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A REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NO CONSENSO CONSTITUCIONAL

DE 1988 E O CONSENSO SOBREPOSTO EM RAWLS

Resumo: Trata o presente estudo de analisar se o consenso constitucional a que se


chegou na Assembleia Nacional Constituinte sobre repartição de competências, e da
qual derivou a Constituição Federal de 1988, possui capacidade de alcançar um
consenso sobreposto na visão Rawlsiana. Para tanto, se estuda, primeiramente, a
concepção de consenso sobreposto em Rawls, do que se trata e como pode ser atingido.
Em seguida, são traçadas linhas acerca do Federalismo no Brasil e a repartição de
competências previstas no Texto Constitucional. Por fim, conclui-se que o consenso
constitucional relativo à separação das competências não é apto a alcançar o consenso
sobreposto tendo em vista que a autonomia dos estados-membros é utilizada contra a
própria unidade federal, o que atinge frontalmente a estabilidade das instituições na
visão Rawlsiana.

Palavras-chave: Consenso Sobreposto. Federalismo. Repartição de Competências.

Abastract: This present study examined whether the constitutional consensus reached
at the National Constituent Assembly on division of powers, and from which it derived
the Federal Constitution of 1988, has the capacity to achieve a Rawlsian overlapping
consensus in sight. To this end, we study first the concept of overlapping consensus
Rawls, what it is and how it can be achieved. Then lines about Federalism in Brazil and
the allocation of powers laid down in the Constitutional text are drawn. Finally, it is
concluded that the constitutional consensus on separation of powers is able to achieve
overlapping consensus considering that the autonomy of the member states is used
against their federal unit, which frontally affects the stability of institutions in Rawlsian
view.

Key-words: Overlapping consensus. Federalism. Distribution of Responsibilities.

Sumário: Introdução. 1 O Consenso Sobreposto em John Rawls. 2. Federalismo. 2.1


Federalismo Quanto à Repartição de Competências. Conclusão. Obras Consultadas.

INTRODUÇÃO

Na obra “O Liberalismo Político”, John Rawls utiliza-se do que chama de consenso


sobreposto para que se alcance uma sociedade justa e estável em suas instituições,
considerando a diversidade de doutrinas abrangentes das quais ela própria se constitui.
Ocorre, no entanto, que para se atingir esse consenso sobreposto necessário que se
percorra um longo caminho de experiências e vivencias apoiadas num consenso
constitucional apriorístico.

Desta forma, o que se pretende neste estudo é analisar se o consenso constitucional


Brasileiro, configurado na Assembleia Nacional Constituinte 1987-1988, com relação à
repartição de competências (pacto federativo) tem possibilidade de alcançar o consenso
sobreposto de Rwals.

Como será demonstrado adiante, o consenso constitucional do Estado brasileiro


valorizou a fragmentação da Federação com o aumento de atores políticos
(governadores e prefeitos) e olvidou-se do consenso social acerca dos objetivos da
descentralização do poder administrativo. Desta forma, o governo federal está
fragilizado para solucionar problemas nacionais.

1. O CONSENSO SOBREPOSTO EM JOHN RAWLS

A IV Conferência de O Liberalismo Político, de John Rawls, inicia com a


problemática que norteia toda a obra: “como é possível haver uma sociedade estável e
justa, cujos cidadãos livres e iguais estão profundamente divididos por doutrinas
religiosas, filosóficas e morais conflitantes e até incompatíveis?”. 1 Para o autor uma
sociedade democrática bem ordenada pode estabelecer e preservar a estabilidade mesmo
considerando-se o pluralismo de doutrinas abrangentes razoáveis, desde que se alcance
o consenso sobreposto endossado pelas doutrinas abrangentes, nos limites das suas
respectivas perspectivas.

Considerando que nenhuma doutrina abrangente razoável pode garantir a


estabilidade de uma sociedade bem ordenada, necessário introduzir a ideia de consenso
sobreposto a essas doutrinas, o que deve auxiliar na concepção de uma sociedade bem
ordenada adequada às condições históricas e sociais das sociedades democráticas.

A unidade social deve estar apoiada num consenso acerca da concepção política e a
estabilidade será alcançada no momento em que as doutrinas constituidoras daquele
consenso forem aceitas por todos que de alguma forma atuam na sociedade.

Em Justiça como Equidade, John Rawls apresenta uma ideia abstrata de pessoa, que
é a concepção política de pessoa. Nesta concepção política, cidadãos de sociedades
democráticas possuem duas características: a concepção de bem e senso de justiça.
Além disso, dentro das sociedades democráticas, as pessoas professam e vivem de
acordo com várias doutrinas, que podem ser mais ou menos abrangentes. É justamente
pela existência dessa variedade de doutrinas que surge a principal questão tratada em O
Liberalismo Político, qual seja, a estabilidade política de uma sociedade democrática.

Apenas doutrinas abrangentes razoáveis são capazes de alcançar um consenso


sobreposto e podem ser aceitas nessa concepção de sociedade democrática devendo, de
alguma forma, garantir um consenso acerca de valores públicos, mesmo que seus
valores individuais conflitem com os de outras doutrinas. É claro que esses conflitantes
valores intrínsecos de cada diferente doutrina não podem gerar um embate no campo
público. De fato, pois, deve haver tolerância entre as ideias professadas por diferentes
indivíduos e grupos. A base da justificação para as questões públicas deve ser, ela
própria, pública. Portanto, os argumentos não-públicos de cada doutrina devem ser
descartados.

Em realidade extrai-se do texto que é vantajoso para as diversas doutrinas


convergirem para uma concepção pública de justiça, pois sustentar um sólido consenso
acerca de valores públicos possibilitaria justamente a mantença de uma doutrina
particular bem como a concepção de bem de um cidadão individual.

Mas como se alcança o consenso sobreposto? De que forma ideias tão abrangentes e
distintas podem atingir um consenso que venha propiciar uma sociedade justa e estável?
1
RAWLS, John. O Liberalismo Político. São Paulo: Ática, 2000, pg. 179.
O primeiro passo, ou estágio, seria um consenso constitucional não tão profundo, no
qual os princípios liberais de justiça, satisfeitos pela Constituição, são aceitos
simplesmente como princípios, e não como se fossem baseados nas ideias de sociedade
e pessoa de uma concepção política.

Segundo Thadeu Weber:

“Num consenso constitucional há concordância apenas sobre alguns direitos e


liberdades políticas fundamentais e não sobre direitos e liberdades em geral. Há
concordância sobre o direito de voto, a liberdade de expressão, de associação etc., mas
certamente há divergência quanto ao seu conteúdo e limites.

O consenso constitucional, segundo Rawls, além de não ser profundo, não é amplo:
inclui apenas “os procedimentos políticos do governo democrático”, e não a “estrutura
básica da sociedade”. É o consenso que Rawls chama de restrito e não profundo.
Entretanto é preciso começar com ele. A constituição é essencialmente um
procedimento e a justiça como equidade deve ser entendida como “justiça
procedimental.”.”2

Partindo-se do consenso constitucional acerca de princípios liberais de justiça,


escolhidos dentre tantos outros por serem razoáveis à determinada sociedade em certo
momento histórico, ao longo do tempo a experiência social os vai consolidando por
meio da vivência entre instituições justas (que respeitam tais princípios) o que leva a um
consenso sobreposto. Ainda nas palavras de Thadeu Weber:

“Há portanto um difícil percurso até atingirmos um consenso sobreposto. De uma


simples aceitação inicial dos valores políticos, tendo em vista a necessidade da
organização da sociedade cooperativa, alcançarmos um consenso constitucional – um
acordo que talvez possa resultar em um consenso sobreposto. Esse é o objetivo. A
escolha e a experiência da vivência numa sociedade cooperativa que adotou os valores
políticos liberais criam um consenso constitucional. Esse pretende ser um mínimo
essencial como garantia institucional da cooperação social. Temos que chegar a um
acordo em torno de princípios que devam orientar nossa Constituição política.

Entretanto, esse consenso tem seus limites. Não diz, por exemplo, o que deve ser
feito para solucionar os conflitos de direitos fundamentais e nem explicita seu efetivo
alcance. O tipo de acordo que visa superar essa influência é o consenso sobreposto que
está apoiado nas ideias de pessoa e sociedade de uma concepção de justiça.3

No consenso constitucional, que trata apenas de procedimentos políticos do governo


democrático, pode-se incluir a organização político-adminstrativa do Estado Brasileiro
que possui em seu âmago a repartição de competências entre os entes federados. Assim,
tentar-se-á doravante, trazendo para prática os conceitos até aqui delineados, analisar se
2
WEBER, Thateu. Ética e Filosofia do Direito: Autonomia e Dignidade da Pessoa
Humana. Rio de Janeiro. Vozes, 2013. pg. 189-190.

3
WEBER, Thateu. Ética e Filosofia do Direito: Autonomia e Dignidade da Pessoa
Humana. Rio de Janeiro. Vozes, 2013. pg. 191-192.
a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enquanto consenso
constitucional, pode alcançar o consenso sobreposto relativamente à repartição de
competências.

2. O FEDERALISMO

O federalismo, entendido como forma de organização do poder político, foi


concebido a partir do século XVIII, aparecendo de forma inominada, primeiramente, na
Constituição Norte-Americana de 1787. Mais tarde, o Estado Federal foi expressamente
previsto, em 1853, na Constituição da Argentina, na Constituição do Império Alemão
(1871), na Constituição da Suíça (1874) e na Constituição do Brasil (1891).

Adotado no Brasil, pois, o Federalismo caracteriza-se pela distribuição do poder


entre os entes federados (Estados-membros), dotados de autonomia. No texto
Constitucional, é cláusula pétrea, e sua alteração demandaria a instituição de novo Poder
Constituinte.4

Segundo CELSO RIBERIO BASTOS:

“É a forma mais sofisticada de se organizar o poder dentro do Estado. Ela implica


uma repartição delicada de competências entre o órgão do poder central,
denominado “União”, e as expressões das organizações regionais, mais
frequentemente conhecidas por “Estados-membros”, embora, por vezes, seja usado,
por igual forma, o nome província e, até mesmo, cantão. Essa partilha de
competências entre a União e os Estados é bastante rígida, visto que se apresenta
esculpida na própria Constituição Federal, razão pela qual só por intermédio de
emenda à Constituição pode ser alterada. Outrossim, os Estados-membros
participam na formação da União através dos senadores que compõem uma das
Casas do Congresso Nacional.”5

No Estado federal, reúnem-se vários Estados-membros, os quais não são dotados de


soberania externa ou interna6, pois adstritos a um único poder, que é o federal. Todavia,
conservam parcialmente sua independência, podendo alinhar as diretrizes das suas
constituições com o objetivo de auto-organização.
4
Consoante prescreve a norma inserta no artigo 60, §4º, ipsis litteris:
“Art.60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;”
5
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22 ed. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 415.
6
Segundo leciona PAULO BONAVIDES, “a soberania interna significa o imperium
que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder
político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou
imediata. A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado
perante outros Estados.” BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 119.
Diferentemente do Estado federal, pois, os Estados-membros são entes autônomos,
não reconhecidos pela Ordem Jurídica Internacional, com jurisdição limitada a uma
porção do território Nacional e atuam dentro dos limites que a Constituição da
República Federativa do Brasil lhes outorga 7, de acordo com o que dispõe o seu artigo
188.

Desta forma, como norte para caracterização do Federalismo há a existência de uma


Constituição Federal que delimita competências e a participação dos Estados-membros
na vontade Federal, com quem é dividido o poder político para tomada de decisões.

Doutrinariamente, tem-se uma classificação do Federalismo subdividida em quatro


importantes itens, quais sejam: (i) quanto à origem, (ii) quanto à concentração de poder,
(iii) quanto ao equacionamento de desigualdades e (iv) quanto repartição de
competências. Para o estudo ora proposto fixa-se atenção no último ponto.

2.1 O FEDERALISMO QUANTO À REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Como toda legislação, mesmo que fundamental, a Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988 é um espelho do momento econômico-social vivido na
época de sua confecção, no qual o socorro pela Democracia era exigência inescapável
do povo brasileiro carente, à época, de uma revisão econômica, política e social. O que
evidencia que houve um consenso constitucional em face de princípios hoje positivados
7
Nesse sentido, assim leciona MARCELO NOVELINO: “A autonomia, que em seu
aspecto primordial significa edição de normas próprias – do grego autos (próprio) +
nomos (norma) -, consiste na capacidade de autodeterminação dentro de certos limites
constitucionalmente estabelecidos. A natureza do Estado-membro é conferida pelo seu
regime de autonomia, não importando o nome que lhe é atribuído (Província, Cantão,
Lander …).
Os Estados-membros possuem um ordenamento autônomo misto: “parcialmente
derivado e parcialmente originário” Sua organização é estabelecida por Constituições
próprias, as quais devem observar os limites estabelecidos pela Constituição da
República.[...]
As Constituições estaduais, apesar de não se resumirem a uma simples cópia, devem
observar alguns limites estabelecidos pela Constituição da República.[...]
Tais limitações são impostas pela Constituição da República por meio de normas
centrais, também denominadas de normas de observância obrigatória, as quais
condicionam o poder de organização dos Estados-membros, servindo como paradigma
para a elaboração das Constituições estaduais e lhes conferindo homogeneidade
(princípio da simetria).[...]. NOVELINO, Marcelo. In BONAVIDES, Paulo.
MIRANDA, Jorge. AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição
Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, Capítulo III – pp. 577-598. Material
da 4ª aula da disciplina Organização do Estado, ministrada no Curso de Pós-
Graduação Lato Sensu TeleVirtualem Direito Constitucional – Anhanguera-
UNIDERP | REDE LFG.
8
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.”
no texto constitucional. Assim, delinearam-se os contornos do Federalismo hoje vigente
no Brasil, no qual a repartição de competência é ponto fundamental.

A Constituição Federal prescreve matérias que a União e os Estados-membros


possuem competência privativa para legislar, cada qual em consonância com seus
específicos interesses. São competências muito bem divididas, para as quais inexiste
cooperação. É a chamada repartição horizontal da competência.

De outra banda, também no Texto Constitucional vigente, tem-se idêntica matéria


legislativa tratada pela União e pelos Estados, onde a União aponta diretrizes
limitadoras do poder dos Estados-membros, que não poderão modificar as normas
federais. É conhecida como repartição vertical da competência.

Os principais elementos da Federação brasileira são: a) Descentralização política; b)


Autonomia dos entes federados; c) Soberania do Estado Federal; d) Formalização e
repartição das competências em uma Constituição rígida; e) Representação dos Estados
e do Distrito Federal no Senado Federal; e f) Fiscalização da autonomia federativa por
meio do controle de constitucionalidade.

O Federalismo, em realidade, aumenta as funções dos Estados-membros, pois a


descentralização política exige uma nova forma de organização dos entes da Federação,
e, com ela, surge a necessidade da repartição de competências. O Sistema de Repartição
de Competências estabelecido pela Constituição Federal prevê competências
exclusivas9 (tratam de matérias que não podem ser repassadas ou delegadas pela União
a outra entidade federada, importando, assim, em elisão da participação de qualquer
9
“Art. 21. Compete à União:
I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações
internacionais;
II – declarar a guerra e celebrar a paz;
III – assegurar a defesa nacional;
IV – permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
V – decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
VI – autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
VII – emitir moeda;
VIII – administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza
financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de
seguros e de previdência privada;
IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de
desenvolvimento econômico e social;
X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos
cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais
hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
outra entidade federal no seu desempenho); competências privativas10 (são as
possibilidades dos Estados-membros também legislarem sobre as matérias de
competência da União. Tal ocorrerá caso a União, em razão da sua vontade, edite Lei
Complementar que trate de forma ampla sobre a determinada matéria (norma geral).
Neste caso, poderá delegar aos Estados-membros que legislem de forma específica
sobre o tema já tratado na norma geral); competências concorrentes11 (específicas às
funções legislativas, as competências concorrentes são uma dupla legislação. A mesma
matéria é objeto de tratamento legislativo de duas esferas: a nacional e a estadual. É um
consórcio legislativo onde à União cabe legislar sobre normas gerais, enquanto aos
Estados-membros cabe legislar sobre matéria que não seja tratada por norma geral. O
exercício da competência concorrente pelo Estado-membro ocorre pela suplementação
da matéria geral elaborada pela União, de acordo com as suas peculiaridades, seus
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
XIII – organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria
Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros
militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal
para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;
XV – organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e
cartografia de âmbito nacional;
XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de
programas de rádio e televisão;
XVII – conceder anistia;
XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas,
especialmente as secas e as inundações;
XIX – instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir
critérios de outorga de direitos de seu uso;
XX – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos;
XXI – estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;
XXII – executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer
monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a
industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os
seguintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins
pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de
radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais;
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização
de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas;
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;
XXIV – organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
XXV – estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem, em forma associativa.”
10
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
interesses. Todavia, omitindo-se a União na elaboração dessas, a Constituição faculta ao
Estado-membro o exercício de “competência legislativa plena” sobre tais matérias); e,
por fim, competências comuns12 (a todas as entidades federadas são outorgadas, em
igualdade de condições para o desenvolvimento de determinadas funções, capacidade de
tratar sobre determinadas matérias administrativas que precisam ser desempenhadas em
conjunto pelas entidades políticas federadas).

É exatamente pelos limites das competências desenhados no Texto Constitucional


que se evidencia o chamado pacto federativo. O constituinte originário optou pela
descentralização do poder, conduzindo o Brasil a uma das federações com maior
descentralização da administração, no que diz da distribuição de recursos tributários e

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,


espacial e do trabalho;
II – desapropriação;
III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;
IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
V – serviço postal;
VI – sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
VIII – comércio exterior e interestadual;
IX – diretrizes da política nacional de transportes;
X – regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI – trânsito e transporte;
XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII – nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV – populações indígenas;
XV – emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;
XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de
profissões;
XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do
Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes;
XVIII – sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;
XIX – sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;
XX – sistemas de consórcios e sorteios;
XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e
mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;
XXII – competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;
XXIII – seguridade social;
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;
XXV – registros públicos;
XXVI – atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas
públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
XXVIII – defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e
mobilização nacional;
XXIX – propaganda comercial.
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.”
poder político. A Constituição Federal trouxe, portanto, um sentido democrático
específico no qual há inúmeros mecanismos de participação da sociedade.

Nas palavras de MARIA TEREZA SADEK, in verbis:

“Em outras palavras, criou-se um modelo que valoriza a fragmentação e,


consequentemente, amplia o número de atores políticos e de possíveis contestadores
de decisões. Nesta construção, governadores e prefeitos adquirem papel político de
primeira grandeza, sem contudo anular ou diminuir o poder de antigas
lideranças.”13

11
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II – orçamento;
III – juntas comerciais;
IV – custas dos serviços forenses;
V – produção e consumo;
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX – educação, cultura, ensino e desporto;
X – criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI – procedimentos em matéria processual;
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII – assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV – proteção à infância e à juventude;
XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.
§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.”
12
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e
conservar o patrimônio público;
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência;
III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
De outra banda, o próprio texto constitucional apresentou enorme preocupação com a
participação popular, ao invés de sublinhar um consenso social acerca dos objetivos da
descentralização do poder administrativo.

CONCLUSÃO

Como resultado desta política positivada na Lei Maior obteve-se o fortalecimento


dos governos subnacionais, especificamente os dos Estados-membros, o que obstaculiza
o governo federal de criar soluções efetivas para problemas nacionais, relativos à
unidade social. Quer dizer, o consenso constitucional ao qual se chegou, na Assembleia
Nacional Constituinte iniciada em 1º de fevereiro de 1987, não alcançou um consenso
sobreposto com relação à repartição de competências.

A autonomia dos estados-membros, independentemente das suas qualidades ou


defeitos, e aqui não se entra nesse mérito, é utilizada contra a própria unidade federal, o
que atinge frontalmente a estabilidade das instituições na visão Rawlsiana. Exemplo
recente disso é a chamada guerra fiscal, na qual os Estados-membros oferecem
vantagens tributárias às empresas que neles fixarem domicilio, em evidente detrimento
da unidade federativa que acaba por enfraquecer. Parece que as doutrinas abrangentes
professadas por aqueles que chefiam os Estados-membros não são capazes de endossar
o consenso constitucional de 1988.

OBRAS CONSULTADAS

BASTOS, Celso Riberio. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16. ed. São Paulo: Malheiros,


2009.

IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros


bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico;
X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a
integração social dos setores desfavorecidos;
XI – registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e
exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União
e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do
desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”
13
SADEK, Maria Tereza. O Pacto Federativo em Questão. Revista Brasileira de
Ciências Sociais – vol. 15, nº 42. p. 153. Disponível
em http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n42/1747.pdf. Acesso em 20 mar. 2014.
CÓDIGOS 3 em 1 – Tributário, Processo Civil e Constituição Federal + Legislação
Complementar. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NEDEL, José. A Teoria Ético-política de John Rawls: Uma Tentativa de Integração


de Liberdade e Igualdade. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2000.

NOVELINO, Marcelo. Artigos 25 ao 28. In BONAVIDES, Paulo, MIRANDA, Jorge,


AGRA, Walber de Moura (coords.). Comentários à Constituição Federal de 1988.
Rio de Janeiro: Forense, 2009.

OLIVEIRA, Neiva Afonso. Rousseau e Ralws: Contrato em Duas Vias. Porto Alegre,
EDIPUCRS, 2000.

RAWLS, John. O Liberalismo Político. São Paulo: Ática, 2000.

_____. Justiça como Equidade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

SADEK, Maria Tereza. O Pacto Federativo em Questão. Disponível


em http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n42/1747.pdf. Acesso em 20 mar. 2014.

WEBER, Thateu. Ética e Filosofia do Direito: Autonomia e Dignidade da Pessoa


Humana. Rio de Janeiro. Vozes, 2013.

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