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Sexualidade & Sexuação

Seminário do Módulo
A Sexualidade Infantil a partir
da contribuição Freudiana

Luiza Coloda Alvarím de Mattos Práxis Lacaniana


Na perspectiva psicanalítica, a sexualidade não se restringe ao corpo biológico, sendo produzida por
experiências psíquicas inconscientes. Com isso, a psicanálise associa as experiências da sexualidade na
infância ao surgimento de neuroses na vida adulta. Freud apresentou a primeira formulação psicanalítica
sobre a sexualidade em 1905, por meio da obra "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade". Nesta, Freud
fala sobre a sexualidade infantil, argumentando que há uma crença popular equivocada sobre a ausência
de pulsão sexual na infância, sendo despertada somente durante a puberdade. No entanto, ao realizar
uma análise aprofundada sobre a sexualidade na infância, são revelados aspectos essenciais em relação à
pulsão sexual, elucidando sua evolução e demonstrando sua origem multifacetada. É Importante destacar
que, neste momento, o fundamento subjacente à visão freudiana da sexualidade reside na ideia de que
toda pulsão é, fundamentalmente, uma pulsão sexual. O conceito de pulsão se refere a impulsos
psíquicos que orientam o comportamento humano, representando uma forma de energia. Essa energia,
por sua vez, é concebida como uma libido, considerada uma pulsão vital, a energia que há por trás das
pulsões sexuais.
Neste âmbito, com o advento da Psicanálise e as descobertas de Freud, houve uma mudança de
paradigma na concepção da sexualidade, rompendo com os conceitos estabelecidos até então. A
sexualidade passou a ser reconhecida como de extrema importância, considerada a essência da atividade
humana e vista como um ponto crucial na formação do psiquismo humano. Assim, a definição de
sexualidade, formulada por Freud difere consideravelmente da noção convencional de instinto sexual
aceita pela sociedade. Ele sustenta que o ser humano, desde a infância, procura por prazer e satisfação
em diversas formas. Essa busca pelo prazer não se limita exclusivamente aos órgãos genitais, e a 2
reprodução não é seu único propósito (BOROTO; SENATORE; 2019).
Deste modo, Freud descreve a sexualidade infantil como 'perverso-polimorfa' devido à sua distância do
modelo genital de interação sexual, explorando fontes de prazer provenientes de qualquer parte do seu
corpo. Nessa fase, a sexualidade é predominantemente autoerótica, sendo o corpo da criança o meio
principal para obter satisfação em condições normais. Dessa forma, mesmo que as fantasias sexuais se
dirijam a um objeto (outra pessoa), a busca por satisfação sexual ocorre no próprio corpo, ou em áreas
específicas do seu próprio corpo, dependendo do estágio de desenvolvimento em questão (ZORNIG; 2008).
Estas zonas específicas do corpo, capazes de proporcionar sensações prazerosas, são denominadas de
zonas erógenas. No que se refere às pulsões sexuais, Freud aborda a presença de pulsões parciais, que
estão relacionadas principalmente a uma zona erógena.
Ao nascer, a criança consiste essencialmente em pulsões sexuais (energia, libido), as quais estão associadas
à satisfação por meio do estímulo de uma zona erógena. Assim, estas pulsões sexuais podem se decompor
em pulsões parciais, que influenciam, em diferentes graus, certos tipos de satisfações sexuais, sendo, por
sua vez, fontes de prazer. Freud vai dizer, assim, que o corpo da criança representa uma fonte contínua de
sexualidade e prazer, desde o nascimento. Qualquer parte do corpo pode se tornar uma zona erógena,
segundo ele. Em geral, os estímulos das zonas erógenas estão inicialmente ligados às funções fisiológicas
específicas, como alimentação, eliminação de fezes e urina. Por isso, partindo da ideia do corpo como
autoerótico, isto é, que as excitações sexuais são específicas em áreas específicas do corpo (as chamadas
zonas erógenas), e considerando o desenvolvimento contínuo dessas zonas, com mudanças nas formas de
satisfação experimentadas pelo corpo em relação ao objeto, Freud conclui que o indivíduo passa por
progresso de desenvolvimento sexual desde o seu nascimento (BOROTO; SENATORE; 2019).
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Ao observar tal desenvoltura progressiva das experiências sexuais infantis, Freud organizou estas
fases pulsionais em: oral, anal, fálica, de latência e genital, discorrendo sobre suas zonas corporais
erógenas. A primeira fase, sendo ela a oral, ocorre nos primeiros 18 meses de vida da criança,
considerando a boca como a zona erógena. De acordo com Breuer e Freud (2006 [1893/1895]), nesse
estágio, a satisfação vai além da mera alimentação. A amamentação do bebê gera um prazer
conhecido como "prazer oral", que pode ser tão reconfortante que algumas crianças chegam a
adormecer profundamente durante esse processo. Com o passar dos meses, a criança tende a
projetar o seu lado materno em objetos substitutos, como chupetas, mamadeiras e até o próprio dedo
da mão. Ao satisfazer-se no próprio corpo, no ato de sucção, ela encontra conforto e independência
em relação ao mundo externo (NASIO; 1999). Pode-se dizer que o início da satisfação na zona oral está
intrinsecamente ligado a uma função fisiológica vital: a alimentação. Mas, com o tempo, a busca pela
reprodução do prazer presente na amamentação se desvincula da necessidade de se alimentar. A
atividade de sugar, inicialmente vinculada à nutrição, torna-se uma fonte de prazer, fazendo com que
a boca se transforme em uma zona erógena (BOROTO; SENATORE; 2019).
A fase anal, que ocorre aproximadamente por volta do segundo ano de vida da criança, tem o ânus
como sua zona erógena. Durante este período, o prazer vai além do simples ato de defecar, vai além
da satisfação fisiológica (NASIO, 1999). Para uma criança, isso não é algo sujo, proibido ou nojento, mas
sim algo positivo, pois diz respeito a uma parte dela mesma que lhe proporciona prazer. O ato de reter
as fezes intencionalmente faz ela vivenciar sensações caracterizadas como um comportamento
masturbatório, que será um padrão comum nas fases posteriores (FREUD, 1976 [1905]). 4
A fase fálica, por sua vez, é um período que abrange a relação da criança com seus órgãos genitais, a
identificação e a atenção deles como objeto de desejo, os medos em relação à castração,
adicionalmente com sentimentos de raiva, posse, competição e inveja em relação aos pais. Este
momento complexo é o que Freud denominou como Complexo de Édipo. (NASIO, 1999). Freud definiu
uma fase fálica no texto "A organização genital infantil" (1923), descrevendo que seu acontecimento
surge por volta dos três aos cinco anos de idade. Durante essa fase, há uma erotização dos órgãos
genitais, levando as crianças a demonstrarem interesse na manipulação dos mesmos. Nesse estágio, se
torna evidente o quanto a sexualidade está presente na criança. Freud também argumenta que é no
Complexo de Édipo que ocorre a estruturação psíquica do sujeito. (BOROTO; SENATORE; 2019). De forma
metafórica, este momento se caracteriza pela diferenciação do sujeito em relação aos pais. (FREUD, 1977
[1925/1924]).
Contudo, Freud centralizou grande parte dos seus estudos no Édipo masculino, postulando que a mãe é
o primeiro objeto de desejo do menino e o pai é aquele que impede a conquista deste objeto desejado.
Para conquistar a mãe, o menino tenta imitar o comportamento do pai, interiorizando as normas por ele
determinadas. No futuro, o menino se distancia da mãe por "medo" do pai Enquanto no édipo masculino
o menino tem medo da castração, de perder o falo, no Édipo feminino a menina, por não possuir o órgão
desejado, já se sente castrada, o que gera a ela um sentimento de inveja e frustração. Assim, o menino
identifica o órgão sexual feminino como o resultado de uma castração, da falta do falo. (BOROTO;
SENATORE; 2019). 5
A solução do complexo de Édipo ocorre, nos meninos, por meio da ameaça de castração e, na menina, por sua vez, ao lidar com a
castração já existente. Após o encerramento deste período, ocorre a chegada da fase de latência, caracterizada pelo
redirecionamento da energia libidinal para objetos externos ao corpo, resultando em um certo "adormecimento" da libido sexual e
dando lugar a outros investimentos externos diante da realidade cultural. Por meio do processo denominado sublimação, a
energia libidinal vai sendo “canalizada” para outros fins, como o desenvolvimento social e intelectual da criança (BOROTO;
SENATORE; 2019).
Por fim, acontece a fase genital, na qual as pulsões vão se organizar, através da influência das fases psicosexuais infantis
anteriores (oral, anal e fálica). É apenas nessa fase que todas as zonas erógenas se conectam e a criança volta a sua energia
sexual para seus órgãos genitais. Essa fase, iniciada na puberdade, traz consigo mudanças no objeto de desejo, que já não se
volta mais para o próprio corpo, mas para o corpo do outro. É um período crucial de maturidade psíquica, que permite que o
sujeito compreenda e aceite sua sexualidade, acompanhada por mudanças corporais significativas tanto para meninas quanto
para meninos (ROMAGNANI et al.; 2011).
Freud, em 1905 nos "Três Ensaios", postula que a falta de esclarecimento sexual para as crianças e tentativa de ocultá-la,
juntamente com a dificuldade dos adultos em lidar com a sexualidade infantil, estão ligadas ao fenômeno denominado como
amnésia infantil. Essa amnésia encobre as memórias da própria vida sexual do adulto quando era criança e das experiências
sexuais vivenciadas nesse período. Muitas vezes, quando uma criança expressa sua sexualidade, isso é recriminado pelo adulto.
Com isso, a ausência de registro na vida adulta de episódios da primeira infância ocorre devido à repressão das experiências
sexuais infantis. A recusa e a negação da existência da sexualidade infantil estão relacionadas às barreiras, como nojo, vergonha e
repulsa, que se formam por meio de padrões morais existentes contra a sexualidade infantil, presentes no sujeito desde o período
de latência. Isso ocorre por conta de atitudes e sentimentos socialmente aceitos e valorizados. Apesar da sexualidade na infância
ser vivenciada por todos os seres humanos, estes acabam esquecendo de tais experiências. No entanto, as mesmas ficam
inseridas no inconsciente de cada um. (BOROTO; SENATORE; 2019).
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Considerando essas explicações, observa-se que, a partir de Freud, a sexualidade passou a ser
concebida como uma parte essencial do ser humano. Deixou de ser apenas ligada ao ato sexual,
de caráter biológico, para estar relacionada com a parte afetiva e relacional que constitui a
complexidade da psique humana (ROMAGNANI et al.; 2011). Portanto, pode-se dizer que, sobre
este tema da sexualidade infantil, a descoberta mais significativa de Freud, que em grande parte
foi inimaginável, não é a sexualidade da criança, mas sim o seu papel ativo na vida psíquica do
adulto. A totalidade da vida sexual é permeada pela marca do aspecto infantil, o que se estende à
própria sexualidade adulta. Assim, a psicanálise revoluciona ao dar destaque a sexualidade da
criança e ao encarar a sexualidade do adulto com elementos próprios da infância.
NASIO, J. D. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

Zornig, S. M. A.-J.. (2008). As teorias sexuais infantis na atualidade: algumas reflexões. Psicologia Em
Estudo, 13(1), 73–77. https://doi.org/10.1590/S1413-73722008000100009

FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, S. (1925[1924]). Resistências à psicanálise.ESB, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1977.

BREUER, J.; FREUD (1893[1895]). Estudos sobre a histeria. Coleção Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 2, Rio de Janeiro: Imago. 2006.

ROMAGNANI, A.; BUSQUIM, A. M. O.; CEZARIO, C. S.; FAIAM, F. M.; FARIA, E. M.; JACOMO, J. P.; LEITE, J. A.; MARTYRES, T. R.; MORA, L. C.; PETRUS, M. C.; SANTOS, A. S.;
SILVA, R.; Freud: A importância do conhecimento do desenvolvimento psicossexual para a compreensão da sexualidade humana. Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco. 2011.

BIDAUD, E. O que resta da sexualidade infantil? . Estilos da Clinica, [S. l.], v. 18, n. 2, p. 318-326, 2013. DOI: 10.11606/issn.1981-1624.v18i2p318-326.

BOROTO, I. G.; SENATORE, R. C. M. A sexualidade infantil em destaque: algumas reflexões a partir da perspectiva freudiana. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação,
Araraquara, v. 14, n. esp.2, p. 1339–1356, 2019. DOI: 10.21723/riaee.v14iesp.2.12583. 7

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