Você está na página 1de 15

l.

"'
.• ~
; ''
"tJ.
,,

t
»rs8O€
orgd1t1LaC,10 Afc1r PPcora
Sermoes

Padre Antonio Vieira

Tomo 1

3 ª reimpressao
'ermoes
I
Padre AntOnio Vieira

Tomo

Organiza~ao
Alczr Pécora

hedra

Sao Paulo 2003


·,4, o,Asta edi·o l edra
Copyright O ues v '
tedicio novembro de 20O)
l<' -
•>[)() 1
-
[reipressao r •
fevere1ro a ,
2·' rei111pressJ.o agosto ele 2001
5' reimpresso abril de 2003
Indice
Capa
Camila Mesquita

Projeto gráfico e digitaliza;áo


¡,:¡;biana Pinhciro

Estabclccimcnto de textos . 11 ..
. , - C 1 •tti l•alno Ccs{IJ _✓, ,.es
Patricia Ferreira, Fabrico orsa e '

E.stabclecimento de notas Introducao 11


[patrológicas e bíblicas]_ , Sermü;r,- o modelo sacramenllll
Jorge Sa!lum, Fábio F11rtadv, !un Pcrcira
Sexagésima [ 1655] 27
Revisao .
l, Ir• Perera Capela Real • Lc8:l J • Semen est verbum dci • Os "concursos" dosenmio: Grara,preglldor,
Rita de Cússia Sa111, ,,/ !eran<l.re JJ ar osa,
ovinte. Da parte do ¡,regador: pessoa, matéria, ciencia, estilo e voz. Causa principal dafalta
, . . t e sumários de cflcácia dos serm,ies: o "falso testemunho" da palavra de Deus pelos ¡,regadores.
Organizac;ao, introclucao, cronologia, argumcn o 5
A lcir Pécora Quarta-Fcira de Cinza [ 1672 ] 53
lgrcj11 dcSm1toA11t(mio dos Portugueses (Roma)• Gn J:19 • Memento homo quia pulvis es,
el in pulvcrcm rcvcrteris • Ostos da vida terrena decidem II mh:11c;üu ou condenm¡iio etemrL
A i1110rtlllirlf1de é 111ais temh-el do r¡ue {I morte.

Dados Iter.sonais de Ctale,za¿o na Pubhieacio (CHIP) Santíssimo Sacramento [ 1645] 71


(Casta lraleira do Livro, >P, Irasil)
lgreja de Santa Engrácia (Lishoa) • Jo 6:56 • Caro mea vere est cibus, et sanguis meus vcre est
tfiUS- 1G9i.
\-)1._·ir,1 ..\11tl1:iin, l ledra, 200. potus • Co111:e11ii:11ci11 política ,f,z verdadc do Sacramento eucarístico. Eficrícias dn "mislério" e
Seres: B'adre Antonio Vienta / organizaGio e introducio Alir Pécora. So Balo:
do "encohcrto ",

Tcrccira Quarta-Feira da Quaresma [ 1669] 99


ISBi'\" 85-87328-32-B
Capela Real • i'\llt 20,22 • l\cscilis, quid petatis ·Injustica nos prémios reais: "mlia" e mio
1.Oratoria portuguesa- l Aleir l'ora. I Titulo.
valor. Fama e mercci111e11to supen·ores ao reco11hecimelllo c!ficial O desejo mwuÍlmo mmca se
conhece inteiramente:fruto da ignorancia.
I.J(J,H fil CDD 860.5
Santo lnácio [ 1669] ug
lidies para catálogo sistemático.
1.Oratoria: literatura portuguesa 395
Real Colégio deSa11/o/Í11ttio • Le 12:)6 • Et vos si miles hominibus expecta.ntibus Dominum
suum • Companhia de Jcsus, sífllese dos r¡ualidades das demais ordens religiosas.
[2003)
Direitos <lesta e<li1_:ao Tcrceira Domingada Quarcsma [1655] 143
EDITORA l lEDllA 1.:1'D:\.
rua fradic¡ue coutinho, 1139 - 2" andar Capela Real• I.c J 1:14 • Cum cjecissct dacmonium, locutus est mu tus, et admiratae sunt
05416-011 Sao Paulo - SI' - Brasil turbae • Cri111es de ministros e governadores de provincias.
tclefone/fax: (011) 3097-830-1-
editora@l1edra.com.br
Quinta Quarta-Feira da Quarcsma [ 1669] 175
www.heclra.com.br lgreja da ivliscricórdia (Lisboa) • Jo 9:1 • Vi<lit hominem caecum • As tres ,:spécies de
cegueira: ver "divertido"; ver "passional"; "nao ter a ce¡;ucira ".
Foi fcito o depósito legal.
[DICE
ID1€E

20I
llom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda [1640] 44
Sába<lo Quarlo <la Quaresma [ 1652) . . . . e etllll • ()
.
homem,
ut possent accusaF f¡;reja Nossa Scnhom da Ajud11 (/fahia) • Sl 43:23-26 • Exurge, quare obdormis, Domine?
Lisboa
- •
•Jo <.
86 • lloc autem dicebant tentantes eum,
• . e I • ••
1< , própio demono. Exurgc,_ et ne repellas in finem. Quare faciem ltlam avertis, oblivisceris inopiae nostrae, et
pior "tentador" que o demano. Cada quat e se] tribulationis nostrae? Exurge, Domine, adjuva nos et red une nos propter nomen tuum •
227
i'edulo de intervenüo divina na guerra contra Ilolanda para tomar eficaz a {l{:rio dos crist1ios
Lágrimas de S. Pedro [1669] Domius respexit Petrum,
. , na his1ória e cumprir a "alana" como pavo portugués. '
? C l -·1 · l\us et conversus l dos c

Ca1,·dral dc l.isboa • Le 22: 60 • 6- ·anta ga",), . rigem de tot os os pee.ar· • • Nossa Senhora do Ó [1640]
et egressus foras fleuit amare •A concupiscencia da vista na o'5
2.47
reja de Nossa Senhora da ljuda (Bahia) • Le 1:31 • Ecce concipies in utero, et paries
Tcrceira Quarla-Fcira da Quaresma l 1670 (?)] sta Patre I• d~urn • O tempo do dese¡o. Deus encoherto no Sacramenlo eucarislico excita o desejo ,in sua
- ,b sed quibus paratum e: '' 111sao. O gozo mprk a contemplar¡iio do amado.
Ca¡,cla lkal (') •Mr20.23 ·Non est mcum ciare, o >IS, . • •tc11de11tcs e mews de
. . ," Dif 1 ¡ les para negar aos ¡,re . • •
meo • Trrvcl palavra é um 'non'.. . ficuldad ''_. la lei;, antecpar-se «o
I ·spachos; observacao .a,

Primeira Sexta-Feira da Quaresma [ 1651]


citá-los: nao premiar valid¡os; justia nos d' } "" , ¡t erna
. . - ]e eu ir a orientacao pa'
·e se '
pretendente na distribuicao de cargos; ' Car1ela Real• l\il1 5.-44 • Ego autem dico vobis: Diligite inirnicos vestros, benefacitc his,
2 77
qui oderunt vos• Admoeslar¡iio aos aduladores do rei.
Serm5.o de Sanlo Antonio [ 1670]
5 14 • \'os estis Lux \·1undi • Portugal,
1

lgrcja de S. Antonio dos Portugueses (Roma) • M, Quinta Dom inga da Quaresma [ 1654]
~nariio !cita". A missiio aposiólica dos portugueses.
lgrcja Maior (Siio Luís)• lo 8:55 • Si dixero quia non scio eum, ero similis vobis mendax
295 • No 1Waranluio só luí mentira, por causa da "fantasia" gerada pelo ócio.
Sexta Sexla-Fcira da Quaresma ( 1662]
. . • oncilium • Criférios do bu111 Mandato [ 1655] 555
Capela Real• lo 11:4i • Collegerunt pontifices, et pharisae! " , eligiao como condicao
~comclho ": capacidadc de dccisiio e crccw¡iio. Cnt1caYÍa /,urocnzcm. " lgrcja ,i,1 Lvliscricórdia (Lisboa)• lo 13:1-3 • Sciens quia a Deo exivit, et ad Deurn vadit:
Cum dilexissct suos, in finem dilexit eos • O Sacramerllo como a/o mais amoroso do que a
do wccsso político.
cnrnnwrcio. Pelo Sacramento, Dcus encarna em lodos e niio apenas em Cristo.
Santo Antonio (aos Peixes) [1654]
·.: T;- s viciosos do Niaranhiio c111 Primeira OiLava da Páscoa [ 1656 ]
Siio Luis do ;\laranluio • illt 5:13 •, os eslls sal terrae • 1po. •
analogia com os pci.r.:s da r.:giiio. /Í fwu¡iio do ¡,regador cristüo. Ma1riz (/Jclém) • Le 24:li-21 • Qui sunt hi sermones, c¡uos confcrtis ad invicem ambulantes,
et estis tristes? Nos autern sperabarnus c¡uia ipsc redempturus Israel • O ouro destrói os
541 reinos. !VIoradores cn·s1,ios com responsabilidlI[/e de safra,¡iio das almas pró¡,n·as e dos índios.
Mandato [1645]
. . • ¡ • t scal ex hoc mundo ad
Capela Hcal • lo 13:1 • Sciens Jesus quia venit hora e]us, u I ran • . Epifania [ 1662] 591
Patrern, cum dilexisset suos, c¡ui erant in mundo in fincm dilexit eos • Conhecimento como
condi. - le D (, ¡ ) • - ornéscw dos homens.
J üo do amor. Q amor { ' cus que COII zece em oposao ao am • Capela Real• iV/1 2:1 • Curn natus essel Jesus in Ilethlehem luda in diebus Herodis Regis,
eccc :\fagi ab Oriente venerunt • Os novos dcscobrimenlos como nascimento de uma "rwrn
Primeira Dominga do Advenlo (1650] cristandade" (analogía en/re Belént do Pará e Belém de ludá); defesa do "corpo " do indigena
necessária ao ensino da "alma"; esla<Ío do república é espelho dos got·ernanles.
Capela Real• Le 21:2i • Tu.ne vidcbu.nt Filium hominis \'cnientcm in nubibus caelicum
potest.atc magna el majestatc • Conderwr¡cio de reís e ministros no Juizo Final, por € rimes de XIV da Série Maria Rosa Mística [ 1653]
'·omissiio" e "conseqüéncia" (das más escolhas de conselheiros e errónea a1nbu1r¡ao de cargos).
Engenho Bahia) • M 116 • \'1aria de c¡ua natus est Jesus, c¡ui vocatur Christus • Só a
Bom Ladrao [1655] conversiio legitima o rnliveiro. Engcnho: "doce inferno".
lgreja dn 1Uiscricórdia • Le 23.42-4} • Domine, memento mei, cum veneris in Regnum
tuum: l-lodie mecum eris in Paradiso • Conjugafiio do t·erbo "rapio "pelos governadores do
Cronologia de Antonio Vieira 659
Brasil; a rnmplicidadc real 662
Bibliografia
Espirilo Santo [1657] Abreviaturas
l!freja da Companhia de lesus (Scio Luís) • lo 14:26 • lllc vos doccbit omnia, quaecumque
dixero vobis • Dificultlndes de corwerleras gentes inconstantes do Brasil ("eslátuas de murta'')
e a quantidode de línguas "sem gramática".
-1

Agradecimentos e créditos
Critérios
Quando Jorge Sallum e depois Iuri Pereira, da recém-cria<la Editora He<lra,
:.
- 1ntervenco ·es desta' edicao
, e todas as
1. As anotacoes entre colchetes l 1 sao ligaram perguntando-me se toparia dirigir urna ampla cole<;;ao de escritos do
dcmais sao originais da edito princeps. r,,: J.5 Padre Antonio Vieira, ainda nao estou certo do que me fez deixar-me ficar a
. l.da ducao da Vulgata te1ta por Joao ouvi-los, e, por firn, mover-me a aceitar o encargo que, tantas vezes, já havia
2. \s traducoes bíblicas sao, emgeral, la trad , =, di. r e d
s' ., , ,, que a traducao Iverg1a to recusado para empresas editoriais maiores e mais experimentadas. Simpatia,
Ferreira de Almeida. Porem, nos casos em a i - ·

•. el no caso de hvros nao inclusos talvez, pela determinac;;ao temerária e empreendedora, ou, ainda mais, pelo
original latino sugerido pelo autor, ou amta "
"' _ el el :- feita pelo Pe. Matos Soarcs. gosto imenso com que aqueles garotos falavam do jesuita quatrocentao. Nos
nesta tradudio, lans;ou-se mao a tra u<;;a0 . . .
3 • 1 bscrvaclas na edllw pru,ceps. anos 2000, podia-se, sim, amar Vieira, ao contrário do que há quase dois
3. Guardamos todas as marnscu as, como o séculas atrás decretara Castilho.
4. A pontuacao segue, em gera,l a e.1gao d• - d a Lello & Irrnao. . . .
, · · t grafia da editio princeps, Digo que talvez fosse isso, mas apenas é certo que, a certa altura das
5. As citacóes em latim seguem estritamente a d
animadas conversas, vi-me fazenclo o seguinte plano, imediatamente
.
ainda que nao estejam . d le acorto
el com a d to l ta tim restaurado.
encampado por eles: seriam ao menos 4 volumes, 2 deles dedicados apenas
6. ,\ grafia e a acentuas;ao 1oram atua 1·iza el as de acorclo com as regras
- r
aos sermoes, que incluiriam todos os meus favoritos (os quais, em minha
ortográficas vigentes no portugués do Brasil. lista cada vez mais abrangente andava por vol ta de 1/4 do conjunto deles, ou
7. Os sermoes escolhiclos esta.o dispostos na ordem cm que aparecem na seja, em torno de 50); 1 volume de escritos proféticos e, por último, um de
primeira edicáo. cartas. O passo seguinte foi formar urna boa equipe para trabalhar
8. PL, leia-se, Patrologia Latina. exclusivamente com a editio princeps dos sermóes, que, para efeito de
manuseio, significou operar quotidianamente com a edic;¡ao facsimile da
Editora Anchieta (1945-45). De um modo ou de outro, mais ele 1 O pessoas
trabalharam cm alguma fase de cotejo do material, além das citadas e é
conveniente e prazeroso nomeá-las aqui: Patricia Ferreira, Fabrício
Corsaletti, Fabio Cesar Alves, Fábio Furtaclo, Fabiana Pinheiro, Rita de
Cássia Sam, Alexandre Barbosa, Cláu<lia Pinheiro.
Grac;;as ao esforc;;o desse pessoal, foram pensados vários servic;;os úteis para
os leitores e mesmo estudiosos de Vieira. O mais interessante deles, ao menos
para meu próprio uso, foi a localiza<;;ao de praticamente todas as citac;;oes da
Patrologia Latina feitas nos sermóes selecionados. Um trabalho impraticável,
nao fara a generosa licen\;a obtida do Sr. Carlos Mascorda e da Sra. Nachi
Robledillo, de Madrid, a quem expresso aqui os meus agradecimentos, para
trabalhar gratuitamente com os dados informatizados pela Bell & Howell
Informations & Learning (antiga Chaclwyck-Healey), por um período que
foi se estendendo de mes a mes.
Outro servico, previsto nesta edicao, foi o de completar a localizac,¡ao das
inúmeras passagens bíblicas referidas por Vieira e anotar nelas as eventuais
variacóes existentes entre a Vulgata e as citac@es feitas pelo jesuita. Também

9
. . e rturrucsa, de a111oria de
. l ¡ t --,<luc'io ¡1ara a l 111gu,1 P 1 ,..
foram pro d UZll as notas e e ra ' q·o divergia do urigi nal
- . l l . 1 -noscasose1nquea trae u1;,1
J o@o Ferreira e \/ meda • ' . . inclusos nesta
la no caso de livros nao
latino sugerido pelo autor, ou amda _ r .
' Pe i\'latos oa1 es , el os.
Introduc.ao
S r »r e
o
- l - e.la tra<lucao ie1ta pe 1 o •
traducáo,
d angou-se mao • >' , pertório da invencáo 'J
. l . 1 l • \lém disso, para repor o re] "
Ycrs1cu os c1tac os cm atnn. 1 ' • xato trecho referido
. . . se e,·idenciar cm ncgnto o c. ,
parenetlca em ¡ogo, procurou- . . lo de que foi extraído.
- unto escritural mas am]
no sermao e111111c10 ao con¡ . I ¡ modo a permitir a
. : d le foram produzidos, de
Outros md1caclorcs e citllra O ' • . liado que contempla Sermoes: o modelo sacramental
. . . _ .- \ • háumsumanoamp '
fac1l locahza¡;;ao <los scnnocs. 1 ssnn, ' . . d duc'i.o· os relatos do
• lSl'HlClíl.S e pro ,;' ,
os scus títulos, lemas, tcmpo e cucu, '
' .=, ;tos no verso d (o front1sp1c1o • , _•
O
arrrumento
' principal ele ,. cacla sennao, f pos breve . l . d _.
cronologra 1os prnc1pa1s • •
I
facsimilado da primcira ed1cao; e, por nn, tuna e I •d ¡ . E·.
..:. ;..:. sua tumultuosa vuda tonga. t,
atos atribuidos ao Paclre Antonw ¡eira, cm ' C
ra trabalhar. ompreen o-a,
d
portanlo, uma cd1cao confia\'el para 1 er e pa
e

.
»' .a.:. oa r « Uma vez feita, a esperanca
porém, antes de tudo, como work in pro;ress.
ainda é fazé-la.
Do organizador.
Considerado cm seus termos básicos, o sermao católico que organiza a fé
no Novo Mundo atinge seu apogeu ao longo do século XVII e ordena-se
segundo um modelo sacramental, que supoe a proje\:ªº permanente de Oeus
nas formas ele existencia <lo universo criado. Aqui, nao se pode interpretar o
mundo nem recusando-se a sua naturcza histórica particular, nem supondo a
autonomiza<;¡ao da história face ao divino.
Fundamental ncssa perspectiva do pensamento católico é a noc;¡ao de
111istério, que refere a 111ediariio por excelencia, segundo tres aspectos
semanticamente indissociáveis: primeiro, o da representa<;¡ao do povo perante
o seu Dcus; segundo, o da existencia de um organismo institucional de
mediariio; tercciro, o da revela<;¡ao do futuro, uma vez que o mistério mediador
avan<;¡a a intelec<;¡ao e o cumprimento dos desígnios ocultos da Providencia1•
Trata-se ainda de reconhecer o mistério no cerne mesmo da natureza, que
ele nao ncga, ao contrário. A sua tendencia é mesmo ressaltar o peso do
conhecimento dos efeilos naturais para o reconhecimento adequado daquilo
que os causa e dirige para urna finalidade própria. Resulta daí urna noc;¡ao de
real que é natural e sobrenatural conjuntamente.
O vocabulário católico em torno da tópica do mislério sacramental pretende
dar conta dessa conjunc;¡ao, na qua] a sucessao dos dias realiza uma crónica da
Providencia que se atualiza a cada momento. Aqui, os acontecimentos
históricos e suas redes de causas exigem ser interpretados como articulac;¡oes
de um relato tao inspirado quanto o das Escrituras. Daí a importancia, para

1 d. C. Spicq, Dicionário de Teolo¡;ia Biblica de 8Jucr. S5o Paulo, Loyola, 198-1 (2 vols.). Verbetc
"Media<;5o", pp. 680-7.

JO 11
SERMOES: O MODELO SACHA MENTAL,
Irtotvcio

..., ..o54 oxegese bíblica, enquato coisas a se mostrarcm e a se dcclararcrn" '; considera ain<la que "a cxplicac;ao
. ·ara t rad1cao cnsta 1 •1 e. • . ,
das coisas é também uma explicacao do texto"·), sendo que o pregador
os oradores 1 sacros, d le asso1i >' .:4e ¡[e Escrituras, aquela da
;2,:. ¿, <. , alegórica dos sentidos das I' > '
"apropria-se de fatos naturais ou históricos" e os "suhrnete a urna vcrdadeira
ciencia da interpretacgao i ±',. ¡,4 ersuasivos. Para eles,
: : : -ita análise dos enunciados ]° excgcse textual"".
retórica antiga, mais restri'_" ¡,] te da hermenéutica
:., . nao se distingue essene1al Mas se é verdadeiro que os fatos <leixarn-se ler corno registros <lo Ser, corno
a interpretacao exegetca ' 'r, , figurados anteriormente
. . imcntos da lustona como 1n rccolha <le scus sinais, eles apenas podcrn faze-lo por sua efetiva condir;ao
que interpreta os acontec . . . 1. •rrno da história, os objetos
: . :-.• . •,, . oisa da Biblia 011 ua co1.w-. 10 .
factual: sornente figurarn o Ser porque realmente ocorrcm. Assirn, quando
nas IEserturas. o signo-cG e d figuras que precisam
. . r rete tcm o mesmo estatuto e I
que se apresentam ao mterp . em providencial. Saraiva dizque "c¡ualc¡uer acontecimento", na "retórica das coisas" dos
. . . tambcm como rnensag
serlidascornofatoslustoncos,i~as' , s XVI e XVII, pois, as pregadores engenlwsos <lo XVII ibérico, "po<le ser re<l uzido" a um enunciado,
t\o modelo católico da oratona sacra dos secu 1 0• h. , . isto nao pode ser interpreta<lo no sentido de que os acontecimcntos scjarn
. t de tal modo 1 que a 1storna
Escrituras esto refiguradas nos e, en os, ' _ . . . ._ apenas símbolos ou imagens de urna verdade externa a eles: os acon tecimen tos
' . ]; yente, a verso mais atualizada
contemporánea aos pregadores é, especularm '> ' d sao factualmente, em seu próprio proccsso de ocorrcncia, a significac,;ao da
· ' :. te no tempo, quanto no sent(o
do Texto, tanto no sentido de ser mas recen e • . _ , . verdade de que participarn. Apenas por existir enquanto movirnento e ato,
,.. =, vide ·'aldo universo criado. O próprio
de efetuar umavanzo na destinacáo provadenc1al ,,_. podcrn sinalizar o Ser. Os fatos históricos, <lcsse pon to de vista, nao sao simbolos
· .· · li maior número de profecias
movimento da sucessao 1 histórica pca '' de Dcus: sao o lugar específico da presenc,¡a que Deus !hes comunica. Ou, de
• • .• i ece uma base gradualmente
cumpridas; a medida que ocorre, a 1 stora orn . outra maneira, é porque os homens realmente sao e agem e perrnanccem
· - d a causa e finalidade. De outra
mais segura para novas interpretacoes 1e su, ' ' . sere111 ariio- que a história vivida por eles pode indiciar a realida<le divina.
·
0
· ¡ · ' • . • u nto atos, discursa sobre
maneira, pode-se dizer que os fatos ustoncos, cuq a . . I\essc sentido, a arii.o é a "medida da irnitai;¡5.o";, com rnaior ou menor
I ; · • ual ¡Jro¡Jnedadc e rna1s
1
os planos de Deus para os homens. , isto com g' .
· · · d (o que as palavras l; testamentárias " no sentido de proporcionalida<le, do Ser divino.
atualidade interpretativa
· quantidade 'd ¡ d le fii1guras mster1 • t ·o s as decifradas. A Vcrdade A "retórica de coisas", que é o sermao, descobre e opera esses índices da
conter uma maior
irnitac,¡ao. Dito de outra maneira: o serm5.o constituí-se analogamente a
permanece igua, a si mesma, ev1 en emen te mas
· l ·d t a
o discurso .
variado . .
e
retórica divina impressa, <lesde sernpre, nas coisas criadas, que a hermeneutica,
succssirn da história reúne um repertório maior <le referencias circunstancia1s
to<lavia, apenas descobrc gradualmente, no <liscurso do tempo. A partir daí,
aptas para a elucidac;ao das figuras misteriosas emprega<las por Deus para
também é possível considerar, para tocar um outro ponto includível <leste
comunicar-se com os homens.
tipo de sermao, que ele se constitui como urna ac,;ao ,·erbal de descoberta e
Sob esse aspecto, quando Auerbach consi<lcra que a exegese, para o cristao
atualizai;¡iio dos sinais <livinos ocultos na ac,¡ao do mundo, com vistas a produi;¡ao
medieval, torna-se um método geral de apreensao da realidadc!, isto vale
de um movimento <le correc;ao moral no auditório dos fiéis. Ainda mais
pcrfeitamcnte para os prega<lores contrarrcformistas; com uma especifica~ao,
sinteticarnentc, cm termos <le urna preceptística do genero, po<le-se dizer
contudo: nao se trata apenas de que a hermeneutica <leva recuperar nos fatos
que o sermao atua como uma hermenéutica factual cuja interpretacáo
a Verdade anunciada nas Escrituras, mas também de que, ao lidar com o
registro <los fatos contemporáneos, na sua progressáo histórica, ela possua preenche os lugares da im:enrii.o retórica.
instrumentos ainda mais elicazes do que antes para reconhece-la. As Escrituras Na pregac;ao da Igrcja militante, pensa-se a enunciai;¡ao de Deus na história
nao apenas se projctam sobre a totali<lade da história, como esta, ern cada lendo em vista a salvac;ao do homem, isto é, o seu enunciado histórico está
um de scus passos e ocorrencias, tem um papel a cumprir na elucida<¡ao das necessariamente recoberto de urna finali<lade salvífica. A questao relevante
primeiras.essa perspectiva, po<le-se compreender que o tempo seja o mcl/wr da história é a de sinalizar o divino cnquanto Pro\"ideucia orientada para a
intérprete das Escrituras, como o enunciou ccrta vez o Pa<lre Antonio Vieira redenc;ao do próprio homem; ou, de outra forma, os sinais que com rnaior
( 1608-1697), cm sua História do Futuro\ pertinencia e ocasiao podcm ser !idos na história sao proporcionados a
Atento a esta questao chavc entre os ora<lores católicos, que estabelece con<luc;ao histórica da cristan<lade. Isto significa que, entre os seus intérpretes
estrcita correspondencia entre a excgese bíblica e a narrativa histórica, autoriza<los, dest.acam-se os mais comprometidos coma con\"ersao dos homens,
António J. Saraiva observa r¡ue "o esforc;o do pregador exegeta [ ... ] deve entre os quais, em primeiro lugar, estao os pregadores, cuja exegese descobre
convergir tanto para as coisas como para as palavras", <le mo<lo a obrigar "as e atualiza os sinais da ora1_;ao divina original.
'António José Saraiva, O Discurso Engcnhoso, S5o Paulo, Perspectiva, 1980, p. 79.
'fric Auerbach. Mimesis, S5o Paulo, Perspectiva, 1987, p. 13. 'ldem, p. 80. •
Antonio Vieira, História do Futuro, Lisboa, lmprcnsa Nacional/Casa da Moeda, 1982, p. l SO. '' ldem, p. 81.
Étienne Gilson, Introduction a la Philosophie Chrétienne, Paris, ). Vrin, 1960, p. 203.

12
SERMOES: O MODELO SACIAMENTAL.

· noco de verdade do católica cm combate contra o livre examc individual e a invisibilidade da


la pregacáo mantem d ' ·_,,.
\ssim, o modelo sacramental d P ' >' <], aqual nem a história congregaliojidelium dos reformados. Operando a favor da Igreja institucional,
-"> ' • ¿¡ irredutivel, 1
sermo figurada em uma dupla instan€1a ·¡ir-se, ao meso tempo, o místérío eucarístico preve niio a represcnta<,¡iio de Deus, mas a sua presenr¡a
' n • . ente (sem constu1 3 ,
iode ser entendida autonomam . . I 1 .. • .1 c¡ue a sustenta), 11e111 e integral nas espécies consagradas pelo sacerdote, a guem cabe organizar a
l ... ·:. olatividade dvm+ ...:
como relato inspirado da incansa' l vestigios divinos na h1stor1a
¿, ]' -;

mediaco visível entre o humano e o divino.


. t a realidade dos "> '' .,: 1 , l Para entender essa medíac,;ao, composta cstreítamente pelo sacramento, o
ossÍYe\ admitir exclus1,·amen e' . . . 1· 1 d • dela, por 111,us e ccaH a
P ..:. ¡]m a inteira real1da4e
dos homens (sem admitir tambeH." _,,,) sacerdócio e o sermao, cabe ressalt.ar c¡ue, en t.re os sentidos assocíados a Eucaristía
la perfeico). d, 1. -: (a saber: refeicdo de despedida, lpresenca de Cristo, renovacií.o da ali.anca ordern
ou distante que se apresente e' . , os sentidos e as '..sen turas / i i '
, d ye ficar claro que d
Por out ro lado, tam bcm e . \ .. ese nao trata apenas e, ou entrega de poder), os sermoes rnuitas vezes acentuam o caráter sacriji.cial do
., : l ¡tecimentos. :' excg 1 ·el· Sacramento Eucarístico, o seu sentido de memorial de morle expiatórid'. Se na
respondetn a urgencia e os acon d E crituras, mas Ge guaruar
. . . ¡ ·- . fatos narra os nas ~s . - fi
or assim d11.er, cs¡nnwa ,_m os b .· iente a d11nensao 1gural Paixüo há a dor terrível dos fcrírnentos do carpo, no Sacramento Eucarístico o
P - ara recusar o 'tan • ..
0 seu sentido literal de ato nao P' _ ntidos pertinentes nua sofrimento é amplificado pelos pregadores, cm vez de extinguir-se. Sob este
:. ·esolucao dos 1 seus se , .
das Escrituras, mas para evitarª r • ./ r¡tal dos relatos bíblicos aspecto, Cristo, ao sacramentar-se, renova a via crucis da Paíxao e Marte,
. . · - ' nas do sentzt o espu
dimensao a-histórica. áo e apen .a, dos homens, mas de sua renovando, ao mesmo tempo, a sua entrega voluntáría como objeto de martirio
fi , • tual na conversao
que caberia esperar a e 1cac1a a ' f . ,. história. para reconcilia1_¡ao do mundo. Esta figurac,;ao do Sacramento, em torno da
•- que se e cu, a a . .
conciliacao comas ocas10es cm . ente O encontro do d1v1no qua! os pregadores católicos tendem a construir fortes argumentos afctivos, é
, . . efctua onto 1 o<11carn
No caso de Cristo, cuja pessoa' "" " q, .pelo pregador nao apenas evidentemente adequada para acentuar o custo doloroso da presenga
d o en tao ser tomac as
edohumano,assuasa1_¡oes e,ell , . el urna adío exemplar capaz eucarística.
, ¡· d . dade metafísica, mas te
como indices le uma ver a 1. ri·as.
i : :e

Isto significa dizer


:

Tal derivac,;iio patética dos passos da Paixao para o Sacramento Eucarístico


. d tes questoes ustm ic •
de enfrentar as mas contun en . el vclam-se úteis para a certamen te confirma a formula<,¡ao de Vovelle de que niio se pode compreender
. d d ente mterpreta os, re
que os atos de Cnsto, a equa am . , . bretudo a través dos a Jgreja triunfante da Contrarreforma sem a composíc,;ao de urna Igreja
l' · • ta na hstór1a, so 1
formulacáo de uma polituca cr" ,, ,A Tais atos se constituem, entáo, ostensivamente soujfrante''. Seja como for, urna tendencia notável dos sermoes
. • • • d I re¡a e do ~sta o. , '
orrramsmos 1 11erarquicos ª g . " . -a de Estado" c¡uc é reaproxímar a ídéia neotestamentáría da expiac,;ao substitutiva a da antíga
' . es" como raz, 0
como verdadeiro "documento aos prmc1p , . /' . . línguagem sacrilicial dos ritos hebraicos, cujo efeito primeiro é dramatizar o
l e como os princpes e os pu .tllcos,
convém ser conhecida mesmo por aquc es qu , _ sacramento. Essa <lramatizac,;ao, por sua vez, implica um artificio básico: o de
, . d f' l prudente da razao.
aem menos pelo ,·oluntano a e que pe O . - l E ¡ que a razao oculta das correspondéncias misteriosas a ser descoberta pelo
0 , ll • atóhcos, a razao (.e 'sla< o
Como se sabe, entre os teologos e conse)he1ros c . -
. d , do bemcommn, mas 1sto nao sermiio, apenas se revele após a ponderar;ii.o das dificuldades para estabelece-
nao se pode separar da 111rl11s cnsta e o governo , . . l
.d,. d 'l z lítico· bem ao contrario, ta la. A preceptiva retórica que dá melhor con ta deste processo é a Agudeza y
implica a condenacáo d la 1te1a O ca cu o Pº , , . J
.. . ¡4 is, - d emprego legítimo. Pode-se Arle de Ingenio, de 1642, escrita pelo jesuita aragones Baltasar Gracián:
associacao constitui a condicáo própra le seu s
. ld .. ¡o somente se acentuam os
dizer que, no modelo sacramenta os sermoes, na
· · d d. · d d d d • turas, mas também a propne<lade delas Es gran eminencia del ingenioso artificio llevar suspensa la mente del que atiende,
sInars a Ivm a e no rnun o as cna , ,
y no luego declararse; especialmente entre grandes oradores, está muy valida
-
na condu1_¡ao e governo este mun o. 1 pnrn d d \ • e· 1 ra teología , . é política. Os
esta arte. Comienza a empeiiarse el concepto, deslumbra la expectación, o la lleva
testcmunhos que a divindade dá de si nao dissolvern as práticas do mundo;
pendiente y descosa de ver dónde va a parar el discurso, que es un bien sutil
antes, reafirmam a possibilidade de cornpor progressivamente o mundo e a
cristandadc. O mistério da manifesta1_¡ao divina encoberta nas especies terrenas primor, y después viene a concluir con una ponderación impensada 1".
nao apenas orienta para Deus, como abriga a considerar que, para alcan~á-lo,
há um percurso real no interior dessas espécies a ser cumpri<lo. A revelac;ao inesperada da correspondencia profunda entre os termos
Mas é possível especificar dominios mais restritos dessa imprcgna~ao do tratados no sermao, como desfecho das dificuldades que o próprio sermao
infinito divino no finito histórico, tal como é pensada no ámbito da parenética poe em jogo, pretende significar a manifestac;ao atual da verdade da palavra
católica. O mais relevante deles para os serrnües diz respeito <liretamente a
"A. Stoeger, Dicion.írio de Teología Bíblica de Bauer, Sao f>Julo, Loyola, 1984 (2 vols.). Verbcte
celebra1_¡ao dos sacramentos, e, entre todos, o do Sacramento Eucarístico ou "Eucaristía", pp. 389-405.
da Comunhao. Com cfeito, o mistério da Eucaristía, como figura central da "Michel Vovelle, Mourir Autrefois, París, Gallimard-Juillard, 1974.
'°Baltasar Graci.ín, Obras Completas, Madrid, Aguilar-Dcl Hoyo, 1%0, p. 434.
presenc,;a encobertada divindadc, formula urna espécie de síntesc da doutrina

15
SEA MÚES: O MODELO SACRAMENTAL.

.. :11 ico da rPV<-lac/io a¡..!;ttrla, Dcssc ponto de vista, cm termos excmplares, convém rcavaliar a celebrada
. . ._ . d ·orc@o. O gesto Grama 1 : : repreensao do Padre António Vieira, no Sermüo da Se:rngésima, de 1655, ao
divina na ocasio mesma la pre " ¡z,,. 4-se como evidencia da
...·sao do auditor1o, 1' • • •
uso do estilo culto pelos pregaclorcs dominicanos do Paso, muitas vezcs
aue se segue ao esforco de 1 suspens trio do discurso divino
l' ' rá[rase e comen interpretada numa chave anacrónica de tipo pré-iluminista (como se Vieira
correcao do sermáo enquanto Pi "

original que lhe dá fundamento. ·itas vezes, equivoca o sentido cstivesse a favor ele urn estilo rnais simples e de mais hom-semo) ou mesmo
' tativa, que, muid • pré-rornántica (como se defenclcsse a sinceridrule ou esponlaneidade das
Esse tipo de prova argumenta ·" _' anos óbvias ou provúvc•is,
usual dos termos cm usca d
b le rclacoes rnc 1
,j,, e

xtremos o 111congruentes, palavras). Aliás, esses anacronismos correntes lcvam, cm seguida, a
- entre o i¡cto., c.1 considcrn~ao frec¡üente, mas desta vez contrária ao jcsuíta, de que nao teria
desempenhando ponderacóes d .s. e como pura busca de efcitos
. aodeconstrun-sc . seguido de rnaneira coerente seus próprios conselhos, entregando-se tarnbém
receben posteriormente a acusa~ 1 do termo. O seu n-1etodo
. l ticamente vulgar . . aos jogos asiáticos dos ornatos cm seus scrmoes.
retóricos, no sent1< o romanUC"._ . t sismo Jingiiíst1co ou arra11io
:.± 1dc @ibicao de vrtu0s1>:. , Ora, tais leituras pareccrn localizar mal a qucstao: é historicarnente
demonstratvo e toma O como e» '' d época. Hoje, con tudo, a lora
. . . . to gasto barroco a ' invcrossímil que Vieira critique a ornamenta~ao discursiva enr¡uanto
\nperbohco tortuoso, ,\O supos 1,=. tal critica já nao parece despertar
idd 1 . • •. das formu acoes, a . , . procedimcnto retórico inadcquado a priori. Em primciro lugar, porque as
a eventual utilidade Istorca " q . feitos em scu aucl I tono, e
crador quer proc uztr t:;•
interesse. Está claro que o pre di ·i pragmática ielutável no figuras e ornatos sao recursos próprios da oratória e conhece-los faz parte do
. . . l ·isivo: há uma nnensao , . a

domínio abrangentc dos seus meios disponíveis; um orador Lécnico, como


isto é verdadeiramente decl ,r, ;tano deixariam de atende-
I· 'lit'mcia contrarrc1orm1s .in,
serrnao e pregad ores da m ' . ¡ . l n pode ser pensada como Vieira, nao podcria considerá-los como um mal senao quando seu usos e efeitos
. • a de efeitos, de modo aigu .
la. Mas essa busca rctonc, :. [. ,,-- de impactos ornamenta1s particulares resultassem mal sucedidos, por emprego de recursos inadequados
um conjunto . . l ou seque! r fcst1,·o ou ac,
ffrívolo, ,, :ª' to, ,1rica ao decoro particular admitido pelo género da oratória sacra. Daí acusar os
, lit'a ou justificacao hermenéutico-teolO' ' prcgadores contemporáneos de trocarcrn o púlpito em palco <le "comédia", o
scm func¿ao po 1tica 1 , . alógico que procluz
Para os precradorcs católicos do penoc1 o, o ato an -- . . que poc a perder a sua gravidade11•
a o to' d. cside toda a ornarnentac;;ao d1scurs1va
correspondencias entre objetos di antes e pre st . Vieira tampouco pretende negar a arte do sermáo, ou o sermao como arte
. . el endente do movimento que se encont.ra
nao ¡10dc ser conccb1clo como sene1 O m cp 1 · ' • as ¡¡wuras e ¡ o S er d •1v1110. • ao propor a sua admirável fórmula do sermao como urna "arte sem arte"12• É
fundado nas lcis da naturcza, nos fatos da 1 l Istona e 11 : ''. ,,.
· · · elac'i.o hermenéutica ou a política, do interior da arte retórica, como do interior da ciencia teológica, que faz seu
Admitir a autonomía dos efeitos oratonos cm r ;' ' ataque contra os "estilos modernos". E verdade que, em termos
• · b l • o mesmo que entender cono
enquanto exclusiva técmca vera , sena . . rontrarreformistas, o esforc,;o de "recristianizac,;ao do orador clássico" e
· · · \ · l d' •ino na rnatéria pudcsse ser apenas aparencia
catohcamcntc ace1la\'c que o sma 1, , . , . impedimento de sua laicizagao através da eloqüéncia clássica, como o diz
¡he-.da idntidade do Ser se esgotasse nos s1gnos sensIve1s
1 usona a matcna, ou que a I en •o . .
A:

. na matéria. - Is <hin" Margarida V. Mendes, fez recrudescer a "cautela devota contra os perigos da
que deixa npoteses, en 1tu2tanto,
re 1 , sao inverossímeis _ para un . pregador
. arte paga e laica por excelencia". A entrada em cena dos jesuítas, porém,
· ¡· O t d · Icao, que geram proporcionalidades formais, tém sua
catón1co. '5 aos e mven ' · - altera o ángulo dessas preocupagoes. Com a sua formacáo humanista, estavam
legitimidaclc dcpcndcntc da rclac,;ao especular que guardern com '~ comumca?o
convencidos de que a pregac,;ao apostólica nao poderia prescindir da arte, e o
da verdade divina aos homcns-quc, aclcrnais, pressupoe a rcvelac;;ao de preceitos
caso, aquí, era sobretudo o de conciliar ambas as tradi~oes: celebrar "o oralor
adgquados a urna política crista na história.
Em suma, o discurso do prcgaclor nao pretende oferecer nenhuma novdade retoricamente competente, e, ao mesmo tempo, imitador de Cristo, dos
ontológica, ou sec¡uer formal, cm rclac,;ao ao ato divino criador das coisas. O Apóstolos e de S. Paulo"1;. A oratória sacra assim praticada nao recusa, pois,
jogo analógico está presente no sermao disposto segundo a arte sagrada para o ornato dialético ou o conccilo engenlwso como procedimentos artísticos
proclm.ir efcitos convincentes, assim como está presente no mundo cmnplexo, a
inadequados em si, apenas submete-os conveniencia específica da parenética,
vário de objetos, mas que nao pode sustentar-se fara dos efoitos de um Deus de maneira que a sua má aplicacao nao impega que o sermaofrutifique. Neste
único. Autonomizar a bela forma dos scus efeitos eficazes ou a festa dos scus ponto, a aplica~ao decorosa da arte ao pregar cuida exemplarmente para c¡ue
fundamentes graves, destituir a técnica e o artifício da finalidade natural nada no sermao fira a dignidade de que se reveste a pessoa do orador
que os regc, equivalería a imaginar um mundo submctido ao engano herético eclesiástico, cujo valor público interfere na eficácia da prega\;ªº· Tal
de c¡ue a matéria se basta a si mesma e recusa o acréscimo dcsnecessário de recomendac,;ao cristianiza o tópico da retórica aristotélica relativo as pravas
Dcus (posic¿ao scmclhantc a um materialismo ateu), ou, no sentido inverso, Anlcinio Vieira, Sermóes, Sao !'Julo, Edilor,1 das Américas, 1957-59, (24 vols.), p. 86, vol. l.
11

de que a matéria contém intciramentc Dcus, isto é, que a alma da matéria "ldem, p. 65, vol. l.
"Margarida Vieira Mcndcs, A Orarória BarrocJ de VieirJ, Lisboa, Caminho, 1969, p. 66.
equivale a matéria animada (posic,¡ao próxima a um animismo imanentista).

16 17
[Top'O SER MÚES: O MODELO SACRAMENTAL

:, 1 l 0 0 rador''. isto é, provas morais constituidas adequaclos, fora de sua inLegra<;¡ao na liturgia do ato persuasório total de que
q ue incidem sobre o carater '
émgrande ' •
forga persuasiva , •
sobre o público. o sermao faz parte. Exatamentc como no caso da retórica <las figuras cultas,
la ·,,1a,•c111 de sc11~c05t111ncs, que e . . .
1e1a u ' ". . :- ,rrundo Vieira, o fracasso dessa imagem a discrelio-palavra "inaciana por excelencia"17 -c¡ue organiza o espctáculo
"' . o le um auchtono cnstao, se,, , .
no cas a .¡, o.fazendo com que o púlpito tome ares de cla missa, eleve necessariamente articular tal espctáculo ao modelo sacramental
pode quebrar o derorum do gcner '
da presenga divina nas espécies materiais. A dissociac,¡ao entre a pompa festiva
"comédia", seno pior:
e a sua funcáo litúrgica, ou entre a fungo litúrgica e a realidade da presenca
fala como rei, o lacaio veste como lacaio e fala divina, implica o fracasso inteiro cla ccrim6nia e o da inteligencia <lo mistério
Na comédia o rei veste como re1 e a+ , .
. rústico e fala como r11st1co, mas 11111 prega<lor eucarístico em particular.
como lacaio, o rúst 1co ,·este como . . . ,
. . :. fal nao o quero dizer por reverencia ao lugar. Ja A própria arquitetura das lgrejas projetadas por construtores a servico da
vestir como religioso e [alar como... Id - -

, . '' , comédia, sequer nao faremos bem a figura? Nao Contrarreforma, como Jacopo Vignola e Giacomo Della Porta, articula
que o pulp1to e teatro e o senn,10 e , .. 15
st id
diráo as palavras com o ve ido e c ·om o ofício' rigorosamente a magnificencia dos templos a celebra~ao sacramental:

. d . , ela qual Vieira nao critica os recursos retóricos [... ) a distribui<,¡ao da luz feita pela maneira usada nos palcos, com acentuados
E ha uma segun a razao p , . . ,
• fi
em s1 mesmos ora e seu eve d . ritual uso impropro ou meficaz. E que, pensados contrastes entre as capelas laterais deixadas na penumbra e o fluxo de luz que
em f'uno - d'le sua b ase an alo' 's' rrica enguanto alos de revelar,ao de . relar-oes
: _ " >
da cúpula se derrama por sobre o altar-mór, exerce uma atraco quase, diríamos,
.
ocu 1 tas dlspostas entre asco 1 ·sas
1a
criadas,
os ornatos e figuras sao perfc1tamente

física sobre o visitante, que é arrastado em dire<,¡ao ao Santo Sacramento, e
to da razao em que esta foi crada. O que parece fcita para por a alma de imediato em um estado ele arrebatamento e de
parte d a natureza e, por tan , • , .
· · 1
prnc1palmen;e 1enraait \;· • tacaiioScmuiodaSe:r:agesuna,dequea
. faltadedecoro
- fé jubilosa".
't ·
cons t I u1 apenas ma 1 ·s uina e,·i
· dencia , é prec1sa1nente a ru¡'Jlura
· da relacao
3

essencial entre O ornato e a sua base natural, entre os conceitos engenhosos e Na mesma dire<;;ao interpretativa, que reconhece a forca integradora <lo
os sinais divinos no mundo, entre as figuras da técnica discursiva e as do mistério na cena litúrgica, Howard Hibbard observou a unidade das
sistema finalista e providencial. representa<;¡oes iconográficas de capela a capela, assim como da nave ao
Os dominicanos do Paco, duramente repreendidos por ele, nao sao culpados cruzeiro. Para o autor, isto se <leve ao esforgo dos arquitetos
de usar tropos ornamentais, onde há propriedade técnica e nao cabe culpa: contrarreformistas para organizar a constru~ao segundo urna discrelio
sao culpados ele romper O \'Ínculo fundamental entre a dialética dos ornatos semelhante a que fornece o esquema básico das analogias parenéticas: ul
e os signos factuais do divino. essa perspectiva, sao pregadores que já nao picturae sermones19. O pressuposto da conclusao, naturalmente, é a
buscam descrever a substancia oculta nesses sinais, a orienta~ao transcendente precedencia cla pregac,¡ao, notória entre os jesuitas, sobre as demais artes de
c1ue os dispoe e justifica, contentando-se em tratá-los como rnatéria verbal conversao e salvacáo de almas".
autónoma, cujo mistério se clissolve na aplica!¡ªº exclusiva <las regras "cultas" Neste ponto, para conhecer a complexidade do modelo sacramental dos
em uso. Ou seja, é intolerável a separa!sªº entre a retórica e o proj eto teológico- sermes, tendo em vista sobretudo a figura doutrinariamente privilegiada
salvífico suposto nas analogias. Perdido o decoro e autonomizada a forma da Eucaristia, será preciso considerar o argumento recorrente de que a
fora ele sua razao, o aplauso do auclitório equivale a urna condena<;¡ao, pois essencia revela-se pela nogáo de "comunhao". Para tanto, retomemos Vieira,
celebra um "falso testemunho" da palavra de Deus". cujos sermoes sao o mais espelacular da língua portuguesa no chamado
Urna rellexao análoga poderia ser fcita em rela<;¡ao a celebra<;¡ao eucarística, "período colonial". No que refere a comunhao, seus discursos usualmente
clímax da festividade solene da missa, alcan!¡ado no momento em que a amplificam, através da eloqüencia do sacrificio, o efeito de uniiio produzido
memória dos atos de Cristo produzida na pregagao presentifica-se no pao e pelo sacramento eucarístico. Trata-se aqui de conceber o divino como
no vinho ali visiveis. A pompa litúrgica - assim como a ornamenta<;¡ao media<;¡ao capaz de conciliar suas diferencas de desejos individuais em torno
retórica, pompa discursiva-, faz parte da constru~ao do impacto da conversa.o de urna identidade divina de que todos participam. Assim, a comunhao
e está perfeitamente ajustada ao teatro da fé. Contudo, a magnificencia da
cerimonia nao pode ser pensada, enguanto aplica~ao de critérios <loutrinários "Roland Barthes, Sade, Fourier, Loiola, Lisboa, Edii;ües 70, 1979, p. 57.
René Fuliip Miller, Os Jesuitas e o Segrcdo de seu Poder, Porto Alegre, Globo, 1935, p. 467.
"Howard Hibbard, Ut Picturae Sermones: The First Paintcd Decorations of t/1e Gesu. Baroque Art: The
'Aristóteles, Retórica, Madrid, Credos, 1990, p.175.
fesuit Contribution, NewYork, Fordham UP, 1972, p. 40.
"Anrónio Vieira, Sermoes, op. cit., p. 87, vol. l. 20 Santiago Sebastián, Contrarreforma y Barroco. Leituras Iconográficas e Iconológicas, Madrid, Alianza,
"ldem, p. 84, vol. l.
1985, p. 275.

18 19
[ToDtv,i SEISES: O MODELO SACHAMENTAL.

·:-0"21. uma, c11lrc a ah11a ú11ic,1 de! c;ida e Deus, da mesma maneira que nao se resolve com a certeza interior do
, "dupla 1 uma· . .
sacramental enseja uma oletividade dos homens e a presenga divina reformado, pois trata-se ele obter o reconhecimento e a restaura~ao da uniao
l 1omem e \) eus; S outra entre a e , .• . . ¡· . 1 1
'· . ] ontesem que, a experiencia individua natural entre os homens; de produzir urna reuniao de seres, intrínsecamente
• = so@fetiva plename» . ·
nela. \ comunhao nao s . I s nexos de 1111ia 1clc11 t1dadc 11 u mana
do, articule-se os ' , : justa e razoável, na medida em c¡ue tcm como fundamento ontológico a
com Dcus sacramenta ' . ]o politico em que, cotudo, a própr1a comunhao com o Ser.
• . atura\, racwna e 1 . .. . , . .
coletiva: um corpo ni 0u seja, a experiencia mística, po
Deste modelo, em que a media~ao entre o humano e o divino identifica a
:,:q 3

. . !i . ma1s 11111< amen c.


imagem divina gura " q +a relacáo específica de idcntidadc substancia comum a razao e vontade dos homens, decorre a idéia de ser natural
. . , . amen tal, ro oca 1111 , , . .
me1o do mstério sacr . . . l le Para demonstra-lo, Viell'a !ansa scu des<lobramento numa associa~ao hierárquica e institucional. Vale dizcr,
: lr ·te participam 4e"·
aqueles que igualme .' ,, ., ntc utilizado nos sermoes da época, a concilia~ao dos seres numa identidade comum constituí um carpo místico
-' d • lóa1co -- 1 argamc
mao do "método etmo! ' ' . misteriosa das palavras bíblicas, para ao qua! o Esta<lo cristao deve a legitimida<lc <le sua existencia.
. , . , d remontar a raz
cujo propos1to e O e • - ocu ta en
l tre tennos• ou objetos do presente A partir <lessa base teológica, o modelo sacramental pode radicalizar, cm
projctá-la de voila como raza 0
maior ou menor grau, a sobrenaluralizafr7.0 <la idcnti<lade moral e voluntária
histórico:
<lo corpo místico. Por vezes, a presen(.ia divina parece próxima <lo corpo político
. ¡ =.()n0me comunháo- COll/lll/11/ÍO - nao é a ponto de atuar dentro <lcle, a fim <le favorecer a sua coesao e permanencia.
Pre 1to: que quer dizer comunhao: . _., ]
erguno: q . t por Deus e lirado das Escnturas sagrat ,ts Ademais, pode aproximar, bem mais <lo que aconselha a orienta1,¡ao <loutrinária
inwnta<lo por homcns, sena.o nnpos O . . d
• .. to Novo. E que quer dizer communo? Quer lzer <la Companhia de Jesus, o conceito <le carpo místico de urna concep1,¡ao que
em muitos lugares do 'Testamenl ' · . · ·
._ Assimexplicamsua etimologia todos os mtcrprctes. atribuí pleno pod.er a um Estado cristao particular, a inda que invariavelmente
co11111111111s unzo: umao comum. - . . . :-
dC · omc ¡¡ Comunhao, nao lhc pos o nomne da 11111,IO com finalidade universal. Nos sermoes de Vieira, por exern plo, a comuni<la<le
De maneira que dan o IstO It 2
. ole. seno da uniao comum que causa entre 110s. esscncial i<lentifica, antes <le mais nada, a constitui~ao <lo Estado católico
particular que temos com e e, 5
portugues.
r tanto a identidade essencial comum ac¡ucles Por outro lado, nao é razoável imaginar que a ten<lencia de Vieira em admitir
O Sacramento etetua, por ' ' ' ¡
. . . D ncoberto nele. A comunhao descobre a plenilurle poteslatis da monarquia portuguesa, aproxime-o das teses
que individualmente buscam a eus, el . d
o ser comum entre os homens, que, por s ua vez., nao pode ser descrito . .fara e, maquiavélicas favoráveis a razao autónoma de Estado, isto é, assentadas sobre
sua re 1 acao e·
- com ns t o. Essa
~ descoberta da essencia comum da coletividade_ é as i<léias <le separafii.o entre religiao ou moral e pragmática política, ou de
ugar f un' d amen t a ¡ da oratória
, sacra e nao é difícil. ver
. . que. seus termos
. sao
. ado~ao de lcis positivas do Estado justificadas exclusivamente pela conveniencia
'In di1ssoc1ave.mente
- ·h tteológicos
.e '5 e políticos. '
Os topoi tradicionais da unio mystca
. do príncipe e a sustenta~ao do governo. Ao contrário, a sua posi1,¡ao permanece
rojetam-se na própria organiza1,¡ao do corpo coletivo, que, ao r~umr as ortodoxa e supoe que qualquer doutrina política, fa~a ou nao referencia a um
P .:
vontades individuais numa vontade ll!llCa, rea l;iza o «, corpo n11s
',
1co " por
• contrato entre os membros da coletividade a qua! se aplica, deve estar baseada
excelencia. A "divina esséncia" do homern que vive cm Deus rele-sc aqui a
na lei natural implantada por Deus na Cria~ao para nao ser exterior Gra1,¡a.
seuundo O conceito de universitas formulado pelo jesuita Francisco Suúrez, Mas há mais alguma coisa a precisar sobre essa questao do encarecimento
" •
que refcre a capaci<la<le das pessoas de reconhecer o comum em s1, e, en tao
-
da uniiio de homens cm termos teológicos e igualmente em termos históricos.
dispar-se a, como resume Skinner, "to engage univocally in the performance lsso se dá, em primciro lugar, porque a no~ao de urziii.o, aquí, assinala urna
of corporatc legal acts"2'. forte analogía entre a Providencia, que ordena o mundo criado para seu fim,
O pressuposto desta fórmula neotomista é o de que os homens, em seu e a a1,¡ao voluntária do homem disposto a fazer, neste mesmo mundo, as
estado de natureza, nao sao simples aglomerados de individuos, mas correcóes que o preparam para a Salvacao. Ou seja, a tópica da uni@o de homens
participantes de uma natureza comum, conquanto relativa a seres irredutíveis significa, no ámbito da pregagáo jesuítica, a exortacao a uma acáo apostólica
entre si. ~esse sentido, fica claro porque o modelo sacramental nao se resol ve providencial, isto é, a urna missil.o no mundo. Em segundo lugar, porque amar
como estabelecimento de múltiplas rela~oes individualizadas entre os homens ao prózimo, sentenca exemplar da pastoral da unüio, nao refere apenas um
a
comando consciencia do individuo, mas, como se viu, alega a fundamenta1,¡ao
n Antonio Vieira, Sermóe:s, op. cit., p. 281, vol. XV. ontológica da organiza~ao institucional em que a u11iiio se dá historicamente.
"Sara ira, op. cit., p. 1 ú.
·' Antonio Vieira, Sermóes, op. cir., p. 282, vol. XV. Quer dizer, a máxima amorosa implica a idéia de fortalecimento do Estado
Quentin Skinner, The Foundations of Modern Polirica/ Thou¡;hl, Cambridge, Cambridge UI', 1978 (2 católico como lugar privilegiado de comunica1,¡ao entre a vontade humana e
vols.), p. 165, vol. 11.
a divina.

20
21
SER.MES: O MODELO SACRAMENTAL.
[rtoptvciO

·. H' ·t 1111iiin de ho111e11s afinna a necessiclacle E verdade que Deus na Encarnacao nao tomo a natureza humana em comum, senao
l"> t ·1 isso JlOde-se e ¡ ,zer qt • ' urna hurnaniclade particular [a ele Cristo], mas cssa mesma h umanidade e essa mesma
or ludo .=. ro'idencial dos organismos constituídos da
1
el e adesao =- ¡ O s individuos aª\ªº. pr • .
li\'ls'i.o su post as con to 1nlllt"1is 110 carne, unida divindade, fe-la Cristo universal e r.omum, ciando-a no Sacramento a
stand; de mm sua própria hierarqua ea ' 1a «+

crstan .ade, e 1 , . :.,al, ·oncórdia. do amor ou da amizade todos os fiéis, e unindo-os realmente consigo; e corno ficam unidos, e encarnados com
. . . 1 1 ·q-5i Ema ética crsta < a e ,
amlnto < a stor1a. . deste periodo, clissociada da icléia de Cristo, a mesma Encarnaco do Verbo se estende e multiplica em todos nós".
=, d zompreender, nos sermoes . .
nao se Pº e c . ele oder. Encaminha-se, assim, para a
:. ·5. atia num organismo I Resta pcrguntar c¡ue tipo de reuniii.o de lwmens cumpriria mais
uma msergao a d _ pistao, que guarda fortes analogias com a
consolidacao de um Estado c " ' . • - . aclcquadamentc sua funcao nesta "segunda Encarnacáo", mais amorosa e mais
'>' • .:..d I@reja, pois, nesta perspectiva, nao pode have1
Or,Pnt:zarao monarq\llC,l e a b
«" -
'
dado na \'ontade ele Deus, que, ao reunll' • universal do c¡ue aquela rcstrita a Cristo. Obviamente, do ponto de vista dos
Estado duradouro ou futuro nao fu pregadores contrarrcformistas, ela nao poderia identificar-se com a
bricra a que se an1cn1 entre s1.
os homens no seu amor no, o
t •
fi '
•¡· tradicional, o amorfino ou desu1leressado opoc-
. - a
comunidade invisível dos reformados, alheia idéia de Igreja juridicamente
Enquanto tópica catonca 4 e • •
constituida como "gremio de cristaos declarados".!,<- A comunidade adequada
. . _ · lgar do homem. A literatura cisterciense,
se por definicao ao amor v . . a esta "segunda Encarna~ao" apenas pode estar compreendida pelo corpus
> b próxima desse vocabulano apropnado pelos
sobretudo fornece a ase • ., mysticum da Igreja organizada, hierárquica e institucional - principalus
' , ¡ X\TI-XVII mas ela ¡a o tomara, por sua vez, ele uma
pregadores dos sccu os , ' , . . . _ apostolicae sedis "qui est destiné a remplir la mission qui a eté d' abord
"' • ,· · roniana.esta, o conceito de amor assimila nocúes
fecunda matriz estó1ca e cIce» • . , . confiée Pierre",
· . le dizcr O dcsc¡o do bem do amado, pelo propno
como a de lbenevotenta, l a • , . . Mas, como se viu, a defini~ao do corpo místico nao se restringe ao edificio
- n sua e a de conscnsw, que pensa a amzade como
amac 1 o e nao por vantagen d, • • ,
eclesial ou ao sacerdócio militante. A pedra fundamental da lgreja, que se
· ¡ ccíproco!; Ora ta1s n1etaforas amorosas entre os
um b cm esscncta men 1 e r • ' . .
prega el ores cato 1cos, ong
· ¡· ¡ a
e de rcstrincrir-se referencia a urna pau:üo Oll ajelo rnanifcsta, como heranca, em sua visibilidade hierárquica, prolonga-se
· diihi 1. as,
t) •

bias para o repertorio da teologia política que define


• , • ..
naturalmente até o organismo do Estado católico. este momento, nao há
mndvr ua.. sao as1ca rcsposta para o problema da encarna~ao coletiva de Cristo que nao avance
a
cláusulas do dever cristao adequadas prudencia do Estado • .J ustamen Le por
· - ·1gua 1 men t e adotadas até a discussao da origem e soberanía do Estado, cujos atos históricos resultam
1sso, sao , por pensadores políticos do período. Saavedra providenciais e cm que as no~oes de cristandade e política nao se contradizem.
Fajardo (1584-1648), escreve por exemplo:
E importante notar ainda c¡ue essa uniao de hornens consagrada por Deus no
centro do Estado apenas tem cxito ao considerar-se a própria hierarquía das
Todas las obras de la Naturaleza se mantienen con la amistad y concordia. Y en
ordens socia is ou estados da monarquía, que nao sao dissolvidos. Como observa
faltando desfallecen y mueren, no siendo otra la causa de la muerte que la disonancia
Saavedra Fajardo, por vczes convinha ao Reí incentivar as disputas entre
y discordia de las partes que mantenían la vida. Así, pues, sucede en las repúblicas".
uma ordem e outra a fím de fortalecer a sua autoridade:
O conselho prcssupoe tanto que a virtude, análoga a uma esscncia teológica,
La discordia que condenamos por daiiosa en las repúblicas es ac¡uella hija del odio
possui virtualidade para instituir-se políticamente, quanto que as instituÍ(_¡Ües,
y aborrecimiento: pero no la aversión que unos estados de la república tiencm contra
os organismos jurídicos de amor e poder, nao se podem sustentar sem essa
verdade. O que é transcendente permeia a história, e esta, por isso mesmo, otros, como el pueblo contra la nobleza, los soldados contra los artistas; porc¡uc esta
repugnancia o emulación por la diversidad de sus naturalezas y fines tiene distintos
apenas pode ser pensada como misto político e teológico.
O topos da uniao dos homcns proporcionada pelo sacramento nao se esgota los grados y esferas de la república, y la mantiene, no habiendo sediciones sino
ai, contudo. Os sermóes de Vieira propoem que a coletividade, assim cuando los estados se unen y hacen comunes entre sí sus intereses, bien así como
constituida, dá testcmunho de uma Encarna@o comum, isto é, de urna nacen las tempestades de la mcscla de los elementos, y las avenidas de la unión de
"segunda Encarna~ao", em c¡ue o divino se presentifica nessa disposi(_¡5.o dos unos torren tes y ríos con otros",
horncns para unir-se entre si. Num Sermii.o do lvlandalo, do ano ele 1655,
"Antonio Vieira, Sermes, 0p. cit., p. 101, vol. VII.
comparando as institui~oes do Sacramento e da Encarna(_¡5.o, diz o seguinte: '"Vivían Hubcrt Howard Green, Renascimento e Reforma -A Europa entre /-150 e 1660, Lisboa, Dom
Quixote, 1984, p. 185.
"Jean-Francois Courtine, L'Héritage Scolastique dans la l'roblématiquc Théologico-po/itique de /'Age
"E. Gilson, La Théologie Mystique de saint Bernard, Paris, J. Vrin, 1963, p. 13. Classique in L'Etat Baroque (Regards sur la Pensée Politique de la France du l'remier XVI/e. siec/e),
Diego Saavedra Fajardo, Empresas l'olíticas: Idea de un Príncipe Político-Cristiano, Madrid, Nacional, Paris, J. Vrin, 1985, p. 92.
197& (2 vols.), p. 630, vol. 11. "Saavedra Fajardo, op.cit., p. 833, vol. 11.

22
IT1Ocio SER MÚES: O MODELO SACRAMENTAL.

. nia clos estratos sociais, e 11ilo a c.lissolusao dd(!S, c.! Para reforcar os argumentos favorávcis a cssa posic;ao, Vieira pesa
E, vez.que a 1harma! : cui<ladosarncntc os t.crrnos rnais usuais de uniii.o (ernpregado por ele
uma , , ·incipe cristo, entáo parece claro que a concórdia
ª que 1 nais '
convém ao pIl
. . itariamente como adesao comum aos lugares da correnterncnle na expressao uniüo de homens) e de unidade (que utiliza
deve ser entendida pro . . d. curnumcnlc para referir a unidade das pessoas divinas) e utiliza outro termo,
· . .:, ¡[etia, nacional e divina ao mesmo tempo, apenas pode
lueran¡U1a.
. ' A
. unrno co e ¡ · · · -
¡ de um lado, mchuu a partuc1pagáo as vonta< es e1 e
' · ¡ I "aunado", c¡ue supoe talvez mais preciso para referir a duplicidade na fronteira
vir a ser undade quan4o, • · ·· d dessas duas grarnúticas. A expressao, "aunados corn Cristo, entre nós e
a- (d s cabear do reino) em um todo unificado, e, le outro,
to<las as or<lens ( os pesa ' , • conosco"'\ identifica justamente o processo essencial de reuniifo ern torno de
' ' . . - é determinada por estamentos ou ordens estáve1s.
q uando essa parl!cipa~ao . d um, vale dizer, de congrega~ao de todos no superior comum e único, cujo
da hierarquua, ou - para permanecer fazen o uso
Isso faz com que di' O t0 P 0 • \' • escolástco
¡• • l d 1O
is do organicismo politico a cabe;a anúlogo principal é, como se viu, os rnistérios sacramenta is, que ao consagrar
das metaforas tra 1cona. ' · a prcsenc,¡a divina tornam-se igualmente "as melhores fortificac;oes dos
, . · se na melhor figura de sua mudade.
corpo místico consttua-: .: :. V' reinos", Neste modelo da oratória sacra, compreende-se que teologia, retórica
• ·d O teolóaico-polit1co de um importante passo de 1era:
Isto esclarece o sen ti 0
e política constituam uma indissolúvel unidade semántica, a operar urna
..: breza é o tudo dos reinos. Escolhcu Cristo aos nobrcs e economía de salvaco. Ao pregador "digno do nome" cabe nécessariamente
[ ... J os pnnc1pes e a no • . a

examinar os signos divinos nas coisas, ordená-los como provas discursivas


tirassem do afrontoso suplicio e fizessem as honras a seu
<enhores para que O 1 ' • ,
capazes de mover vontade e razao dos fiéis e, enfim, sistematizá-los como
-- h ocorpo de Cristo afrontado, é ac,¡ao que anda vmculada a
corpo, porque honrar . . . . política voltada para o triunfo histórico do corpo místico.
ssim trouxe a si a nobreza, diz que havia de trazcr a s1 011l!1w,
nobre1.a. E quando a! - -.-- ]
- d 5. todos porque os nobres nao sao todos, n1as sao tuda •
e nao omncs; tu o, e 11 0 o ,

" · crarnenta<lo nao é relevante contestarem-se as hierarquías,


.umun1verso sa
testcmunhas elas próprias da Hierarquía de leis a rcger o mundo desde a
criacáo, mas sim criticar seus vicios corrigiveis e admoestar o corrupto de Do organizador.
seus costumes. Ou seja, se nao há identidade entre a nobreza espzntual, dwuza,
moral e a nobreza de sangue e título herdada pelas famílias principais do
reino também nao se pode dizer que a relac;ao entre elas seja arbitrária, de
acordo comos autores de formac,¡ao escolástica. A sua tendencia majoritária é
2
admitir, que "[...] [inherited] wealth is capable of promoting virtue"; •
1odavia, 0 propósito dos pregadorcs ibéricos dos séculas XVI-XVlI, nao é,
cm termos gerais, o de fayorecer a ampliac;ao do poder da nobreza no conjunto
da república, mas sim o seu realinhamento numa hierarquía monárquica
centralizadora, e, nesse sentido, promover o seu relativo enfraquecimento,
ou a sua maior dependencia enc¡uanto ordem particular, face ao lugar do rei
e de sua máquina de governo. Tal posic;;ao atualiza a de Santo Tomás, para
qucm a monarquia hereditária era a melhor forma de governo e a única apta
a cuidar do bem comm, em torno do qual se ordena a disposic,;ao racional
que é o principio básico da lei; a única apta, pois, para evitar o facciosismo de
grupos e interesses que ameac,¡am dividir a coletividade. No ámbito desse
repertório, afirmar que a nobrcza convém a uniao, certamente implica
persuadí-la de que precisa mover-se para dentro de algo que a confirme como
nobreza, tanto segundo um modelo de virtus crista, que a propoe como
exemplar para as demais ordcns, quanto segundo sua adesao ao ideal ele
concórdia, que a submete hierarquicamente a um poder acima dela.
"Anlónio Vieira, Sermoes, op. cit., p. 320, vol. XV.
Antonio \rieira, Sermóe:s, op. cit., pp. 180-1, vol. l.
l1
"Antonio Vieira, Sermiies, op. cit., p.182, vol. l.
" Skinner, op. cit., p. 59, vol. l.
do Padre Antoni
tempo em líng
a produzida po
do-se de quand
Pessoa imagin
A presente col
mes, cotejada
prio Vieira, co

Você também pode gostar