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As Diferentes Abordagens Psicológicas

que Abordam a Constituição do


Psiquismo Humano

Me. Vanessa de Oliveira Beghetto Penteado


Nesta Unidade, trabalharemos sobre duas concepções do desenvolvimento humano, distintas em
suas abordagens teóricas e filosóficas e clássicas no campo da Psicologia: o curso do
desenvolvimento para Freud (1856-1939) e Jean Piaget (1896-1980).
Iniciaremos pela abordagem da psicanálise, classificada como uma perspectiva
psicodinâmica, ou modelo psicossocial, a qual significa que os aspectos que impulsionam e
caracterizam o comportamento humano são compostos por fatores inconscientes que constituem
os fenômenos psíquicos.
Para tanto, precisamos começar pelo questionamento: qual a premissa básica da
psicanálise e por quê? Para Freud, a premissa básica é o inconsciente, a essência do psíquico não
está na consciência, visto que essa é uma qualidade do psíquico, que pode juntar-se a outras
qualidades ou estar ausente. O que sempre está presente é o inconsciente, sendo o ponto de partida
de toda a teoria psicanalítica. O estado em que as coisas se encontravam antes de se tornarem
conscientes é o que chamamos de repressão e, ao longo do trabalho analítico, a resistência é a
força que provocou e manteve a repressão.

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Na psicanálise, o que constitui a estrutura da personalidade é chamado de id, eu, e super
eu[1]. O que desenvolve e caracteriza cada estrutura? O id, conforme Freud (2011), é inato,
composto por desejos instintivos e pelas pulsões. A estrutura do id é caótica, desorganizada, sem
forma e os desejos são contraditórios. Sendo assim, a lógica não se aplica ao id, que é guiado pelo
princípio do prazer. O eu se desenvolve a partir do id, ele atende às exigências do id e as aplaca,
preservando a saúde, segurança e sanidade do psiquismo humano. Essa estrutura é racional, lógica,
o meio de campo entre o mundo interno e externo do sujeito. O eu se esforça pelo prazer e tenta
evitar o desprezar, conforme as possibilidades da realidade externa. Guia-se pelo princípio da
realidade, separando o desejo da fantasia. Já o supereu surge a partir do eu, podemos chamá-lo de
juiz das ações e dos pensamentos do eu. Nele, residem os códigos de conduta aprendidos no
convívio social, as inibições e os ideais. O supereu atua inibindo ou limitando os pensamentos e
atitudes, possui a capacidade de auto-observação: age independente das pressões do id de
satisfação e do eu, que de certo modo também busca o prazer. É desenvolvido de acordo com o
supereu dos pais, julgamentos, valores e tradições defendidos ao longo da criação. Além disso, é
herdeiro do complexo de édipo, conceito que trabalharemos adiante.

Figura 3.1: Sigmund Freud


Fonte: Radub85, 123RF.

[1] Em algumas traduções os termos são: id, ego e superego.

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A sexualidade infantil e os seus desdobramentos são questões trabalhadas por Freud
(1990) em “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”. O autor analisa as práticas repressivas
presentes na sociedade ao longo dos séculos. Ele se utiliza da palavra libido como correspondente
da necessidade sexual que os humanos têm – como sentimos fome quando precisamos nos
alimentar. Destaca-se, ainda, os seguintes termos: objeto sexual, para referir-se à pessoa de quem
procede a atração sexual, e objetivo sexual, que seria o ato para o qual o instinto nos conduz.
A sociedade busca cristalizar a figura da criança como um ser angelical, inocente, puro e
imune a qualquer desejo sexual. Freud (1990) vem desmascarar estas hipóteses, revelando a criança
como um ser sexuado, com órgãos genitais ativos desde o nascimento. Barroso e Bruschini (1979)
destacam que, durante o século XV, a sociedade considerava a sexualidade infantil, dando
importância ao comportamento das crianças, segundo a lógica da corrupção original, doutrina
bíblica muito corrente na época. Ainda que houvesse um entendimento da sexualidade, o
comportamento era culpabilizado, com vistas a cercear a promiscuidade. As consequências eram
crianças isoladas umas das outras e com relacionamento formal entre os adultos.
A partir do século XVII que o conceito de inocência infantil se configura fortemente
na sociedade. Por meio de um ascenso da religiosidade, tanto católicos como protestantes buscam
uma mudança nos costumes, comemorações infantis são implantadas na igreja e daí a ligação com
a santidade infantil. A criança é reservada da sexualidade carnal dos adultos.
Freud (1990) confronta a concepção popular vigente de que não há instinto sexual
na infância e que este se revelaria somente durante a puberdade. Para o autor, a relação da
sexualidade com a infância existe na medida em que toda a busca por prazer está relacionada com
a libido, a qual existe desde o nascimento. O ato de chupar o dedo é a primeira forma de buscar
prazer:

O chupar sensual envolve completa absorção e leva ou ao sono ou mesmo a uma reação motora com o
caráter de orgasmo. Não raras vezes ele se combina com a fricção de alguma parte sensível do corpo tais
como os seios ou os órgãos genitais externos. Muitas crianças passam por este caminho, do ato de sugar
para a masturbação (FREUD, 1990, p. 184).

Dessa forma, Freud (1990) afirmou que a atividade sexual parte da satisfação do próprio
corpo, que causa a sensação de prazer. Barroso e Bruschini (1979) colocam como chocante os

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conceitos freudianos, os quais afirmam que, após o bebê se saciar no seio da mãe, dorme sorrindo
devido à satisfação sexual obtida nesse contato sensível com a zona erógena. Abrangendo o termo,
zona erógena seria toda e qualquer área do corpo em que o toque possa causar excitação sexual.
O objetivo sexual do instinto infantil consiste em obter satisfação por meio do
estímulo apropriado da zona erógena. Assim como podemos encontrar prazer na zona labial, a zona
anal também é utilizada pelo bebê para estimulação sexual, junto com a função somática do órgão:

As crianças que utilizam a suscetibilidade à excitação erógena na zona anal se traem retendo as fezes até
que seu acúmulo provoca violentas contrações musculares e, ao passarem pelo ânus, são capazes de
produzir grande excitação da membrana mucosa. Isto deve sem dúvida causar sensações, não só de dor
como de grande prazer (FREUD, 1990, p. 191).

Após o período em que a sexualidade se manifesta na primeira infância, cada indivíduo passa
por um período latente, em que a masturbação da primeira infância parece desaparecer. É durante
esse período que as forças psíquicas se constroem, pois, para Freud (1990), a amnésia infantil se
relaciona justamente com sua atividade sexual. A pulsão que antes o fazia levar o dedo até a boca,
agora deixa de acontecer, não que não exista mais a satisfação, mas porque há um olhar de
reprovação que passa a ser mais forte do que a pulsão.
Assim, para analisarmos o desenvolvimento infantil, iremos subdividi-lo segundo os
estudos freudianos. De acordo com o entendimento de Freud (2011), o narcisismo primário é o
estado de gozo e satisfação que o bebê adquire consigo mesmo, por meio de suas zonas erógenas,
isto é, partes do corpo em que se pode gerar excitação sexual. Essa satisfação é gerada pela libido
e, conforme as fases narcísicas, esta pode adquirir diferentes caracteres. O narcisismo primário
antecede o período de constituição do eu, pois não existem relações objetais, mas justamente a
ausência já citada, que leva o bebê a experimentar seu próprio corpo.

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Figura 3.2: Período de narcisismo primário
Fonte: Ababaka, 123RF.

Após o período inicial de vida humana, em que os pais são figuras centrais no
desenvolvimento infantil, tem-se a criança se descobrindo e, também, descobrindo o mundo para
além das figuras únicas e sempre presentes dos pais. Após interromper esse período de
dependência paterna, a criança evolui para a libido objetal, busca prazer em objetos exteriores a
ele mesmo e buscando superar sua antiga libido, centrada nela mesmo. O narcisismo do eu, ou
narcisismo secundário, tem como ponto central o fato de que seus pais lhe dão atenção, mas agora
existem outros focos e acontecimentos que circundam os fatos e que levam o sujeito justamente a
outras experiências.

Figura 3: Narcisismo secundário


Fonte: Oksana Kuzmina, 123RF.

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Ainda sobre a formação de personalidade, aprendemos o seguinte a partir da citação de Araújo
(2010, s. p.):

De modo geral, tanto os traços do narcisismo primário como os do narcisismo secundário irão constituir a
personalidade e acompanhar o indivíduo durante toda a sua existência. Foi a partir do olhar libidinizado da
mãe que a criança reconheceu-se e se sentiu amada. Daí para a frente, todas as suas escolhas objetais e
realizações terão por base esse período em que foi possível o desenvolvimento do amor por si mesma.

Como vimos anteriormente, o eu possui uma característica de cumprir o papel de


objeto de satisfação. Durante o narcisismo primário, os pais tendem a colocar nos seus filhos todas
as suas maiores expectativas, uma possibilidade ideal da criança suprir todas as suas ânsias de
caráter e desenvolvimento. É no narcisismo secundário, no qual a criança entra em real contato com
o mundo externo, que esta ideia cai por terra. Admite-se que não existe a possibilidade de um plano
ideal, mas, sim, a realidade concreta da criança inserida no mundo. Com a frustração de um eu ideal
não concretizado, temos um empobrecimento do eu e, consequentemente, a real possibilidade de
encontrar alguma forma de satisfação com um objeto exterior.

Outro aspecto estudado por Freud (1976) é sobre a psicologia do grupo e análise do
eu. Para ele, existe um limite muito tênue entre o que caracterizamos como psicologia individual e
de grupo, afinal, é muito incomum a psicologia individual desprezar as relações grupais em que os
indivíduos estão envolvidos. A psicologia de grupo visa abranger todas as esferas nas quais o
indivíduo constrói suas relações cotidianas, desde espaços consolidados, a espaços novos e
espontâneos. Assim, uma questão que se levanta de início é se o instinto social é inato, primitivo,
como uma das observações que Freud busca desenvolver.

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Figura 4: Relações grupais
Fonte: Cathy Yeulet, 123RF.

Freud (1976) utiliza da descrição que Le Bon constrói referente ao tema da mente grupal
para adentrar no assunto. O psicólogo francês procura trabalhar sobre questões de grupo, buscando
identificar o que é um grupo, a influência que este tem sobre a vida mental de seus integrantes e
quais seriam estas alterações. Para Le Bon, o grupo na esfera psicológica é geralmente provisório e
mesmo que constituído por indivíduos muito distintos, estes se unem em prol de uma nova
característica homogênea, não existente até então. Ressalta, ainda, a importância dos fenômenos
inconscientes, ocultos a nossas reflexões, que determinam a conduta humana em âmbito cotidiano,
intelectual e em nossas ações. Com essa afirmação, os indivíduos de um grupo, não se uniriam por
semelhanças conscientes, mas pela reprodução do inconsciente. Assim, as características
individuais são reduzidas e as diferenças se camuflam frente ao novo homogêneo, que se
fundamenta em três fatores.
O primeiro fator é o ‘sentimento de poder invencível’, que aflora instintos anteriormente
reprimidos. Além disso, outra observação é o contágio existente no aspecto grupal, no qual muitos
comportamentos se repetem por imitação. Esses comportamentos geram também a renúncia da
própria vontade, por parte dos participantes do grupo, em prol do coletivo, o que em uma situação
individual é de rara ocorrência. Por fim, Le Bon aponta uma questão central, a de que o grupo
psicológico age sobre o sujeito, de modo a deixá-lo em um estado de fascinação, aproximado da
sensação hipnótica, em que uma ideia sugerida é transformada em ato, com reciprocidade entre os
membros. Assim, destaca que, no grupo, o indivíduo age por instinto; por sua vez, o grupo é dirigido
pelo inconsciente coletivo, com um caráter inconstante e direcionado a extremos.
A partir desses apontamentos, Freud questiona Le Bon sobre a compreensão de que um
grupo fica sob efeito de hipnose, sem este falar do hipnotizador, no caso o líder, julgando que o líder

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deve ajustar suas qualidades pessoais aos anseios do grupo, ter expectativas e despertá-las no
grupo.
Freud (1976) considera que existem diversas estruturas coletivas que se organizam das mais
distintas formas, podendo ser um grupo perene ou não, formal ou informal, que se relaciona com
outros grupos, com tradições ou não. Quanto mais organizado e estruturado o grupo, menores as
chances das desvantagens psicológicas depreciarem essa formação.
Para a psicanálise, a identificação é a primeira ligação emocional que existe entre indivíduos.
Trata-se de uma admiração e da vontade de ser a pessoa que se estima. Diante disso, Freud trabalha
o complexo de Édipo, isto é, a admiração que o menino tem pelo pai, que o faz desenvolver uma
energia libidinal por sua mãe. Com o pai no seu caminho, manifesta-se a fase oral, primeira fase da
organização da libido. Assim, nessa substituição que oscila entre ternura e desprezo, a identificação
pode mudar seu objeto. Sendo assim, o pai passa a ser o sujeito sexual, já o objeto do eu passa a
ser a mãe. Na mudança de objeto, o eu da pessoa é moldado segundo o modelo escolhido. Quando
temos a repressão, o inconsciente vira dominante, assim a escolha do objeto pode retroceder para
a identificação e, no lugar de admirar e querer ser alguém, passa-se a querer ter, sexualmente, essa
pessoa. A identificação funciona com o desejo do indivíduo de ter a possibilidade de se colocar na
mesma situação que o admirado ou objeto do eu. Assim, Freud indica que o que une os sujeitos de
um grupo é da mesma natureza que a identificação, um forte laço emocional, centrado na figura do
líder, desencadeando a empatia.
Por fim, destacamos que Freud (2011) afirma que todos os indivíduos possuem uma das
três estruturas mentais da personalidade, que podem se desenvolver de forma patológica ou não,
a depender dos mecanismos de defesa de repressão libidinal. Sendo elas: a neurose, situação em
que o sujeito apresenta sintomas de angústias e rituais para se defender de algum medo. Por
princípio, todos os sujeitos são neuróticos, a não ser que sejam perversos e/ou psicóticos. Algumas
pessoas são mais gravemente sintomáticas em sua neurose (desenvolvendo a paralisia histérica, ou
alguma obsessão, como a mania de limpeza). A neurose pode ser tão grave quanto uma psicose,
mas destacamos que não tem escapatória: ou você é neurótico, ou psicótico, ou perverso. Na
psicose, os indivíduos podem ouvir vozes, ter alucinações e delírios gravíssimos. Na forma de se
relacionar com o mundo, não há separação entre o eu e o outro, as vozes (alucinatórias) são
comandos que recebe sem saber o motivo do que se está fazendo, o que gera sofrimento psíquico.
Na perversão, o sujeito não sente culpa, podendo agredir, roubar ou matar sem sofrimento,
cometendo atos que causam mal para outros, sem incomodo de fazer os outros sofrerem.

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Figura 5: Estruturas mentais da personalidade
Fonte: Axel Bueckert, 123RF.

Psicanálise
Atualmente, a psicanálise não é uma abordagem com grandes consensos
internamente. Há diversos autores, continuadores dos estudos freudianos, que se
ramificam em outras concepções. Como exemplo, citamos Lacan, bem como autores atuais
que seguem seus fundamentos, sem divorciarem dos princípios mais gerais da psicanálise
e, assim, consideram-se psicanalistas também. Um exemplo indicado de um psicanalista
atual é Christian Dunker que, no vídeo a seguir, fala a respeito da natureza humana, sobre
a tragédia da humanidade e como as expressões patológicas estão sobre todas as pessoas.
Para saber mais, acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=A0Gq2odUq-A>.
Fonte: elaborado pela autora.

A seguir, trabalharemos sobre outra perspectiva de dentro da psicologia que estuda o


desenvolvimento humano: os estudos a respeito da teoria de Jean Piaget, um biólogo, psicólogo e
epistemólogo, que tratou dos estágios do desenvolvimento da infância à adolescência.

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Figura 3.6: Jean Piaget
Fonte: Varie11 (2011).

Para Piaget (1999), o desenvolvimento humano inicia ao nascermos e é comparável ao


crescimento orgânico, ambos se orientam para o equilíbrio:

A forma final de equilíbrio atingida pelo crescimento orgânico é mais estática que aquela para a qual tende
o desenvolvimento da mente, e sobretudo mais instável, de tal modo que, concluída a evolução ascendente,
começa, logo em seguida, automaticamente uma evolução regressiva que conduz à velhice. Certas funções
psíquicas que dependem, intimamente, do estado dos órgãos, seguem uma curva análoga (PIAGET, 1999, p.
13-14).

O desenvolvimento mental é uma construção contínua com estruturas variáveis, as formas


de organização da atividade mental e outras de funcionamento constante. As estruturas variáveis
são divididas em estágios, que são caracterizados pelo aparecimento de novas estruturas, distintas
das anteriores, conforme veremos adiante.
Os primeiros estudos de Piaget identificaram que haveria uma diferença, não apresentada
até então, de que no pensamento escolar há uma mudança qualitativa, e não somente quantitativa.
Por meio desta distinção, o autor afirma que a peculiaridade entre o pensamento da criança de
idade escolar e do adolescente tem origem em uma causa básica e geral. Aos sete anos, a criança
passa dos nexos subjetivos sincréticos aos complexos objetivos. E somente aos doze anos aparecem
os pensamentos formais.
Piaget compreende que o pensamento da criança passa por três grandes fases. A primeira

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é da infância precoce e idade pré-escolar, em que apresenta caráter egocêntrico e uma lógica
sincrética, de causalidade. Dos sete aos oito anos aparecem formas concretas, que se dividem em
duas esferas: o pensamento visual-direto e ativo e o pensamento puramente verbal, que ainda
segue aspectos do sincretismo. Piaget chama de lei do deslocamento as peculiaridades do
pensamento da criança na idade escolar, em que esta é consciente de suas operações e as transfere
do plano da ação para a linguagem, reproduzindo verbalmente suas operações. Em resumo, a lei do
deslocamento seria a criança manifestar as mesmas peculiaridades lógicas do adulto, uma vez que
o pré-escolar articula seu pensamento por meio do plano visual-direto e ativo (VIGOTSKI, 2010).
Para Piaget, o pensamento lógico não existe na idade escolar. Nesse período, o que se
desenvolve é o pensamento concreto. O pensamento lógico tem outra qualidade, só é possível
quando a criança domina suas operações mentais, regula e dirige-as, é a experiência do homem de
se autodirigir e tomar consciência das próprias operações, e não somente dos resultados. Piaget
afirma que o pensamento lógico está relacionado com a realidade e que é inacessível à criança, uma
vez que não tem domínio das operações do pensamento. O fator que condiciona essa nova
capacidade é a nova orientação de vida social, a qual impõe ao adolescente tarefas totalmente
novas que levam ao fim do egocentrismo infantil, que dominava o pensamento até então, e este
passa a ser guiado pela linguagem (VIGOTSKI, 2010).

Figura 7: Início da idade do pensamento lógico


Fonte: Raisa Kanareva, 123RF.

Destacamos que, para Piaget (1999), a interação com o mundo é essencial e modifica-se ao
longo do processo de aprendizado, que é gradual e possui grandes diferenças ao longo do

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desenvolvimento. Importante compreender que a aprendizagem é possível conforme a criança
atinge determinado estágio de desenvolvimento, ou seja, conforme Piaget, o desenvolvimento
precede a aprendizagem.
Sendo o egocentrismo infantil o ponto de partida das transformações do sujeito com o mundo
externo, este conceito possibilita o desenvolvimento de interesses próprios nos elementos externos
da sociedade, porém a interação com o externo reduz aos poucos o egocentrismo, até que ele
desapareça. Na estruturação das regras de sociabilidade, o desenvolvimento evolui de um estágio
egocêntrico, em que as regras externas parecem ser imutáveis, ao estágio em que essas regras
podem ser debatidas coletivamente, para se alcançar soluções acerca dos procedimentos da
situação.
Entrando em maiores detalhes, abordaremos a seguir os estágios do desenvolvimento, em
seus períodos e características essenciais. O primeiro estágio, o sensório-motor, ocorre
aproximadamente do nascimento aos dois anos de idade. Desde que nasce, a criança se centra em
percepções sensoriais, esquemas motores e problemas práticos. Aqui, o bebê não tem a
necessidade de temporalidade (passado, presente e futuro). Caracteriza-se pela busca de adaptação
afetiva, em que a criança explora os fatores externos e é socializada de acordo com processos de
ritualização, nos quais se esforça para diferenciar aspectos internos dos externos, conforme o
psicólogo destaca no trecho a seguir:

A finalidade desse desenvolvimento intelectual é [...] transformar a representação das coisas, a ponto de
inverter completamente a posição inicial do sujeito em relação a elas. No ponto de partida da evolução
mental, não existe, certamente, nenhuma diferenciação entre o eu e o mundo exterior, isto é, as impressões
vividas e percebidas não são relacionadas nem à consciência pessoal sentida como um “eu”, nem a objetos
concebidos como exteriores. São simples dados em um bloco indissociado, ou como que expostos sobre um
mesmo plano, que não é nem interno nem externo, mas meio caminho entre esses dois pólos. Estes só se
oporão um ao outro pouco a pouco. Ora, por causa desta indissociação primitiva, tudo que é percebido é
centralizado sobre sua própria atividade. O eu, no início, está no centro da realidade, porque é inconsciente
de si mesmo, e à medida que se constrói como uma realidade interna ou subjetiva o mundo exterior vai-se
objetivando. Em outras palavras, a consciência começa por um egocentrismo inconsciente e integral, até
que os progressos da inteligência senso-motora levem à construção de um universo objetivo, onde o
próprio corpo aparece como um elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida interior, localizada neste
corpo (PIAGET, 1999, p. 20-21).

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Figura 8: Período sensório-motor
Fonte: Ian Allenden, 123RF.

No estágio pré-operatório ou objetivo-simbólico, que ocorre aproximadamente dos dois


aos sete anos de idade, a criança começa a construir as noções de temporalidade. Sobressai-se,
nesse período, o aparecimento da linguagem oral, esquemas de ação, representativos ou
simbólicos. Isso quer dizer que as ações, as pessoas ou situações podem ser substituídas pela criança
por símbolos e objetos. Nesse momento, o pensamento egocêntrico domina, assim, a criança, é o
seu ponto de referência. Ocorre, ainda, o fenômeno do animismo – quando a criança atribui
sentimentos às coisas e aos animais.

Pensamento infantil

Para postular sua teoria, Piaget desenvolveu uma série de experimentos, que
pudessem dialogar e compreender as características essenciais do pensamento infantil. Um
exemplo que podemos citar é o da conservação da pesos, conforme o vídeo indicado
exemplifica. Confira os processos práticos que possibilitaram o desenvolvimento da teoria e
que podem ser replicados, para fins de compreensão e aprendizagem, com crianças na faixa
etária dos dois aos sete anos, que passam pelo estágio pré-operacional. Para saber mais
sobre o experimento piagetiano – a conservação de volume, acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=XlxvOacaZUc
https://www.youtube.com/watch?v=qyNGFOpRSE4&t=2s.
Fonte: Elaborado pela autora

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Por mais que as crianças tenham alguma noção de temporalidade, há certa dificuldade com
situações que exigem o retorno a fatos anteriores, a retrospectiva. Avança-se na aceitação de regras
que são oferecidas do exterior, dos adultos ou dos pares mais velhos. O jogo é um elemento muito
presente, importante para o processo de desenvolvimento, pois as crianças imitam uns aos outros
e aos adultos por meio das situações sociais que elas têm contato.
Para isso, o pré-escolar considera que as regras são sagradas e imutáveis e é completamente
avessa à sua alteração. Um fato interessante é que logo que se modificam as regras, elas não
aceitam, para, em seguida, concordar, isto é, não percebem as mudanças na condução da ação. É
comum que as crianças acreditem que estão em interação com os demais, enquanto, na verdade,
jogam só para si e modificam as regras sem perceber. Há um grande desenvolvimento de interesses,
autovalorizações de valores interindividuais espontâneos e valores intuitivos, que se constroem
coletivamente:

Com o aparecimento da linguagem, as condutas são profundamente modificadas no aspecto afetivo e


intelectual. Além de todas as ações reais ou materiais que é capaz de efetuar, como no curso do período
precedente, a criança torna-se, graças a linguagem, capaz de reconstituir suas ações passadas sob forma de
narrativas, e de antecipar suas ações futuras pela representação verbal. Daí resultam três consequências
essenciais para o desenvolvimento mental: uma possível troca entre os indivíduos, ou seja, o início da
socialização da ação; uma interiorização da palavra, isto é, a aparição do pensamento propriamente dito,
que tem como base a linguagem interior e o sistema de signos, e, finalmente, uma interiorização da ação
como tal, que, puramente perceptiva e motora que era até então, pode daí em diante se reconstituir no
plano intuitivo das imagens e das “experiências mentais” (PIAGET, 1999, p. 24).

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Figura 9: Período pré-operatório
Fonte: Cathy Yeulet, 123RF.

No estágio operatório concreto, que aproxima-se da idade dos sete aos doze anos de
idade, predomina o pensamento objetivo. O egocentrismo diminui seu papel e a criatividade. Além
disso, a fantasia não se confunde mais com a realidade, assim o conhecimento é mais próximo ao
mundo real.

A idade média de sete anos, que coincide com o começo da escolaridade da criança, propriamente dita,
marca uma modificação decisiva no desenvolvimento mental. Em cada um dos aspectos complexos da vida
psíquica, quer se trate da inteligência ou da vida afetiva, das relações sociais ou da atividade propriamente
individual, observa-se o aparecimento de formas de organizações novas, que completam as construções
esboçadas no decorrer do período precedente, assegurando-lhes um equilíbrio mais estável e que também
inauguram uma série ininterrupta de novas construções (PIAGET, 1999, p. 40).

Nesse período, podemos, então, destacar a forte presença da cooperação entre si e os


outros. A criança já conhece as regras e aceita as mudanças quando são necessárias, desde que o
grupo esteja de acordo com essas alterações. Há uma maior possibilidade de jogar, brincar e estudar
coletivamente, com uma infinidade de regras concomitantes.

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Figura 10: Período operatório concreto
Fonte: Wavebreak Media Ltd, 123RF.

Por fim, no estágio operatório formal, dos doze anos em diante, o pensamento é
finalmente livre das limitações concretas por meio do desenvolvimento do raciocínio abstrato,
caracterizado pela organização e autonomia do pensamento. As crianças/adolescentes passam a
jogar pelo prazer do jogo e disputa, interagem para a construção das regras, sabendo que elas não
são fixas, mas que podem sofrer modificações, conforme as decisões coletivas. É por intermédio das
regras que os procedimentos podem ser julgados pelo grupo.

Na verdade, apesar das aparências, as conquistas próprias da adolescência asseguram ao pensamento e à


afetividade um equilíbrio superior ao que existia na segunda infância. Os adolescentes têm seus poderes
multiplicados; estes poderes, inicialmente, perturbam a afetividade e o pensamento, mas, depois, os
fortalecem (PIAGET, 1999, p. 58).

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Figura 11: Período operatório formal
Fonte: Rawpixel, 123RF.

REFLITA

Formação do educador

Em cada momento do desenvolvimento humano, há um fator, uma atividade nova


que se destaca em determinada fase. Tal fato nos permite refletir a respeito de uma
formação profissional que contemple conhecimentos da psicologia em outras áreas do
conhecimento, de forma a instigar e complementar a formação do educador escolar no
ambiente da sala de aula, por exemplo.

Fonte: elaborado pela autora.

Nome do livro: Desenvolvimento Humano


Editora: Artmed
Autor: PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D.
Ano:2013
ISBN: 978-8580552164
Comentário: O livro Desenvolvimento humano é um manual geral sobre a psicologia
do desenvolvimento humano, que aborda, em detalhes, diversas perspectivas
teóricas e suas contribuições.

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ARAÚJO, M. G. Considerações sobre o narcisismo. Estud. psicanal., Belo Horizonte, n. 34, p. 79-82,
2010.

BARROSO, C. ; BRUSCHINI, M. C. A. Sexualidade Infantil e Práticas Repressivas. Cadernos de


Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), São Paulo, v. 1, n.31, p. 86-94, 1979.

FREUD, S. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos: volume XVIII. Rio
de Janeiro: Imago, 1990.

FREUD, S. Obras completas, volume 16: O eu e o id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925).
São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

FREUD, S. Psicologia do grupo e a análise do ego. In: ______. Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud: volume XVIII. Rio de Janeiro: Imago 1976, p. 89-179.

PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sérgio Lima
Silva. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Trad. Paulo Bezerra. 2. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2010.

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