisos
como de circuncisos, ‘‘que andam nas pisadas da fé antes de ser
circuncidado’’ (Rm 4.11-12).

As ordenanças, os símbolos dessa aliança, porém, mudaram: primeiro


só a circuncisão; depois foi acrescentado a páscoa, e depois ambas
foram substituídas pelo batismo e pela ceia do Senhor. Mas a aliança
é a mesma.

3. CONTINUIDADE DOS SACRAMENTOS


Ao compreender que há uma continuidade entre os testamentos, é
possível também perceber que os dois sacramentos do Antigo
Testamento igualmente não foram abolidos, mas substituídos por
símbolos mais amplos da redenção graciosa mais perfeitamente
revelada no Novo Testamento.

A páscoa era o sacramento comemorativo da igreja visível onde


celebravam a libertação do povo da morte e da escravidão no egito,
transformou-se na santa ceia, quando Jesus dela participou pela
última vez (Mt 26:26-30), que celebram a liberdade da escravidão do
pecado e da morte eterna. Escrevi um artigo devocional sobre isso
que pode ser acessado nesse link: https://goo.gl/D4iCxd
A circuncisão era o sacramento de admissão na igreja visível do
Antigo Testamento. Era o selo da justiça da fé: “E recebeu o sinal da
circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda
incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que creem, embora não
circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça” (Rm 4.11)

A circuncisão foi suplantada pelo batismo cristão, visto que não mais
havia necessidade de derramamento de sangue, pois o Cordeiro já
tinha sido imolado. Em Colossenses 2:11-12, o batismo cristão é
chamado explicitamente de ‘‘circuncisão de Cristo’’:

“Nele também vocês foram circuncidados, não com uma


circuncisão feita por mãos humanas, mas com a circuncisão
feita por Cristo, que é o despojar do corpo da carne. Isso
aconteceu quando vocês foram sepultados com ele no
batismo, e com ele foram ressuscitados mediante a fé no
poder de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. (NVI)”
O argumento do Apóstolo Paulo é evidente: nós cristãos também
fomos circuncidados, não com o corte do prepúcio, mas com o
batismo cristão que tem a mesma função da circuncisão judaica,
podendo portanto até mesmo ser chamado de circuncisão cristã.

Assim, sendo o batismo correspondente à circuncisão, o batismo é,


para a Igreja visível no Novo Testamento, o que a circuncisão foi para
a Igreja visível no Antigo Testamento: a confirmação — o sinal visível
— da aliança que Deus fez com Abraão, o “pai de todos os crentes”
(Gn 17.1-13). O batismo cristão, assim como a circuncisão judaica, é,
portanto, o sinal externo solene de admissão na igreja visível.

Isto não implica necessariamente em que todos os de Israel (da igreja


visível no AT) fossem ou seriam verdadeiros israelitas (membros da
igreja invisível), ou seja: que necessariamente fossem ou seriam
objeto da graça salvadora. Nem implicava que os gentios (não
circuncidados), não pudessem vir a ser verdadeiros israelitas
(membros da igreja invisível). A circuncisão implicava em serem
considerados povo de Deus, objeto do seu especial cuidado, da sua
bênção e da sua revelação.
Assim, o batismo, como a circuncisão, é o rito ou forma externa
determinada por Deus para simbolizar e selar a admissão de pessoas
na igreja visível, como beneficiários do pacto da graça e objeto do seu
cuidado especial. É verdade que o símbolo pressupõe, em geral, o
gracioso lavar regenerador do Espírito Santo pela Palavra (Tt 3:5), por
meio do arrependimento e da fé; mas não o opera nem o garante.

4. AS CRIANÇAS NO PACTO DA GRAÇA


A questão importante com relação ao batismo infantil como “a
circuncisão cristã” é a seguinte: as crianças foram incluídas como
beneficiárias do pacto da graça que Deus fez com Abraão. Elas eram
circuncidadas ao oitavo dia como sinal e selo da participação na igreja
visível e de seu envolvimento no pacto da graça. Não haveria nenhum
impedimento em instituir a circuncisão apenas para os adultos. Mas
isso não ocorreu. As crianças também foram incluídas, porque era o
propósito do Senhor que sua aliança fosse com Abraão e com a sua
descendência.

O fato é que a igreja é a mesma. Somos membros de um mesmo


corpo. Somos a ‘‘comunidade de pacto’’. Somos os verdadeiros
descendentes de Abraão. ‘‘Os da fé é que são filhos de Abraão’’(Gl
3.7). Somos os ramos que foram enxertados e nos tornamos
participantes da mesma raiz e da mesma seiva da oliveira (Rm 11.17).
O meio de salvação também não mudou. Somos salvos hoje do
mesmo modo como foram os crentes na época do Antigo Testamento
— pela graça soberana de Deus mediante o arrependimento e a fé
nas Suas promessas, entre as quais a principal é a vinda do Messias, o
Redentor de Israel (Rm 4.1-17).

Logo, por que razão os filhos dos membros da nova aliança deveriam
ser excluídos da comunidade do pacto, da igreja visível? Por que
negar-lhes o selo da pacto: o batismo? Creio que não. Por isso o Novo
Testamento não exclui as crianças como participantes da aliança da
redenção. Ao contrário, elas são explicitamente incluídas: (1). O
próprio Senhor Jesus afirmou que eles pertencem ao seu reino:
‘‘Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais
é o reino dos céus’’ (Lc 18:16); (2). Pedro confirma que a promessa os
inclui: ‘‘Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos, e para
todos os que ainda estão longe’’ (At 2:39); (3). O Apóstolo Paulo
reconhece a posição dos filhos como ‘‘santos’ (separados), quando
pelo menos um dos pais é crente (1Co 7.14).

5. O BATISMO INFANTIL NOS PRIMÓRDIOS


DA IGREJA
A história da igreja nos dão a entender que o batismo infantil era uma
prática que vinha desde o tempo apostólico. Os Pais da Igreja, de um
modo geral, reconhecem e mencionam a prática do batismo infantil.
Nove, dentre doze Pais que viveram nos dois primeiros séculos,
referem-se à prática do batismo infantil; ex: Justino Mártir (130), Irineu
(180), Orígenes (230).

Irineu de Lyon (séc. I) em “Contra as heresias. Livro III, Cap. 19”: “que
Cristo mandou a igreja batizar todos os que foram alvos do
evangelho, e assim, as criancinhas deveriam ser batizadas”. Orígenes
(séc. III) disse que a “Igreja tinha dos apóstolos a tradição(ordem) para
administrar o batismo as criancinhas”, em Epist. ad Rom. Livro 5,9.

Posteriormente, Agostinho (séc. IV) afirmou que ‘‘nenhum concílio


jamais ordenara o batismo infantil por ser este uma prática que vinha
desde os tempos apostólicos; e que nunca ouvira ou lera de alguém
na igreja que sustentasse o contrário’’. Dizia: “Desde a Antigüidade a
Igreja tem observado o batismo infantil” e ainda, “O costume de nossa
igreja mãe de batizar crianças não deve ser desconhecido nem tido
como desnecessário; nem se deve crer que seja algo mais do que
uma ordenança que nos foi entregue pelos apóstolos” dizia ainda:
Não foi instituído por concílios mas sempre esteve em uso”.

O Concílio de Cartago recebeu consulta se era lícito batizar crianças


antes de oito dias. O que significa que a prática do batismo infantil
após o oitavo dia de vida era comum.

6. OBJEÇÕES
A principal objeção levantada em relação ao batismo infantil é as
crianças não possuem discernimento necessário para ter
arrependimento e fé. Todavia, como já descrito acima, as crianças no
AT (filhos da aliança) também não poderiam se arrepender e ter fé
nas promessas (condição para a salvação), mas mesmo assim eram
circuncidadas e consideradas membros do povo de Deus (da igreja
visível) e beneficiárias da aliança.

A título de exemplificação, a Bíblia também diz: ‘‘Quem não trabalha


não coma’’. E as crianças?! Devemos deixá-las com fome, porque não
podem trabalhar?! Não. O argumento, portanto, é válido apenas para
os adultos que podem exercer a fé. Caso contrário, nenhuma criança
que venha a falecer na infância poderia ser salva, uma vez que a
Bíblia diz: “Se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis”
(Lc 13:3). “Quem nele crê não é condenado; o que não crê já está
condenado” (Jo 3:18).

O fato de não existir mandamento explícito para o batismo infantil


não o invalida uma vez que não era necessário, pois as crianças (filhos
da aliança) sempre foram reconhecidas como membros da igreja
visível do Antigo Testamento. Também não existe mandamento
explícito instituindo o domingo como o dia do descanso cristão, nem
mandamento explícito incluindo as mulheres na Ceia do Senhor!

CONCLUSÃO
Assim os reformadores entenderam o batismo, não excluindo as
crianças de receberem o selo da aliança e de pertencimento a igreja
visível. Por isso batizamos nossos filhos pequenos, por meio da fé dos
pais nas promessas da aliança da redenção em Cristo, crendo que
pertencem a esta aliança (At 2.39), dando-lhes o selo do
pertencimento a igreja visível, e esperando que na idade da razão
possam dizer: “o Deus de meus pais, é também o Deus em quem eu creio
e a quem eu sirvo”.

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