Você está na página 1de 5

Batismo: A Circuncisão Cristã

(Gn 17:1-14; Cl 2:8-15; Mt 28:-18-20; Tt 3:5)

por

Rev. Paulo R. B. Anglada

Clique aqui para baixar a fonte grega usada neste artigo.

I. INTRODUÇÃO
O batismo e a ceia do Senhor são os dois sacramentos ordenados
por Jesus para serem observados na dispensação da graça. A ceia foi
instituída quando da última participação de Cristo na páscoa (Mt
26:26-30) [1]. O batismo está incluído na grande comissão,
mencionada em Mateus 28:18-20 e Marcos 16:15-16). Na concepção
reformada, “os sacramentos são santos sinais e selos do pacto da
graça, imediatamente instituídos por Deus para representar Cristo e
seus benefícios, e confirmar o nosso interesse nele, bem como para
fazer uma diferença visível entre os que pertencem à Igreja e o
restante do mundo, e solenemente comprometê-los no serviço de
Deus em Cristo, segundo a sua Palavra. [2]

1. Importância do Assunto

Há algumas questões controvertidas relacionadas ao batismo,


especialmente no que diz respeito ao batismo de crianças e ao modo
do batismo. Nossos irmãos batistas e pentecostais (a maioria em
nosso contexto) não batizam crianças e só reconhecem o batismo
por imersão. As outras denominações protestantes históricas
(luterana, reformada, anglicana, presbiteriana, metodista, etc.),
diferentemente, batizam crianças e reconhecem a legitimidade de
ambos os métodos (imersão e aspersão), preferindo o segundo.

Isto, além da prática católica de batizar, indiscriminadamente,


qualquer criança, torna necessário que forneçamos as razões das
nossas práticas concernentes ao assunto. Este artigo tem como
propósito apresentar um resumo da teologia reformada concernente
ao batismo, especialmente no que concerne a estas questões
controvertidas.

2. O Problema Básico

Do ponto de vista reformado, o erro básico daqueles que não batizam


crianças e exigem a imersão consiste em perderem de vista a
continuidade da revelação da obra da redenção. A progressividade
da revelação da obra da redenção, planejada por Deus na
eternidade, não deve eclipsar a sua continuidade.
Antes de mais nada, é preciso compreender que o Antigo e o Novo
Testamento não ensinam duas religiões diferentes. A Igreja Cristã
não é uma outra igreja. O Apóstolo Paulo revela claramente que a
Igreja Cristã não é uma nova árvore, mas apenas um galho
enxertado na mesma árvore cuja raiz é Abraão (Rm 11:13-24), o ‘‘pai
de todos os crentes’’ (Rm 4:11). Abraão é o pai tanto de
incircuncisos como de circuncisos, ‘‘que andam nas pisadas da fé
que teve nosso pai Abraão antes de ser circuncidado’’ (Rm 4:11-12).

II. O SIGNIFICADO DO BATISMO


 

1. Não É um Atestado de Salvação

Não é necessariamente o sinal visível de que a pessoa está salva. Não


se trata de um rito de admissão pública na igreja invisível, mas na
igreja visível — e esta inclui salvos e não salvos:

Nem todos os de Israel são de fato israelitas; nem por serem


descendência de Abraão são todos seus filhos; mas em Isaque será
chamada a sua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são
propriamente os da carne, mas devem ser considerados como
descendência os filhos da promessa (Rm 9:6-8)

Há diversos exemplos de membros professos da igreja tanto no AT


como no NT, os quais foram circuncidados/batizados, mas que
nunca experimentaram o lavar regenerador do Espírito Santo.
Auxiliares diretos do Apóstolo Paulo, como Demas, abandonaram a
fé cristã por amarem o presente século (2 Tm 4:10). Referindo-se a
essa classe de pessoas, o Apóstolo João explica que ‘‘Eles saíram do
nosso meio (da igreja visível), porque não eram dos nossos (membros
da igreja invisível); porque se tivessem sido dos nossos (da igreja
invisível), teriam permanecido conosco (na igreja visível); todavia,
eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos
nossos (da igreja invisível)’’ (1 Jo 2:19).

Parece desnecessário provar o que a História da Igreja e a


experiência tornam mais do que evidente.

2. Não é M eio de Salvação

O batismo não tem poder divino inerente. Em si mesmo ele não


pode regenerar ninguém. Esta doutrina (da regeneração batismal) é
ensinada pela Igreja Católica. Para eles, o batismo confere os mérito
de Cristo e o poder do Espírito Santo, purificando da corrupção
interna, garantido remissão da culpa do pecado e infusão da graça
santificadora, unindo o batizado com Cristo, abrindo-lhe as portas
dos céus. Na teologia Católico-romana, a eficácia do batismo não
depende nem dos méritos do oficiante nem dos méritos do batizado,
mas da própria ação sacramental.

Para nós, reformados, entretanto, o batismo não é eficaz em si


mesmo; ele não opera uma nova vida; ele a pressupõe e a fortalece,
mas não a opera nem garante. Eis o que diz a Confissão de Fé de
Westminster:

Posto (ainda) que seja grande pecado desprezar ou negligenciar esta


ordenança, contudo a graça e a salvação não se acham tão
inseparavelmente ligadas com ela, que sem ela ninguém possa ser
regenerado e salvo ou que sejam indubitavelmente regenerados
todos os que são batizados.

3. Não é Essencial à Salvação

A Igreja Católica pensa assim, mas nós, protestantes, não. O


batismo é obrigatório, por obediência aos preceitos de Deus. E a
nossa desobediência a este preceito, naturalmente resultará em
empobrecimento espiritual, como acontece com a desobediência a
qualquer outro preceito do Senhor.

Entretanto esta concepção do batismo como essencial à salvação é


contrária ao caráter espiritual do Evangelho, que não condiciona a
salvação à formas externas (Jo 4:21-24). O ladrão arrependido na
cruz é evidência incontestável disso. Jesus afirmou que naquele
mesmo dia ele estaria consigo no paraíso, sem batismo algum.

4. É a Continuação da Circuncisão

Os dois sacramentos do Antigo Testamento não foram abolidos, mas


substituídos.

A páscoa (o sacramento comemorativo da igreja visível) transformou-


se na santa ceia, quando Jesus dela participou pela última vez (Mt
26:26-30).

A circuncisão (sacramento de admissão na igreja visível)


transformou-se no batismo cristão, visto que não mais havia
necessidade de derramamento de sangue, pois o Cordeiro Pascal
estava preste a ser imolado. Em Colossenses 2:11-12, o batismo
cristão é chamado explicitamente de ‘‘circuncisão de Cristo’’ (o
mesmo que circuncisão cristã) :

Nele também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas


no despojamento do corpo da carne que é a circuncisão de Cristo;
tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo, no qual
igualmente fostes ressuscitados, mediante a fé no poder de Deus
que o ressuscitou dentre os mortos.
O argumento do Apóstolo Paulo é evidente: nós cristãos também
fomos circuncidados, não com o corte do prepúcio, mas com o
batismo cristão que tem a mesma função da circuncisão judaica,
podendo portanto até mesmo ser chamado de circuncisão cristã.

5. É o Selo do Pacto da Graça

Já que o batismo cristão corresponde à circuncisão judaica, o


batismo é, para a Igreja visível no Novo Testamento, o que foi para a
Igreja visível no Antigo Testamento: a confirmação (o sinal visível) da
aliança que Deus fez com Abraão, o “pai de todos os crentes.” É
exatamente este o papel da circuncisão, conforme as palavras do
próprio Senhor a Abraão, quando da instituição desta ordenança em
Gênesis 17:1-13:

Quando atingiu Abraão a idade de noventa e nove anos, apareceu-


lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou o Deus todo-poderoso: anda na
minha presença e sê perfeito. Farei uma aliança (um pacto) entre
mim e ti, e te multiplicarei extraordinariamente... será contigo a
minha aliança; serás pai de numerosas nações... estabelecerei a
minha aliança (pacto) entre mim e ti e a tua descendência no curso
das gerações, aliança perpétua, para ser o teu Deus, e da tua
descendência. Disse mais Deus a Abraão: Guardareis a minha
aliança, tu e a tua descendência no decurso das suas gerações...
Circundareis a carne do vosso prepúcio; será isso por sinal de
aliança entre mim e vós. O que tem oito dias será circuncidado entre
vós, todo macho nas vossas gerações, tanto o escravo nascido em
casa, como o comprado a qualquer estrangeiro, que não for da tua
estirpe. Com efeito, será circuncidado o nascido em tua casa, e o
comprado por teu dinheiro; a minha aliança estará na vossa carne e
será aliança perpétua.

A circuncisão dos Israelitas e dos prosélitos do judaísmo era,


portanto, um sinal externo da aliança de Deus com Abraão, segundo
a qual ele (Abraão) e seus descendentes constituiriam a igreja visível
de Deus na terra. O batismo cristão, assim como a circuncisão
judaica, é, portanto, o sinal externo solene de admissão na igreja
visível.

Isto não implica necessariamente em que todos os de Israel (da


igreja visível no AT) fossem ou seriam verdadeiros israelitas
(membros da igreja invisível), ou seja: que necessariamente fossem
ou seriam objeto da graça salvadora. Nem implicava em que aqueles
que não fossem de Israel (judeus), não pudessem vir a ser
verdadeiros israelitas (membros da igreja invisível).

A circuncisão implicava, sim, em que seriam considerados povo de


Deus, e seriam objeto do seu especial cuidado, da sua bênção e da
sua revelação. De fato, os compatriotas de Paulo segundo a carne
desfrutaram de privilégios especiais, tais como ‘‘a adoção, e também
a glória, as alianças (os pactos da graça e da lei), a legislação, o culto
e as promessas; deles são os patriarcas e também deles descende o
Cristo, segundo a carne...’’ (Rm 9:3-4). Depois de demonstrar a
culpabilidade universal (de gentios e judeus), o Apóstolo Paulo
pergunta: ‘‘Qual pois a vantagem do judeus? ou qual a vantagem da
circuncisão?’’ Ele mesmo responde: ‘‘Muitas, sob todos os aspectos.
Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de
Deus.’’ (Rm 3:1-2).

Conclusão: O batismo, assim como a circuncisão, é o rito ou forma


externa determinada por Deus para simbolizar e selar a admissão de
pessoas na igreja visível, como beneficiários do pacto da graça e
objeto do seu cuidado especial. É verdade que o símbolo pressupõe,
em geral, o gracioso lavar regenerador do Espírito Santo pela Palavra
(Tt 3:5), por meio do arrependimento e da fé; mas não o opera nem
garante.

III. AS CRIANÇAS NO PACTO DA GRAÇA NO ANTIGO


TESTAMENTO

A questão realmente importante com relação ao batismo infantil


como “a circuncisão cristã” é a seguinte: as crianças foram incluídas
como beneficiárias do pacto da graça que Deus fez com Abraão? E a
resposta é evidentemente positiva. Na instituição da circuncisão as
crianças foram explicitamente incluídas como beneficiárias do pacto
da graça, como membros da igreja visível no AT. Por isso deveriam
ser circuncidadas: ‘‘O que tem oito dias será circuncidado entre vós,
todo macho nas vossas gerações.’’ (Gn 17:9-12). Não haveria
nenhum impedimento em instituir a circuncisão apenas para os
adultos! Mas isso não ocorreu. As crianças também foram incluídas,
porque era o propósito do Senhor que sua aliança fosse com Abraão
e com a sua descendência.

Você também pode gostar